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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 139
EM 1 DE AGOSTO DE 1923
Presidente o Exmo. Sr. Afonso de Melo Pinto Veloso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Abre a sessão com a presença de 51 Srs. Deputados.
É lida a acta, que adiante se aprova com número regimental.
Dá-se conta do expediente, e são admitidas proposições de lei já publicadas no «Diário do Govêrno».
Antes da ordem do dia. — O Sr. Vasco Borges requere que entre em discussão o projecto de lei referente à pensão da actriz Angela Pinto.
Entra em discussão, manifestando-se-lhe contrário o Sr. Mariano Martins.
O parecer é aprovado, sendo dispensada a última redacção.
O Sr. Velhinho Correia interroga a Mesa sôbre o destino de uma representação da Liga Mercante, respondendo o Sr. Presidente.
O Sr. Mariano Martins requere que se inscrevam para discussão os pareceres n.ºs 235 e 458.
O Sr. Lúcio Martins requere que entre imediatamente em discussão o projecto dos inutilizados da guerra.
Entra em discussão, sendo aprovado, depois de ter usado da palavra o Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Pedro Pita reclama providências com respeito a uma estrada da povoação de Cheires.
Responde o Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Vaz Guedes).
O Sr. Carvalho da Silva pede providências com respeito a actos eleitorais, respondendo o Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva).
O Sr. Alberto Vidal requere prioridade na discussão para os pareceres n.ºs 431 e 530, sendo aprovado o requerimento.
O Sr. Bartolomeu Severino requere que entre em discussão o parecer n.º 548.
O Sr. Júlio Gonçalves interroga a Mesa com respeito ao projecto n.º 518.
É aprovado o requerimento do Sr. Bartolomeu Severino, sendo aprovado o parecer, com dispensa da última redacção, tendo usado da palavra o Sr. Paulo Cancela de Abreu e Júlio Gonçalves.
São aprovados os pareceres n.ºs 551, 430, 486 e 496.
É concedida a urgência para uma proposta de lei mandada para a Mesa pelo Sr. Presidente do Ministério.
Entra em discussão o parecer n.º 453 sôbre garantias dos juizes e delegados das comarcas das ilhas adjacentes, tendo usado da palavra o Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão), que apresenta uma proposta, e o Sr. Pedro Pita, que apresenta uma emenda.
Fazem-se substituições em comissões.
O Sr. Presidente congratula-se com o regresso do Sr. Fausto de Figueiredo aos trabalhos parlamentares, agradecendo êste Sr. Deputado.
Ordem do dia. — Continua a discutisse o projecto de lei referente aos vencimentos do Sr. Presidente da República, usando da palavra os Srs. Fausto de Figueiredo, Carvalho da Silva e Cunha Leal, voltando a falar o primeiro para explicações.
Segue-se o Sr. Morais de Carvalho, que suspende as suas considerações, para o fim do Sr. Presidente expor o seguimento da ordem dos trabalhos, usando da palavra para interrogar a Mesa o Sr. Cunha Leal.
O Sr. Vasco Borges requere e é aprovado que o debate, prossiga sem interrupção.
É aprovado um requerimento, do Sr. Joaquim Ribeiro para que a sessão seja prorrogada até, concluída a discussão do projecto dos vencimentos, e prossiga nas mesmas condições o debate político.
Terminado êste incidente, o Sr. Morais de Carvalho conclui o seu discurso.
Seguem-se os Srs. João Bacelar, Vasco Borges, Paulo Cancela de Abreu e Marques Loureiro, que apresenta uma proposta, que é admitida.
Usa da palavra o Sr. Carvalho da Silva.
A sessão é interrompida às 19 horas e 35 minutos para continuar às 21 horas e 30 minutos.
Reabre a sessão às 22 horas e 10 minutos, continuando o debate acêrca da dotação presidencial.
O Sr. Vasco Borges requere prioridade para a sua proposta em substituição do projecto do Sr. Almeida Ribeiro.
É aprovado o artigo 1.º, bem como o artigo 2.º, que não teve discussão.
Sôbre o artigo 3.º, o Sr. Carvalho da Silva deseja saber se o Sr. Presidente o considera constitucional.
Responde o Sr. Presidente (Afonso de Melo).

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Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Carvalho da Silva continua e conclui o seu discurso, sustentando que o artigo é inconstitucional, esperando que o Sr. Presidente o retire da discussão, respondendo-lhe o Sr. Vasco Borges.
Assume a presidência o Sr. Alberto Vidal.
Usa da palavra o Sr. Paulo Cancela de Abreu, seguindo-se o Sr. Afonso de Melo, depois de que o artigo é aprovado, salva a emenda.
É aprovado o artigo 4.º e último, sendo dispensada a leitura da última redacção a requerimento do Sr. Marques de Azevedo.
Continua o debate sôbre a interpelação do Sr. Cunha Leal acêrca da política geral do Govêrno.
É admitida a moção do Sr. António Dias.
Usa da palavra o Sr. Francisco Cruz.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu interroga a Mesa sôbre se o debate pode prosseguir na ausência do Sr. Presidente do Ministério, declarando-se habilitado a representá-lo o Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães).
O Sr. Lino Neto justifica uma moção de ordem, que é admitida.
Usa da palavra o Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva), que enumera as medidas que deseja que sejam votadas.
Usam da palavra os Srs. Cunha Leal, Carvalho da Silva, Presidente do Ministério, Tôrres Garcia e Ministro das Finanças.
O Sr. Pedro Pita requere que se suspenda a sessão, requerendo também o Sr. Joaquim Ribeiro que as votações fiquem para o dia seguinte, antes da ordem do dia, sendo rejeitados os dois requerimentos.
Prossegue o debate.
O Sr. Pedro Pita insiste pela presença do Sr. Presidente do Ministério, trocando explicações com o Sr. Presidente.
Usa da palavra o Sr. Marques Loureiro.
Esgota-se a inscripção.
Procedendo-se a uma votação nominal sôbre a moção de confiança do Sr. António Dias, verifica-se não haver número.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte, às 14 horas.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão. — Últimas redacções. Proposta de lei.
Abertura da sessão às 15 horas e 30 minutos.
Prementes à chamada 51 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 47 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Albino Pinto da Fonseca.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Paiva Gomes.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

rtur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Francisco da Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José Luís Damas.
João de Sousa Uva.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.

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Sessão de 1 de Agosto de 1923
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur de Morais Carvalho.
Augusto Pires do Vale.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Pedro Ferreira.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel de Brito Camacho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Correia.
António de Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António de Sousa Maia.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Águas.
João Pereira Bastos.
João Salema.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.

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Diário da Câmara dos Deputados
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Às 15 horas e 20 minutos principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 51 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler se a acta.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte:
Expediente
Representação
Da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Portalegre, requerendo que as Câmaras sejam desobrigadas do encargo constante do artigo 122.º, § 4.º, n.º 14.º, da lei de 7 de Agosto de 1913.
Para a comissão de administração pública.
Ofícios
Do Senado, devolvendo com alterações a proposta de lei que cria a junta autónoma do pôrto comercial de Lagos.
Para a comissão de comércio e indústria.
Do Juízo de Direito da 2.ª vara dá comarca de Lisboa, pedindo a comparência do Sr. Carlos Olavo no dia 1 de Agosto, pelas 13 horas.
Arquive-se.
Admissões
São admitidas as seguintes proposições de lei, já publicadas no Diário do Govêrno:
Proposta de lei
Dos Srs. Ministros das Finanças e Agricultura, autorizando o Govêrno a actualizar, sob designadas bases, o Crédito Agrícola.
Para a comissão de agricultura.
Projectos de lei
Do Sr. Lourenço Correia Gomes, dando nova denominação ao quadro de escriturários da superintendência dos serviços fabris do Ministério da Marinha.
Para a comissão de Marinha.
Do Sr. Crispiniano da Fonseca, reformando os serviços da polícia de investigação criminal.
Para a comissão de legislação criminal.
Antes da ordem do dia
Foram aprovadas as actas das sessões anteriores.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: pedi a palavra para lembrar à Câmara que a ilustre actriz Angela Pinto se encontra numa situação bastante precária.
Está pendente nesta Câmara um projecto de lei, concedendo-lhe uma pensão de 100$, melhorada nos termos da legislação actual, e que já tem parecer da comissão de finanças.
Nestas circunstâncias, requeiro a V. Ex.ª para que consulte a Câmara sôbre se permite que o parecer n.º 583 entre imediatamente em discussão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O requerimento apresentado pelo Sr. Vasco Borges, foi aprovado em contraprova, requerida pelo mesmo Sr. Deputado, entrando em discussão o parecer n.º 583, melhorando, nos termos da lei n.º 1:350, a pensão de 100$, que fica referida.
O Sr. Mariano Martins: — Sr. Presidente: pedi a palavra ùnicamente para declarar que discordo do projecto em discussão. Entendo que o Parlamento só se deve substituir às estações oficiais competentes, para proteger aqueles cidadãos que à Pátria tenham prestado relevantes serviços, e que se encontrem em situação difícil.
Ora, no projecto que se discute não há serviços relevantes prestados à Pátria, e a situação da actriz Angela Pinto é absolutamente igual à de tantas outras pessoas que durante a vida não puderam juntar os meios suficientes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovada na generalidade.
Foi aprovado o artigo 1.º

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O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova, e invoco o § 2.º do artigo 116.º
Feita a contraprova, verificou-se estarem de pé 2 Srs. Deputados e sentados 42, pelo que foi considerado aprovado.
Foi aprovado o artigo 2.º
É dispensada a última redacção.
O Sr. Velhinho Correia (para interrogar a Mesa): — Desejava que V. Ex.ª, Sr. Presidente, me informasse se está sôbre a Mesa uma representação, que os jornais de Lisboa dizem ter sido ontem entregue a V. Ex.ª, da Liga dos Oficiais da Marinha Mercante Nacional e de outras associações interessadas na indústria dos Transportes Marítimos.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Informo V. Ex.ª que essa representação não foi aceita, pelo facto de não estar devidamente selada, e por conter expressões impróprias para esta Câmara.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Velhinho Correia: — V. Ex.ª dá-me licença?
Eu tive informação de que essa representação foi entregue na outra casa do Parlamento. Agora mesmo acabo de ter a confirmação e de verificar que ela contém expressões ofensivas para aqueles parlamentares que assinaram o parecer relativo aos Transportes Marítimos.
Solicito, pois, de V. Ex.ª que peça ao Sr. Presidente do Senado que envie essa representação ao Poder Judicial.
O Sr. Presidente: — Não temos que discutir os actos da Mesa do Senado.
Por isso não tenho que consultar a Câmara.
O Orador: — Chamo a atenção do Sr. Presidente para as expressões referentes aos membros desta Câmara.
O Sr. Presidente: — Não preciso consultar a Câmara.
O Orador: — Torno a pedir a V. Ex.ª que envie essa representação ao Poder Judicial.
O orador não reviu, nem o Sr. Presidente fez a revisão das suas declarações.
O Sr. Mariano Martins: — Pedi a palavra para consultar a Câmara sôbre se consente que sejam inscritos antes da ordem do dia, sem prejuízo dos oradores inscritos, os pareceres n.ºs 235 e 458.
Foi aprovado o requerimento do Sr. Mariano Martins.
O Sr. Lúcio Martins: — Peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara, sôbre se permite que entre imediatamente em discussão o parecer que regula a situação dos mutilados da guerra.
Foi aprovado o requerimento do Sr. Lúcio Martins, entrando em discussão o parecer n.º 571 da comissão de guerra, sôbre o parecer nº 546-A, que melhora a situação dos mutilados da guerra com 20 por cento ou mais de invalidez e a dos militares promovidos ao abrigo da lei n.º 1:158 de 7 de Julho de 1921.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se, para entrar em discussão, o seguinte
Parecer
Senhores Deputados. — A vossa comissão de guerra tendo examinado o projecto de lei n.º 546-A, com o parecer já da comissão de Finanças, entende que êle deve merecer a vossa aprovação com a seguinte redacção:
Artigo 1.º Aos mutilados e estropiados da guerra, com 20 por cento ou mais de invalidez, serão aplicados os artigos 2.º, 6.º e § único, 7.º, 9.º, 11.º e § único da lei n.º 1:158, de 30 de Abril de 1921, e mais legislação em vigor.
Art. 2.º Aos militares promovidos ao abrigo do artigo 2.º da citada lei n.º 1:158, será contada a antiguidade do pôsto desde a data em que foram à junta de que trata a lei n.º 1:170, de 21 de Maio de 1921, na alínea a) do artigo 6.º
Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das sessões da comissão de guerra da Câmara dos Deputados, 22 de Julho de 1923. — João Pereira Bastos — A. Garcia Loureiro — José Cortês dos Santos — Tomás de Sousa Rosa — Lelo Portela, relator.
O Sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade.

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Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Carvalho da Silva: — Desejava que algum dos membros da comissão de guerra me informasse se os militares tuberculosos, como consequência da guerra, são incluídos nesse projecto de lei.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — O artigo 1.º refere-se a mutilados e estropiados da guerra.
Em seguida foi o parecer aprovado na generalidade e especialidade.
O Sr. Pedro Pita: — Chamo a atenção do Sr. Ministro do Comércio para a necessidade de se fazer a aplicação do subsídio respectivo à estrada de serviço que liga Sanfins do Douro a Cheires.
Estou certo de que o Sr. Ministro tomará na devida consideração o meu pedido.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Queiroz Vaz Guedes): — Pedi a palavra para participar ao Sr. Pedro Pita, que tomarei na devida consideração o seu pedido.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Peço ao Sr. Presidente do Ministério para tomar nota das seguintes reclamações:
Na freguesia de Nogueira do Cravo, concelho de Oliveira do Hospital, na eleição da junta de freguesia, os partidários do Partido Democrático não permitiram que se fizesse a eleição, pois levaram a urna pelos ares, e assim continua abusivamente a junta antiga sem que a eleição se tenha feito até hoje.
Em Ponta Delgada a eleição municipal não se fez em alguns concelhos, pelo facto de as autoridades dizerem que não tinham sido apresentadas as candidaturas, e portanto muitas câmaras são constituídas pelos antigos vereadores.
Peço ao Sr. Presidente do Ministério as mais enérgicas e urgentes providências.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e interino da Guerra (António Maria da Silva): — Tomei boa nota das considerações do ilustre Deputado e providenciarei ràpidamente.
O orador não reviu.
O Sr. Alberto Vidal: — Requeiro para entrarem em discussão, antes da ordem do dia, os pareceres n.ºs 431 e 530.
Requeiro mais a prioridade para êstes pareceres entrarem em discussão.
Foi aprovado.
O Sr. Bartolomeu Severino: — Requeiro que entre em discussão, com prejuízo dos oradores inscritos, o parecer n.º 548.
O orador não reviu.
O Sr. Júlio Gonçalves: — Há um ano que está na comissão o projecto n.º 518 sem conseguir parecer, o que lamento bastante, e não quero eu entravar a aprovação do parecer n.º 548, pois pediria a aplicação do artigo 57.º do Regimento.
O orador não reviu.
Foi aprovado o requerimento do Sr. Bartolomeu Severino.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Requeiro a dispensa da leitura.
Foi aprovado, entrando em discussão o parecer sôbre o projecto, que aplica às federações, comissões, associações e clubes desportivos as isenções consignadas no artigo 1.º da lei n.º 1:290.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Não estou inteiramente de acôrdo com o projecto, visto que vai estabelecer desigualdades.
Criou-se nesta Câmara um grupo desportivo, mas não tem dado provas da sua vitalidade, e eu desejava ouvir êsse grupo para saber como hei-de votar, pois não sei se os clubes morrem por falta de recursos se êste projecto não fôr aprovado, e portanto deixa de haver o preciso desenvolvimento desportivo.
O orador não reviu.
O Sr. Júlio Gonçalves: — O ilustre Deputado Sr. Cancela,de Abreu referiu-se a um grupo desportivo que se formou nesta Câmara, e S. Ex.ª deseja ouvir êsse grupo. Não são as palavras irónicas com que S. Ex.ª costuma falar que me inibem de dizer alguma cousa.
Se não fôr aprovado êste projecto, morrem muitos clubes por não poderem pagar as contribuições e ainda por não poderem pagar as contribuições de im-

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portação de alguns artigos, como para associações náuticas, contribuições que são pesadíssimas.
Além disso, o projecto tem outra utilidade, e é de nos habilitar a entrar nos jogos olímpicos.
Se outras razões não houvesse para justificar esta doutrina, bastaria dizer que todos os países do mundo civilizado concorrem com somas fabulosas para o bom êxito das suas representações nos jogos olímpicos, convencidos de que essa representação, melhor do que qualquer outra, afirma a sua vitalidade física, que é, ao mesmo tempo, uma insofismável afirmação de disciplina.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É aprovado na especialidade sem discussão bem como o requerimento do Sr. Júlio Gonçalves pedindo a dispensa da leitura da última redacção.
É aprovado sem discussão o parecer n.º 431, que reforça a dotação do artigo 71.º do orçamento do Ministério da Instrução para pagamento de gratificações aos vogais dos júris.
Entra em discussão o parecer n.º 530 sôbre as alterações do Senado à proposta de lei que abre um crédito a favor do Ministério da Instrução.
É aprovada a emenda do Senado.
Entram em discussão os pareceres n.ºs 486 e 496 sôbre as alterações do Senado à proposta de lei que reforça verbas do Ministério das Finanças para 1922-1923, sendo aprovada a redacção do Senado.
O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e interino da Guerra (António Maria da Silva): — Mando para a Mesa uma proposta de lei para que requeiro a urgência.
É aprovada a urgência.
Entra em discussão o parecer n.º 453 depois de ter sido dispensada a sua leitura a requerimento do Sr. Mariano Martins.
O respectivo projecto de lei concede determinadas garantias aos juizes de direito e delegados das comarcas das ilhas adjacentes.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Mando para a Mesa uma proposta de aditamento ao artigo 1.º
Proposta
Acrescentar ao artigo 1.º o seguinte:
§ 5.º Não beneficiam da disposição dêste artigo os magistrados que forem naturais das ilhas adjacentes em que moram. — O Ministro da Justiça, Abranches Ferrão.
O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: eu assinei vencido, em parte, o parecer da comissão de legislarão civil e criminal, que está em discussão, e digo, em parte, porque nesse parecer há duas partes inteiramente diversas: uma com a qual concordo, outra de que discordo inteiramente.
Eu compreendo que, atenta a carestia da vida, aos magistrados deslocados para as ilhas se concedam determinadas garantias; o que não compreendo é que essas garantias vão até ao ponto de prejudicar outros magistrados que já lá estão prestando serviço.
Não posso, evindentemente, aceitar como bom o facto de se mandarem magistrados para os comarcas das ilhas sem lhes pagar as passagens, a êles e às suas famílias.
É absolutamente justo que essas passagens sejam integralmente pagas, como é, também, justo que, dadas as despesas provenientes dessa deslocação, os seus vencimentos sejam um pouco superiores aos dos restantes magistrados.
Há uma parte, porém, em que não posso estar de acôrdo: e na parte que diz respeito ao aumento do tempo de serviço, e não posso estar de acôrdo porque reputo absolutamente injusta a concessão dessa regalia aos magistrados que tenham de ir para as ilhas quando igual concessão se não faz aos magistrados que já lá estão.
De resto, não me parece que uma tal disposição seja necessária para levar às ilhas os magistrados nomeados.
Não posso compreender que seja preciso estabelecer assim uma injustiça para os magistrados dessas comarcas, injustiça que resulta para os que já lá estiveram, e injustiça tanto maior quanto é certo que vão para as ilhas principalmente os que, não tendo protecção, se vêem obrigados a ir para lá, emquanto outros com protecção podem arranjar a melhor a sua vida, sendo colocados em comarcas boas.
Nestas condições, tendo mandado servir êsses indivíduos, o colocar acima dêles pes-

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soas em inferioridade de circunstâncias, pelo que respeita ao serviço das ilhas, representa uma injustiça muito grande.
Apoiados.
Apoiando inteiramente a doutrina do artigo 1.º do projecto, sou absolutamente contrário a tudo quanto respeite ao aumento do tempo de serviço, e nesse sentido vou mandar, para a Mesa uma emenda ao artigo 1.º, mantendo a sua doutrina, exceptuando, apenas o aumento do tempo de serviço.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi admitida a seguinte proposta do Sr. Pedro Pita, ficando em discussão.
Proposta
Proponho a eliminação do artigo 1.º — Pedro Pita.
Admitida.
É aprovada a acta.
O Grupo Parlamentar Democrático indica o Sr. Sebastião Herédia para na comissão de administração pública substituir o Sr. Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa, durante o seu impedimento. — Almeida Ribeiro.
O Sr. Presidente: — Segundo a indicação da Câmara, fui avistar-me com o Sr. Fausto de Figueiredo, a quem pedi para desistir da sua resolução de abandonar os trabalhos parlamentares.
S. Ex.ª acedeu; e eu agradeço a S. Ex.ª a sua presença nesta Câmara, que era indispensável.
Apoiados.
Continua em discussão o projecto de lei de subsídio ao Sr. Presidente da República.
S. Ex.ª não reviu.
ORDEM DO DIA
Srs. Deputados. — O subsídio a que pelo artigo 45.º da Constituïção tem direito o Presidente da República foi, pela lei 350 de 20 de Agosto de 1915, fixado em 18 contos anuais, acrescidos de 6 contos, também anuais, para despesas de representação. Mais tarde, os artigos 3.º e 29.º da lei n.º 1:350 de 15 de Setembro de 1922 determinaram que 25 por cento destes abonos fossem multiplicados por um coeficiente, variável segundo a carestia da vida; êsse coeficiente é, por agora e segundo a determinação genérica do artigo 2.º, § 3.º, da lei n.º 1:452, de 20 de Julho corrente, 10.
Aproxima-se, porém, uma nova eleição presidencial, e parece por isso oportuno o momento para definir-se, de modo claro e com estricta observância das normas constitucionais, a importância dos abonos a que o Presidente a eleger terá direito logo que assuma o mandato da nação.
Por isso tenho a honra dê submeter ao vosso estudo o seguinte
Projecto de lei
Artigo 1.º É fixado em 18 contos, ouro, o subsídiu anual do Presidente da República.
Art. 2.º Para despesas de representação será abonada ao mesmo Presidente a verba, anual de 6 contos, ouro.
Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrário. — Almeida Ribeiro.
O Sr. Mariano Martins: — Sr. Presidente: retiro a proposta que mandei para a Mesa.
Foi retirada a seguinte
Proposta
Proponho que as palavras «18 contos ouro» sejam substituí das por 360 contos. — Mariano Martins.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a proposta do Sr. Vasco Borges.
É admitida e entra em discussão.
Proposta de substituição do artigo 1.º
Artigo 1.º — O subsídio anual do Presidente da República será a partir de 5 de Outubro de 1923 o resultante da multiplicação por 10 do subsídio de 1915. — Vasco Borges — F. Cunha Rêgo Chaves.
O Sr. Presidente: — Continua em discussão o artigo 1.º do projecto do Sr. Almeida Ribeiro.
Tem a palavra o Ss. Fausto de Figueiredo.
O Sr. Fausto de Figueiredo: — Sr. Presidente: antes de mais nada, aproveito o ensejo para agradecer à Câmara e a V.

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Ex.ª, Sr. Presidente, a atenção que tiveram para comigo.
A todos dirijo os meus agradecimentos.
Pôsto isto, entrarei na apreciação do artigo 1.º do projecto referente ao subsídio do Sr. Presidente da República.
Tenho pelo autor do projecto que se discute um profundo respeito e uma altíssima consideração.
De facto, o Sr. Almeida Ribeiro é, adentro desta casa, adentro, da República, a e adentro do País. uma figura que se impõe à consideração de todos aqueles que conhecem os seus actos.
Apoiados.
O Sr. Almeida Ribeiro é uma pessoa de princípios. O Sr. Almeida Ribeiro é verdadeiro legislador na mais alta acepção da palavra. Quer politicamente, quer como magistrado, tem marcado uma linha de conduta absolutamente consentânea com os mais honestos processos dum perfeito homem de bem.
Apoiados.
Mas errou desta vez; como de resto erra toda a gente de vez em quando.
Apoiados.
Eu que, repito, tenho pelo autor dêste projecto a opinião que disse, lamento que êste assunto partisse da alta figura da República, que é o Sr. Almeida Ribeiro não encontrando a melhor oportunidade, ou, por outra, a pior oportunidade do que esta para trazer à Câmara um assunto de tal natureza.
Apoiados.
Não pertenço a partido algum; pertenço apenas ao meu País; sou apenas um Deputado da Nação.
O que é certo, porém, é que eu, discordando em princípio, formalmente, e com razão desta proposta, no emtanto sou dos que entendem que os funcionários, sejam de que categoria forem os cargos que exerçam na sociedade portuguesa, para bem desempenharem o seu cargo, e para prestígio próprio, necessitam de ser bem pagos.
Mas exactamente porque assim penso, porque entendo que, seja qual fôr o cargo do funcionário, é preciso que sejam bem remunerados, e rodeados do máximo prestígio, para bem desempenharem o seu lugar, agora, que se trata do mais alto magistrado da Nação, o Presidente da República, desejo que para prestígio da República êle venha com uma maior soma de prestígio do que cabe adentro da proposta do Almeida Ribeiro.
Apoiados.
É preciso que toda a gente se convença duma verdade: que é preciso, para decoro do Parlamento e das instituições republicanas, e vantagens para o País, que esta questão se não discuta com detalhes e minúcias que, porventura, poderão, já não digo prejudicar o novo Chefe de Estado, pela sua aspirarão legítima ou ilegítima, para assumir a êsse lugar, mas prejudicar, e muito, aquilo que deve pairar, acima de qualquer aspiração, seja de quem fôr e venha de onde vier: a própria República.
Apoiados.
Ora o Sr. Almeida Ribeiro, a quem me não canso de prestar a minha homenagem, que tem altas qualidades de perfeito homem de bem, entendeu que, obedecendo aos princípios da Constituïção, obedecendo àquilo que é necessário em matéria do prestigiar o remunerar convenientemente o Presidente da República, era êste o momento, a quatro dias da eleição presidencial, de alterar os vencimentos do alto magistrado da República, e até que sejam subvencionadas em ouro as despesas de representação, como se toda a gente não soubesse que ao Chefe de Estado, saindo para o estrangeiro, é o Estado que paga essas despesas.
Apoiados.
S. Ex.ª é uma pessoa de princípios, sem lisonja e de convicção o digo.
O Sr. Almeida Ribeiro é daquelas pessoas para quem, neste País de empenhoca, não há empenhos, porque S. Ex.ª é uma pessoa arraigada aos seus princípios; mas S. Ex.ª desconhece, pelo menos, todos êsses boatos que em volta da eleição do Presidente da República têm surgido, e não há da minha parte, ao de leve sequer, a idea de qualquer chantage sôbre essa eleição, mas o desejo sincero de dizer a verdade, embora não diga tudo quanto sei.
É bom que se saiba, por isso, que, sem discutir a parte inerente à representação, honra e decoro da individualidade que amanhã fôr eleita, eu entendo que êste projecto de lei não devia ser apresentado nesta oportunidade, porque isso pode dar lugar a que se diga que o foi para sa-

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tisfazer ambições. Ora não é assim que se serve a República, deixando insinuar que se vem para ela para usufruir os maiores proventos, que não se compadecem com a situação. País e com as palavras apregoadas por muita gente, de que à República tem muito amor.
Apoiados.
As minhas considerações são de ordem geral,, por que em princípio estou de acôrdo com o projecto, mas andam bem a maioria e o Sr. Almeida Ribeiro em não darem a todos nós, ao País e à República, com a apresentação dêste projecto de lei, nesta altura, a aparência dum sobrescrito endereçado ao seu mais alto funcionário.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: eram três os projectos de lei enviados para a Mesa pelos Srs. Deputados para estabelecerem os vencimentos do Sr. Presidente da República a eleger. Mas o Sr. Mariano Martins já retirou o seu, e, portanto são dois os que estão em discussão: o do Sr. Almeida Ribeiro e o do Sr. Vasco Borges. Já foi aprovado o projecto de lei do Sr. Almeida Ribeiro na generalidade, e por consequência está em discussão o seu artigo 1.º, bem como o artigo 1.º do projecto do Sr. Vasco Borges, na especialidade. No emtanto, não podemos deixar de nos referir aos artigos segundos dêsses projectos, porquanto êles são os complementos dos artigos primeiros, para sabermos os quantitativos dos vencimentos com que se quere que o Sr. Presidente da República fique.
Pelo projecto do Sr. Almeida Ribeiro, e com a libra a 118$, o Sr. Presidente ficará com um vencimento de 629 contos por ano. Mas todos nós sabemos que o câmbio tende infelizmente agravar-se dia a dia, e por isso basta que êle chegue a divisa do 1 e meio para que o vencimento anual do Sr. Presidente da República se transforme pelo projecto do Sr. Almeida Ribeiro na quantia de 853 contos. E se o câmbio chegar à divisa de 1 e um quarto, o que se pode dar, o Sr. Presidente da República ficará vencendo por ano 1:023 contos. Isto quere dizer que o Sr. Presidente da República a eleger, passados os 4 anos da sua magistratura, receberá ao câmbio actual, 2:51G contos, ao câmbio de 1 e meio 3:412 contos, e ao câmbio de 1 e um quarto 4:092 contos!
Sr. Presidente: não está o País em circunstâncias de o seu Parlamento poder votar despesas desta ordem sem pensar bem no que vai fazer!
Mas pelo projecto do Sr. Vasco Borges, o Sr. Presidente da República ficará ao câmbio actual a vencer 337 contos por ano, ao câmbio de 1 e meio 393 contos, e ao câmbio de 1 e um quarto 410, ou seja para cada uma das hipóteses, nos 4 anos, 1:348, 1:572 e 1:660 contos. E tudo isto é porque, além da verba marcada no artigo 1.º como vencimentos do Sr. Presidente da República, se estabelece no artigo 2.º a verba para despesas de representação em ouro, que ao câmbio actual representam 179 contos.
Sr. Presidennte: sou dos que entendem que de facto as diferentes categorias ocupadas por qualquer funcionário, e seguramente necessárias, tornam preciso um certo número de despesas que são escusadas nas inferiores; e é assim que entendo que um director geral deve vencer mais que um chefe de repartição, êste mais do que um 1.º oficial, e assim sucessivamente, mas precisamente porque assim é, é que os vencimentos das diferentes categorias já estão diferenciados! Porque é, então, que se quere que o mais alto funcionário do regime, que tem um vencimento que indubitavelmente já compreende as despesas de representação, vença mais uma verba em ouro para essas despesas de representação?
Sr. Presidente: pelo projecto de lei mais modesto dos dois que estão em discussão, que é o do Sr. Vasco Borges, o Sr. Presidente da República, pelo artigo 1.º, fica com um vencimento anual de 158 contos, e eu pregunto à consciência da Câmara e do País se um funcionário, por mais alto que êle seja, ganhando 158 contos por ano, não tem já indubitavelmente incluída nesta verba ás despesas de representação que lhe impõe o seu cargo! Eu pregunto se há alguém que sustente que é para as despesas necessárias da vida que S. Ex.ª precisa de ganhar aquela importância!

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Mas quero o Sr. Vasco Borges dar ainda ao novo Presidente da República mais 179 contos por ano ao câmbio actual para despesas de representação.
Mas, então, o Sr. Presidente da República não tem automóvel do Estado à sua disposição? Não tem S. Ex.ª carruagem, cocheiros, chauffeurs, cavalos e trintanários? Se tem tudo isso, porque é necessário tanto dinheiro para despesas de representação?
Onde é que estão os sentimentos democráticos de que tanto alarde se faz? Onde é que estão os mais altos interêsses do Estado?
Talvez o critério estabelecido esteja de acôrdo com o vencimento de certo funcionário da República, mas nunca em harmonia com os vencimentos que todos os funcionários devem ter, porque muitos há que não ganham para comer.
O exemplo de economia deve vir de cima, porque quando se discutiu o aumento dos funcionários o critério estabelecido foi o de maior auxílio àqueles que menos vencessem.
Nunca no tempo da Manarquia houve vencimentos que se aprecessem com estes; nunca houve uma desigualdade como esta!
Cada vez me sinto mais orgulhoso em fazer parte da minoria monárquica!
Hoje o Sr. Presidente da República ganha mais do que qualquer chefe de Estado de uma monarquia. Antigamente o rei pagava da sua lista civil o seu sustento, a manutenção da sua casa civil e militar e as suas equipagens, e hoje o Presidente da República não paga a sua representação.
Antigamente a casa real pagava pensões aos seus serventuários o inválidos e a famílias necessitadas.
Êste lado da Câmara não concorda com nenhuma das propostas apresentadas, porque quem fica com 560$ por dia tem o suficiente para representação.
Não aprovamos pelas consequências graves que isso pode trazer, porque amanhã os funcionários públicos podem apresentar as suas reclamações, fazendo a comparação dos seus vencimentos com os do Chefe do Estado.
Essas propostas poderão ser aprovadas, mas não sem o nosso protesto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Parece que há o propósito irreflectido de colocar mal certas individualidades que deviam estar acima de todas as discussões!
Não compreendo que quatro dias antes da eleição presidencial se reconhecesse a necessidade de aumentar os vencimentos do futuro Chefe do Estado, e não se tivesse sentido essa necessidade quando se discutiu a melhoria para o funcionalismo.
Eu faço à Câmara a justiça de acreditar que não foi pelo facto de ser Presidente da República o Sr. Dr. António José de Almeida que nós fizemos esta excepção; mas é realmente muito estranho que só a quatro dias da eleição do novo Chefe do Estado nos lembremos de que é preciso aumentar os vencimentos ao Presidente da República que fôr eleito. E não nos contentando em conceder-lhe a melhoria estabelecida para todos os funcionários públicos e para os Ministros — que recebiam pelo coeficiente 20 — fomos mais além, e o proponente resolveu decretar a falência da moeda nacional, convertendo-a em ouro.
Pois nem sequer neste momento nos lembrámos de que os vencimentos do actual Sr. Presidente da República ainda não foram melhorados.
A situação, portanto, resulta cómica, e eu, sem querer aludir a boatos que estão abaixo das pessoas que se pretendem visar, não posso, todavia, eximir-me a constatar que se realmente houvesse o propósito de alimentar boatos, fazendo crer lá fora que as nossas disposições legais se prendem muito com as pessoas às quais é destinada a sua aplicação, não só poderia ter escolhido processo mais propício a êsse boato do que êste.
A minha opinião é a de que tanto o actual Sr. Presidente da República como o seu sucessor têm de estar acima dos nossos esquecimentos e das nossas gaffes.
É necessário estudar a forma de remediar esta tremenda gaffe.
Pertence aos que se deram ao trabalho do a remediar e o remédio não pode ser senão um: reparar o esquecimento que tivemos relativamente ao actual Chefe do Estado, e actualizar os seus vencimentos segundo a proporção adoptada para todo o funcionalismo público.

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Reduza a maioria o montante que quere atribuir aos vencimentos do Sr. Presidente da República, e lembre-se de que os homens que ocupam êsse lugar pouco importam no caso presente. Se é o prestígio da autoridade que é preciso ressalvar, aplique-se a mesma melhoria ao actual Chefe do Estado, e não façamos distinções, que são inadmissíveis.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: tenho seguido atentamente a discussão dêste projecto de lei e, em face das opiniões emitidas, se a Câmara mo permitisse, eu substituiria a minha proposta por uma outra que, segundo creio, melhor conseguiria obter os sufrágios desta casa do Parlamento.
São precisamente as indicações que a discussão me forneceu que me dão a persuarão de que, com efeito, esta nova proposta de substituição melhor poderá satisfazer os desejos que, sôbre esta matéria, a Câmara tem manifestado.
O Sr. Cunha Leal: — Mas se nós reconhecemos que é absolutamente indispensável conceder essa melhoria de vencimento ao futuro Presidente da República, como podemos deixar de constatar a mesma necessidade pelo que respeita ao actual Chefe do Estado?
O Orador: — Eu não pude, dêste lugar, ouvir bom o àparte do Sr. Cunha Leal; mas, segundo o que dele consegui aperceber, ermo que S. Ex.ª não tem razão.
Trata-se, como eu já disse, do cumprimento de um preceito constitucional que só diz respeito ao futuro Presidente da República.
Êste mesmo preceito constitucional não nos permite que adentro dele, resolvamos a situação do actual Chefe do Estado, o que não quere dizer, porém, que isso não possa fazer-se por meio de um outro projecto, independente dêste que estamos discutindo.
Se a Câmara entende que deve alterar o vencimento do actual Sr. Presidente da República pode fazê-lo, mas só o deve fazer em outro projecto e não neste.
Dito isto requeiro que seja consultada a Câmara sôbre se permite que eu substitua a proposta que ontem mandei para a Mesa pela que em seguida vou enviar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vou consultar a Câmara sôbre, se permite que o Sr. Vasco Borges substitua a proposta que ontem apresentou por uma outra que acaba de ser enviada para a Mesa e vai ser lida.
Foi lida e autorizada a substituirão.
Proposta de substituição
Artigo 1.º É fixado em 18 contos o subsídio anual do Presidente, da República.
Art. 2.º Para despesas de representação será abonada ao mesmo Presidente a verba anual de 6 contos.
Art. 3.º As quantias designadas nos artigos anteriores será aplicado o disposto no artigo 2.º da lei n.º 1:452, de 20 de Julho de 1923.
Art. 4.º Fica revogada a legislação em contrário. — Vasco Borges.
O Sr. Fausto de Figueiredo (para explicações): — Sr. Presidente: estando em discussão a proposta que ontem foi apresentada pelo Sr. Almeida Ribeiro, parecia-me que esta discussão devia ser suspensa até que S. Ex.ª esteja presente e diga da sua justiça.
Não trago para aqui o que dizem os jornais, mas é certo que alguns insinuam que a própria maioria não está de acôrdo com o projecto de S. Ex.ª
Êsse projecto foi aprovado na generalidade, e estando a discutir-se na especialidade, e havendo propostas de substituição, parece-me que seria uma incorrecção para com o Sr. Almeida Ribeiro fazer-se esta discussão, sem S. Ex.ª se encontrar presente.
Àpartes.
O Sr. Vasco Borges (interrompendo): — Eu sou incapaz de qualquer incorrecção para com o Sr. Almeida Ribeiro, e além disso posso responder pela substituição que apresentei, que não representa uma desconsideração para com S. Ex.ª
Àpartes.

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O Orador: — A Câmara ouviu as explicações do Sr. Vasco Borges, e procederá como entender.
Tenho dito.
Àpartes.
O orador não reviu, nem o Sr. Vasco Borges fez a revisão do seu àparte.
O Sr. Morais de Carvalho: — Sr. Presidente: tanta razão assistia aos meus colegas da minoria monárquica, que ontem combateram a proposta da autoria do Sr. Almeida Ribeiro relativa ao aumento de vencimentos do Sr. Presidente da República, proposta que sobressaltou a opinião do País; tanta razão tinha, que a prova se encontra nas contínuas propostas de substituição que ontem o hoje têm sido apresentadas.
Não faz sentido que dias depois de a Câmara ter fixado as subvenções ao funcionalismo de que faz parte o Chefe do Estado, e ter marcado para o aumento dos vencimentos, pelo aumento do custo do vida, o multiplicador dez, não faz sentido, digo, que por uma disposição especial se vá marcar para o Sr. Presidente da República um multiplicador de mais de vinte e seis vezes.
O Sr. Almeida Ribeiro, pretendendo justificar a sua proposta, disse que ela não tinha outro fim senão o de actualizar os vencimentos.
Eu quis preguntar a S. Ex.ª, mas não me ouviu, se o aumento do custo de vida tinha correspondido à depreciação da moeda. No aumento dos vencimentos ao funcionalismo não se acompanhou o aumento do custo de vida nem a desvalorização da moeda.
O que se pretende fazer é criar uma situação de excepção para o Sr. Presidente da República, facto que não se justifica no momento presente.
Disse o Sr. Almeida Ribeiro, ao justificar a sua proposta, e não estranhe a Câmara que insista neste ponto, e faço-o porque a substituição apresentada não invalida a de S. Ex.ª; disso S. Ex.ª..
O Sr. Presidente: — Tenho a prevenir o Sr. Deputado que é a hora de se entrar na segunda parte da ordem do dia.
O Orador: — Sr. Presidente: disse V. Ex.ª que às 17 horas e 45 minutos se passava à segunda parte da ordem do dia.
O Sr. Presidente: — Acabo de ser informado que ontem se votou urgência e dispensa do Regimento para o projecto que está em discussão; sendo assim, estão prejudicadas as outras partes da ordem do dia.
O Sr. Cunha Leal (para invocar o Regimento): — Sr. Presidente: eu desejo que V. Ex.ª estabeleça doutrina a êste respeito.
Quando se vota urgência e dispensa do Regimento para qualquer projecto, tem-se entendido sempre que se vota a dispensa dum certo número de formalidades, isto é, que o projecto possa entrar em discussão sem ser necessário ir às comissões. Não se resolveu, portanto, ontem, que a discussão dêste projecto prejudicasse a ordem do dia e tanto assim que a Mesa ao organizar a ordem do dia para hoje colocou êsse projecto na primeira parto e em primeiro lugar.
Peço ainda a V. Ex.ª que me diga se não consta da acta a deliberação ontem tomada de que as duas últimas partes da ordem do dia seriam exclusivamente destinadas ao debate político.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Da acta consta que foi votada a urgência e dispensa do Regimento para o projecto do Sr. Almeida Ribeiro, entrando imediatamente em discussão.
Tanto se entendeu que essa discussão prejudicava a ordem do dia, que durante toda a sessão se discutiu êsse assunto.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Tanto só não entendeu assim, que V. Ex.ª mandou para a segunda e para a terceira parte da ordem do dia diversos projectos, estando êste inscrito em primeiro lugar na primeira parte da ordem do dia.
Quando se vota urgência o dispensa do Regimento, dada a hora de se passar à ordem do dia e para que a discussão dêsse projecto continue é necessário consultar a Câmara sôbre se autoriza essa preterição.
O orador não reviu.

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O Sr. Presidente: — Nos termos da acta de ontem, não posso dar razão a V. Ex.ª, Sr. Cunha Leal.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se permite que continue a discussão do projecto do Sr. Almeida Ribeiro com prejuízo da segunda parte da ordem do dia.
Pôsto à votação o requerimento do Sr. Vasco Borges, foi aprovado.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Requeiro a contraprova.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — E invoco o § 2.º do artigo 116.º
Fez-se a contraprova.
O Sr. Presidente: — Estão sentados 38 Srs. Deputados e 28 de pé; está, portanto, aprovado o requerimento do Sr. Vasco Borges.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Requeiro que depois de votado o projecto em discussão, e entre em discussão o debate político, a sessão seja prorrogada até se liquidar essa questão.
Pôsto à votação o requerimento do Sr. Joaquim Ribeiro, foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Em virtude da deliberação da Câmara, continua no uso da palavra o Sr. Morais Carvalho sôbre o projecto do Sr. Almeida Ribeiro.
O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: vou continuar as minhas considerações interrompidas pelo ilustre Deputado Sr. Cunha Leal.
Resolveu a Câmara que, com preterição do debate político e ainda com preterição da discussão da proposta relativa ao regime cerealífero, se prosseguisse na discussão do projecto do Sr. Almeida Ribeiro e das propostas de substituição do Sr. Vasco Borges, projecto e propostas referentes aos vencimentos do Sr. Presidente da República.
Estava eu há pouco dizendo que o Sr. Almeida Ribeiro procurou justificar a sua estranha proposta, dizendo que o Sr. Presidente da República era um funcionário sui generis, e que nós não podíamos apreciar os seus vencimentos de representação pelo mesmo critério com que apreciamos os vencimentos dos outros funcionários do Estado.
Não tem razão S. Ex.ª, porque as despesas de representação já foram fixadas em 1911 e mais tarde em 1915.
Determinando as leis da contabilidade que nenhum funcionário poderia receber mais do que 4 contos, ao Sr. Presidente da República era atribuída uma quantia muito mais elevada.
Também um outro critério se usou para esta proposta, porquanto para o funcionalismo o princípio estabelecido foi que a subvenção diferencial devia ser tanto mais elevada quanto menor fôsse o vencimento. Até se chamou a isto um critério bolchevista.
Já duas propostas foram apresentadas, além da inicial; uma do Sr. Mariano Martins o outra do Sr. Vasco Borges.
Ora eu desejaria muito que o Sr. Vasco Borges explicasse à Câmara o que vem a ser contos-ouro.
Eu sei que essa denominação se emprega vulgarmente, mas é uma denominação que não tem sanção oficial nem legal, porque à face das leis portuguesas não há escudos-ouro nem escudos-latão; o escudo é o escudo-moeda corrente no País, sem qualquer outra denominação.
É para estranhar que o ilustre proponente, Sr. Almeida Ribeiro, que é tam cauteloso, empregasse palavras que não têm uma significação.
Como quere, por consequência, S. Ex.ª sujeitar os vencimentos do Chefe do Estado a um critério variável, que o próprio artigo 45.º da Constituïção expressamente repele?
Não pode ser.
Tam importante me parece êste assunto que, sem receio de a tal respeito cansar a Câmara, mais uma vez me permito para êle chamar a sua atenção, pois que o artigo 45.º da Constituïção é expresso.
O Sr. Vasco Borges adopta um critério que equivale a dizer à Câmara que ela vai estabelecer para os vencimentos do Presidente da República um subsídio variável conforme as alterações do câmbio ou do preço do custo da vida. De

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modo que, Sr. Presidente, bastava esta circunstância, só de per si, independentemente de quaisquer outras, para que não pudéssemos por forma alguma dar o nosso voto à proposta de V. Ex.ª, tendo toda a Câmara o dever de a rejeitar, porque envolve um atentado fundamental à Constituïção do Estado.
Êste artigo 45.º da Constituïção fala, única o exclusivamente, do subsídio do Chefe do Estado, dizendo que o Presidente da República perceberá um subsídio.
Vem o Sr. Vasco Borges e, onde a Constituïção diz um subsídio, S. Ex.ª diz um subsídio o uma verba para despesas de representação. Por consequência, ainda por êste segundo ponto a proposta de S. Ex.ª peça por inconstitucional, pois que a Constituïção não estabeleço duas verbas pelas quais o Presidente da República haja de receber, mas uma só, ou então S. Ex.ª arranja outra nomenclatura de modo a dar a cada uma dessas duas verbas denominação diferente e à sua soma a de subsídio.
De resto, o que se entende por despesas de representação?
Eu estimaria muito que o Sr. Almeida Ribeiro, que sinto não esteja presente, ou o Sr. Vasco Borges, que tenho o prazer de ver bem perto de mim, me fizessem o favor de me explicar o que são as despesas de representação, pois que, de vez em quando, folheando o Diário do Govêrno, o folheando até o Orçamento Geral do Estado, encontramos indicação de verbas destinadas a custeio de carruagens, de automóveis, de cavalos e até de telegramas expedidos pelo Presidente da República, e, tirando tudo isso, quais são pròpriamente aquelas despesas do representação que o Chefe do Estado tem a obrigação de fazer por conta da verba de 6 contos multiplicado por um número alto que lhe é atribuído? Sinceramente espero que o ilustre Deputado, Sr. Vasco Borges, que é autor de uma das propostas em que se faz referência expressa a essas despesas do representação, não deixará de elucidar a Câmara ou, pelo menos, de me elucidar a mim.
Um àparte do Sr. Vasco Borges.
O Orador: — Espero então que alguém da maioria ou o Sr. Ministro das Finanças queira elucidar a Câmara sôbre o assunto.
Compreendo, realmente, que S. Ex.ª não o queira fazer porque à elucidação é muito difícil ou mesmo impossível.
Sr. Presidente: já há pouco o ilustre Deputado Sr. Cunha Leal sustentou que êste novo subsídio a aplicar ao cargo do Chefe do Estado deveria entrar em vigor não apenas para o novo Presidente da República, que deve tomar posse em 5 de Outubro, mas já para o actual. O Sr. Vasco Borges sustentou que não, mas então, Sr. Presidente, esta proposta de S. Ex.ª, desde que parece que não é ditada pelas condições gerais do custo de vida, mas ùnicamente em atenção à pessoa do Chefe de Estado, passa a ter o carácter de uma proposta ad hominem e, assim, poderá alguém supor que tem fundamento aquela atoarda já ontem aqui referida e segundo a qual a proposta visa a aumentar por esta forma os vencimentos do Chefe do Estado é exigida por qualquer dos candidatos, que teria pôsto como condição que só sendo tais os vencimentos consentiria em ser eleito.
Creio ter dito já o bastante para mostrar à Câmara as razões, em alguns pontos até de ordem constitucional, que fazem com que tenhamos de rejeitar in limine qualquer das propostas que estão na Mesa: a do Sr. Almeida Ribeiro porque, nas condições actuais da vida em Portugal, quando a maioria do funcionalismo se debate com dificuldades de toda a ordem, fixando essa proposta para o Chefe do Estado vencimentos que iriam desde já a perto de 700 contos e que, na hipótese de uma pequena oscilação para pior no ágio do ouro, como disse o meu ilustre amigo Sr. Carvalho da Silva, poderiam ir a mais de 1:000 contos, além de representar uma monstruosidade, teria no actual momento todo o ar de ser uma provocação; a do Sr. Vasco Borges porque à inconstitucional, visto estabelecer um critério variável quando a Constituïção manda que a Câmara fixe antes da eleição presidencial, e para não mais serem alterados, os vencimentos do Chefe do Estado, e, além disso, determinar duas — espécies de vencimento — subsídio e despesas de representação — quando a Constituïção fala apenas em subsídio.
Nestas circunstâncias, a minoria mo-

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nárquica não pode deixar de rejeitar em absoluto qualquer das propostas que estão em discussão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. João Bacelar: — Sr. Presidente: as considerações produzidas pelo Sr. Cunha Leal, são de admitir, porque têm um duplo fim político, que é para ser considerado pela Câmara.
Têm o fim político de pulverizar os argumentos que possam apresentar-se contra a obra do Parlamento, em relação ao subsídio a fixar para o Sr. Presidente da República, e ainda o de demonstrar que são inconsistentes os boatos, que já correm, de que a proposta do Sr. Almeida Ribeiro é a consequência duma condição imposta por um dos candidatos à Presidência da República.
Sr. Presidente: alegou o Sr. Vasco Borges que a alteração do subsídio do actual Sr. Presidente da República, representaria, neste momento, um atropelo à Constituïção, nos termos do seu artigo 45.º
Eu tenho a objectar que êsse artigo não tem aplicação ao caso presente, porque o subsídio a que se refere é o subsídio permanente que corresponde ao ordenado de qualquer funcionário, que tem sido sucessivamente melhorado por causa da carestia da vida.
Também o artigo 19.º determina que os membros do Congresso terão um subsídio fixado pelo Poder Legislativo, que uma vez fixado, segundo o que dispõe o respectivo § único, não pode ser alterado na mesma legislatura, e no emtanto ainda há pouco o subsídio dos legisladores foi melhorado pela aplicação do coeficiente 10.
Desde que a Câmara interpretou o artigo 19.º e seu § único, por forma a aplicar ao subsídio dos Deputados e Senadores o referido coeficiente, não se compreende que não interprete por igual modo o artigo 45.º, que se refere ao subsídio do Sr. Presidente da República.
Chamo a atenção do Sr. Vasco Borges, que é autor de uma emenda que enviou para a Mesa, para estas minhas considerações, e espero que S. Ex.ª convenha em que da mesma forma como se procedeu em relação ao subsídio para os parlamentares se pode proceder em relação ao subsídio do Sr. Presidente da República.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: a proposta de substituição que enviei para a Mesa, é da minha exclusiva responsabilidade, podendo qualquer dos lados da Câmara votá-la, aprovando ou rejeitando, como melhor entenda.
Ao redigir essa minha proposta, coloquei-me no terreno das realidades, e, uma vez nesse terreno, não pude deixar de reconhecer que seguindo-se o critério rígido da Constituïção, que torna imutável o subsídio fixado ao Presidente da República, durante o seu mandato, chegaríamos a desagradáveis consequências; e então não encontrei para o caso, outra solução que não fôsse a que já alvitrei pela minha proposta, visto que não podia propor uma alteração à Constituïção, porque a Câmara não poderia efectivá-la, porquanto não tem mandato para isso.
Invoquei pois o artigo 2.º da lei n.º 1:452 para o aumento que o subsídio do Presidente da República eventualmente deva ter.
Muito propositadamente não exceptuei nenhum dos parágrafos do tal artigo, nem mesmo o § 2.º, que poderá dar lugar a objecções.
Dispõe êsse § 2.º, que o Govêrno poderá deminuir o coeficiente a aplicar ao vencimento dos funcionários, e que o Parlamento poderá aumentá-lo.
Pela doutrina dêste § 2.º, pode resultar o objectar-se que não é de aceitar que o Govêrno possa, em qualquer momento, deminuir o vencimento do Presidente, visto que um tal facto poderá comportar qualquer coacção sôbre êsse alto magistrado, o mesmo sucedendo com a faculdade dada ao Parlamento de poder aumentar o subsídio.
A isto, eu oponho que o não se aplicar o § 2.º, ao vencimento do Presidente da República, a situação poderá em qualquer momento ser o que vou expor.
Suponhamos que, por felicidade do País, o câmbio melhorava, que ia para a casa dos 5 ou dos 6.
Então os 180 contos elevar-se-iam a qualquer cousa deveras excessiva.
Mas pelo contrário, suponhamos que o

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câmbio para infelicidade de todos nós, descia até à casa do 1, ou menos ainda.
Evidentemente que êsses 180 contos, não seriam nada, em relação ao valor que tinham no momento em que havíamos fixado o vencimento.
Eram estas as considerações que entendi devia fazer, o creio ter informado suficientemente a Câmara do critério que me levou a redigir a proposta de substituição.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr Presidente: o que se tem passado com. este assunto prova bem o cuidado, para não dizer a consciência, com que êle foi trazido à Câmara, o a tal ponto, que o próprio autor do projecto inicial acabou ontem por declarar que aceitava a substituição apresentada em primeiro lugar pelo Sr. Vasco Borges.
Quere dizer, o próprio Sr. Almeida Ribeiro, talvez pela pressa que houve em apresentar o projecto, ou porque fez os cálculos errados, acabou por o repudiar.
Eu não posso admitir que sendo o Sr. Almeida Ribeiro uma pessoa conscienciosa, não tivesse meditado e calculado a quanto montaria o seu projecto.
Portanto, sou levado a concluir que foram os argumentos aqui apresentados, as razões que levaram o ilustre leader da maioria a mudar de opinião, e de tal modo aceitasse a proposta do Sr. Vasco. Borges, que reduz a verba a metade.
É esta a razão por que digo que é de estranhar a maneira como êste assunto tem sido tratado.
Sr. Presidente: depois da maneira como o Sr. Almeida Ribeiro argumentou em defesa do seu projecto, fiquei com a convicção absoluta de que S. Ex.ª não estava capacitado do que dizia, e que os argumentos apresentados em contrário calaram no seu espírito.
Mas há ainda um caso curioso:
O Sr. Almeida Ribeiro, vendo que lhe faltava o terreno na própria maioria, afirmou que o projecto era seu, que ninguém lho tinha sugerido, e que, portanto, era uma questão aberta para o seu partido.
Sr. Presidente: não sou eu que afirmo nem quero afirmar que só trata de uma proposta destinada a satisfazer os desejos do candidato da maioria à Presidência da República.
Foram os deputados republicanos que o insinuaram, embora não afirmando, não dizendo que era voz corrente que essa pessoa vinha do estrangeiro, onde está habituada a ganhar em ouro, e que, portanto, só aceitava o lugar pagando-se-lhe em ouro.
Mas, eu não discuto êste ponto, porque êle diz respeito à família republicana.
Todavia, devo dizer que essa pessoa está acostumada a ganhar em ouro, vem em Portugal gastar em escudos, sendo extraordinário que imponha a condição de ganhar em ouro.
Eu compreendo que haja um candidato que diga que só aceita o lugar se fôr votado por unanimidade por todos os partidos.
Acho isto lógico e coerente com os princípios de uma boa democracia.
Mas que haja um candidato a Chefe do Estado, que, segundo a imprensa, declara que só aceita o lugar se lho pagarem em ouro, devemos confessar que, se houver um pouco de escrúpulo na escolha, êle deve ser condenado por todos os republicanos.
Mas, Sr. Presidente, não foi só o Sr. Almeida Ribeiro que afirmou que o projecto apresentado era da sua inteira responsabilidade.
Também o Sr. Vasco Borges, falando pro domo sua, declarou que a substituição apresentada era da sua responsabilidade individual.
Quere dizer, S. Ex.ª vendo também o terreno a fugir-lhe, para evitar um fracasso, foi sangrando-se em saúde.
Nestas circunstância, apesar de haver uma maioria e um Ministro das Finanças, nós não sabemos o que é que aquela entende em conjunto, nem qual é a opinião do Sr. Ministro.
É, pois, a altura de S. Ex.ª dizer alguma cousa, visto que é quem tem chaves dos cofres do Estado e tem de ordenar o pagamento.
O que é preciso é que sôbre êste assunto o Govêrno fale.
O Sr. Vasco Borges propôs-se colocar o Chefe do Estado numa situação semelhante à do resto do funcionalismo, mas S. Ex.ª não tem razão, pois resulta uma grande desigualdade, uma grande injusti-

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ca, visto que é muito diferente aplicar o mesmo multiplicador a um ordenado grande ou a um ordenado pequeno.
Por exemplo: é muito diferente aplicar o mesmo coeficiente ao vencimento do Sr. Moura Pinto, como magistrado, ou aplicar êsse coeficiente ao vencimento do Chefe do Estado.
Como V. Ex.ªs vêem, resulta a mais flagrante das injustiças.
O meu ilustre amigo Sr. Morais Carvalho já proficientemente demonstrou à Câmara que a substituição do Sr. Vasco Borges é inconstitucional, visto a Constituïção não permitir que os vencimentos variem, vindo-se agora, a título de subvenção, alterar-se os vencimentos, sofismando-se a lei.
Para os parlamentares dá-se o mesmo caso; portanto o que a Câmara tem a fazer é votar uma verba fixa para o vencimento presidencial nos quatro anos da lei.
O Sr. Mariano Martins apresentou, uma proposta de substituição, e apesar de S. Ex.ª a ter retirado, eu desejo referir-me a essa proposta.
S. Ex.ª apresentou uma proposta, que ao câmbio de hoje poderia trazer uma diferença para menos nos vencimentos fixados pelo Sr. Almeida Ribeiro no seu projecto, mas que amanhã, graças ao empréstimo defendido pelo Sr. Velhinho Correia, viria a dar ao Chefe do Estado maior vencimento que o que daria a proposta do Sr. Almeida Ribeiro.
Isto devido ao agravamento dos câmbios.
Apesar de o Sr. Ministro da Agricultura anunciar há muito tempo a melhoria do câmbio, e o Sr. Velhinho Correia também afirmar que teremos o câmbio melhor, nós, que não acreditamos na melhoria do câmbio no regime da República, vemos que a Câmara tem de votar o aumento do vencimento ao Chefe do Estado atendendo às diferenças do câmbio.
Desde, porém, que se segue o critério da diferenciação dos câmbios para aumentar a uns, temos de o aplicar a todos os interessados.
É por isso que em princípio é inadmissível todo o sistema que se tem seguido, tendo por base a oscilação do câmbio.
Não se cançaram os Srs. Ministro das Finanças e Velhinho Correia em dizer que do empréstimo resultaria a melhoria do câmbio.
Àpartes.
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): — Eu estou inscrito para falar, mas permita-me V. Ex.ª que o interrompa, tanto mais que estando junto de nós um taquígrafo as minhas palavras ficarão registadas.
Eu desejo dizer a V. Ex.ª que fiz a propaganda do empréstimo e a sua defesa como medida para melhorar o câmbio, mas na convicção de que essa melhoria não resultaria somente dessa medida, mas de outras que a acompanhassem.
Quando V. Ex.ª quere ligar a minha responsabilidade à situação das câmbios pratica uma injustiça, porque eu sei bem que essa medida por si só é insuficiente e inútil não sendo acompanhada de outras para reduzir as despesas, e até hoje não vi a Câmara aprovar tais medidas.
Tenho muita consideração por V. Ex.ª, mas não posso admitir que em tem irónico o jocoso me atribua propósitos que nunca tive. Eu simplesmente quis dizer que o empréstimo poderia evitar uma maior emissão de notas sendo acompanhado de outras medidas.
O Orador: — Eu ainda fazia ao Sr. Velhinho Correia a justiça de o supor um desiludido em face do doloroso resultado da sua obra. Vejo, porém, que S. Ex.ª, olhos fechados à realidade das cousas, continua, apesar de tudo, iludido.
Eu ainda me lembro de S. Ex.ª ter afirmado nesta Câmara que dentro de dois meses teríamos o câmbio a 4. Passaram êsses dois meses, e que vemos nós? O câmbio numa descida apavorante e a aproximação duma crise gravíssima, cujas consequências não podemos prever.
O empréstimo foi mais do que um insucesso, porque foi um verdadeiro desastre, porque os cento e tantos mil contos que êle produziu vieram não do pé de meia individual, mas dos bancos, onde a sua falta se vai já fazendo sentir.
Amanhã, quando se aproximar o pagamento da taxa de juro, surgirá a especulação desenfreada, quando os bancos quizerem colocar no mercada os títulos que têm em seu poder, para os valorizar.
Sr. Presidente: esta ligeira divagação

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acêrca do célebre empréstimo vem por mero incidente e com o fim de demonstrar que todos os pagamentos que têm por base a divisa cambial, sempre, e agora como nunca, sujeita às oscilações, podem acarretar as mais graves consequências.
É claro que o Sr. Almeida Ribeiro, quando apresentou o seu projecto, não estava muito crente na melhoria cambial, nem tam pouco na eficácia dos impostos que já se anunciam.
Com todo o bom humor declaram assim à Câmara que não cumprem a lei porque não querem.
O câmbio cada vez se agrava mais. A especulação far-se há, não da parte do Chefe do Estado, que é incapaz disso, mas dos que têm interêsse em que êle se agrave.
As minhas considerações foram provocadas por um àparte do Sr. Velhinho Correia, a quem não ficava mal reconhecer que tinha errado, o que é natural, nas maiores competências, e S. Ex.ª não deixa de o ser.
S. Ex.ª não pensava assim há um ano, pois o vi manifestar aqui a sua discordância sôbre a forma seguida na direcção dos negócios públicos do País.
Mas há outra razão. A proposta do Sr. Vasco Borges fala em despesas de representação, quando é certo que essas despesas não se fazem por conta dessa verba; e não compreendo que essa verba de seis contos, multiplicada por certo factor, seja para despesas em palácio, visto que no orçamento do Ministério das Finanças há um capítulo relativo à Presidência da República.
Aí se inscrevem todas as verbas destinadas para despesas de representação; e não há muito tempo à Câmara votou aqui uma elevação extraordinária da verba respectiva.
Por isso a substituição do Sr. Vasco Borges não pode ser aprovada pela Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem o Sr. Velhinho Correia fez a revisão do se a «àparte».
O Sr. Marques Loureiro: — Estava longe de supor que tinha do entrar no debate, e não entraria só não tivesse ouvido opiniões sôbre a questão constitucional, e sob êste aspecto a vou encarar.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Opinião do jurisconsulto.
O Orador: — Não; opinião do legislador.
Mas parece-me que devo chamar a atenção dos espíritos esclarecidos para o que está estabelecido na Constituïção no seu artigo.
A dotação da Presidência da República é fixada antes da eleição, para que esteja acima de toda a influência.
É êste o pensamento do legislador: o Chefe da Nação deve estar acima de todas as ligações que se podem exercer pela insinuação, pela pressão, etc.
Ora eu não compreendo, mas por outro lado compreendo a razão por que não compreendo como o Sr. Vasco Borges, que apresentando um projecto de lei para fixar o subsídio do Sr. Presidente da República, no seu artigo 2.º diz que se lhe aplicará o disposto na lei n.º 1:542, que todos nós conhecemos.
Não precisamos ir mais longe para se ver que em face desta expressa determinação a dotação do Sr. Presidente da República pode oscilar para cima e para baixo. É isto o que a Constituïção quero? É assim que o Sr. Vasco Borges zela o prestígio constitucional?
O Sr. Vasco Borges: — A objecção que V. Ex.ª levantou eu próprio a levantei, mas quis atender ao terreno das realidades!
O Orador: — Mas terreno das realidades é a lei! Estamos, pois, aqui todos, iludindo-nos uns aos outros?!
O Sr. Vasco Borges: — Repito, eu próprio levantei a objecção que S. Ex.ª levantou, mas para atender às realidades de momento e por que não podíamos agora alterar a Constituïção, tive de apresentar o projecto de lei que apresentei.
O Orador: — Quero dizer, S. Ex.ª, para respeitar a Constituïção, põe-se fora dela?
É isso que eu queria que S. Ex.ª confessasse; mas o que eu não quero, portanto, é que fique de pé o artigo 2.º do projecto de lei de S. Ex.ª, para que não deixemos os vencimentos do Sr. Presi-

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dente da República à mercê dos apetites do Parlamento ou do Govêrno, o que seria pior.
Não basta apenas ser-se escrupuloso e honesto; é preciso também parecê-lo.
Precisamos de colocar bem alto o prestígio e a dignidade do Chefe do Estado, sem o sujeitarmos às contingências que podem advir do pretexto duma melhoria das condições de vida no País, deixando ao Parlamento a faculdade de diminuir ou aumentar os seus vencimentos. Isto poderia dar lugar a que lá fora os inimigos do regime, sempre que o Presidente da República concedesse a dissolução das Câmaras a qualquer partido, insinuassem que S. Ex.ª o fazia por questões de interêsses monetários.
Os honorários actuais do Chefe do Estado são, realmente mesquinhos, e a Constituïção não determina que o Presidente da República tenha de possuir fortuna.
O que se torna necessário é fixar um quantitativo médio com que todos estejamos de acôrdo, sem câmbios nem resoluções parlamentares.
Assim, ficaria salvo o prestígio parlamentar, ficando sanado êste conflito, sôbre o qual têm sido feitos lindos discursos e acêrca do qual eu, com palavras singelas e simples, creio ter dito o suficiente para habilitar a Câmara a ponderar no assunto.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu, nem o Sr. Vasco Borges fez a revisão dos seus àpartes.
Proposta de emenda
Artigo 1.º O subsídio do Presidente da República é fixado em 240 contos anuais, dos quais 180 são abonados como honorários e os restantes 60 para despesas de representação normal.
§ único. — Sôbre estas importâncias nenhuma melhoria pode incidir.
1 de Agosto de 1923. — José Marques Loureiro.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: a proposta apresentada pelo Sr. Marques Loureiro corrige o aspecto de inconstitucionalidade que a proposta do Sr. Vasco Borges apresenta, porquanto torna fixos, de harmonia com o artigo 45.º da Constituïção, os vencimentos do Presidente da República.
No emtanto, o Sr. Marques Loureiro reüniu num só artigo o que constava dos dois artigos da proposta do Sr. Vasco Borges — um relativo aos vencimentos e o outro referente às despesas de representação.
Já há pouco tive ensejo de declarar que não concordo com aquilo a que se chama despesas de representação, porquanto essas despesas estão incluídas nos vencimentos do S. Ex.ª
Mas, sendo ainda mais claro, eu formulo a mesma pregunta que fez o meu querido amigo Sr. Morais de Carvalho: quais são essas despesas de representação?
O Sr. Marques Loureiro: — Os banquetes, as recepções, etc.
O Orador: — Os banquetes são pagos àparte pelo Estado.
Eu vou lêr o artigo 14.º do capítulo 2.º do orçamento do Ministério das Finanças e a Câmara vai ver até que ponto vão essas despesas de representação.
Como a Câmara vê, são 154 contos que neste ano económico custaram as despesas de representação do Presidente da República.
O Sr. Marques Loureiro: — Isso não são todas as despesas de representação do Sr. Presidente da República.
O Orador: — Então não sei a que é que V. Ex.ª chama despesas de representação.
Porquê é que V. Ex.ª entende que o Presidente da República deve andar de automóvel e não reconhece a mesma necessidade a1 um terceiro oficial de qualquer Ministério? Evidentemente porque a representação do Chefe do Estado isso exige.
Os automóveis, portanto, fazem parte das despesas de representação.
O Sr. Marques Loureiro: — Mas os automóveis da Presidência não são para uso exclusivo do Sr. Presidente da República.

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O Orador: — V. Ex.ª faz essa afirmação, mas eu não quero dizer quem é que faz também uso dêsses automóveis.
Mas há mais. A despesa que se faz com as carruagens à Daumont puxadas a duas ou três parelhas, o que é senão uma despesa de representação? E essa despesa é paga independentemente pelos cofres do Estado.
Pois àparte essas despesas todas, vai arbitrar-se ao Presidente da República o vencimento de 500$ por dia.
E eu pregunto: para que são os 500$00 por dia?
Eu não posso aceitar que se vote um subsídio tam largo, e que nos orçamentos se inscrevam ao mesmo tempo verbas para a representação do Chefe do Estado.
Repito, a essa proposta não damos a nossa aquiescência.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem o Sr. Marques Loureiro fez a revisão dos seus «àpartes».
O Sr. Presidente: — Estão suspensos os trabalhos.
A sessão reabre às 21 horas e 30 minutos.
Eram 19 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.
Eram 22 horas e 10 minutos.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: talvez seja uma questão de má disposição ou de sensibilidade doentia da minha parte, o facto de achar desprestigiante a larga discussão feita nesta Câmara para a fixação do subsídio ao Chefe do Estado.
Eu não quero com esta afirmação melindrar qualquer dos meus ilustres colegas, mas, o que é verdade, é que alguma cousa de desprestígio recairá amanhã sôbre o representante da soberania nacional.
Eu sinto-me à vontade com esta expressão «representante da soberania nacional», por que quer se trate de um regime democrático, constitucional ou absolutista, êle simboliza, apenas, o esplendor daquele culto de magnificência que a Nação é obrigada a prestar ao Chefe do Estado, seja êle quem fôr.
Sr. Presidente: trata-se simplesmente de dar execução ao artigo 45.º da Constituïção.
Sr. Presidente: é curioso constatar que, estando na Mesa três propostas, nenhuma delas altera o valor nominal do subsídio, que continua a ser de 24. 000$00. E, nestas circunstâncias, nós somos forçados a chegar à conclusão de que, fixando o subsídio em escudos, não é possível dar cumprimento rigoroso à letra da Constituïção, que manda fixar um subsídio que não pode ser alterado.
Não se pode fixar um subsídio, tendo como expressão dele uma moeda que se altera todos os dias.
Eu não quero neste momento discutir a quem pertence a responsabilidade dessa desvalorização; constato o facto, e nada mais.
Fixar qualquer vencimento em escudos, hoje em Portugal, equivale a nada, a uma cousa que não tem fixidez, pois será alterada dia a dia, para mais ou menos.
É por esta razão, que em minha opinião, e neste ponto, talvez a primeira vez na minha vida eu concorde com o Sr. Almeida Ribeiro, porque acho que o critério de S. Ex.ª é o único constitucionalmente defensável, e mais ainda: é jurídico e moral.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Mas S. Ex.ª já o repudiou.
Uma voz: — Isso não é assim.
O Orador: — Eu não tenho nada com isso.
O Sr. Ferreira de Mira: — S. Ex.ª enjeitou-o.
Apoiados.
Não apoiados.
O Orador: — Continuo a dizer que com isso não tenho nada.
A única cousa que o Parlamento podia fazer era discutir se o vencimento era muito ou pouco; mas o fixar-se o vencimento em ouro, é um critério aceitável.
O Sr. Ferreira de Mira: — Em matéria financeira é grave fixar-se em ouro.

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O Orador: — V. Ex.ª vai ver que os outros critérios levam, ao absurdo, e absurdo é equiparar-se o Chefe de Estado a um funcionário; isso é amesquinhar a função que merece um culto e não um vencimento.
Há outra razão que foi posta em evidência: é a proposta do Sr. Marques Loureiro.
Vários àpartes.
Desde que pelo critério estabelecido para a concessão de subvenções ao funcionalismo se dá ao Govêrno a faculdade do modificar o coeficiente, é evidente que, em relação ao subsídio do Sr. Presidente da República, não podem adoptar-se os mesmos princípios que estão determinados para a melhoria ao funcionalismo público, porque isso seria colocar o mais alto representante da soberania nacional na dependência do Poder Executivo.
O Sr. Júlio Gonçalves: — Para mim não é o mais alto representante da soberania nacional. Acima do Presidente da República, está o Parlamento, tanto que é o Parlamento que o elege e que o pode substituir.
O Orador: — Em boa filosofia política o Chefe do, Estado é o mais alto representante da soberania nacional, seja um rei, seja um presidente, ou seja um ditador.
O Sr. Júlio Gonçalves: — Quando o considerem representante do poder divino, será assim.
O Orador: — Para mim o representante da soberania nacional é sempre um lugar-tenente de Deus.
O Sr. Júlio Gonçalves: — É só por isso que V. Ex.ª pode dizer que é o mais alto representante da soberania nacional.
O Orador: — Como não é o Chefe do Estado o mais alto representante da soberania nacional, se todos os outros órgãos políticos estão a êle subordinados, directa ou indirectamente?
Êle dissolve o Parlamento; Êle nomeia o Poder Judicial! Êle nomeia o Poder Executivo!
O terceiro critério da proposta do Sr. Marques Loureiro, Deputado por quem tenho muita consideração, pelo seu valor jurídico e pela sua inteligência raras vezes igualável, tem em todo o caso um defeito.
S. Ex.ª, depois de precisar uma quantia, pôs um parágrafo dizendo que nenhuma melhoria podia ser dada a êste subsídio.
Fixa em escudos o vencimento, quando a nossa situação, não sendo igual à da Áustria, por exemplo, pode vir a ser pior do que hoje é. Basta qualquer perturbação financeira ou administrativa para o câmbio descer ainda mais do que está, e assim, amanhã os 240 contos fixados nominalmente podem reduzir-se a uma cousa insignificante, incompatível com a representação que deve ter o Chefe do Estado, e que não podia ser alterada devido a êsse parágrafo.
O Chefe do Estado ficaria em condições piores do que os funcionários públicos, que podem ainda ser novamente melhorados por uma votação parlamentar, emquanto que o Chefe do Estado o não poderia ser.
De modo que os dois critérios apresentados não são melhores que o do Sr. Almeida Ribeiro, nem em harmonia com o espírito da Constituïção, nem são mais financeiros, porque essa salgalhada, permita-se-me o têrmo, de subvenções e leis que estamos a votar, não tem critério financeiro, como teria, se desde o princípio estivesse estabelecido para pagamentos e recebimentos da parte do Estado um critério verdadeiramente financeiro, porque a desvalorização da moeda feita automaticamente, reduzindo a vida do Estado e dos funcionários a um desequilíbrio, permitiria legislar dum outro modo mais positivo.
Tenho lido alguns autores e tenho apreciado critérios financeiros, mas neste assunto sou apenas um curioso.
Outros que estão nesta Câmara e que melhor conhecem o assunto dirão se assim é, mas o que é verdade é que desde que para os funcionários públicos se tem de estabelecer uma subvenção, êsse sistema simplificaria muito a escolha de um coeficiente para pagamentos e recebimentos.
Àpartes.
Depois de 1834, depois dessa trapalhada financeira, diz o Sr. Morais Car-

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valho que a moeda portuguesa se desvalorizou.
Àpartes.
Sr. Presidente. fui arrastado incidentalmente para estas considerações, mas eu sou apenas, como já disse, um curioso em matéria financeira, e o que desejo provar depois das considerações que fiz é que o único critério que se devia seguir, respeitando a Constituïção, e fixando um subsídio, seria discutir...
O Sr. Morais Carvalho (em àparte): — V. Ex.ª defende o critério do pagamento em ouro, mas esquece-se, porventura, de que se a moeda se desvalorizar o despropósito que já hoje representa o pagamento em ouro do subsídio de 24 contos seria amanhã muitíssimo maior.
Se, ao contrário, a moeda se valorizasse, êsses 24 contos-ouro poderiam não chegar, sabido como é que o embaratecimento da vida não acompanharia a valorização da moeda.
O Orador: — Entre o ágio ouro e o coeficiente estabelecido há uma aproximação bastante, no estado actual das nossas finanças, para nela podermos estabelecer um critério fixo, pelo menos durante quatro anos.
É claro que dos três critérios já estabelecidos e até mesmo de quantos se possam vir a estabelecer, não há um único que não seja relativo.
Mas neste momento não se trata de achar o critério absoluto, mas tam somente aquele que melhor se poderá adaptar às disposições constitucionais.
O que eu creio — e isso quero afirmar como conclusão das considerações que venho fazendo — é que o subsídio ao Chefe do Estado importa como uma condição para o prestígio da sua própria soberania.
É absolutamente indispensável que, atirados fora os falsos preconceitos duma errada democracia, nós nos compenetremos da necessidade de cercar o Poder do prestígio e, até mesmo, da magnificência indispensáveis a todos aqueles que o exercem, para que as suas funções possam ser respeitadas nesta sociedade indisciplinada, mais do que indisciplinada, anarquizada.
De mais se tem procurado entre nós carcear o prestígio dos poderes públicos na errada persuasão de que, deminuindo-os, êles se tornam mais queridos das multidões.
A experiência dalguns anos deve ter desiludido aqueles que supunham possível democratizar ou popularizar o Poder. O Poder é sempre a superioridade. Sendo a disciplina e a ordem a mola real das sociedades, é dela que depende a independência económica fundamental para o exercício dêsse mesmo Poder.
Faltar a estos deveres é deminnir o Poder Público, colocar a Nação em condições de não ter independência económica, condição indispensável para o exercício dêsse mesmo Poder.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem os «àpartes» foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Presidente: — Não havendo mais ninguém inscrito, vai votar-se o artigo 1.º
O Sr. Vasco Borges: — Requeiro a V. Ex.ª que consulto a Câmara sôbre se concede prioridade para a minha proposta.
Aprovado.
É aprovado o artigo 1.º
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova.
Feita a contraprova, verificou-se estarem de pé 18 Srs. Deputados e sentados 45, sendo, portanto, confirmada a votação.
É aprovado sem discussão o artigo 2.º
Entra em discussão o artigo 3.º
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: esta disposição é, como já foi demonstrado claramente à Câmara, inconstitucional.
O artigo 46.º da Constituïção diz que é estabelecido, antes da eleição do Presidente da República, subsídio, que não pode ser alterado durante o tempo em que presidir.
Ora o artigo 2.º da lei n.º 433 diz que os vencimentos do funcionalismo se farão pela multiplicação do coeficiente que represente o custo da vida, e assim fixaram êsse coeficiente.
A disposição que faz com que trimestralmente o vencimento do Presidente da

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República seja alterado é incontestavelmente inconstitucional, e não me parece que seja bom exemplo o de aumentar o subsídio do mais alto funcionário do Estado. E um ataque à Constituïção do mesmo Estado. É um desrespeito à lei. Êsse artigo considero-o ilegal, e não pode, portanto, ser votado.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente (Afonso de Melo): — Conheço o artigo da Constituïção a que V. Ex.ª se referiu.
A proposta do Sr. Vasco Borges foi admitida. Deveria nessa ocasião V. Ex.ª apresentar essas razões e ter levantado a questão da inconstitucionalidade.
Apoiados.
Não posso, portanto, pronunciar-me sôbre a sua constitucionalidade.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: a minoria monárquica tem sustentado e sustenta que é absolutamente inconstitucional a doutrina da proposta apresentada pelo Sr. Vasco Borges, que, de resto, é o próprio a dar-nos razão, visto que quando usou da palavra claramente significou que de facto reconhecia que essa proposta não era constitucional, e que a apresentara porque quisera meter-se no terreno das realidades, expressão esta de que S. Ex.ª usou.
Também o Sr. Marques Loureiro sustentou o mesmo, apresentando uma proposta de substituição da que foi enviada para a Mesa pelo Sr. Vasco Borges, para ver se conseguia que a questão fôsse resolvida adentro das disposições constitucionais.
Mas, Sr. Presidente, se V. Ex.ª, depois disto, ainda poderá ter dúvida sôbre o facto de ser inconstitucional a proposta do Sr. Vasco Borges, eu dissiparei essa dúvida, lendo o artigo 2.º da lei n.º 452, ao qual se refere aquela proposta.
Em presença dêste texto legal, eu pregunto se haverá alguém que possa contestar que se trate duma proposta inconstitucional.
O Parlamento não pode votar quaisquer disposições que briguem com o que se encontre expressamente consignado na Constituïção.
Numa época em que a indisciplina tam livremente campeia é indispensável que o Parlamento dê o exemplo do respeito à lei.
Ora o Parlamento, votando a proposta do Sr. Vasco Borges, não cumpre a lei, e não a cumpre conscientemente, pois da discussão havida não é lícito a ninguém desconhecer a inconstitucionalidade de tal proposta.
E espero até que V. Ex.ª Sr. Presidente, seja o primeiro a não deixar que se desrespeite a Constituïção, e que, portanto, não dê seguimento a semelhante proposta.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: pedi a palavra, não para contrariar os argumentos do Sr. Carvalho da Silva, mas tam somente para esclarecer o artigo da Constituïção que está em causa.
A disposição apenas preceitua que as regras que se estabeleceram para pagamentos ao Sr. Presidente da República não podem ser alteradas.
O processo de pagamento não pode ser alterado.
Aquilo que hoje se estabelece não pode ser alterado.
O Sr. Carvalho da Silva: — Eu tenho em reforço da minha opinião a do leader da maioria, a do Sr. Almeida Ribeiro, que ainda ontem declarou que a Câmara já tinha saltado sôbre a Constituïção, quando fixou a subvenção ao Chefe do Estado, e foi aprovada por grande parte da maioria.
O Orador: — É certo que quando foi da subvenção ao Chefe de Estado se saltou por cima da Constituïção,, mas não é o caso de agora; e V. Ex.ª nessa ocasião não protestou.
O Sr. Carvalho da Silva: — V. Ex.ª diz-me quanto representa o subsídio, em moeda portuguesa, ao Chefe do Estado?
O Orador: — A palavra subsídio é ampla bastante para comportar a parte fixa e a variável.
Portanto, Sr. Presidente, permita-me afirmar que a questão levantada pelo Sr. Carvalho da Silva não tem cabimento,

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muito embora não recuso a minha homenagem, aos pruridos constitucionalistas de S. Ex.ª
Tenho dito.
O orador não reviu, nem o Sr. Carvalho da Silva fez a revisão dos seus àpartes.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: sinto não ver na Presidência o Sr. Afonso de Melo. Porém, como S. Ex.ª está agora no seu lugar de Deputado, vai com certeza responder à pregunta que lhe vou formular.
O meu ilustre amigo Sr. Carvalho da Silva preguntou ao Vice-Presidente da Câmara se julgava ou não constitucional o artigo que se discute, e se entendia que a Constituïção podia ser revogada pelo facto de êsse artigo ter sido admitido à discussão.
S. Ex.ª declarou que tinha passado a oportunidade para se discutir a constitucionalidade ou inconstitucionalidade dêsse artigo.
Ora, foi isto que mo levou a pedir a palavra, e estou certo de que o Sr. Afonso de Melo vai explicar a sua atitude à Câmara, pois se trata de uma questão grave o de um precedente péssimo, tanto mais que a Câmara em que estamos exercendo o nosso mandato não tem poderes constituintes, e a Constituïção só pode ser revista de dez em dez anos.
Vou ouvir as considerações do Sr. Afonso de Melo, e se fôr preciso responderei depois, porque nós, apesar de sermos adversários do regime, temos sido os únicos fiscais da República, o que é para agradecer.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Afonso de Melo: — Sr. Presidente: dêste lugar, não tenho que apreciar a minha atitude como Presidente desta Câmara.
As considerações que vou fazer, são feitas inteiramente aparto do lugar que desempenhei até esta altura da discussão, mas faço-o pela muita consideração pessoal que me merecem os Srs. Carvalho da Silva e Cancela de Abreu.
Sr. Presidente: a Constituïção Política da República Portuguesa parece-me que não tem sido apreciada durante êste debate com aquele rigor que uma verdadeira hermenêutica jurídica deveria dar ao significado das suas palavras.
Toda a gente sabe que a lei se interpreta pela sua leira o pelo seu espírito.
Ora temos a atender ao artigo 45.º da Constituïção, e sôbre êsse artigo tem-se aqui dado sistematicamente uma interpretarão que nem é a interpretação gramatical que se pode dar, nem representa a intenção do legislador.
Não diz êste artigo que o Presidente da República perceberá um subsídio fixo. O que diz é que o subsídio do Presidente da República deverá ser fixado antes da eleição. E feita a fixação da melhoria, como há-de ser fixado o subsídio do Presidente, êsse subsídio não poderá ser alterado durante a sua eleição e durante a vigência do seu mandato. E assim a Câmara podia legitimamente estabelecer que o subsídio do Presidente da República, em vez de ser de 1. 000$ e de 6. 000$ para despesas de representação, obedecesse a um critério de progressividade, isto é, que no primeiro ano fôsse de 20. 000$ e no terceiro ano fôsse de 30. 000$.
Apoiados.
Nesta conformidade, muito bem entendo eu que poderia também a Câmara fixar que o pagamento do Presidente da República fôsse feito em ouro (Apoiados) porque, quando se fala em moeda ouro, não se entende que sejam francos, libras ou dólares, mas sim ouro português, apesar de ainda não estar revogada a legislação que manda que em Portugal tenha curso a libra esterlina.
Portanto, se na proposta de lei do Sr. António Maria da Silva se fixava o vencimento do Presidente da República em escudos, ouro, essa remuneração era perfeitamente legal o constitucional.
Apoiados.
Já me não parece bem que se repetisse agora, no estabelecimento do subsídio do Presidente da República, um êrro que já teve lugar para a fixação do subsídio do Sr. António José de Almeida. Eu não compreendo que na fixação do subsídio se tivesse feito a divisão entre subsídio o despesas de representação. Evidentemente que a Constituïção só considerou que o Presidente da República tivesse despesas de representação.
Era isso que eu teria dito, se eu não entendesse que o meu dever me obrigava

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antes a ocupar o lugar de Presidente desta Câmara.
Quanto à proposta do Sr. Vasco Borges, devo dizer que, numa dedução lógica das considerações que acabo de fazer, entendo que ela está dentro dos princípios constitucionais, na sua redacção geral.
A sua proposta manda aplicar ao subsídio do Presidente da República as disposições da lei n.º 1:452, referente à melhoria dos vencimentos dos funcionários públicos.
Essa proposta, moldada nestes termos, foi admitida pela Câmara, e eu creio que foi bem admitida, porque não se podem fazer reparos à generalidade dessa proposta, e se algum pode ser feito é a um dos seus detalhes: refiro-me ao facto de não ter sido excluído o § 2.º da lei n.º 1:452, que estabelece que, durante a vigência dessa lei, o Govêrno poderá deminuir o coeficiente estabelecido para os vencimentos dos funcionários públicos, assim como poderá aumentar êsse coeficiente, estabelecendo ao mesmo tempo as receitas para lhe fazer face.
Eu sou dos que discordam da inclusão dêsse parágrafo.
Já hoje, particularmente, tive ocasião do fazer ao Sr. Vasco Borges algumas observações a êste respeito e devo declarar que concordei e até manifestei a minha concordância num apoiado com as considerações que nessa ocasião fez o Sr. Marques Loureiro.
Eu acho altamente inconveniente que amanha, quando alguém se lembre de exigir do Govêrno que êle deminua o coeficiente para os funcionários públicos, outro alguém, embora injustamente, se lembre também de dizer que o Govêrno não faz essa deminuíção para não deminuir o subsídio do Presidente da República, sendo assim trazido para a tela da discussão o nome do primeiro magistrado da Nação.
Apoiados.
Acho altamente inconveniente que amanhã esta Câmara, ao fixar o coeficiente para os vencimentos dos funcionários públicos, tenha em vista os vencimentos que hão-de ser atribuídos ao Presidente da República.
E por isso que eu desejaria que da proposta do Sr. Vasco Borges fossem eliminados os termos gerais em que ela está, redigida, e em que está incluído o § 2.º do artigo 2.º
Se ficasse existindo o artigo 2.º da lei n.º 1:452, a situação seria esta: o Presidente da República, com o subsídio fixado em 24. 000$ por ano, ficaria sujeito a uma repartição do Estado, que nada tem que ver com isso, porque a Direcção Geral do Comércio Agrícola apenas tem de considerar o índice do custo médio da vida.
Por consequência, uma fixação feita sôbre bases scientíficas, tomando como sciência uma cousa que apenas tem contornos de sciência, sujeita por agora os vencimentos do Chefe do Estado ao coeficiente 10 que foi, provisoriamente, estabelecido pelo Congresso, e amanhã numa situação periódica e anual, conforme as paixões políticas, à acção directa do Govêrno.
Eu quero que se assegure condignamente a situação do Chefe do Estado, e que ao mesmo tempo preservemos as nossas instituições políticas de acidentes que de maneira alguma são para desejar.
Chamado à barra como Deputado, dou a minha opinião em termos claros e expressos, e a Câmara resolverá agora como entender.
O orador não reviu.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de emenda ao artigo 2.º
É lida e admitida.
Em seguida é aprovada à proposta de emenda ao § 1.º do artigo 3.º
É também aprovado o artigo 3.º
Proposta de emenda
Acrescentar ao «artigo 2.º «o seguinte «§§ 1.º e 3.º «. — Afonso de Melo — Vasco Borges.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º
Feita a contraprova; verifica-se estarem 6 Srs. Deputados de pé e 69 sentados, ficando portanto aprovada.
É aprovado a artigo 4.º
A requerimento do Sr. Marques de Azevedo é dispensada a leitura da última redacção.

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Segunda parte
O Sr. Presidente: — Continua em discussão a interpelação do Sr. Cunha Leal.
É lida e posta à discussão a moção do Sr. António Dias.
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: quando pedi a palavra sôbre o assunto que está em discussão eu confiava, ainda que muito vagamente, nas providências do Govêrno, mas, Sr. Presidente, hoje desapareceram por completo a fé e confiança que depositava na acção do Govêrno, seja qual fôr o ponto de vista em que eu o considere.
Tencionava abordar vários casos concretos, mas dispenso-me de o fazer, porquanto eu sentir-me-ia envergonhado se o fizesse, pedindo providencias a um Govêrno que para mim não oferece confiança alguma.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: parece-me que a discussão dêste debate não pode prosseguir sem estar presente o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Eu pedi a palavra para declarar que o Sr. Presidente do Ministério não está presente por motivo de serviço público, bom importante, que o obriga neste momento a estar ausente, mas declarando também que todos os membros do Govêrno são absolutamente solidários com S. Ex.ª na orientação do debate político; e desde que o Govêrno está representado, parece-me que é desnecessária a presença de S. Ex.ª para que o debate prossiga.
O orador não reviu.
O Sr. Lino Neto: — Começo por mandar para a Mesa a minha moção de ordem.
Sr. Presidente: amplo e agitado tem sido êste debate, por virtude da moção do Sr. Cunha Leal.
A essa moção outras se sucederam, e todas elas foram defendidas e sustentadas com brilho e competência.
No emtanto, a minoria católica não pode deixar de apresentar uma moção própria, para marcar a sua atitude nesta Câmara.
Vou dizer porquê.
No debate em questão dois aspectos se destacavam.
Um dêles é o aspecto pròpriamente político.
No debate tem-se procurado sobretudo liquidar responsabilidades entre aqueles que têm tido o Poder; tem-se procurado resolver sobretudo questões entre partidos.
Sob êsse aspecto, a minoria católica não pode entrar no debate, porque ela não está aqui para apoiar partidos nem para enfraquecer partidos, nem aqui está para derrubar ou sustentar Govêrnos sistematicamente.
A sua acção no Parlamento não pode ser outra senão a de trabalhar pelo interêsse geral do País.
Há porém um aspecto que interessa de uma maneira especial à minoria católica, e é que durante êste debate se deu um relevo especial à situação dos católicos, perante o regime è principalmente à atitude da minoria católica nesta Câmara.
Posta assim a questão, a minoria católica não pode deixar de entrar no debate e marcar a sua orientação a propósito da atitude dos partidos, no que lhe diz respeito.
Mas antes de entrar no assunto, seja-me permitido notar que pela primeira vez neste regime dois Deputados republicanos puseram a questão religiosa no seu verdadeiro pé.
Quero-me referir às moções e aos discursos dos ilustres Deputados Srs. Cunha Leal e Moura Pinto.
O Sr. Cunha Leal, falando como falou, fê-lo não só com lógica, mas também com uma eloquência que nele é sempre extraordinária, mas que nessa ocasião se salientou de um modo muito particular, empolgando e dominando a Câmara.
O Sr. Moura Pinto fez um dos mais notáveis discursos, políticos que se têm feito nesta Câmara, ocupando-se do assunto com aquela autoridade que lhe é própria, honrando a Câmara e o País.
Eu quero, em nome da minoria católica, agradecer a coragem e o patriotismo com que vieram apresentar essa questão ao Parlamento, que o mesmo é dizer ao País.

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Em nome pois da minoria católica eu agradeço a maneira como olharam as aspirações religiosas, que pode dizer-se serem as do todo o País.
É só mostrando êsse interêsse, é só cuidando dessas questões como o fizeram, que os homens públicos em Portugal se podem elevar e prestigiar perante as responsabilidades do Poder.
Os meus agradecimentos, pois, aos dois ilustres Deputados.
Pôsto isto, vou entrar pròpriamente no debate.
Durante a discussão afirmou-se que não eram só os Deputados dêste lado da Câmara os únicos eleitos com os votos dos católicos.
É verdadeira a afirmação.
A maioria dos Deputados desta Câmara foram-no também, e, deixem-me mesmo dizer, talvez não houvesse meia dúzia de Deputados eleitos se porventura os votos católicos, não se prenunciassem para os trazer aqui, e é por isso que eu não tenho dúvida em afirmar que todos se encontram nesta casa, mais ou menos, eleitos com os votos dos católicos.
Mas há uma diferença: é que há católicos como tal eleitos por votos católicos, católicos monárquicos eleitos por votos católicos e republicanos eleitos por votos católicos.
Os Deputados, quer monárquicos, quer republicanos, estão aqui com os seus critérios políticos; quem não está aqui com compromissos de ordem partidária são os católicos, porque todos os outros estão em harmonia com os seus partidos o nós só seguimos as regras e instruções da Igreja.
Por conseguinte, a política dêste lado da Câmara é diversa da política dos outros lados da Câmara.
É êste ponto que é necessário afirmar, e tenho prazer em o constatar.
Foi dito que êste lado da Câmara representava o Partido Católico.
A expressão não é verdadeira.
Nós não representamos um partido, como se vê do nosso programa.
Nós não vimos aqui para levantar questões contra o Govêrno, ou deitar Govêrnos abaixo; o nosso fim é outro: o que nós queremos é a organização em harmonia com a doutrina da Igreja.
Desde que constituíssemos um partido, não tínhamos razão do ser desde êsse momento, e como representantes da Igreja, nós deixávamos de ser o que somos e desaparecia a nossa razão de ser.
A Igreja se identifica com os regimes ou com os partidos.
Um outro ponto que mo quero referir, é que se fez confusão no debato político entre legislação o regime político.
Esta confusão é insubsistente, não se pode sustentar em face dos princípios da política.
Da parte dos monárquicos afirma-se que para atacar a legislação é necessário atacar o regime, o por parte dos republicanos afirmou-se, principalmente pela voz do Sr. Vasco Borges, que a Lei de Separação, embora contendo algumas arestas, era, pela sua estrutura, a base do regime.
Acho que os diferentes lados da Câmara erraram a esto respeito.
Não é verdadeira, nem a orientação republicana, nem a orientação dos monárquicos.
A verdadeira orientação é a que separa os regimes da legislação. Eu me explico.
As repúblicas da América do Norte, dá América do Sul, da América Central, a Suíça e a Polónia não careceram, para serem repúblicas, de fazer leis de separação essenciais aos regimes, como pareço sustentar o Sr. Vasco Borges. Dentro do actual regime português, há uma legislação bela, a legislação contra o duelo. E quantos, mesmo dentro desta Câmara, não têm ofendido essa legislação? A legislação contra o duelo é bela, mas muitos a desrespeitam. Um bom regime pode ter uma má legislação, como pode haver uma boa legislação num mau regime. Por isso a Igreja faz a precisa distinção. Uma cousa é o regime, e outra cousa é a legislação.
Nós não podemos estar constantemente a cultivar revoluções; precisamos caminhar com sossêgo e tranquilidade, que é a única maneira de o País poder progredir.
Desejo agora aproveitar a ocasião para responder a uns reparos do ilustre Deputado Sr. Aires do Ornelas, que estranhou que eu me tivesse admirado de, a propósito de uma interpelação minha, o Sr. Ministro dar uma resposta negativa.

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A minha surprêsa resulta só de não se responder com factos e com razões aos factos e às razões que eu apresentei, pois entendeu-se que ora preferível parodiar um jornal e transtornar o significado da minha atitude.
O ilustre Deputado Moura Pinto no seu discurso fez porém justiça às intenções com que os católicos aqui estão.
Nós não estamos aqui por ambição. O nosso pôsto é perigoso e arriscado, mas não nos fazem temer os obstáculos e arestas que encontremos no caminho, porque nos anima o patriotismo.
O País não pode caminhar por meio de conspirações; o País só pode caminhar com a colaboração do todos nós, porque todos somos portugueses. O sistema do «tanto pior melhor» tem de desaparecer, como tem de desaparecer o sistema do só querer ser maior que os outros, afastando-se do colaborar com os outros, porque esta política não está de harmonia com os princípios da vida moderna.
Eu desejo ainda referir-me a uma parte do discurso do Sr. Moura Pinto, que ao falar da atitude dos católicos dêste lado da Câmara teve o cuidado do dizer que «há conquistas liberais de que não se pode prescindir».
Esta expressão «conquistas liberais» é preciso definir o que seja.
Em Portugal, como lá fora, há duas espécies do «laicismo», uma que deseja que o Estado seja um simples patrão das consciências e a outra que procura apenas que cada um manifeste livremente a sua religião e q no o Estado não tenha uma religião oficial.
Quanto ao primeiro «laicismo», a minoria católica combato-o intransigentemente, e quanto à segunda espécie de «laicismo» a minoria católica não tem dúvida em harmonizar-se com êle, mas em determinadas condições.
O próprio Sr. Moura Pinto teve o cuidado de demonstrar que esta espécie de laicismo ora a que mais lho agradava, e por isso foi reconhecendo que o ensino religioso nos estabelecimentos particulares é uma necessidade. Sob o ponto de vista religioso o debate político tem tido um grande alcance: veio demonstrar que efectivamente este Govêrno, como outros anteriores, tem tido para com os católicos, não digo falta de atenção pessoal, porque essas atenções efectivamente temo-las tido, mas não é disso que se trata. O que se trata é da interpretação das leis em harmonia com as reivindicações que têm sido formuladas em nossos dias, e essa forma de interpretar as leis é inteiramente nefasta para a consciência colectiva do País.
Assim, por exemplo; estão proibidas pela nossa legislação penal as associações secretas, e no emtanto vejo em Lisboa ruas designadas com o nome de associações secretas.
Diz-se que a Lei da Separação é de necessidade estrutural do regime.
Nunca o foi, é a vergonha do regime, e para que o regime só nobilite é necessário que ela se transforme de maneira a que fique sendo aquilo que devia ser.
A Lei da Separação começa por não respeitar os costumes do País; é imoral, é anárquica e injusta, porque tendo encontrado numa determinada situação cidadãos que desempenhavam oficialmente uma alta missão, em vez de lhes garantir a sua situação económica, pelo contrário, tirou-lhes todos os bens religiosos, mostrando assim que esto regime é, como muito bem disse Guerra Junqueiro, qualquer cousa que tem garras e unhas e revolta a nossa consciência nacional.
Tenho pena do que a hora vá adiantada, o que a Câmara esteja cansada, e eu não desejo fatigá-la mais.
O que eu apenas quero notar é que, neste país, uns conspiram constantemente contra o Estado, outros retraem-se do colaborar com êles, e outros que são poucos, não tratam senão do tudo quanto seja para levantamento do país.
Os católicos vieram pôr-se ao lado desta parto; entendem êles que não devem ser um viveiro de revolucionários.
Devem obedecer às instruções da Igreja, porque elas são humanitárias.
Já numa sessão desta Câmara, quando se falou a propósito do réu Ramos, que estava na Boa Hora, se disse que a situação do País ora desgraçada.
Qual a maneira do fazer com que o País voltasse à situação em que preponderava a Arte, a Literatura, o facto de fazer bem a todos? Temos de entrar no caminho do critério da tradição, e o critério da tradição, a experiência o mostra, afirma que uma sanção há para Portugal: é

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sanção religiosa do catolicismo; uma tradição de séculos a consagra.
Portugal tem uma tradição religiosa, e um país que caminha em harmonia com as suas tradições marcha em sólido progresso, ao passo que os países que se não conformam com as suas tradições são países que constantemente armam revoluções.
É necessário entrar na ordem, dando satisfação às reclamações dos católicos.
Só assim haverá uma alma nacional, não abstracta, mas uma alma nacional concreta e positiva, como a que sentem todos os verdadeiros cidadãos desta pátria.
O orador não reviu.
É lida e admitida a moção do Sr. Lino Neto.
O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e interino da Guerra (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: tenho ouvido quási todos os oradores.
Se não ouvi todos, foi porque circunstâncias da vida política e responsabilidades da representação do Govêrno evitaram que a todos ouvisse.
Não se trata de dar ou não dar um voto de confiança ao Govêrno; trata-se ùnicamente de verificar o que é conveniente para a República.
Se a estada dêste Govêrno no Poder não tivesse qualquer conveniência e antes trouxesse prejuízos à marcha da República, creio que todos que me escutam fazem a justiça de supor que nem mais um minuto êste Govêrno se conservaria nas cadeiras do Poder.
O Govêrno apresentou ao Congresso várias propostas, algumas das quais já transformadas em lei, resolvendo várias problemas, segundo o seu modo de ver.
O meu colega das Finanças declarou que a sua proposta de empréstimo não resolvia inteiramente o problema financeiro e necessitava de que o seu plano se completasse.
Por isso apresentou uma proposta de remodelação do imposto de sêlo.
Com muito brilhantismo, defendeu a sua proposta, pelo que mereceu justos elogios de todos os lados da Câmara; posteriormente apresentou outra proposta, assente em muitas das considerações feitas por S. Ex.ª, assim como outras pessoas depois de mim apresentaram outras propostas, não se tendo até agora pronunciado o Parlamento sôbre nenhuma delas.
Necessàriamente êste Govêrno, e já tive ensejo de o declarar, não pediria nunca uma autorização para a solução de dois assuntos tam importantes, como são os Transportes Marítimos e Tabacos; mas colocar o Poder Executivo nesta situação de não poder resolver êsses assuntos por forma a que o Estado não fique embaraçado com essas questões isso seria horroroso.
Concordo que o Parlamento não pode dar autorização nem em relação ao imposto de sêlo, nem em relação aos Transportes Marítimos, mas tem de resolver um e outro problema por uma lei de poucos artigos, não sacrificando o ponto de vista de quem quer que seja que tenha assento nesta casa, mas olhando para e prestígio da República e para os interêsses do Estado.
Pelo que diz respeito à contribuição de registo e redução de despesas o Parlamento considerará a melhor forma de resolver êsses assuntos.
Não se pode aumentar as despesas sem correlativamente se aumentarem as receitas, é contudo apresentou-se, sem declaração prévia do Govêrno, uma proposta de lei, hoje transformada em lei, que traz um aumento de despesa enorme.
Deixo êstes assuntos à consideração do Parlamento.
Sr. Presidente: terminando, direi a V. Ex.ª e à Câmara que moções de confiança não resolvem nada.
O Govêrno não quere nesta hora senão a colaboração de todos; que todos se compenetrem da situação.
Era isto simplesmente que tinha a dizer à Câmara dos Deputados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: eu não usaria novamente da palavra se o Sr. Presidente do Ministério não tivesse enxertado uma outra questão na questão política.
Quando em nome do Partido Nacionalista pus a questão política, declarei que não tencionava provocar incidentes que determinassem a queda do Govêrno, mas

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que não me importava nada a sua conservação.
Mantenho hoje como então, em nome do meu Partido, o mesmo critério.
Disso o Sr. Presidente do Ministério que a simples aprovação duma moção de confiança, o creio que S. Ex.ª está garantido com essa aprovação, visto que estamos aqui pacientemente à ospera que a maioria se tenha reünido em número suficiente para lhe dar grande votação, declarou S. Ex.ª, repito, que a simples votação duma moção de confiança não resolve o problema.
E, é agora, a três ou quatro dias de fechar o Parlamento, que declara que todo um mundo do propostas lhe é necessário para poder viver, isto naturalmente como complemento das declarações do Sr. Ministro das Finanças à imprensa e das cominatórias declarações do Sr. Velhinho Correia, que apontou a saída de S. Ex.ª do Ministério como condenação da obra do Parlamento.
Em nome da minoria nacionalista, eu quero repelir as acusações que se possam fazer de não colaboração com o Poder Executivo.
Temos estado constantemente discutindo as propostas governamentais, procurando aperfeiçoá-las.
Sabíamos que se ia votar um acto de ruína quando se nos propôs o empréstimo, e em todo o caso discutimos e procurámos aperfeiçoar a respectiva proposta de lei, embora a rejeitássemos na generalidade.
Apoiados.
Mas o Sr. Ministro das Finanças faliu tristemente na sua política financeira. As medidas que nós possamos agora votar a S. Ex.ª não são um complemento da política do empréstismo, porque S. Ex.ª faliu na sua política.
Não apoiados da maioria e apoiados da oposição.
Tenha a certeza o Sr. Ministro das Finanças que lhe diz isto um amigo, que só desejaria que ao contrário das suas presunções a política de S. Ex.ª tivesse bons resultados.
É que S. Ex.ª está reconhecendo nesta hora a falência da sua política no empréstimo, é que quere mascarar esta dizendo que ela é devida à falta do aprovação de outras medidas.
O mesmo diz o Sr. Velhinho Correia na imprensa, mas por outras palavras.
É necessário votar mais propostas? Estamos de acôrdo com isso, mas nós estamos cansados de trabalhar o assistir ao jôgo de porta da maioria, quer prolongando as discussões para arranjar número para nos esmagar, quer aguardando número suficiente para as sessões poderem funcionar.
Mas se a maioria quero dar assistência ao Govêrno, que lha dê, é o seu dever, nós havemos de discutir todas as medidas que nos forem presentes com toda a cautela e cuidado, sem preocupação de tempo, porque melhor é para a Nação, fazer-se isso, do que votar-se propostas, como o empréstimo, em discussões apressadas, que dão sempre maus resultados.
O que não queremos fazer é um simulacro de discussão em propostas importantes, coma a dos trigos, a dos tabacos e a do registo.
Apoiados.
Se a maioria quiser, ao contrário da minoria nacionalista, que entende que devemos ter antes férias curtas, mas fecharmos já os trabalhos, para depois apreciarmos, como devem ser as propostas do Govêrno, só a maioria quiser votar agora uma prorrogação de trabalhos, que a vote, mas com a sua assistência e os seus votos.
Se a Câmara quere fazer trabalho útil, acaba com aquele vergonhoso estendal, que constitui a ordem do dia.
Disse.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e interino da Guerra (António Maria da Silva): — Não voltaria a usar da palavra se não fossem as explicações do Sr. Cunha Leal.
Acostumei-me na vida política a deminuir-me com vantagem para os altos interêsses da Nação, porque esta é que deve ser a única preocupação de todos os homens públicos.
Eu julgo sempre deminuído o Parlamento quando êle não dá solução aos problemas que se lhe apresentam.
Discutir um assunto com rapidez não significa que se discuta mal, porque as leis não são melhores pelo facto de terem muitos artigos.

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Eu não quis enxertar uma nova questão económica-política na questão política de que se trata.
O Sr. Ministro das Finanças disse que necessitava do um conjunto do medidas para resolver o problema financeiro, medidas que não podem ser, separadas do seu conjunto, e que é necessário que quando o Parlamento voto despesas, tenha receitas para lhes fazer face.
Pregunto se o Congresso da República quero encerrar a sessão sem transformar em lei alguns problemas ou bases concretas.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Mais uma vez o Sr. Presidente do Ministério vem a esta Câmara declarar que precisa de determinadas medidas, porque uma vez votadas elas, então sim, estará realmente feita a felicidade do País!
Já estamos habituados a tanta felicidade.
O ano passado tratava-se da reforma tributária, o era precisa essa reforma para a felicidade do País e evitar o alargamento da circulação fiduciária.
Depois veio o empréstimo para salvar o País, segundo as declarações do Sr. Velhinho Correia.
Feito o empréstimo, estaria feita a restauração financeira do País.
Mas em que consistiu o empréstimo senão no agravamento das despesas públicas?
Evitaria a circulação fiduciária, e ela aumentou.
Dêste lado da Câmara insistimos sempre pela redução das despesas públicas.
Mas nenhuma redução se fez; o nós profetizámos que o agravamento se daria pelo agravamento do câmbio, na hora em que o Ministro afirmava que se não agravaria.
Está-se desenhando uma crise espantosa na praça de Lisboa e em outras praças.
E é êste Govêrno, que apresenta ùnicamente medidas para o agravamento de situação do País, que vem dizer à Câmara que precisa que lhe votem não sei quantos projectos a quatro dias do encerramento dos trabalhos parlamentares!
Diz o Sr. Presidente do Ministério que votou uma cousa em poucos artigos.
Não sei como S. Ex.ª apresentará uma proposta com poucos artigos, ou se considera assim aquele que o Sr. Velhinho Correia aqui trouxe para a reforma da lei do sêlo, ou a dos Transportes Marítimos.
Não sei mesmo como o Sr. Presidente do Ministério pode acusar o Parlamento de não ter discutido a sua proposta de contribuição do registo, quando primeiro que tudo tem S. Ex.ª que se revoltar contra a sua maioria, que nem sequer lha relatou.
E é o Sr. Presidente do Ministério, apoiado porventura pela maioria, quem vem atacar as oposições por não terem ainda discutido uma proposta que nem sequer se encontra relatada.
A proposta do sêlo está relatada há sois ou sete dias; o mesmo sucede à proposta dos Transportes Marítimos; mas não são necessàriamente essas propostas que virão melhorar a situação do País. O excessivo aumento de impostos apenas serve para agravar situações como aquela que o País atravessa.
Somos absolutamente contrários a essas propostas, e o que, principalmente, queremos frisar, é que só os termos da declaração do Sr. Presidente do Ministério, a propósito das propostas relativas ao sêlo, contribuição do registo, Transportes Marítimos, Tabacos, etc., representam um pedido de autorização parlamentar, nós não podemos de maneira nenhuma votar êsse pedido a favor dum Govêrno que não nos merece a menor confiança política.
Sr. Presidente: vou terminar, querendo deixar bem assento quanto tempo se tem perdido neste Parlamento em discussões que já podiam há muito estar terminadas, se a maioria Comparecesse às sessões.
Revolte-se o Sr. Presidente do Ministério contra á sua maioria, e não se revolte contra as oposições.
Não podemos admitir sequer o precedente estabelecido pela República, de se estar a votar assuntos importantes como são o imposto do sêlo, contribuição de registo, tabacos e regime cerealífero nos quatro dias que faltam para o encerramento dos trabalhos parlamentares. De-

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claramos que havemos de discutir tam largamente quanto possível êsses assuntos, quando na tela da discussão, não deixando votá-los de afogadilho.
Havemos de lançar mão de todos os meios regimentais para impedir que sejam transformadas em lei propostas que não tenham a necessária discussão, a discussão que o País exige.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Tôrres Garcia: — Sr. Presidente: nos termos, regimentais cumpre-mo enviar para a Mesa a minha moção de ordem.
Sr. Presidente: também intervenho neste debate, nele falarei como cidadão e como republicano, despido do todo o espírito de facção, absolutamente alheio a todas as contendas de ordem partidária, para pôr em meia dúzia de palavras perante os olhos do público a situação em que estamos, e para que todos os cidadãos, aqueles servidores das instituições republicanas que aqui têm assento, fiquem convencidos da necessidade imperiosa que há em congregarem os seus esforços à volta da salvação da Pátria e do regime.
O Govêrno tem tido insofismàvelmente boas intenções políticas, de que não podemos duvidar, porque é penhor dessa atitude o republicanismo e honorabilidade pessoal dos Ministros que o compõem, mas o que é certo é que circunstâncias estranhas à sua vontade têm impedido que êsse Govêrno realizo aquela obra em que se empenhou (Apoiados) e que o Parlamento tem facultado até certo ponto nas medidas que lhe têm sido solicitadas pelo mesmo Govêrno, como o fez, por exemplo, na legislatura passada. Todavia, os elementos que o Parlamento tem fornecido ao Govêrno têm-se disperdiçado nas suas mãos.
Apoiados.
A situação económica do País, realmente, não melhorou, o, entretanto, votaram-se algumas medidas que eram tidas como essenciais para a regeneração dessa situação.
Votámos uma tributação nova que se esfrangalhou, não dando resultados, e deixando-nos uma corrente de antipatias. Isto resulta, a meu ver, das medidas serem feitas por determinadas classes e não porvirem de estudos sérios dos gabinetes dos Ministros.
Apoiados.
As leis são eivadas de influências burocráticas, que só olham para os seus interêsses e não para os interêsses nacionais.
Apoiados.
Por exemplo: ontem reüniu o Senado Municipal de Coimbra para resolver sôbre o problema das sobretaxas, e pela secretaria da câmara foram apresentados números dos resultados das contribuições para sôbre êles incidirem as sobretaxas. Verificou-se assim que a contribuição predial urbana, da parte melhor da cidade, rendeu ao Estado apenas 142 contos; a contribuição industrial rendeu apenas 200 e tal contos, e a contribuição rústica apenas 166 contos!
Digam-me V. Ex.ªs o que representa isto, se isto é arrancar a pele ao contribuinte?! Não é; temo-nos iludido uns aos outros! E que nós fomos adoptar no nosso meio, onde não há sombra sequer de educação cívica, certas medidas que só se aplicam em meios adiantados.
Sr. Presidente: eu sou daqueles que ainda não entendem que o empréstimo tivesse sido uma medida desastrosa para o País.
O que é preciso é que haja bastante energia da parte do Sr. Ministro das Finanças para reprimir todas as especulações que por aí se fazem, em detrimento da economia do País.
Se realmente não fôr tomada essa atitude de firmeza, ficamos nas mesmas condições em que estaríamos se não tivéssemos contraído o empréstimo.
Os bancos, dificultando o ingresso dos escudos nos cofres do Estado, dizendo que não têm disponibilidades, o mesmo é que tornarem improdutivas todas as vantagens do empréstimo.
Verifica-se neste momento em Portugal a falência de todos os princípios da economia política e da sciência financeira.
Êste facto trouxe à Câmara o têrmo, até então desconhecido, da «inflação».
A inflação foi durante muito tempo a origem de todos os males. Mas agora, que os bancos gritam porque já não têm numerário para efectivar as suas operações e as associações comercial o industriai reclamam contra o desaparecimento

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do escudo, já a inflação não é um mal mas um recurso.
Ninguém percebe nada, porque todas estas cousas marcham sem uma trajectória definida, perfeitamente à mercê das circunstâncias, sem um critério scientífico a norteá-las, um alheamento da gravidade do momento, que bem mostra o criminoso intento de tudo se confundir porventura para provocar por parte da sociedade revoltada um acto de justiça popular.
Sr. Presidente: estamos a dois dias da eleição presidencial. É absolutamente indispensável que êsse acto encontre uma situação política que lhe não crie as mais insignificantes dificuldades.
É muito possível que o novo Chefe do Estado tenha de fazer uso de algumas das suas prerrogativas. E para que êsse uso possa ser feito sem desequilíbrios do ordem que poderão ser fatais, é necessário que todos nós republicanamente, patriòticamente, criemos em volta dessa eleição um ambiente político propicio.
A hora é grave, talvez mais grave do que foi o 19 de Outubro, porque sinto que estamos em face de um problema mais grave que naquela data, e se então todos os elementos da República se uniram num esfôrço único, porque não fazemos hoje o mesmo?
Porque não fazem neste lapso de tempo, que vai para a eleição do Presidente da República, uma obra republicana e moralizadora?
Se tivesse forças, eu, com os olhos postos apenas, na República, exortaria todos os republicanos para que reparassem nas minhas palavras e no propósito que as anima, que é o bem da Pátria e da República.
Tenho dito.
Foi lida e admitida a moção.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Pedi a palavra para agradecer as referências que se me dirigiram, que aceito, pois as julgo justas, porque apesar das nossas divergências políticas, elas nunca fizeram quebrar aquela estima que há muito tempo nos liga.
Disse S. Ex.ª que a realização do empréstimo tinha sido a falência do meu modo de ver. Pode V. Ex.ª discordar do meu modo de ver, mas eu estou convencido que um serviço prestei ao meu País com essa operação. Parece até que S. Ex.ª se esqueceu que o produto do empréstimo é para o deficit de 1922-23, e não para ocorrer às despesas do ano económico em que estamos.
Poderá S. Ex.ª dizer que na questão cambial o empréstimo não influiu tanta como se esperava, mas o que não teria sucedido se o empréstimo não se realizasse?
Com respeito à denúncia do modus vivendi com a França, êsse assunto não pode ser resolvido de um momento para o outro.
Como V. Ex.ªs sabem, não se podem criar despesas sem a correlativa receita, e assim nós acabamos de votar um grande aumento de despesa com o funcionalismo, assim como em breve se terá que fazer um novo crédito para os Transportes Marítimos.
Sr. Presidente: perante êste estado de cousas, eu pregunto se o Govêrno pode de algum modo deixar de dizer ao Parlamento que lhe indique a maneira de cobrir êste deficit, ou se quere que continue com a vida que tem levado até hoje.
Se eu quisesse apresentar mais queixas, ainda o poderia fazer, mas referir-me hei apenas a um assunto para o qual eu tantas vezes reclamei a atenção do Parlamento e sôbre o qual nunca me quiseram ouvir: foi o de não me deixarem em tempo preencher as vagas existentes nas repartições de finanças, e o resultado foi de que num grande número de concelhos não se puderam abrir os cofres para a contribuição predial, e para a contribuição industrial por muito boa vontade que haja não se poderão abrir os cofres em Outubro.
Isto é de uma enorme gravidade, pois há dezenas e dezenas de concelhos sem chefe de repartição de Fazenda.
Quando queria fazer promoções não as podia fazer, e não podia pôr à frente dessas repartições qualquer indivíduo.
Quando a Câmara resolveu, a propósito da lei dos funcionários públicos, autorizar-me a preencher êstes lugares, eu declarei que a intenção do Govêrno não era nomear ninguém de novo.
Quero referir-me ainda ao Sr. Carvalho da Silva, e isto só para repetir que não estou de acôrdo com S. Ex.ª com res-

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peito ao agravamento do imposto, em que S. Ex.ª diz que é cousa inaceitável, pois eu continuo a dizer que a capacidade tributária não está excedida.
V. Ex.ªs, quando se trata de um aumento ao funcionalismo público, põem-se ao lado dos que reclamam, dizem que é preciso pagar mais, porque êles não podem viver.
Ora eu pregunto a V. Ex.ª se com o Estado não se dá a mesma cousa e se a desvalorização da moeda se não dá da mesma forma!
E, sendo assim, porque é que as receitas não hão-de ser elevadas também?
No dia em que eu trouxer essa proposta, eu sei qual a atitude de V. Ex.ª
E combatê-la.
Algumas palavras devo dizer também sôbre as considerações feitas pelo Sr. Tôrres Garcia, porque conveniente é fazer declarações sôbre a questão do empréstimo.
Na verdade, parece que causou uma certa surpresa a última circular expedida pela Direcção Geral de Fazenda Pública, determinando que as prestações que faltavam cobrar do empréstimo o passassem a ser nas tesourarias de finanças; sôbre isto bordaram-se comentários e correram logo desencontrados boatos, e é portanto conveniente, não só para o Govêrno como para o bom nome do País, pôr a questão como deve ser.
Em primeiro lugar devo afirmar que não houve por assim dizer uma desconfiança para com os Bancos, nem o Govêrno praticou qualquer acto irregular em fazer tal determinação, porque as condições da realização do empréstimo determinavam apenas que a primeira entrega fôsse feita no acto da subscrição e a segunda entrega de dinheiro, quando se fizesse o rateio, é que era feita nos Bancos, e as outras entregas eram feitas ao Estado.
Os Bancos por falta de pessoal próprio não entregaram no Ministério das Finanças, no prazo que lhes fora marcado, todos os documentos relativos ao empréstimo, e assim é que a prestação seguinte ainda foi feita pelos Bancos.
Começaram depois a aparecer reclamações de várias pessoas, dizendo que tendo liberado os seus títulos não lhes eram entregues.
Se êsses títulos não eram entregues é porque êsses Bancos não tinham ainda liquidado com o Ministério das Finanças, porque a todos aqueles que liquidaram com o Ministério das Finanças imediatamente a Fazenda Pública entregava ao Banco os títulos que estavam liberados, e assim é que foram entregues aos seus possuidores para cima de 50:000 títulos.
Como os Bancos começaram a dizer que tinham muitas dificuldades, e como não se podia precisar se os títulos esteavam ou não liberados, intimei os Bancos a entregar imediatamente todos os documentos, e que fôsse nas repartições do Estado que se entregassem as respectivas quantias.
Posso afirmar neste momento que não houve qualquer falta?
Não posso; contudo quero crer que nenhum Banco praticou qualquer irregularidade. Mas se alguém a praticou, tenha V. Ex.ª a certeza de que haverá da parte do Govêrno toda a energia.
Quanto às considerações do Sr. António Fonseca, eu já tive ensejo, quer nesta Câmara, quer hoje no Senado, do dizer que há na verdade uma certa confusão nas reclamações que vêm de ser feitas ao Govêrno sôbre a fiscalização que êle exerce sôbre os Bancos.
Ora essa fiscalização, exercida sôbre os Bancos em harmonia com a lei de 1896, não é exercida pelo Ministério das Finanças.
Ora o Ministério das Finanças não tem nada com os Bancos nem com a sua criação, visto que êsse assunto está dependente do Ministério do Comércio.
A única fiscalização que efectivamente por parte do Govêrno se pode exercer é relativa à questão cambial.
Essa é que efectivamente se pode exercer para ver se se fazem operações sem necessidade.
Qualquer outra fiscalização não cabe dentro das atribuïções do Ministério das Finanças, e mesmo aquela fiscalização que o Ministério do Comércio pode exercer não é fácil de ser executada, porque a lei bancária de 1896 está muito antiquada.
Há uma necessidade absoluta de a actualizar, para evitar diferenças e desigualdades de tratamento, porque uma das grandes deficiências dessa lei é que a fis-

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calização se pode exercer apenas sôbre os bancos e não sôbre as casas bancárias.
Contudo se V. Ex.ª fôr ver, as operações bancárias feitas na praça, verá que uma grande parte dessas operações não são feitas por bancos mas por casas bancarias, e com esta agravante: é que ao passo que os bancos têm um capital do alguns milhares de contos, casas bancárias há que fazem enormes operações apenas com um capital de 200 a 300 contos.
Ainda um outro motivo se dá que reclama a modificação dessa lei; é que, além das casas bancárias, há hoje muitas outras casas que, não tendo essas características, estão a exercer operações bancárias.
Quanto ao facto que apresentou o ilustre Deputado Sr. António da Fonseca, de haver casas que vendem mais caro, ou casas que não querem vender, eu devo dizer que efectivamente acontece haver bancos que oferecem cambiais a um preço muito mais exagerado do que outros, mas isso muitas vezes não é feito com fins especulativos.
É porque estão a descoberto e o que precisam é comprar e não vender.
Isto dá origem, não há dúvida, a que se faça uma grande especulação no País, mas até hoje, e eu posso neste ponto falar com uma certa autoridade, porque assisti a várias conferências de carácter financeiro que se tem realizado, apesar dêsse assunto ter sido largamente debatido pelas maiores sumidades e autoridades no assunto, a verdade é que ainda ninguém encontrou remédio a opor-lhe.
Pode S. Ex.ª estar certo do que os efeitos da portaria devem ser remediados, quer por êste, quer por outro Govêrno, e que a legislação respectiva será actualizada por forma a satisfazer as exigências modernas, exercendo-se a precisa fiscalização sôbre todos os organismos bancárias.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito Bem.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita: — Requeiro a V. Ex.ª que se interrompa a sessão até amanhã à hora regimental.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Proponho, que seja concedida a palavra aos oradores inscritos, ficando para amanhã a votação, antes da ordem do dia.
Postas à votação as propostas dos Srs. Pedro Pita e Joaquim Ribeiro, foram rejeitadas.
O Sr. Pedro Pita: — Necessito responder às considerações do Sr. Presidente do Ministério, mas, não se encontrando S. Ex.ª nesta sala, peço a sua comparência.
O Sr. Presidente: — Acabo de ser informado de que o Sr. Presidente do Ministério se retirou do Parlamento por motivo urgente de serviço público.
Pausa.
O Sr. Pedro Pita: — Eu preciso responder às considerações do Sr. Presidente do Ministério. O Sr. Ministro das Finanças não- pode estar habilitado a responder-me, nem o Regimento tal permite, visto não se tratar da discussão de qualquer projecto.
Àpartes e agitação.
O Orador: — O Sr. Presidente do Govêrno é que responde pela política geral do Ministério.
Ninguém o pode substituir neste debate.
O Sr. Presidente: — O Sr. Presidente do Ministério ausentou-se do Congresso por motivo urgente de serviço público. Não posso dar a V. Ex.ª mais nenhuma explicação.
Não há artigo nenhum do Regimento que obrigue o Sr. Presidente do Ministério a estar presente.
Se V. Ex.ª entende que à presença de S. Ex.ª é indispensável para poder fazer as suas considerações, V. Ex.ª só tem de requerer que seja consultada a Câmara sôbre se consente que V. Ex.ª fique com a palavra reservada para a sessão de amanhã.
O Orador: — Eu não requeiro a V. Ex.ª Sr. Presidente, que consulte a Câmara nesse sentido, porque já sei que a Câmara não aprova.
E por consequência, vamos lá a discutir e assim nos maçaremos reciprocamente.

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Uma voz: — É simplesmente uma violência!
O Sr. João Luís Damas: — Violências fazem V. Ex.ªs constantemente. Eu estou aqui desde 1911.
O Orador: — Tenho que começar por salientar que uso da palavra neste momento por uma violência da maioria.
Não apoiados.
Protestos.
Tumulto.
O Sr. João Luís Damas: — Os senhores é que andam sempre com artimanhas.
Eu estou aqui sempre!
Depois da votação do requerimento, ouviu-se aqui, alto e bom som, alguém dizer: Então vamos falar toda a noite?
Vozes: — À violência responde-se com violência!
Faltam 20 minutos para as 2 horas.
O Orador: — Há de facto uma disposição regimental que determina que, ao discutir-se um projecto de lei, pode qualquer dos Srs. Ministros dar-se por habilitado a responder por outro, mas essa disposição respeita apenas à discussão dos projectos de lei.
Foi devidamente anunciada uma interpelação, a qual se realizou, tendo-se generalizado o debate. Em virtude da sua generalização produziram-se declarações da parte dos Srs. Deputados da oposição, da parte dos Srs. Deputados da maioria e da parte do Sr. Presidente do Ministério.
Num determinado momento, quando a interpelação estava quási a terminar, quando, até aí, apenas estava posta uma questão de confiança, surgiu, posta pelo Sr. Presidente do Ministério, uma nova questão.
O Sr. Júlio Gonçalves: — O Sr. Cunha Leal não é o leader do Partido Nacionalista?
O Orador: — Como eu ia dizendo, o Sr. Presidente do Ministério, num determinado momento, pôs uma nova questão, estabelecendo como que um dilema: ou nestas duas sessões se votam determinadas propostas de lei para cuja discussão seriam necessárias muitas sessões, ou a sessão legislativa tem de ser prorrogada.
Não foram estas as palavras de S. Ex.ª, mas foi a idea que eu depreendi delas.
Ouvi com toda a atenção o discurso do Sr. Presidente do Ministério, indo para o pé de S. Ex.ª para melhor o ouvir, e imediatamente pedi a palavra, quando S. Ex.ª terminou.
Não tem, portanto, a Câmara o direito de supor que eu pedi a palavra com outro propósito que não fôsse o de fazer considerações em resposta às que produziu o Sr. Presidente do Ministério.
Era legítimo, ninguém deixará de reconhecer que era legítimo, o requerimento por mim feito para que a sessão não fôsse além da hora em que estamos, porque, a ir mais além a sessão, isso representaria, sob todos os pontos de vista, um sacrifício grande para muitos Senhores Deputados.
Para que as minhas palavras não pudessem ser entendidas de diverso modo, eu pretendi significar que não desejava com êste meu requerimento dirigir quaisquer censuras à maneira como a maioria votou.
Embora se não quisesse aceitar o meu requerimento, que era justo sob todos os pontos de vista, ao menos que se aceitasse o requerimento do Sr. Joaquim Ribeiro.
É um facto que eu verifiquei, é um facto que todos nós temos visto, que a maioria quando de verdade se sente com maioria gosta de liquidar ràpidamente os assuntos, e recusa sistematicamente os pontos de vista de qualquer Deputado da oposição.
Hoje chegou-se a esta situação: é que apresentando o Sr. Presidente do Ministério uma nova questão, e sendo natural e absolutamente lógico que a propósito dessa nova questão surjam reparos ou considerações por parte dos Deputados da oposição, o Sr. Presidente do Ministério, por motivos que eu quero crer que são os mais razoáveis e os mais justos, abandona num determinado momento a sessão, e assim as considerações que desejávamos fazer na presença de S. Ex.ª são feitas para o espaço.

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Eu creio que no íntimo poucos serão aqueles que ouvindo a exposição serena que acabo de fazer me não dêem inteira razão.
Já que por sentença de que não há recurso eu estou condenado a responder ao Sr. Presidente do Ministério sem S. Ex.ª me ouvir, já que por decisão de que eu não posso apelar tenho de responder a quem me não ouve nem me pode ouvir, já que eu não tenho maneira de fazer ouvir a S. Ex.ª os argumentos que eu desejava empregar para demonstrar que a S. Ex.ª não assistia o direito. de neste momento pôr essa nova questão, eu não tenho remédio senão apresentar êsses argumentos, mesmo sem S. Ex.ª os ouvir, isto num descargo de maneira de ver. e num propósito apenas de marcar um ponto de vista e definir uma atitude. Vem a propósito responder ao ilustre Deputado Sr. Júlio Gonçalves, que no àparte que me dirigiu mostrou que lhe parecia, extraordinário que, tendo o Sr. Cunha Leal, ilustre leader do meu partido, pedido a palavra para explicações e respondido às primeiras considerações do Sr. Presidente do Ministério, eu viesse depois usar da palavra.
Perante as declarações feitas inicialmente pelo Sr. Presidente do Ministério, o ilustre leader do meu partido definiu um ponto de vista dêsse partido; perante as considerações apresentadas pelo Sr. Presidente do Ministério em resposta ao Sr. Cunha Leal, deixando ver mais fàcilmente o seu propósito e os seus pontos de vista, era lógico, era natural que algum parlamentar dêste lado da Câmara pedisse a palavra e fizesse considerações a propósito dessas declarações do Sr. Presidente do Ministério.
Estranhável e extraordinário seria que, tendo o Sr. Cunha Leal definido uma política, eu viesse agora definir uma política contrária.
O Sr. Presidente do Ministério apresentou à Câmara, como há pouco eu disse, embora S. Ex.ª o fizesse em palavras veladas, um dilema: ou nas duas sessões que faltara para o encerramento dos trabalhos parlamentares se votam determinadas medidas de que o Govêrno faz questão, ou então prorroga-se a sessão pelo tempo que a maioria quiser para que se votem essas medidas.
Invocou-se o que se passou no último ano com a votação de vários projectos e propostas de lei.
É má a invocação e é mau o exemplo citado.
Lembra-se muito bem a Câmara com que precipitação, e com que intensidade de trabalho foram votados êsses projectos e essas propostas de lei.
Lembra-se também a Câmara como se trabalhou todo o mês de Agosto com sessões de manhã, à tarde e noites inteiras, mas resultando pouco profícuo êsse trabalho parlamentar. O que votámos então? Votámos a remodelação do nosso sistema tributário e chegámos a esta cousa formidável que para aí está, que para aí vigora, e que podendo dar receitas importantes para o Estado, apenas resultou num trabalho. absolutamente perdido. E porquê? Justamente por estar mal feito, justamente por ter sido feito com precipitação.
E pela precipitação com que foi feito, verifica-se que não houve o cuidado necessário da parte dos, Srs. Deputados que entraram neste debate. Pretende-se simplesmente alijar a carga.
Veja-se como foi aprovada a lei dos Transportes Marítimos, lei que ficou uma cousa que para nada serve. É o resultado dos assuntos serem aprovados de afogadilho.
Uma nova prorogação nesta época, em que todos se sentem cansados e precisam ir tratar da sua saúde, seria improfícua pelas constantes faltas de número que certamente se dariam.
Eu posso lá compreender, Sr. Presidente, que, em tais condições, se pretenda discutir, a lei do sêlo, que envolvo uma tributação sumptuária e uma contribuição sôbre rendas de casas!
Posso lá compreender que se pretenda reformar completamente uma legislação especial sôbre uma matéria tam importante, como talvez se possa afirmar que é a matéria mais importante no que respeita a impostos, porque é justamente êsse imposto e que incide, indistintamente, sôbre ricos e pobres, e que muitas vezes vai agravar aquele que menos pode pagar; posso lá compreender que uma proposta desta ordem seja discutida de afogadilho, à última hora, em sessão prorogada pela noite dentro, na preocupação de

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mais depressa deixar os trabalhos parlamentares para mais depressa ir fazer o tratamento da saúde que é legítimo?!
Mas pareço que o Govêrno não pretende,, simplesmente, discutir nesta ocasião a proposta de lei referente ao imposto de sêlo, mas lazer reviver, discutindo, a proposta de lei relativa ao contrato dos tabacos.
Foi o próprio Sr. Presidente do Ministério que, quando se refere a essa proposta, salientou que é necessário não fazer reviver na sua discussão as velhas questões que a rodeiam, as velhas campanhas que era redor dela se fizeram no tempo da monarquia, quando pela última vez se fez o contrato dos tabacos.
É essa proposta que nós teríamos de discutir assim à pressa e em sessão prorogada?!
Isso daria lugar a todas as campanhas e suspeições que se levantaram no tempo da monarquia.
Mas, além dessa proposta, o Govêrno deseja também que seja discutida a proposta do regime cerealífero, discussão que devia igualmente ser feita ràpidamente em sessão nestas condições, e todos nós sabemos que o regime cerealífero, que o pão político é alguma cousa que apaixona todo o País, que apaixona muitos dos Srs. Deputados, o que, aliás, é legítimo, visto ser uma proposta muito importante, que vem procurar solução para um assunto que tem custado ao Estado alguma cousa como seja metade da importância que o Govêrno recebeu proveniente do empréstimo.
É tam pequena a importância que resulta a existência do pão político que cêrca da metade da importância proveniente do empréstimo foi absorvida por êsse pão político!
Também o Govêrno pretende que se discuta a proposta de lei relativa à contribuição de registo, com a mesma pressa e nas mesmas condições, proposta que tem disposições muito importantes, como é aquela que respeita à transmissão da propriedade e que precisa de ser muito meditada.
Não porque me assuste o argumento da desnacionalização da propriedade, porque não acredito nisso, mas porque é fácil ao estrangeiro, atenta a desvalorização da nossa moeda, fazer uma valorização que não é real, à propriedade, e tudo o que representa um preço não real a mercadoria perturba evidentemente a vida económica do País.
Evidentemente que eu não desejarei ver essa matéria regulada nos termos em que está, e que representa de facto um odioso para êsses indivíduos, e que pode apresentar num determinado momento alguma cousa de mais grave, que é a não entrada no País, de quantias importantes representadas em ouro, quantias que são realmente bastante importantes, e que de algum modo contribuem, pelo aparecimento de uma maior quantidade de ouro no mercado, para o não agravamento da situação cambial.
Pretende-se ainda discutir a proposta referente aos Transportes Marítimos.
Não serviu o exemplo do ano anterior com a primitiva proposta, porque se reincide no mesmo êrro!
No que respeita às outras propostas, é de facto a reincidência no êrro, embora em assuntos diversos.
Não se quere reconhecer a precipitação com que foi discutida a proposta dos Transportes Marítimos na sessão passada, e que nada aconselha que neste ano se faça uma discussão em condições semelhantes.
Há ainda um argumento que é de ponderar.
Todos nós estamos cansado dos trabalhos parlamentares. É natural que assim seja, e só não estará fatigado nesta altura quem pelos trabalhos parlamentares se não interessa, e quem apenas aparece na Câmara para fazer ofício de corpo presente e que não tenha outras ocupações na vida.
Justamente essa fadiga, justamente pelo trabalho intensivo nesta época do ano, pode levar com facilidade qualquer pessoa, não digo à exasperação, mas à irritação.
Evidentemente que todas as questões irritadas são prejudicadas, e a discussão não se faz de uma maneira serena, nem se faz em condições normais de trabalho nestes termos.
Uma discussão em tais condições não poderá ser nunca tam proveitosa como aquela que se faz em condições perfeitamente normais.
Reconhecem todos os regulamentos de

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todos os serviços a necessidade de descanso para todos os funcionários, estabelecendo-se licenças de determinado tempo, não lhes sendo descontadas, nem em tempo de serviço, nem em tempo de aposentação.
E assim, é o próprio Estado que reconhece que não há funcionários que não necessitem de um determinado descanso.
Existindo as mesmas razões que se davam quando se votou a última prorrogação, para se entender que ela não deveria ir além do prazo que se fixou seria lógico que não se procurasse fazer uma nova prorrogação.
O que se poderia fazer era reabrir o Parlamento um mês ou dois meses antes da data que a Constituïção marca para abertura normal das Câmaras.
Então os parlamentares teriam algum tempo para descansarem das suas fadigas, e voltariam aqui em boas condições de trabalho para serem vetadas as medidas que se julgassem mais urgentes.
O que se tem visto é que o Sr. Presidente do Ministério só tem pressas à última hora.
Já o ano passado surgiu à última hora o Sr. Presidente do Ministério a fazer questão de determinadas propostas, entrando-se no regime que classifiquei de trabalhos forçados.
De novo, êste ano surge o Sr. Presidente do Ministério a pôr esta questão; e quando a vem pôr?
Quando faltam apenas umas três sessões para se encerrar o Parlamento.
E no entretanto, de todas estas propostas parece-me, não o posso afirmar, porque a ordem do dia é tam grande como uma lista de restaurant, que realmente não se lê senão com certo tempo; no entretanto, repito, apenas uma dessas propostas está incluída na ordem do dia.
Não houve, portanto, pressa nenhuma de votar essas propostas, e só agora, quando a sessão está para se encerrar, quando faltam apenas duas sessões para serem encerrados os trabalhos parlamentares, surge a urgência da discussão dessas propostas!
Sr. Presidente: não se me afigura o mais produtivo êste método de trabalhos em que o Govêrno, menos pelas considerações que eu fiz, mas mais pelas considerações que os seus próprios correligionários lhe farão, vai reconhecer que representa, de facto, uma exigência formidável e, sob o ponto de vista do esfôrço que é exigido, é uma exigência menos legítima, ponderando que não tem necessidade, em vista das declarações feitas pelo ilustre leader do meu Partido, de quaisquer negociações para ter a certeza de que pode antecipar os trabalhos parlamentares, de que a nossa atitude não tem como propósito o evitar a discussão dessas propostas, mas somente o do procurar uma melhor marcha de trabalho, melhores condições de trabalho.
Àpartes.
O Orador: — Dizia eu, Sr. Presidente: que o Govêrno, mais pelo raciocínio que os membros que o compõem farão, mais pelas próprias considerações que lhe farão os Srs. Deputados que o apoiam, vai reconhecer, repito, que seria uma exigência grande manter o Parlamento aberto nestas condições.
Sr. Presidente: quando comecei a usar da palavra fui recebido pelos inimigos na ponta das espadas. Pois invoco o testemunha dos Srs. Deputados, que assim me receberam, para que sinceramente digam se as minhas considerações não eram lógicas, se realmente as considerações que eu fiz não eram aquelas que lògicamente eram de esperar, expondo apenas um ponto de vista dêste lado da Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem os «àpartes» foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Marques Loureiro: — Sr. Presidente: afigura-se-me que a Câmara está convencida de que a atitude dos parlamentares do Partido Nacionalista não tinha por fim o obstrucionismo; porquê, se assim fôsse, mesmo que êsses Deputados fossem muito ignorantes, e eu sou muito ignorante, não teriam desistido da palavra, como o Sr. Francisco Cruz; e outros fizeram, e ao entrar-se na altura das votações não estariam dentro da sala em número bastante fraco para que elas se pudessem efectivar.
E, portanto, o Partido Nacionalista quem mais uma vez salva o Govêrno,

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agarrando-o pelos cabelos, quando os seus correligionários parecem querer derrubá-lo.
Esta atitude, que não é de amigo más de adversário leal, afirma-se mais uma vez, e agora pela bôca de um soldado bisonho, precisamente para que o Govêrno, bem ou mal — e eu acho mal — não saia daqui desmoralizado.
Sr. Presidente: pedi a palavra em meu nome individual, como quem não deve a ninguém a cabeça que tem, e assume sempre inteira responsabilidade dos seus actos, para afirmar, visto que está tudo invertido, que achei bem que o Sr. Ministro das Finanças mostrasse não ter confiança na maioria, e lembrando a velha frase dos apaches: «Quanto mais tu me bates, mais gosto de ti», devo dizer que a reprimenda de S. Ex.ª à maioria foi oportuna.
Sr. Presidente: afirmou, o Sr. Ministro das Finanças que a causa principal por que os cofres não estavam já abertos para a cobrança das contribuições era a falta de grande número de empregados.
Ora, a êste respeito, eu permito-me citar à Câmara um caso muito interessante:
Em Viseu, onde resido, foi anunciada por edital, com data de 25 de Julho, a abertura do cofre para cobrança das contribuições predial, rústica, urbana, aplicação de capitais, etc.
Os conhecimentos foram mandados para a tesouraria, mas a Câmara Municipal, tendo conhecimento de que no Diário do Govêrno do dia imediato seria publicada a lei n.º 1:453, mandou retirá-los da tesouraria, sem sequer ter prevenido os contribuintes, evitando-lhes o incómodo de abandonarem os seus trabalhos inutilmente.
Aqui tem V. Ex.ª a razão de não estar ainda aberto o cofre, que não é por falta de pessoal, mas para lançar os adicionais a que se refere a lei a que há pouco aludi.
Êste caso é rigorosamente verdadeiro e pode ser verificado pelo original do edital que tenho em meu poder.
Sr. Presidente: a confusão nas contribuições é enorme, e tam grande ela é, que, preguntando a funcionários antigos e zelosos qual o montante dessas contribuições (adicionais), êles não sabem quanto será.
Não tem, pois, o Sr. Ministro das Finanças razão quando afirma que é devido à falta de empregados que os cofres não estão abertos.
Não é porque não haja empregados bastantes, ou não estejam os cofres preparados para a recolha das contribuições, mas porque naturalmente as necessidades políticas, as necessidades do Poder, ou daquela baixa política, que é a de campanário, tudo confundem e tudo misturam.
Aqui tem V. Ex.ª porque os cofres não abrem! Não há necessidade de mais empregados!
Apoiados.
Sr. Presidente: não sei a que propósito do debate político o Sr. Ministro das Finanças quis fazer estas declarações no discurso que há pouco proferiu. Seria, porventura, para justificar aquela atitude cominatória contra a maioria, como disse o Sr. Cunha Leal? Mas isso é entre o Govêrno e a maioria!
Apoiados.
Sr. Presidente: salientando que nós não temos dentro da Câmara número suficiente para votações, eu interrompo a vigília daqueles que estão desesperados para irem obter um descanso bem ganho, dando por findas as minhas considerações, mas sem deixar de salientar mais uma vez que se o debate político não termina hoje não é por culpa do Partido Nacionalista, pois que a maioria é que desamparou o Govêrno, e nós em todas as sessões em que se pediu a prorrogação das mesmas para se liquidar o debate político, votámos sempre a favor dessas prorrogações; mas a maioria não as quis aceitar.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr: Presidente: — Está encerrada a discussão.
O Sr. Vergílio Saque (para um requerimento): — Sr. Presidente: requeiro que V. Ex.ª consulte a Câmara sôbre se consente a prioridade da votação para a moção do Sr. António Dias.
Consultada a Câmara, é aprovado o requerimento.

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O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º do Regimento.
Procede-se à contraprova.
O Sr. Presidente: — Estão sentados 45 Srs. Deputados o do pé 2.
Não há número.
Vai fazer-se a votação nominal.
Procede-se à votação nominal.
Disseram «aprovo» os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Resende.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Serafim de Barros.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Disseram «rejeito» os Srs.:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio do Vasconcelos.
Francisco Cruz.
João do Ornelas da Silva.
Júlio Gonçalves.
Lúcio de Campos Martins.
Paulo Cancela de Abreu.
As moções serão publicadas quando sôbre elas se tomar uma resolução.
O Sr. Presidente: — Responderam à chamada 50 Srs. Deputados.
Não há número.
A próxima sessão é hoje às 14 horas, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem:
Meia hora para os Srs. Deputados usarem da palavra sôbre vários assuntos e meia hora para discussão de projectos.
A que estava marcada menos os pareceres n.ºs 431, 530 e 548 e mais:
Parecer n.º 451, que abre um crédito de 20. 000$ para reforçar a verba do capítulo 11.º, artigo 50.º, do orçamento de 1921-1922 do Ministério das Finanças.
Parecer n.º 235, que estabelece as regras a seguir no pagamento pelo Estado das indemnizações reclamadas por nacionais portugueses à Alemanha.
Ordem do dia — Primeira parte:
A de hoje menos o projecto relativo ao subsídio do Presidente da República.
Segunda parte:
Projectos de lei n.ºs 532-D, e 423-A, que regulam q regime cerealífero, e todos os pareceres da segunda e terceira partes que estavam marcados, com excepção da interpelação.
Está encerrada a sessão.
Eram 2 horas e 50 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Últimas redacções
Do projecto de lei n.º 600, que fixa o subsídio do Presidente da República.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.

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Sessão de 1 de Agosto de 1923
Do projecto de lei n.º 571, que melhora a situação dos mutilados e estropiados da guerra com 20 por cento ou mais de invalidez e a dos militares promovidos ao abrigo da lei n.º 1:158.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
Proposta de lei
Dos Srs. Ministros das Finanças e Colónias, tornando extensiva à colónia de Moçambique a autorização concedida à de Angola pela lei n.º 1:131 para contrair empréstimos de fomento.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de colónias.
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 532-B, que equipara as pensões dos empregados aposentados da Imprensa Nacional às que couberem aos empregados do mesmo estabelecimento de igual categoria e tempo de serviço.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.º 353-B, que dá direito à ajuda de custo de vida estabelecida pelo decreto n.º 7:088 aos militares a quem tenha sido arbitrada percentagem de invalidez igual ou superior a 50 por cento.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.º 3-I, que autorizou a Câmara Municipal de Vila Nova de Paiva a vender diversos lotes de terreno baldio.
Imprima-se.
Da comissão de administração pública, sôbre o n.º 594-D, que autoriza o Govêrno a caucionar um empréstimo que a Câmara Municipal de Chaves vai contrair para abastecimento de águas e continuação de um novo bairro.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de finanças, sôbre projectos de lei e reclamações para alteração da lei n.º 1:368, de 21 de Setembro de 1922.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.º 567-B, que reorganiza os serviços da Biblioteca Nacional de Lisboa.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.º 594-D, que autoriza o Govêrno a caucionar um empréstimo a contrair pela Câmara Municipal de Chaves para abastecimento de água e continuação de um novo bairro.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.º 591-B, que fixa os vencimentos dos assistentes dos Institutos de Medicina Legal.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.º 590-A, que determina que os terceiros oficiais dos correios e telégrafos com mais de 30 anos de serviço sejam equiparados a segundos oficiais para efeito de vencimento e aposentação.
Imprima-se.
Senhores Deputados. — A vossa comissão de finanças, tendo sido chamada a pronunciar-se sôbre as alterações feitas pelo Senado ao parecer n.º 486, votado por esta Câmara, de vários reforços de verbas por proposta apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças, é de parecer que essas alterações devem ser aceitas por esta Câmara.
Sala das sessões da comissão de finanças da Câmara dos Deputados, 24 de Julho de 1923. — F. G. Velhinho Correia — Viriato da Fonseca — Mariano Martins — F. C. Rêgo Chaves — Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro — Anibal Lúcio de Azevedo — Vergílio Saque — Lourenço Correia Gomes, relator.
Da comissão de colónias, sôbre o n.º 596-A, que torna extensiva à colónia de Moçambique a autorização concedida pela lei n.º 1:131 à colónia de Angola para contrair empréstimos de fomento com a garantia da metrópole.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 596-A.
Imprima-se.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.

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