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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 132
EM 20 DE JULHO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Respondem à chamada 53 Srs. Deputados. É lida a acta, que adiante é aprovada. Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — A requerimento do Sr. Mariano Martins, entram em discussão as emendas do Senado ao projecto de lei n.º 580-B, referente ao pessoal reformado dos arsenais. São aprovadas, tendo usado da palavra os Srs. Sá Pereira e Mariano Martins.
O Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva), manda para a Mesa duas propostas de lei, para que pede urgência e dispensa do Regimento, referentes a um asilo em Alcobaça e aos bairros sociais.
São aprovadas sem discussão e com dispensa de última redacção.
O Sr. Tavares Ferreira apresenta e justifica um projecto de lei, a que é concedida a urgência, a seu requerimento.
O Sr. Carlos de Vasconcelos requere que antes da ordem do dia entre em discussão o parecer n.º 540. Aprovado.
O Sr. António Pais trata da construção do caminho de ferro de Estremoz a Fronteira. Responde o Sr. Ministro do Comércio (Vaz Guedes).
Ordem do dia. — São lidos os pareceres das comissões de guerra e de legislação criminal acêrca da proposta de lei referente à penalidade imposta ao Sr. oficial António Maia, Deputado da Nação, e em seguida, depois de explicações dos Srs. Cunha Leal, Moura Pinto e Almeida Ribeiro, lêem-se os pareceres referentes à pronúncia do Sr. Delfim de Araújo, bem como os documentos referentes a esta pronúncia.
Usa da palavra o Sr. Cunha Leal.
O Sr. Virgílio Saque requere, e é aprovado, que a discussão prossiga com prejuízo da segunda parte da ordem do dia, e que a sessão seja prorrogada, com interrupção, até findar o debate.
Usam da palavra os Sr. David Rodrigues e Vasco Borges, que fica com a palavra reservada para quando reabrir a sessão.
O Sr. Agatão Lança requere que o intervalo seja de duas horas e meia.
Falam vários oradores sôbre o modo de votar, para interrogar a Mesa e para explicações.
Interrompe-se a sessão às 19 e 35 minutos, para reabrir às 22 horas.
Reabre a sessão às 22 horas e 5 minutos.
Continua no uso da palavra o Sr. Vasco Borges, que conclui o seu discurso.
O Sr. Agatão Lança reclama contra o procedimento que se teve com um seu requerimento apresentado na parte da sessão da tarde.
O Sr. Presidente (Alberto Vidal) dá explicações, e para explicações também fala o Sr. Almeida Ribeiro, seguindo-se o Sr. Agatão, que conclui as suas considerações. O Sr. António Fonseca apresenta e justifica uma moção de ordem, que é admitida.
Sôbre a ordem, lendo a sua moção, usa da palavra o Sr. Carvalho da Silva.
A moção é admitida.
Para explicações é concedida a palavra ao Sr. David Rodrigues, respondendo o Sr. Carvalho da Silva.
Seguem-se os Srs. Pires Monteiro, Júlio de Abreu, António Dias e Amadeu de Vasconcelos.
Esgotada a inscrição, vota-se a prioridade para a moção do Sr. António Dias, que é aprovada.
É rejeitada a moção do Sr. Carvalho da Silva.
É aprovado, com declarações do Sr. Carvalho da Silva, o parecer da comissão de legislação criminal referente ao Sr. Delfim de Araújo.
Usa da palavra para explicações o Sr. António Maia, e o mesmo faz o Sr. Mariano Martins.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia 23, à hora regimental.
Documentos mandados para a mesa durante a sessão. — Projectos de lei. Parecer. Nota de interpelação.
Abertura da sessão, às 15 horas e 42 minutos.
Presentes à chamada, 53 Srs. Deputados.

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Diário da Câmara dos Deputados
Entraram durante a sessão 56 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Francisco da Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João Pereira Bastos.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo der Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Correia.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António de Mendonça.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
David Augusto Rodrigues.
Delfim Costa.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
Joaquim Brandão.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Joaquim. Gomes de Vilhena.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.

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Sessão de 20 de Julho de 1923
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Tomé José de Barros Queiroz.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Não compareceram os Srs.:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Vicente Ferreira.
António Resende.
Artur Brandão.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Carlos Cândido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel de Sousa Coutinho.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Pelas 15 horas e 42 minutos, com a presença de 53 Srs. Deputados, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta e o seguinte
Expediente
Pedido de licença
Do Sr. Aires de Ornelas, vinte dias Concedida.
Telegramas
Do Ateneu Comercial de Coimbra, protestando contra a contribuição imposta aos empregados do comércio.
Para a Secretaria.
Do professor de Montemor-o-Novo, pedindo a aprovação da cota obrigatória para o Instituto.
Para a Secretaria.
Do pároco de Real (Castelo de Paiva), e Junta de Souto de Lafões, aprovando as reclamações católicas.
Para a Secretaria.
Dos oficiais de justiça de Albergaria-a-Velha, Oliveira de Azeméis, Caldas da Rainha, Ovar, Ponte de Lima, Celorico de Basto, Estarreja, Abrantes, Penafiel, Sintra e Régua, pedindo a aprovação da substituição do parecer n.º 502, pondo em vigor a tabela de 1896, multiplicada por 10 a 20.
Para a Secretaria.

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Diário da Câmara dos Deputados
Antes da ordem do dia
O Sr. Mariano Martins: — Pedi a palavra para pedir a V. Ex.ª Se digne consultar a Câmara, a fim de entrarem em discussão as emendas do Senado ao projecto n.º 580-B, que trata da situação dos operários fabris dos Arsenais do Exército e de Marinha.
Foi aprovado.
Leram-se as emendas do Senado e artigos até o 17.º, inclusive, e foram aprovados sem discussão.
Leu-se a emenda do Senado ao artigo 18.º
O Sr. Sá Pereira: — O pessoal a que se refere êste projecto está dispensado desde 1853 de contribuir para a caixa de aposentações, e o Senado agora modificou essa regalia.
A classe não recebe bem essa modificação, pois fica afectada nos interêsses que auferia há muitos anos.
Não é justo que se vá tirar uma regalia tam antiga, e por isso eu não aprovo a emenda do Senado.
O orador não reviu.
O Sr. Mariano Martins: — Na verdade essa classe tem gozado de uma regalia um tanto ou quanto extravagante, pois não sé compreende que, pagando todos os funcionários para a Caixa de Aposentação, ela nada contribua para uma reforma que o Estado lhe garante.
É por isso que a Câmara dos Deputados deve aprovar a emenda do Senado.
Foi aprovada.
O orador não reviu.
O Sr. Sá Pereira: — Requeiro a contraprova.
Procedeu-se à contraprova, que confirmou a aprovação.
O Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva): — Mando para a Mesa duas propostas de lei para as quais peço urgência.
Foi aprovada a urgência.
Leram-se na Mesa e foram aprovadas na generalidade e especialidade.
O Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva): — Requeiro a dispensa da última redacção.
Foi aprovada.
Proposta de lei
Artigo 1.º É dispensado,o Asilo para velhos e velhas instituído em Alcobaça pela benemérita D. Maria do Carmo Eliseu de Oliveira, da venda dos bens imóveis, cativos de usufruto ou de arrendamento a largo prazo que a mesma instituidora lhe deixou, tornando-se-lhe assim inaplicável o disposto no artigo 1902.º do Código Civil Português.
Art. 2.º As propriedades abrangidas pelo artigo anterior entrarão na massa dos bens sujeitos a desamortização, desde que findem os arrendamentos a longo prazo ou cláusulas de usufruto que ao presente as oneram.
Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrário. — O Ministro da Justiça, António de Abranches Ferrão. — O Ministro do Trabalho, Alberto da Cunha Rocha Saraiva.
Aprovada a urgência e dispensa do regimento.
Aprovada.
Dispensada a ultima redacção.
Para o Senado.
Proposta de lei
Artigo 1.º Fica o Govêrno autorizado:
1.º A transferir para os respectivos municípios, no todo ou em parte, os terrenos que tenha expropriado para a construção dos bairros sociais de Alcântara e Ajuda, em Lisboa, e dos do Pôrto e Covilhã, com todos os direitos e encargos inerentes e bem assim todas as obras neles realizadas e os materiais, ferramentas e utensílios nos mesmos existentes, mediante a indemnização de quaisquer verbas porventura despendidas com a compra dos aludidos terrenos e do valor que fôr atribuído pela Comissão Liquidatária dos Bairros Sociais aos referidos materiais, utensílios e ferramentas.
2.º A ceder, mediante pagamento do seu valor estipulado na forma indicada no número anterior, aos estabelecimentos dependentes do Estado que dêles careçam, os utensílios e ferramentas existentes no Bairro Social do Arco do Cego e que forem julgados dispensáveis pela direcção da construção do referido bairro ou a vendê-las pela forma que julgar mais conveniente aos interêsses do Estado.
3.º A transaccionar com os seus antigos proprietários a restituição dos terre-

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nos destinados à construção dos bairros sociais cuja expropriação foi decretada mas que ainda não foram pagos, fixando e liquidando as indemnizações que a êsses proprietários sejam devidas.
Art. 2.º As importâncias de quaisquer receitas obtidas pela Administração dos Bairros Sociais destinar-se hão ao pagamento de despesas a fazer com a construção do Bairro Social do Arco do Cego.
Art. 3.º A direcção da construção do Bairro Social do Arco do Cego poderá manter dos actuais contratados da comissão liquidatária aqueles que forem absolutamente indispensáveis ao seu serviço.
Art. 4.º Fica revogada a legislação em, contrário. — O Ministro do Trabalho, Alberto da Cunha Rocha Saraiva.
Aprovada a urgência e dispensa do regimento.
Aprovada.
Dispensada a última redacção.
Para o Senado.
O Sr. Tavares Ferreira: — Sr. Presidente: desejando a Câmara Municipal de Santarém melhorar os serviços de luz e abastecimento de água, e tendo necessidade de modificar o seu material, o que se torna muito urgente, mormente de verão, e precisando também de autorização para. umas formalidades e para umas legalidades, apresento um projecto à semelhança do que se fez para a Câmara de Coimbra.
Peço urgência para êste projecto.
Foi aprovada a urgência e o projecto de lei vai adiante por extracto.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Requeiro a V. Ex.ª que seja marcado para antes da ordem do dia, sem prejuízo dos oradores inscritos, o parecer n.º 549.
Foi aprovado o requerimento do Sr. Carlos de Vasconcelos
O Sr. António Pais: — Sr. Presidente: há mais de um ano que foi aprovado pelas duas casas do Parlamento um projecto de lei, emanado do Senado, destinando uma parte importante da verba de 40:000 contos para construção e conclusão de vários caminhos de ferro do Estado.
Nesse número estavam incluídas a construção dum troço da linha férrea de Évora a Ponte de Sor, compreendido entre Mora e Avis, e a conclusão da de Estremoz a Fronteira, passando por Sousel.
Copio até hoje não me conste que tenha sido aplicado um centavo, sequer, na construção ou conclusão das referidas linhas, chamo para êsse facto a atenção do Sr. Ministro do Comércio, não podendo deixar de frisar que vários caminhos dê ferro, compreendidos no mesmo projecto de lei, já foram iniciados há muito, estando a ser-lhes concedidas verbas compatíveis com os recursos do Tesouro Publico. Espero por isso que o Sr. Ministro do Comércio, com a amabilidade que lhe é própria, se digne elucidar-me sôbre os motivos — certamente muito ponderosos — que justifiquem ou pretendam justificar tam estranhável esquecimento.
A necessidade e a urgência, tanto da construção do caminho de ferro de Mora a Avis, como da conclusão do de Estremoz a Fronteira, estão sobejamente demonstradas por mim, tanto nesta Câmara como na imprensa, onde tam momentoso assunto foi largamente debatido.
E assim, basta lembrar por agora à Câmara que, além do prejuízo que a agricultura, o comércio e a indústria daquela região estão sofrendo pela desvalorização, dos seus produtos, visto estarem a uma distância enorme do caminho de ferro, o transporte pessoal está quási inacessível, pois quem queira ir de Ponte de Sor — que é a estação mais próxima — para Avis, tem de fretar um carro — quando o alcance — por um preço mínimo de 50$ a 60$.
Indo-se pela linha do Sul e Sueste, um carro de Estremoz a Avis custa-nos apenas 100$, ou mais- conforme a consciência e as necessidades pecuniárias do alquilador.
Ora, qualquer dêstes preços, Sr. Presidente, não está positivamente ao alcance de todas as bolsas!
Carreiras regulares de camiões ou diligências não há, nem ninguém, pensa em estabelecê-las, pela simples razão de que também não há estradas que liguem aquela feracíssima região com qualquer estação de caminho de ferro.
Há simplesmente caminhos primitivos, que nem pontes tem nalguns cursos de água, atestando o completo deprêzo a que está votado todo o Alentejo.
Apoiados.

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Diário da Câmara dos Deputados
Aproveito esta oportunidade para lembrar ao Sr. Ministro do Comércio a grande urgência que há na execução da sua proposta de lei sôbre estradas, começando já por extinguir os lugares de cantoneiros, que não fazem absolutamente nada, sob o pretexto de que ganham pouco, sendo muito mais difícil encontrar um cantoneiro numa estrada do que um melro branco numa horta.
Ganharem como serventuários do Estado, sem lhe prestarem serviço algum, podendo contudo trabalhar à jorna, por conta de particulares — como alguns que conheço — é uma dupla imoralidade, que o Sr. Ministro do Comércio não deve consentir.
Apoiados.
A linha de Estremoz a Fronteira está pronta até Sousel, faltando apenas — segundo me consta — assentar os carris para poder ser aberta a exploração, pois já tem as estações concluídas e até já tem pessoal nomeado, recebendo — é ocioso dizê-lo — os seus ordenados, aguardando apenas que o comboio apite para começar a trabalhar...E entretanto, os povos daquelas regiões vão pagando pontualmente as suas importantíssimas contribuições; sem terem o mais pequeno melhoramento, sem adubos para as suas terras, porque cada tonelada lhes custa 300$ sem estradas nem vias férreas para o seu transporte (Apoiados), votadas a um deprêzo inconcebível.
Muitos apoiados.
Diz-se que não se têm assentado os carris porque há muita dificuldade em arranjar travessas.
Parece-me que essa falta podia em parte ser remediada, porque bem perto da referida linha, está o pinhal de Cabeção, que é uma mata do Estado, e com a boa vontade o inteligente actividade do Sr. Ministro do Comercio, bastante poderia conseguir-se.
A rápida iniciação do troço compreendido entre Mora e Avis, que, nunca é demais repeti-lo, e da mais absoluta justiça e urgência, tinha a dupla vantagem do remediar um mal que está iminente: depois das ceifas e debulhas, que estão a terminar, vai dar-se naquela região uma angustiosa crise na classe dos trabalhadores rurais, pela falta de trabalho; crise que quási sempre se dá nesta época, e certo, mas que êste ano vai ser perigosamente exacerbada pela vertiginosa carestia da vida...
Poucos lavradores da referida região são capitalistas e a maioria dêles está lutando com. sérias dificuldades para acudir às despesas mais urgentes e inadiáveis.
Com os adubos caríssimos, como disse; com uma pavorosa mortandade no gado suíno (e para isso chamo a atenção do Sr. Ministro da Agricultura), pouquíssimos ou nenhuns serão os lavradores que poderão evitar ou mesmo atenuar essa crise de falta de trabalho.
É portanto indispensável que o Govêrno a possa jugular a tempo, porque eu sei, Sr. Presidente, que já há fome em muitos lares do meu concelho!
Quem conhecer um pouco a psicologia do trabalhador rural do Alentejo, sabe que elo, devido talvez a influências étnicas, possivelmente filiadas na prolongada e profunda arabização daquela província, é, por via de regra, altivo e um tudo nada, talvez, orgulhoso, só pedindo quando em absoluto precisa.
Pois muitos chefes de família do meu concelho já têm sido coagidos a esmolar, por falta de recursos.
Parece-me por isso, Sr. Presidente, que a oportunidade para abrir os trabalhos dêsses caminhos de ferro não podia ser melhor; porque, sem desejar incorrer num lugar comum, lembrarei ao Sr. Ministro do Comércio e Comunicações, e também ao Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior, que a fome é má conselheira e que, o trabalhador dos campos não vive de moções de confiança, como o Govêrno, sendo-lhe absolutamente indiferente que se partam carteiras no Parlamento ou que as sessões decorram na octaviana paz dos partidos.
O que quere não é muito: trabalho para os seus braços, pão para os seus filhos.
Portanto, Sr. Presidente, estendo que nesta- hora de acerbeis provações, em que rima temerosa vaga de egoísmo assola a humanidade inteira, ameaçando subvertê-la, nós temos, mais que nunca, o dever de velar e zelar pela sorte do proletariado, dando-lhe todo o bem-estar a que tem direito e que seja compatível com a grave conjuntura que atravessamos, mais grave e mais perigosa que nunca!
Tenho dito.

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O Sr. Ministro dó Comércio e Comunicações (Queiroz Vaz Guedes): — Tomo a melhor nota das reclamações do Sr. António Pais a quem devo comunicar o interêsse profundo que tenho pelas suas reclamações.
O orador não reviu.
O Sr. Pires Monteiro: — Mando para a Mesa dois requerimentos.
O Sr. Alberto Jordão: — Seria bom a Câmara sabor os assuntos de que tratam os requerimentos do Sr. Pires Monteiro.
O orador não reviu.
O Sr. Pires Monteiro: — Um dos requerimentos que há pouco fiz refere-se ao parecer n.º 58, cuja discussão procuro fazer concluir. Êsse parecer tem por fim promover a equivalência do curso do estado maior da escola de Paris ao curso da escola militar de Lisboa.
O segundo requerimento diz respeito à necessidade de a Câmara dos Deputados discutir ainda nesta sessão legislativa os projectos da iniciativa do Senado, uma vez que, se essa discussão se não fizer, serão considerados como leis do País.
Segundo informações que me foram fornecidas pela secretaria do Congresso da República, existem 59 projectos nessas condições, alguns dos quais- se referem especialmente ao exército e à armada.
É absolutamente indispensável evitar que êles se convertam em lei sem que a Câmara sôbre êles se pronuncie.
Na sessão legislativa passada já a Câmara dos Deputados aprovou uma proposta para que os projectos nestas condições fossem discutidos e votados na ordem do dia durante meia hora.
Dada esta deliberação da Câmara, o meu requerimento tem toda a razão de ser.
O orador não reviu.
ORDEM DO DIA
Debate sôbre n penalidade imposta ao Sr. capitão António oficiai «Io exército
É aprovada a acta.
Lê-se na Mesa uma nota de interpelação do Sr. Vasco Borges.
Lê-se o parecer das comissões de guerra e legislação criminal sôbre a proposta do Sr. Presidente do Ministério relativa ao levantamento das imunidades parlamentares ao Deputado Sr. António Maia.
O Sr. Agatão Lança: — Eu desejava que V. Ex.ª, Sr. Presidente, me dissesse quantos Deputados assinaram o parecer sem restrições e quantos o assinaram vencidos.
O Sr. Presidente: — Votaram sem declarações 9 Srs. Deputados e com declarações 6.
Srs. Deputados. — Tendo o capitão António de Sousa Maia, sido castigado, em 13 de Julho corrente, corn trinta dias de prisão correccional, por, mim requerimento em que pedia a demissão, de oficial do exército, que foi transcrito no n.º 695 do Diário de Lisboa, do 12 de Julho do corrente ano, se ter dirigido ao Ministro da Guerra em termos inconvenientes, com o que infringiu os deveres n.ºs 2.º e 24.º e última parte do n.º 47.º do artigo 4.º do regulamento disciplinar do exército, não lhe sendo aplicado maior castigo atendendo aos serviços prestados por êste oficial à Pátria e à República, e sendo o mesmo oficial cumulativamente. Deputado da Nação, a bem da disciplina militar gravemente ofendida, proponho que a Câmara autorizo, nos termos do artigo 17.º da Constituïção Política da República Portuguesa o cumprimento imediato da punição aplicada.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 17 de Julho de 1923. — António Maria da Silva.
Aprovado.
Srs. Deputados. — Atendendo a que a disciplina é o princípio fundamental em que assenta o exército, como alta organização de defesa nacional, não devendo o Poder Legislativo, interferir na apreciação das penas aplicadas quando o forem pela entidade competente o na forma da lei;
Atendendo a que os artigos 17.º e 18.º da Constituïção só não podem entender na sua interpretação restritiva de forma a considerar que o artigo 17.º se refere exclusivamente à prisão preventiva e o

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artigo 18.º se refira ao processo judicial em marcha até a pronúncia, antes tem que se considerar que a suposição do referido artigo 17.º abrange genericamente a todos os casos em que o Deputado está preso, quer a prisão seja preventiva quer resulte mesmo de sentença, desde que a pena aplicável não envolva a perda dos direitos políticos, sendo pois da competência desta Câmara, fora desta hipótese, deliberar sôbre o levantamento das imunidades parlamentares ao Deputado punido pela instância competente;
Atendendo tam somente a que no caso sujeito me deram apenas dezoito dias para o encerramento das sessões, devendo considerar-se que o exercício do direito de Deputado nos assuntos pendentes e mormente na eleição do chefe do Estado é primacial e do respeitar:
As vossas comissões de guerra, e de legislação comercial são de parecer que o levantamento das imunidades ao Deputado António de Sousa Maia, para assunto da pena disciplinar que lhe foi imposta, deve ser autorizado logo a seguir ao encerramento da actual sessão legislativa. — João Pereira bastos — Alberto Moura Pinto — Criapiniano da Fonseca — José Cortês dos Santos — A. Garcia Loureiro — Amadeu de Vasconcelos (vencido segundo a sua declaração de voto) — J. Baptista da Silva — Vasco Borges (vencido conforme a declaração de voto) — João Águas (idem) — Tomás de Sousa Rosa (idem) — João Bacelar — Lelo Portela — Adolfo Coutinko (vencido conforme a declaração de voto) — António de Mendonça (vencido) — Carlos Olavo.
Foi rejeitado.
O Sr. Cunha Leal: — Tendo a Câmara resolvido, na última sessão em que se ocupou do assunto, que sôbre as prisões de dois Deputados fossem ouvidas as comissões desta Câmara e que estas dessem o seu parecer no prazo de vinte e quatro horas, passadas as quais, o caso seria tratado, quer houvesse ou não parecer, eu pregunto à Mesa se os dois casos, isto é, o caso António Maia e o caso Delfim de Araújo são ou não discutidos conjuntamente.
O S. Moura Pinto: — Às duas comissões de guerra e de legislação criminal, em cumprimento da deliberação desta Câmara, resolveram reunir em conjunto para deliberar sôbre o case António Maia. Mas, e como o caso Delfim de Araújo dizia apenas respeito à comissão de legislação criminal, esta comissão teve de reunir para elaborar é seu parecer. Êsse parecer está já elaborado e deve estar a chegar à Mesa.
O Sr. Presidente: — Eu vou mandar saber se o parecer pode ser lido imediatamente.
O Orador: — Nesse caso eu aguardo que chegue à Mesa o parecer da comissão de legislação criminal.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Desejava que V. Ex.ª fizesse a fineza de mandar ler as moções dos Srs. Abílio Marçal e António Fonseca, e o aditamento.
O Sr. Presidente: — Peço a V. Ex.ªs atenção.
Vão ler-se as moções.
Leram-se na Mesa às moções.
Foram lidos os pareceres da comissão criminal.
O Sr. António Fonseca: — Requeiro a V. Ex.ª para completa elucidação da Câmara seja lido também na Mesa o ofício a que se refere o parecer.
A Câmara tem que tomar conhecimento de um caso que desconhece inteiramente.
Foi lido o ofício requerido.
O Orador: — O melhor seria V. Ex.ª dar conhecimento à Câmara de todos os documentos.
Leram-se os documentos.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: ousava pedir a V. Ex.ª para a Câmara dar atenção ao que vou dizer, visto que, estando em causa dois colegas nossos nesta Câmara, receio que a sua desatenção possa determinar más interpretações das minhas palavras. Eu quero responder por tudo quanto afirmo, mas não desejo absolutamente nada responder por aquilo que não digo.
Começo por fazer à Câmara a afirmação de que o requerimento então apresen-

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tado por um colega nosso, e que é também oficial do exército,, para a discussão imediata da proposta de levantamento das suas imunidades parlamentares, não influi absolutamente nada quer no meu voto quer no voto do meu partido, que se coaduna com o meu.
Apoiados.
Apesar disso nós não votamos o levantamento das imunidades parlamentares do Sr. António Maia. (Apoiados). E como o caso de êsse Deputado ter feito um requerimento, tendo-se dirigido a uma esquadra de polícia a pedir que o prendessem...
Eu se fôsse cabo não o prendia.
Riso.
Nestas condições, não é pelo desejo que o Deputado mostre de ser preso, que o meu voto e o voto do meu partido é desta e daquela maneira.
Apoiados.
Mas há outra circunstância de muito melindre, que nos obriga a ser ainda mais reflectidos e cautelosos no nosso voto.
Encontra-se por mal dos nossos pecados uma questão política numa questão disciplinar.
Mas fomos nós que assim apresentamos a questão. (Apoiados). O que certo é que os amigos do Sr. Presidente do Ministério e da conservação eterna no poder se serviram dessa circunstância para se estabelecer que nós queremos ir contra a disciplina.
Estamos em presença de um ponto gravíssimo, afirmo, de um Deputado, que é militar, manifestar o seu desacordo com o Ministro da Guerra, por meio de uma interpelação já anunciada.
Não precisamos conhecer mais circunstâncias para fazermos o nosso julgamento.
O Sr. Deputado dirigiu um requerimento em termos, que não importavam para o caso, ao Sr. Ministro da Guerra.
O Deputado em questão deseja ser preso. A manifestação do seu desejo foi consecutiva à declaração do Sr. Presidente do Ministério de que o Sr. coronel Freiria estava demissionário.
Ora as pessoas mal intencionadas, aquelas pessoas que porventura quisessem ver na nossa atitude o desejo de nos servirmos do ilustre Deputado para expulsar o Ministro da Guerra, tinham legítimo direito de nos assacar essa culpa se quiséssemos aceder ao desejo do Deputado em questão.
Desde essa hora, dando o nosso voto ao seu parecer, o Sr. coronel Freiria sairia. Mas até pelo respeito que temos por S. Ex.ª como chefe do exército, não queremos que se diga que o nosso voto estava preso à situação parlamentar de um Deputado, até ao momento em que o chefe do exército saiu.
Afirmamos o mais alto respeito pelo Sr. coronel Freiria, sejam quais forem as discordâncias a respeito do seu procedimento.
Não compreendo, porém, que, após o castigo por S. Ex.ª aplicado ao capitão do exército, não mais S. Ex.ª aqui aparecesse.
Não compreendo que êle deixasse de responder à interpelação que lho estava anunciada.
Não lhe deminui o prestígio, porque elo sabe muito bem elevar-se na sua personalidade.
É a primeira vez que o Sr. coronel Freiria desertou, mas fê-lo por má interpretação do que é o respeito pelo Parlamento; e eu, que compreendo que S. Ex.ª tenha razões especiais para se sentir mais militar do que membro do Parlamento, eu que nunca tive discordâncias até agora com S. Ex.ª, devo dizer que o Sr. coronel Freiria é um militar que honra a sua farda.
Sr. Presidente: vou agora explicar o motivo por que se vai dar o nosso voto.
Há dois casos a analisar nesta discussão, e por mais que se queira não ligar êsses dois casos, não o posso fazer.
Há um caso de disciplina militar e um caso de crime gravíssimo, assim classificado por todas as leis.
Apoiados.
O que fez o militar.
Insulta num requerimento público o chefe do exército.
O chefe do exército, sentindo-se ofendido, fez seguir êsse requerimento para a respectiva divisão do exército para o julgar?
Não, o chefe do exército chamou a si o direito de punir o militar, e puniu-o numa pena superior.
E preciso dizer agora que não somos nós os Deputados nacionalistas os respon-

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sáveis de que a questão se tenha colocado, num tal pé.
Havia maneira de punir êsse militar pelo crime praticado, havia maneira de o fazer responder a um conselho de guerra, mas não se fez isso, e castigou-se o militar, que é Deputado, disciplinarmente, com uma pena que cabe nos limites das penas a que se refere o regulamento disciplinar respectivo.
Assim não fomos nós que tirámos a importância ao caso; foi o Sr. Ministro da Guerra, classificando-o de indisciplina.
Apoiados.
Sr. Presidente: existe também um crime que vou relatar à Câmara o que se contém no despacho de pronúncia, que acaba de ser lido.
A cousa mais sagrada de um regime parlamentar é o direito dos votos dos eleitores, para fazerem a sua escolha dos Deputados que se tornam cidadãos excepcionais na sociedade portuguesa, pelos seus direitos e regalias.
Para ser eleitor a primeira cousa é saber ler e escrever e fazer o necessário, requerimento perante o própio notário, sendo a assinatura do requerimento reconhecida pelo próprio notário.
Sem isso não pode o eleitor exercer o direito de voto, porque não pode ser eleitor.
O notário de que se trata começou pelo reconhecimento de assinaturas de dois candidatos que não sabiam ler nem escrever.
Suponho que tinham feito as assinaturas copiando-as do outras, desenhadas por outra, pessoa.
Afirma o despacho de pronúncia que essas falsificações se fizeram sem ser diante do notário.
Mas diz se mais, que o exame dos documentos mostra que o notário em questão teria feito as assinaturas de outros eleitores, que não sabiam ler e escrever, e depois teria reconhecido a sua própria obra.
Estamos, pois, diante do dois casos, e nos temos, que os considerar perante o prestígio das instituições parlamentares, sendo um a infracção disciplinar que o respectivo regulamento não permite classificar de crime, e o outro um crime que pode até, como consequência para o acusado, trazer a suspensão do direitos políticos por cinco anos.
Quere dizer, a própria proibição de ser Deputado.
Postas assim as acusações, vejamos quais são os pareceres.
Temos o parecer relativo ao Deputado que acumula as suas funções de Deputado com as de militar.
Temos aqui a primeira dúvida. Tem-se discutido muito o artigo 17.º, mas êle deve ser aplicado — só à prisão preventiva ou a qualquer pena.
A opinião do notável jurisconsulto Sr. Marnoco é que a lei não se deve restringir onde não se pode restringir.
Nós vemos que a lei não distingue cousa alguma e nós não o podemos íazer.
A comissão de legislação criminal e a comissão- de guerra entendem que é aplicável ao caso presente.
Parece que o Deputado pode recorrer para ser pôsto em liberdade, e nesse caso fazia uma consulta à Câmara e nós não podemos negar.
Mas temos mais o artigo 18.º
A Constituïção não deu as imunidades aos parlamentares simplesmente por favor; mas deu-lhes êste privilégio exclusivamente para não ficarem à mercê do Poder Executivo.
Foram dadas estas cautelas, que eram indispensáveis para evitar abusos.
Assim eu entendo. que o artigo 17.º foi muito bem aplicado ao Sr. António Maia, e não o aplicar seria faltar à Constituïção.
Por outro lado temos a comissão de legislação criminal que dá o parecer para um Deputado que acumula suas funções com as de notário.
A comissão do legislação criminal entende que o artigo 18.º compreende três hipóteses. A primeira é levar o caso até despacho de pronúncia.
Limita-se a dizer que o processo deve ficar parado até que comece o intervalo da sessão legislativa, e nessa ocasião o processo fica suspenso até então e recomeça nesse momento. Nessa hipótese, o Deputado fica suspenso consecutivamente.
Mas, Sr. Presidente, na hipótese dos mais graves crimes de morte ou de traição à Pátria, a Câmara pode ainda reservar-se o direito de dizer que, apesar de tudo, o processo não deve seguir e que só quando findar o mandato seguirá, Foi assim, e a meu ver muito bem, que a co-

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missão do legislação criminal interpretou o artigo 18.º
Vejamos agora a aplicação dada aos artigos 17.º e 18.º aos dois casos do que nos vimos ocupando. Entendeu a comissão que o artigo 17.º, aplicado a um Deputado que era simultaneamente militar, por motivo de uma infracção disciplinar, o deveria ser no sentido de não se fazer a suspensão imediata das funções do Deputado e das correlativas imunidades o de se esperar pelo final da sessão para os efeitos do cumprimento da pena, e, se bem ouvi, alega duas circunstâncias, ambas as quais muito do ponderar:
1.ª Faltam apenas dezassete ou dezoito dias para o final dêste período legislativo;
2.ª No dia 5 de Agosto realiza-se o acto mais importante — a que esto Parlamento pode ser chamado, ou seja a eleição do Presidente da República.
Entendeu naturalmente a comissão de legislação criminal, como também, o entendeu a da guerra, que, nestas circunstâncias, só quaisquer actos que inibissem moralmente os restantes Deputados de consentir ao sou lado o Deputado inculpado poderiam justificar o, levantamento das imunidades parlamentares, e que desde o momento em que o próprio Ministro da Guerra, por um espírito de benevolência, transformara uma falta que devia ser considerada como um crime pelos regulamentos militares numa falta punida apenas pelo regulamento disciplinar, reduzindo assim o crime à altura da falta disciplinar, não nos compete a nós erguer a falta aos limites do crime, som entrarmos mesmo na análise das circunstâncias particulares de que se revestiu a apreciação dêste assunto.
Quanto ao outro caso como é quê a comissão do legislação criminal encara a aplicação do artigo 18.º ao notário que não sei se fez aquilo que está no despacho do pronúncia, porque o ignoro, mas que é acusado de ter contrafeito as leis eleitorais, reconhecendo assinaturas falsas e falsificando assinaturas?
Um àparte.
O Orador: — Pois assim os nomes das pessoas nada valem e ou, se pudesse deixar de os pronunciar na minha exposição, não os pronunciaria.
Os nomes não me importam, porque o que interessa são as situações. Quero crer que êsse nosso colega saïrá com toda a hombridade do seu julgamento, mostrando que são menos exactas as acusações que lhe são feitas.
Para o caso do Sr. Delfim de Araújo, resolve a comissão que êsse Deputado deverá continuar na Câmara; quero dizer, continua a legislar quem é acusado de ter querido falsificar a eleição dos próprios que legislam. E a propósito dêste caso há uma declaração que foi enviada para- a Mesa pelo Sr. Crispiniano da Fonseca, que é, simultaneamente, juiz.
Há, pois, quem na aplicação do artigo 18.º, para um caso de burla eleitoral, que pode implicar a perda do mandato de Deputado, entenda que não só não deverão ser levantadas as imunidades ao Deputado acusado dêsse crime, como nem há necessidade de se dizer que o processo siga nos intervalos das sessões, poderá seguir só quando o Deputado terminar o seu mandato.
Tudo isto é curioso.
Sr. Presidente: não posso deixar de lembrar o que já aqui foi dito pelo Sr. Álvaro de Castro, sôbre faltas disciplinares; o castigo em si é muito menos do que o simples registo da falta. O simples facto de o militar, o ir cumprir daqui a dezoito dias, isto é, depois de encerrada a Câmara, em nada desprestigiaria o exército.
Se o Sr. António Maia, que, simultaneamente, é militar, em vez de dirigir ao Sr. Ministro da Guerra o requerimento que lhe dirigiu, viesse aqui dizer-lhe o que disse no requerimento, aumentando até o que de indisciplina possa ser classificado nesse requerimento, praticaria ou não um acto que afectaria a disciplina? É possível que sim. Mas por essa razão os Deputados que são militares devem sentir-se com menos direito do que quaisquer outros?
Eu vou citar um caso que se passou comigo.
Num determinado interregno parlamentar foi decretado pelo Govêrno do então o estado de sítio.
Volvidos trinta dias, faltou-se à lei, não se dando conta, de nada ao Parlamento.
O Ministro da Guerra de então apare-

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céu nesta Câmara e fez as suas declarações.
Originou-se, de facto, um conflito, mas devido única e simplesmente à orientação seguida.
Eu, Sr. Presidente, devo dizer em abono da verdade que não vejo em que possa perigar a disciplina do exército, pois a verdade é que nós não temos culpa que as leis permitam que venham a esta Câmara funcionários militares.
A situação que se debate, Sr. Presidente, é, na realidade, gravíssima, porém a culpa não pertence ao Partido Nacionalista, mas sim única e simplesmente ao Govêrno que atirou para êste debate com a questão política.
Nem eu nem o partido a que tenho a honra de pertencer, votaremos o levantamento das imunidades parlamentares ao ilustre Deputado Sr'. António Maia.
A única utilidade, Sr. Presidente, que se tem feito de toda esta discussão, será, a meu ver, a de estudar-se novamente a questão das incompatibilidades parlamentares, não só no que diz respeito à vida militar, como civil, pois a verdade é que tanto numa como noutra se podem dar casos gravíssimos.
O que é necessário, Sr. Presidente, é que haja respeito por cada um, e que nos respeitemos uns aos outros.
A atitude do meu partido, Sr. Presidente, está claramente definida, isto é, respeita os princípios e pugna pela integridade do Poder Legislativo, pelo respeito daquelas prerrogativas que constam da Constituïção da República.
O meu partido, na questão que se debate, não quis de forma nenhuma agravar a disciplina do exército, lamentando somente que o Govêrno tivesse feito dela uma questão política.
O meu Partido defende, como não pode deixar do defender, a disciplina do exército; porém, não pode deixar do pugnar também, repito, pela integridade do Poder Legislativo, pelo respeito daquelas prerrogativas que se acham consignadas na Constituïção da República.
O meu Partido não tem culpa nenhuma da situação gravíssima em que nos encontramos, pois a verdade é que ela só se deve ao Govêrno, que pretendeu colocar a questão no pé em que ela se encontra.
Esta situação pertence única e exclusivamente ao Govêrno, e se bem que o meu Partido não pretenda de qualquer forma agravar a disciplina do exército, deseja apenas atacar o Govêrno porquê na verdade o considera inábil e incompetente, aproveitando os seus erros para o derrubar, e fazemo-lo claramente, à luz do dia, defendendo o exército, defendendo a disciplina, mas defendendo simultaneamente as prerrogativas dos parlamentares.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestas condições, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente: — É a hora de se passar à segunda parte da ordem do dia.
O Sr. Vergílio Saque: — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se permite que com prejuízo da segunda parte da ordem do dia, se prossiga na discussão e votação das moções pendentes e dos pareceres das comissões, e que, se fôr preciso, a sessão seja interrompida pelo espaço de tempo que V. Ex.ª julgar necessário, continuando à noite.
Pôsto à votação o requerimento do Sr. Vergilio Saque, foi aprovado.
O Sr. Agatão Lança: — Requeiro a contraprova.
Feita a contraprova, verificou-se o mesmo resultado.
O Sr. David Rodrigues: — Sr. Presidente: começarei da mesma forma como o Sr. Cunha Leal acabou; começarei por afirmar que foi dêste lado da Câmara que se empregaram todos os esfôrços, para que os nervos e os ímpetos do Sr. António Maia se moderassem nestes últimos dias.
Uma voz: — Presunção e água benta...
O Orador: — Não é presunção nem água benta, é a minha vaidade deter concorrido para êsse facto, e fi-lo, Sr. Presidente, porque gosto das questões tratadas serenamente, plàcidamente, gosto de ver as questões seguirem a ordem natural das cousas.

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No entretanto, Sr. Presidente, ouvi dizer ao Sr. António Maia que acusava o Sr. Presidente do Ministério por circunstâncias de amizade e por efeito de relações que tinha havido entre êles, e qual não foi o meu espanto e a minha admiração quando no dia seguinte vi caírem nos braços um do outro!
Eu não sei porquê, não quero saber porquê, quero simplesmente tirar as ilações dêsse facto, que é haver um Deputado que tinha, acusações a fazer ao Sr. Presidente do Ministério que, em determinada altura, sem se saber porquê, essas acusações não se fizeram. Êsse facto, Sr. Presidente, autoriza-me, servindo-me simplesmente do meu fraco raciocínio, a dizer que há em tudo isto uma circunstância que não conheço, que há em tudo isto uma circunstância que o País não conhece, que há em tudo isto um mistério que é necessário que se esclareça. De quanto é necessário que êsse facto se esclareça não precisa dizê-lo à Câmara, porque a Câmara compreende, e nisso faço justiça ao espírito imparcial de todos, que essa necessidade é absoluta, porque se liga com uma questão de disciplina que o próprio Govêrno fez nascer.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — V. Ex.ª dá-me licença?
Fui informado de que V. Ex.ª se tinha referido às minhas relações de amizade com o Sr. António Maia; quero esclarecer S. Ex.ª e a Câmara da razão por que o Sr. António Maia me procurou, na sua qualidade de Deputado: foi para me dizer, para o que de resto nada tinha, que me procurara, porque sendo defensor, do Sr. capitão Cabrita, num processo que se julga hoje, desejaria muito que se dêsse uma determinada solução ao seu caso para não ser privado de fazer essa defesa.
Respondi ao Sr. António Maia que eu não podia resolver êsse assunto.
O Orador: — Agradeço ao Sr. Presidente do Ministério as suas explicações.
Seguindo na minha ordem de ideas, ia ou dizendo que êstes factos têm excepcional gravidade por se relacionarem com uma questão de disciplina que o Govêrno fez nascer; e fê-la nascer porque?
Porque o Ministro da Guerra, o chefe do exército, se recusou a vir ao Parlamento responder a uma. interpelação que um determinado Deputado, militar ou não militar, lhe tinha feito, e note V. Ex.ª, Sr. Presidente, e note a Câmara, que a essa interpelação já o Sr. Ministro da Guerra se tinha dado por habilitado a responder, como consta da acta do dia 12 dó corrente mês e o castigo tem a data de 13 do mesmo mês; quere dizer, o Ministro da Guerra deu-se por habilitado a responder a essa interpelação num dia, e no dia seguinte castigou êsse oficial por um determinado motivo...
O que é que isto quere dizer, repito, dando-se de mais a mais a circunstância de o Govêrno ter em seu poder o requerimento que justifica êsse castigo desde o dia 10!
Porque é que o Sr. Ministro da Guerra, tendo êsse documento desde o dia 10 em seu poder, não castigou êsse oficial durante êsse espaço de tempo? Porque se deu S. Ex.ª por habilitado num dia a responder a uma interpelação e 110 dia seguinte aplicou o castigo a êsse oficial, recusando se a vir ao Parlamento responder a essa interpelação?
Tenho ouvido insinuar várias cousas a êsse respeito. Não sou homem que me sirva de insinuações, mas em todo o caso sou homem que me sirvo do meu próprio raciocínio, e êsse raciocínio obriga-me a concluir que no meio disto tudo há uma razão qualquer que não conheço, mas que o Govêrno tem restrita obrigação de explicar.
E necessário que tudo se esclareça, porque nós estamos aqui para elucidar o País, principalmente em questões de disciplina que sobrelevam a todas.
Eu constatei que o Sr. Ministro da Guerra, pelo facto de castigar um oficial, não quiz responder à interpelação de um Deputado, por ser êste o mesmo oficial que fora castigado.
Haveria desprestígio para o Sr. Ministro da Guerra vindo à Câmara responder à interpelação de um seu subordinado que castigara?
Não, Sr. Presidente, o prestígio dos homens que governam vem da forma como desempenham os cargos que lhe foram confiados, e o Sr. Ministro da Guerra desprestigiou-se não cumprindo os deveres do seu cargo.

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Os Deputados monárquicos apoiando a primeira atitude do Govêrno foram coerentes, porque na monarquia o mando vem do poder divino, mas numa democracia não se compreende que um Ministro se recuse a vir ao Parlamento dizer o que é obrigado a dizer. Isto não se compreende!
O prestígio dos homens que servem a República vem da forma como mostram desempenhar os seus cargos. Não podem furtar-se a êsse dever, porque só se apoiam na opinião pública.
Não se procedendo assim, evidentemente que o prestígio do exército foi fortemente abalado por quem tinha ò dever de o sustentar, pois o Govêrno quis enxertar numa questão de disciplina militar uma questão política, fazendo duas vítimas: o Sr. António Maia, que sai para uma prisão, e o Sr. Ministro da Guerra que desapareceu no alçapão da política. Vou ler à Câmara alguns artigos do regulamento disciplinar do exército:
«§ 3.º do artigo 37.º O oficial nas condições dêste artigo ficará suspenso das suas funções de serviço até receber guia para o novo destino».
«Artigo 11.º O oficial a quem fôr intimada ordem de prisão por algum superior entregará a sua espada ao dito superior, e ficará desde logo suspenso das suas funções de serviço até que a autoridade superior de que depende delibere sôbre o assunto».
Segundo estas disposições o ainda o disposto no artigo 48.º, vê-se que o cumprimento da pena pode ser, quando as circunstâncias o aconselharem, deixado para quando fôr oportuno.
Mas tendo desaparecido o Sr. Ministro da Guerra, como se pode aplicar êste preceito disciplinar?
Não havendo Ministro da Guerra, a quem há-de entregar o Sr. António Maia a sua espada?
Uma voz: — Ao Sr. António Maria da Silva, que o substitui.
Risos.
O Orador: — O que ofende a disciplina são êstes factos graves, o não que a pena se cumpra em 21 de Julho sou em 7 de Agosto.
Os casos previstos nos artigos 17.º e 18.º da Constituïção têm de ser separados, porque o artigo 17.º diz respeito apenas à prisão- e o artigo 18.º às excepções que se referem a penas disciplinares.
A disciplina com a questão judicial, com a questão penal, pois, não se deve, a meu ver, confundir a competência individual com a competência colectiva; a competência de qualquer funcionário público com a- competência de um tribunal judicial.
Nestas condições, Sr. Presidente, e não desejando eu fatigar mais a atenção da Câmara, tanto mais que estamos numa sessão prorrogada, eu lembro à Câmara que é de toda a conveniência dizer ao País tudo quanto se sabe, de forma a que êle não possa tirar ilações que possam ser pouco honrosas para a República.
Todos nós, Sr. Presidente, temos a obrigação de empregar os maiores esforços de forma a que o País inteiro possa tirar uma conclusão que seja honrosa para a República.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: entro neste debate por isso que me vejo obrigado a isso pela circunstância de na comissão de legislação criminal, juntamente com a comissão de guerra, eu me ter pronunciado num determinado sentido, e como o fiz juntamente com alguns colegas também presentes a essa comissão, eu julgo do meu dever e da minha obrigação vir à Câmara explicar as razões que me levaram a afirmar um tal ponto de vista.
Eu devo dizer em primeiro lugar que tenho a maior consideração pelo ilustre Deputado Sr. António Maia, pois efectivamente S. Ex.ª é um oficial distinto e valente, tendo durante a guerra, e em que fez serviço na aviação francesa, conquistado pelos seus feitos aquelas condecorações que somente «são colocadas ao peito dos heróis.
Em França, ao serviço da aviação francesa, S. Ex.ª conquistou pela sua valentia, ousadia e perícia várias condecorações,

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voltando do lá com o peito constelado de veneras.
Pôsto isto, tenho todavia de abstrair-me de todas estas circunstâncias e estabelecer uma distinção absoluta entre o Deputado e o capitão Maia. De resto, foi S. Ex.ª o próprio que fez esta separação quando preguntou ao Govêrno se o capitão António Maia já tinha sido punido pela infracção cometida.
Dêste modo julgo que conseguirei tratar do problema, absolutamente liberto da circunstância das pessoas e ainda de qualquer outra circunstância. Quero, também, declarar que as opiniões que vou expondo são minhas, absolutamente minhas, boas ou más, aceitáveis ou não aceitáveis que elas sejam, mas, repito, absolutamente minhas, porque não recorri a consultas de qualquer tratadista o comentador; não me inspiro na opinião de qualquer autoridade militar.
O que penso é inteiramente o produto da minha razão, do meu modo de ser, do meu critério. E se é certo que mo não é indiferente a sorte do Govêrno, nem mesmo essa circunstância tem de alterar ou modificar o que está no meu ânimo e é produto do meu raciocínio.
A questão pode considerar-se como tendo dois aspectos: o aspecto constitucional e o aspecto militar. Eu disse que. podem considerar-se dois aspectos, porque na minha opinião o aspecto constitucional é negativo. Quere dizer, o aspecto constitucional não chega a existir, não tem pelo menos razão de existência.
Na minha declaração de voto dizia eu que o artigo 17.º da Constituïção se refere exclusivamente a prisão preventiva e que não sendo a prisão do Deputado Sr. António Maia uma prisão desta natureza, não se mantendo a prisão preventiva, não tinha a Câmara dos Deputados que intervir em tal. Disse que o artigo 17.º não abrangia êsse caso, e assim concluí pela declaração de voto, dizendo que o capitão António Maia devia cumprir a pena de prisão, em que fora condenado, imediatamente, conforme entendesse mais conveniente quem lha aplicou.
Sr. Presidente: a minha convicção é do que o artigo 17.º se refere apenas a prisão preventiva.
Interrupção do Sr. Lopes C ardoso, que não foi ouvida.
O Orador: — É facto que êstes dois artigos se referem só á possibilidade da prisão, mas eu permito-me considerar também que cada artigo da Constituïção é de per si uma afirmação para um caso, para uma hipótese, e assim que o artigo 17.º se refere apenas e exclusivamente a prisões preventivas e o artigo 18.º se refere a prisões resultantes do processo criminal em marcha.
Àparte do Sr. António da Fonseca, que não foi percebido.
O Orador: — Já disse a V. Ex.ª e à Câmara...
Interrupção do Sr. António da Fonseca.
O Orador (dirigindo-se a um Deputado com energia): — Estou tratando desta questão com seriedade.
Interrupção do Sr. Lopes Cardoso.
O Orador: — A discussão dos assuntos a que me estou referindo dá sempre lugar a várias interpretações, conforme a imaginação de cada um.
Nova interrupção que não foi percebida.
O Orador: — Sr. Presidente: não continuo nas minhas considerações porque me não sinto bastante respeitado pela Câmara.
Não insisto...Julgo-me no direito de ninguém desviar de mim a sinceridade com que estou falando.
O orador senta se magoado.
Trocam-se àpartes.
O Orador: — Há uma cousa que ou quero invocar: é a sinceridade com que falo.
Nós temos que distinguir entre prisão preventiva e um processo em marcha, e neste caso o Parlamento não tem que intervir.
Tenho a convicção que o artigo, 17.º só refere apenas à prisão preventiva.
Trata-se apenas de prisão preventiva.
As imunidades parlamentares apenas são suspensas quando em flagrante delito a que corresponda pena maior.
Eu interpretei as palavras do artigo «estar preso» o prisão preventiva.
Por exemplo: um parlamentar tem uma scena de pugilato à saída do Parla-

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mento; não pode ser preso porque tem as suas imunidades parlamentares, mas isso é apenas para os pequenos delitos.
E preciso que seja assim para não suceder o que sucedeu com o Sr. Senador Aragão Brito, que foi preso por um agente da polícia.
Temos que distinguir entre poderá ser preso e estar preso. Positivamente é indispensável dizer a natureza da prisão, se é prisão preventiva ou não.
O Sr. Cunha Leal deu diversas interpretações ao artigo 17.º, das quais resultariam verdadeiros absurdos. Emquanto a mim acho que nada disso tem com o caso. Temos o caso de poder estar preso e o de ser preso em flagrante.
O Sr. António da Fonseca: — No caso presente não houve flagrante delito.
Vários àpartes.
O Orador: — Se alguém se referiu a isso não fui eu. Os casos não têm paridade, alguma, pois não há semelhança entre o caso do Sr. António Maia e o caso do Sr; Delfim Lopes, e só por uma razão muito especial é que êles estão agora ligados.
O Sr. Agatão Lança: — Quem autorizou o Sr. Ministro da Guerra a ordenar uma prisão com tanta pressa?
O Orador: — A Constituïção só fala em processos correccionais ou disciplinares.
Interrupção do Sr. Lopes Cardoso, que não foi ouvida.
Mas dizia eu que não há paridade entre os dois casos, porque no Sr. António Maia há uma pena a cumprir da qual não há recurso.
Àpartes.
Ninguém considera que o Sr. António Maia tenha dito que não cometeu a falta.
O Sr. António Fonseca (interrompendo): — Não se pode confundir o Deputado António Maia com o capitão António Maia.
Àpartes.
O Orador: — Eu não julgo o capitão António Maia capaz dessas habilidades; julgo-o um oficial íntegro.
Àpartes.
Não perderia a integridade, mas não ganharia numa habilidade que não lhe ficava bem.
Àpartes.
Mas, como dizia, não há paridade nos dois casos.
No caso do Sr. António Maia trata-se duma pena já aplicada, e no caso do Sr. Delfim Lopes há uma iniciação de processo.
O Sr. Delfim Lopes não está condenado.
Êste caso pode ir até a Relação, e portanto a hipótese do caso do Sr. Delfim Lopes cabe bem dentro da doutrina do artigo 18.º
O Parlamento, se determinar a supensão das imunidades parlamentares, tem de declarar por quanto tempo é que as suspende, e se o processo tem. de seguir no tribunal. O Deputado vem ou não retomar o seu lugar, e assim a Câmara mantém ou não ás imunidades até o fim da acção. Depois o processo corre até final sem a Câmara boder intervir; mas como já afirmei, tudo isto resulta fundamentalmente da natureza do processo.
O caso do Sr. António Maia e muito diferente do caso do Sr. Delfim Lopes.
Pode o Govêrno ter mandado prender o Sr. António Maia, para cumprimento da pena disciplinar, sem ter vindo ao Parlamento pedir o levantamento das imunidades, pois se tratava duma prisão de natureza não prevista em artigo algum da Constituïção.
O Sr. Presidente: — Pouco falta para o encerramento da sessão.
Deve interromper-se às dezoito horas e meia.
O Orador: — Não posso concluir as minhas considerações até essa hora. Ficarei com a palavra reservada.
O Sr. Agatão Lança: — Requeiro que o intervalo seja de duas horas e meia.
O Sr. Plínio da Silva: — V. Ex.ª escusa de submeter à Câmara êsse requerimento. Assim como V. Ex.ª não consulta a Câmara para a interrupção da sessão e marca a reabertura para uma certa hora, assim também V. Ex.ª pode dizer que a sessão reabre às dez horas.
O orador não reviu.

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O Sr. Vergílio Saque: — Requeiro para ficar ao arbítrio de V. Ex.ª á suspensão O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — A sessão foi interrompida estando no uso da palavra o Sr. Vasco Borges, e não se pode, a meu ver, interromper à sessão estando um Deputado, no. uso da palavra.
O Sr. Carlos Vasconcelos (interrompendo): — Fale o leader da maioria.
O Orador: — Não fala o leader. Falo em nome do Regimento.
O orador não reviu.
O Sr. Agatão Lança: — V. Ex.ª não pôs o meu requerimento à votação da Câmara. V. Ex.ª deu-me a palavra para êsse requerimento.
O orador não reviu.
O Sr. Cancela de Abreu: — V. Ex.ª tem o direito de marcar a hora da reabertura. V. Ex.ª tem em consideração o requerimento do Sr. Agatão Lança, mas não tem de o pôr à votação.
O Sr. Carvalho dos Santos: — V. Ex.ª deu a palavra ao Sr. Agatão Lança sôbre o moto de votar; tem, portanto, de pôr o requerimento à votação.
O orador não reviu.
O Sr Presidente: — Peço aos Srs. Deputados a fineza de ocuparem os seus lugares.
O Sr. Abílio Marçal: — V. Ex.ª tem plenos poderes para interromper a sessão. Estava falando o Sr. Vasco Borges, e V. Ex.ª não podia ter dado a palavra a mais ninguém, e até não podia aceitar requerimento algum.
E não sei se V. Ex.ª, quando, deu a palavra ao Sr. Agatão Lança, o fez ou não de harmonia com o Regimento. O facto é que V. Ex.ª lhe concedeu a palavra para um requerimento. Desde que tal sucedeu, e desde que, sôbre o modo de votar, se pronunciaram vários oradores, parece-me que V. Ex.ª não pode deixar de pôr o requerimento à votação.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro (para explicações): — O requerimento do Sr. Agatão Lança manifestava o desejo de S. Ex.ª de que a sessão recomeçasse às dez horas e não às nove e meia como de costume. Desde que V. Ex.ª, adentro das atribuïções que o Regimento lhe concede, marcou a sessão para essa hora, creio que não tem razão de existir o requerimento, em questão.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Interrompo a sessão para recomeçar às 22 horas.
Está interrompida a sessão.
Eram 19 horas e 35 minutos.
Às 22 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.
Continua com a palavra o Sr. Vasco Borges.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: continuando as minhas considerações, que fui obrigado a interromper, eu vejo-me também obrigado a fazer uma recapitulação do que tinha dito.
O motivo da minha intervenção neste debate foi uma declaração de voto que fiz na reunião conjunta das comissões de guerra e legislação criminal, e essa declaração de voto tinha eu dito que fora no sentido de declarar que nada tinha que ver o Parlamento com a prisão do Sr. capitão António Maia, e fiz esta declaração segundo a interpretação que julgo dever dar-se ao artigo 17.º da Constituïção, pois a verdade é que em minha opinião S. Ex.ª não é abrangido pela disposição do referido artigo 17.º
Analisei em seguida, Sr. Presidente, as razões que me levaram a esta interpretação, a qual resulta sobretudo da própria redacção dêste artigo 17.º
Sr. Presidente: a excepção estabelecida pela última parte dêste artigo, quando diz, excepto em flagrante delito, entendo eu não pode deixar de se referir à prisão preventiva, visto que a prisão em flagrante delito outra cousa não é senão uma prisão preventiva.
Se quisermos tomar para confronto, dêste preceito o que estava disposto na Carta Constitucional, nós verificamos os termos do seu artigo 3.º

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Verifica-se que nesta disposição foram acrescentadas as palavras «estar preso».
Qual seria a razão por que foram enxertadas estas palavras nas disposições da Constituïção V E. porque só quis distinguir entre a disposição de uma detenção de momento o a continuação de uma detenção, porque tanto uma cousa como outra cabem na detenção preventiva, e o legislador para acautelar isso fez a deferenciação e foi esta a razão porque o artigo 18.º não só pode aplicar à prisão do Sr. António Maia.
Não se trata de processo criminal, porque o que está em causa é apenas tinia infracção disciplinar.
Esta questão tem dois aspectos: o aspecto constitucional e o aspecto disciplinar; o aspecto constitucional é negativo e o aspecto disciplinar é, infelizmente, de justiça.
Estou absolutamente de acôrdo em que é necessário afastar o aspecto pessoal desta questão, mas nunca do caso concreto.
E digo isto porque foi um caso concreto que fez surgir esta questão, que não sobreleva à tese constitucional, porque foi o caso disciplinar que sensibilizou a opinião pública.
Não se diga que a disciplina não é afectada com a dureza do castigo, porque acima de tudo está a disciplina.
Os regulamentos mandam que êstes castigos sejam cumpridos imediatamente. E mandam assim para todos os militares.
Não pode haver um regulamento para os militares que eventualmente sejam Deputados o outro para os que o não sejam.
Mas, Sr. Presidente, foi o próprio Sr. capitão Maia que, como Deputado que é, aqui veio dizer com toda a nobreza própria do seu carácter, que a Câmara deveria levantar as suas imunidades.
É que S. Ex.ª, alta figura da República, reconhece que, numa democracia a lei deve ser igual para todos.
Vou dizer as últimas palavras sôbre êste assunto. Julgo gravíssimo afectar, sobretudo, na hora que atravessamos, a disciplina, principalmente a do exército.
A Câmara que pondere bem no que tem a resolver, a bem da defesa da ordem e da disciplina, tam necessárias, agora mais do que nunca, não só à República, como à nossa organização social.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Agatão Lança: — Sr. Presidente: eu não sou pessoa que tenha o hábito de procurar levantar conflitos, mas também, não sou pessoa que fuja às questões que me ponham.
Por educação e por temperamento aceito todas as questões, venham de onde vierem, e seja qual fôr o campo em que se coloquem.
Há pouco, quando a sessão foi interrompida, quis, no uso de um direito, apresentar um requerimento que foi aceito por V. Ex.ª Ouvi, porém, com magoa, alguns àpartes em que se dizia que não podia já. pedir a palavra para um requerimento.
Êsse requerimento foi aceito por V. Ex.ª Sr. Presidente, que deu a palavra a vários Srs. Deputados sôbre o modo de votar.
Se V. Ex.ª não podia nessa altura admitir o requerimento, dando a palavra a alguns Srs. Deputados, depois cometeu uma arbitrariedade contra mim, não sendo em responsável pelas invectivas dos Srs. Deputados o pelos seus àpartes.
Depois V. Ex.ª entendeu que não devia ter admitido o requerimento, mas não o devia retirar sem uma prova de consideração pelo Deputado, que sou eu, que tenho dado a V. Ex.ª muitas provas de consideração, do muita estima e até de amizade.
As situações equívocas não aproveitam, a mim, nem a ninguém de boa fé.
Espero da lealdade de V. Ex.ª que defina, qual o pensamento que o inspirou ao encerrar a sessão, saltando por cima do requerimento, e não tendo para comigo a1 atenção que devia ter.
Repito, situações equívocas julgo que a ninguém devera aproveitar, e assim espero da sinceridade de V. Ex.ª que explique qual a intenção que teve para comigo.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

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O Sr. Presidente: — Tenho por V. Ex.ª e por todos os Srs. Deputados que compõem esta Câmara a maior consideração e não estou aqui para desconsiderar seja «quem fôr; e tanto assim é que a resolução tomada por mim foi aquela que V. Ex.ª requereu.
Àpartes.
V. Ex.ª tinha pedido a palavra requerendo que a sessão reabrisse às 22 horas, isto ó, que a suspensão durasse duas horas e meia.
Foi precisamente êsse o intervalo marcado pela Mesa para a interrupção da sessão.
Apoiados.
Neste meu procedimento já V. Ex.ª vê, que não podia haver falta de consideração por V. Ex.ª quando V. Ex.ª pediu a palavra para um requerimento.
Não sabia se o requerimento seria ou mão adstrito à matéria.
Vi depois que o requerimento não podia ter seguimento, mas os desejos de V. Ex.ª estavam satisfeitos pela minha declaração.
Não houve, portanto, intuitos de melindrar V. Ex.ª e muito menos de o desconsiderar.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Quando há pouco surgiu o incidente levantado pelo Sr.. Agatão Lança, em que S. Ex.ª se julgou desconsiderado, afirmou S. Ex.ª que eu tinha esquecido a consideração que merece.
Da parte do Sr. Agatão Lança há um equívoco: não houve desconsideração nenhuma por S. Ex.ª, mas sim consideração.
No que disse mostrei consideração por S. Ex.ª, porque disse que a sessão seria interrompida e o Sr. Presidente a reabriria justamente à hora que S. Ex.ª indicava no seu requerimento.
Não houve, portanto, desconsideração alguma, e creio que o Sr. Agatão Lança se dará por satisfeito com as explicações que acabo de lhe dar.
O orador não reviu.
O Sr. Agatão Lança: — Permita V. Ex.ª que eu esclareça o Sr. Almeida Ribeiro. Quando disse que S. Ex.ª tinha deturpado o meu requerimento, não foi com o sentido de ofender, mas ùnicamente convencido de que estava dizendo uma verdade.
Havia vários Deputados inscritos, de forma que não era possível marcar o tempo.
V. Ex.ª, Sr. Almeida Ribeiro, diz que eu não raciocinava bem por estar exaltado; pois é exactamente quando eu raciocino melhor.
Devo prestar a V. Ex.ªs o meu maior preito de estima e elevada consideração.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taguigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. António Fonseca: — Sr. Presidente: não posso falar sem a presença do Sr. Presidente do Ministério.
Entra na sala o Sr. Presidente do Ministério.
O Orador: — Em cumprimento com as disposições regimentais, mando para a Mesa a minha moção de ordem.
Sr. Presidente: eu não sou Deputado que se encontre inoculado ao Govêrno por disciplina, nem tenho o intuito de derrubar o Govêrno; não faço parte nem de um nem de outro lado ca Câmara, porque tenho a opinião que a duração dos Govêrnos é função da sua utilidade.
Eu sou tam independente, que nem sequer faço parte dos independentes, que hoje, creio, apenas estão representados no Ministério. Todavia, isto não impede que eu. exponha a minha opinião.
Quando dentro de um partido eu tive a preocupação de marcar o meu lugar, e nunca a disciplina partidária me obrigou a votar contra a minha consciência.
Vim à Câmara pela vontade directa dos meus eleitores; nada devo ao Directório do Partido Republicano. Português; o meu partidarismo de então não impediu que eu divergisse de algumas das figuras dêsse partido, como fiz do Sr. Afonso Costa.
Passados anos, eu tive de sair do Partido Democrático e entrei no Partido Reconstituinte.
Parece-me ter adquirido neste momento adentro da política do meu País a posição mais consentânea com a minha maneira de ser, qual é a de pertencer a um

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partido que possui apenas um único partidário.
Risos.
Fiz à Câmara estas ligeiras observações para demonstrar que não me move o espírito de ser agradável ou desagradável a quem quer que seja, mas mesmo esta atitude na presente questão procede tam somente porque os meus conhecimentos de direito e o meu espírito de justiça a determinam.
Sr. Presidente: muito se tem falado aqui de disciplina militar, e tanto se tem falado nela que eu vejo já misturada numa questão que devia ser exclusivamente parlamentar uma outra cujos pormenores parece deveriam ser apreciados pôr esta Câmara.
Houve um capitão que dirigiu ao Ministro da Guerra um requerimento inconveniente. Eu tenho pelo Deputado e capitão Sr. António Maia a maior das considerações; reconheço, no emtanto, que o seu requerimento está redigido em termos absolutamente inconvenientes.
Afirmo-o porque, pela imprensa, dele tive conhecimento. Se eu fôsse Ministro da Guerra teria igualmente castigado o Sr. António Maia, mas tê-lo-ia feito por processo diverso daquele de que se serviu o Sr. Ministro da Guerra.
Desde que o Sr. António Maia infringiu os, preceitos disciplinares e desde que o Sr. Ministro da Guerra o castigou, a disciplina do, exército ficou inteiramente salvaguardada. Não estou fazendo uma figura de retórica, estou fazendo um raciocínio.
Não ignoram S. Ex.ªs o que diz o artigo 18.º dó código disciplinar.
Há nesta questão dois casos distintos: o primeiro que diz respeito aos resultados da aplicação das penas, e o segundo é muito importante para a apreciação dêste assunto.
Isto significa que a própria legislação militar, é a primeira a admitir a possibilidade de certas penalidades deixarem de ser cumpridas; nas mesmas circunstâncias se encontra o artigo 17.º da Constituïção.
Que diz êsse artigo?
Quere dizer que se a Câmara dá licença, a Câmara pode negar a licença.
Isto, não pode ser contestado por ninguém. Assim, de duas uma: ou cumpre uma deliberação única, ou fica o precedente que impõe a obrigação de no futuro se proceder conforme a hipótese a considerar.
A Câmara tem o direito de proceder em cada caso, por si, de proceder conforme as circunstâncias, mas não sistematicamente, por que se assim fôsse tinha de ser rasgado, o artigo 17.º
Era neste momento que o Govêrno tinha que dizer por que moral, por que razão de Estado, por que razão política, impunha punição imediata.
O artigo 17.º é o artigo de onde se conclui que a Câmara pode negar a licença, e se assim é, a negação da licença, não pode ser considerada indisciplinadora do exército.
Apoiados.
Não pode, porque é em harmonia com a Constituïção, que não ó, certamente, indisciplinadora do exército.
Apoiados.
A Constituïção é a nossa lei fundamental, é quere nos seus princípios que se guarde a disciplina no exército e em todas as classes.
Fez-se assim, assim se tem aplica dor e o artigo não é indisciplinador do exército. Logo o Sr. António Maia, seja ou. não preso, não tem que ver com a disciplina do exército, porque o Sr. António Maia é um parlamentar e não temos que ver se é um militar.
Àpartes.
Eu tenho um especial interêsse em arredar desta questão a questão da disciplina, porque não desejo que com a prisão do Sr. António Maia se estabeleça um precedente terrível.
Que seja a prisão do Sr. António Maia, para evitar um caso grave, uma invasão estrangeira, que caia o Govêrno, está bem. Mas que se diga que o Sr. António Maia tem de ser preso, porque senão periga a disciplina militar, isso é horrível e vou dizer porquê.
O artigo 17.º da Constituïção estabelece doutrina semelhante, quer se trate de militares, marinheiros ou civis.
Não se faz distinções, nem se deve fazer.
Claro, é que não sendo dê presumir que daqui para o futuro não haja novos capitães que sendo parlamentares, dirijam, aos Ministros outros requerimentos nos

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mesmos termos, não se pode estar a querer prever tal hipótese.
Interrupção do Sr. Álvaro de Castro que não se ouviu.
Eu só tenho de apreciar juridicamente o que está na Constituïção e a situação que ela cria.
O que é certo é que, votada nos termos propostos, a prisão do Sr. António Maia ó. um precedente horrível.
Não vale a pena entranharmo-nos agora nesta discussão de princípios para sustentar ou contrariar qualquer doutrina tendente a estabelecer que seria preferível que a situação dos Deputados militares, em face da disciplina militar, mais grave do que a disciplina civil, passaria a ser incompatível com a função militar. Não quero discutir isso neste momento.
Nesta ocasião o que eu sei é que a situação de um militar e de um civil para com a Câmara dos Deputados é precisamente o mesmo. Sei que a Constituïção, estabelecendo no artigo 17.º as imunidades parlamentares, coloca todos os Deputados em idêntica situação, e portanto não posso aceitar, em minha consciência, qualquer doutrina que vise a colocar os Deputados militares em melhor situação do que se encontram os civis.
A lei tem dó ser igual para todos, a lei tem de ser sistematicamente a mesma, quer se trate dó um Deputado civil, quer de um Deputado militar, sobretudo quando se não atendeu a essa qualidade para a sua eleição para a função parlamentar.
Desde que os militares podem ser Deputados, assim como os civis, nós temos de aplicar a lei, com igual fôrça, quer se trate de um militar, quer de um civil.
O motivo invocado para a prisão do Sr. António Maia — a disciplina — não passa de ser um motivo inteiramente estúpido.
Não é a disciplina que está em causa. O que está em causa é um Deputado, não é um capitão; o que está em causa não é o Ministro da Guerra, mas um Ministro.
Apoiados.
Os pareceres das comissões referem-se a dois Deputados; um indiciado num crime do natureza civil, outro incriminado num crime do natureza militar.
Estou, portanto, em face de dois Deputados, em igualdade de circunstâncias.
Mas o artigo 17.º tem uma interpretação que me parece ser muito de notar nesta questão.
Estabelece o artigo 17.º uma imunidade parlamentar. E o que quere dizer imunidade parlamentar? Quere dizer um direito especial, uma regalia, uma garantia especial que lhe é atribuída para segurança da liberdade do exercício da sua função.
Apoiados.
Êste é o teor do artigo 17.º
Decerto que o artigo 17.º proíbe, como regra geral, a prisão dos Deputados, e, se assim é, a prisão é evidentemente a excepção à regra geral. E então em que condições é que se pode encontrar a excepção a esta regra? Só pode encontrar-se num critério restritivo. E o que pode levar a Câmara dos Deputados ou o Senado a autorizarem a prisão de qualquer dos seus membros?
Evidentemente, Sr. Presidente, que não pode ser assim. Seria não só ilógico mas extravagante, fôsse qualquer razão ou motivo que não fôsse essencialmente parlamentar.
Trata-se de uma questão de ver se um determinado membro do Poder Legislativo, Deputado ou Senador, tem de deixar de fazer parte temporariamente da Câmara a que pertence e por que motivo.
Por motivos estranhos à função parlamentar.
Isso seria absolutamente estúpido porque isso seria comparar a acção parlamentar a qualquer outra, e pela leitura do artigo 17.º nós vemos que nenhum parlamentar, civil ou militar, poderá ser casgado sem consentimento do Parlamento.
Onde se encontra realmente um motivo que pela sua natureza ou circunstância especial se encontre de facto em conflito com a função parlamentar?
Uma pessoa pode fazer o que quiser lá fora e só quando a Câmara vir que êle praticou qualquer acto que o incompatibilizou, é que pode ser castigado, porque cometeu uma infracção que todavia o incompatibilizou.
Esta é uma maneira de se entender o artigo 17.º e do resto só entendem sempre os artigos semelhantes que haviam no tempo da monarquia.
Não ignoram V. Ex.ªs e eu para êste caso chamo a especial atenção dos Depu-

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tados monárquicos, tam alarmados com «ma questão de disciplina, como se o Deputado Sr. António Maia em vez de ter pura e simplesmente mandado um requerimento que eu considero realmente inconveniente tivesse vindo para esta Câmara e tivesse perante toda a Câmara esbofeteado o Sr. Ministro da Guerra.
Isto é um, dos casos interessantes do tempo da monarquia e que pelo segundo acto adicional se estabelece uma regulamentação semelhante á que estipulamos e que o Sr. Vasco Borges quis há pouco atirar de pernas ao ar.
V. Ex.ªs não ignoram o que foi o conflito entre o Ministro da Marinha de então e o Sr. Ferreira de Almeida.
Se V. Ex.ªs desejam eu leio o argumento que vem no Diário das Sessões.
O Sr. Carvalho da Silva: — V. Ex.ª é que vem fornecer o argumento.
O Orador: — Ainda bem que eu sou tam amável que faço a hipótese dêste argumento para V. Ex.ª se servir dêle.
Vejamos qual a opinião que nesse momento foi estabelecida na política monárquica e acusado pelos republicanos de ser um homem conservador.
Conservador e feroz era o Sr. João Franco e eu vou referir o que êle dizia.
Leu.
Toda esta tremenda discussão realizou-se não por causa do acto em si, mas pelos princípios que estavam em jôgo, durando dias e dias com larguíssimos discursos, é, todavia, não há uma referência sequer à palavra disciplina.
A prova mais evidente de que é possível, sem afectar a disciplina do exército, denegar a licença é que o próprio castigo imposto pelo Sr. Ministro da Guerra diz que é para ser cumprido oportunamente, quando as circunstâncias o permitam, e não imediatamente. A palavra «oportunamente» significa aqui duas cousas. Em primeiro lugar, que a aplicação da pena não será imediata, e, em segundo lugar, que o próprio Sr. Ministro da Guerra tem a idea de que a pena se cumprirá quando o acusado deixar de exercer as suas funções.
Citei há pouco o caso do Sr. Ferreira de Almeida, e chamo a atenção da Câmara para o facto extraordinário de que êsse caso nem sequer se deu com a Câmara aberta em que seria possível adoptar para com o Sr. Ferreira de Almeida atitudes, e disposições que se não poderiam tomar, com a Câmara aberta.
Mas de tudo isto resulta, concreta e finalmente, uma apreciação para a qual eu chamo, já não digo a atenção da Câmara, que talvez a não queira dar, mas a atenção das pessoas que, vivendo há muitos anos dentro do, ambiente parlamentar, têm o dever e o direito de dar a primazia às atribuïções parlamentares.
Precisamos, de. respeitar essas atribuïções; precisamos de tirar dêste processo verdadeiramente deplorável do Sr. Ministro da Guerra, pedindo a prisão do Sr. António Maia, uma arma de perseguição e de ataque que se tornaria absolutamente terrível e de que não haveria, nenhuma espécie de defesa.
S. Ex.ª o Sr. Vasco Borges, que encontrou, há dias, na sua vontade de defender o Govêrno, até argumentos — até argumentos! — para defender o Sr. Ministro do Comércio, quis hoje, fazendo a demonstração de que o que era claramente branco era inexoravelmente preto, colocar os deputados inteiramente sujei-tos à acção do Poder Executivo.
Esta questão, se tem importância, não é a que resulta de se tratar do capitão Maia ou da circunstância de o Sr. Maia ser um aviador, ser um homem com uma larga folha de serviços prestados à Pátria e à República.
Para mim é-me indiferente, quer se trate de um republicano, ou dum monárquico, quer se trate dum homem que tenha prestado grandes, serviços ao seu país, ou de um homem que não tenha prestado nenhuma espécie de serviços. A questão resulta de ser o nosso direito, ai nossa regalia, a nossa liberdade.
E porque esta questão é assim, e porque ela assume uma excepcional gravidade, é que eu não posso compreender que o Sr. Presidente do Ministério quisesse fazer dela uma questão política, como quem diz que a sua conservação no poder só pode ser consentida se os mais sagrados direitos assim o impuserem.
Posso compreender, e tenho compreendido, as questões políticas que se fazem em volta dos princípios, dos programas,

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em volta de determinadas circunstâncias de momento, impondo ao Govêrno uma inexorável atitude.
Mas não posso compreender que sé faça questão política duma cousa que é essencial para a liberdade do Parlamento, fundamental para a liberdade de voto e de expressão, que os Deputados têm mais que o direito de usar quando falem nesta Câmara.
Isso para mira. é perfeitamente incompreensível, e como assim é, é que ou, apesar de não desejar fazer baquear o Govêrno, me julgo absolutamente liberto da coacção que o gesto do Sr. Presidente do Ministério representa nesta Câmara.
Eu devo dizer a V. Ex.ª que entre as pessoas que se encontram nesta Câmara fui aquele que com mais intensidade discutiu o orçamento do Ministério da Guerra, e discuti-o num bom sentido, para fazer bem ao exército e para fazer bem ao País. Contudo, discutindo dessa maneira, eu coloquei-me em antogonismo de muitos interêsses, e coloquei-me em posição de ser atacado por muita gente,- que se viu ferida nas suas ambições.
Quando eu discuti dessa maneira, assumi uma grave responsabilidade, eu, que era um civil, levei para o conhecimento do público certos e determinados factos que eram absolutamente censuráveis e condenáveis.
Se eu me convencesse de que a disciplina militar impunha a prisão no próprio dia do Sr. António Maia, seria eu o primeiro a reclamar a sua prisão.
Porque, secamente, o Sr. Presidente do Ministério trouxe aqui a sua proposta, sem me dizer quais os motivos da urgência que havia para se praticar êste gravíssimo acto da suspensão das imunidades a um Deputado, eu não posso votar essa proposta.
O castigo dado ao capitão António Maia é justo, mas o Sr. Ministro da Guerra, por circunstâncias que desconhecemos, até sem esperar que chegasse do Gerez o Sr. Presidente do Ministério...
Mas, Sr. Presidente, nessa hora o Sr. Presidente do Ministério apenas sabia que o Sr. Ministro da Guerra estava demissionário e supunha que S. Ex.ª ainda podia talvez regressar ao seu Ministério.
Que condições podiam ser postas para regressar?
Não seria esta, a prisão do Sr. António Maia?
Não seria o cumprimento da pena que lhe foi imposta pelo Sr. Ministro da Guerra?
E assim, para resolver êste problema o Sr. Presidente do Ministério trouxe ao Parlamento uma proposta de suspensão das imunidades parlamentares para êste Deputado.
Sucede, porém, que circunstâncias posteriores — estas então desconhecidas do público — levaram o Sr. Ministro da Guerra à convicção de que não poderia continuar ao Govêrno fossem quais fôssem as resoluções da Câmara, e então, Sr. Presidente, nós encontrámo-nos nesta situação: vamos suspenderas imunidades parlamentares ao Sr: António Maia e por um motivo que não tem nada com a Câmara dos Deputados, que não o incompatibiliza com as funções parlamentares, mas que apenas era feita para evitar uma crise ministerial.
Sucede, porém, que a crise não se resolve porque o Sr. Ministro da Guerra já pediu a sua demissão sem esperar a resolução da questão e nós vemos fazer a mesma deplorável doutrina de suspender as imunidades para um Deputado porque alguém o deseja visto que o Sr. Presidente, tendo declarado no princípio desta discussão, quando apresentou a sua proposta, que o Govêrno fazia questão política dela e portanto o fazia com certa lógica porque tinha um Ministro demissionário e por que o quer repor no seu lugar.
Tendo a questão agora um aspecto diferente vamos estabelecer um precedente que há-de ser terrível, e que pode ainda mesmo vir a cair em cima da cabeça de alguns, democráticos, como caiu em cima da do Sr. António Maia.
Sr. Presidente: não desejaria cansar a atenção da Câmara, mas não quero deixar de me referir ao segundo caso que está também em debate, o do Sr. Delfim de Araújo Lopes.
Dêste caso fui precisamente informado neste momento.
Não conhecia dele, porque nunca ninguém me tinha falado em pretendidos crimes cometidos pelo Sr. Delfim Lopes.
Eu entendo que seria absolutamente estranho que a Câmara dos Deputados, tendo duas causas idênticas a julgar, e

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idênticas apenas porque só trata de suspender ou não as imunidades parlamentares, qualquer que seja a origem ou o motivo para o fazer, eu não poderia dispensar de mandar para a Mesa o aditamento que eu mandei, para que se discutisse a situação dêsse Deputado, que só encontrava nas mesmas condições do Sr. António Maia.
O Sr. João Bacelar: — Tanto mais que o ofício em que se tratava dêsse caso é de 28 de Junho.
O Orador: — Êste ofício, diz-mo o Sr. João Bacelar, data de 28 de Junho de 1923; passaram portanto já uns vinte e dois dias, e ainda não houve nenhuma espécie de desejo, nem de requerimento de urgência, requerimento êsse que estaria muito bem nas mãos do Sr. Ministro da Justiça, e perdoe-me V. Ex.ª que, apesar da muita consideração que eu tenho por V, Ex.ª, estranho a atitude que o Sr. Presidente do Ministério tomou num caso disciplina militar, e a que V. Ex.ª tornou neste caso passado com um notário.
Sr. Presidente: não obstante, tratar-se dum caso que é fundamentalmente diverso, o caso do Sr. António Maia é um caso punido disciplinarmente, e no outro trata-se dum crime previsto e punido pela nossa legislação: um caso trata-se com o Poder Executivo, outro com o Poder Judicial. O caso Delfim Lopes merece a nossa atenção.
Não há razão nenhuma para que o Sr. António Maia seja preso a dezassete dias dá eleição do Sr. Presidente da República.
O prestígio das instituições não ficaria singularmente afectado se se esperasse pelo encerramento do Parlamento, tanto num caso como noutro.
Por todos êstes motivos e louvando as comissões do guerra e legislação, que deram o seu parecer, que V. Ex.ª pôs à discussão, pareceres que ainda me permitem encontrar uma nova demonstração de que não há realmente motivo que colida com a constituição militar e que apesar de ser assinado por distintos membros desta Câmara, alguns dos quais militares, declaram que não houve espécie alguma do atentado.
Eu declaro a V. Ex.ª que, a despeito do o Govêrno ter feito disto uma questão política, voto inteiramente os dois pareceres das comissões respectivas, e só exceptuo um caso, o caso de a Câmara dos Deputados votar a imediata prisão do Sr. António Maia, porque nessa hipótese vai contra os direitos do artigo 17.º Nesse caso terá de se efectuar a prisão doutro Deputado, pára que lá fora não ficasse a impressão de que se não deixara prender um homem que era seu correligionário e se prendia outro que não era seu correligionário, e isso era um desprestígio não só para o Partido Democrático, com que nada tenho, mas para toda a Câmara.
É lida e admitida a moção do Sr. António Fonseca.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Carvalho da Silva: — Em primeiro lugar desejava que V. Ex.ª me informasse do que está em discussão, se são somente os pareceres ou se estão em discussão os pareceres e a moção que eu ontem mandei para a Mesa.
O Sr. Presidente: — O que está em discussão são só os pareceres.
O Orador: — Nesse caso, cumprindo as disposições regulamentares, eu mando para a Mesa a moção que mandei há dias e que a Câmara entendeu que devia ser discutida com os pareceres.
Mais uma vez eu declaro que, por todos os motivos me é extremamente desagradável que a Câmara esteja ainda a discutir esta questão.
Nada de mais desagradável do que estar a referir-me a um colega nosso, embora não esteja em jôgo a sua honorabilidade mas a minoria monárquica, embora desejasse muito ter ensejo de lhe ser agradável, vê-se forçada, por diversas circunstâncias, a pôr em primeiro lugar aquilo que reputa o seu dever.
São duas as questões que se discutem: a questão relativa ao Sr. António Maia e a questão do Sr. Delfim de Araújo.
Comecemos pela questão relativa ao Sr. António Maia.

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Em primeiro lugar ou quero definir a nossa atitude em relação ao Govêrno.
Nós apoiámos o Govêrno quando veio aqui trazer a sua proposta, porque se tratava da disciplina, mas agora somos forçados a reconhecer que o Govêrno não representa a disciplina, mas sim a indisciplina.
O chefe do Govêrno apresentou aqui uma proposta para que imediatamente fossem suspensas as imunidades parlamentares ao Sr. António Maia, para que elo pudesse- cumprir imediatamente a pena que, como oficial do exército, lhe tinha sido aplicada pelo Sr. Ministro da Guerra.
Reputava o Govêrno tam indispensável a imediata aplicação dessa pena, que o Sr. Presidente do Ministério pediu a urgência e dispensa do Regimento para que essa proposta fôsse imediatamente votada.
Falava o Sr. Presidente do Ministério em nome do Govêrno e em nome da disciplina que êle dizia querer defender.
Mas o que vemos?
Vemos que o Govêrno, que era solidário com o Sr. Ministro da Guerra, o que reputava indispensável para a manutenção da disciplina que fôsse aprovada ante ontem a suspensão das imunidades parlamentares, ontem pensava de maneira contrária e deixava inteiramente isolado o Sr. Ministro da Guerra, agarrado àquilo que êle reputava indispensável para continuar nas cadeiras do Poder.
Então, de duas uma, ou o Govêrno não estava do acôrdo com o Ministro da Guerra no que respeitava à disciplina, e então não falou verdade o Sr. Presidente do Ministério, ou estava realmente de acôrdo, e nesse caso o Govêrno só tinha um caminho, que era acompanhar o Sr. Ministro da Guerra.
Desde que o Govêrno não acompanhou o Sr. Ministro da Guerra naquilo que ontem reputava manutenção integral da disciplina, o Govêrno hoje representa o triunfo da indisciplina.
Assim demonstrado, que o Govêrno pondo inteiramente do lado os princípios fundamentais da disciplina, devia ter abandonado as cadeiras do Poder, demonstrado fica também que pelo contrário nós é que não mudámos da orientação que tínhamos traçado, porque somos fiéis aos princípios que defendemos.
Eu entendo que esta questão é daquelas que quanto mais ràpidamente forem resolvidas mais salutar é o seu efeito, e pena tenho que a Câmara não o tivesse assim compreendido, protelando uma questão que devia ter uma solução pronta e imediata, e que passadas três sessões ainda em sessão prorrogada estejamos a discutir a questão.
Sem querer alongar as minhas considerações, eu tenho de dizer ainda algumas palavras sôbre as doutrinas que tenho visto defender nesta Câmara por vários Srs. Deputados.
Ainda esta tarde ouvi o Sr. David Rodrigues defender a teoria de que a disciplina das democracias tem de ser diversa da disciplina das monarquias. Se me fôsse preciso algum argumento para mais firmar as convicções monárquicas, eu teria nisso uma demonstração mais da superioridade das monarquias sôbre as democracias.
Ouvi também ainda há pouco o Sr. António Fonseca defender a doutrina de que tem de ser igualmente considerada a disciplina em questões militares e a disciplina em questões civis. Eu penso de maneira diversa, porque entendo que a disciplina militar deve ser mais severa, e mal vai a um país que não o considere assim.
O Sr. António Fonseca veio citar à Câmara o caso sucedido no tempo da monarquia com o Sr. Ferreira de Almeida e o Sr. Conde de Macedo, afirmando que êsse caso se tinha dado no interregno parlamentar.
Puro engano. Êsse caso deu se a dentro duma das salas de sessões do Parlamento. Não precisava S. Ex.ª fugir à verdade dos factos para apresentar um argumento.
O Sr. António Fonseca: — O processo seguiu no intervalo parlamentar.
O Orador: — É extraordinário que uma inteligência como a do Sr. António Fonseca queira comparar casos dêstes. Essa comparação é a demonstração mais cabal do que o procedimento a adoptar agora tem de ser diverso do que se adoptou então.

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O Sr. capitão António Maia, fora do Parlamento, como oficial do exército, dirigiu ao Sr. Ministro da Guerra uma carta nos termos que todos conhecem. Não foi como parlamentar que o Sr. António Maia se dirigiu ao Sr. Ministro da Guerra, foi como oficial do exército, e Ferreira de Almeida foi como membro do Poder Legislativo.
Se o Sr. António Maia tivesse aqui um conflito com o Sr. Ministro da Guerra, não, era segundo as normas do exército que êle tinha de ser julgado.
Não é êste o caso. Foi demasiado infeliz o Sr. António Fonseca.
Mas mais do que isso, o Sr. António. Fonseca não quis ver também a diferença das imunidades parlamentares marcadas na Constituïção da República e aquelas que estabelecia a Carta Constitucional da monarquia.
O Sr. António Fonseca vem referir-se ao que se tinha passado no interregno parlamentar.
Eu direi a V. Ex.ª que, segundo a Carta Constitucional, ainda que o caso que se dou entre o, Sr. António Maia e o Sr. Ministro da Guerra se tivesse dado no interregno parlamentar, a Carta Constitucional estabelecia que as imunidades parlamentares não acabavam senão ao fim de todo o tempo pelo qual êle tinha sido eleito.
Já vê o Sr. António Fonseca que mais uma vez foi demasiadamente infeliz.
Ainda mais, o Sr. António Fonseca queria que fôsse julgado o Sr. Ferreira do Almeida no interregno parlamentar.
Quem julgava os Parlamentares era o próprio Parlamento.
Foi demasiadamente infeliz o Sr. António Fonseca como os factos comprovam.
Eu só tenho a agradecer ao Sr. Deputado o ter me fornecido elementos para convencer S. Ex.ª que está fora da verdade.
Sr. Presidente: estamos, como sempre estivemos desde o começo desta questão, ao lado dos princípios; votámos aquilo que está expresso na nossa moção, votámos pela suspensão imediata das imunidades parlamentares do Sr. Sousa Maia, embora como colegas isso nos custe, assim como votamos. para que elas sejam suspensas ao Sr. Delfim de Araújo, que será o primeiro a não querer continuar na sua cadeira emquanto pesem sôbre êle as acusações que pesam.
Votamos pois pela imediata suspensão das imunidades parlamentares do Sr. Delfim Lopes.
Se estivesse nas nossas normas tirar já conclusões, em que situação moral ficava o regime!
Mas não temos o direito de o fazer emquanto essas acusações não se provarem.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Como as imunidades parlamentares são levantadas no interregno parlamentar que vem a coincidir com as férias judiciais, está descoberta a maneira de nunca ser julgado.
Vários àpartes.
O Orador: — Não quero cansar a atenção da Câmara, e portanto termino.
Leu-se a moção, e foi admitida.
O orador não reviu.
Os àpartes não foram revistos pelos oradores que os proferiram.
O Sr. David Rodrigues: — O Sr. Carvalho da Silva fez uma confusão lamentável, e eu quero fazer a S. Ex.ª a justiça das boas intenções.
O que eu disse foi que os chefes nas democracias não deviam, recear discutir os seus actos, isso até lhes servia para provarem que eram homens de bem e cumpridores, e assim mostravam a sua, imparcialidade.
Disse nessa ocasião, se a memória me não engana, que o prestígio dos homens nas democracias não vinha dos cargos que exercem, mas sim da maneira como exercem êsses cargos. E quando um homem tem a certeza absoluta de que bem desempenha um cargo, deve desejar apresentar-se como cumpridor dos seus deveres. Nas democracias são exactamente os actos praticados pelos funcionários que as tornam superiores às monarquias.
Foi isso que eu disse; e é isso que eu desejo que a Câmara fique sabendo.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: se houve confusão, não foi da minha parte uma confusão voluntária.
Em todo o caso tenho idea do o Sr. David Rodrigues ter dito que a disciplina das monarquias era uma disciplina que

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tinha nascido do direito divino, e nas democracias não era assim.
Mas vejo não ser essa a idea de S. Ex.ª
O orador não reviu.
O Sr. Pires Monteiro: — Começo por ler a minha moção de ordem.
Farei ligeiras considerações nesta ocasião.
O Sr. Cunha Leal. em nome do partido a que S. Ex.ª pertence, disse que tinha votado contra a urgência pedida pelo Govêrno. Exactamente por isso eu entendo que devo mostrar a minha atitude neste momento.
Não sou nesta questão obrigado a seguir as indicações do leader. Voto a urgência da proposta do Govêrno, convencido de que se impõe essa urgência, porque não exercer a acção enérgica seria manifestação de indisciplina militar. Se o Govêrno pediu a urgência foi porque tinha elementos de confirmação necessários, e que a votação bastava para resolver o caso que deveria ter consequência imediata das penas disciplinares.
Mas o que determinava a apresentação da moção do Sr. Abílio Marçal, submetendo ao estudo das comissões de guerra e de legislação civil o caso do levantamento de imunidades a um nosso colega desta Câmara?
A questão do levantamento de imunidades tem sido ventilada por todos os lados da Câmara e todos os Srs. Deputados que têm entrado nessa discussão têm apresentado argumentos pró e contra êsse levantamento imediato.
Sr. Presidente: desde que essas imunidades existem, afirmo o na minha moção, os indivíduos que as têm devem ser muito reflectidos e ponderados para regularem o seu procedimento pessoal, mas, Sr. Presidente, não se procedeu assim; cometeu-se um grave acto atentatório da disciplina do exército, e quem o cometeu foi um oficial do exército, sendo ao mesmo tempo Deputado, obrigando o Poder Executivo, nos termos do artigo 17.º da Constituïção, a pedir licença a esta Câmara para que êsse Depurado fôsse preso durante o período em que funcionava a sessão legislativa.
Afirmou o ilustre Deputado Sr. António Fonseca, que o artigo 17.º não era necessário na Constituïção se sistematicamente esta Câmara consentisse que as imunidades fossem levantadas constantemente; ora se não é sistemática a aplicação dêsse artigo, se a Câmara tem de julgar no seu alto critério quais as circunstâncias em que êsse artigo deve ou não ser aplicado, quais as circunstâncias em que as imunidades devem ou não ser levantadas, esta discussão é essencial, sendo conveniente que averiguemos qual o reflexo que teve no exército o acto praticado por êsse oficial, para se saber se essas imunidades devem ou não ser levantadas.
Sr. Presidente: as consequências dêsse acto foram lamentáveis. Um oficial da mesma categoria relativamente elevada, um oficial que tem prestado relevantíssimos serviços ao País e à República, que a Cruz de Guerra no exército francês e Cruz de Guerra no exército português, que tem os mais brilhantes serviços na aviação militar, dirigiu ao Ministro da Guerra um requerimento em termos altamente inconvenientes. Era absolutamente indispensável, portanto, que se exercessem as respectivas sanções, e era essencial para o prestígio do exército que imediatamente o oficial a quem tinha sido imposta essa pena a cumprisse, porque o regulamento disciplinar é expresso.
Pela categoria elevada do oficial que cometeu uma falta disciplinar e ainda pelo facto de êsse oficial ter vindo denunciar a gravidade da falta cometida, visto ter preguntado ao Sr. Ministro da Guerra, ou a quem o representava, quais seriam as consequências do seu acto, pelo que êsse oficial, um Deputado implicitamente confessou a gravidade do acto que tinha cometido.
O exército, cujas normas de disciplina não são diferentes dos outros organismos sociais, cujas normas de disciplina não são diversas de outros organismos que querem progredir, o exército, repito, não pode compreender que um subordinado do Ministro de Guerra, que lhe dirigiu graves insultos como oficial, não fôsse imediatamente castigado.
Uma voz: — Fuzilado até.
O Orador: — Fuzilado não, porque o Código de Justiça Militar é liberal nas suas disposições, assim como o regula-

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mento disciplinar, dando a qualquer militar castigado o direito do recurso.
Conseguintemente não se diga que se fuzile o militar, não se diga que a disciplina militar é diferente de qualquer outro processo de disciplina. Não, Sr. Presidente, e os Srs. Deputados, aqueles Srs. Deputados que me estão interrompendo, ao afirmarem que a disciplina do exército é diversa, referem-se com certeza a um exército que hoje já não existe, referem-se com certeza ao exército dos antigos séculos, dos séculos XVIII e XIX.
Aquele exército em que os oficiais superiores não exerçam a sua acção por meios persuasivos, é um exército que não tem disciplina.
Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. António da Fonseca aludiu ao caso sucedido há trinta e seis anos nesta Câmara entre um Deputado que era oficial de marinha e o Ministro da Marinha, entre o Deputado Ferreira de Almeida e o Ministro da Marinha dêsse tempo, Henrique de Macedo.
Creio que êsse facto não tem analogia alguma com o facto que estamos analisando.
Já nesta Câmara um Deputado se dirigiu em termos violentíssimos a um dos Ministros, já um Deputado desta Câmara chegou a entregar um. requerimento pedindo a demissão dos cargos que exercia.
Estava dizendo e continuo afirmando que já nesta Câmara, e nesta sessão legislativa, um ilustre Deputado, colega nosso, fez afirmações contra um determinado Ministro. Êsse mesmo Deputado entregou ao Sr. Ministro um requerimento pedindo a demissão dos cargos públicos que exercia.
Fez mais: lançou à cara dêsse Ministro o seu bilhete de identidade, e ninguém tinha o direito de lhe pedir satisfações por êsse acto.
Nessa ocasião não foi aplicado o regulamento disciplinar por êsse Ministro, porque o Deputado era inviolável segundo o artigo 15.º da Constituïção.
Fora daqui perde essa inviolabilidade.
Não se pode, portanto, apreciar êsse facto, visto que se trata dum oficial do exército.
Se tenho liberdade de emitir as minhas opiniões como Deputado e apreciar os actos do Ministro da Guerra, não posso, quando escrevo num jornal, apreciá-las senão como oficial do exército; e tenho de respeitar o regulamento disciplinar.
Era preciso que alguém afirmasse que os oficiais do exército têm os mesmos direitos, e são livres nas suas opiniões como qualquer outro Deputado. Não conheço na história parlamentar da República nenhum acto de qualquer Deputado que seja profissional do exército que tendo de apreciar as afirmações que aqui se têm produzido, sendo desfavorável ao Ministro da Guerra., viesse à Câmara.
Mas conheço um caso passado no tempo da monarquia sendo Ministro da Guerra Pimentel Pinto, e nesse tempo também isso se não deu.
O Sr. António Correia (interrompendo): — V. Ex.ª reconhece que não há imunidades parlamentares lá fora.
Amanhã, por qualquer circunstância, por não ter feito continência, por exemplo, V. Ex.ª é preso.
O Orador: — V. Ex.ª dá-me licença. Tenho a imunidade parlamentar.
Se amanha eu faltar ao respeito que devo a mim próprio e aos meus superiores, eu não posso apresentar o meu cartão de Deputado para não sofrer as consequências imediatas dêsse meu acto.
Se fôsse capaz de não cumprimentar militarmente qualquer superior meu, também seria incapaz de invocar as minhas imunidades como Deputado para fugir às responsabilidades do meu proceder.
Õ orador é interrompido por vários Srs. Deputados que se lhe dirigem simultaneamente.
O Orador: — O exército hoje não tem caserna; tem campos de instrução.
O exército de hoje não é uma instituição que viva àparte do País. Hoje todos os cidadãos pertencem ao exército, para defesa da nossa Pátria.
Todo o militar tem nos regulamentos o meio de garantir os sous direitos, sem necessidade de cometer actos de indisciplina.
Vou terminar, declarando que dou o meu voto à proposta governamental.
Dada a minha situação de Deputado independente, eu ficaria mal com a mi-

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nha consciência se não explicasse o meu voto.
Sussurro.
O Orador: — A apreciação de V. Ex.ª não foi verdadeira.
O Sr. António Correia: — Então não é um facto V. Ex.ª estar a apoiar o Govêrno neste momento?
O Orador: — Dou o meu voto à proposta do Govêrno por julgar isso uma necessidade.
Trocam-se àpartes.
O Orador: — Que me desculpe o Partido Nacionalista eu não concordar com S. Ex.ªs
Diversos àpartes da direita.
O Orador: — Não me compete defender o Govêrno, mas justificar o meu voto.
Estou convencido que a crise que se avizinha é uma crise de governantes, pois todos nós somos governantes.
O Sr. Francisco Cruz: — Mas uns têm fôrça moral e outros não a tem.
O Orador: — O que eu quero é que os governantes sejam pessoas capazes * de obedecer à lei e que procurem o prestígio da República.
Tenho dito.
Muitos apoiados.
Foi lida e admitida na Mesa a moção.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os àpartes não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O. Sr. Júlio de Abreu: — Sr. Presidente: nos termos regimentais passo a ler a minha moção de ordem.
Sr. Presidente: muito se tem falado nesta Câmara de disciplina militar; porém, eu abster-me hei o mais possível de falar em tal.
A meu ver, Sr. Presidente, na discussão dêstes dois casos sujeitos à apreciação da Câmara não tem que se tratar de disciplina militar, mas somente da interpretação dos artigos 17.º e 18.º da Constituïção da República.
Diz, Sr. Presidente, o artigo 17.º Constituïção da República o seguinte:
Leu.
Já vê, portanto, a Câmara que êle se refere a casos de prisão preventiva, e tanto assim é que isso resulta da forma como se encontra redigida a excepção: «excepto em flagrante delito, etc. «
Ora sendo o flagrante delito um dos casos de prisão preventiva a que se refere o artigo 3.º, n.º 16.º, da Constituïção, é evidente que as prisões a que se refere o artigo 17.º são outras diferentes daquelas que estão enunciadas no referido n.º 16.º, e nem se compreenderia que [os parlamentares pudessem deixar de cumprir uma pena legalmente aplicada pelos órgãos próprios em virtude de uma deliberação da Câmara. Esta pode decidir apenas que se efectue ou não ou seja ou não mantida qualquer prisão preventiva, pois que isto representa apenas uma simples medida de precaução.
Certo é porém que o citado artigo 17.º da Constituïção nem sequer estende, os seus benefícios a todos os casos de prisão preventiva, e assim é que exceptua o flagrante delito por crime a que seja aplicável pena maior ou equivalente na escala penal.
Quere isto dizer e bem claramente que a Constituïção não cobre com as imunidades amplas que se pretende os parlamentares, restringindo até e muitíssimo os casos em que êles não podem ser ou estar presos por virtude de prisão preventiva, pois os limita àqueles em que as penas aplicáveis não excedam prisão correccional.
Onde, a meu ver, as imunidades parlamentares ficam bem ressalvadas é com a doutrina do artigo 18.º, pois segundo êle nenhum parlamentar verá continuar os processos contra si instaurados, seja por que crime fôr, depois da pronúncia, sem prévia licença da sua Câmara.
Já vê, portanto, a Câmara que tanto o disposto no artigo 17.º como no artigo 18.º nada tem que ver com o caso em discussão e referente ao nosso ilustre colega, Sr. capitão Maia.
As penas de prisão disciplinar ou correccional impostas pelos respectivos regulamentos militares não cabem no âm-

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bito do artigo 3.º, n.º 16.º da Constituïção, e por isso não são abrangidos pelo seu artigo 17.º, assim como muitos outros casos há em que pode haver prisão sem culpa formada, porque as garantias de liberdade individual não podem ir até o ponto de eximir o indivíduo do cumprimento das suas obrigações. Ninguém negará ao País o direito e até a obrigação de fazer prender o indivíduo, deputado ou não que mandado sair da sala das audiências aí voltar a ser inconveniente sem quaisquer outras formalidades que não sejam o constatar que êle faltou ao respeito Devido ao tribunal.
Por tudo o exposto me parece- que a Câmara não tinha que ser ouvida sôbre o caso referente ao ilustre Deputado, Sr. capitão Maia.
E que o artigo 17.º só se refere a prisão preventiva, vê-se ainda do disposto no artigo 18.º, pois, em virtude do que êste dispõe, só a Câmara, será a arbitra da prisão,de qualquer parlamentar depois da pronúncia até findarem as suas funções.
Por esta forma a Câmara não consente a continuação do processo do parlamentar não é preso, não é julgado e portanto não pode ser condenado.
É mais um argumento para juntar de que o artigo 17.º trata apenas de prisão preventiva e a proposta ministerial não trata de prisão preventiva, mas sim de prisão correccional aplicada, em virtude dum caso disciplinar.
E não temos que apreciar se se trata duma falta leve ou não, porquê o que se sabe é quais são os efeitos das penas disciplinares aplicadas no exército, que são sempre de grande gravidade, talvez porque a disciplina constitua a base estrutural dos exércitos.
Sr. Presidente: basta ler o artigo 37.º do regulamento disciplinar para ver os efeitos gravíssimos da pena de prisão correccional.
Veja V. Ex.ª que em quanto no direito penal comum, espiada a pena, acabam todos os efeitos, nós aqui vemos quais os efeitos que ficam.
Eu vejo que a Constituïção não se refere para efeitos de imunidades a perras disciplinares, mas sim refere-se a crimes. Por esquecimento ou por outro qualquer motivo, a Constituïção não fala nisso.
O que vejo é que tratando-se de matéria de imunidades, execução do direito comum, a interpretação deve ser restritiva, aplicando-as só nos casos em que a lei claramente o consigne.
Na minha moção eu digo o seguinte:
Leu.
O Sr. António Correia (interrompendo): — Entre as duas espécies de prisões, á que espécie se refere o artigo 17.º?
O Orador: — Só à preventiva.
O Sr. António Correia (interrompendo): — Então quando é que eu posso ser preso?
O Orador: — Por exemplo: V. Ex.ª tem uma scena de pugilato de que resultam simples ofensas corporais e não pode ser preso em flagrante. É depois de ser processado, necessita a autorização da Câmara parado processo prosseguir nos termos do artigo 18.º da Constituïção; mas dessa questão resulta a morte do outro contendor e V. Ex.ª será imediatamente preso, não lhe valendo as imunidades parlamentares.
Quanto ao processo disciplinar, a meu ver, não pode ser. incluído no artigo 18.º, visto que nele se exige que o parlamentar seja processado criminalmente e a transgressão de um regulamento criminal não se pode classificar de crime.
Não só temos que nos pronunciar sôbre êste assunto. Eu não conheço os regulamentos disciplinares militares, mas estou convencido que, para se instaurarem os processos disciplinares, não é necessário pedir a suspensão das imunidades parlamentares.
Trocam-se àpartes.
O Orador: — Então eu, para ser processado disciplinarmente como funcionário civil, preciso da suspensão das imunidades parlamentares?
E se isso assim é com os civis, por maioria de razão se aplica aos militares, para os quais, como já disse, a disciplina é uma cousa estrutural.
A meu ver, a uns e outros se podem instaurar processos disciplinares, sem ter de ser ouvida a Câmara, pois que o artigo 18.º só se refere a processos criminais, e as penas aplicadas em virtude

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dêles têm de ser cumpridas na devida oportunidade, sendo juizes destas as autoridades que as aplicam.
Eu voa acabar as minhas considerações visto a hora ir muito adiantada e porque o que o 'que eu pretendi, sobretudo, foi explicar a minha forma de votar.
Votei contra a urgência e dispensa do Regimento pedida pelo Sr. Presidente do Ministério, votei pelo Sr. Abílio Marçal, votei contra o aditamento do Sr. António da Fonseca, e entendo que a Câmara não tem de conhecer da proposta ministerial para que sejam imediatamente retiradas as imunidades ao Sr. António Maia, para cumprir a pena disciplinar que lhe foi imposta, por não ser matéria que lhe caiba dentro das imunidades parlamentares a que se referem os artigos 17.º e 18.º da Constituïção.
Quanto ao caso do nosso ilustre colega Delfim Lopes, o artigo 18.º tem plena aplicação e por isso quanto a êste votarei em harmonia com os ditames da minha consciência, embora reconheça que as comissões, quanto a êle, se pronunciaram com certa ligeireza.
Trata-se de um caso passado numa comarca muito distante, e por isso pareceu-me ter havido precipitação de mais na confecção do parecer.
Foi lida e admitida na Mesa a moção do Sr. Júlio de Abreu.
O Sr. António Dias: — Sr. Presidente: vou mandar para a Mesa a minha moção.
Sr. Presidente: desenvolvendo a moção que acabo de ler à Câmara, poucas serão as considerações que tenho a fazer, porque a Câmara conhece absolutamente o assunto, e não precisa de divagações para se poder pronunciar.
O facto que determinou o pedido do Govêrno teve efectivamente uma repercussão na sociedade portuguesa.
Não é só a disciplina do exército afectada,. é a própria disciplina da sociedade. Todo o País está com os olhos fixos nesta questão, vendo qual' a sua resolução, se ela é ou não conforme os princípios que estão gravados na Constituïção.
O requerimento do Sr. capitão António Sousa Maia, a quem a República tanto deve (Muitos apoiados), que tantos sacrifícios tem passado por Ela, foi publicado em vários jornais.
A opinião pública ficou sabendo imediatamente do que se tratava.
E preciso pois punir, e a punição para ter eficácia deve ser imediata, porque senão perde absolutamente os seus efeitos.
Tenho dito.
Foi lida e admitida na Mesa a moção do Sr. António Dias.
O orador não reviu.
O Sr. Amadeu de Vasconcelos: — Sr. Presidente: entro forçado neste debate, em consequência duma referência que se fez, pelo facto de eu, na comissão de legislação criminal, ter votado diferentemente, pelo que respeita ao capitão Sr. Maia e pelo que respeita ao Sr. Delfim de Araújo.
Não tencionava fazer uso da palavra desde que a discussão não saísse fora dos limites do direito constitucional.
É uma questão que me interessa, porque no ano passado, na comissão de legislação criminal, eu sustentei a doutrina de que ao caso do capitão Maia e semelhantes não era aplicável a disposição do artigo 17.º da Constituïção, isto é, que nesse caso não era necessária a autorização do Parlamento para serem levantadas as imunidades parlamentares.
Muito ràpidamente, eu vou expor as razões por que assim votei na comissão de legislação criminal.
Eu entendo que nem o artigo 18.º está subordinado ao artigo 17.º, nem o artigo 17.º ao 18.º Cada um dêles trata de casos absolutamente diferentes.
Apoiados.
No artigo 17.º trata-se dos casos em que a prisão se dê, sem processo; no artigo 18.º, dos casos em que o Deputado ou Senador fôr processado criminalmente e levado o processo até à pronúncia.
Pelo artigo 18.º só pode ser pedida a suspensão das imunidades parlamentares quando haja pronúncia, e neste caso só a Câmara é que decide se devem ou não ser suspensas as imunidades.
Mas,, perguntará a Câmara: Onde fica o caso dê polícia correccional? É que, desde que haja processo, só se quis entender que era necessária a autorização da Câmara para o processo seguir, quando ao crime correspondesse a suspensão dos direitos políticos.
E isto está de harmonia com o princí-

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pio basilar da Constituïção, que respeita à absoluta independência do Poder Judicial.
Assim, eu entendo que, no caso a que não corresponda a perda dos direitos políticos, tem que ser. respeitada a decisão do Poder Judicial, tanto mais que, para nós, se apresentava com o aspecto revoltante de sermos nós próprios que, em nosso favor, absorvíamos parte da independência do Poder Judicial.
São estas as considerações que me levaram a levantar as imunidades parlamentares ao Sr. Maia, por entender quê o despacho que ordenou a sua prisão corresponde a uma decisão do Poder Judicial.
Pelo quê se refere ao caso do Sr. Delfim de Araújo, eu não falo como relator, mas como amigo de S. Ex.ª Falo constituído na obrigação de rebater afirmações, que, a seu respeito, aqui foram proferidas.
Lamento que não esteja presente o Sr. Cunha Leal, porque eu queria lembrar a S. Ex.ª que êste nosso colega está numa situação de simples indiciado, quere dizer, dum juiz que encontrou no processo indícios graves que o levaram a pronunciá-lo. Mas queria também chamar a atenção da Câmara para o juiz que tais indícios graves encontrou no processo.
E desde já chamo a atenção do Sr. Ministro da Justiça para o caso, porque na primeira sessão a que assista eu hei-de preguntar onde pára o processo que foi instaurado na comarca de Penafiel. porque, sendo de presumir que no processo movido contraio Sr. Delfim de Araújo haja indícios que justifiquem a acusação contra êle apresentada, no processo existente na Câmara de Penafiel, há motivos de sobra para pormos de parte a independência dêsse juiz.
Muitos apoiados.
É que aqui quási se afirmou, discutindo as razões que determinaram o despacho, que devia ser afastado desta discussão, porque nós só tínhamos que determinar se havia conveniência ou necessidade de suspender as imunidades parlamentares, quási se afirmou, digo, que o Sr. Delfim de Araújo tinha cometido um crime.
Eu queria dizer ao Sr. Cunha Leal que, acima de qualquer presunção legal, há a presunção que se trata dum homem de bem incapaz de praticar um crime infamante.
Uma voz: — Foi exactamente isso que disse o Sr. Cunha Leal.
O Orador: — Mas é que eu, em confronto com a pena disciplinar que tinha sido aplicada ao Sr. capitão Maia, ouvi apontar o crime de que é acusado o Sr. Delfim de Araújo.
De maneira que ficou no meu espírito a dúvida de que S. Ex.ª estava convencido de que o Sr. Delfim de Araújo tinha praticado êsse crime.
E em nome do mesmo direito de amizade com que o Sr. Cunha Leal aqui tem afirmado, que ninguém, ao sou lado, é capaz de molestar um seu amigo sem que tenha de o esmagar primeiro, que eu afirmo que, na minha presença, ningném será capaz de me arrancar das mãos um amigo, emquanto me não tiverem quebrado os braços.
O discarão será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestas condições, restituir as notas taquigráficas que lhe foram envidas.
O Sr. Presidente: — Não há mais ninguém inscrito.
Vão votar-se as moções.
O Sr. Júlio Gonçalves: — Requeiro que seja dada prioridade de votação à moção do Sr. António Dias.
Consultada a Câmara, foi aprovado o requerimento, sendo aprovada, em seguida, a moção do Sr. António Dias.
E requerida a contraprova, invocando-se o § 2.º do artigo 116 º do Regimento.
Feita a contraprova, verificou-se terem rejeitado 13 Srs. Deputados e aprovado 52, sendo, portanto, aprovada a moção do Sr. António Dias.
Foi rejeitada a moção do Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º do Regimento.
Feita a contraprova, verificou-se terem rejeitado 44 Srs. Deputados e aprovado 20.
Foi lido na Mesa o parecer da comissão de legislação criminal relativo ao Sr. Delfim de Araújo.

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O Sr. Carvalho da Silva (sôbre o modo de votar): — Eu desejo declarar em nome dêste lado da Câmara que rejeitamos o parecer da comissão de legislação, porque entendemos que devia ser concedida autorização para imediatamente seguir o processo, se bem que julguemos que o Sr. Delfim de Araújo devia estar apenas como indiciado.
Pôsto à votação o parecer da comissão de legislação, foi aprovado,
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para um requerimento): — Requeiro contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º
Procedendo-se a contraprova, verificou-se novamente ter sido aprovado o parecer da comissão de legislação.
O Sr. António Maia (para explicações): — Sr. Presidente: pedi a palavra para agradecer à Câmara em primeiro lugar o ter votado o levantamento das minhas imunidades parlamentares, porque eu não queria que ninguém, absolutamente ninguém, pudesse supor que eu tinha mandado o meu requerimento ao Sr. Ministro da Guerra por estar a coberto pelas imunidades parlamentares.
E só venho falar para esta tribuna, reservada apenas nos momentos solenes, é porque para mim êste momento é um momento solene da minha vida.
Hoje, nesta casa do Parlamento assentou-se nisto: um Deputado que está processado por n m crime de falsificação pode continua no seio desta Câmara (apoiados da minoria nacionalista); outro, que teve um simples castigo disciplinar (e artigos a que nem a própria Constituïção se refere, como sendo motivo para serem levantadas as imunidades parlamentares), tem que ir imediatamente cumprir aquela pena.
Eu não quero fazer censuras à Câmara, o que eu quero apenas frisar com as minhas palavras é o seguinte: que ou quero ter dentro desta Câmara iguais direitos a qualquer outro Deputado e que nestas circunstâncias entendo que não posso do maneira alguma continuar a ser oficial do exército.
Estabelece-se agitação na Câmara.
Trocam-se àpartes.
Vou pois pedir outra vez a minha demissão.
Tenho dito.
O Sr. Mariano Martins (para explicações): — Eu pedi a palavra em virtude das considerações que acaba de fazer o Sr. António Maia.
Não houve votação nominal sôbre o parecer da comissão relativamente ao Sr. Delfim de Araújo. Em todo o caso houve votação por sentados e levantados.
Eu fui dos que, quer sentado na primeira votação, quer levantado na contraprova, rejeitei o parecer da comissão.
Estabelece-se agitação na Câmara.
Documentação
Moções de ordem que tiveram destino constante das respectivas rubricas
Considerando que o artigo 17.º da Constituïção Política da República faculta à Câmara conceder ou negar licença para o Deputado ser ou estar preso durante o período das sessões;
Considerando que o uso desta faculdade deve ser orientado pela repercussão do facto na disciplina social;
Considerando que o facto determinante da pena disciplinar aplicada, pela publicidade que teve, assumiu gravidade que a Câmara não pode deixar de atender;
Considerando que o facto que determinou o castigo tem de apreciar-se na discussão sôbre o pedido do Govêrno para ser concedida a licença do artigo 17.º da Constituïção: a Câmara resolve conceder a licença pedida pelo Govêrno para o Sr. António de Sousa Maia cumprir a pena durante o período das sessões.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 21 de Julho de 1923. — O Deputado, António Dias.
Para a Secretaria.
Foi admitida e aprovada.
Considerando que é de impreterível necessidade o respeito integral pelos princípios da disciplina, que constitui a base estrutural do todo o organismo militar e condição essencial do normalidade dó seu funcionamento, cumprindo ao Ministro da Guerra, como superior hierárquico do exército do terra, a manutenção daquele respeito disciplinar;
Considerando que a intromissão do Parlamento em assuntos do disciplina mi-

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Diário da Câmara dos Deputados
litar assume um carácter da máxima gravidade, mormente nas circunstâncias actuais, em que a questão da ordem a todas as outras sobreleva;
Considerando que a pena aplicada ao Sr. António de Sousa Maia como capitão do exército, e subordinado à jurisdição disciplinar do Ministro da Guerra, era da competência dêste Ministro;
Considerando que estabelecida essa pena, e tendo de ser executada, torna-se necessária a respectiva autorização nos termos constitucionais, visto tratar-se de um parlamentar;
Considerando que neste caso são dispensáveis os pareceres das comissões, e até a Câmara já ontem assim o resolveu implicitamente, deliberando qwe a proposta ministerial entrasse em discussão sem êsses pareceres:
A Câmara, ressalvando a honorabilidade do Sr. António de Sousa Maia, e reconhecendo que ela. não está em causa neste incidente, manifesta toda a sua consideração e o maior respeito pelas instituições militares, e passa à ordem do dia. — O Deputado, Artur Carvalho da Silva.
Para a Secretaria.
Foi admitida e rejeitada.
Considerando que a Câmara não tem de apreciar nem está apreciando o castigo imposto ao capitão António Maia;
Considerando que se discute única e simplesmente a aplicação das disposições, relativas às imunidades parlamentares;
Co D siderando que a denegação da licença para a prisão de um Deputado militar não pode afectar á disciplina do exército, a menos que se considere indisciplinado o artigo 17.º da Constituïção que permite a denegação dessa licença;
Considerando que no regulamento disciplinar do exército disposições há, nomeadamente a do artigo 48.º que prevêem a possibilidade de adiamento do cumprimento da pena, e até do seu não cumprimento, sem que tais disposições se tenham jamais' considerado como atentatórias da disciplina militar:
Considerando que se há funções, comissões ou serviços militares capazes de importarem a suspensão do cumprimento de uma pena, por maioria de razão, visto que a função parlamentar é superior a todas, a qualidade de Deputado pode determinar a mesma suspensão sem se afectar a disciplina do exército;
Considerando que, afastada dêste modo a questão da disciplina, só fica em causa a das imunidades parlamentares que não podem estar à mercê dos caprichos de. quem quer que seja, nem mesmo do Deputado interessado;
Considerando que o artigo 17.º da Constituïção estabelecendo uma imunidade, só admite a prisão como excepção, supondo-a naturalmente baseada em factos ignominiosos que incompatibilizem com a função parlamentar;
Considerando que não foi demonstrada a urgência da prisão do Sr. António Maia com fundamentos sérios que imponham uma resolução tam grave como a suspensão das imunidades parlamentares, nem o acto por êle praticado é ignominioso, antes, em face da própria legislação militar, podia ser punido sem que se verificasse o imediato cumprimento da pena e na própria redacção do castigo se diz que será cumprido oportunamente;
Considerando que os princípios relativos às imunidades parlamentares não podem fazer objecto das questões políticas:
A Câmara resolve não suspender as imunidades do Sr. António Maia. — O Deputado, António Fonseca.
Foi prejudicada.
A Câmara dos Deputados, reconhecendo que as imunidades parlamentares, consignadas no artigo 17.º da Constituïção Política da República Portuguesa, representando uma garantia, impõem pesadas responsabilidades e não podem perturbar o funcionamento de qualquer organismo social, sejam a armada e o exército que, pela sua natureza, têm exigências muito para considerar, sejam os restantes serviços de interêsse público, continua na ordem do dia.
20 de Julho de 1923. — O Deputado, Pires Monteiro.
Para a Secretaria.
Admitida.
Prejudicada.
A Câmara, convencida de que a matéria das imunidades parlamentares deve ser de interpretação restrita, visto representar uma excepção ao direito comum só.

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Sessão de 20 de Julho de 1923
devendo ser aproveitadas nos precisos termos da lei, passa à ordem do dia.
Câmara dos Deputados, 20 de Julho de 1923. — O Deputado, Júlio de Abreu.
Para a Secretaria.
Admitida.
Prejudicada.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é segunda-feira, 23, às catorze horas, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes dá ordem do dia (sem prejuízo dos oradores que se inscrevam):
Pareceres:
N.º 542 — Regras para admissão de aspirantes da armada.
N.º 540 — Contagem da antiguidade de pôsto do major J. M. Ferreira do Amaral.
N.º 98 — Tirocínio de oficiais que frequentam escolas estrangeiras.
Ordem do dia — 1.ª parte:
Interpelação do Sr. Cunha Leal ao Sr. Presidente do Ministério.
Pareceres:
N.º 302 — Acordo com a Companhia dos Tabacos.
N.º 385 — Preenchimento de vagas nas contribuições e impostos.
N.º 196 — Que cria o montepio dos sargentos.
N.º 442 — Que considera em vigor os artigos 10.º e 11.º da lei n.º 415.
N.º 477 — Projecto do Sr. Francisco Cruz sôbre descontos por faltas.
2.ª parte:
Pareceres:
N.º 532-D e 423-A — Que regulam o regime cerealífero.
N.º 493 — Que fixa penalidades para os que jogarem.
N.º 456- Que reforça o artigo 41.º, capítulo 5.º, do orçamento de 1921-1922 com 106. 000$.
N.º 480 — Empréstimos feitos na Companhia de Crédito Predial pelas câmaras municipais.
N.º 350 — Empréstimo para construção da Escola Industrial da Figueira da Foz.
N.º 519 — Provimento dos conservadores dos Museus de Zoologia das três Universidades.
N.º 498 — Modificando algumas disposições do Código do Registo Civil.
N.º 476 — Sôbre forma de pagamento da renda nos arrendamentos de prédios rústicos com renda fixa a dinheiro.
N.º 427 — Isenção de direitos do material e instrumentos para o Hospital de Ponta Delgada.
N.º 353 — Autorizando a Cooperativa de Crédito Agrícola Mútuo da Régua a avaliar certos prédios.
N.º 352 — Criando várias comarcas.
N.º 205 — Dispensando de novo concurso os aspirantes de finanças.
N.º 378 — Modifica disposições da Lei da Separação.
N.º 160 — Disposições sôbre licenças aos funcionários municipais das colónias.
N.º 284 — Nomeação de um segundo assistente da Faculdade de Sciências de Lisboa.
N.º 56 — Que revoga o decreto de 30 de Dezembro de 1910 sôbre feriados.
N.º 510 — Aprovando a convenção para supressão do tráfico de mulheres.
N.º 505 — Construção do ramal de caminho de ferro de Aldeia Galega por Alcochete.
N.º 91 — Alterações do Senado sôbre contrato dó cabo submarino no Faial.
N.º 569 — Melhora os vencimentos, por serviços extraordinários, ao pessoal da Imprensa Nacional e Casa da Moeda.
O Sr. Presidente: — Está encerrada a sessão.
Era 1 hora e 45 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Projectos de lei
Do Sr. Júlio de Abreu, equiparando, para efeitos de vencimentos e aposentação, aos segundos oficiais dos correios e telégrafos com mais de trinta anos de serviço, ainda que tenham desistido da promoção.
Para o «Diário do Govêrno».
Dos Srs. Vaz Guedes, Ferreira de Mira, Ginestal Machado e Tavares Ferreira,

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Diário da Câmara dos Deputados
autorizando a Câmara Municipal de Santarém a contrair um empréstimo para remodelação da captação de águas e conclusão da rede eléctrica.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de administração pública.
Para o «Diário da Govêrno».
Parecer
Da comissão de legislação comercial, sôbre um ofício do juiz da comarca de Paredes, em que comunica estar ali processado por crime do carácter eleitoral o Sr. Delfim de Araújo, autorizando que o referido processo possa prosseguir somente no intervalo da sessão.
Aprovado.
Comunique-se.
Nota de interpelação Desejo interpelar o Sr. Presidente do Ministério o Ministro do Interior sôbre o exercício do jôgo de azar. — Vasco Borges.
Expeça-se.
Requerimentos
Requeiro que a Câmara dos Deputados se pronuncie, conforme as alterações regimentais aprovadas em sessão de 16 de Junho de 1922, sôbre os projectos de lei da iniciativa do Senado e que fiquem ao abrigo do disposto no artigo 32.º da Constituïção Política da República no final da actual sessão legislativa.
20 de Julho de 1923. — O Deputado, Henrique Pires Monteiro.
Foi aprovado.
Requeiro que o parecer n.º 98 entre em discussão em seguida à discussão do parecer n.º 540, a fim de ser votado o artigo 2.º — Pires Monteiro.
Foi aprovado.
Declarações de voto Declaramos ter votado pelo levantamento das imunidades parlamentares ao Sr. António Maia por tôr o Govêrno manifestado que considerava absolutamente necessário, para manutenção da disciplina do exército, o cumprimento imediato da pena que lhe foi aplicada.
Sala das Sessões, 21 de Julho de 1923. — Teófilo Carneiro — Mariano Felgueiras.
Para a acta.
Declaramos que o nosso, voto favorável à proposta governamental para levantamento das imunidades parlamentares, ao Sr. António Maia se baseia apenas no facto de ter sido considerada não apenas como uma questão de princípios constitucionais, mas simultaneamente como uma questão política e, portanto, visando a questões políticas que julgamos inoportunas.
Se o debate apenas tivesse tido em vista fixar princípios e restabelecer as normas já aprovadas em 19 de Julho de 1922 para a resolução de casos idênticos, e se êle se tivesse mantido fora da acção política e da consideração de partidos políticos ou de maiorias e minorias, o nosso voto teria sido inteiramente desfavorável à referida proposta.
Sala das Sessões, 21 de Julho de 1923. — Francisco da Cunha Rêgo Chaves — João Luís Ricardo — Plínio Silva — Aníbal Lúcio de Azevedo — António Pais.
Para a acta.
Entendemos que as disposições do artigo 17.º da Constituïção dizem respeito exclusivamente a prisão preventiva, pelo que não está por ela abrangida a espécie de prisão resultante da pena que ao Sr. António Maia foi aplicada.
Nestas condições votamos no sentido de não haver lugar à intervenção da Câmara dos Deputados, devendo, portanto, cumprir-se imediatamente a pena se quem de direito assim o entender.
Sala das comissões de guerra e de legislação criminal da Câmara dos Deputados, 19 de Julho de 1923. — Vasco Borges — Adolfo Coutinho — Amadeu de Vasconcelos.
É minha opinião que, embora o artigo 17.º da Constituïção Política da República Portuguesa se refira a prisão preventiva, conforme p comentário feito pelo mestre catedrático da Faculdade de Direito, Dr. Marnoco e Sousa, tem, contudo, aplicação ao caso sujeito do castigo de prisão correccional aplicado pelo Ministro da Guerra ao capitão António de Sousa Maia, cumulativamente Deputado da Nação, que, na qualidade de militar, cometeu uma grave infracção de disciplina prevista e punida pelo regulamento disciplinar do exército.

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Sessão de 20 de Julho de 1923
Assim, não se tratando duma falta disciplinar de mínima importância, mas duma falta muito grave em que há a considerar várias agravantes previstas no artigo 78.º do referido regulamento disciplinar do exército, e em que a disciplina militar foi atingida por uma forma retumbante, eu voto pelo imediato cumprimento da punição disciplinar, embora ao Deputado punido seja permitido vir tomar parte na próxima eleição do Presidente da República.
Sala das Sessões, 19 de Julho de 1923. — O Deputado, Tomás de Sousa Rosa.
Declaro que, considerando a infracção disciplinar cometida pelo Deputado António Maia, na qualidade de oficial do exército, como muito grave, gravidade reconhecida pelo próprio infractor, voto pela suspensão imediata das imunidades ao citado Deputado, desejando, porém, que no dia da eleição presidencial o Sr. António Maia use do seu direito de voto, sem que a sua ausência do local. da prisão possa ser considerada como infracção ao preceito de detenção.
Sala das sessões das comissões, 19 de Julho de 1923. — O Deputado, vogal da comissão de guerra, João Estêvão Águas.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.

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