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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 131
EM 19 DE JULHO DE 1923
Presidente o Exmo. Sr. Afonso de Melo Pinto Veloso.
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Aberta a sessão com a presença de 65 Srs. Deputados, é lida a acta da sessão anterior e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — Os Srs. Hermano de Medeiros e Lúcio Martins têm a palavra para interrogar a Mesa, respondendo-lhes o Sr. Presidente.
O Sr. Estêvão Águas requere que seja marcado para discussão, antes da ordem, o parecer n.º 542.
É autorizada a reunião de comissões durante a sessão.
O Sr. Moura Pinto interroga a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
Pôsto à votação o requerimento do Sr. Estêvão Águas, têm a palavra, sôbre o modo de votar, os Srs. João Bacelar, Paulo Cancela de Abreu e o requerente, que modifica o seu requerimento. Sôbre o modo de votar ainda falam os Srs. Hermano de Medeiros e António Maia. O requerimento é aprovado.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu envia para a Mesa, e justifica, um projecto de lei pelo qual se autoriza o regresso dos jesuítas portugueses ao País.
O Sr. António Maia interroga a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
O Sr. Presidente declara não poder aceitar, por ser contrário à Constituïção, o projecto do Sr. Pauto Cancela de Abreu.
O Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva) dá-se por habilitado a responder à interpelação do Sr. António Maia ao Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria).
O Sr. António Correia pede providências para a situação do Asilo de Cegos, de Cafttelo de Vide, respondendo-lhe o Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva).
É posta à votação a acta da sessão anterior, usando sôbre ela da palavra o Sr. Lino Neto,
É aprovada a acta.
O Sr. António Maia realiza a sua interpelação acêrca de irregularidades que diz cometidas nos serviços da, Aeronáutica Militar.
Responde-lhe o Sr. Presidente do Ministério.
Para explicações sôbre o assunto da interpelação voltam a falar os Srs. António Maia, e Presidente do Ministério.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu protesta contra o facto de não ter sido recebido na Mesa o seu projecto de lei.
Ordem do dia — Primeira parte. — Prossegue a votação das moções apresentadas sôbre a questão Atrevia do Sr. Pedro Pita.
Usam da palavra para explicações os Srs. Pedro Pita, Agatão Lança e João Luís Ricardo.
Procede-se à contraprova requerida para a moção do Sr. Agatão Lança. Esta é rejeitada por 49 votou contra 29.
O Sr. António Maia requer e que lhe sejam levantadas as imunidades parlamentares.
Submetida à votação a moção do Sr. Álvaro de Castro, é considerada prejudicada depois de falar o Sr. António Fonseca.
Usam da palavra, sôbre o modo de votar a moção do Sr. Carvalho da Silva, êste Sr. Deputado e o Sr. António Fonseca. É considerada prejudicada, o que se confirma em contraprova.
Sôbre o requerimento do Sr. António Maia, êste Sr. Deputado, depois de usar da palavra o Sr. António Fonseca, desiste do seu requerimento.
Sôbre a ordem tios trabalhos usam da palavra os Srs. Joaquim Ribeiro, Cunha Leal e Carvalho da Silva, o primeiro dos quais requere que se entre na segunda parte da ordem do dia.
Os Srs. Júlio Gonçalves, Cunha Leal e Paulo Cancela de Abreu usam da palavra, sôbre o modo de votar. O requerimento e aprovado.
Ordem do dia — Segunda parte. — Discussão da proposta de lei n.º 532-D e do projecto de lei n.º 423-A, que tratam do regime cerealífero.
É dispensada a leitura de ambos os documentos.
Usam, da palavra o Sr. João Luís Ricardo, que manda para a Mesa um contra-projecto, sôbre cuja admissão falam os Srs. Carvalho da Silva e Sousa da Câmara.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. António Fonseca lavra um protesto contra o pro-
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cedimento de certo funcionário da Companhia dos Caminhos de Ferro. Responde-lhe o Sr. Ministro do Comércio (Vaz Guedes).
O Sr. Carvalho da Silva pede que sejam pagas determinadas pensões, respondendo-lhe o Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães).
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando, a imediata com a respectiva ordem.
Abertura da sessão, às 15 horas e 28 minutos.
Presentes, 65 Srs. Deputados.
Entraram 49 Srs. Deputados.
São os seguintes:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Lelo Portela.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Serafim de Barros.
José Cortes dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa dá Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Rocha Felgueiras.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Valentim Guerra.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto de Moura Pinto.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António de Paiva Gomes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virginio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bernardo Ferreira de Matos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Francisco Cruz.
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Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
Joaquim Brandão.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira,
Paulo da Costa Menano.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Pinto do Meireles Barriga.
António Vicente Ferreira.
Artur Brandão.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado Freitas.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Jaime Duarte Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Barros Capinha.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José Pedro Ferreira.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Pelas 15 horas e 27 minutos, com a presença de 65 Srs. Deputados, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão
Leu-se a acta e o seguinte
Expediente
Telegramas
Dos oficiais de justiça de Cantanhede, Oliveira do Hospital, Leiria, Ferreira do Alentejo, Barcelos, Loulé, Vila Real, Montemor-o-Novo, Setúbal, Silves e Grândola, pedindo a aprovação do parecer n.º 502 com as modificações apresentadas pela comissão do oficiais de justiça.
Para a Secretaria.
Ofícios
Das Câmaras Municipais de Mangualde e Parede, pedindo para sejam relevados os municípios de vários encargos.
Para a comissão de administração pública.
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Do Ministério do Comércio, enviando cópia de todas as propostas de. adjudicação de navios da frota mercante do Estado, pedido pelo Sr. Carlos Pereira. Para a Secretaria.
Da Associação Comercial dos Lojistas de Lisboa, pedindo que as taxas do novo imposto do sêlo, e que digam respeito à carestia da vida, sejam beneficiadas quanto possível.
Para a Secretaria.
Da Associação dos Empregados do Comércio e Indústria de Portalegre, pedindo a aprovação do projecto de lei do Sr. Bartolomeu Severino.
Para a Secretaria.
Idem, de Ponte do Lima, protestando contra a lei n.º 1:368. Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal de Mangualde, pedindo a abolição da contribuição predial rústica no ano corrente aos habitantes de Cambra Baixa, Mesquitela, Espinho o Santiago, por prejuízos causados pelos último temporal.
Para a Secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Hermano de Medeiros: — Sr. Presidente: ontem antes de terminar as suas considerações o Sr. Ministro do Trabalho, eu pedi a palavra para explicações, e tenho o direito de ser ouvido.
Pregunto por que razão não estou inscrito.
O Sr. Presidente: — Eu não estava ontem na Presidência, mas não vejo que V. Ex.ª esteja inscrito.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Tenho testemunhas (Apoiados) de que pedi a palavra e devo estar inscrito.
O Sr. Presidente: — Sou informado de que V. Ex.ª usou da palavra duas vezes.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Pedi a palavra para explicações o ainda não só negou a ninguém.
Apoiados.
O Sr. Lúcio Martins: — Pregunto a V. Ex.ª, Sr. Presidente, se o Sr. Ministro' da Guerra está demissionário.
O Sr. Presidente: — Não posso responder a V. Ex.ª
Não vi essa demissão ainda publicada no Diário do Govêrno.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Eu tenho o direito de falar, o meu nome devia estar aí inscrito. Só por insinuação é que o meu nome não está aí.
Se V. Ex.ª não me dá a palavra, eu saio desta Câmara, renuncio ao meu mandato.
Àpartes.
O Sr. Presidente: — Eu não permito que V. Ex.ª se refira nestes termos à Presidência.
Apoiados.
Nós temos de nos respeitar uns aos outros.
V. Ex.ª fica inscrito. O Sr. Ministro do Trabalho não está presente.
O Sr. Estêvão Águas: — Há uma disposição aprovada nesta Câmara, o ano passado, para não abrir â Escola Naval; de forma que os alunos, que o ano passado não puderam entrar, êste ano já tem mais do que a idade e não podem ser admitidos, pois o Diário do Govêrno abre o concurso para novas admissões êste ano, e o prazo termina no dia 10 de Agosto.
Para evitar, êsse inconveniente, mando para a Mesa um projecto que já tem um parecer n.º 542 e para o qual peço urgência.
O Sr. Pereira Bastos: — Pedia a V. Ex.ª para consultar a Câmara sôbre se permito que a comissão de guerra reúna durante a sessão.
Foi aprovado.
O Sr. Moura Pinto: — Peço a V. Ex.ª para consultar a Câmara sôbre se autoriza que a comissão de legislação criminal reúna durante a sessão.
O Sr. Moura Pinto: — Eu desejaria saber se pela moção aprovada só entende que ô parecer é das duas comissões conjuntas.
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O Sr. Presidente: — A moção não está sôbre a Mesa.
O Sr. Abílio Marçal: — O parecer é das duas comissões retinidas conjuntamente.
O Sr. Presidente: — O parecer é das duas comissões reünidas conjuntamente.
Vai ser pôsto à votação o requerimento do Sr. Estevão Águas.
O Sr. João Bacelar: — Desejava saber se é com prejuízo dos oradores.
O Sr. Presidente: — É com prejuízo dos oradores.
O Sr. João Bacelar: — Desta forma não posso, votar o requerimento do Sr. Estêvão Águas, pois não podemos tratar de assuntos importantes de que temos a tratar.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Assim deixamos na situação de miséria os reformados do Arsenal, e tantos outros assuntos importantes por resolver, para admitir alunos numa escola.
Assim não votamos o requerimento.
O Sr. Estêvão Águas: — Modifico o meu requerimento, que fica assim:
Antes da ordem, sem prejuízo dos oradores.
O Sr. Presidente: — Vou consultar a Câmara sôbre o requerimento do Sr. Estêvão Águas.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Se o projecto de lei a que se refere o Sr. Estêvão Águas é para ser discutido antes da ordem do dia, lembro a V. Ex.ª que estou inscrito desde anteontem.
O Sr. António Maia (sôbre o modo de votar): — Pregunto a V. Ex.ª se êsse requerimento para se discutir um projecto de lei antes da ordem do dia prejudica a minha interpelação ao Sr. Ministro da Guerra.
O Sr. Presidente: — Êsse requerimento é sem prejuízo dos oradores inscritos antes da ordem do dia.
Pausa,
O Sr. Presidente: — Vai votar-se o requerimento do Sr. Estêvão Águas que é no sentido de se discutir o projecto de lei n.º 542, sem prejuízo dos oradores inscritos.
Foi aprovado.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: em uma interessantíssima festa de confraternização dos antigos alunos dos colégios de Campolide e S. Fiel, declarei que traria à Câmara dos Deputados um projecto de lei destinado a admitir individualmente nas Missões Religiosas do ultramar os membros da Companhia de Jesus, que sejam de nacionalidade portuguesa.
Expus resumidamente aos meus antigos companheiros as razões por. que o faria e pedi a S. Ex.ª Reverendíssima o Sr. bispo de Beja, que presidiu, o seu valioso apoio e à Liga dos alunos, que acabava de ser fundada, a sua coadjuvação em tam justo e patriótico empreendimento.
Frisei ainda,que me animava ùnicamente o intuito de praticar um acto de justiça e bem servir o meu País e que esta circunstância me dava a certeza de que podia contar com a cooperação de todos.
É animado pela esperança do valioso apoio do digno prelado que ostenta ao peito a Cruz de Guerra, e pelas manifestações de aplauso que a minha idea, há muito formulada, encontrou nos antigos colegiais -pessoas de todos os credos políticos, muitas das quais hoje ocupam altas posições de destaque- que eu venho desempenhar-me da minha honrosa missão.
O Govêrno Provisório da República, por decreto, ainda não revisto, de 8 de Outubro de 1910, expulsou de Portugal e seus domínios «todos os membros da chamada Companhia de Jesus, qualquer que fôsse a denominação sob que ela ou elas só disfarçassem, e tanto estrangeiros ou naturalizados, como nascidos em território português, ou do pai ou mãe portugueses».
Foz expressamente reviver as leis de 3 do Setembro de 1759, de 28 de Agosto de 1767, de Pombal, baseadas aliás no facto de o Marquês entender que a Companhia não estava cumprindo os preceitos do seu estatuto, e, portanto, em razão
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bem oposta à que orientou os seus pretensos imitadores de agora.
E, não contente com isto, o Govêrno Provisório, por decreto de 31 de Dezembro de 1910, interditou o regresso à sua Pátria de qualquer antigo membro da Companhia de Jesus, emquanto não tiverem decorrido vinte anos após o abandono da Companhia, e isto sob pena de serem condenados nos termos do artigo 263.º do Código Penal, isto é, em 2 a 8 anos de Penitenciária, como membros de associação de malfeitores!
Malfeitores?!
Como assim, se quási todos os países civilizados os permitem no seu território, e se tem sido reconhecida a existência legal da Companhia desde a sua fundação em 1540?!
Como assim, se os outros países os não desnacionalizaram; e, antes, em muitos, é assegurada personalidade jurídica à sua instituição e o domínio e posse do seu património, como sucede na República Brasileira, que deve a Rui Barbosa o notabilíssimo decreto de 7 de Janeiro de 1890, sôbre as relações do Estado com a Igreja?!
Como assim, Sr. Presidente, se, como referiu o distinto homem de foro Dr. Cunha e Costa, na própria República Francesa, que aqui tanto se procura imitar, foram mobilizados, na Grande Guerra, 855 jesuítas, dos quais 165 morreram em campanha, 359 foram condecorados e citados com 703 citações, havendo entre êles 353 Cruzes de Guerra, 90 cavaleiros da Legião de Honra, 60 medalhas militares, 6 medalhas de honra das epidemias, 1 medalha de gratidão francesa e 47 condecorações estrangeiras?!
São malfeitores êstes homens?! ou são malfeitores apenas os que nasceram e querem morrer em Portugal e são tratados como párias ou «indesejáveis», mas que foram encontrar no estrangeiro o agazalho que a sua própria Pátria lhes negou, emquanto cá dentro as associações comunistas têm sanção legal e os assassinos e ladrões gozam da impunidade!
Mas êstes, os jesuítas portugueses, têm também um passado a assinalar os altos serviços prestados,ao seu País na instrução; nas missões, e em campanha; e muitos foram os portugueses notáveis que pertenceram ao seu grémio, ou nele foram educados, como o padre António Vieira, D. Fernão Martins de Mascarenhas; bispo do Algarve; D. Rodrigo da Cunha, arcebispo de Lisboa e governador do Reino depois da revolução de 1640, D. Francisco Manuel de Melo, o padre Manuel Bernardes, Alexandre de Gusmão, notável diplomata; Ribeiro Sanches, Correia Garção e muitos outros.
E não poucos são os que hoje vivem ocupando posição de destaque na própria república e até no próprio Govêrno que foram educados em Campolide, S. Fiel e outros colégios, como nSo poucos foram os antigos alunos que, na última guerra, combateram heroicamente. Citarei, a título de exemplo, o malogrado capitão António Pinto da Cruz e Melo, meu companheiro em Campolide, que ainda há pouco recebeu, em homenagem póstuma, a Cruz de Guerra.
Pelo que diz particularmente respeito ao Ultramar, os jesuítas acompanharam sempre os navegadores e os guerreiros e muitas vezes os precederam, e ninguém pode, com sinceridade, contestar os «levantados serviços prestados nas missões pelos membros da Companhia de Jesus em favor da civilização e da soberania nacional.
Logo em 1540, D, João III instituiu na Índia uma missão, de que fizeram parte os companheiros de Santo Inácio do Loyola, Simão Rodrigues e S. Francisco Xavier, Apóstolo das Índias.
Nos domínios portugueses, houve desde tempos remotos, as missões de Goa (1542), Malabar (1601), e as do Brasil (1549), que constitui, porventura, o principal padrão da obra dos missionários portugueses. Em 1560 entraram em Angola, em 1565 em Macau, em 1604 em Cabo Verde e na Guiné e em 1607 no Maranhão.
E para se ver como era arriscada a tarefa dos missionários basta lembrar que só na China e no Japão foram assassinados 150 missionários portugueses.
Quando, em 1910, os membros da Companhia de Jesus foram expulsos de Portugal e seus domínios, muitos dos filiados na Província Portuguesa da Companhia de Jesus faziam parte das seguintes missões: Goa, no Seminário de Alepey, Residência de Belgão e Estação de Cochim;
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Macau, no Seminário de S. Jorge e Estação de Timor; Zambézia Inferior, em Quelimane, Estação de Coalano, Boroma, Agonia, Chapamga e Zumbo.
Foram expulsos sem se tomar em consideração os serviços que estavam prestando ao país, sem se atender ao grave inconveniente, agora claramente verificado e reconhecido pelos governadores coloniais, de a missão civilizadora ser exercida no território português por missões estrangeiras, que incontestavelmente desnacionalizam o indígena o nem sequer a nossa língua lhe podem ensinar, e das quais fazem parte congreganistas estrangeiros! Não basta divulgar a civilização e a fé; é indispensável divulgar também a idea da Pátria. É isto só portugueses o podem fazer.
Sôbre os serviços prestados nas missões pelos membros da Companhia de Jesus nas missões coloniais é interessante o testemunho insuspeito do sr. dr. Brito Camacho quanto à missão da Zambézia.
O Acto Geral da Conferência de Berlim de 26 de Fevereiro de 1885, que ratificámos pela lei de 20 de Julho de mesmo ano, o Acto Geral da Conferência anti-esclavagista de Bruxelas de 2 de Junho de 1890 e o convénio com a Grã-Bretanha de 20 de Maio de 1891 obrigam-nos a admitir no nosso território colonial, sem reservas e com todas as liberdades e garantias, as missões estrangeiras, que, conforme se reconhece no relatório do decreto n.º 5:778, têm sido muitas vezes elementos perturbadores do sossêgo e instrumentos de desprestígio de Portugal e da sua soberania. Ainda agora em Angola se procura evitar o gravíssimo inconveniente, contrapondo missões religiosas portuguesas às numerosas missões inglesas que repetidamente intrigam contra o nome português. £ Mas como satisfazer esta instante necessidade só as circunstâncias actuais não permitem recrutar no clero secular o número indispensável de missionários? A votação do nosso projecto virá opor, sem dúvida, um digno a tam alarmante obra do desnacionalização.
«Na grande obra da civilização todos os esfôrços e todas as dedicações portuguesas devem ser aproveitados a protegidos, sem preocupações sectárias», disse o Governo de 1919, presidido pelo actual Ministro dos Estrangeiros:
Acresce que os membros da Companhia de Jesus estão submetidos a uma pena corpórea de duração ilimitada, contra o preceito do n.º 22.º do artigo 3.º da Constituïção, modificado pela lei n.º 635 e que a proíbe.
Admitindo-os nas colónias, atenuaremos um pouco esta ilegalidade.
Conta o brilhante homem de letras e meu querido amigo sr. dr. Fidelino do Figueiredo que, quando em 1914 um grupo de jesuítas portugueses residentes em Bruxelas quis pagar ao general do exército alemão invasor os emolumentos pelo «visto» nos seus documentos, êste lhes respondeu:
«Não é nada. E os senhores poderão dizer em toda a parte que os bárbaros alemães os não tratam taro. desumanamente como os republicanos portugueses, seus compatriotas. «
Fere, como um punhal, tam duro comentário. Mas que admira, Sr. Presidente, se há lá fora, cêrca de 300 portugueses impedidos de pisar o solo bemdito da sua Pátria!
E não podemos esquecer que entre êstes figuram também alguns exilados políticos monárquicos (Paiva Couceiro e os seus valorosos campanheiros) que a amnistia odiosamente excepcionou e a cuja injusta proscrição nós pretendemos pôr termo em um projecto de lei apresentado há meses.
O Sr. António Maia: — Desejava que V. Ex.ª me informasse se tenho de fazer alguma declaração ou requerimento para não comparecer à reunião conjunta das comissões de guerra e legislação, visto tratar-se dum caso pessoal.
O Sr. Presidente: — As comissões devem estar reünidas a esta hora.
O Orador: — Muito obrigado a V. Ex.ª
O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu manda para a Mesa um projecto de lei que tem
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por fim autorizar os membros da Companhia de Jesus a entrarem nas missões civilizadoras das colónias portuguesas.
É contra o artigo 12.º da Constituïção.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Peço a palavra para explicações. A Constituïção o que diz é que são proibidas as Congregações.
V. Ex.ª não pode deixar de pôr à votação o projecto.
O Sr. Presidente: — O artigo diz que é mantida em vigor a legislação do Marquês de Pombal que expulsou os jesuítas.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Desejo a palavra para explicações. A Constituïção é bem clara.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Pedi a palavra para explicar a V. Ex.ª o que se passou entre mim e o Sr. Ministro da Guerra.
Tendo-me avistado com S. Ex.ª, o Sr. Ministro da Guerra declarou-me que a sua resolução é inabalável.
Ocuparei a pasta da Guerra como é meu dever, apresentando ao Chefe de Estado o pedido de demissão de S. Ex.ª Na devida altura comunicarei à Câmara o nome da pessoa que o Sr. Presidente da República nomeará para a pasta da Guerra.
Aproveito a ocasião, por consideração para com a Câmara, para lhe comunicar, e ao Sr. António Maia, que me considero habilitado para responder à interpelação anunciada pelo Sr. António Maia ao Sr. Ministro da Guerra.
Apoiados,
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Herculano de Medeiros: — Como já não posso reatar as considerações acêrca do caso. dos hospitais civis, sou obrigado a pedir a palavra para explicações ao Sr. Ministro do Trabalho.
Mantenho tudo que disse ontem. Tenho a minha impressão pessoal acêrca da inteligência do S. Ex.ª Não tenho que falar em competência.
O assunto parece-me liquidado, mas, quanto ao director, ainda podemos ter de falar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: — Sr. Presidente: já por várias vezes tenho falado nesta Câmara, sem que tenha intuitos políticos, acêrca da situação em que se encontram vários estabelecimentos de caridade do círculo que represento neste Parlamento; e se algumas vezes tenho sido atendido, nem sempre as atenções dispensadas pelo Sr. Ministro se fazem sentir com aquela brevidade que seria para desejar. E assim é que desde muito tempo tenho recebido reclamações contra o procedimento havido para com um estabelecimento de caridade de Castelo de Vide, Asilo dos Cegos, dirigido por pessoas da mais alta respeitabilidade, que dedicam o seu carinho e protecção aos pobrezinhos que têm necessidade de utilizar-se daquela casa de caridade.
Em Castelo de Vide, uma das mais simpáticas vilas do concelho, pelo carinho que dispensa aos inválidos e cegos, tem sido feita uma política absolutamente repelente, atentatória dos mais elementares princípios- de sentimentalidade, e assim vejo que, emquanto os asilos de Castelo de Vide, dirigidos por pessoas da mais alta respeitabilidade, como já disse, e que não comungam, ou não são baptizados na pia democrática, vivem na miséria, e não recebem sequer o dinheiro pago em duodécimos.
O Sr. Francisco Cruz: — O senhor não sabe que está agora anunciada uma visita?
O Orador: — Sei pelos jornais que muito brevemente se vai ali receber a visita do Sr. Dr. João Luís Ricardo.
Que a visita se não limite ao Asilo de Serzedas, pelo qual tenho a maior simpatia, porque tem em vista acudir à maioria dos desgraçados.
Que essa visita, porém, não fique por aí.
Magoa-me profundamente situação daqueles que não podem manifestar os seus os seus sentimentos de caridade, porque
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acima dêsses sentimentos está a maldita política.
Apoiados.
Os jornais dão a notícia de que será feita uma visita ao Azilo de Serzedas, para ver as necessidades dêsse asilo.
Entretanto o Asilo dos Cegos, instituição modelar, que outra não tem igual no país, não tem sido auxiliado com carinho.
Dão os jornais a notícia de que em breve se irá realizar uma visita oficial a Castelo de Vide para conhecer detalhadamente as necessidades do Asilo de Serzedas, como só em Castelo do Vide não existisse o Asilo de Cegos, que é uma, instituição do seu género verdadeiramente modelar, que muito honra a República, a braços com uma situação económica inteiramente aflictiva. Fala-se em visitas a Castelo do Vide, mas não se faz a mais pequena referência ao Asilo dos Cegos, naturalmente porque as pessoas que o dirigem não são baptizadas na pia democrática.
O Asilo dos Cegos não recebe há muito tempo o mais insignificante subsídio e do último auxílio concedido pelos Bancos nem um centavo recebeu.
Eu não atribuo a responsabilidade dêstes factos ao Sr. Ministro do Trabalho, porque eu, que conheço S. Ex.ª de há longos anos, sei que é um espírito altamente culto e profundamente justo, incapaz de conivências com quem tem o arrojo de levar a política até aos estabelecimentos de caridade. Estou mesmo convencido de que S. Ex.ª, depois de ter conhecimento da injustiça que atingiu criminosamente o magnífico Asilo dos Cegos, se apressará a tomar todo o carinhoso interêsse que essa benemérita instituição merece.
E, dêste lugar donde estou falando ao País, eu convido o Sr. Ministro do Trabalho, a quando da sua viagem a Castelo de Vide, a visitar o Asilo dos Cegos para que S. Ex.ª fique completamente inteirado da justiça da minha reclamação. Tenho a certeza de que S. Ex.ª depois de constatar a importância dêsse estabelecimento e a sua precária situação, procurará esmagar a política do que o Asilo é alvo, dispensando-lhe toda a sua protecção e todo o seu auxílio.
É preciso acabar, pelo menos em matéria de estabelecimentos do caridade, com todos os actos que possam justificar e dar razão ao velho aforismo que diz que uns são filhos e outros enteados, e praticar só aqueles de que resulte um maior e igualitário conforto para todos quantos se encontram impossibilitados de ganhar o pão de cada dia.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva): — Ouvi com a maior atenção as considerações que acaba de fazer o Sr. António Correia, em resposta às quais devo dizer que não sou eu, Ministro do Trabalho, quem faz a distribuïção do subsídios pelos estabelecimentos de assistência do país. Eu sou apenas presidente do conselho de Seguros Sociais Obrigatórios e Previdência Geral que é a única entidade que, por lei, tem competência para proceder à sua distribuïção.
Além disso, dá-se ainda o caso de não poder, pelos muitos afazeres do meu cargo de Ministro, assistir a maior parte das vezes às sessões dêsse conselho que são, por isso, presididas quási sempre pelo vice-presidente dêsse conselho.
Em todo o caso, possuo os elementos suficientes para poder afirmar ao ilustre Deputado o à Câmara que jamais o critério político presidiu à distribuïção dos subsídios aos estabelecimentos de caridade, tanto mais quanto é de todos sabido que dêsse conselho fazem parte indivíduos pertencentes a todas as correntes políticas, mas sim que êsse critério é tam somente o da necessidade em que cada um dêsses estabelecimentos se encontra.
Quanto ao asilo de Castelo de Vide. de que S. Ex.ª particularmente se ocupou, nada mais posso dizer ao ilustre Deputado de que, tomando na devida conta as suas palavras, procurarei remediar quanto me fôr possível a situação desse asilo.
Em relação à anunciada visita ao asilo de Serzedas, devo dizer que nem sempre podemos e devemos acreditar no que os jornais dizem.
Quero-me parecer que. essa visita não é só ao asilo do Serzedas, mas sim a todos os estabelecimentos de caridade de Castelo do Vide.
SP, porém, a visita não tem tal objectivo, eu lembrarei a quem de direito a conveniência de que ela realmente o tenha.
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Quanto aos atrasos de pagamento, devo esclarecer S. Ex.ª que êles se não registam apenas em relação ao asilo de Castelo de Vide, mas a todos os asilos.
Os factos que S. Ex.ª apontou não dizem apenas respeito ao asilo de cegos de Castelo de Vide, mas a todos os outros asilos, porque é um defeito de organização que espero terá remédio.
O que eu posso fazer é chamar a atenção da repartição de contabilidade e da administração do conselho de Providência Social.
O Sr. António Correia: — Tenho muito prazer em convidar V. Ex.ª a visitar o asilo dos cegos em Castelo de Vido.
O Orador: — Com muito gosto aceito o convite de V. Ex.ª e irei logo que possa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Se bem ouvi, o Sr. Presidente do Ministério declarou-se habilitado a responder à minha interpelação e como essa interpelação estava autorizada sem prejuízo dos oradores inscritos, não posso deixar de protestar contra o facto de V. Ex.ª não me ter concedido a palavra.
Como em breve será dado o parecer das comissões, que bem pode suceder que seja no sentido de me serem suspensas as imunidades parlamentares, o que evitaria que eu realizasse a minha interpelação, requeiro a V. Ex.ª que a interpelação se realize com prejuízo da ordem do dia.
Tenho dito.
Consultada a Câmara, foi aprovado o requerimento do Sr. António Maia.
O Sr. Lino Heto (sôbre a acta): — Sr. Presidente: a minoria católica não estava presente quando ontem foi resolvido que uma comissão procurasse demover o Sr. Sá Cardoso da sua resolução do abandonar o seu lugar; se estivesse presente, a minoria católica associar-se-ia a essa deliberação, o que faz hoje, pois reconhece no Sr. Sá Cardoso as qualidades do correcção e inteligência para desempenhar êsse cargo com aplauso de todos nós.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovada a acta.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. António Maia para realizar a sua interpelação ao Sr. Ministro da Guerra.
O Sr. António Maia: — Antes de entrar no assunto da interpelação desejo fazer uma pregunta à Câmara.
Como o n.º 24 do artigo 4.º do Regulamento disciplinar me impede do censurar os meus superiores, eu desejo saber se posso como deputado criticar os meus superiores no exército.
O Sr. Almeida Ribeiro (interrompendo): — O artigo 15.º da Constituïção é explícito. V. Ex.ª tem todo o direito do fazer a crítica que entender.
O Orador: — Obrigado a V. Ex.ª
Vou entrar no assunto da minha interpelação, a qual não toca, nem ao de leve, no capitão Maia.
Vou principiar pela colocação de oficiais não especializados na direcção da aeronáutica.
Pelo decreto n.º 4:529 foi criado um organismo que tem uma determinada contextura, mas o director da aeronáutica, em confidencial de 7 de Dezembro de 1922, pediu com urgência um sub-director, o qual foi nomeado, mas que apenas ocupou êsse lugar emquanto não foi nomeado adido militar em Madrid.
Aqui tem V. Ex.ª a moralidade do caso.
Mas, Sr. Presidente, era tudo quanto havia de mais natural se se tivesse, por exemplo, dado uma aparência de legalidade a êste facto. Efectivamente, nada mais simples havia, desde que o Poder Executivo fizesse publicar um decreto pelo qual a Direcção do Aeronáutica passasse a ser constituída por tais e tais entidades. Não se teve, porém, êsse cuidado: pensou-se sempre em passar por cima da lei para, satisfazer as ambições ou os desejos do sr. director de Aeronáutica.
Por consequência, a colocação dêste oficial na Direcção de Aeronáutica é absolutamente anti-regulamentar o ilegal, e necessàriamente que. o Sr. Ministro da Guerra, não atendendo a nada do que ou referi à Cariara, procedeu fora das suas atribuïções. Infelizmente, a responsabilidade dêsse acto não pertence ao Sr. Ministro da Guerra dêste gabinete, e o Sr. Presidente do Ministério culpa alguma
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tem dêsse [...] acto, mas ou não podia deixar de [...] a êle.
Passamos agora à segunda parte da minha interpelação, e esta muito mais importante do que a primeira. Trata-se da abertura dum curso para pilotos aeronáuticos.
Sr. Presidente: dizia o regulamento da Escola Militar de Aviação, publicado em 23 de Dezembro de 1915, que a admissão na escola dos alunos destinados a qualquer curso de especialistas tinha do ser sujeita a certas e determinadas condições e impunha como sendo condição primacial e serem êsses alunos sujeitos a uma junta médica para avaliar das suas qualidades físicas. Compreendam V. Ex.ªs que os indivíduos que se destinam a cursos em que as suas condições físicas têm do estar sempre à prova não podem deixar do maneira nenhuma de ser sujeitos a um exame médico.
Pois certos oficiais foram mandados admitir a toda a pressa na Escola Militar de Aviação som condições nem exame médico. Porquê? O facto podia passar desapercebido detido que não houvesse mais indivíduos a concorrer, mas não passou por êsse motivo.
Mas porque foram admitidos êsses oficiais sem condições e a toda a pressa? Única e exclusivamente porque êsses indivíduos eram amigos do Sr. director geral de Aeronáutica e era necessário que êles fossem colocados na Escola Militar de Aviação como alunos, antes que fôsse publicado o novo regulamento da mesma Escola, pelo qual êles não podiam ser admitidos.
Quere dizer, os alunos que foram admitidos foram-no dentro do regulamento antigo, mas sem a inspecção médica; porém, se concorressem mais tarde não podiam ser admitidos. Fizeram-se, por isso, notas urgentes, para que êsses oficiais entrassem imediatamente na Escola Militar de Aviação.
Procurou assim o Sr. director geral do Aeronáutica fugir às responsabilidades de uma nova lei, feita pela comissão técnica de aeronáutica de que êle faz parte, para os seus amigos que ficarem inibidos de frequentar a Escola.
Apoiados.
[...] ainda se agrava mais se eu disser à Câmara, como vou dizer, o seguinte: é que quando foram mandados apresentar êsses oficiais na Escola Militar de Aviação já havia sido publicado no Diário do Govêrno o novo regulamento da Escola. Realmente o regulamento foi publicado em 9 de Outubro de 1922 e as notas que mandaram admitir êsses alunos são de 30 do mesmo mês e ano.
Essas notas dizem, o seguinte:
Leu.
Preguntar-se há porque é que havia pressa e se deu nota de urgente à apresentação dos oficiais. Única e exclusivamente porque o regulamento da Escola, apesar do já ter sido publicado no Diário do Govêrno, ainda não tinha sido publicado em Ordem do Exército, embora aparecesse depois transcrito na Ordem do Exército de 24 de Outubro de 1922; portanto êsse documento não tinha ainda chegado nem à Direcção Geral de Aeronáutica nem à Escola Militar de Aviação.
Como vêem V. Ex.ªs, procurou-se propositadamente à outrance atropelar o regulamento em que o próprio director de Aeronáutica tinha colaborado.
Mas ainda há mais! Se êstes documentos não me foram fornecidos pelo Ministério da Guerra, apesar do eu os pedir! Dá-se esta cousa interessante: é que o Sr. — director de Aeronáutica, em princípio de Outubro, propunha ao Ministério da Guerra que fôsse colocado na Escola Militar de Aviação um oficial especializado, a fim de desempenhar um cargo para o qual não é precisa especialização. E ouça a Câmara! A Secretaria da Guerra respondeu que, tendo sido publicado no Diário do Govêrno o novo regulamento, êsse oficial, por não estar ao abrigo dele, não podia ser admitido na Escola, e o Sr. director de Aeronáutica respondeu com a nota seguinte:
Leu.
Quere dizer, é o próprio director do Aeronáutica que reconhece a legitimidade da publicação do regulamento no Diário do Govêrno quando êle quere que alguma sua proposta vá por diante. Mas quando quero satisfazer os seus amigos já o regulamento publicado no Diário do Govêrno não é lei para êle, não é nada.
Apoiados.
Sr. Presidente: tem-se falado nesta Câmara em questões disciplinares, e devo salientar por isso, porque tenho verificado
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o facto, que pouca gente sabe o que é disciplina militar. A disciplina militar, diz o regulamento militar no seu artigo 1.º, é o seguinte:
Leu.
Reparem nisto: é o laço moral. Mas mais adiante está especificado no artigo 72.º, que diz:
Leu.
Reparem V. Ex.ªs: o regulamento impõe êste dever a todo o militar i não provocar faltas e fazer com que os seus subordinados não cometam faltas. Mas diz ainda mais:
Leu.
Em tudo se revela a ligação moral: pelo exemplo, pelo irrepreensível porte, pela justiça e imparcialidade.
£ Uma companhia composta por homens que dia a dia arriscam a vida, como podem ver as injustiças que se praticam para servir os interêsses próprios e os interêsses de amigos?
Eu lastimo que naquelas cadeiras não esteja o Ministro da Guerra, pois o Sr. Presidente do Ministério não conhece estas cousas como o Ministro da Guerra ás conhece, visto que pessoalmente informei S. Ex.ª
A injustiça flagrante é de tal natureza, que nin oficial que foi proposto pelo capitão António Maia não foi admitido e, tendo eu ido com o Sr. capitão José Jardim da Costa à presença do director de aeronáutica, S. Ex.ª deu-nos razão e disse que reclamasse; pois. apesar disso, o director redigiu uma extensa nota que ocupa três páginas de papel e que termina por estas palavras.
Leu.
Onde está a justiça, a correcção e a imparcialidade?
A ordem que os mandava fazer êsse curso era de 30 de Outubro e o regulamento tinha sido publicado a 9.
Porque se vai alegarão Sr. Ministro da Guerra que a êstes oficiais não era aplicável a legislação em vigor, como se aplicou aos outros,' quando isso era absolutamente falso?
Mas isto é muito grave e se êsse oficial não fazia o curso não ora por sua culpa, e invoco o testemunho do Sr. Presidente do Ministério que pode dizer, se não era contra as da própria vontade que êsse oficial estava no serviço da polícia.
Pelos serviços que prestava, o Sr. governador civil não o queria dispensar.
Como tudo isto é lamentável para a disciplina do exército, e como pode dar lugar à maior indisciplina!
Apoiados.
Mas, Sr. Presidente, dizia-se que isto era para não agravar os oficiais de aviação, principalmente da patente de capitão.
O capitão Jardim entendeu que ia prejudicar tenentes e todos os capitães eram mais modernos do que êle.
Repare-se neste facto de não se querer causar prejuízos.
A Câmara agora deve pasmar, porque os oficiais admitidos foram prejudicar camaradas seus da aviação como eu vou mostrar á Câmara pela relação que vou ler:
Leu.
Eu pregunto com que espirito de justiça só prejudicam direitos de uns, par salvaguardar os direitos de outros, conforme os seus interêsses.
Eu pregunto qual será amanhã o chefe que tenha autoridade moral para reclamar também.
Terminei a parte séria da questão e vou entrar na parte que não sei como classificar, porque tenho medo de ferir oficiais distintíssimos do exército que não têm culpa das asneiras, mas direi que a situação é ridícula para êles próprios, e tão ridícula que tendo sido publicada uma ordem para usarem certo distintivo de aviação, não o usam por temerem o ridículo da situação.
O culpado de tal situação é o director da aviação, como vou provar, porque não faço afirmações que não prove.
Perdoe-me a Câmara que eu leia uma extensa nota, que necessito ler para que a Câmara não atribua a1 fantasia minha o que dela consta.
Leu.
Eu devo dizer que êstes louvores são tudo quanto há de mais justo, porque êles procederam sempre como oficiais ilustrados, mas que não deram as provas necessárias para pilotos aerosteiros.
Mas era necessário dar uma recompensa a êstes oficiais e assim entendeu-se que êsses louvores não bastavam e então o director da aeronáutica mentiu ao Sr. Ministro da Guerra.
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Diz-se assim:
Leu.
Mas, Sr. Presidente, como isto era muito ridículo, houve por bem o Sr. Ministro da Guerra classificar êsse camarada como piloto aerosteiro.
O aparecimento da nomeação dêsse indivíduo como piloto aerosteiro na ordem do exército não posso atribui-lo ao Sr. Ministro da Guerra que fez aquilo que devia fazer como chefe.
A falta é de quem mentiu ao Sr. Ministro da Guerra.
Quando anunciei a minha interpelação, disse ao Sr. Ministro da Guerra que tinha êste documento, para ver se modificava o que se havia feito.
O Sr. Ministro da Guerra tinha conhecimento dos pontos fracos da questão, mas não modificou.
Eu tenho que provar à Câmara que êsse oficial não tinha dado provas para ser piloto aerosteiro, e vou fazê-lo.
Como eu costumo sempre provar o que afirmo, vou ler à Câmara o que dispunha o antigo regulamento — porque o moderno nada diz a êsse respeito — como necessário para o curso de pilotos aerosteiros.
Leu,
Quere dizer, o regulamento não fala sequer de ascensão em balão captivo.
Um dia, um dêsses balões subiu ao ar e, de repente, a corda partiu-se, seguindo o mesmo balão inflexìvelmente o caminho que lhe foi indicado pelo vento, e indo cair no sítio até onde o vento o impelia. Os pilotos, que tinham ficado em terra, mais uma vez demonstraram a eficácia dos grandes inventos portugueses dando direcção ao balão por meio da telepatia. É que êles dirigiram o balão justamente no sentido em que o vento o levou, fazendo-o baixar exactamente no sítio em que êle caiu...
Querem V. Ex.ªs razões de maior vulto para justificarem a classificação dada a êstes oficiais de pilotos aerosteiros?
E eu pregunto: porque se não deu a mesma classificação aos outros oficiais, que estavam em circunstâncias idênticas?
Mas, Sr. Presidente, segundo a opinião do director Já Aeronáutica, era necessário dar a êsses oficiais uma retribuição monetária,, e então concedeu-se-lhes uma gratificação de vôo sempre que subissem nesses balões cativos.
Sr. Presidente: quando neste Parlamento se fala tanto em disciplina, parece-me oportuno referir aqui os factos que acabo de apontar e que, além de representarem uma imoralidade, são absolutamente desprimorosos para o exército.
E o único fito que me levou a efectuar esta interpelação foi aquele que sempre me tem orientado: concorrer para a disciplina e prestígio do exército.
Tenho dito.
Voxes: — Muito bem, muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: versou o Sr. António Maia vários assuntos na sua interpelação e eu diligenciarei seguir S. Ex.ª, na minha resposta, pela ordem a que S. Ex.ª obedeceu na referência dos factos que apontou.
Começou S. Ex.ª por citar o decreto n.º 4:529, que estabeleceu os serviços da. Aeronáutica Militar, afirmando que o actual director dêsses serviços não satisfaz às condições que são impostas pelo artigo 3.º do mesmo decreto.
Devo dizer a S. Ex.ª que circunstâncias imperiosas do momento determinaram que o Ministro da Guerra de então — que não era o Sr. coronel Freiria — nomeasse o Sr. tenente-coronel Freitas Soares director da Aeronáutica Militar.
O facto de ter sido nomeado êsse oficial para desempenhar o cargo de adido significa simplesmente que êle tinha qualidades para isso, mas que não o poderiam elevar até êsse Cargo antes de êle estar vago.
Apodados.
D(c) forma que, da parte de quem de direito, cumpriam-se as disposições legais, nomeando-o transitoriamente para a Escola e depois para adido militar.
Apoiados.
A isto limito as considerações que tinha de produzir em referência à primeira parte da interpelação do ilustre Deputado.
Refere-se a segunda parte, à qual vou responder, à abertura dum concurso para observadores aerosteiros, o criticou o ilus-
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ire Deputado o facto de só terem nomeado oficiais numas certas condições e, mais tarde, depois da publicação do novo regulamento da Escola, a um oficial que reunia condições até excepcionais se não aplicar o mesmo sistema que se adoptou para os outros, vendo daqui uma desigualdade porventura odiosa, tanto mais que êsse oficial não se aproveitou, talvez, das vantagens concedidas aos outros por ter estado coagido a desempenhar um determinado serviço, caso esto que era do meu conhecimento como Ministro do Interior. Ora eu deve dizer que os oficiais referidos foram nomeados anteriormente, à promulgação do novo regulamento, e portanto ao abrigo da legislação anterior; e, quanto ao caso da sua apresentação no serviço para que foram nomeados se ter feito posteriormente à promulgação da nova lei, isso não quere dizer nada, porque quantas vezes tal só dá, quer no exército, quer nas funções civis, sem que possa representar favoritismo.
Relativamente ao caso do Sr. capitão Jardim, tenho, por lealdade e porque nunca adúltero a verdade, de dizer o seguinte? efectivamente, requisitei ao Ministério da Guerra o Sr. capitão Jardim para desempenhar um serviço especial, que j)or acaso êste ano está também desempenhando, e no seu regresso a Lisboa, porque se deu um facto de muita gravidade, como foi uma greve revolucionária da C. G. T., a propósito do aumento do custo do pão, requisitei-o e mais outros oficiais para completarem o quadro dos oficiais de polícia. Êle não queria aceitar o cargo, mas eu fiz-lhe sentir que êle prestava um relevante serviço ao País auxiliando-me na repressão dêsse movimento, cujas consequências V. Ex.ªs bem sabem quais foram, e acedeu, por fim, ao me n pedido. Entretanto, por circunstâncias independentes da minha vontade e porque eu não podia estar a contar os dias que êle prestava serviço fora do seu quadro, excederam-se os noventa dias que os regulamentos militares marcam para se não passar a adido.
Mas devo dizer, por um pouco também de responsabilidade moral que eu tenho, que esta situação do capitão Jardim é de examinar e de remediar pelo Poder Executivo sendo possível ou, quando não seja, pelo Poder Legislativo, para que se não diga que quando um oficial presta serviços relevantes se lhe nega a compensação devida.
Apoiados.
E o que tenho a responder a êste ponto.
Mas referiu-se ainda o mesmo Deputado ao caso duma classificação do pilotos, aerosteiros errada. Embora não tenha uma lembrança precisa do caso, se a memória mo não atraiçoar ou vou dizer à Câmara as razões que determinaram essa resolução, que, aliás, parece-me que também não foi do tempo do Sr. coronel Freiria na gerência do Ministério da Guerra, como não foram os casos anteriores.
Não sei se mentiu ou deixou de mentir o director geral de aeronáutica.
A responsabilidade do termo é do Sr. António Maia. Mas o que é facto é que por extensão, o é razoável, dá-se ainda hoje o nome de pilotos aerosteiros àquelas pessoas que, anteriormente ao sistema do aparelhos mais pesados que o ar, possuíam essa designação, e creio que em França ainda se dá êsse nome às pessoas que fazem o seu curso de balões livres.
Ora uma proposta originária dos serviços de aeronáutica foi presente ao estado maior do exército que a enviou no Sr. Ministro da Guerra que, por sua voz, se conformou com ela, aceitando a classificação podida, o julgo que essa classificação, se a memória mo não falha, faz parto das novas bases de reorganização do exército.
Creio que foram êstes os pontos tocados pelo ilustre interpelante. Se há mais de que não mo recordo, eu podia a S. Ex.ª para me elucidar.
Sr. Presidente: limito as minhas considerações em relação ao que foi produzido pelo Sr. António Maia, e estou convencido absolutamente, convencido, do que, só todos tivermos a compreensão do momento que passa, se cada um se compenetrar das responsabilidades dêsse mesmo momento, e se encararmos sempre a situação, não duma forma agressiva e que nos separa, mas duma forma patriótica, a maior parte os acidentes que só têm dado, quer em relação a êste assunto, quer em relação a quaisquer outros, quer em relação ao caso do Sr. António Maia,
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só podem resolver com o maior espírito do justiça duns para com os outros.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia (para explicações): — Sr. Presidente: se bem ouvi as palavras do Sr. Presidente do Ministério, respondendo à minha interpelação, creio que êle explicou a razão da admissão dos oficiais, que eu referi, na Escola Militar do Aviação pelo facto de êles terem sido escolhidos anteriormente à publicação do novo regulamento.
Mas isto não pode cair no espírito da Câmara como razão aceitável para desculpar os actos do director da Aeronáutica.
O Sr. Presidente do Ministério não foi informado da verdade. Quem o informou faltou a ela.
Não há escolha para a frequência do curso de piloto observador ou de piloto aerosteiro.
O que há é um concurso.
O actual regulamento, como o antigo, manda que haja concurso para os indivíduos que queiram frequentar o curso.
Nenhuma das suas disposições foi, porém observada.
De tudo se pode concluir que os oficiais admitidos o foram ùnicamente por serem amigos do director da Aeronáutica.
Mas só houve uma questão de escolha, mais uma razão para o capitão Sr. Jardim não ser pôsto de parto, pois havia já uma deliberação da comissão técnica do Aeronáutica, no sentido de que aquele Br. oficiai deveria ser admitido em primeiro lugar, no primeiro concurso. Mais uma razão para ser êste o proferido e o caso de haver escolha.
A circunstância alegada pelo Sr. Presidente do Ministério de que êsse indivíduo estava fora do quadro só poderia produzir os seus efeitos se não tivesse havido um desmentido, que outra cousa não é o vir na Ordem do Exército a declaração de não o mencionado oficial não devia estar na situação em que fora colocado por engano.
Levei isto ao conhecimento do Sr. Ministro da Guerra, a quem mostrei os inconvenientes no caso, motivados no freto de o curso já estar em meio e o oficial Jardim não ter ido ainda ocupar o seu lugar.
Anunciei uma interpelação a S. Ex.ª, que me pediu para não insistir nela emquanto não fôsse aprovado o orçamento do Ministério da Guerra.
Disse o Sr. Presidente do Ministério e, segundo suponho, Ministro da Guerra, interino, que o facto, de os outros oficiais terem sido classificados, na Ordem do Exército, como pilotos aerosteiros era compreensível, visto que a legislação anterior classificava do aerosteiros os indivíduos que faziam parte da companhia e não sei o que mais.
Foi S. Ex.ª erradamente informado.
Êsses oficiais pertencem à companhia de aerosteiros, mas não são classificados de pilotos.
Não há nada na legislação que permita tal classificação senão para aqueles que tenham o curso.
S. Ex.ª, como argumento máximo, disse que o caso fora submetido ao estado maior, que dou o seu concordo.
O que quere isto significar?
Que acima das leis do País estão as decisões do estado maior.
E caso para dizer:
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.
Por tudo quanto deixo exposto, a Câmara verificará que de facto o Sr. Presidente do Ministério foi mal informado.
Quem o informou nem ao menos teve em consideração que S. Ex.ª, vindo responder, aqui, à minha interpelação, ficava com responsabilidades ligadas ao assunto, embora elas não lhe pertençam de facto, mas sim devam caber a quem o informou.
Eu não afaço o Sr. Ministro da Guerra por classificar êsses oficiais de pilotos aerosteiros.
S. Ex.ª cumpriu o seu dever, porque o dever de um chefe é dar razão ao cheio da corporação que esteja sob a sua dependência.
E porquê? Porque se o Sr. Ministro da Guerra fôsse verificar a legalidade dêsse acto isso implicava uma desconfiança no seu director a que êste não poderia corresponder senão pedindo a sua demissão. E era a única estação que tinha compe-
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tência para reconhecer se êsses oficiais podiam ser ou não pilotos aerosteiros.
O que havia de fazer, então, o Sr. Ministro da Guerra?
Suponham V. Ex.ªs que eu era o director de aeronáutica e que dizia ao Sr. Ministro da Guerra: o Sr. F. está habilitado a ser piloto aviador.
O que teria a fazer o Sr. Ministro da Guerra?
Mandar imediatamente publicar em Ordem do Exército a nomeação dêsse piloto aviador.
Tinha o Sr. Ministro da Guerra alguma responsabilidade nessa nomeação?
Nenhuma.
O único responsável era quem tinha feito a indicação e o regulamento disciplinar é bem claro a tal respeito dizendo que, quando há informações falsas, elas são da responsabilidade de quem as dá.
Sr. Presidente: vou dar por findas as minhas considerações respeitantes à interpelação; como V. Ex.ªs viram, ela não tinha nada de indelicada, de agressiva senão contra aquilo que ia agravar as leis e os regulamentos militares que não tinham sido cumpridos pelo Ministro da Guerra. Foi por isso que até hoje tenho insistido nesta minha interpelação a fim de que ela se realizasse.
Seja-me permitido nesta ocasião pedir a toda a Câmara que levante as minhas imunidades parlamentares porque quero cumprir imediatamente o castigo que me foi aplicado, dando assim o exemplo de que com esta minha interpelarão não tive senão em vista manter bem alto o prestígio e a dignidade da exército, não precisando da minha qualidade de parlamentar para ofender seja quem fôr.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: O Sr. António Maia na sua réplica repetiu, por assim dizer, a maior parte dos argumentos que já tinha produzido quando usou primeiramente da palavra.
A resposta que então dei a S. Ex.ª é a mesma que dou agora, em nome do Govêrno, isto é, que a situação do capitão Sr. Jardim será examinada e apurada a bem da justiça.
Estimei muito que o ilustre Deputado Sr. António Maia afirmasse que as responsabilidades não são do Ministro quando alguém o informa mal, porque nenhum Ministro, assim como qualquer outro funcionário pode dispensar-se nunca de examinar os processos.
As informações, portanto, do Sr. António Maia serão apreciadas por quem de direito, dentro dum espírito de absoluta justiça.
Parece-me que nada mais tenho a acrescentar em resposta ao Sr. António Maia.
Pelas últimas palavras de S. Ex.ª, que nada têm com a interpelação, e que, a meu ver, representam um gesto de disciplina, eu, que sempre mantive com S. Ex.ª as relações mais íntimas de amizade, envio-lhe um eterno agradecimento como português.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia (para explicações): — Sr. Presidente: por um lapso deveras lamentável, não agradeci à Câmara o ter consentido que eu realizasse a minha interpelação; faço-o agora, pedindo, à Câmara que me releve essa falta.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª que me diga o motivo por que não me foi concedida a palavra quando a pedi para explicações.
Invoco o § único do artigo 51.º do Regimento.
O Sr. Presidente: — Tem V. Ex.ª a palavra para explicações.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para explicações): — Sr. Presidente: quando, há pouco pedi a palavra para explicações, estava certo de que não me podia ser negada, em virtude do disposto no § único do artigo 51.º do Regimento.
Pedi a palavra quando o Sr. Afonso de Melo, que estava presidindo, declarou que o meu projecto não podia ser admitido por ser inconstitucional.
Verifiquei nessa ocasião que a mesma opinião tinha o Sr. Almeida Ribeiro, que se apressou em ir comunicá-la à Mesa.
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Devo dizer a V. Ex.ª que êste lado da Câmara prima sempre em ser cuidadoso no estudo das questões que trata e costuma estudá-las antes de as tratar. E se, eu tivesse a suspeita de que o meu projecto era inconstitucional não o traria à Câmara, a não, ser que houvesse da minha parte o propósito de fazer política.
Vários factos demonstraram claramente que não houve qualquer intenção política na sua apresentação.
Mas o que é curioso é que nesta Câmara, especialmente na sua maioria, além da conhecida atmosfera de intolerância e jacobinismo, paira o espírito da bruxa da Arruda.
Os senhores da maioria têm o privilégio de adivinhar as questões antes de as conhecerem; e assim foi que, quando o Sr. Presidente declarou que o meu projecto era inconstitucional, a maioria, que não conhecia os seus termos, logo lhe deu apoiados.
Ora o meu projecto destina-se a admitir que os membros da Companhia de Jesus possam fazer parte individualmente das missões religiosas nas colónias portuguesas.
Foi exactamente para evitar a habilidade de que se usou para rejeitar a admissão do meu projecto que eu redigi o projecto com muito cuidado.
Eu sei o que digo e o que faço e o que escrevo, o que não sucede a quem é intolerante.
Onde colide o meu projecto com a legislação que expulsou de Portugal os portugueses que fizeram parte da Companhia de Jesus?!
Exactamente por isso é que no meu projecto declarei que os indivíduos da Companhia de Jesus, que fossem para as colónias, não podiam viver em organização congreganista.
Mas há mais.
O acto da Conferência de Berlim, a Conferência de Bruxelas e o Convénio de Inglaterra obrigam todos os países signatários a admitir as missões de todos os outros países, seja qual fôr o seu fim.
Assinámos essas convenções e desde que as assinámos, Acorri que direito a intolerância da maioria se quere opor à estrada de tais missões?
Não é, pois, sem o meu protesto que o arbitrário procedimento de V. Ex.ª tem lugar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Q Sr. Presidente: — Vai proceder-se à contraprova que ontem se não realizou por ter sido interrompida a sessão.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: por que não põe V. Ex.ª à votação o meu requerimento?
O Sr. Presidente: — Porque a Mesa não tem dúvidas sôbre a inconstitucionalidade do projecto de lei de V. Ex.ª
ORDEM DO DIA
Primeira parte
Prossegue a votação das moções apresentadas sôbre a questão prévia do Sr. Pedro Pita acêrca da proposta do Sr. Presidente do Ministério, para que sejam levantadas as imunidades parlamentares ao Sr. António Maia.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se a uma contraprova.
Lê-se a moção do Sr. Agatão Lança. É a seguinte:
Moção
A Câmara, reconhecendo a necessidade de resolver sem prejuízo, das imunidades parlamentares a questão em debate, passa à ordem do dia. — Agatão Lança.
O Sr. Pedro Pita (para explicações): — Sr. Presidente: anunciou V. Ex.ª que se vai proceder à contraprova que se não pôde fazer ontem em consequência da interrupção da sessão.
Tem de ser diferente da que foi ontem a nossa atitude em face dessa contraprova.
Ao mante-la, nós não tínhamos, nem podíamos ter o intuito de por qualquer modo ser desagradáveis para com o Sr. Presidente desta Câmara, a qualquer partido que S. Ex.ª pertencesse e muito menos tratando-se do Sr. Sá Cardoso, pessoa que eu e os meus correligionários muito prezamos.
E, querendo dar a V. Ex.ª a prova
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mais completa de que da nossa parte não podia haver para com V. Ex.ª qualquer atitude que representasse menos falta de consideração ou de estima, vamos aceitar a contraprova, submetendo nos impassivelmente ao seu resultado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Agatão Lança (para explicações): — Sr. Presidente: falarei pouco porque me encontro mal. Tendo passado a noite gravemente doente, levantei-me às três horas e meia para vir aqui levantar o meu protesto contra o acto que se vai realizar, e protesto porque não vejo igualdade de tratamento para com todos os Deputados.
Como houvesse pedido a contraprova tardiamente, exactamente como o fez ontem um Deputado da maioria, e mais de uma vez; — apesar de ouvir aqui um àparte em surdina, que mais razão vem dar aos meus argumentos — essa maioria só me respondeu com risadas, dizendo-me: — «Ora, ora! O Sr. acordou tarde!» Se assim se tem procedido para comigo, eu pregunto a V. Ex.ª, eu pregunto à consciência honesta da Câmara se não tenho razão para formular o meu protesto e se não tive razão para manter a atitude enérgica de ontem.
Sei bem que o meu protesto nada vale, porque frequentemente aqui se dá o caso de vencer a fôrça do número contra a fôrça da razão, do direito e da justiça, mas por muito grande que seja a minha consideração pelo ilustre Presidente desta Câmara, devo dizer a V. Ex.ª que não imito, nem podia imitar a minoria nacionalista que ontem me acompanhou e defendeu a boa doutrina, e que hoje, por atenção para com o Sr. Sá Cardoso, mudou de atitude.
Por muito alta que seja, e devo dizer a V. Ex.ª que o é, a minha consideração por V. Ex.ª, mais alta é ainda pela pureza dos princípios, pela justiça e pelas normas por que uma Câmara se deve reger, normas que devem ser absolutamente iguais para todos: para a maioria, para á minoria e para independentes.
O Sr. Pedro Pita: — Nós não mudámos de atitude. Aprovámos a moção de V. Ex.ª e vamos aprová-la novamente.
O Orador: — Reconheço que não é muito parlamentar interromperem-se sessões de maneira tumultuosa, mas entendo que é muito pouco democrático, para servir determinadas conveniências, saltar por cima dos direitos e das normas estabelecidas que têm regido esta Câmara.
Apesar de tudo, eu vejo que hoje já não tenho quem me acompanhe com aquela energia que ontem tiveram, e digo que se eu não estivesse, abatido, numa enorme prostração que só a revolta que sinto, por ver que dentro desta Câmara democrática, num Parlamento da República, não são respeitados os direitos de cada um (apoiados e não apoiados), só essa fôrça força me faz falar; mas se eu estivesse num estado normal eu diria a V. Ex.ª que havia de faiar; falar sempre até impedir que a votação se fizesse.
O Sr. António Maria da Silva, Presidente do Ministério, tem jogado com todas as habilidades para se manter ao Govêrno e tanto assim que dos Ministros do começo só tem um, que é o Sr. Ministro das Colónias.
Ao Sr. Presidente do Ministério até a morte de homens eminentes lhe servo para o tirar de dificuldades; e ainda ontem correu a notícia do estado grave em que se encontrava o Sr. Presidente da República, boato que fez com que alguns Deputados mudassem de atitude, mas a minha atitude não se modificou, pois mal vai aos homens que assim modificam a sua opinião.
Eu também sou sentimental e também sou afectuoso; mas por mais alto que seja, e é, o prestígio do Sr. Sá Cardoso, eu em nada modifico a minha opinião.
Não se compreende que haja um tratamento para uns e tratamento desigual para outros.
O orador não reviu.
O Sr. João Luís Ricardo: — Pedi a palavra para responder ao Sr. Agatão Lança e dizer-lhe que S. Ex.ª não tem razão.
Dois Deputados dêste lado pediram a contraprova; garanto a V. Ex.ª que foi assim.
Eu garanto à Câmara, sob minha palavra de honra, que o Sr. Tavares do Carvalho pediu a contraprova e a seguir fez o mesmo o Sr. Abílio Marçal; mas ainda
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mesmo que êstes factos não se tivessem dado, ainda agora era ocasião oportuna para pedir a contraprova; não houve, portanto, violência da maioria porque ela pugnou pelo Regimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à contraprova da moção do Sr. Agatão Lança.
Procedeu-se à votação.
Aprovaram 49 Srs. Deputados e rejeitaram 29.
O Sr. António Maia: — Requeiro que entre em discussão o meu podido, que há pouco fiz, para que me sejam levantadas as imunidades parlamentares.
Foi Lida na Mesa a moção do Sr. Álvaro de Castro.
É a seguinte:
Moção
A Câmara, considerando que nunca o Sr. Ministro da Guerra negou o apoio decidido e necessário à sua acção disciplinar; mas,
Considerando que está marcada para ordem do dia, desde segunda feira, 16, a interpelação do Sr. António Maia ao Sr. Ministro da Guerra, requerida desde 19 de Abril passado, sôbre assuntos técnicos militares que nenhuma relação têm com a matéria que deu causa a punição referida na proposta do Govêrno;
Considerando que. o castigo a que na proposta se faz referência é de sexta feira, 13 do corrente; e,
Considerando que do castigo aplicado ao capitão Sr. António Maia, que ainda não lhe foi notificado nesta data, Lá reclamação dentro do prazo de cinco dias, não sendo assim ainda êsse castigo definitivo;
Considerando que não há motivo pura levantar as imunidades parlamentares emquanto não passar o prazo do reclamação, pois nenhum fundamento foi apresentado para justificar tal urgência, com desprêzo absoluto das mais rudimentares garantias parlamentares.
Resolve que se inicie a interpelação o só depois de esta finalizada se entre na apreciação da proposta do Govêrno, depois de apreciada pelas comissões competentes, que darão o seu parecer com a maior urgência, e continua na ordem do dia. — Álvaro de Castro.
O Sr. António Fonseca (sôbre o modo de votar): — Julgo que essa moção não pode ser votada agora porque se refere a factos já passados e a outros que se hão-de passar.
O Sr. Presidente: — De facto também me parece que está prejudicada.
Foi também considerada prejudicada a moção do Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: não posso considerar prejudicada a minha moção.
O Sr. Almeida Ribeiro considerou ontem como questão principal a questão prévia; logo à minha moção tem do ser votada.
O Sr. Presidente: — Havendo dúvidas sôbre a interpretação da Mesa, vou consultar a Câmara sôbre se considera ou não prejudicada a moção do Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Invoco o § 2.º do artigo 116.º do Regimento.
Procedeu-se à votação.
Consideram prejudicada a moção 67 Srs. Deputados e não prejudicada 12.
Entrou em discussão a proposta do Sr. António Maia requerendo a suspensão das imunidades parlamentares.
O Sr. António Fonseca: — Voto contra êsse requerimento porque êle é contrário ao Regimento e às deliberações tomadas pela Câmara.
Para mim é indiferente que se trate do Sr. António Maia ou de qualquer outro Deputado; para mim o que é importante é a questão dos princípios.
Discutindo o aprovando esto requerimento, damos a impressão de que queremos aproveitar esto caso para fazer política partidária, e dando ao Sr. António Maia o direito de querer ser preso temos de reconhecer a S. Ex.ª ou a qualquer outro Deputado o direito de não querer ser proso.
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Ora isto não pode ser; por isso voto contra.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Requeiro autorização para retirar o meu requerimento.
Foi autorizado.
O Sr. Presidente: — Vai continuar a interpelação do Sr. Cunha Leal ao Govêrno.
O Sr. Joaquim Ribeiro (para explicações): — Entendo que se deve passar à segunda parte da ordem do dia, porque não há nenhuma resolução da Câmara, em contrário.
O Sr. Cunha Leal: — O que era de boa praxe, era não ter interrompido a interpelação, pois não houve resolução da Câmara para que se tivesse pôsto de parte a primeira parte da ordem do dia.
O Orador: — Nunca se fez isso na Câmara, pois a. Câmara resolveu que fôsse prejudicada a ordem, e a parte que foi prejudicada foi a primeira.
O Sr. Carvalho da Silva: — Pedi a palavra por estranhar que o Govêrno, tendo pendente da Câmara a votação de uma moção de confiança, insista na discussão de uma proposta de lei.
Mas o que ainda mais faz pasmar é que ainda se encontra nas cadeiras do poder o Sr. Ministro da Agricultura, depois do cheque que a Câmara lhe deu.
Nunca nenhum Ministro se sujeitou ao que S. Ex.ª se sujeitai
O orador não reviu.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Peço a V. Ex.ª o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que se entre desde já na segunda parte da ordem do dia, isto é, que entre desde já em discussão a questão cerealífera.
O Sr. Júlio Gonçalves: — A Câmara resolveu, salvo êrro, a respeito dê um requerimento idêntico ao agora apresentado pelo Sr. Joaquim Ribeiro, que só prejudicaria a questão política e a lei referente aos funcionários públicos.
Foi o Sr. Cunha Leal, que levantou a questão e a Câmara votou segundo a sua opinião, não compreendendo eu, portanto, que a Câmara agora vá votar em sentido diverso.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: respondendo às considerações feitas pelo Sr. Júlio Gonçalves, devo dizer em abono da verdade, visto eu ser sempre muito coerente, com as minhas afirmações, que as cousas se passaram como S. Ex.ª disse, pois a verdade é que, se bem que o Sr. Ministro da Agricultura tivesse insistido pela discussão imediata da sua proposta, foi permitido que o Sr. Vasco Borges continuasse no uso da palavra, visto estar, pendente na Câmara a questão de confiança, e assim não posso deixar de votar contra o requerimento feito pelo Sr. Joaquim Ribeiro.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar à Câmara que votamos contra o requerimento feito pelo Sr. Joaquim Ribeiro, visto que. estando pendente um debate político, entendemos que se não deve tratar doutros assuntos.
O que se torna necessário, Sr. Presidente, é que o Sr. Ministro da Agricultura cumpra a lei, e publique a tabela com o preço do trigo.
Não se compreende que o Sr. Ministro diga à Câmara que não a publica, pois S. Ex.ª tem a obrigação de cumprir a lei.
A tabela, Sr. Presidente, já devia estar publicada; cumpra portanto S. Ex.ª a lei, que nós depois não temos dúvida nenhuma em votar a sua proposta, ou outra qualquer que venha à discussão da Câmara.
Se se cumprisse a lei do ano passado, podia esperar-se mais algum tempo pára se discutir o assunto.
O que é necessário é não importar mais trigo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovado em prova e contraprova o requerimento do Sr. Joaquim Ribeiro.
Segunda parte
O Sr. Presidente: — Estão em discussão, na generalidade, a proposta de lei
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n.º 532-D e o projecto de lei n.º 423-A, que tratam do regime cerealífero.
O Sr. João Luís Ricardo: — Sr. Presidente: pedi-a palavra para apreciara proposta mandada para a Meça pelo Sr. Joaquim Ribeiro, quando Ministro da Agricultura.
Entre nesta discussão, apesar de pertencer à comissão de agricultura e a Câmara ter dispensado o seu parecer, porque entendo que o assunto é de tal forma importante, que bem merece que todos os parlamentares por êle se interessem, no sentido de, de uma vez para sempre, fixarmos o regime cerealífero em Portugal, acabando com o chamado pão político.
Na proposta do Sr. Joaquim Ribeiro, não foi considerado o princípio do estabelecimento da liberdade absoluta de comércio, e trânsito de trigos.
Se não havia oportunidade, quando se discutiu a lei n.º 1:294, de ter em consideração êsse princípio, a verdade é que, em minha opinião, as circunstâncias presentes ditam-nos a sua adopção neste momento.
Nós devemos enveredar por um caminho absolutamente diferente daquele que temos seguido até aqui.
Entendo que a única maneira de garantirmos a não existência do pão político é submetendo p comércio e indústrias correlativas dos trigos ao princípio da liberdade absoluta.
Não põe o problema cerealífero nas bases da liberdade do comércio, da liberdade de indústria, mas de modo que o Estado não tenha de intervir, senão na fiscalização sanitária dos produtos que tenham de ser empregados.
Mas porque a lavoura nacional não chegou ao máximo da produção, e não poderá nunca chegar se o Estado não a proteger e não a colocar em condições favoráveis de adubos, limito as minhas considerações, pondo o problema, pois se diz que é necessário resolver os problemas do estudo dos caminhos de ferro, da hidráulica agrícola e de todas as condições necessárias para que a lavoura produza o máximo.
Ao mesmo tempo entendo que o Estado tem obrigação de proteger a lavoura, tem obrigação de dar aos cultivadores tudo quanto deve dar, tendo também o direito de exigir à propriedade individual tudo quanto ela pode dar à colectividade, sem vir a ser bolchevista, mas obrigando-a a produzir tudo quanto deve produzir.
Nestas condições, propus-me fazer um contra-projecto, e não veja nisso a Câmara um prurido de ser contra o Sr. Ministro da Agricultura, tanto mais que S. Ex.ª declarou que se tratava de uma questão aberta.
Àpartes.
É necessário estabelecer o regime da igualdade.
A moagem é sempre deficitária por virtude da existência de inúmeros factores com que nós nada temos. Daí resulta que a capacidade de protecção é dez e vinte vezes superior à capacidade do consumo.
Ainda hoje sentimos a falta do Sr. Dr. António Granjo, que depois de ter sido Ministro da Agricultura, e ter saído das cadeiras do Poder convencido de que era necessário dar protecção á moagem, se viu na necessidade de reconhecer que ora necessário acabar com o pão político e com a moagem parasitária do Estado»
Ganha quem tiver que ganhar.
Apoiados.
O que não é racional é que uma indústria viva por circunstâncias estranhas encostada ao Estado,, quando tantas vivem da exploração do consumidor, que é quem paga tudo.
Na proposta do Sr. Ministro da Agricultura estão incluídas outras disposições, que não terei dúvida em aprovar tendo outra redacção; e não terei dúvida nenhuma em fazer incluir nessa proposta.
No que se refere às sementes seleccionadas, não se pode querer entregá-las à indústria da moagem.
É necessário modificar a redacção do artigo que ao caso diz respeito.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª tem apenas 5 minutos para concluir as suas considerações.
O Orador: — Por agora dou por acabadas as minhas considerações e envio para a Mesa um projecto de substituição à proposta ministerial, para que fique em discussão conjuntamente com ela e com o projecto do Sr. Joaquim Ribeiro.
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A Câmara não deve ter dúvida em admitir êste projecto, pois já foi publicado no Diário do Govêrno.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi admitido o projecto.
O Sr. Carvalho da Silva: — Mais crítica é agora a situação do Sr. Ministro da Agricultura.
Depois de ter sido apresentado pelo Sr. João Luís Ricardo um projecto de substituição da sua proposta, não sei se S. Ex.ª ainda acha bem continuar no Govêrno.
O Sr. Sousa da Câmara: — Eu acho que seria conveniente saber se o Sr. Ministro da Agricultura concorda ou não com a doutrina da proposta que acaba de ser lida na Mesa. Creio que êste esclarecimento é essencial.
O Sr. Presidente: — O Sr. Ministro da Agricultura já não está presente.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. António Correia: — Há já muito tempo que os jornais vêm trazendo a lume notícias em que se fazem referências ao procedimento dum funcionário da C. P. que faz serviço na estação de Belver. Êsse funcionário, quê parece usufruir uma protecção que não hesito já em classificar de escandalosa, tem praticado no exercício do seu cargo as maiores tropelias, perseguições e infâmias para com determinadas criaturas que não merecem a sua simpatia.
A êsse empregado que se chama, se a memória me não falha, Carlos Costa, já foi instaurada uma sindicância, que, apesar de vir de há muito, ainda não produziu os seus resultados naturalmente porque existem já elementos suficientes para confirmar a prática de delitos graves.
A ferocidade dêsse empregado ferroviário exercida contra, os passageiros é tam grande que ainda há pouco tempo teve de responder na comarca de Monção, sendo condenado pelo crime de agressão.
Eu sei que a C. P. é uma companhia particular, mas eu suponho que junto dela
existem representantes do Govêrno que podem e devem intervir no caso.
A população de Belver, indignada com o procedimento do funcionário Carlos Costa, já enviou à companhia uma reclamação contra a. sua permanência na referida estação. E como vale mais prevenir que remediar eu peço ao Sr. Ministro do Comércio que por intermédio dos seus delegados mande saber o caminho que levou a sindicância a que me referi.
Espero que S. Ex.ªs a quem muito me apraz neste momento prestar justiça pelo grande desejo que tem mostrado do fazer justiça, mostre mais uma vez que muito se interessa sempre pelos assuntos para os quais é chamada a sua atenção.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Vaz Guedes): — Desde já me comprometo n saber, por intermédio dos representantes do Govêrno junto dá Companhia Portuguesa de Caminhos de Ferro, o que há sôbre o assunto a que acaba de fazer referência o Sr. António Correia.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: — Não será difícil a S. Ex.ª conhecer por intermédio dos secretários do seu Ministério das acusações feitas a êsse factor Carlos Costa.
A epígrafe da notícia publicada no jornal O Século é a seguinte: Um factor, feroz.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Pedi a palavra simplesmente para chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças para o facto de várias pessoas que recebem pensões votadas pelo Parlamento terem essas pensões em atraso, creio que por falta de verba.
Chamo, pois, a atenção do S. Ex.ª para êste facto a fim de que imediatas providências sejam dadas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Sr. Presidente: relativamente ao assunto para que o Sr. Carva-
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lho da Silva chamou a minha atenção, devo dizer que o facto de não terem sido pagas essas pensões não deve ser por falta de verba, visto que não me foi notificado tal facto; deve ser antes atribuído à falta de pessoal que se nota. nas Direcções de Finanças. Distritos há, como por exemplo o distrito da Guarda, que desde Março não recebem contribuições, tendo de se mandar daqui pessoal para fazer as respectivas folhas de recebimentos.
Agora que o Parlamento já me habilitou com o pessoal suficiente para as necessidades de serviço, êsse pessoal seguirá todo para os seus lugares, normalizando-se assim a situação.
Repito, não quero crer que se tivesse dado êsse facto por falta de verba; comtudo vou esclarecer-me sôbre o assunto para providenciar como fôr de justiça.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, 20, às 14 horas, sendo a ordem do dia a seguinte:
Antes da ordem sem prejuízo dos oradores que se inscrevam:
Parecer 542, que fixa regras para a admissão de aspirantes da armada.
Ordem do dia:
A que estava marcada.
Proposta para cumprimento imediato da pena ao sr. António Maia.
Interpelação do Sr. Cunha Leal.
Pareceres n.ºs 302, 385, 196, 442, 477, 532-D, 423-A, 493, 456, 480, 350, 519, 498, 476, 427, 353, 352, 98, 205, 378, 160, 284, 56, 510, 505, 91 e 569.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 45 minutos.
Documentos enviados para a lesa durante a sessão
Parecer
Da Comissão de Instrução Especial e Técnica, sôbre o n.º 567-B que reorganiza os serviços da Biblioteca Nacional de Lisboa.
Para a comissão de finanças.
Projecto de lei
Dos Srs. Sebastião de Herédia, Alberto Jordão, Manuel Sousa da Câmara, Paulo Limpo de Lacerda, João E. Águas, Jaime Pires Cansado, João Vitorino Mealha e Manuel de Sousa Coutinho, autorizando as Juntas Gerais dos distritos de Faro, Beja e Évora a cobraram em dois anos sucessivos, e com designada aplicação, um imposto adicional à contribuição industrial paga para o Estado pelos contribuintes dêsses distritos.
Para o «Diário do Govêrno».
Requeiro que pelo Ministério do Interior, com urgência, me sejam fornecidos os seguintes documentos:
a) Cópia de quaisquer queixas ou participações apresentadas a propósito de actos irregulares cometidos pelos soldados, oficiais inferiores ou oficiais pertencentes à companhia do 1.º batalhão da Guarda Republicana aquartelada em Viseu.
b) Nota sôbre o destino dado a essas queixas ou participações.
c) Nota das conclusões apuradas ou das sanções aplicadas em virtude das arguições feitas.
Lisboa, 19 de Julho de 1923. — Bartolomeu Severino.
Expeça-se.
O REDACTOR — Avelino de Almeida.