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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 133
EM 24 DE JULHO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Aberta a sessão com a presença de 41 Srs. Deputados, lê-se a acta, e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Presidente comunica à Câmara que é inabalável a resolução de o Sr. Sá Cardoso abandonar a Presidência da Câmara.
Usa da palavra, para explicações, o Sr. Sá Cardoso.
Falam para elogiar a forma como o Sr. Sá Cardoso presidiu, aos trabalhos e para formular votos por que êle ainda desista do seu propósito os Srs. Almeida Ribeiro, Cunha Leal, Carvalho da Silva, Joaquim Ribeiro, Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva), Dinis da Fonseca e Pedro Pita.
Para explicações, torna a usar da palavra o Sr. Sá Cardoso.
O Sr. Sá Pereira manda para a Mesa um projecto de lei, pedindo a urgência.
É aprovada.
O Sr. Fernando Freiria requere que lhe seja permitido usar da palavra, para explicações, quando esteja presente o Sr. Presidente do Ministério.
Aprovado, depois de usar da palavra o Sr. Joaquim Ribeiro, que requere a contraprova.
O Sr. Abílio Marçal requere que seja autorizada a reunir uma comissão.
Aprovado.
O Sr. Barras Queiroz requere que seja marcado para discussão o parecer n.º 91.
Aprovado, depois de terem usado da palavra os Srs. Agatão Lança, Carlos de Vasconcelos e Morais Carvalho.
O Sr. Carvalho da Silva usa da palavra para formular uma reclamação, respondendo-lhe o Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães).
O Sr. Francisco Cruz manda para a Mesa um projecto de lei.
Ó Sr. Lelo Portela usa da palavra para interrogar a Mesa.
O Sr. Morais Carvalho ocupa-se da inumação de Guerra Junqueiro nos Jeronimos, respondendo-lhe o Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva).
É aprovada a urgência para o projecto de lei do Sr. Francisco Cruz.
São concedidas licenças.
Faz-se uma admissão.
O Sr. Agatão Lança requere a imediata discussão do parecer n.º 570.
Aprovado, depois de usar da palavra o Sr Almeida Ribeiro, para interrogar a Mesa.
Com o mesmo fim, falam os Srs. Pires Monteiro e Cunha Leal.
Entra em discussão o parecer n.º 571, que trata da melhoria das pensões dos mutilados da guerra.
Sôbre a generalidade, usam da palavra os Srs. Cancela de Abreu, Dinis da Fonseca, Almeida Ribeiro, que requere que o parecer baixe à comissão de guerra.
Aprovado.
O Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva) comunica que o Sr. Presidente da República o nomeara Ministro da Guerra, interino.
Para explicações, usam da palavra os Srs. Fernando Freiria e António Mata.
O Sr. Agatão Lança requere que a sessão seja prorrogada até se concluir a liquidação do incidente António Mata.
Usa da palavra, sôbre o modo de votar, o Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Presidente informa o Sr. Agatão Lança de que o seu requerimento não pode ser submetido à votação.
Para explicações sôbre o incidente, usam da palavra os Srs. Fernando Freiria, António Maia, Cunha Leal, Carvalho da Silva e Presidente do Ministério.
Ordem do dia — Segunda parte. — Discussão da matéria da proposta de lei n.º 532-D e do projecto de lei n.º 423-A, que regulam o regime cerealífero.
É lido e admitido um contra-projecto, depois de usarem da palavra os Srs. Abílio Marçal e Carvalho da Silva.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Paulo Cancela de Abreu, a quem responde o Sr.
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Diário da Câmara dos Deputados
Ministro da Agricultura (Fontoura da Costa), ocupa-se da compra de um navio de pesca para os Abastecimentos.
O Sr. Álvaro de Castro trata da atitude do Banco Ultramarino na questão da transferência de capitais das colónias para a metrópole e vice-versa.
Responde-lhe o Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães).
O Sr. Carlos de Vasconcelos ocupa-se da amarração de um cabo submarino, à ilha de S. Vicente de Cabo Verde.
Responde-lhe o Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães).
Em seguida é encerrada a sessão, marcando-se a imediata com a respectiva ordem.
Abertura da sessão às 15 horas e 25 minutos.
Presentes à chamada 41 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 50 Srs. Deputados.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Lelo Portela.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Abranches Ferrão.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Jaime Júlio de Sousa.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
José Carvalho dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel de Sousa da Câmara.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomé de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Viriato Gomes da Fonseca.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto da Rocha Saraiva.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Pinto Meireles Barriga.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
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José António dó Magalhães.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
Sebastião de Herédia.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Correia.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Mendonça.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Custódio Maldonado Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Vergílio da Conceição Costa.
Às 15 horas e 10 minutos principiou afazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 41 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Leu-se a acta.
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Diário da Câmara dos Deputados
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Ministério da Guerra, satisfazendo ao pedido no ofício n.º 521, relativo ao requerimento do Sr. António Correia.
Para a Secretaria.
Do Ministério das Colónias, satisfazendo ao requerimento do Sr. Vergílio Costa, transmitido no ofício n.º 500.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal de Manteigas, pedindo dispensa de vários encargos para as Câmaras Municipais.
Para a comissão de administração pública.
Da Câmara Municipal de Paredes de Coura, idêntico ao anterior.
Para a comissão de administração pública.
Da Câmara Municipal de Ponte de Sor, idêntico aos anteriores.
Para a comissão de administração pública.
Da Federação de Sindicatos Agrícolas do Centro de Portugal, pedindo seja mantido o Ministro da Agricultura.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal de Vagos, com uma representação, pedindo a dispensa de vários encargos para as Câmaras.
Para a Secretaria.
Para a comissão de administração pública.
Do Sr. Luís de Mesquita Carvalho, agradecendo, em nome da família Guerra Junqueiro, a comemoração feita nesta Câmara, em sessão de 9 do corrente.
Para a Secretaria.
Do Juízo da 3.ª Vara de Lisboa, pedindo para comparecer naquele Tribunal o Sr. Ribeiro de Carvalho para depor.
Comunique-se que a Mesa só pode pedir a autorização a que se refere o artigo 16.º da Constituïção.
Telegramas
Dos oficiais de justiça de Tondela, Saltão, Montalegre, Meda, Gouveia, Castro Daire, Santo Tirso, Melgaço, Lousã e Valença, pedindo a aprovação da substituição do parecer n.º 502.
Para a Secretaria.
Do pároco, irmandade, regedor e junta de Oliveira de Azeméis e Castro Daire, apoiando as reclamações católicas.
Para a Secretaria.
Da Associação dos Empregados do Comércio de Arcos de Vai de vez, protestando contra a contribuição industrial directa.
Para a Secretaria.
Dos professores de Vila Real, pedindo a discussão do projecto n.º 447.
Para a Secretaria.
Representações
Da Câmara Municipal de Sousel, pedindo isenção de designados encargos para os municípios.
Para a comissão de administração pública.
Da Câmara Municipal de Mação, idêntica à anterior.
Para a comissão de administração pública.
Requerimento
De José Pinto do Azevedo, protestando contra actos do Comissário Geral dos Abastecimentos.
Para a comissão de agricultura.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara.
A comissão encarregada de insistir junto do Sr. Sá Cardoso para o demover da sua resolução do abandonar a Presidência desta Câmara, desempenhou-se dessa missão.
Porém, S. Ex.ª respondeu que era inabalável a sua resolução e que não voltaria a ocupar o lugar de Presidente.
É esta a comunicação que, com des-
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gosto, faço à Câmara (Apoiados), por isso que essa atitude nos priva de uma direcção tam acertada como a de S. Ex.ª
O orador não reviu.
O Sr. Sá Cardoso (para explicações): — Sr. Presidente: quiz o acaso que viesse assistir às explicações que V. Ex.ª acaba de transmitir à Câmara relativamente à minha recusa de voltar a dirigir os trabalhos parlamentares.
V. Ex.ª foi interprete fiel daquilo que eu disse; mas permita-mo que, com toda a franqueza, lhe diga que ficou muito aquém daquilo que eu esperava que V. Ex.ª expusesse à Câmara, e eu fico também muito aquém daquilo que queria dizer, pois não tenho forma de exprimir à Câmara o meu agradecimento pelas provas de atenção e boa amizade que todos os lados me dispensaram.
Agradecendo mais uma vez as provas de consideração e estima que me foram dadas, permitam-me V. Ex.ªs que eu continue a acompanhar os trabalhos desta Câmara, daqui e não do logar de Presidente.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: não precisava usar da palavra neste momento, mas se o faço é porque, permita-me a Câmara a frase, o coração mo pede.
O Sr. Sá Cardoso não é nosso correligionário, mas, pela imparcialidade e correcção que sempre usou no logar de Presidente, impôs-se de tal modo à nossa consideração que eu sinto-me obrigado neste momento, e sem desdouro para a comissão, a manifestar-lhe o meu muito pezar pelo facto do se manter inabalável na sua resolução.
Sr. Presidente: o exercício da Presidência desta Câmara é sempre difícil, necessitando a pessoa que ocupa êsse logar de uma série de qualidades que nem sempre se encontram em todos os parlamentares. Porém, gostosamente quero mais uma vez afirmar que o Sr. Sá Cardoso possui todas essas qualidades (Apoiados) motivo por que é com o maior pezar que o vemos manter na sua resolução.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: no mesmo dia em que se deu o conflito que infelizmente nos tem privado da presidência do Sr. Sá Cardoso, eu tive ocasião de dizer que se tratava, evidentemente, de um equívoco, pois que nenhum de nós tinha qualquer propósito de ferir uma personalidade como o Sr. Sá Cardoso, que é alguém dentro da República.
Apoiados.
Alimentávamos a esperança de que, uma vez desfeito o equívoco, continuaríamos a ter o prazer de ver S. Ex.ª colocado no alto logar do Presidente desta assembleia.
S. Ex.ª, porém, iludiu metade das nossas esperanças, pois acabou de declarar que não voltaria a ocupar a Presidência da Câmara.
Eu não sei se a resolução é definitiva, mas, se fôr, só temos que lamentá-la. Todavia, suponho que o Sr. Sá Cardoso ponderará os inconvenientes da sua resolução e reflectirá.
Sr. Presidente: antes de terminar quero apresentar a S. Ex.ª, em nome do partido a que pertenço, as nossas maiores homenagens de simpatia e amizade, embora a amizade seja uma cousa pouco de considerar em questões políticas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: no dia em que se deu o conflito nesta Câmara, eu, em nome da minoria monárquica, associei-me aos votos que foram expressos pôr todos os Deputados para que o Sr. Sá Cardoso continuasse a dar-nos a honra de ser Presidente.
Infelizmente vemos que S. Ex.ª insiste no seu pedido, e apesar de sermos seus adversários intransigentes em matéria política, reconhecemos que, para os trabalhos da Câmara, era do toda a conveniência que S. Ex.ª se mantivesse no seu logar, dada a imparcialidade e correcção de que sempre usou.
Nestas condições, fazemos os mais ardentes votos para que S. Ex.ª reconsidere na sua resolução.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Sr. Presidente: não pude acompanhar a comissão
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que se avistou com o Sr. Sá Cardoso porque afazeres inadiáveis mo impediram.
Vejo, porém, que S. Ex.ª continua no propósito firme de hão voltar a ocupar o logar de Presidente que tam justa e dignamente tem desempenhado.
S. Ex.ª para mim é uma pessoa especial, é um velho companheiro desde os primeiros tempos e que à República tem prestado os maiores serviços.
S. Ex.ª sai por um melindre justificado, mas nós temos o direito de discordar de S. Ex.ª
Não falo por mim, porque nunca tive momentos de exaltação; não quero, porém, dizer que os não tenha amanhã; mas julgo-me no direito de pedir ao Sr. Sá Cardoso que não abandone a Presidência desta Câmara, pela sua alta personalidade e pelos seus dotes de inteligência e carácter.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva): — Pedi a palavra para me associar em nome do Govêrno, ajusta homenagem prestada por todos os lados da Câmara às altas qualidades do Sr. Sá Cardoso.
Na verdade as qualidades de S. Ex.ª, a sua correcção, o seu talento, o seu republicanismo, merecem a maior das considerações.
Apoiados.
Associando-me, portanto, com todo o prazer à homenagem de todos os lados da Câmara, lamento sinceramente que S. Ex.ª mantenha a recusa para continuar no exercício do lugar de Presidente da Câmara, onde tam distintamente se houve e onde tanto contribuiu para aquela necessária harmonia que deve existir entre o poder que S. Ex.ª aqui representa, e o Poder Executivo.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Tendo comparecido mais tarde, não estava ainda nesta casa do Parlamento quando foi prestada a homenagem ao Sr. Sá Cardoso, em que S. Ex.ª declarou que não voltava a ocupar a presidência da Câmara, de que desistiu por ocasião do incidente — que todos profundamente lamentam.
Apoiados.
Em nome da minoria católica direi que, se porventura a resolução do Sr. Presidente da Câmara fôr por diante e se mantiver, muito a sentiremos.
Apoiados.
E direi com a máxima franqueza, as razões desta minha afirmação.
Em primeiro lugar, a minoria católica, reconhece no Sr. Sá Cardoso aquelas qualidades de imparcialidade, de inteligência e de bom senso que o impunham, para o lugar que até agora brilhantemente tem desempenhado.
A resolução de S. Ex.ª, perante o acto lamentável que o obrigou a descer daquela cadeira, só podia ser ou porque S. Ex.ª se sentia ferido pessoalmente, ou porque se sentia ferido na qualidade de Presidente desta Câmara e de representante de todos nós.
Eu creio que nenhuma destas razões pode subsistir.
Quanto à segunda razão, isto é o facto de S. Ex.ª se ter dado por ofendido por encontrar, no momento em que se viu obrigado a descer daquela cadeira, uma ofensa às suas qualidades de representante de todos nós, V. Ex.ª compreende que neste caso todos os que não tivemos parte nesse incidente nos devíamos sentir também melindrados e então as razões que subsistiam para S. Ex.ª subsistiam para todos nós.
Creio que houve da parte dos elementos que tomaram parte neste incidente uma atitude explicável por uma exaltação de momento.
E porque assim o creio, e porque assim o sinto, sem discutir se essa atitude foi boa ou má, se foi justa, ou injusta, se é ou não defensável, julgo poder afirmar que ela hão ofendeu as qualidades pessoais e a honorabilidade pessoal de S. Ex.ª ar como Presidente desta Câmara.
Assim não há razão aceitável para que S. Ex.ª não continue a ocupar o lugar que tem ocupado até hoje, e que com a mesma distinção pode continuar a ocupar.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
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O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: disse em nome do partido a que pertenço o Sr. Cunha Leal, e disse muito bem, que partia de um equívoco a resolução do Sr. Sá Cardoso, ao abandonar a Presidência da Câmara.
Tive ocasião de afirmar no dia seguinte àquele em que se deu o incidente que ocasionou o abandono da presidência que tínhamos muita consideração por S. Ex.ª, sobretudo que não podia haver da nossa parte qualquer intuito de o melindrar, e por essa razão esperava que modificasse a atitude que havia tido na véspera, procurando dar a S. Ex.ª maior prova da nossa consideração e estima, e, em harmonia com a nossa atitude, por completo aceitávamos o resultado da votação, qualquer que fôsse.
Creio que da parte do Sr. Sá Cardoso não houve e creio que não podia haver qualquer dúvida de que a atitude por nós tomada podia ter para com S. Ex.ª qualquer significado. Nesta explicação encontrava a prova cabal, dada publicamente, de que tal se não dava.
Sobretudo depois da manifestação feita por todos os lados da Câmara é para mim obrigação reivindicar, como não posso deixar de o fazer, a responsabilidade principal nesse incidente.
Ficaria mal com a minha consciência, se não afirmasse mais uma vez perante a Câmara que nunca podia haver da parte daqueles que intervieram qualquer atitude que represente para o Sr. Sá Cardoso qualquer cousa que fôsse imerecida e ambígua.
Bastava para S. Ex.ª a minha muita consideração e grande amizade que sempre tenho provado a S. Ex.ª para não ver na minha atitude qualquer melindre.
Sr. Presidente: não posso deixar de salientar a V. Ex.ª a minha mágoa por ver que uma alteração de momento fôsse interpretada pela presidência da Câmara como menos consideração ou estima por parte dalguns membros da Câmara. S. Ex.ª já deve estar acostumado a lutas políticas e portanto devia ver que não houve intuito algum de ofensa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Sá Cardoso: — Sr. Presidente: ainda que se não queira há sempre em nós um sentimento de vaidade e eu neste momento sinto-me orgulhoso por esta manifestação feita por todos os lados e sinto-me apoucado e quási com dificuldade em me exprimir, pois estava longe de, ao pedir a palavra para explicações, para agradecer à Câmara, se fizesse esta manifestação, pois nem me passava pela cabeça tal cousa.
Entre os parlamentares que falaram alguns houve que salientaram o facto de eu me poder ter melindrado por supor um agravo pessoal; creiam S. Ex.ªs que nunca me passou pela cabeça semelhante -. cousa.
Eu voltei muito contrariado à presidência da Câmara quando. foi do incidente com o Partido Nacionalista. Cedi, mas foi muito contrafeito, pois receava não poder desempenhar bem o meu lugar, (Não apoiados) e os factos vieram ainda agravar mais a minha responsabilidade e êste incidente colocou-me numa situação de não poder continuar na Presidência, Agradeço muito à Câmara, mas peço a V. Ex.ªs que me relevem eu ficar aqui ao lado de V. Ex.ªs, que é muito mais agradável do que muito lá de cima.
O Sr. Sá Pereira: — Mando para a Mesa um projecto, para o qual peço urgência.
Foi aprovada.
O Sr. Fernando Freiria: — Requeiro a V. Ex.ª que se me reservei a palavra para quando estiver presente o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Sr. Presidente: protesto contra semelhante deliberação, pois vamos prejudicar um assunto importante que está dado para ordem do dia. Protesto se a Câmara aprovar.
Foi aprovado o requerimento do Sr. Freiria.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Requeiro a contraprova.
Foi novamente aprovado.
O Sr. Abílio Marçal: — Peço a V. Ex.ª se digne consultar a Câmara sôbre se permite que amanhã, durante os trabalhos parlamentares, reüna a comissão inter-parlamentar do comércio.
Foi aprovado.
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O Sr. Barros Queiroz: — Requeiro a V. Ex.ª para entrar em discussão antes da ordem do dia, sem prejuízo dos oradores inscritos o parecer n.º 91.
O Sr. Agatão Lança: — Peço licença para lembrar à Câmara que está dado para discussão o projecto do Sr. Águas.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — O requerimentos do Sr. Barros Queiroz não pode preterir outros assuntos que já estão dados para antes da ordem.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se o requerimento do Sr. Barros Queiroz.
Foi aprovado.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: peço a atenção do Sr. Ministro das Finanças para o facto de a Direcção Geral dos Impostos fazer ditadura aplicando a lei 1:368 em condições em que não o deve fazer, sobrelevando-se ao Poder Legislativo.
As classes dos barbeiros e dos criados de restaurantes estão sendo colectadas com 40$00 por ano o que é uma ilegalidade incontestável, absolutamente contrária às disposições do artigo 10.º da lei 1:368.
Desejava que V. Ex.ª providenciasse por forma a evitar esta anormalidade.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Como é natural, eu não posso ter presente todas as alterações que se têm feito à lei 1:368, mas posso garantir a V. Ex.ª que todos os decretos são revistos por mim e estou certo de que será talvez um lapso. Todavia eu vou procurar-me informar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: — Pedi a palavra para mandar para a Mesa um projecto de lei acêrca das procurações na magistratura.
Estou acostumado a ver neste país que a empenhora é que serve para procuração; para evitar êsse escândalo envio para a Mesa um projecto de lei.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: em primeiro lugar desejava saber se está no edifício do Congresso o Sr. Ministro dos Estrangeiros.
O Sr. Presidente: — Vou procurar informar-me.
O Orador: — Entretanto, eu chamo a atenção do Sr. Ministro do Trabalho sôbre a colocação dos restos mortais do grande poeta Guerra Junqueiro na Casa do Capítulo dos Jerónimos, que é ùnicamente destinada à guarda dos restos mortais de Alexandre Herculano.
Não veja a Câmara nesta minha pregunta qualquer cousa que de longe ou de perto possa menoscabar a memória de Guerra Junqueiro, a cujas homenagens nós, dêste lado da Câmara, nos associámos inteiramente. Esta minha pregunta é ditada pelo desejo de que a lei seja respeitada.
Há uma disposição expressa, ou antes um vínculo contratual pelo qual a Direcção da Casa Fia1 se obrigou, em troca de receber o que excedeu da subscrição aberta para erigir um monumento a Alexandre Herculano, a não deixar entrar na Casa do Capítulo, da igreja dos Jerónimos, onde estão os restos mortais daquele ilustre homem, o cadáver de qualquer pessoa por mais notável que tivesse sido. Nestas condições pregunto ao Sr. Ministro do Trabalho seja tomou quaisquer providências a tal respeito, visto que ali foi depositado o corpo de Guerra Junqueiro.
Pregunto mais a S. Ex.ª, visto que vem a propósito, o que há sobra a conclusão do Panteão Nacional, a que se destina a igreja de Santa Engrácia, segundo a lei n.º 520.
Como não está presente o Sr. Ministro dos Estrangeiros, eu peço ao Sr. Ministro do Trabalho que comunique a S. Ex.ª as considerações que vou fazer em relação a um caso que diz respeito àquele Sr. Ministro.
Vieram à imprensa gravíssimas acusações feitas ao nosso representante diplomático em Berlim.
Ou essas acusações são falsas e devem ser desfeitas para salvaguarda do prestígio do Govêrno e para se poder aceitar como bom que continue nosso ministro
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em Berlim o sr. dr. Veiga Simões, ou são fundamentadas, e neste caso não se compreendo que aquele Sr. se mantenha na situação de representante de Portugal numa legação tam importante como é a nossa legação em Berlim.
Será, pois, de toda a conveniência que o Sr. Ministro dos Estrangeiros nos diga o que há sôbre tal assunto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva): — Sr. Presidente: o depósito do cadáver de Guerra Junqueiro foi feito, a título provisório, na Casa do Capítulo, da igreja dos Jerónimos, por virtude de uma resolução tomada pelo Sr. Presidente do Ministério de acôrdo com o Sr. Ministro da Justiça o em que eu não intervim.
Porque não fora chamada a minha atenção para o assunto, eu ainda não tomei a iniciativa de me informar sôbre o caso para o estudar devidamente. Prometo, porém, ir agora ver a situação do caso, para lhe pôr termo, se ela fôr efectivamente ilegal.
Pelo que respeita às obras para o Panteão Nacional, devo informar que nada se tem feito nessas obras.
Não poderemos certamente esperar que elas se concluam para transferir para 6sse Panteão o cadáver de Guerra Junqueiro.
Ao Sr. Ministro dos Estrangeiros comunicarei o que S. Ex.ª disse com relação ao caso que respeita ao nosso representante em Berlim.
Por uma conversa a que assisti posso depreender que o Sr. Ministro dos Estrangeiros já ordenou um inquérito, depois de ter recebido um requerimento do de um português residente em Berlim, no qual se faziam acusações ao nosso ministro ali. Certamente êsse inquérito ainda não está concluído e em consequência disso não tem S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Estrangeiros tomado quaisquer providências.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se para a discussão o artigo 1.º do projecto.
Foi lida.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer que damos o nosso voto ao projecto, não podendo porém deixar de nos levantarmos contra o confronto que se fez entre os mutilados da guerra e os revolucionários civis.
Ninguém pode deixar de condenar êste confronto.
E lamentável que não se dó aos. mutilados da guerra mais do que aos revolucionários civis, pois que êstes podem trabalhar e ganhar a sua vida, e os mutilados não podem.
A situação dêsses mutilados é desgraçada e eu vou ler à Câmara o que se encontra escrito no Jornal de Noticias, do Pôrto, sôbre êste assunto:
Leu.
Quer dizer, quando se elevam os ordenados dos Ministros a perto de 50 contos, que com as despesas do automóvel podem ir a 80 ou 100 contos; os mutilados da guerra passam fome e estendem a mão à caridade pública.
E esta a igualdade que se pratica no regime republicano!
Apoiados.
Dêste lado da Câmara damos o nosso voto ao projecto, e pena temos de que não se dê mais aos mutilados da guerra, e se isso estivesse na nossa mão não teríamos dúvida em o fazer.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: apenas desejo referir-me ràpidamente ao que disse quando se aprovou a generalidade dêste projecto.
Uma das cousas mais vergonhosas a que nos tem sido dado assistir em Portugal é o deprêzo quási absoluto a que se votaram os mutilados da guerra.
Têm vivido entregues è caridade pública, êles que foram afinal de contas os grandes sacrificados, em honra o proveito do País, e os que nas trincheiras da Flandres defenderam a honra da terra portuguesa.
A minoria católica dá o seu voto ao projecto, e, se algum reparo temos a fazer, é que achamos insuficiente o que se vai dar e que não é o bastante para apagar a vergonha do que se passou com os mutilados de guerra.
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O projecto não satisfaz, e a própria redacção do que se refere aos 20 por cento de invalidez deixa na mão de quem apreciar a invalidez o que entender fazer, porque não há uma execução prática de estabelecer a classificação.
Não compreendo como se possa dizer aos mutilados que têm 12, 15 ou 20 por cento de invalidez.
Àpartes.
Compreendo que haja tabelas feitas, mas pregunto se êles não ficam sujeitos a favoritismos das juntas, porque em Portugal tudo se faz por êste sistema.
Eu queria que o projecto fôsse alguma Cousa de mais positivo, e achando-o insuficiente damos contudo o nosso voto, lastimando que êle não seja mais completo.
Era isto o que tinha a dizer.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovada a urgência para o projecto apresentado pelo Sr. Francisco Cruz.
O Sr. Presidente: — É a hora de se passar à ordem do dia.
Foi aprovada a acta.
Pedido de licença
Do Sr. Jaime de Sousa, 8 dias.
Concedido.
Admissão
Projecto de lei
Do Sr. Júlio de Abreu, equiparando, para efeito de vencimento e aposentação, a segundos oficiais os terceiros dos correios e telégrafos.
Para a comissão de correios e telégrafos.
O Sr. Agatão Lança (para um requerimento): — Requeiro que entre imediatamente em discussão o parecer n.º 571, que respeita a mutilados de guerra.
Foi aprovado.
O Sr. Pires Monteiro (para interrogar a Mesa): — Por proposta do Sr. Almeida Ribeiro foi resolvido que meia hora antes da ordem ao dia se discutissem os projectos vindos do Senado.
Eu presunto se essa deliberação não se cumpre. É preciso que êsses projectos sejam aqui discutidos antes de terminar a actual sessão legislativa para não serem convertidos em lei sem que sejam apreciados nesta Câmara.
O Sr. Presidente: — Amanhã já será marcado na ordem dos trabalhos o maior número possível dêsses projectos.
O Sr. Cunha Leal (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: estava marcada na primeira parte da ordem do dia uma interpelação, que tinha de se realizar na presença do Sr. Presidente do Ministério, e que não podia começar a discutir-se sem que V. Ex.ª estivesse presente.
O Sr. Agatão Lança requereu para se discutir um projecto que. livra o Sr. Presidente do Ministério de aqui estar, mas pregunto se S. Ex.ª fez alguma comunicação à Mesa, de que não podia comparecer.
O Sr. Presidente: — Não fez comunicação alguma.
O Orador: — Então peço que telefonicamente se peça ao Sr. Presidente do Ministério que venha a esta Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente; pedi a palavra para chamar a atenção da Câmara, para o modo como está redigido o projecto.
Refere-se o projecto à lei de 7 de Maio.
Não há lei nenhuma com êste número, e com a data de 7 de Maio.
Há uma lei n.º 1:170, que diz o seguinte:
Leu.
Não julgo que seja esta a lei citada.
As pessoas que conhecem os assuntos militares conhecem bem esta lei, mas isso não é só para essas pessoas, é para todos nós.
E a verdade é esta: não pode saber-se pela leitura da proposta de lei o que ela é.
Mas diz ainda o artigo 2.º:
Leu.
Ora, Sr. Presidente, eu não sei qual é o artigo 2.º, a que êste artigo se refere.
Será o artigo 2.º da lei n.º 1:170, que é citada depois?
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Suponho que não.
Nestes termos, parece-me que a proposta de lei tem de ser revista.
De resto, esta proposta não tem parecer da comissão do guerra, e por isso parece-mo que esta comissão deve ser ouvida com vantagem para a Câmara, porque será esclarecida.
Requeiro, por isso, que V. Ex.ª consulte a Câmara sôbre se permite que esta proposta de lei baixe à comissão de guerra, para ela dar o seu parecer, mas com toda a urgência.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Consultada a Câmara, foi aprovado o requerimento.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior e interino da Guerra (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: pedi a palavra para notificar a V. Ex.ª, e à Câmara, que o Sr. Presidente da República aceitou o pedido de demissão, que lhe tinha sido feito pelo Sr. coronel Freiria, do cargo de Ministro da Guerra, e me nomeou para exercer interinamente êsse mesmo cargo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Fernando Freiria: — Sr. Presidente: em acalorada discussão, na última semana, ventilou-se nesta casa do Parlamento um assunto que, sendo inicialmente de carácter militar, se transformou depois em incidente ruidoso de carácter político, e como eu fui um dos protogonistas, conscientemente ausente, e como a minha atitude foi aqui politicamente censurada e estranhada, agora que me encontro livre da cadeira do Poder e, portanto em condições diversas para poder falar à vontade, venho perante a Câmara dizer alguma cousa de minha justiça e dar-lhe as explicações da minha atitude; e faço-o pelo muito que prezo e considero V. Ex.ª e todos os meus colegas desta casa do Parlamento, e também por aquilo que entendo que devo ao respeito próprio, ao meu passado e ao nome que quero manter limpo e honesto como até aqui.
Permita-me pois V. Ex.ª, Sr. Presidente, que eu, procurando o fio inicial dêste incidente, o historie a traços largos, para seu completo esclarecimento.
Sr. Presidente: em Abril passado, dias decorridos após um outro incidente também de carácter disciplinar, que se passou nesta Câmara, foi levantado pelo mesmo Deputado, o outro protagonista do último incidente, o caso dos últimos dias, apresentando ao Ministro da Guerra uma nota de interpelação que enviou para a Mesa.
Essa interpelação, porém, não se pôde imediatamente realizar, porque os dois interessados nela se encontravam ausentes, um por motivo de doença, o outro por motivo de serviço; mas a primeira vez que se encontraram nesta casa do Parlamento falaram no assunto e, de acôrdo mútuo e até de harmonia com os desejos do Deputado interpelante, ficou essa discussão suspensa, aguardando os resultados duma conferência em que seriam versados os assuntos da interpelação, devidamente ponderados e quiçá resolvidos.
A existência dêste acôrdo já o Deputado interpelante lealmente participou nesta casa do Parlamento, a quem o quis ouvir.
Sobreveio depois a discussão do orçamento da Guerra, e a conferência mais uma vez foi adiada agora por indicação do interpelado:
Ultimamente, por motivo da não satisfação duma pretensão patrocinada pelo Deputado interpelante, êle desligou-se do agrupamento dos Deputados independentes por incompatibilidade com o Ministre da Guerra, que acusou de fazer política pessoal, e consequentemente passou para a oposição ao Govêrno.
Finalmente, em 12 do corrente, interrogando-me nesta Câmara sôbre o que havia acêrca da execução do raid aéreo Lisboa-Macau. S. Ex.ª preguntou também se eu já me encontrava habilitado para responder à sua nota de interpelação, e, em face da minha resposta afirmativa, a Câmara, consultada a solicitação de S. Ex.ª concedeu que a interpelação fôsse marcada para o período de antes da ordem do dia, e assim, nessa mesma tarde, o Ministro da Guerra, consultado pelo ilustre leader da maioria democrática, concordou, também em que ela se poderia realizar na segunda-feira 16.
Nesse mesmo dia 12, em que o Deputado interpelante nesta casa do Parlamento conseguiu que a interpelações fôsse marcada para o dia 16, eu recebia uma
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carta, por intermédio dum oficial do meu Gabinete, que por seu turno a recebera das mãos do Deputado interpelante na véspera à noite, no Café Martinho, carta essa que vinha fechada e que continha o requerimento que originou depois o meu procedimento disciplinar.
Nessa mesma noite de 12, o requerimento, que devia ser apenas do conhecimento do Ministro e do signatário, tinha uma larga divulgação na imprensa, e o Diário de Lisboa publicava-o na íntegra, devidamente condimentado.
No dia seguinte, 13, nesta casa do Parlamento, o Deputado em questão, não estando presente o Ministro da Guerra, preguntava ao Sr. Presidente do Ministério qual era a atitude do Ministro perante o procedimento dum oficial que, segundo tinha visto pela imprensa, lhe dirigira um requerimento em termos altamente atentatórios da disciplina militar.
Sr. Presidente: estão estabelecidos os antecedentes desta questão, com a crueza da verdade dos factos.
Permita-me agora V. Ex.ª e a Câmara que raciocine um pouco sôbre êsses mesmos antecedentes.
Até á noite do dia 11, data em que o requerimento foi entregue ao oficial do meu gabinete,, não se deu qualquer facto, que eu conheça, que alterasse a situação existente entre as duas individualidades — interpelante e interpelado.
Não sei que facto sobreveio que possa ter justificado nessa altura a remessa do requerimento, nem sei mesmo justificar a remessa dêsse requerimento nas condições em que foi feita.
O conhecimento que a Câmara tem da forma como o Deputado interpelante intervém em todas as discussões, apaixonando-se sempre, o conhecimento que a Câmara tem da forma como algumas partes da interpelação já tinham sido versadas numa sessão anterior; a psicologia própria do Deputado em questão talvez sejam elementos para a explicação do fenómeno.
Para mim, porém, a explicação resume-se em pouco: procurou-se, com cuidada premeditação, colocar o Ministro numa situação desastrosa, cometendo-se um agravo profundo à disciplina.
Conhece V. Ex.ª, Sr. Presidente, e conhece a Câmara que a opinião pública e o exército por vezes não compreendem bem a dualidade em que se encontram os representantes da Nação que, sujeitos lá fora a certas normas disciplinares dentro do Parlamento as quebram sem a sancção imediata.
E o facto é que, sempre que casos desta natureza se dão com elementos do exército, as instituições militares sentem-se profundamente abaladas no seu princípio fundamental.
Esta dualidade manifesta-se em actos do Deputado interpelante, como a Câmara já teve ocasião de o comprovar, o transparece claramente nos vários documentos existentes no Ministério da Guerra, em requerimentos, exposições e queixas, que êsse Deputado indistintamente assignava ora como representante da Nação, ora como oficial do exército.
O último dêsses documentos, com a data recente de 13 do corrente, e em resposta a uma nota confidencial de serviço que o Ministério da Guerra enviara ao oficial, encontra-se essa resposta escrita em papel timbrado do Grupo de Esquadrilhas de Aviação República e assinado como Deputado.
Conseqúentemente, o Minis iro da Guerra, cheio de razão, acabou, por punir disciplinarmente o oficial que tinha feito o maior dos desrespeitos ao chefe do exército.
E eu não podia, em face da disciplina o sem que esta se sentisse profundamente abalada perante um tal agravo, sentar-me naquela cadeira do Ministro o aceitar a interpelação do oficial que se acabava do punir.
Por outro, lado, vir o chefe do exército trazer à Câmara o pedido para a suspensão das imunidades parlamentares do Deputado que com êle ostensivamente quebrara as relações poderia ser tomado como uma perseguição à outrance, o que não está nem podia estar em harmonia com o meu carácter.
Aguardar, como se alvitrou, que o comandante da Divisão fizesse essa solicitação à Câmara, era o mesmo que o Ministro delegar num seu subordinado reconhecer da oportunidade dêsse facto, tornando-o juiz do seu superior.
Outra hipótese a admitir seria a possibilidade do adiamento da discussão entre os dois membros desta casa do Parlamento.
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Mas isso seria absurdo o nada resolveria, porque o problema agravar-se-ia todos os dias pelo lacto de o Deputado, no uso dos seus direitos, poder levantar antes da ordem do dia e antes de se encerrar a sessão as discussões que quisesse com o Ministro da Guerra, colocando êste numa situação ridícula perante o exército.
Nestas condições, esgotadas todas as hipóteses possíveis, um único caminho restava ao Ministro e êsse caminho era o que por um lado impunha a disciplina, desagravando-a com a punição correspondente, e por outro lado, mantendo os direitos parlamentares, conservando-se absolutamente afastado.
Foi o que eu fiz.
E procedia assim com a plena consciência do acto praticado e pelas razões que acabo de expor à Câmara, no momento oportuno, ás 4 horas da tarde do próprio dia 13, isto é, dois dias antes da interpelação.
Por aqui ficariam, Sr. Presidente, as explicações do então Ministro da Guerra, se no decorrer da discussão acalorada — naturalmente pelo carácter político que revestiu — que em volta do caso se travou nesta casa do Parlamento, afirmações se não tivessem produzido. que me colocam na obrigação de ter de responder aos ilustres Deputados que as proferiram.
O Sr. Presidente do Ministério, no louvável esfôrço de debelar uma crise cuja solução se apresenta demorada, nessa mesma noite de 13 instou com o então Ministro da Guerra para que não persistisse no seu propósito de abandonar as cadeiras do Poder. Resistiu o Ministro, e resistiu com fundamento naquelas razões que eu já tive ocasião de expor á Câmara.
Em face da inabalável resolução do Ministro, o Sr. Presidente do Ministério solicitou a permissão que da carta datada de 13, em que lhe era pedida a sua demissão, apenas fôsse dado conhecimento oficial em 16. A essa solicitação o Ministro acedeu. Foi, portanto, com o seu inteiro conhecimento que os factos se passaram.
Devo ainda acrescentar que nessa ocasião, e depois no dia seguinte, a quando dos funerais de Guerra Junqueiro, eu me apressei a declarar ao chefe do Govêrno que estava na firme disposição de não comparecer na Câmara no dia 16, uma
vez que, mantido o meu pedido de demissão, continuava a considerar-me demissionário.
O dia 15 foi um domingo, e no dia 16, cêrca das 15 horas, o Sr. Presidente do Ministério regressava do norte. O Parlamento reabria, e eu resolvi comunicar à Câmara a minha deliberação de não comparecer a assistir à interpelação que me fora anunciada. Assim procedi, escrevendo ao Sr. Presidente da Câmara a carta que é já do conhecimento de todos. Antes, porém, de o fazer, eu tive ocasião do falar com S. Ex.ª a quem pedi para não ser tomada qualquer resolução antes de eu falar com o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Presidente do Ministério, entretanto, não chegava, e como se tivesse aproximado o momento de se efectivar a interpelação, o Sr. Presidente telefonou-me preguntando o que tinha a fazer. Respondi a S. Ex.ª pedindo-lhe para fazer o que entendes se, na certeza de que eu não compareceria à sessão. Telefonei para casa do Sr. Presidente do Ministério, que já havia regressado, a contar-lhe o ocorrido. S. Ex.ª compareceu imediatamente no Parlamento.
No dia 17 o chefe do Govêrno, convencido já de que era impossível demover-me do meu propósito de abandonar a pasta da Guerra, pediu-me para comparecer no Conselho de Ministros que ia reunir-se às 11 horas da manhã. Compareci nesse Conselho de Ministros, perante o qual justifiquei a minha atitude, e, apesar de novamente instado para ficar na pasta da guerra, continuei a manter o meu ponto de vista.
E, nesta altura, permita-me a Câmara que eu agradeça aos meus colegas do Ministério todas as suas atenções, e, sobretudo, o seu gesto de solidariedade. Infelizmente, á forma por que decorreu o debate não me proporcionou ensejo de corresponder a êsse gesto do solidariedade.
Agradeço também todas as palavras de carinhosa amizade com que me honraram os meus colegas desta Câmara, e, principalmente, a afirmação de que o meu passado e o meu carácter não permitiriam o meu regresso àquelas cadeiras.
A todos os meus colegas do Govêrno, a todos os meus colegas do Parlamento renovo os meus agradecimentos.
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Sr. Presidente: vou passar agora à análise dalguns pontos trazidos para a discussão; assim, por exemplo, uma das várias interpretações a que, segundo se diz, a minha atitude podia dar logar era a de que eu fugia a uma interpelação anunciada.
Ora, Sr. Presidente, a Câmara conhece já hoje os pontos concretos dessa interpelação, que, de resto, já conhecia, porquanto êles foram versados em debate na tal sessão de Março, sessão de que conservo as mais gratas impressões. Trata-se de casos de orgânica de aeronáutica, os quais, devo dizer, quási todos tinham sido resolvidos pelos meus antecessores; mas também, por justiça, devo acrescentar que essas resoluções foram uniformes com o parecer do estado maior do exército, que é uma autoridade neste ponto de vista, autoridade de ponderar e considerar.
Já vê, pois, a Câmara que não houve fuga de ninguém; o que houve foi dentro do campo militar em que se colocou o Ministro o objectivo de não contribuir para um agravamento violento de disciplina, agravo que os acontecimentos indicaram que se havia de dar. Nunca foi, nem podia ser, essa a minha- intenção quando tomei a atitude que tornei.
Sr. Presidente: disse-se também que tinha sido inoportuna a forma por que S. Ex.ª o Sr. Presidente do Ministério aqui veio falar, pretendendo resolver o conflito, tanto mais que o castigo aplicado não devia ser julgado definitivo, porque havia ainda cinco dias para recorrer.
Não quero fatigar a Câmara lendo o Regulamento Disciplinar do Exército; o Sr. Presidente do Ministério já cabalmente respondeu a esta interpelação lendo à Câmara a doutrina do artigo 116.º do Regulamento Disciplinar, mas se a Câmara quisesse dar-se ao trabalho de profundar êsse Código, veria que as penas por falta do disciplina no exército, depois de aplicadas, são imediatamente cumpridas.
Mas mesmo que assim não fôsse, mesmo que houvesse uma reclamação, a pena aplicada à face do Regulamento Disciplinar não teria efeito suspensivo. E reclamou como? Para quem? O Regulamento Disciplinar é bem claro: a reclamação, da pena só tem razão de existência em dois casos únicos: ou porque a falta não foi cometida, ou porque o superior exorbitou dá sua competência;
Àparte do Sr. Álvaro de Castro que não se ouviu.
O Orador: — Sr. Presidente: quero agora referir-me a outro reparo que também se fez de que não se cumpriu com o disposto do artigo 174.º que manda ouvir antes de castigar.
Qual foi a origem da falta?
Um requerimento assinado pelo próprio, entregue pessoalmente por intermédio de terceira pessoa ao Ministro, requerimento que vinha acompanhado — do bilhete de identidade do oficial, e ambos êsses documentos assinados. A falta está pois cometida e se está cometida para que ouvir? Não ouvi, portanto, e acho que fiz muito bem.
A reclamação, segundo o Regulamento disciplinar, é dirigida, à pessoa que propõe a pena; por consequência a reclamação era ao próprio Ministro.
Sr. Presidente: vou terminar pedindo à Câmara que me releve o tempo que lhe tomei, mas que julguei necessário para. honra dela e para honra minha. Vou terminar declarando à Câmara que, trazido para a vida política, há pouco mais de ano e meio, quando a República atravessava um dos seus momentos mais graves, quando se apelava exclusivamente para o meu patriotismo, não se querendo saber das minhas qualidades de político, ocasião em que muitos não quiseram aceitar essa missão, quando tinha 30 anos de militar e, como já disse, pouco tempo de vida política e talvez o meu êrro fosse acima de político considerar-me exclusivamente militar, a experiência demonstrou-me quão difícil é às vezes aos representantes da Nação, que exercem cargos oficiais, conjugarem os deveres dêsses cargos com os seus deveres de parlamentares.
A experiência também me demonstrou, que eu nunca devia ter saído da esfera, de acção de militar republicano em que me devia ter conservado e assim de futuro continuarei prestando ao meu país todos os serviços que lhe posso prestar a bem da Pátria e da República. Procurarei não sair daquela esfera de acção
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onde as minhas aptidões já tenham sido provadas e no declinar da vida, em que venho entrando, nunca mais de futuro me deixarei desviar para um terreno em que eu nunca devia ter entrado.
Tenho dito.
O Sr. António de Sousa Maia: — Sr. Presidente: serenamente eu venho agradecer ao Deputado que acaba de falar o ter-me dado ensejo de publicamente fazer acusações graves contra S. Ex.ª
O Deputado que acaba de falar apresentou as suas desculpas e homenagens à Câmara e contou os casos como entendia.
Eu agora vou expô-los o explicá-los com toda a verdade.
Pelas 21 horas e meia da noite de 11, entreguei no Café Martinho ao Sr. Major Faria Leal uma carta fechada, pedindo-lhe o favor de a entregar ao ex-Ministro da Guerra, visto me ser impossível ir lá naquela ocasião. A carta foi-lhe entregue naquela mesma noite.
Não foi pois, como S. Ex.ª disse, no dia 12 que recebeu o meu requerimento.
Porquê esta confusão de datas?
Eu digo porquê!
Como eu no meu requerimento dissesse que o ex-Ministro da Guerra não me podia já castigar por qualquer falta que tivesse cometido a quando dos meus conflitos com o Sr. Director da Aeronáutica, porquanto a isso se opunha o antigo 147.º do Regulamento Disciplinar que diz que, seis meses depois da falta cometida, ela não pode ser punida, o Ministro da Guerra, — talvez para me desmentir — manda que pela Repartição de Justiça me seja enviada uma nota urgente dizendo-me ter eu sido castigado com uma admoestação por um facto passado no dia 16 de Janeiro.
A nota tinha a data de 12 de Julho.
Quere dizer: entre a falta e a punição tinham decorrido 6 meses menos 4 dias.
E assim procurou-se obter um prestígio que de há muito o ex-Ministro da Guerra havia perdido, já por nunca ter cumprido o Regulamento Disciplinar, já por outros motivos que eu depois exporei à Câmara.
Vejam agora a origem de todos êstes conflitos e qual tem sido até hoje a justiça e imparcialidade do ex-Ministro da Guerra.
Em Dezembro do ano passado comandava eu o Grupo de Esquadrilhas «República», quando comecei a sentir da parte do Director da Aeronáutica uma pressão que não tinha outro significado senão a sua má vontade contra mim.
Essa pressão fez-se sentir até em notas que me foram dirigidas como se fossem feitas a um soldado. Eu, oficial absolutamente disciplinador como me prezo de ter sido, tudo calei comigo para não agravar o conflito.
Como o Regulamento Disciplinar não permite que eu reclamasse por tais factos, e não pudesse continuar a calar-me, dirigi-me ao Sr. Presidente do Ministério que estava com o ex-Ministro da Guera no Ministério do Interior, e mostrei-lhe a impossibilidade de continuar a comandar o Grupo de Esquadrilhas de Aviação «República» em tais condições.
Por êste motivo fiz um requerimento para deixar a efectividade do serviço, ficando assim desempenhando apenas as funções parlamentares, como Deputado.
Foi deferido o requerimento e eu fiquei fora de tudo que era tropa.
Dias antes, porém, eu havia recebido uma nota dum regimento de infantaria dizendo-me o seguinte: «Em nome de S. Ex.ª o Ministro dá Guerra queira V. Ex.ª mandar apresentar na secretaria, onde fica prestando serviço, o segundo sargento F...«.
Em virtude desta nota, eu mandei publicar em Ordem do G. E. A. R. aquela determinação do ex Ministro da Guerra, ordem que foi, como todas as ordens do G. E. A. R., enviada à Direcção de Aeronáutica Militar.
O Director de Aeronáutica, sem sequer procurar saber quais tinham sido as razões que originaram a publicação dessa determinação na ordem do G. E. A. R., mandou uma nota, ao comandante do G. E. A. R. censurando-o pela publicação da determinação do Ministro.
Esta nota; que era propositadamente para mim, só foi enviada depois de ter sido recebida na Direcção de Aeronáutica uma outra ordem do G. E. A. R. que dizia que eu deixava de comandar aquela unidade, o que ela passava a ser comandada por um tenente.
Quere dizer: o sr. Director de Aeronáutica, não se importando com o que diz
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o Regulamento Disciplinar no seu artigo 7.º, cometeu uma infracção de disciplina.
Não me conformando com aquela nota, que infringia o Regulamento Disciplinar, reclamei junto do ex-Ministro da Guerra.
Sabem o que fez o Sr. Ministro da Guerra?
Tendo mandado ficar sem efeito a nota que me censurava, reconhecendo portanto que eu tinha inteira razão e que, consequentemente, me devia ser feita a devida' justiça, dava ao mesmo tempo razão ao sr. Director de Aeronáutica porque quis defender o prestígio do seu cargo. Mas, Sr. Presidente, se a alguma entidade se deviam exigir responsabilidades, para que ficasse intacto o prestígio do cargo do sr. Director de Aeronáutica, seria à Secretaria da Guerra 'que havia feito a asneira e não a um inferior. Isto é a inversão de toda a lógica; é mesmo a inversão dos principies disciplinares.
Foi esta a origem de todos os conflitos e foi esta a Justiça do ex-Ministro da Guerra!
Não pára por aqui essa Justiça!
Vamos a outro caso o tal que deu logar à admoestação que me foi aplicada por uma falta — na opinião do ex-Ministro da Guerra — que eu cometi há 6 meses menos 4 dias.
O Director de Aeronáutica dera, há dois anos, uma informação a meu respeito na respectiva folha de informação, concretizando-a nas palavras que vou citar à Câmara, porque assim é preciso: — «E um oficial de excepcionais qualidades morais e dum caracter próprio de oficial da sua arma» — No ano passado, ano em que eu deixara o comando do Grupo de Esquadrilhas de Aviação República, dava o Director de Aeronáutica, da minha pessoa, uma informação igual à que se dá de qualquer oficial, que se limita a cumprir os seus deveres.
O Regulamento Gerai de Informações manda que fique exarado na folha de informações tudo aquilo que qualquer Chefe tenha que dizer das qualidades morais e do caracter dum oficial, seja no sentido de as elevar, seja no sentido de as prejudicar.
Sendo assim, como na minha última folha de informações não havia sido exarado se eu continuava ou não a possuir aquelas qualidades morais e de carácter, nem tam pouco quais os motivos porque a não haviam sido, e querendo crer que tal sucedera por mero lapso, telefonei ao Director de Aeronáutica, pedindo-lhe que me marcasse hora e sítio para receber-me.
Marcou-me S. Ex.ª às 21 horas, para lhe falar na sua casa na Rua Açores.
Às 21 horas prefixas, batia eu à porta da casa de S. Ex.ª
Ao encontrar-me com S. Ex.ª eu disse: — Venho aqui particularmente, visto que oficialmente o não posso fazer.
Disse-me S. Ex.ª que me sentasse e expusesse o assunto.
Em tais circunstâncias, tacitamente, ficou assente. que não estavam ali nem o Director dê Aeronáutica nem o capitão-António Maia.
De contrário, S. Ex.ª ter-me-ia dito que em tais circunstancias me não podia receber.
Era pois uma conversa entre dois cidadãos, uma conversa particular. Nestas condições, seria impróprio divulgá-la, mas o Director de Aeronáutica entendeu por bem servir-se dela para fins oficiais, a fim de eu ser castigado.
Vejam agora o que motivou a participação que S. Ex.ª deu contra mini.
Eu havia dito, em conversa entre pessoas que supunha amigas, que, assim como tinha tido fôrças para colocar S. Ex.ª no lugar de Director de Aeronáutica, também as teria para de lá o tirar.
Como S. Ex.ª me tivesse preguntado se era verdade ter eu feito esta afirmação, eu, que sempre tive a coragem de tomar a responsabilidade do que digo, declarei que isso era absolutamente verdadeiro!
Depois disto S. Ex.ª despede-se de mim, estendendo-me a mão!
Pois S. Ex.ª servindo-se desta conversa particular, participou-a oficialmente ao Ministro da Guerra.
Êste senhor, depois de passados seis meses menos quatro dias, depois de ter compulsado talvez todos os códigos de Justiça Militar, todos os regulamentos disciplinares e já depois de ter recebido-o meu requerimento pedindo a demissão, pariu um rato, como a montanha da fábula!
Admoestou-me.
Êste castigo foi-me comunicado, como já disse, numa nota com a data de 12 de Julho, isto é, precisamente no dia seguinte
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àquele, repito, em que o Ministro da Guerra recebeu o meu requerimento pedindo a minha demissão e no qual acusava S. Ex.ª de parcialidade.
Eis do novo a justiça de S. Ex.ª!
Disse depois o Deputado que acaba de falar que não sabe quais os factos que tenham explicado a remessa do meu requerimento.
Não estou para citar à Câmara os casos, que se deram entre mim e o ex-Ministro da Guerra, e basta apenas dizer que as minhas queixas e reclamações eram invariavelmente metidas por S. Ex.ª numa gaveta, fugindo assim a dar-lhes solução como determina o regulamento disciplinar.
Ainda e sempre a justiça e a imparcialidade de S. Ex.ª
Mas não pára aqui! Ouçam mais!
A propósito duma pequena interpelação — se interpelação se lhe pode chamar — que eu aqui realizei em Março, o Sr. Ministro da Guerra vem a esta Câmara declarar que toda a aeronáutica, toda a aviação eram um coió de indisciplinados, de homens desonestos, etc., e que nestas circunstâncias tinha mandado proceder urgentemente a uma inspecção extraordinária a todos êsses serviços.
Pois até hoje, Sr. Presidente e Srs. Deputados, essa inspecção nem sequer começou.
Que se pretendeu, então, fazer?
Apenas pôr em jôgo a honra do Deputado que então interpelara o Ministro, para se lhe calar a boca. E eu acusado em pleno Parlamento de ser desonesto — porque fazia parte dos serviços de aviação, onde só havia pessoas desonestas — não tinha outro caminho a seguir senão o de pedir a minha demissão de oficial, o que efectivamente fiz, mas mandando a data em branco para essa demissão só ter lugar depois da tal inspecção.
Isto mesmo declarei, nessa ocasião, na Câmara!
Nessa altura a imprensa, interpretando muito mal as minhas palavras, deu origem a que se dissesse lá fora que eu vinha aqui tratar duma questão pessoal e de dinheiro.
A única forma de ilibar a minha dignidade e a minha honra era, continuo a afirmá-la, a de apresentar o meu pedido de demissão, mas nas condições em que o fiz, isto é, para que ela me fôsse dada depois da tal inspecção.
O Sr. Presidente da Câmara, na presença do Sr. João Luís Ricardo, para cujo testemunho apelo, solicitou de mim, a rogo de todos os meus colegas desta casa do Parlamento, desistisse do meu pedido de demissão.
Eu respondi que só condicionalmente poderia desistir e uma das condições que fiz foi a de que todos os casos a que o Ministro não dera solução fossem resolvidos em primeiro lugar.
O que fez o Ministro que havia aceitado aquelas imposições?
Não mandou fazer a inspecção; não resolveu os casos; faltou ao seu compromisso!
E não cumpriu o regulamento disciplinar como provei!
Eu tenho uma só palavra. Não posso continuar no exército!
Referiu-se ainda o Deputado que acabou, de falar à maneira como havia sido feita a minha interpelação. A maneira como cada um dos Deputados faz interpelações é a maneira que lhe é própria e que lhe está no espírito, e, como no meu espírito está sempre a intenção de dizer as verdades, foi nesses termos que fiz a interpelação.
Teria com ela magoado o ex-Ministro da Guerra?
Não sei, nem me impôrto.
Estou-o magoando?
Não sei, nem me impôrto.
Sei só que tomo por inteiro a responsabilidade das minhas palavras.
Mas o Sr. Deputado que falou há pouco ainda se referiu ao voto de confiança que a Câmara lhe dera.
Quem assistiu ao que se passou aqui deverá ter notado uma cousa curiosa e que foi a Câmara hesitar, depois de o Ministro ter pôsto a questão de confiança, e ter sido eu — eu que levantara a questão nesta Câmara — quem disse que não hesitassem, que dessem o voto de confiança que o Ministro pedia!
E vem S. Ex.ª falar no voto de confiança que a Câmara lhe deu!
Disse mais o Deputado que acabou de falar que eu tinha procurado com cuidada premeditação a forma de ecoar nesta casa do Parlamento e lá fora.
Que para isso me tinha servido do facto
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de me não ter sido deferida uma pretensão minha.
Nada mais simples de provar como isso é falho de verdade!
Vou, pois, historiar a tal pseudo pretensão:
Havia numa unidade um indivíduo que era um contratado.
Êsse indivíduo foi requisitado verbalmente ao Ministro da Guerra e depois ao comandante da unidade para fazer serviço no govêrno civil numa comissão secreta. Por ser secreta a comissão, continuou aquele indivíduo a figurar como estando ao serviço na unidade, o que era absolutamente contrário às leis e regulamentos militares.
Mas nessa ocasião ninguém se lembrou de tal facto, porque...eram precisos e preciosos os serviços que o tal indivíduo podia prestar.
O tempo passou e êsse indivíduo não pôde continuar no exercício das funções, porque era constantemente ameaçado de morte. Tanto assim ora que o próprio governador civil procurou arranjar-lhe uma colocação fora do continente.
Êsse indivíduo, na incerteza de se dar mal ou bem nessa situação, pensou em pedir para lhe ser guardado o lugar que tinha, mas sem vencimento algum.
Teve o desgraçado a infeliz idea de procurar para tal fim o capitão Maia, que lhe disse que fizesse um requerimento nesse sentido.
Antes, porém, procurou o comandante da unidade a que pertencia para saber qual a sua opinião sôbre um tal requerimento.
Nenhuma objecção foi feita por aquele comandante, que prometeu dar uma boa informação.
Infelizmente, o requerimento tinha de passar pela Direcção da Aeronáutica e lá sabia-se que êsse homem me tinha consultado.
Só por êste facto, dá-se uma má informação e o requerimento foi indeferido pelo Ministro da Guerra.
Até aqui tudo muito bem! Era lógico o que tinha sucedido.
Sabendo do indeferimento, veio o desgraçado, outra vez, falar com o capitão António Maia.
Procurei então o Sr. Ministro da Guerra a quem expus o que se passava, e êle
próprio me deu razão, dizendo-me que fôsse feito um novo requerimento.
Mas há mais: sou eu que lembro a vantagem de ser chamado o Sr. Director de Aeronáutica, para que o Ministro lho peça que êle dê uma boa informação, atendendo às circunstâncias.
De facto, novo requerimento foi feito pelo desgraçado.
Durante, vinte dias esperou êle pelo deferimento do requerimento que...tinha sido metido na tal malfadada gaveta do Sr. Ministro da Guerra!
No fim daquele prazo procurou então o chefe do gabinete que, depois de lhe ter dito que era impossível deferir o requerimento como êle queria, o aconselhou a procurar o Sr. Director de Aeronáutica.
Ainda o desgraçado expôs que já tinha perdido dois vapores e que a companhia para onde ia já estava a achar demasiada tanta demora.
Que tinha muita pena, mas que fôsse ter com o Sr. Director do Aeronáutica.
Assim fez. Êste senhor, como quem põe as facas ao peito, disse: «Ou aceita ir, rescindindo-se o contrato, ou não vai porque o requerimento lhe não é deferido nos termos em que pede».
Que podia êle fazer? Aceitou.
Então o Sr. Director, fazendo talvez de magnânimo, acrescentou que fôsse descansado porque êle, de acôrdo já com o Ministro da Guerra, lhe garantia que quando voltasse seria de novo contratado.
Veja-se até onde chega a parcialidade do Sr. Ministro da Guerra!
Não pode ir com uma licença sem vencimentos, mas garante-se um novo contrato logo que êle volte!
E o Sr. Ministro da Guerra concorda com uma cousa destas! Sabem porquê? Porque nesta altura, já não sendo precisos os serviços dêsse desgraçado, era preciso não ir contra o Sr. Director de Aeronáutica!
E sabem o que se alega para se fazer uma cousa e não a outra?
Que não são concedidas licenças ilimitadas aos oficiais!
Que tem uma cousa com outra?
E acaso o indivíduo em questão oficial, ou mesmo militar de verdade?
Mas, se o que êle pedia era uma licença ilimitada (por ser uma licença sem vencimentos), o que será a rescisão do contrato
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já com o compromisso formal dum novo contrato na volta?
Então, o que e isto senão uma licença ilimitada, visto que há êste compromisso? Ou S. Ex.ªs de antemão faziam tenção de faltar a êle?
Sr. Presidente: êste conflito surgiu sem ou sequer pensar nele, e, logo que dêle tive conhecimento, a primeira pessoa que procuro é o Sr. Presidente do Ministério, a quem conto os factos. S. Ex.ª, como eu fui talvez um pouco brusco — como, de resto, sou sempre-na maneira do apresentar as cousas, respondeu-mo também bruscamente, dizendo-me que fizesse o que entendesse. Desde êsse momento eu estava completamente desligado de qualquer compromisso anterior, se êle porventura existisse. Mas, apesar dessa maneira brusca como eu fui recebido pelo Sr. Presidente do Ministério, não desejando proceder apressadamente, procurei o Sr. Ministro do Comércio, o Sr. Ministro das Finanças e também o Sr. Ministro da Justiça, e comuniquei-lhes os factos que só tinham passado. E, não contente com isso, passados dois ou três dias, procurei os leaders da maioria o a todos relatei o que se tinha passado; e, não mo julgando ainda satisfeito com isso pedi a reunião, numa das salas do Parlamento, dos Deputados independentes que apoiavam o Govêrno o contei-lhes o que se passava.
Só depois disto é que agi!
Agora pregunto: depois de um indivíduo ter apelado, como apelou, para a boa vontade do todos, a fim de solucionarem o conflito. O que lhe restava fazer? Parece-me que responder à maneira como o tinham tratado de uma maneira enérgica, Foi o que fiz!
Vejam V. Ex.ªs que premeditação foi esta, prevenindo e pedindo uma solução a toda a gente! Foi assim que eu premeditei ecoar em todo o País!
Sr. Presidente: disse mais o Deputado que acaba de falar que o exército se sentiu profundamente abalado com a dualidade dum Deputado que é ao mesmo tempo oficial do exército. Isso deve ter-se dado nas altas esferas intelectuais do novo exército; só lá de certo é que talvez se não compreenda que um Deputado não possa ao mesmo tempo ser oficial. Mas eu não vejo em que uma cousa possa ter ligação com a outra.
E natural que, quando um Deputado está desempenhando as suas funções militares, isso fôsse dar lugar a uma confusão, mas eu, Sr. Presidente, desde Dezembro do ano passado que sou apenas Deputado. Portanto, nem essa dualidade pode ser atribuída ao meu caso.
Sr. Presidente: estranhou também o Sr. Deputado que acaba de falar, e que foi Ministro da Guerra, que eu subscrevesse umas vezos como Deputado e outras como oficial. Mas S. Ex.ª não disse quando eu fiz isso, de maneira que deu a impressão à Câmara de que ou procurava, porventura, fugir às responsabilidades, servindo-me duma ou doutra qualidade conforme as conveniências.
É redondamente falso!
Fui Deputado quando tinha de ser Deputado, fui oficial quando tinha de ser oficial.
S. Ex.ª estranhou depois que eu tivesse respondido ao seu ofício do admoestação em papel timbrado do Grupo de Esquadrilhas do Aviação «República» assinado como Deputado. Mas o que não disse, porém, foi que à margem dêsse papel vinha a nota de particular. S. Ex.ª não pode, pois, afirmar que a minha carta fôsse um documento oficial.
Mas agora preguntar-me há a Câmara porque respondi eu a um documento oficial com uma carta particular. E fácil a explicação: respondi em carta particular porque, tendo dado a minha demissão do exército, não mó podia servir dessa qualidade para subscrever um documento oficial.
Afirmou ainda o ex-Ministro da Guerra que, em faço da disciplina do exército, não podia aceitar a minha interpelação. Mas nesse caso eu sou obrigado a reconhecer que os trinta dias do prisão foram aplicados ao Sr. António Maia, Deputado, e não oficial, ou então é a S. Ex.ª mesmo que faz confusão a tal dualidade, e isto apesar de êle a possuir igualmente!
Não sendo assim, que tem que ver a política com as questões disciplinares?
O ex-Ministro da Guerra, querendo mostrar-se conhecedor perfeito do Regulamento Disciplinar, citou vários dos seus artigos, mas esqueceu-se — talvez propositadamente — de citar o artigo 48.º, em que se diz que os militares podem em determinadas circunstâncias deixar de cum-
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prir as penas que lhes foram impostas. Ora se em lace do Regulamento Disciplinar a pena que foi imposta ao capitão António Maia podia deixar de ser cumprida, para quê tanta pressa em vir pedir ao Parlamento autorização para o cumprimento da penalidade em questão? Vê-se claramente que só se pretende atingir o Deputado António Maia e não o oficial do exército. Continuemos:
Como o Deputado que acabou de falar foi Ministro da Guerra e apelou para o Regulamento Disciplinar, permita-me V. Ex.ª que eu também para êle apele, lendo o artigo 2.º dêsse Regulamento:
«Para que a disciplina constitua a base em que judiciosamente deve firmar-se a instituição armada, observar-se hão rigorosamente as seguintes regras fundamentais:»
Eu creio que a Câmara ouviu bem:
«Observar-se hão rigorosamente as seguintes regras fundamentais».
São seis as regras fundamentais, mas eu vou ler apenas a 5.ª e 6.ª:
«Regra 5.ª A disciplina obtém-se, sobretudo, pela convicção da missão a cumprir, e mantém-se pelo prestigio que nasce dos princípios da justiça empregados, do respeito pelos direitos de todos, do cumprimento exacto dos deveres, do saber, da correcção de proceder e da estima recíproca».
A regra 6.ª diz:
«Os chefes principalmente, e em geral todos os superiores, não esquecerão, em caso algum, que a atenção dos seus subordinados está sempre fixa sôbre os seus actos, e que, por isso, o seu exemplo irrepreensível é o meio mais seguro de manter a disciplina, ficando, portanto, responsáveis pelas infracções praticadas pelos subordinados ou inferiores, quando essas infracções tenham origem na falta de punição por parte dos mesmos chefes ou superiores, ou nas faltas por êstes cometidas, e não possam provar que empregaram todos os meios para prevenir aquelas infracções».
Analisemos agora o que se passou com o capitão António Maia:
Enviou êste oficial ao Sr. Ministro da Guerra um documento em termos ásperos, dando a sua demissão e acusando o Ministro da Guerra de faltar aes seus deveres, infringindo portanto o Regulamento Disciplinar.
Não há dúvida de que o capitão António Maia infringiu o dever n.º 24.º do artigo 4.º do Regulamento Disciplinar.
Determina o mesmo Regulamento no artigo 72.º que as faltas devem ser apreciadas com inteira justiça e a máxima imparcialidade, assim como os próprios motivos dessa falta.
Vejamos, pois quais foram os motivos dessa falta!
E o próprio capitão Maia que o diz no seu requerimento, quando acusa o Ministro de ter faltado ao disposto nas regras 5.ª e 6.ª do artigo 2.º e à primeira parte do disposto no artigo 72.º do Regulamento Disciplinar do Exército.
Verificou o Sr. Ministro da Guerra se era verdade o que o capitão Maia dizia notar documento?
Não! Mas a exactidão do que afirma o capitão António Maia foi por mim aqui demonstrada quer na interpelação que fiz, quer nos factos que venho apontando e que desafio, seja quem fôr, a que mos desminta.
Sendo assim, a falta do capitão António Maia foi provocada pelas faltas do ex-Ministro da Guerra, e portanto aquele deixou de ser responsável pela falta que cometeu.
É a doutrina da regra 6.ª que deve ser observada rigorosamente; é também a doutrina da primeira parte do artigo 72.º que deixou de se cumprir.
Em conclusão: a regra 6.ª devia ser aplicada ao capitão António Maia; e as penas do Regulamento Disciplinar aplicadas ao Ministro da Guerra, por ter guardado na gaveta notas, requerimentos, queixas e participações, sem lhes dar andamento; por ter sido parcial para com: o capitão António Maia, o que motivou que êste oficial, por ser um espírito exaltado e um homem sem medo, fizesse um requerimento um pouco fora das normas regulamentares.
Eis o que mandava a justiça que se fizesse!
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Mas, se por um excesso de rigidez, fôsse necessário castigar o capitão António Maia, êste devia ter um castigo mínimo e o Ministro da Guerra um castigo máximo.
Mas, como se o que venho relatando à Câmara não fôsse suficiente para mostrar bem que o ex-Ministro da Guerra desconhece por completo o Regulamento Disciplinar, é êle próprio quem véu provar á Câmara a veracidade daquela afirmação.
Disse êle, quando falou, que lhe não restava dúvida alguma de que a falta tinha sido cometida pelo capitão Maia e que nestas circunstâncias não necessitava ouvi-lo, como determinava o artigo 74.º
Se S. Ex.ª conhecesse o Regulamento Disciplinar, saberia que o artigo 72.º, já por mim citado, mas que apesar disso vou ler à Câmara, diz:
«Os superiores devem ser zelosos em prevenir» — ouça a Câmara! — «em prevenir as faltas dos seus subordinados» — ouça mais! — «evitando qualquer acto que as possa provocar, não dando, em regra, qualquer ordem sem primeiro se certificarem de que ela pode ser inteiramente cumprida, e, quando houverem de recorrer aos meios de repressão autorizados neste regulamento, devem usar dêles com prudência, apreciando com inteira justiça» — repare agora a Câmara nisto — «apreciando com inteira justiça e a máxima imparcialidade, as faltas cometidas e os motivos destas faltas, se forem conhecidos, abstendo-se sempre de rigores excessivos que, longe de excitarem, enfraquecem o sentimento do dever, base da subordinação e da disciplina».
Como pôde S. Ex.ª apreciar com inteira justiça e a máxima imparcialidade os motivos da falta do capitão Maia, se o não ouviu?
Sabe acaso se êle a cometeu num ataque de loucura?
Estaria êle embriagado?
Teria êle sido forçado, por terceiros, a escrever um tal documento?
Felizmente para o capitão Maia, não se deu nenhuma daquelas hipóteses.
Não está doido, não bebe vinho e é daqueles que nem uma ameaça do morte o obriga a dizer o que não quero!
Mas o Sr. Ministro da Guerra não o podia afirmar sem ouvir o capitão António Maia.
Emfim, venho provando à evidência que o Sr. Ministro da Guerra não só não cumpriu os seus deveres, como ainda tem sido de uma imparcialidade e injustiça que não tem classificação.
E se, de facto, o capitão António Maia cometeu uma falta grave, essa grave falta teve origem nas faltas muito mais graves ainda do Sr. Ministro da Guerra.
Eu tinha direito, quer como militar, quer como deputado, de pedir justiça, mas, como justiça é uma palavra absolutamente vã e desconhecida de todos os portugueses, não peço essa justiça.
Em compensação, vou pedir a todos os meus colegas desta Câmara que me ajudem a convencer o Sr. Ministro da Guerra interino a dar-me a demissão de oficial do exército.
Voltemos, porém, ao assunto.
É o próprio ex-Ministro da Guerra que vem garantir à Câmara que das decisões do Ministro da Guerra não há recurso.
Nestas condições, vejam como um Ministro da Guerra tem de ser um homem absolutamente justo e imparcial, um homem cuja moral seja inexcedível, um homem, finalmente, que seja o exemplo dum exército.
E agora digam-me V. Ex.ªs se tem autoridade moral para ser Ministro da Guerra um indivíduo que, pelo menos desde Dezembro até ao último dia que ocupou o lugar de Ministro da Guerra, foi sempre absolutamente parcial com o capitão António Maia. Não, Sr. Presidente! Não tem mesmo sequer a moral necessária para vir aqui falar em disciplina.
Eu digo também porque!
Sr. Presidente! Foi discutida e aprovada, tanto nesta casa do Parlamento como na outra, uma lei que alterava os vencimentos dos sargentos do exército. É a lei n.º 1:422.
Alguns comandantes de unidades do exército começaram a cumprir a lei, ou, antes, a pô-la em execução.
Sabendo isto, o Sr. Ministro da Guerra mandou sair da sua secretaria a seguinte circular urgentes
«Circular urgente — N.º 14, de 9 de Junho de 1923, Direcção Geral dos Ser-
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viços Administrativos do Exército — Do Director Geral. — S. Ex.ª o Ministro da Guerra, constando-lhe que em algumas unidades pagaram aos sargentos a melhoria de vencimentos concedida pela lei 11.º 1:422, encarrega-me do dizer a V. Ex.ª só digne fazer constar a todas as autoridades sob as suas ordens que êsse aumento só pode ser abonado depois de publicadas as novas tabelas modificadas, como claramente determina o artigo 3.º da mesma lei. Emquanto o Govêrno não modificar as tabelas n.ºs 8 e 9 do docreto n.º 5:070 em harmonia com a lei não pode efectivar-se o abono. — O Director Geral».
Em virtude desta circular, cessou o abono.
Os sargentos não ficam satisfeitos e...é publicado num jornal chamado O Marte, órgão dos sargentos do exército, um artigo de fundo intitulado «Cumpra-se a lei!».
Reparem V. Ex.ªs neste artigo «Cumpra-se a lei!», Quere dizer, os sargentos voltam-se; não para os oficiais hierárquicos, mas para o chefe supremo, para o próprio Ministro da Guerra, e dizem-lhe:
«Cumpra-se a lei!».
E êste artigo é uma perfeita ameaça!
Pois bom! O ex-Ministro da Guerra, o homem que quis inabalàvelmente que o Sr. António Maia fôsse imediatamente preso jpara que a disciplina não fôsse abalada, êsse mesmo Ministro da Guerra, em face do artigo «Cumpra-se a lei!», manda publicar esta outra circular:
«Circular n.º 15, da Direcção Geral dos Serviços Administrativos do Exército — 2.ª Repartição, de 22 de Junho de 1923 — Do Director Geral: — S. Ex.ª o Ministro da Guerra encarrega-me do dizer a V. Ex.ª que. atendendo à demora inevitável da publicação da Ordem do Exército, 1.ª série, autoriza o pagamento aos sargentos dos abonos da lei n.º 1:422. só pela publicação no Diário do Govêrno n.º 132, de 21 do corrente, do decreto n.º 8:941, da mesma data. — O Director Geral».
Quere dizer, o ex-Ministro da Guerra, que quero a disciplina mantida a todo o custo, curva-se perante a imposição, dos sargentos!
E é êste homem que quere a disciplina mantida e o exército prestigiado!
Mas há mais.
Nesse jornal disseram ainda:
«Agora, que já tratamos dos nossos interêsses, vamos tratar dos interêsses dos nossos oficiais!».
Vejam até onde foi arrastado o brio e a dignidade dos oficiais do exército!
Pois bem. Êsse oficial disciplinador e disciplinado, que não podia conceber que eu fizesse dêste meu lugar uma interpolação a êle, que era Ministro da Guerra, visto ter-me castigado — não podia conceber porque isso era atentatório da disciplina do exército — êsse oficial, que era Ministro da Guerra, nem sequer mandou saber quem tinha escrito tal injúria!
Injúria de tal natureza que magoou, como não podia deixar de magoar, todos os oficiais do exército!
E agora eu pregunto: Pode um homem desta fôrça moral vir falar aqui, ou seja onde fôr, em disciplina do exército?
Voa terminar. Antes, porém, quero dizer o seguinte:
Disse o ex-Ministro da Guerra que tinha sido trazido para a política numa das horas mais graves para a República.
Pena foi que não tivesse tido nessa ocasião a mesma maneira de ver que acaba de ter hoje no Parlamento.
Devia ficar no âmbito das suas funções de militar, o não ter pensado saquer em exercer funções políticas.
O Sr. ex-Ministro da Guerra começou as suas considerações dizendo que conscientemente tinha estado ausente no dia da minha interpelação, e isto evidentemente com o fim único de não responder a ela, de não ouvir as verdades que lhe ia dizer o Deputado António Maia.
O capitão António Maia vai desaparecer, mas ficará o político para continuar a ser, como até hoje, um paladino da, verdade.
O capitão António Maia nunca fugiu às responsabilidades da sua farda, e sempre as assumiu nas ocasiões mais graves da sua vida.
Como político fará precisamente o mesmo!
Na guerra procurou sempre arriscar a sua vida na frente, não na retaguarda, e
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isto para prestígio da sua farda, para glória do exército a que pertence.
Quando um dia os ingleses lhe disseram que já não voltaria a voar sôbre o inimigo emquanto não fôsse constituída uma unidade portuguesa de aviação, e como isto se não realizaria tam cedo, pediu para sair de onde estava, porque teve vergonha de estar a fingir que voava na «frente» e a ganhar ao mesmo tempo duas libras em ouro por dia.
Eu, como militar, nunca fugi ao perigo, e ninguém é capaz de me desmentir.
Outros não poderão, dizer outro tanto.
Caminhei sempre de cabeça levantada, sem medo, e assim quero morrer.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: — Tenho a dizer ao Sr. António Maia que durante o seu discurso referiu-se a pessoas que não têm assento nesta Câmara, usando de expressões que podem ser consideradas como injuriosas, e, assim, pedia a V. Ex.ª que considerasse tais expressões como não proferidas.
O Sr. António Maia: — Pela muita consideração que tenho para com V. Ex.ª, Sr. Presidente, dou como não proferidas nesta sala essas expressões, mas mantenho-as lá fora.
Tenho dito.
O Sr. Agatão Lança: — Havendo dois assuntos que interessam a opinião pública, eu requereria que, votado o incidente «da discussão do caso do Sr. António Maia, Continuasse o debate político.
Àpartes.
O Sr. Presidente: — O incidente relativo 3. 0 Sr. António Maia não está generalizado; só alguns Srs. Deputados pediram a palavra para explicações.
O Sr. Agatão Lança: — A êsses que pediram a palavra seguem-se outros, e amanhã a mesma cousa.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: parece-me que há da parte do Sr. Agatão Lança um manifesto equivoco.
O que está em discussão não é o incidente do Sr. António Maia com o Sr. Ministro da Guerra, mas sim a declaração do Sr. Presidente do Ministério sôbre a sua nomeação para a pasta da Guerra.
Sobro êste ponto pedi a palavra, e entendo que nenhuma votação deve recair sôbre um incidente que afinal não existe.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara.
O Sr. Fernando Freiria tinha pedido [a palavra para antes da ordem do dia, e, como insistisse para usar dela, a Câmara deliberou que lhe fôsse concedida quando chegasse o Sr. Presidente do Ministério.
Quando S. Ex.ª chegou, fez a comunicação que a Câmara conhece, e inscreveram-se para falar, primeiro o Sr. Cunha Leal, depois o Sr. Freiria e seguidamente o Sr. António Maia.
Eu sei que V. Ex.ª, Sr. Carvalho da Silva, pediu a palavra quando falava o Sr. Fernando Freiria, mas não posso dar-lha sem primeiro consultar a Câmara.
O Sr. Carvalho da Silva: — Desde que há uma declaração de crise, há sempre discussão.
O Sr. Presidente: — Mas o Sr. Cunha Leal ainda não usou da palavra.
O Sr. Fernando Freiria (para explicações): — Sr. Presidente: apenas duas palavras.
Durante o tempo que ocupei a pasta da Guerra nunca proferi nesta Câmara quaisquer palavras de onde se deduzisse que a aviação militar terrestre estava eivada de individualidades desprestigiosas.
Quem assistiu às sessões de Maio, o quem ler as actas e os extractos dos meus discursos verificará que não proferi quaisquer palavras nesse sentido.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Pedia a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para mandar buscar os relatos dessas sessões, e lê-los à Câmara.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: pouco tempo tomarei à Câmara.
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Apenas desejo frizar a forma curiosa como o Sr. Presidente dó Ministério resolveu iludir o cumprimento das praxes constitucionais.
Há uma velha praxe que diz que quando o número dos Ministros demissionários fôr superior à terça parte — e portanto neste caso são quatro — o Ministério devo considerar-se demitido totalmente.
Mas o que é que fez o Sr. Presidente do Ministério?
Tem enxertado crises parciais umas sôbre as outras, de modo que dos Ministros que inicialmente o acompanharam apenas resta um, que infelizmente está sem voz.
Os outros foram todos substituídos.
Mas apenas uma observação.
Nós, frisando o facto, lamentamos apenas que o Sr. Presidente do Ministério e o Ministério não tenham prestígio para governar, e queremos tirar a S. Ex.ª a consoladora ilusão de que o seu Ministério tem sido o mais durável.
Não.
O que tem sido mais durável é a presidência do Sr. António Maria da Silva.
Em todo o caso, aconselhamos S. Ex.ª a que não canse o país com estas sucessivas quedas de Ministérios, com êste equilíbrio político demasiadamente prolongado, porque não queremos que a vida política portuguesa saia dos limites da seriedade, para entrar nos domínios da força.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: as palavras do Sr. Deputado Fernando Freiria são bem a explicação da crise motivada pela saída de S. Ex.ª de Ministro da Guerra.
O Sr. Freiria expôs as razões de todo o seu procedimento.
Tem S. Ex.ª muita razão quando diz que foi um incidente de disciplina militar que o levou a abandonar o seu lugar de Ministro da Guerra.
Tem razão ainda quando afirma que ó! indispensável, mormente nesta ocasião, não abalar a disciplina do exército, e ela foi abalada pelo Govêrno e principalmente pelo Sr. Presidente do Ministério, para quem o Sr. Fernando Freiria, como para todos os Ministros, quis ser agradável, e justo, mas não deixando de ser cruelmente flagelador.
E certo, como disse o Sr. Fernando Freiria, e dêste lado da Câmara sempre foi defendida essa doutrina, que o Parlamento nunca devia ocupar-se em discutir questões de disciplina militar.
Todavia temos de constatar com desgosto que ainda nesta sessão outra cousa se não fez que não seja discutir assuntos de disciplina do exército.
Disse o Sr. Fernando Freiria que se depois de, como Ministro da Guerra, ter aplicado a pena disciplinar que aplicou ao Sr. capitão Maia, viesse a esta casa do Parlamento antes de ao Sr. António Maia terem sido levantadas as imunidades parlamentares, o país poderia julgar atentatório da disciplina que o Sr. António Maia, antes de o capitão Maia ter cumprido a pena, tivesse de ser juiz do chefe do exército.
Estamos de acôrdo.
Foi essa doutrina que já defendemos aqui.
Mas o que também entendemos é que S. Ex.ª devia ter vindo aqui como Ministro declarar o que hoje disse, e a Câmara lhe daria ou não a sua confiança.
Se lha negasse, S. Ex.ª então sairia do Govêrno.
Mas o Sr. Fernando Freiria veiu fazer hoje à Câmara uma revelação que demonstra as razões por que S. Ex.ª, já depois de ter pedido a sua demissão, assistiu ainda a um Conselho de Ministros, Conselho de Ministros êsse a que o Sr. Presidente do Ministério se referiu ao apresentar nesta Câmara a sua proposta para que imediatamente fossem suspensas as imunidades parlamentares ao Sr. Sousa Maia.
Segando a declaração do. Sr. Freiria, o Sr. Presidente do Ministério e o Govêrno afirmaram-lhe a sua solidariedade absoluta.
E eu pregunto: como é que o Govêrno, tendo concordado inteiramente com o Sr. Ministro da Guerra, dando-lhe todo o seu apoio, pode continuar no Poder depois da saída do Sr. Freiria?
Sr. Presidente: a permanência dêste Govêrno nas cadeiras do Poder representa um ataque à disciplina do exército.
O Sr. Presidente do Ministério e o seu Govêrno não podem manter-se à testa
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dos destinos da Nação nem mais uma hora.
Nós, Deputados dêste lado da Câmara, não queremos discutir pessoas que nos merecem o maior respeito; mas ocorre-me, muito naturalmente, preguntar: como é que o Sr. Presidente do Ministério, que considerava indispensável para a disciplina do exército a suspensão imediata das imunidades parlamentares do Sr. Sousa Maia, depois de obter a autorização da Câmara nêsse sentido, não se aproveitou dela?
Sr. Presidente: outras considerações poderia ainda apresentar; mas não quero tomar mais tempo à Câmara, e por isso vou terminar, afirmando mais uma vez que o Sr. Presidente do Ministério e o seu Govêrno não têm o direito de se manter nem mais uma hora nas cadeiras do Poder, porque a sua permanência nesse lugar constitui um verdadeiro atentado à disciplina do exército.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e Interino da Guerra (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: vou responder aos dois ilustres Deputados que me interpelaram.
Ao Sr. Cunha Leal devo dizer que não conheço aquele direito a que S. Ex.ª se referiu, nem encontro na Constituïção alguma cousa que de perto ou de longe se ligue com o que S. Ex.ª citou à Câmara. Declarei anteriormente, ao finalizar o debate feito nesta Câmara a propósito do incidente que teve a sua finalidade na última sessão, que o Sr. Ministro da Guerra tinha declarado a sua intenção inabalável de se demitir da pasta que sobraçava; e claro está que só tinha de cumprir um dever: comunicar o caso à Câmara depois de o ter comunicado ao Chefe do Estado, que, aceitando a demissão pedida, me. encarregou de interinamente desempenhar essa função, o que fiz, e nessa qualidade me apresentei à Câmara hoje.
Mas o Sr. Carvalho da Silva e o outro Sr. Deputado interpelante foram mais longe, dizendo que o Govêrno não tinha dado a solidariedade a um seu colega, o que não corresponde à verdade e até às próprias palavras do Sr. coronel Freiria. Se êste Deputado hoje quis produzir as considerações que produziu, é de sua inteira responsabilidade e do seu foro intimo. Se o Govêrno não quisesse cuidar da disciplina do Exército, depois de apresentada a demissão do Ministro da Guerra, podia levantar o pedido de suspensão das imunidades do Sr. António Maia, mas manteve-o inteiramente, fazendo até questão política do caso.
Estranhou também o Sr. Carvalho da Silva, e disso fez cavalo de batalha, permita-se-me a expressão, que se tivesse pedido o levantamento das imunidades dum Deputado, o que foi aprovado, e hoje ainda êsse Deputado pudesse tratar na Câmara do assunto com carácter de explicações. Ora eu não podia evidentemente fazer cumprir a pena a um Deputado que é ao mesmo tempo militar, antes de me ter sido comunicado por quem de direito o levantamento dessas imunidades. Pois se eu em nome da disciplina trouxe a esta Câmara o caso do levantamento das imunidades, depois dele resolvido só podia esperar uma coisa: era receber um ofício da Mesa comunicando-me a resolução da Câmara. Pois êsse ofício só hoje me foi entregue, e assim imediatamente tomei as providências que o caso requere, hão só marcando o local para o cumprimento da pena, mas porque me informaram que tinha de notificar isso mesmo ao Sr. António Maia e proceder como é de uso em condições semelhantes.
Entretanto, isso leva o seu tempo e tem o seu logar, e não se compreende por outra forma a solução do caso. Mas é curioso que o Govêrno, pretendendo manter inteiramente o princípio da disciplina, quer no Exército, quer noutras instituições, é acoimado pelo Sr. Carvalho da Silva de não ter cumprido o seu dever, quando o cumpriu inteiramente.
Apoiados da esquerda.
O Sr. Carvalho da Silva (em àparte): — O Sr. Fernando Freiria declarou ter sido solicitado por V. Ex.ª a comparecer em Conselho de Ministros e afirmou que êste se havia solidarizado com S. Ex.ª
O Orador: — Tanto o Sr. Carvalho da Silva como a Câmara sabem muitíssimo bem que é bem velho hábito dar toda a solidariedade aos meus colegas do Ministério. O Sr. Fernando Freiria, porém,
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por razões que êle certamente reputou ponderosas, entendeu abandonar o seu cargo e dessa atitude a S. Ex.ª cabe a inteira responsabilidade.
Sr. Presidente: há uma única maneira de sanar questões desta natureza: é introduzir na legislação portuguesa o princípio da incompatibilidade na acumulação das funções parlamentares com as de funcionário do Estado, quer militar, quer civil. Faça-se isso e de uma vez para sempre terminarão os conflitos desta natureza.
Tenho dito.
O orador não reviu.
ORDEM DO DIA
Segunda parte
Discussão da matéria da proposta de lei n.º 532-D o do projecto de lei n.º 423- A, que regulam o regime cerealífero.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se o contra-projecto enviado, para a Mesa na sessão do ontem pelo Sr. João Luís Ricardo.
O Sr. Abílio Marçal: — Requeiro a dispensa da leitura.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Não existe parecer sôbre êsse contra-projecto; a Câmara não tem dela conhecimento e pretende-se fazer dispensar a sua leitura?;
O Sr. Presidente: — O Sr. Abílio Marçal comunica à Mesa que desiste do seu requerimento.
Lê-se o contra-projecto.
O Sr. Carvalho da Silva: — Eu desejava fazer uma pregunta ao Sr. Ministro da Agricultura, a fim de nos orientar na maneira de votar.
Eu desejava saber se o Sr. Ministro da Agricultura concorda ou não com o projecto do Sr. João Luís Ricardo.
Lamento que V. Ex.ª não consiga que as comissões dêem parecer às suas propostas.
O orador não reviu.
Vários àpartes.
Pôsto o contra-projecto à admissão, foi admitido.
Muitos e variados àpartes impossíveis de reproduzir.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — A Câmara sabe que há meses esteve a cidade privada de peixe, devido a um conflito que, por falta do competência e tino político do anterior Ministro da Marinha e também do actual, ainda não está resolvido.
A Sociedade de Pescarias tomou o compromisso de não transigir com o pessoal enquanto êle não retomar o trabalho.
Êsse pessoal de bordo veio com exigências impraticáveis e com protestos contra o facto de as sociedades armadoras terem ao seu serviço dois capitães que não querem lá ver.
Mas a base do conflito está no facto de a Sociedade de Pescarias querer retirar parte da percentagem que os pescadores recebem, para fazer face ao imposto sôbre o valor das transacções e ao agravamento das outras contribuições.
Interveio no assunto o Comissário dos Abastecimentos. Começou êste senhor por dar fôrça à Sociedade de Pescarias, dizendo que estava ao lado dela para manter a disciplina, não sendo afastados do serviço os dois capitães. Mas, por outro lado, procurou furar a greve, levando alguns armadores a empregar navios na. pesca, admitindo inclusivamente que barcos estrangeiros abastecessem o nosso mercado.
Mas o mais grave ainda está no facto de o mesmo Comissário dos Abastecimentos ter adquirido um vapor para a pesca sem cumprir as prescrições da lei.
Foi comprado êste vapor por 1:700 contos segundo os cálculos de uns, ou por 1:900 contos segundo os cálculos de outros. Note-se que qualquer destas verbas é superior àquela por que foi vendido o vapor Lima, dos Transportes Marítimos do Estado, que é um barco de carga e de passageiros, pois que o Lima foi vendido por 1:200 tontos!
Mas, repito, além disso não foram respeitadas as disposições da lei.
Nem sequer foi aberto concurso.
O artigo 8.º do decreto de 24 de Dezembro de 1920 diz:
Leu.
Foi isto cumprido?
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O comissário dos Abastecimentos ouvia a respectiva comissão?
Aguardo resposta do Govêrno.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Agricultura (Fontoura da Costa): — Respondendo ao Sr. Paulo Cancela de Abreu, devo começar por dizer que foi a própria Associação dos Armadores que deu carta branca ao Sr. Comissário dos Abastecimentos para resolver o assunto.
O assunto ainda não está resolvido, está sendo estudado, sendo meu convencimento que se chegará a uma solução.
Quanto ao vapor, foi adquirido e creio que bem adquirido.
Eu próprio dei autorização, para essa aquisição porque vi documentos e achei que era boa compra.
Se V. Ex.ª quiser consultar os respectivos documentos, posso facultá-los ao seu exame.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Mas a verba saiu do Ministério das Finanças?
O Orador: — Não, senhor; a verba é do próprio Comissariado dos Abastecimentos.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — E a Comissão Executiva foi ouvida?
O Orador: — Não foi nem era necessário, porque essa Comissão nunca foi ouvida.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Mas a lei é expressa è determina que essa Comissão seja sempre ouvida.
E V. Ex.ª conta resolver a questão só com um barco de pesca?
O Orador: — Não se resolve no todo, mas resolve-se em parte. Como V. Ex.ª sabe, os armadores têm levantado toda a espécie de dificuldades à resolução dêsse assunto e dêste modo todo o peixe que se possa conseguir será vendido no Comissariado dos Abastecimentos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: pedi a palavra para na presença do Sr. Ministro das Finanças preguntar se o Govêrno já tomou qualquer deliberação a propósito duma reclamação apresentada pela Associação Comercial sôbre a situação criada ao comércio exportador para as províncias de Angola e Moçambique pela circular que o Banco Nacional Ultramarino dirigiu para as várias entidades que tinham necessidade de conhecer a doutrina da referida circular.
Essa situação, que era má, agravou-se ultimamente e de tal maneira que levou. o Banco Nacional Ultramarino a tomar medidas radicais que importam a cessação de relações comerciais com essas nossas duas grandes colónias. O facto significa também que o Banco Nacional Ultramarino é impotente para cumprir o seu mandato.
Desejava, portanto, saber se efectivamente o Ministério já tinha tomado qualquer deliberação sôbre o assunto, limitando-me a fazer sentir a necessidade que há em cassar ao Banco Nacional Ultramarino o seu contrato na parte que se refere às duas grandes colónias que carecem dum regime bancário moldado em novas fórmulas que possam corresponder à sua actividade interna e externa.
Aguardo as declarações do Sr. Ministro das Finanças. O orador não reviu.
O Sr; Ministro das Finanças (Victorino Guimarães): — Sr. Presidente: é na verdade bastante melindroso o assunto a que acaba de referir-se o Sr. Álvaro de Castro.
S. Ex.ª sabe perfeitamente que só indirectamente êsse assunto corre pela minha pasta; no entanto, posso dizer que por emquanto não foi tomada qualquer resolução definitiva, porque o caso, como disse, dado o melindre e gravidade que representa, precisa de ser estudado com toda a atenção, e assim será, porque no Conselho de Ministros que está convocado para amanhã êsse assunto vai ser versado, resolvendo-se a forma que o Govêrno terá de adoptar para acudir à situação, que se está tornando angustiosa, de toda a economia colonial, por se ver privada de fazer as transferências para a metrópole, o que tão necessário se torna.
Pode S. Ex.ª estar certo de que o assunto não está descurado e só a partir de
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amanhã nos poderemos, ocupar das informações de V. Ex.ª
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro: — Agradeço ao Sr. Ministro das Finanças as considerações que produziu; estou convencido de que o Govêrno virá dizer à Câmara o de que se passou.
Quero chamar a atenção de S. Ex.ª para o empréstimo projectado para Moçambique, e que, a efectuar-se, seria a ruína daquela colónia.
Espero que o Sr. Ministro trate do assunto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Peço ao Sr. Ministro das Finanças o favor de transmitir ao Sr. Ministro das Colónias as minhas rápidas palavras.
Há dias, tive ocasião de mo dirigir ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, fazendo-lhe o pedido de trazer à Câmara um projecto de lei acêrca da concessão feita a uma companhia italiana de amarrar um cabo submarino no pôrto de Cabo Verde.
S. Ex.ª disse que pelo seu Ministério não podia ser tratado o assunto, porque estava afecto ao Ministério das Colónias. Peço a V. Ex.ª que junto do Sr. Ministro das Colónias faça salientar êste assunto, que é muito importante, pois, se a concessão não fôr feita, a companhia fará a amarração nas Canárias ou em Dakar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Amanhã terei ocasião para transmitir ao Sr. Ministro das Colónias as considerações do ilustre Deputado.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, às 14 horas, com a seguinte ordem do dia:
Antes da ordem (sem prejuízo dos oradores que se inscrevam):
A que estava marcada, e o parecer n.º 91 — alterações do Senado ao projecto de lei que autoriza o Govêrno a contratar a amarração do cabo submarino no Faial.
Ordem do dia — Primeira parte:
Projectos de lei já aprovados no Senado — uma hora por deliberação da Câmara; parecer n.º 301, adiando o alistamento a determinados mancebos; parecer n.º 498, que modifica disposições do Código do Registo Civil; parecer n.º 160, sôbre licenças a funcionários municipais das colónias; parecer n.º 401, que suprime os exames de 2.ª classe dos liceus; parecer n.º 167-C, que regula o direito de preferência a que se referem os artigos 1678.º do Código Civil e 6.º do decreto de 23 de Maio de 1911.
Segunda parte:
A primeira parte da que estava marcada.
Terceira parte;
A segunda parte que estava marcada, menos os pareceres n.ºs 498, 160 e 91.
Está encerrada-a sessão.
Eram 19 horas e 45 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Parecer
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 375-C, que abre um crédito extraordinário a favor do Ministério da Guerra para despesas com a comissão parlamentar de inquérito ao mesmo Ministério.
Imprima-se.
Projectos de lei
Do Sr. Francisco Cruz, regulando a promoção dos magistrados judiciais.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. Sá Pereira, dando nova redacção ao artigo 1.º da lei n.º 1:158, de 30 de Abril de 1921.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de guerra.
Para o «Diário do Govêrno».
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Declaração de voto
Declaro que rejeitei a proposta do Govêrno, sôbre a suspensão do Sr. António Maia, porquanto, dizendo o artigo 17.º da Constituïção que nenhum Deputado ou Senador pode ser ou estar preso, durante o período das sessões, sem prévia licença da sua Câmara, excepto em flagrante delito, a que seja aplicável pena maior ou equivalente na escala penal, entendo que esta prisão é tam somente a prisão preventiva, como se depreende do n.º 16 do artigo 3.º e do artigo 18.º da Constituïção.
E como nos processos-crimes com pronúncia — os mais graves- a Câmara tem o direito de suspender o seguimento do processo em que fôr arguido qualquer dos seus membros até findar as suas funções, com mais razão julgo que à Câmara lhe assistia igual direito nos simples processos disciplinares, e assim entendo que o Sr. Ministro da Guerra não devia castigar com prisão e em processo disciplinar o capitão António Maia, que estava exercendo as suas funções parlamentares, antes de comunicar à Câmara o respectivo processo e esta ter deliberado sôbre o andamento e oportunidade do final julgamento.
Só depois tinha a Câmara que deliberar (artigo Í8.º da Constituïção) sôbre a suspensão do Sr. António Maia, e esta entendo ainda que só em casos muito excepcionais deve ser deliberada, motivo por que rejeito a proposta do Govêrno relativa ao Sr. António Maia. — Angelo Sampaio Maia.
Para a acta.
O REDACTOR — Avelino de Almeida.