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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 141
EM 3 DE AGOSTO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Aberta a sessão com a presença de 44 Srs. Deputados, é lida a acta e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Carlos de Vasconcelos pede providências contra a crise que afecta a Ilha da Boa Vista, arquipélago de Cabo Verde Responde lhe o Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva).
O Sr. Fausto de Figueiredo ocupa se da falta de mão de obra em S. Tomé. Responde-lhe o Sr. Presidente do Ministério.
Entra em discussão o parecer n.º 542. Aprovado na generalidade. Aprovado o artigo 1.º da comissão de marinha, confirmando-se a aprovação em contraprova, com contagem. Aprovam-se os restantes artigos.
Prossegue a discussão sôbre o parecer n.º 98 (na especialidade). O Sr. Abílio Marçal propõe dois artigos novos.
Sôbre o artigo 2.º usa da palavra o Sr. Tôrres Garcia.
É aprovada a acta da sessão anterior.
Lê-se uma última redacção. Aprovada.
O Sr. Presidente comunica a noticia do falecimento do Sr. Presidente da República dos Estados Unidos da América do Norte e propõe um voto de sentimento.
Associam-se à proposta os Srs. Almeida Ribeiro, Álvaro de Castro, Morais Carvalho e Agatão Lança.
O Sr. Pedro Pita propõe o encerramento da sessão em sinal de sentimento. Sôbre esta proposta usam da palavra os Srs. Joaquim Ribeiro, Almeida Ribeiro e Cancela de Abreu.
Associa-se também ao voto proposto pelo Sr. Presidente o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira), em nome do Govêrno.
O Sr. Pedro Pita retira a sua proposta.
Aprovada a proposta do Sr. Presidente para se interromper a sessão.
Reabertos os trabalhos, o Sr. Abílio Marçal propõe que a Câmara dos Deputados tome a iniciativa da convocação do Congresso para resolver sôbre uma nova prorrogação.
Usam da palavra sôbre o modo de votar os Srs. Pedro Pita e Abílio Marçal. O Sr. Pedro Pita requere votação separada para a urgência e dispensa do Regimento. Foi rejeitado êste último requerimento e confirmada a rejeição em contraprova.
O Sr. Pedro Pita requere votação nominal vara a urgência e dispensa do Regimento pedida pelo Sr. Abílio Marçal. Aprovado.
Aprovam 53 Srs. Deputados contra 31.
O Sr. Abílio Marçal requere a prorrogação da sessão até se votar a proposta apresentada.
Usa da palavra sôbre o modo de votar o Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Pedro Pita requere votação nominal. Aprovado.
O requerimento do Sr. Abílio Marçal é aprovado por 56 votou contra 25.
Entra em discussão a proposta, sôbre a qual se pronunciam os Srs. Carvalho da Silva, Joaquim Ribeiro e Cancela de Abreu, que fica com a palavra reservada por ser interrompida a sessão.
Reaberta a sessão, continua no uso da palavra o Sr. Cancela de Abreu, ao qual se seguem os Srs. Fausto de Figueiredo, Cunha Leal, Joaquim Ribeiro e Morais Carvalho, cujas moções são admitidas.
Verificado não haver número, fez-se a chamada que confirma a falta de número.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.
Abertura da sessão às 15 horas e 25 minutos.
Presentes à chamada 44 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.

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Diário da Câmara dos Deputados
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Albino Pinto da Fonseca.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Ginestal Machado.
António de Paiva Comes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Francisco da Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Pedro Ferreira.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Martins.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes dar Fonseca.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António de Abranches Ferrão.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João EstêVão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
Sebastião de Herédia.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.

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Sessão de 3 de Agosto de 1923
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Américo da Silva Castro.
António Correia.
António Dias.
António Lino Neto.
António Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Pereira Bastos.
João Salema.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José do Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Às 15 horas e 15 minutos principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 44 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Dos ajudantes do registo civil de Amarante, Valongo, tesoureiros municipais de Viseu e Lousã, e sargentos da guarnição da Madeira, pedindo melhoria de vencimentos.
Para a Secretaria.
Do Centro Comercial do Pôrto, pedindo para ser aprovada a proposta do Sr. Ministro das Finanças relativa ao despacho de mercadorias originárias de França.
Para a Secretaria.
Ofício
Do presidente do Tribunal Mixto Militar Territorial de Marinha, pedindo a com parência naquele Tribunal, no dia 5 de Julho, pelas doze horas, dos Srs. Deputados José Domingues dos Santos e Albino Pinto da Fonseca.
Para a Secretaria.
Arquive-se.
Requerimento
De Alfredo Leite de Macedo, ex-soldado da guarda nacional republicana, pedindo uma pensão.
Para a comissão de guerra.

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Diário da Câmara dos Deputados
Representação
De várias senhoras, pedindo a aprovação do parecer n.º 493, sôbre a repressão do jôgo de fortuna ou azar.
Para a Secretaria.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Sr. Presidente: informações particulares vindas de Cabo Verde dizem-me que na Ilha da Boa Vista se está morrendo de fome, e que, correspondendo aos apelos feitos pelas corporações locais, o governador interino da província limitou-se a enviar seis sacos de milho podre.
Sr. Presidente: já estou cansado de bradar nesta Câmara que não podemos deixar continuar aquela província na situação vexatória e repugnante em que se encontra.
Como está presente o Sr. Presidente do Ministério, mais uma vez apelo para S. Ex.ª para que não deixe continuar aquela situação miserável de, por deficiência de recursos, estarem morrendo de fome indivíduos que, indubitavelmente, são valores económicos a aproveitar.
O governador interino da província, um unhas de fome, como lhe chamou o Sr. Ministro das Colónias, limitou-se a enviar, repito, seis sacos de milho podre.
Escuso de classificar êste procedimento, e sinto-me quási disposto a não falar, porque as minhas palavras soam já falso.
Tenho reclamado, tenho bradado para que providências sejam dadas, mas a verdade é que tudo continua na mesma.
Se o governador interino não tem qualidades para continuar à testa da província, o governador eleito pelo Senado que siga com urgência para fazer face a esta situação, pois que se aproxima a época mais difícil, que é a das chuvas.
Se é a Ilha da Boa Vista, que hoje reclama socorro; amanhã serão as outras que apelarão para a metrópole, visto não conseguirem demover o governador interino da sua inércia, que eu classifico de criminosa. Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Guerra (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: ouvi atentamente as considerações feitas pelo Sr. Carlos de Vasconcelos.
Já não é a primeira vez que êste assunto é tratado nesta Câmara, mas devo afirmar que vou recomendá-lo a quem de direito, a fim de que providências sejam dadas.
O actual governador eleito pelo Senado deverá seguir oportunamente para a província, e V. Ex.ª não desconhece as razões por que ainda não seguiu.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Fausto de Figueiredo: — Sr. Presidente: com a lealdade que me caracteriza, eu instei junto do Sr. Presidente do Ministério e do Sr. Ministro das Colónias, para dispensarem a sua atenção sôbre um caso verdadeiramente grave em matéria de administração pública que de há tempo se vem dando em S. Tomé.
Referi-me à minha lealdade, porque estranho que o Sr. Presidente do Ministério não tenha tomado em consideração as informações que lhe prestei sôbre o assunto.
S. Tomé, sob o ponto de vista colonial, marca na vida do país alguma cousa que merece a atenção de quem de direito. Todavia, desde há seis meses, essa nossa província ultramarina vem sendo governada por uma pessoa que constantemente salta por cima da lei, invadindo atribuïções que não lhe pertencem.
As agremiações que têm interêsses legítimos ligados a S. Tomé têm reclamado junto do Sr. Ministro das Colónias contra as irregularidades cometidas pelo actual Govêrno.
Eu creio que o Sr. Ministro das Colónias deve estar convencido da veracidade dessas afirmações; mas o que é verdade é que até hoje não têm sido tomadas providências algumas de modo a modificar êste estado de cousas, que é grave e muito grave.
S. Tomé, em matéria de mão de obra, encontra-se há dois anos numa situação verdadeiramente aflitiva e dolorosa.
De Moçambique não se consente que saia um único serviçal para esta província; todavia negoceia-se com o Rand a saída de 60:000 serviçais, sem nenhuma vantagem para aquela colónia.
De Angola, igualmente não se permite

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a saída de um único serviçal, dizendo-se que o Alto Comissário de Angola quere superintender administrativamente na colónia de S. Tomé.
Há tempos foi apresentado à Câmara um projecto de lei para que essa superintendência se fizesse e não houve da parte dos coloniais: de S. Tomé a mais pequena resistência.
Porque não se consente, pois, que a província de Angola envie serviçais para S. Tomé?
Há um deficit de mão de obra extraordinário e o actual governador, em vez de obviar a êste inconveniente, entendeu legislar a seu modo e por tal forma que tornou anormal a vida em S. Tomé, pois as ordens que lhe são enviadas do Ministério das Colónias não as cumpre.
Não posso concordar com a sua remodelação dos serviços da província, visto essa remodelação pertencer exclusivamente ao Poder Executivo.
Desejo fazer as seguintes preguntas ao Sr. Ministro das Colónias:
1.ª S. Ex.ª está disposto a sancionar os actos do governador de S. Tomé?
2.ª E está o Govêrno disposto a aniquilar S. Tomé?
3.ª Porventura S. Tomé lhe merece menos consideração do que qualquer, colónia estrangeira?
Sei que o Govêrno me vai dizer que o Sr. Ministro das Colónias está doente, o que muito lamento, mas a situação é grave e não se compadece com a delonga que a sua resolução tem tido.
Mando também para a Mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro que pelo Ministério das Colónias me seja facultado o exame de toda a correspondência trocada entre aquele Ministério e o actual governador de S. Tomé, no último período de seis meses. — Fausto de figueiredo.
Insto igualmente pela satisfação de um outro requerimento concernente à província de Angola. Nesse requerimento, feito há dois anos, instava por um relatório que me não foi ainda enviado.
Desejo que V. Ex.ª inste junto do Sr. Ministro das Colónias, para que êsse requerimento seja satisfeito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior e, interino, da Guerra (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: vou responder ao Sr. Fausto de Figueiredo. S. Ex.ª chamou a minha atenção, como Presidente do Ministério, e não como Ministro das Colónias que não sou, e referiu-se a actos criminosos do actual governador de S. Tomé.
Preguntou S. Ex.ª qual era a política do Govêrno no sentido do se obterem certas facilidades para as nossas colónias e mais especialmente para S. Tomé. Disse S. Ex.ª que o Sr. governador não cumpre a lei.
Devo dizer ao ilustre Deputado o seguinte:
O Sr. Ministro das Colónias soube que o Sr. governador de S. Tomé mantinha determinado critério na administração da nossa colónia de S. Tomé. Dirigiu-se ao Sr. governador e fê-lo sentir. Êsse governador enviou ao Sr. Ministro das Colónias o seu relatório sôbre os actos apontados pelo Sr. Ministro, e veio imediatamente a Lisboa a justificar os seus actos, como era natural num funcionário daquela categoria.
O assunto tem estado a ser estudado e desde já posso dizer ao ilustre Deputado o seguinte:
O Sr. Ministro das Colónias, não só por S. Tomé, como pelas outras colónias que constituem o nosso património, tem o maior carinho, merecendo-lhe todas a sua atenção.
Pessoalmente o Sr. Ministro nada tem a dizer do Sr. governador de S. Tomé, nem da forma como exerce o seu lugar.
De resto não há factos concretos contra S. Ex.ª, pomo foi insinuado numa das Câmaras. O que há é a atender à essência dos diplomas publicados nessa província, mas a própria letra dêsses diplomas é susceptível de discussão, sob o ponto de vista legal.
O Govêrno levará ao conhecimento do Alto Comissário de Moçambique os factos apontados pelo ilustre Deputado, e está certo de que S. Ex.ª dará todas as facilidades a S. Tomé para que essa colónia possa progredir.
Não compreendo autonomia sem a necessária responsabilidade e as ligações que devem existir entre as colónias e a

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metrópole. É preciso estudar êste assunto.
Apoiados.
As colónias são autónomas, sob o ponto de vista da sua administração, mas são responsáveis para com a metrópole.
Apoiados.
Não posso admitir que uma colónia tenha autonomia para tudo e até para fazer o que não convém, e deixe de ter responsabilidades para com á metrópole.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Vozes: — Muito bem.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à segunda parte de antes da ordem do dia.
Continua em discussão o parecer n.º 453.
O Sr. João Bacelar: — Sr. Presidente: tratando-se da discussão de um parecer de muita importância que diz respeito à pasta da Justiça, e não estando presente o Sr. Ministro, entendo que se deve sobre-estar na sua discussão até comparecer o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Presidente: — Não se achando na sala o Sr. Ministro da Justiça, em vez de se discutir o parecer n.º 453 vai entrar em discussão o parecer n.º 542.
Leu-se o seguinte
Parecer n.º 542
Senhores Deputados. — A vossa comissão de marinha, tendo estudado atentamente a proposta de lei n.º 526-C, é de opinião que ela nas suas linhas gerais, deve merecer a vossa aprovação, pois se destina a reparar, até certo ponto, uma injustiça derivada duma resolução parlamentar.
É, porém, de opinião a vossa comissão de marinha, que no artigo 1.º da referida proposta só devem substituir as palavras: «na data indicada pela mesma lei, isto é até 15 de Agosto de 1922», pelas seguintes: «no ano civil de 1922».
Esta alteração torna-se necessária para proceder com inteira justiça, visto que alguns dos pretendentes a aspirantes de marinha no ano de 1922, vendo preteridas as suas aspirações, pela citada resolução parlamentar, deixaram para o mês de Outubro do mesmo ano um ou outro exame dos seus preparatórios, que êles poderiam ter feito com aprovação na primeira época de exames, se vissem que seria aberto concurso para admissão de aspirantes de marinha de 1 a 15 de Agosto de 1922.
Nestes termos, entende a vossa comissão de marinha que o artigo 1.º da proposta de lei n.º 526-C deve ficar as sim redigido:
Artigo 1.º Para o próximo ano lectivo no concurso de admissão de aspirantes da armada será reservada metade das vagas para os concorrentes que se encontravam habilitados com os preparatórios pela lei de 5 de Junho de 1903 no ano civil de 1922.
Sala das sessões da comissão de marinha, 12 de Junho de 1923. — Jaime de Sousa — Mariano Martins — António de Mendonça — J. Pina de Morais — Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Proposta de lei n.º 526-C
Senhores Deputados. — Considerando que, por virtude de uma resolução do Parlamento, se não deu execução à lei de 5 de Junho de 1903, na parte que manda abrir concurso, de 1 a 15 de Agosto, para admissão do aspirantes de marinha na Escola Naval;
Considerando que a lei n.º 1:365, de 13 de Setembro de 1922, confirmando a referida resolução parlamentar, determinou que fôsse suspensa a admissão, até se remodelarem os serviços do marinha, contanto que essa remodelação fôsse realizada até o fim do ano civil, o que não sucedeu;
Considerando que era inconveniente admitir depois novos alunos na Escola Naval, por trazer ao serviço de ensino graves perturbações, que só iriam repercutir na execução dos tirocínios e programas da mesma Escola;
Considerando que destas alterações resultou ficarem os pretendentes a aspirantes de marinha, devidamente habilitados na data que a lei fixa para abertura do concurso, preteridos nas suas aspirações, por motivos alheios à sua vontade, sendo portanto justo que lhes seja dada uma preferência na próxima admissão, sobretudo àqueles que nesse ano civil atingiam o limite de idade:
Tenho a honra de submeter à vossa es-

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clarecida apreciação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º Para o próximo ano lectivo, no concurso de admissão de aspirantes de marinha, será reservada metade das vagas para os concorrentes que se encontravam habilitados com os preparatórios exigidos pela lei de 5 de Junho de 1903, na data indicada pela mesma lei, isto é, até 15 de Agosto de 1922.
Art. 2.º O restante número de vagas será preenchido por quaisquer concorrentes que satisfaçam às condições da citada lei, independente da data em que terminaram os preparatórios.
Art. 3.º Para os concorrentes que estejam nas condições do artigo 1.º o limite de idade é elevado a 21 anos, mas ùnicamente para o preenchimento das vagas indicadas no mesmo artigo.
Art. 4.º Caso não haja concorrentes em número suficiente para preencher as vagas indicadas no artigo 1.º serão as vagas em aberto preenchidas pelos concorrentes a que se refere o artigo 2.º
Art. 5.º Fica revogada a legislação em contrário.
Ministério da Marinha, Maio de 1923. — O Ministro da Marinha, Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
Foi aprovado na generalidade, bem como o artigo 1.º
O Sr. Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º do Regimento.
Procedendo-se à contraprova, verificou-se ter sido aprovado por 46 Srs. Deputados e rejeitado por 16.
Em seguida aprovaram-se os artigos 2.º a 4.º
É aprovado o artigo 5.º
O Sr. Estêvão Águas: — Requeiro a dispensa da leitura da última redacção.
É aprovado.
Prossegue a discussão do parecer n.º 98.
Lê-se o artigo 2.º
O Sr. Abílio Marçal: — Mando para a Mesa a seguinte
Proposta de aditamento
Artigo novo. Os preparatórios universitários actualmente exigidos para a admissão ao corpo de estado maior da Escola Militar serão dispensados aos oficiais a que se refere o artigo anterior assim como aos oficiais que frequentaram o curso do estado maior nos termos do decreto n.º 3:149, de 20 de Maio de 1917.
Artigo novo. A Comissão Técnica do Serviço do Estado Maior dará imediatamente parecer sôbre a aptidão para o serviço do estado maior dos oficiais nas circunstâncias do artigo anterior e que já tenham terminado tirocínios, e para todos os efeitos se consideram entrados no quadro desde a data em que o tiverem frito sem as exigências de tais preparatórios. — O Deputado, Abílio Marçal.
É lida, admitida e entra em discussão.
O Sr. Tôrres Garcia: — Senão estou em êrro, da redacção do artigo novo que acaba de ser enviado para a Mesa depreende-se que os oficiais que desejam tirar o curso de estado maior vão ser dispensados do frequentar aquelas cadeiras que constituíam os preparatórios das Universidades e escolas politécnicas, cadeiras que até hoje têm constituído a preparação mínima exigida aos oficiais que desejam seguir o curso do estado maior.
Ora, Sr. Presidente, eu creio que uma tal deliberação não pode ser tomada por esta Câmara sem que um debate especial esclareça convenientemente o assunto e sem que a comissão de guerra, única entidade que tecnicamente pode pronunciar-se com inteiro conhecimento de causa, dê o seu parecer.
Não pode colhêr entre nós a afirmação de que durante a guerra se verificou ser inútil a alta preparação scientífica exigida aos oficiais do estado maior. Antes pelo contrário, Sr. Presidente, se verificou que quem conduziu a guerra a um termo brilhante foi exclusivamente o estado maior. O estado maior alemão, tendo no fim da sua acção a derrota, conduziu, entretanto, até o fim brilhantemente o seu exército, manifestando-se como um instrumento valoroso nas operações que teve de dirigir. O exército francos, conduzido para a vitória por oficiais generais que tinham uma altíssima preparação scientífica e intelectual...
O Sr. Lelo Portela (interrompendo): — Mas não matemática...

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O Orador: — Sim, senhor, matemática.
O Sr. Lelo Portela: — Não é bem assim, porque para os cursos do estado maior da Escola de Guerra admitem-se em França todos os oficiais, sendo os de infantaria os que vão em maior número para lá.
O Orador: — É que V. Ex.ª não ouviu o que eu afirmei. Eu disse que as maiores figura da França, como Joffre e Foch...
O Sr. Lelo Portela: — Êsses não têm uma preparação clássica em matemática! Têm o curso da Escola Militar, mas não o da Escola Politécnica.
O Orador: — Já vejo que tenho então de demorar as minhas considerações para demonstrar que a verdade está do meu lado.
Há uma obra muito conhecida em França e em todo o mundo, na qual se faz, no prefácio, a descrição da vida do marechal Foch, e lá vem demonstrado, que Foch desde os seus primeiros tempos de estudante mostrou sempre uma grande predilecção pela matemática. É realmente o estudo da matemática que dá ao cérebro aquela gimnástica necessária para assimilar e resolver de pronto todos os problemas, ainda os mais transcendentes.
Sr. Presidente: juntou-se em França, em 1875, quando se pretendeu fazer o exército da vitória ou da glória, à alta educação scientífica dos seus oficiais, a cultura clássica, e assim encontramos nas grandes figuras do exército francês, que são as que venceram, ao lado duma grande cultura matemática, também uma grande cultura clássica e humanista.
Portanto, dizer-se em Portugal que em França são admitidos para os cursos do estado maior das escolas militares oficiais de infantaria e cavalaria não quere dizer nada, tanto mais que os preparatórios que os oficiais do exército têm em França não têm semelhança nenhuma com os que os nossos oficiais fazem. Efectivamente, a cultura das matemáticas nos liceus de França vai muito mais além do que aquela que nós temos nos nossos liceus. Lá, êsses estudos englobam os que nós fazemos nas escolas superiores.
Assim podemos dizer que os oficiais de infantaria ou de cavalaria franceses tem em matemática uma preparação superior, ou pelo menos igual à dos nossos oficiais que concorrem aos cursos de estado maior. Não estamos na mesma situação da França, e por isso não podemos comparar o que se passa no nosso país com o que se passa no estranjeiro. O que está diante dos nossos olhos, nu e cru, é o seguinte: oficiais houve que foram obrigados a tirar essas cadeiras. Alguns não as tiraram não sei porquê, e não posso compreender que vamos agora votar uma medida de excepção para os que não cumpriram a lei.
Tenho dito.
O orador não reviu.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ordem do dia.
Foi aprovada a acta.
Foram lidas e aprovadas duas últimas redacções.
O Sr. Presidente: — Comunico à Câmara o falecimento do Presidente da República dos Estados Unidos da América. Era uma alta figura que presidia aos destinos da grande nação americana, com a qual Portugal mantém relações cordiais e amistosas. Proponho que na acta se lance um voto de sentimento e como manifestação de pesar se suspenda a sessão por meia hora.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: tomo a palavra para, em nome da maioria, associar-me sentidamente às manifestações de pesar propostas por V. Ex.ª, e que são justas.
O Presidente Harding ocupou a mais alta magistratura dos Estados Unidos numa ocasião difícil, mas nem por isso deixou de desempenhar-se da sua função por uma maneira saliente e notável a todos os respeitos.
Por isso, Sr. Presidente, êste lado da Câmara se associa às propostas por V. Ex.ª formuladas.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro: — Em nome do Partido Nacionalista uso da palavra para me associar às homenagens de sentimento

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pela morte do Presidente dos Estados Unidos da América, à qual nos ligam as melhores relações de amizade e que a todos pode servir de exemplo.
O orador não reviu.
O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: as relações de amizade entre Portugal e os Estados Unidos, traduzidas ainda agora pela estada em águas portuguesas de uma esquadra americana, justificam plenamente a homenagem proposta por V. Ex.ª pela morte do Presidente daquela grande República.
Sr. Presidente: essas homenagens, além de traduzirem um acto de justiça às qualidades de prestígio e saber dêsse Chefe de Estado, servem para significar à nação americana a parte que nós tomamos na sua dor.
Por isso, em nome dêste lado da Câmara, me associo sentidamente às propostas de V. Ex.ª
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Agatão Lança: — Em meu nome pessoal associo-me às propostas de V. Ex.ª, de sentida homenagem pela morte do Presidente Harding, permitindo-me lembrar a conveniência de se comunicar o nosso voto de sentimento à Câmara de Washington ou então ao vice-presidente do Senado que, segundo a Constituïção, é já o novo Presidente da República dos Estados Unidos.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita: — Porque se trata de um Chefe de Estado julgo que a sessão deve ser levantada em sinal de sentimento e não apenas suspensa por meia hora.
Mando, por isso, uma proposta neste sentido.
Foi lida e admitida.
É do teor seguinte:
Proponho o encerramento da sessão em sinal de sentimento pela morte do ilustre Presidente da República dos Estados Unidos da América. — Pedro Pita.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Sr. Presidente: não esperava realmente que, depois da comemoração feita em virtude do falecimento do Presidente da República Americana, se pensasse em inutilizar esta sessão com a homenagem ao ilustre extinto.
Apoiados.
Não sei se é praxe seguida quando da morte de Chefes de Estado; todavia bastam os 30 minutos de suspensão dos nossos trabalhos, para que possamos prosseguir depois trabalhando como é necessário.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Este lado da Câmara, embora sentindo a morte do Chefe de Estado de uma nação amiga, entende que a proposta de V. Ex.ª é bastante para comemorar êsse falecimento.
A proposta no sentido de encerrar a sessão êste lado da Câmara associar-se há; mas propõe que V. Ex.ª convoque outra sessão para outra hora, por exemplo para as sete e meia.
O orador não reviu.
O Sr. Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: creio que sempre foi praxe parlamentar que, em homenagem a um Chefe de Estado, que faleça, se encerre a sessão.
Por maioria de razão esta devia encerrar-se, visto tratar-se de um Chefe de Estado de uma grande nação, que é, por todos os motivos, uma nação a quem devemos todas as homenagens.
É um dever que se impõe acima de tudo.
Não quisemos fazer proposta igual à do Sr. Pedro Pita, para que se suspendesse à sessão, a fim de que se não supusesse que havia qualquer intenção; mas não podemos deixar de dar-lhe o nosso voto.
Pode haver considerações de ordem geral, que dominem actualmente a Câmara; parece-me, porém, que se impõe acima de tudo uma razão de ordem internacional.
Parece-me que a Câmara não pode deixar, apesar dos inconvenientes que isso traz, de votar a proposta do Sr. Pedro Pita, a fim de que a sessão seja encerrada definitivamente.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira): — Sr. Presidente: em nome do Govêrno associo-me à

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Diário da Câmara dos Deputados
proposta de V. Ex.ª para que seja lançado na acta um voto de sentimento pelo falecimento do Presidente da República dos Estados Unidos.
A Câmara dos Deputados da Nação Portuguesa não podia deixar de deplorar o facto triste da morte do notável homem de Estado.
O Presidente Harding, pode dizer-se, para justificar ainda mais a homenagem da nação portuguesa, morreu no exercício das suas funções, e foi vítima do desempenho do seu alto cargo numa viagem a Alasca com gravidade para a sua saúde e que êle quis vencer mas que o vitimou.
Foi vítima do exercício da sua alta magistratura e na sua biografia, que é longa, um dos actos que merecem ser citados é a convocação da conferência do desarmamento em 1921 na qual Portugal se fez representar por dois delegados.
O luto da grande nação norte-americana não pode deixar de ser partilhado por Portugal, pois existe grande simpatia entre as duas nações, e por isso o Govêrno não pode deixar de se associar à homenagem proposta a Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: a resolução de encerrar a sessão e marcar outra para o mesmo dia dá o mesmo resultado que suspender-se a sessão e reabrir depois.
Assim requeiro para ser consultada a Câmara sôbre se permite que retire a minha proposta.
Tenho dito.
Consultada a Câmara, foi aprovado o requerimento do Sr. Pedro Pita para retirar a sua proposta, sendo a respectiva votação confirmada por contraprova requerida pelo Sr. Velhinho Correia.
Foi aprovada a proposta do Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Em vista da resolução da Câmara, suspendo a sessão por meia hora.
Eram 17 horas e 30 minutos.
As 18 horas reabriu a sessão.
O Sr. Abílio Marçal (para um negócio urgente): — Sr. Presidente: a última prorogação da sessão legislativa, como V. Ex.ª sabe, foi consumida no debate político, e nenhum dos outros assuntos da mais alta importância foram discutidos, de maneira que estamos na mesma situação em que então nos encontrámos; por isso eu mando para a Mesa uma proposta para a convocação do Congresso para deliberar sôbre a prorrogação da sessão legislativa.
Para a minha proposta requeiro urgência e dispensa do Regimento.
O orador não reviu.
Foi lida na Mesa a seguinte
Proposta
Proponho que a Câmara dos Deputados, nos termos da alínea f) do artigo 23.º da Constituïção, tome a iniciativa da convocação do Congresso para resolver sôbre uma nova prorrogação da actual sessão legislativa. — Abílio Marçal.
O Sr. Pedro Pita (sôbre o modo de votar): — Estranho que a proposta não indique quais os fins da prorrogação.
O Sr. Presidente: — A proposta foi feita nos termos da alínea f) do artigo 23.º da Constituïção.
O Orador: — Nesse caso peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se permite que o requerimento seja dividido em duas partes, urgência e dispensa do regimento.
Foi rejeitado o requerimento do Sr. Pedro Pita em contraprova requerida pelo Sr. Cancela de Abreu, estando de pé 50 Srs. Deputados e sentados 30.
Procedeu-se à votação do requerimento do Sr. Abílio Marçal em votação nominal, requerida pelo Sr. Pedro Pita; aprovaram 53 e rejeitaram 31 Srs. Deputados.
Disseram «aprovo» os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.

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Sessão de 3 de Agosto de 1923
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vitorino Henrique Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Disseram «rejeito» os Srs.:
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Ginestal Machado.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Francisco Cruz.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Virgílio da Conceição Gosta.
Viriato Gomes da Fonseca.
O Sr. Presidente: — Vai votar se a proposta do Sr. Abílio Marçal.
O Sr. Carvalho da Silva (sôbre o modo de votar): — Foi generoso o Sr. Abílio Marçal, pois S. Ex.ª limitou-se a pedir a prorrogação da sessão, e podia, como já se tem feito, requerer que a matéria fôsse dada por discutida. Êste lado da Câmara não vota essa proposta.
Tenho dito.
O Sr. Pedro Pita: — Requeiro votação nominal.
Foi aprovado.
Disseram «aprovo» os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António de Abranhes Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.

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António Augusto Tavares Ferreira.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Disseram «rejeito» os Srs.:
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Ginestal Machado.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Francisco Cruz.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Lúcio de Campos Martins:
Manuel de Sousa da Câmara.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Vergílio da Conceição Costa.
É aprovado por 56 votos contra 25.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: mais uma vez o Parlamento vai prorrogar os seus trabalhos para fazer o único trabalho que a República tem feito: aumentar as despesas e os impostos!
Não se trata do regime cerealífero e continua na sua cadeira, afirmando a sua incompetência, o Sr. Ministro da Agricultura!
É uma verdadeira vergonha que o Parlamento ainda não se tenha pronunciado sôbre a proposta relativa aos Transportes Marítimos e que só há oito dias a comissão tivesse apresentado o respectivo parecer.
Que autoridade tem, portanto, a maioria para nos vir fazer agora esta exigência?
Se há na maioria alguns Deputados que têm sido assíduos às sessões, a maior parte dêles salienta-se aqui apenas pela sua ausência.
Para serem votados os orçamentos foi preciso fazer uma alteração ao Regimento, determinando certos dias para votações e certos dias só para a discussão.
Discutiu-se depois o empréstimo, aquele célebre empréstimo que havia de conduzir o nosso câmbio à divisa de 4, e essa

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discussão foi encerrada quando apenas três Deputados tinham usado da palavra.
Quem tem um passado desta ordem não tem o direito de exigir do Parlamento a votação de afogadilho dos mais importantes assuntos da administração pública. Mas a maioria, não se contentando em tirar a pele ao contribuinte com a proposta chamada do sêlo, ainda pretende que de afogadilho votemos a proposta relativa à contribuição de registo.
O país apreciará êste trabalho único da República que consiste em agravar cada vez mais a economia nacional, impedindo a criação de novas riquezas e atentando constantemente contra a propriedade.
O Sr. Abílio Marçal não diz qual o assunto da prorrogação das sessões, alegando que isso é objecto da proposta a apresentar ao Congresso.
Eu invoco a alínea e) do artigo 23.º do Regimento.
É intuitivo que, desde que a Câmara é convidada a pedir a convocação, do Congresso para a prorrogação, deve saber o assunto de que terá de ocupar-se durante essa prorrogação, isto é, os fins que ela tem.
Não se quere anunciar qual a razão desta prorrogação para que o país não saiba quê o único intuito que existe é o de se lhe arrancarem mais algumas centenas de milhares de contos em aumentos de impostos e consequente encarecimento da vida.
Sr. Presidente: falando assim, temos a certeza de que cumprimos o nosso mandato em conformidade com a vontade dos nossos eleitores.
Antes de concluir as minhas considerações eu quero mais uma vez deixar bem afirmada a constatação que todos nós fazemos de que, ao serem apresentadas estas propostas, ninguém pensa em reduzir as despesas do Estado, que continuam cada vez mais fabulosas.
O país apreciará êste procedimento da maioria e do Govêrno.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: pedi a palavra para, a propósito da proposta da convocação do Congresso para uma nova prorrogação da sessão legislativa, dizer, em nome do partido que represento, as razões que o levam a votar contra essa prorrogação.
O Sr. Presidente do Ministério teve ontem a gentileza de me procurar e de procurar correligionários meus para nos preguntar se estaríamos de acôrdo em votar a prorrogação da sessão legislativa até 15 ou 18 de Agosto, se bem me lembro, a fim de se votarem certas e determinadas medidas que o Sr. Ministro das Finanças achava essencial votarem-se antes de se encerrar o Parlamento.
Tive ocasião de dizer a S. Ex.ª que me parecia que, dada a pouca frequência que as sessões tinham já nesta época, sendo vulgar encerrarem-se por falta de número, passado o dia 6 de Agosto maior seria o número de Deputados que não viriam à Câmara e que, portanto, certamente seria bastante difícil manterem-se os trabalhos parlamentares em condições de produzirem qualquer cousa de útil. Demais, desde o momento em que a maioria se não obrigava, nem podia obrigar-se legitimamente, a dar o número de Deputados suficiente para o quorum de votação, era evidente que as oposições, sofrendo um equivalente número de baixas, dificilmente também poderiam dar número para a Câmara funcionar.
Daqui concluía que era mais prestigioso para o Parlamento encerrar os seus trabalhos e reabrir mais cedo dó que a época normal para se votarem tais medidas. De resto, tendo sido exposto pelo Sr. Presidente do Ministério que as votações que se exigiam eram sôbre a contribuição de registo, imposto do sêlo e outras medidas de que me não recordo neste momento, mas que, algumas delas, ainda nem sequer têm parecer das comissões, era ousado exigir que o Parlamento as votasse num curtíssimo espaço de tempo, sem quási, tomar conhecimento delas, o que aliás a maioria poderia fazer em reunião partidária, mas as oposições não poderiam conseguir.
Dizia-se que essas medidas acudiriam imediatamente à situação económica e financeira do país, principalmente à falta de moeda circulante que se está fazendo sentir com graves dificuldades para a vida social portuguesa, sendo, portanto, urgente a sua votação.
Salvo melhor opinião, creio que nenhuma dessas medidas tem efeitos imediatos,

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traduzindo-se algumas delas em receitas relativamente insignificantes e cuja cobrança se arrasta por longos dias, tanto mais que, quanto à lei do sêlo, em breve principiarão as férias judiciais que consideràvelmente afectam as respectivas receitas.
Parece que à Câmara custa realizar aquele preceito que diz que toda a gente deve descansar por certo período.
Embora na sessão passada se tivessem votado algumas propostas de contribuições precisamente em Agosto, esquece-se a maior parte das pessoas que tal recordam, votando agora a prorrogação para cá não voltarem, que o ano passado a Câmara abriu muito mais tarde, compreendendo-se assim que também mais tarde tivesse encerrado os seus trabalhos.
Não se compreende que, estando aberta a sessão há muítissimo tempo, estejamos sentindo a dificuldade de manter os parlamentares na Câmara mais tempo com mais medidas de desprestígio para o Parlamento.
Apoiados.
O Partido Nacionalista não vota nesta sessão a convocação do Congresso para a prorrogação da sessão legislativa, como não votará a prorrogação do Congresso.
O desejo do Partido Nacionalista será ver resolvida a questão cerealífera.
Podíamos ter votado uma moção de desconfiança ao Govêrno, mas não quisemos que êste deixasse de continuar a governar-nos ou a desgovernar-nos.
Se se prorrogar a sessão legislativa, preguntaremos ao Govêrno e ao Parlamento para que serviu essa prorrogação.
O orador não reviu.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Sr. Presidente: dou o meu voto à proposta da maioria para que a actual sessão legislativa seja prorrogada, apesar do sacrifício que farei em continuar a vir assiduamente aos trabalhos parlamentares, depois de ininterruptamente aqui me ter mantido sempre, discutindo, com os melhores intuitos de servir o país, os problemas que conheço.
Um dêstes problemas, que é de capital importância, é o do regime cerealífero.
A êste respeito tive o prazer de ouvir durante alguns dias o ilustre Deputado Sr. Sousa da Câmara e outros oradores, todos afirmando a mesma intenção de bem servirem o país, e lamento profundamente que fechemos esta sessão legislativa sem que o regime cerealífero seja votado.
Nós estamos vivendo positivamente sem lei cerealífera, porque aquela que aqui foi votada no ano passado tem sido consecutivamente alterada pelos vários Ministros que têm passado pela pasta da Agricultura.
Eu tive a honra de mandar para a Mesa um projecto de lei relativo à importação dos trigos, no sentido de proteger a agricultura das sanguessugas que hoje se atribuem a qualidade de serem o maior Poder do Estado.
Lamento que as oposições tivessem gasto mais de um mês num estéril debate político, fazendo obstrucionismo, em detrimento da aprovação do regime cerealífero e de outras medidas de inadiável urgência que são necessárias ao Govêrno.
Se estivéssemos numa outra, situação diferente da actual, talvez eu fôsse adversário dêste Govêrno, porque êle tem praticado alguns erros, sobretudo em matéria cerealífera; mas, nas circunstâncias presentes, eu entendo que uma crise política seria muito perniciosa aos interêsses do país.
Dou, portanto, o meu voto a proposta da maioria e entendo que não devemos negar ao Govêrno aquilo que êle julga indispensável para produzir uma obra útil.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: há um homem que se quere suicidar e vários homens que querem ser cúmplices nesse suicídio!
O homem que se quere suicidar é o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Carvalho da Silva: — Politicamente...
O Orador: — Politicamente, está claro...
E os homens que são cúmplices neste suicídio são os Srs. Deputados da maioria e vários Srs. Deputados do Partido independente que votaram quási unanimemente o requerimento e a admissão da proposta.
Eu, que considero o Sr. Ministro das Finanças, pessoalmente, uma pessoa estimável, sou o primeiro, apesar de seu adver-

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sário político, a lamentar o seu inevitável suicídio.
S. Ex.ª, sabendo que o país se salva ùnicamente com importantes medidas de fomento nacional, S. Ex.ª, sabendo que a única maneira de se chegar a uma situação económica e financeira razoável está na promulgação de medidas de fomento, S. Ex.ª, que se preocupa ùnicamente com caprichos, só pensa em criar novos impostos, indo assim agravar ainda mais a situação do país.
E não se limita S. Ex.ª A uma simples medida constituída por dois ou três artigos destinada a multiplicar por um coeficiente determinado a tabela do sêlo!
S. Ex.ª quere ir mais longe nesta altura da sessão, isto é, quere promulgar medidas transcendentes, com um número interminável de artigos com matéria nova no nosso país, o que dará em resultado, dada a discussão de afogadilho que se pretende fazer, sair uma obra imperfeitíssima e prejudicial, como o tem sido toda a sua obra financeira, a principiar pelo consagrado empréstimo da raça ou rácico, como eu lhe chamo.
Sr. Presidente: não somos nós, dêste lado da Câmara, que queremos contribuir para o suicídio do Sr. Ministro das Finanças; não somos nós que queremos ter cumplicidade nesse suicídio, tanto mais que êle pode importar o suicídio da Nação.
O Parlamento está funcionando desde 20 de Outubro de 1922, isto é, há nove meses e meio.
E o que é que o Parlamento produziu nesses nove meses e meio de gestação?
Apesar do tempo decorrido, produziu um aborto, um perfeito aborto que levou o País à situação desgraçada em que se encontra, com o câmbio na proximidade da casa dos 2, com a libra a 120$, apesar de o Sr. Ministro das Finanças e de o Sr. Velhinho Correia e de o próprio Sr. Ministro da Agricultura terem afirmado à Câmara a sua convicção de que o câmbio, passados dois meses, estaria pelo menos a 4!
Apoiados.
E, Sr. Presidente, para ser completa a obra do Govêrno e especialmente a obra do Sr. Ministro das Finanças, que se julga com direito a vir fazer imposições à Câmara, batendo-lhe o pé, temos a situação da praça de Lisboa com a falta de numerário e com a s recusa de descontos em todos os Bancos.
Como é que S. Ex.ª quere resolver a situação? Pondo a estampilha em toda a gente e em tudo, como se a estampilha fôsse o elixir salvador!
O que é mais grave é que esta falta de moeda no mercado resulta não só do famoso empréstimo rácico — porque o Estado com êsse empréstimo absorveu já cento e tantos mil contos — como ainda o facto de o Govêrno, dando ordem ao Banco de Portugal para que não efectuasse o desconto de Bilhetes do Tesouro, ter feito com que muita gente se retraísse, preferindo aferrolhar o seu dinheiro a empregá-lo nestes Bilhetes, que até agora eram de fácil desconto.
Apoiados.
É esta a situação do momento e é esta a situação a que o Sr. Ministro das Finanças julga poder atender colocando a estampilha!
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — É inexacta a afirmação de V. Ex.ª
O Orador: — V. Ex.ª desmente a afirmação, que eu faço, de que foi suspenso o desconto dos Bilhetes do Tesouro?
Então o Banco de Portugal suspendeu o desconto de Bilhetes do Tesouro sem indicação de V. Ex.ª?
Diga-me V. Ex.ª: foi ou não suspenso o desconto de Bilhetes do Tesouro?
Não responde...
Sr. Presidente: eu compreendia que os caprichos do Govêrno dissessem respeito à questão vergonhosa dos Transportes Marítimos, visto que ainda anteontem o Sr. Ministro das Finanças aqui declarou que estava quási esgotada a verba de 60:000 contos destinada ao pagamento de credores e que essa verba era insuficiente para satisfazer os restantes créditos que estão em dívida, obrigando S. Ex.ª a declarar mais que com a verba de 60:000 contos quási nada tinha sido pago, o que prova que terá de ser votada nova verba e que é urgentíssimo acabar com aquele sorvedouro.
Compreendia que o Sr. Ministro das Finanças quisesse a liquidação da ques-

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tão dos Transportes Marítimos, dos trigos, etc.; mas não compreendo que se queiram lançar novos impostos.
O Sr. Ministro do Comércio pretendia fazer votar uma proposta relativa ao imposto de trânsito, mas não bateu o pé ao Parlamento, apesar de se tratar de uma medida urgente. Foi pena.
O Parlamento, porém, não tem feito caso dessa proposta.
Há outras propostas importantes pelo Ministério da Justiça, mas o Sr. Ministro da Justiça não sabe bater o pé.
Pelo Ministério do Trabalho há cousas importantes a decidir; mas o meu querido amigo e condiscípulo, Sr. Rocha Saraiva, não quere ou não sabe impor-se.
O próprio Sr. Ministro da Agricultura ainda há pouco também apresentou uma proposta importante relativa ao crédito agrícola, que necessita de resolução imediata.
Mas o Sr. Ministro da Agricultura não fez questão da publicação dessa medida. O Sr. Ministro da Agricultura não pôs a sua pasta sôbre o assunto. Fez mal.
Apoiados.
Quanto à pasta da Guerra há que fazer a redução dos quadros e a remodelação da organização miliciana, que já deu as provas desastradas conhecidas de todos.
Esta organização miliciana só tem dado em resultado haver regimentos quási com mais oficiais do que soldados ou regimentos em que há um oficial para quatro ou seis soldados.
Sôbre um assunto desta natureza é que se compreendia que o Sr. Ministro, interino, da Guerra pusesse a sua pasta.
Relativamente à pasta da Marinha quantas medidas se tornam indispensáveis!
Desde que nós ouvimos aqui ilustres oficiais de marinha, um dos quais infelizmente já falecido, pôr em evidência as deficiências, as irregularidades e os escândalos dos serviços da armada, devemos reconhecer á1 urgência de remediar êste mal.
Basta ler as entrevistas dadas pelo falecido almirante Sr. Leote do Rêgo ao jornal O Século, para se sentir a necessidade de promulgar um determinado número de medidas sem as quais êsses serviços acabarão por se anarquizar por completo.
Pela pasta dos Estrangeiros correm assuntos importantes, e principalmente um, que atinge neste momento a sua máxima acuidade e reclama dos poderes públicos todo o interêsse e todo o cuidado, para que não tenhamos de assistir a mais um descalabro, cujas consequências seriam dolorosas.
Refiro-me à prorrogação do modus vivendi com a França, questão que se fôsse encaminhada com inteligência, tato e ponderação, poderia ter tido já uma solução satisfatória.
Pela pasta do Interior, além das reformas da polícia e da guarda republicana, quantos problemas não há por resolver, começando pelo do Código Administrativo!
Consta-me que há muito tempo está elaborado por pessoas competentes um projecto de Código Administrativo. Por consequência o Sr. Ministro do Interior não tinha mais que trazê-lo ao Parlamento; e, trazendo-o, tinha também direito de fazer questão da sua aprovação. Todas, estas medidas se impunham, cada uma delas sob seu aspecto; mas, acima de todas, uma há que me consta figurar no programa da sessão legislativa, mas da qual o Sr. Ministro do Comércio não faz questão, como era necessário, já por razões de ordem moral, já por motivo de ordem económica e financeira.
Quero referir-me aos Transportes Marítimos do Estado, cuja situação é verdadeiramente vexatória para o pais e traz diariamente encargos fabulosos, devido às tripulações que é preciso manter nos navios e aos demais gastos de conservação.
A questão já estaria resolvida há muito se a Câmara não tivesse votado no ano passado uma lei impraticável relativa à adjudicação dos navios.
Da atitude do Sr. Ministro das Finanças podemos concluir que o que S. Ex.ª quere é ter um pretexto para se ir embora. E nós é que sofremos as consequências dos seus caprichos.
Em princípio sou partidário de que o Parlamento funcione, porque é aqui que exercemos a nossa fiscalização, é aqui que temos o direito de apreciar os actos do Govêrno e da República.
Mas, com o que não posso concordar é que se vote uma prorrogação de sessão destinada a agravar os impostos.

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Sessão de 3 de Agosto de 1923
Não quero fatigar a Câmara lendo-lhe uma estatística sôbre o número de sessões que, desde Outubro do ano passado, se têm encerrado por falta de número, provocada pela maioria.
Apoiados.
O principal factor da improdutividade dos trabalhos parlamentares é êste. E houve incidentes que protelaram os trabalhos sem vantagem alguma, como a famosa proposta do Sr. António da Fonseca, que obrigou a um lamentável debate, em que se perdeu muito tempo. Foi um mês que se gastou discutindo essa proposta e procurando-se resolver o incidente que ela havia provocado com o Partido Nacionalista.
Apoiados.
Isto deu mesmo lugar a que se adiasse a discussão sôbre o contrato dos tabacos e outros assuntos importantes.
Como factor máximo da improdutividade legislativa também a política pessoal e de campanário impondo a sua vontade na votação de inúmeros projectículos sem interêsse, sobrepondo-os aos problemas do verdadeiro interêsse nacional e atropelando os trabalhos parlamentares por forma a impedir até o direito dos Deputados falarem antes da ordem do dia.
Eu tenho em meu poder elementos elucidativos que marcam bem as causas da esterilidade parlamentar. Vale a pena analisá-los para se verificar quanto é flagrante a verdade da minha afirmação.
Dos poucos assuntos realmente importantes que foram versados nesta Câmara, um deles, que dizia respeito a aspectos graves da nossa política colonial, nem sequer teve o seu natural desfecho por ter, a certa altura, perdido a fala o titular da pasta respectiva!
E desta maneira só perderam mais oito dias, que tantos foram os que se preencheram com a discussão dêsse assunto.
O Sr. Presidente: — Deu a hora de suspender a sessão.
O Orador: — Então fico com a palavra reservada.
O Sr. Presidente: — Está suspensa a sessão para reabrir às 22 horas.
Eram 19 horas e 36 minutos.
O Sr. Presidente (às 22 horas e 15 minutos): — Está reaberta a sessão.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para invocar o Regimento): — Sr. Presidente: Quantos Deputados estão presentes?
O Sr. Presidente: — Estão presentes 58 Srs. Deputados.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: já demonstrei a V. Ex.ª e à Câmara que o Sr. Ministro das Finanças está no propósito firme do abandonar o Poder; mas êle entende que não lhe fica bem abandoná-lo sem ter qualquer pretexto, e, por isso, agarrou-se ao pretexto aliás lamentável de fazer questão política das suas propostas de finanças, porque tem a certeza do que não é possível num espaço do quinze dias, ou pouco mais, arrancar à Câmara a votação delas!
S. Ex.ª quero sair do Govêrno. Seja franco. Saia do Govêrno, mas não incomode os outros e, sobretudo, não prejudique o país, porque ninguém o prendeu para Ministro.
Sr. Presidente: estava eu procedendo ao balanço da obra do Parlamento quando V. Ex.ª me interrompeu, dizendo que era a hora, e como eu ainda tinha largas considerações a fazer pedi a V. Ex.ª para me reservar a palavra.
Diz-se que o Parlamento desde Outubro de 1922 nada tem feito de útil por culpa dos monárquicos, porque os monárquicos são más pessoas.
O Sr. Abílio Marçal: — Más pessoas, não, são excelentes pessoas; como políticos é que são maus.
O Orador: — Eu gosto de provar o que digo, e, por isso, vou provar à Câmara o que esta legislou, e que o que foi legislado, salvo raras excepções, só serviu para agravar ainda mais as finanças do Estado e para prejudicar a situação económica do país, dando-se até a circunstância de as poucas leis boas não serem cumpridas.
O Congresso abriu no dia 20 de Outubro de 1922, depois de uma interrupção de pouco mais do trinta dias. Seguiram-se oito meses do trabalho, e neste espaço

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de tempo decidiu-se, bem ou mal, a questão cerealífera que, no que tinha de bom, não foi cumprida e decidiu-se mal a questão dos Transportes Marítimos.
Fez-se a grande maravilha, pela primeira vez nos últimos seis anos, de se discutir e votar o Orçamento Geral do Estado!
Dizia, por signal, o Sr. Portugal Durão, nesse tempo Ministro das Finanças, que, votado o Orçamento no período legal, votada a lei de receita e despesa, a confiança renasceria no país.
Mas, Sr. Presidente, como o mal é de raiz, como o mal não tem solução possível dentro do regime republicano, o que foi que se viu? Foi que, votada a lei de receita e despesa, o câmbio agravou-se!
Foram estas as principais medidas.
Sr. Presidente: dizem que o Parlamento não trabalhou. Não. O Parlamento trabalhou. Mas, não produziu trabalho útil. Produziu até quási sempre trabalho inútil.
Fui consultar os Diários do Govêrno desde a data em que a Câmara abriu, na legislatura passada até 20 de Novembro de 1922, e verifiquei uma a uma as leis que foram promulgadas pelo Parlamento.
Basta ver tudo o que se fez no ano passado para se concluir que nada se pode fazer durante vinte dias.
Vejamos o que se fez:
Em 29 de Novembro de 1922 apareceu a lei n.º 1:389.
Quere dizer: 380 contos para a corda do sino. Lei ùnicamente de interêsse local, para não dizer de interêsse político.
O Estado raras vozes reembolsa êste dinheiro que empresta. É um mau sistema êste, principalmente quando êsse dinheiro vai para entidades como são a Junta Geral de Ponta Delgada e de Angra do Heroísmo, que tem autonomia própria.
A seguir a lei n.º 1:390.
Evidentemente, Sr. Presidente, que se trata duma medida de ordem pessoal.
E, passados tempos, a lei n.º 1:391.
Esta lei é também de insignificante alcance, e também produziu para o Estado um aumento de despesa.
Em 13 de Janeiro apareceu uma lei pelo Ministério da Agricultura e que não deve ter sido também de grande utilidade para o país.
O Ministério da Justiça e dos Cultos, a 20 de Janeiro, já a três meses da sessão parlamentar, aparece com a lei n.º 1:393.
Não traz economia nenhuma para o Estado. Traz apenas vantagens para os escrivães e outros oficiais de justiça.
Ainda assim, esta é uma das medidas mais justas produzidas pelo Parlamento neste período de trabalho.
Pelo Ministério do Interior aparece no dia 22 de Janeiro, também produto do Parlamento, a lei n.º 1:394.
Medidas do nenhum alcance pelo mesmo Ministério e com a mesma data há outras mais.
Pelo Ministério das Colónias sai em 5 de Fevereiro uma ler que abre um crédito especial de 4:000 contos para o caminho de ferro de Mormugão.
Pelo Ministério do Comércio, em 7 de Fevereiro, publicou-se a lei que autorizou o Govêrno a despender mais 10:500 contos com as despesas da Exposição do Rio de Janeiro.
A lei n.º 1:399 foi uma lei que trouxe aumento de despesa, o de interêsse ùnicamente restrito, ou seja de interêsse pessoal. Êste Diário do Govêrno, apesar de pequeníssimo, tem, talvez, um dos maiores de todos os escândalos cometidos na última sessão legislativa. Tem, em primeiro lagar, pelo Ministério da Guerra, a lei n.º 1:400, que concede o prazo do mais trinta dias aos militares para requererem a junta.
Mas, Sr. Presidente — o para isto chamo a atenção da Câmara — para cúmulo vem também a lei que concede ao Sr. Correia Barreto a faculdade de continuar na situação de director do Arsenal do Exército após a reforma. Esta lei — é preciso declará-lo bem alto, para que ninguém nos atribua responsabilidades nela. — foi votada não estando na sala nenhum dos membros da minoria monárquica.
Sinto imenso não me encontrar nessa sessão para usar de todos os meios possíveis a fim de evitar que esta imoralidade fôsse cometida. E, dizendo isto, sou insuspeito porque, politicamente, a nós monárquicos, cousas destas é que convêm.
Só num país em que a sensibilidade moral está entorpecida é que seria possível admitir actos desta natureza sem um protesto sequer!

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Em 14 de Fevereiro aparece a lei n.º 1:403.
É mais uma lei de interêsse restrito.
Em 27 de Fevereiro, pelo Ministério das Finanças, aparece a primeira lei do actual período legislativo, a lei n.º 1:404.
É uma lei de interêsse para o Funchal, lei muito louvável, mas também de interêsse restrito.
Depois o Ministério do Comércio inicia a série de reforços de verba pela lei n.º 1:405.
No período que vai desde 27 de Fevereiro até 22 de Março não foi promulgada nenhuma lei.
A lei n.º 1:406 é porventura uma daquelas que têm mais interesse — restrito em todo o caso — porque vai favorecer uma classe importante no país, a classe dos pescadores.
Pelo Ministério do Interior, no dia 26 de Março, aparece a lei n.º 1:407, de nulo valor.
Em 27 de Março, pelo Ministério do Comércio, veio a lei n.º 1:408.
Evidentemente que traz aumento de despesa, e interêsse para o Estado...nenhum.
A lei n.º 1:412 é do Ministério do Trabalho.
Aqui tem V. Ex.ª, Sr. Presidente, outra lei de interêsse ùnicamente local.
Há aqui outra obra prima pela sua importância: é a lei n.º 1:413, de interêsse...para Albergaria dos Doze!
Temos depois a lei n.º 1:417, do Sr. Ministro do Comércio e Comunicações, com um reforço de 500 contos.
São mais 500 contos, mais um encargo para o Estado.
Já estamos em 4 de Maio. Estamos, portanto, a mais de seis meses do período legislativo, e mais de dois meses do têrmo dos quatro da sessão legislativa.
Sr. Presidente: tudo o que tenho estado a dizer é para demonstrar à Câmara que, por melhores que sejam os intuitos do Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças, é completamente impossível numa prorrogação de quinze a vinte dias fazer o que se não fez em tantos meses.
Nem sequer são suficientes para discutir na generalidade a proposta relativa ao sêlo.
Continuemos:
A lei n.º 1:422, do Ministério da Guerra, transfere várias verbas do orçamento de uns capítulos para outros.
É uma lei de interêsse absolutamente nulo para o país.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Está a fazer a demonstração de que há cousas importantes a discutir.
O Orador: — Estou a fazer a comparação da obra legislativa.
Sr. Presidente: a grande medida salvadora do país, a grande medida redentora, a grande medida destinada a trazer o câmbio para a casa dos 4 era o empréstimo rácico.
O empréstimo foi precedido de famosos e retumbantes adjectivos. Pois o empréstimo de raça só agravou a situação.
Estamos já em 16 de Maio. Vem a lei n.º 1:425, que é das tais cuja justiça não quero discutir, mas é de interêsse restrito.
Quando a lei n.º 1:426 se discutiu nós combatemo-la enèrgicamente.
Para mudança do nome de uma terra publicou-se a seguir outra lei.
A lei n.º 1:431 não tem grande importância.
A lei n.º 1:432 cria uma freguesia em Alenquer.
As leis n.ºs 1:432 e 1:434 são de interêsse limitado.
A lei n.º 1:436 tem uma parte justa e útil, mas traz um aumento de despesa para o Estado.
A lei n.º 1:437 é por excepção de vantagem económica para o país, mas quando se discutiu eu mostrei que a verba de receita não era grande.
Temos uma outra lei abrindo um crédito especial de 1:430 contos.
Outra é uma lei de aumento de despesa, que não criou a respectiva receita.
É uma daquelas leis que o Sr. Ministro das Finanças declarou aqui que não podia aceitar.
Temos em 7 de Março a lei n.º 1:440 que trata de vencimentos do pessoal da armada.
A lei n.º 1:442 trata de uma transferência de verba sem importância, e que não vale a pena apreciar, apesar de eu, sôbre

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todas estas leis, poder fazer bastantes comparações e confrontos.
Depois pelo Ministério do Interior temos a lei n.º 1:446, que trata de um crédito especial.
Aparece depois, em 13 de Julho, com um bill de indemnidade apresentado pelo Sr. Mariano Martins, porque foi aprovado já fora do prazo constitucional, o Orçamento Geral do Estado que apresentou um deficit simulado de 157:693 contos. Foi até nesta lei que, contra todas as regras de orçamentologia, o Sr. Mariano Martins apresentou uma proposta para o Govêrno fazer a remodelação dos serviços dos Caminhos de Ferro do Estado, o que é ilegal e até inconstitucional.
Apoiados.
Depois aparece em 16 de Julho a lei n.º 1:449 que é repetição do Orçamento Geral do Estado.
A lei n.º 1:457 fixa as percentagens adicionais das contribuições do Estado para as câmaras municipais.
Novos encargos para o país!
Eu não quero dizer que não se tornasse necessário dar às câmaras municipais a faculdade de cobrarem mais algumas receitas; era preciso, realmente, que as percentagens adicionais fossem elevadas, mas nunca até 75 por cento, como se fez para a contribuição da propriedade rústica, porque é desta propriedade que vêm os recursos da vida, e, portanto, quanto maiores forem os encargos, mais difícil se torna a vida.
Apoiados.
Finalmente, temos em 30 de Julho, a lei n.º 1:475.
Votaram-se 1:200 contos para o transporte de vadios e degredados; mas nós vemos, que, apesar disso, os vadios aumentam cada vez mais na capital, constituindo um perigo grande.
Sr. Presidente: terminando êste balanço da obra legislativa, verifico que se promulgaram perto de oitenta leis em nove meses e meio de sessão.
Não há exagero da minha parte afirmando à Câmara que nessas leis não se encontra uma única de interêsse geral, uma lei que possa beneficiar o fomento do país ou o equilíbrio das nossas finanças.
Encontramos algumas justas ou necessárias, mas de interêsse restrito todas elas, e encontramos muitas de interêsse particular, algumas trazendo encargos para o Estado escandalosos.
Aqui tem S. Ex.ª o balanço do que tem sido a obra do Parlamento, e a demonstração de que não é justo dizer-se que o Parlamento não tem produzido trabalho. Tem trabalhado, mas a obra que produziu é aquela que acabo de referir à Câmara. Logo, antes não tivesse trabalhado, porque assim se evitava uma obra que em nada dignifica o Parlamento.
Apoiados da direita.
Nestas condições, eu pregunto, mesmo àqueles que de boa fé acreditam nas esperanças do Sr. Ministro das Finanças, mesmo àqueles que acreditam na eficácia das medidas que S. Ex.ª vai promulgar, se é possível, por maiores que sejam os seus desejos, em dez, quinze ou vinte dias, discutir-se com consciência e cuidado os diplomas de que se trata, qualquer dêles de alta transcendência, e que precisam para a sua ponderada apreciação de muitíssimo tempo.
De maneira que nós não queremos apenas mostrar ao Sr. Ministro das Finanças a nossa simpatia pessoal evitando o seu suicídio político; queremos também convencer a maioria de que é impossível em tam pouco espaço de tempo fazer uma obra benéfica para o país; nós queremos convencer a maioria de que não deve reincidir nos erros da sessão passada.
Apoiados das direitas.
Se o ano passado não se justificava a prorrogação, muito menos ela se justifica êste ano.
Toda a obra feita o ano passado durante a prorrogação foi imperfeita e impraticável.
Tanto assim é que foi imediatamente alterada.
Foi alterada a lei das melhorias ao funcionalismo, por decretos publicados pelo Sr. Ministro das Finanças, ao abrigo das autorizações parlamentares. A lei sôbre regime de trigos foi tam imperfeita que o Ministro da Agricultura teve o arrôjo de declarar que não a cumpria. O que se legislou sôbre Transportes Marítimos tem sido inexeqüível.
Trocam-se àpartes.
O Orador: — Foi esta a obra do Parlamento, e por isso devemos reconhecer

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que nada de útil, para o Estado, virá da prorrogação.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Fausto de Figueiredo: — Sr. Presidente: em obediência às praxes parlamentares, mando para a mesa a minha moção de ordem, que passo a ler:
A Câmara, reconhecendo que é conveniente uma prorrogação da sessão legislativa, mas atendendo a que tal prorrogação deve ser exclusivamente destinada à discussão e aprovação de medidas de reconhecido e urgente interêsse económico e financeiro, passa à ordem do dia. — Fausto de Figueiredo.
Sr. Presidente: costumo ser coerente com as palavras que profiro e com os actos que pratico.
Não foi insensivelmente que ontem dei, embora com declaração, o meu voto de confiança ao Govêrno; fiz as minhas declarações nos termos que a Câmara vai ouvir e que me servem para as considerações que vou fazer.
Quando há pouco concordei com que a prorrogação da sessão se fizesse, era coerente com o meu voto de confiança, nos termos em que o fiz, e nos termos em que o dei ao Govêrno.
O facto de reconhecer ontem que uma moção de desconfiança votada ao Govêrno tinha inconvenientes de ordem política não modificou hoje a minha opinião.
Mas, Sr. Presidente, se concordo em que o Govêrno carece dalgumas medidas urgentes, inadiáveis, tendo em atenção até aquela afirmação, tantas vezes produzida pelo Sr. Ministro das Finanças, de que, não se lhe votando algumas das suas propostas, se vai embora, arrastando possivelmente na sua queda todo o Govêrno, continuo coerente em aceitar a prorrogação da sessão, para que tal se não dê, mas com restrições.
O Sr. Presidente do Govêrno, por si e por muitos dos seus colaboradores, não tem correspondido àquelas necessidades urgentes e inadiáveis de que o país sofre neste momento.
O Sr. António Maria da Silva faz-me lembrar aqueles médicos que, vendo o doente muito mal, o tratam com muito carinho, com muita dedicação, o que dá em resultado que, se o doente não morre da enfermidade, pode morrer da cura.
E o caso de S. Ex.ª se preocupar com o problema da ordem pública, mas não exigindo dos seus colaboradores aquilo que cada um dêles tem obrigação de fazer, nas pastas que tem a seu cargo.
É assim que vemos um Govêrno manqué.
O Sr. António Maria da Silva procura nos momentos de aflição os nomes que lhe convém para a sua vida governamental, e é assim que nos encontramos em face dum problema grave como o do regime cerealífero, não sabendo a Câmara neste momento qual a opinião do Sr. Ministro da Agricultura, porque S. Ex.ª tem todas as opiniões e não tem nenhuma.
Ora, se o Sr. António Maria da Silva fôsse mais cauteloso na escolha dos seus colaboradores, não chegaríamos à situação em que nos encontramos.
Não é assim que se procede.
O Sr. Foutoura da Costa é na verdade um marinheiro e um professor distintíssimo, mas o que é facto é que até ali não tinha dado provas necessárias para se lhe poder confiar uma pasta que, indubitavelmente, é fundamental para o ressurgimento dêste país.
A culpa é toda do Sr. Presidente do Ministério.
Devia ainda S. Ex.ª ter entregue a pasta do Comércio a quem de direito.
Isto não representa menos consideração pelo Sr. Vaz Guedes, que é um advogado muito distinto, mas na realidade S. Ex.ª não tinha dado nenhumas provas das quais se pudesse deduzir que estava habilitado a tratar dos assuntos especializados que lhe foram confiados, tais como ferroviários, transportes marítimos, etc.
Sr. Presidente: o Sr. António Maria da Silva não ouve, mas é preciso que ouça, para que isto se não repita.
Todos nós estamos aqui com a melhor boa vontade de colaborar em obra que seja útil ao país.
O Sr. Velhinho Correia: — Não com êste Parlamento.
O Sr. Cunha Leal: — Registamos a afirmação para ulteriores consequências.
Trocam-se àpartes.

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O Orador: — Sr. Presidente: foi a pasta das Finanças, confiada ao Sr. Vitorino Guimarães. E claro que S. Ex.ª, conhecendo assuntos de finanças, tem procurado fazer obra útil; mas o que é sintomático é que S. Ex.ª se aflija e declare que se vai embora quando não votem as receitas e não diga o mesmo para a redução das despesas.
Eu entendo que o Sr. Ministro das Finanças, que possui o cofre das graças, tinha obrigação de encarar o problema das despesas.
Mas isto não se tem feito. Se S. Ex.ª quisesse fazer uma grande obra, tinha obrigação restrita de dizer aos seus colegas que havia necessidade absoluta de olhar para as despesas.
Quais foram as medidas tendentes à diminuïção de despesas que até hoje o Govêrno tem tomado por qualquer das pastas?
Nenhumas.
É certo que alguns dos actuais Ministros têm estudado os vários assuntos das suas pastas e têm procurado trabalhar para o bem Ho país som se importarem com a política, no sentido mesquinho do têrmo.
Assim, por exemplo, o Sr. Ministro da Instrução apresentou uma reforma da instrução pública em Portugal, que eu, quási leigo na matéria, vejo apreciada e louvada pelos homens mais eminentes do país.
Mas isto é um caso isolado.
Eu não quero referir-me aos dois Ministros que com voto meu têm responsabilidades no Govêrno, os meus queridos amigos Srs. Abranches Ferrão e Rocha Saraiva.
Mas, de facto, o Sr. Abranches Ferrão tem estudado os assuntos do seu Ministério e tem aqui trazido propostas interessantes que não se d4scutem porque não vale a pena.
O Sr. Rocha Saraiva é um professor distintíssimo, mas nunca poderia encontrar-se mais deslocado do que na pasta do Trabalho.
Os colaboradores do Sr. António Maria da Silva são valores muito aproveitáveis, mas não correspondem àquilo que neste momento o país carece.
Relativamente à questão colonial, o Sr. Rodrigues Gaspar conhece o assunto, mas infelizmente não pode vir à Câmara. E eu não estranho se vir amanhã o Sr. António Maria da Silva chamar mais a si a gerência desta pasta.
Com respeito ao Ministério da Agricultura, a propósito Mo regime cerealífero, tenho ouvido a opinião de toda a gente, menos a do Ministro.
E depois, se o Sr. Ministro das Finanças entendia que os interêsses do Estado reclamam uma decisão pronta e enérgica na questão dos Transportes Marítimos, porque não trouxe ao Parlamento uma proposta clara e precisa, cujas disposições, indo até os detalhes, fossem capazes de constituir o cautério eficaz dêsse cancro que, quer sob o ponto de vista moral, quer sob o ponto de vista material, corrói profundamente a vida do Estado?
Se o Sr. Ministro das Finanças entendia que era indispensável à vida do Govêrno a promulgação de um determinado número de medidas, porque não procede de maneira a evitar a perda de tempo com discussões que seriam, é certo, muito interessantes, mas que seriam nesta altura da sessão absolutamente inúteis e inconvenientes?
Se o Govêrno queria resolver o nosso problema cerealífero, porque não apresentou o Sr. Ministro da Agricultura uma proposta em que se enumerassem com nitidez os pontos de vista ministeriais sôbre aquilo que êle julga ser a solução mais própria e conveniente?
Eu já vi ontem anunciado — mas eu não acredito no boato — que o Sr. Ministro das Finanças estava na disposição de fornecer créditos à moagem para a aquisição de trigo exótico.
E eu não acredito porque, em meu entender, um Govêrno que em face duma colheita de trigo calculada para nove meses de consumo tivesse o arrojo de emprestar à moagem uma libra sequer para a aquisição de trigo exótico, cometeria um verdadeiro crime.
Se o Govêrno não tem escudos, que se prevenisse a tempo e tivesse feito a aquisição de trigo nacional, como noutros tempos se fazia.
E, Sr. Presidente, esta frase «noutros tempos», sugere-me a necessidade de, em parêntesis, fazer a afirmação à Câmara de que, apesar de tudo quanto se tem

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dito a respeito das minhas pretendidas relações com a moagem e a panificação, eu não tenho nem jamais tive um centavo de interêsses dessa proveniência; declaro-o sob a minha palavra de honra.
Tudo se envenena neste país e até houve um moageiro que em plena sala dos Passos Perdidos teve, ainda não há muitos dias, esta frase:
«Quando o Fausto de Figueiredo discute assuntos da moagem, criticando, toda a Câmara se ri, porquanto todos se convencem de que êle está ligado à mesma moagem».
Ora a Câmara fique sabendo que ou garanto, sob minha palavra de honra, que não tenho nem nunca tive um centavo ou quaisquer interêsses ligados à moagem.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Ainda hoje um moageiro afirmou que dispunha de meios para impedir a discussão da lei cerealífera!
O Orador: — Desejei ter ocasião de fazer esta afirmação à Câmara.
Mas eu não ataco a moagem. Tenho, nessa indústria, amigos que muito prezo. Reconheço que a moagem tem conseguido alguma cousa de grande neste país, como reconheço que, se não se tem tirado o devido proveito de tal indústria, isso tem sido devido à incompetência dos Ministros da Agricultura, que não sabem tratar de tais questões.
Eu não ataco ninguém.
Todos sabem que a nau do Estado tem tido maus timoneiros e todos reconhecem a necessidade de sairmos da situação difícil em que nos encontramos por culpa dos que governam.
Quero dar, portanto, o meu voto à prorrogação dos trabalhos parlamentares.
Reconheço, de facto, que há alguns problemas urgentes a trazer à Câmara e a discutir pela Câmara. Os factos são assim e oxalá que eu não tenha de me arrepender de ter dado o meu voto a esta prorrogação.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Leu-se na Mesa e foi admitida a moção.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: em obediência às prescrições regimentais, mando para a Mesa a seguinte moção:
A Câmara dos Deputados, reconhecendo que a acção do Govêrno tem sido perniciosa e que uma nova prorrogação dos trabalhos parlamentares não serviria os interêsses da Nação, porque falta ao Govêrno o conhecimento dos negócios da administração pública necessário para poder orientar com seguro critério os trabalhos parlamentares; passa à ordem do dia. — O Deputado, Cunha Leal.
Acabou um ilustre Deputado de dizer que outro debate vai começar, e parece que êsse Deputado tem absoluta razão.
Também há pouco um outro Deputado da maioria, tam ilustre como aquele a quem acabo de me referir, dizia que nada se podia fazer com êste Parlamento. Condenava assim a acção dêste Parlamento — dêste Parlamento, que no ano passado era tam homenageado por todos.
E claro que nós estimamos que êsse mesmo Deputado reconheça a inutilidade do Parlamento.
Se se reconhece a inutilidade da sua acção, para que se pretende votar a sua prorrogação? É claro que nós estranhamos que seja um Deputado da maioria a afirmar que é inútil a acção dêste Parlamento, visto serem as maiorias que marcam nos respectivos trabalhos. Só se pode dar uma circunstância que permite às minorias impor-se às maiorias, e é quando as maiorias reconhecem que há cansaço físico ou outro motivo semelhante.
Alguns Deputados que votaram a prorrogação da sessão parlamentar reconhecem antecipadamente que é inútil essa prorrogação e reconhecem simultaneamente que a maioria não cumpre os seus deveres.
É claro que com isto não temos nada. Se há divergências entre a maioria e o Govêrno, não nos cabo a nós, Deputados da minoria, restabelecer a paz entre a maioria e o Govêrno. Nós estamos aqui para registar esta circunstância e aproveitá-la para os nossos fins políticos e servir bem a República, impedindo que continue à frente dos destinos da Nação um Govêrno que em tantos meses nada tem feito de útil para o país, antes tem con-

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tribuído para a desordem nas finanças e até nos espíritos.
A que propósito ou despropósito, à última hora, surge o Govêrno, que tem sido inepto para o exercício da sua função, a dizer à Câmara que, se não lhe votarem determinadas medidas, não poderá governar?
A moagem nunca teve um Govêrno que melhor servisse os seus interêsses, as colónias estão reduzidas à condição de territórios em que a situação financeira talvez àmanhã seja riremediável, e a acção do Sr. Ministro do Comércio tem sido perniciosa ao país. Nestas circunstâncias, qual deve ser a atitude da oposição? Impedir que se prorrogue a sessão legislativa.
O apoio que o Govêrno tem encontrado na maioria é determinado por uma necessidade de disciplina partidária, ao passo que o nosso ataque determina-se pela convicção profunda de que o Govêrno serve mal os interêsses do país.
O Sr. Ministro das Finanças declarou que, se nós lhe não dermos o sêlo e o registo, retirar-se há desolado para um convento.
Eu não tenho senão a dizer-lhe:
— Vá! Vá para um convento, retire-se!
Mas analisemos um pouco as razões apontadas pelo Sr. Ministro das Finanças.
Um dia, perante a proposta de lei do empréstimo, nós proclamámos que, se o câmbio não acompanhasse as esperanças de S. Ex.ª e dos seus defensores, a operação, seria ruinosíssima para o Estado, em vista da maneira como tinha sido concebida. Nessa ocasião o Sr. Ministro das Finanças não integrava dentro de um plano a sua proposta de lei e dizia que nisso havia pessimistas e optimistas; êle, que era optimista, disse-me: o senhor é um triste pessimista, e eu, ingénuo, respondi-lhe que, em matéria de câmbios, não há pessimistas nem optimistas, e que seria preciso que me demonstrasse que os meus argumentos eram falsos para eu me convencer de que o câmbio ia melhorar. Mas o Sr. Ministro das Finanças não saiu disto: que o câmbio ia melhorar.
Emquanto nós éramos insultados por não acreditarmos nos dogmas do Sr. Ministro das Finanças, desentranhou-se o Sr. Adrião de Seixas em profundas congeminações, que eram tudo quanto há de mais piramidal em matéria financeira.
Fomos insultados, os que não éramos optimistas, a tanto por linha, nos jornais que tiveram o cuidado de apresentar a conta, e quando vimos que o empréstimo era coberto muitas vezes, e quando vimos, em longas parangonas pagas, proclamar-se a grande confiança que havia no Estado, nós dissemos que isso não significava confiança, mas apenas usura. A tentação do juro era de tal forma poderosa para aqueles que arrecadavam a nota, que, apesar da desconfiança de um Estado que nem sempre pagou a horas, o cidadão português ia entregar os seus escudos.
Mas dizia-se: o câmbio vai melhorar por virtude de outras propostas.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — V. Ex.ª conhece o facto de o Sr. Ministro da Agricultura descobrir que havia fábricas de moagem que há três anos não tinham pago ao Estado? Sabe V. Ex.ª também se há funcionários do Ministério dos Abastecimentos que se encontrem ao serviço das companhias de moagem? V. Ex.ª decerto está a ver a razão destas minhas observações.
O Orador: — Isso só prova que o Sr. Ministro da. Agricultura está a representar a velha comédia do Comissário bom rapaz.
Mas, continuando, devo dizer à Câmara que em devido tempo prevenira o Sr. Ministro das Finanças de que se estava gastando mais do que se deve gastar na aquisição de trigos, e que procurasse evitar êste ano a repetição da mesma crise.
S. Ex.ª disse que por ora ainda não gastámos os 20:000 contos que estão no Orçamento e eu respondi-lhe que isso era falsear o espírito do Orçamento.
O Sr. Ministro das Finanças não interpretou da mesma maneira que eu, mas com o seu critério tinha gasto muito mais do que os 20:000 contos, porque teve 77:000 contos de prejuízo.
Pregunto eu agora: Para que é que querem uma nova lei cerealífera?
Para chegarmos à seguinte conclusão, que é desagradável, mas verdadeira: querem uma lei para a não cumprirem.
Passam os Srs. Ministros trabalhos de

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Hércules para arranjar leis, e depois passam novos trabalhos de Hércules para as não cumprirem.
Se o Sr. Ministro das Finanças quere fazer uma lei semelhante à lei n.º 1:294, que começa por ser uma lei de carácter retroactivo — porque manda aplicar um preço fixo a uma colheita já realizada — se o Sr. Ministro das Finanças, que assistiu à feitura da lei n.º 1:294, e que sabe que na sua base 1.ª se marcava um preço para a colheita dêste ano, pretende fazer uma nova lei cerealífera, para no ano seguinte continuarmos assim na mesma, não a cumprir até 10 de Julho, para no ano seguinte a não cumprir também, acho que é fazer-se passar tempo à Câmara sem proveito para o país.
A primeira condição que o país exige é que os homens dos Govêrnos cumpram as leis; desde que as não cumpram perdem toda a autoridade moral.
Apoiados vibrantes.
A nossa obrigação é acautelar as leis para que elas não sejam a vergonha que têm sido nos últimos tempos da República, leis que, como no caso da questão cerealífera, não se podem cumprir, mas no emtanto não se sentem embaraços para abrir créditos à moagem.
Falou há momentos o Sr. Fausto de Figueiredo em mais libras a emprestar à moagem, e eu passo agora a referir-me a uma notícia que veio no Diário de Lisboa, notícia que vou ler à Câmara.
Leu.
Começo eu por preguntar se é para isto, para imobilizar dinheiro em empréstimos à grande moagem, que nós vamos aqui estar mais oito dias, para arrancar 100:000 contos ao contribuinte, para que não falte dinheiro à moagem.
O Sr. Velhinho Correia: — Mas não é dado êsse dinheiro.
O Orador: — Sr. Presidente: diz o Sr. Velhinho Correia que ninguém dá êsse dinheiro, mas só as contabilidades é que o podem afirmar.
Lembra-me que nos últimos oito dias da minha estada no Ministério das Finanças preguntei como só faziam essas contas.
Disseram-mo que o Sr. Ministro da Agricultura requisitava uma abertura de crédito ao Ministro das Finanças, crédito que umas vezes era pago, outras não.
No Ministério da Agricultura requisitavam uma abertura de crédito ao Ministério das Finanças e não o pagavam.
Assim, o Ministério das Finanças registava apenas a saída de libras e por outro lado a moagem pagava, quando pagava, ao Ministério da Agricultura, e êste Ministério na sua escrituração registava apenas a entrada de escudos, de forma que não havia maneira de fazer côntrole.
Vejam V. Ex.ªs o caos.
Em todos os Ministérios em que eu tenho estado exigi que se cumprissem as boas normas, e assim é que me lembro de que o Sr. João Gonçalves quando eu era Ministro das Finanças trouxe um pedido de crédito de 50:000 contos.
Eu pedi ao Ministério da Agricultura uma lista dos carregamentos e à Direcção Geral da Agricultura as verbas; pois não houve maneira de harmonizar a entrada de vapores de um lado com outro, e assim pode dar-se o caso que o Sr. Velhinho Correia aqui apontou.
O Sr. Velhinho Correia: — Quando eu fazia parte da comissão de inquérito ao Ministério da Agricultura, encontrei de uma vez uma diferença de 800 contos que depois se veio a apurar estarem no Terreiro do Trigo.
O Orador: — Ora vejam V. Ex.ªs onde tinham ido parar os 800 contos do Estado. Ao Terreiro do Trigo.
Queixou-se o Sr. Ministro das Finanças do Parlamento não lhe aprovar as propostas que fazem parte do plano de S. Ex.ª
Ora êsse plano devia ter uma propaganda prévia e deviam-no-lo ter explicado.
S. Ex.ª, porém, não o entende assim, e faz dos seus planos um dogma: Não precisam ser explicados, todos os compreendem.
Votado o imposto do sêlo e a contribuição de registo, o deficit é suprimido e o câmbio vai melhorar, diz-se.
Ora eu mantenho que nem por isso o deficit será suprimido nem o câmbio vai ser melhorado.
Eu não tenho também receio em afirmar que se vai continuar com o pão político.

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É verdade que o Sr. Ministro da Agricultura já declarou que em 5 de Agosto ou não havia pão político ou então não havia Fontoura da Costa no Ministério.
Ora eu sustento que em 5 de Agosto barde haver pão político e há de haver Fontoura da Costa.
Mas o Sr. Presidente do Ministério pretende que o Parlamento faça com que o regime do pão político, que é transitório, se não torne definitivo.
Porém, para que isso aconteça, é preciso que se não concedam mais créditos à moagem, dêsses créditos enormes que nenhumas vantagens trazem para o Estado, é preciso que se pague ao lavrador o trigo pelo preço que realmente lhe deve ser pago.
Quando eu analiso as propostas que o Govêrno julga necessárias para fazer a felicidade do país, eu pregunto: porque escolheram estas medidas? porventura não haverá casos a atender neste intervalo, tam importantes ou mais do que êstes?
Há sim, senhor.
Tive eu um dia ocasião de falar aqui sôbre a situação de Angola, e manifestei um certo zêlo patriótico, ao qual o Sr. Presidente do Ministério respondeu, dizendo que tudo isso não tinha importância nenhuma.
Depois de eu ter acabado a minha interpelação dirigida ao Sr. Ministro das Colónias, uma representação que eu tenho aqui no jornal A Pátria, de 22 de Julho, e que diz o seguinte:
Leu.
Repare a Câmara, porque me parece que se trata de interêsses mais altos do que o imposto do sêlo e a contribuição de registo.
Apoiados.
Continua a leitura.
O que é que eu tenho afirmado nesta Câmara?
É que a situação financeira de Angola era gravíssima e que essa situação levaria naturalmente à rotura entre a colónia e a metrópole e assim o separatismo tenderia naturalmente a nascer.
Veio esta representação dar-nos absoluta razão.
Passados dias, cessavam as transferências de Angola para a metrópole, e então o que foi que Angola pediu?
Veio pedir a abertura de um crédito, ilimitado.
A metrópole perdida, sem dinheiro, arrastando uma vida financeira difícil, diria à colónia de Angola, como diria à de Moçambique, que lhe abria um crédito, sem limite, se uma parte do crédito fôsse, destinado à cobertura da metrópole.
Quere dizer, confessa-se aqui que tanto Angola como Moçambique têm uma balança deficitária.
Quais eram as consequências naturais disso?
É que, tendo Angola dinheiro em notas privativas da província, e que ali têm curso forçado, êsse crédito aumentaria a desvalorização da sua nota, que teria de pagar ágio à metrópole, e a pouco e pouco a desvalorização do escudo determinaria o equilíbrio da balança.
Mas o que é que de lá pedem?
Pedem uma cousa muito simples: é que a metrópole empreste dinheiro para cobertura.
E por quanto tempo?
Até o tempo das calendas gregas; até que Angola e Moçambique realizem os seus empréstimos em ouro.
Portanto, pretenderem criar uma situação artificial ao escudo de Angola é a mesma cousa que se os nossos comerciantes que vivem, por exemplo, em França, nos viessem pedir que o franco tivesse a sua paridade em escudos.
Essa situação artificial sairia naturalmente dos cofres do Estado.
O que é que se pede nesta representação?
Agora pede-se que se paguem a Angola os deficits do seu orçamento, porque se atribuem êsses deficits à desvalorização do escudo de Angola, e por isso pedem também que se pague aos comerciantes a diferença do ágio, como amanhã podem vir aqui reclamar que paguemos em França a diferença do franco cotando-o aqui a $20.
Mas não sou só eu, Cunha Leal, que venho descrever a situação grave da província de Angola, é a própria Associação Comercial de Lisboa.
Dizem que o Sr. Norton de Matos vem defrontar os que deturpam a sua obra, não os que o atacam pessoalmente, mas todos aqueles que se atreveram a duvidar da infabilidade do grande imperador da costa ocidental da África.

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S. Ex.ª faz bem em vir, porque já o Sr. Brito Camacho veio aqui sujeitar à apreciação do Parlamento a sua obra.
Se a situação de Angola é esta como a pinta a Associação Comercial de Lisboa, como é que querem que se vão apreciar as questões do imposto do sêlo e da contribuição de registo, e deixamos para trás êste problema que é muito mais importante?
Naturalmente querem o Parlamento encerrado para fazerem a Angola e a Moçambique o mesmo que fazem à moagem.
E era agora ocasião de preguntar como têm sido liquidadas as aberturas de créditos entre a metrópole e as colónias.
Então interessa mais ao Gabinete a votação do imposto do sêlo do que a apreciação do assunto das relações económicas entre a metrópole e as colónias? Tenho que considerar que os Ministros estão loucos, e não julguem que isto é uma figura de retórica, emprêgo o termo com toda a razão, porque só loucos é que julgarão que pode haver relações comerciais entre a metrópole e as colónias sem transferência de fundos delas para cá.
Suponhamos que eu vendo cimento para Angola, e me pagam em escudos do Angola; ora se eu não tiver lá negócios e se ninguém mós transferir para a metrópole, para nada me servem êsses escudos.
Assim os escudos de Angola passam a viver como feras metidas numa jaula, não podendo sair de lá.
Já ouvi dizer que se poderia acabar com a emissão especial de Angola e fazer circular ali as notas do Banco de Portugal. Mas então dar-se há o fenómeno inverso.
Como as transferências eram em maior número de lá para cá, a pouco e pouco a nota fugia de Angola e desaparecia em prazo mais ou menos curto.
Qual é o pensamento do Govêrno? Não sei.
O que sei é que estamos numa situação grave.
Lamento que o Sr. Velhinho Correia não tenha querido ouvir-me, porque S. Ex.ª vai governar financeiramente Moçambique, vai ser o braço direito do Sr. Vítor Hugo, que fez as felicidades da pasta da Marinha e vai fazer as felicidades de Moçambique.
Como vai esta situação regularizar-se?
A situação de Moçambique, é certo, é muito diferente da de Angola, mas também é certo que em grande parte as dificuldades que afligem Angola são idênticas às que afligem Moçambique.
Sr. Presidente: esta situação está indirectamente pesando no câmbio.
Eu ataco a autonomia de Angola, porque todos nós e a própria província estamos a sofrer os desmandos do Sr. Norton de Matos, e porque a metrópole tem o direito de fiscalizar os actos do Alto Comissário.
Ainda sôbre outros assuntos eu desejaria falar como, por exemplo, de alguns dos nossos navios que estão apodrecendo no Tejo.
Todos nós queremos exercer o direito que nos assiste de criticar a obra do Govêrno, mas como é possível discutir a obra do Govêrno num prazo tam curto?
Como se pode, discutir a questão dos tabacos, em que é necessário acautelar os interêsses do Estado?
Como é que em dezanove dias se pode discutir tudo isto?
A situação não é para brincadeiras, nem para falsas revoluções ou falsos melindres.
Apoiados.
Se o Sr. Ministro das Finanças quere cair, caia, o como seu amigo digo-lhe que ainda é a melhor ocasião para o fazer, porque se não cair, depois de votada a lei da contribuição de sêlo e registo, S. Ex.ª terá que inventar outra cousa diferente da que agora inventou para nos dizer que é por isso que os seus planos não dão resultados práticos.
Apoiados.
Realmente o câmbio continuará na sua marcha vertiginosa para o abismo, e como então haverá necessidade de se aumentarem novamente os vencimentos ao funcionalismo militar e civil, novas propostas de impostos nos terão de ser apresentadas para cobrir a nova despesa, do que resultará nova queda do câmbio, novos aumentos depois, e assim sucessivamente. O deficit é um fantasma que o Sr. Ministro das Finanças persegue sem nunca o alcançar!
O meu partido sente-se absolutamente à vontade nesta situação porque não a criou. Cairá o Sr. Ministro das Finanças? Que caia! Cairá o Ministério? Que

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caia. Ficará o Sr. Presidente do Ministério abarcando todas as pastas? Que fique S. Ex.ª para ser bom governante só lhe falta saber governar.
Risos.
Sr. Presidente: nós não pomos subterfúgios nos nossos pontos de vista; atacamos às claras, falando alto e bom som para o país, só com êste contra: é que amanha não deixarão sair as nossas vozes daqui, porque não lhes dão publicidade.
Apoiados das direitas.
Mas discutiremos a proposta de prorrogação, discutiremos o regime cerealífero, discutiremos a lei do sêlo, porém, tudo devagar e com cautela. Se fôr preciso estarmos aqui até de madrugada, estaremos, sem receio de enfrentar todas as situações e sem receio de que o país nos censure por isso.
Muitos apoiados das direitas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É admitida a moção.
O Sr. Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º
Fez-se a contraprova.
O Sr. Presidente: — Estão sentados 63 Srs. Deputados e de pé 1. Está, portanto, admitida a moção.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Sr. Presidente: obedecendo aos preceitos regimentais, tenho à honra de mandar para a Mesa a seguinte
Moção
A Câmara, reconhecendo que a aprovação duma lei que ponha termo às relações entre o Estado e a moagem, colocando esta no regime de livre concorrência, só traz vantagens para o país;
Considerando que a manutenção da actual lei cerealífera pretendeu apertas uma distribuïção equitativa pelas capacidades de laboração, mantendo contudo o regime de protecção que, com a fraude dessa indústria, nos tem levado à ruína:
Resolve discutir imediatamente uma nova lei cerealífera que, protegendo eficazmente a lavoura, tire de uma vez para sempre o Estado dêsse regime de pão que, não servindo ninguém, tem servido essa mesma indústria que só tem medrado por meio de fraude. — Joaquim Ribeiro.
Pedi a palavra porque no meio do seu discurso, brilhante como todos, o Sr. Cunha Leal achou a possibilidade de se manter a actual lei cerealífera, uma vez que o Estado regulasse o preço dos trigos.
O Sr. Cunha Leal: — V. Ex.ª dá-me licença?
Decerto deficiência de expressão da minha parte levou V. Ex.ª à convicção de que ou desejava a manutenção da lei actual. O que eu quis dizer foi o seguinte: não confiando neste Govêrno, entendo que, qualquer que seja o instrumento que lhe dêem, há-de fazer dele o mesmo que fez da lei anterior.
O Orador: — V. Ex.ª Disse que não valia a pena discutir uma lei cerealífera, e que se podia manter a actual.
Eu fui talvez a primeira pessoa que nesta Câmara se levantou pedindo a liberdade para o regime cerealífero, isto é, que não houvesse relações entre o Estado e a moagem; tive o primeiro apoio da parte do Sr. Cunha Leal, tive-o no Século quando S. Ex.ª dirigia êsse jornal e o acolhimento que S. Ex.ª então me deu valeu-lhe ter de sair dêsse jornal.
Sr. Presidente: a actual lei cerealífera, que ainda é lei, apesar de se não cumprir, tinha como missão essencial pôr todas ás moagens do país no regime da igualdade, segundo as suas cotas de rateio. Já há anos, pela sua influência no Ministério da Agricultura, se mantém uma cota de rateio favorável para a grande moagem, mantendo-se a pequena moagem numa desigualdade extraordinária. Efectivamente, se essa lei se aplicasse a todas as moagens, seria feita justiça.
Sr. Presidente: eu levantei aqui a questão da liberdade, sciente, é certo, de que se resolvia por uma vez a questão dos trigos, que jamais o Estado teria prejuízo com o pão e que a moagem que vive do dinheiro do Estado não teria meio de tripudiar sôbre nós.
Sr. Presidente: foi por isso que levantei a minha voz. Com desgosto vejo pro-

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telada uma questão que, se o Parlamento a continuar a pôr de parte, poderá ver-se nesse facto uma influência da moagem aqui dentro.
Fique a Câmara convencida de que se não se discutir a questão cerealífera, será o Estado quem terá de pagar tudo, acarretando com todos os prejuízos.
Veremos que as influências em volta do Govêrno hão-de dar como resultado, dada a sua incapacidade, a cedência de tudo à grande moagem de Lisboa e Pôrto, o que de resto já em parto se tem feito até aqui.
Sr. Presidente: êste problema é gravíssimo pela questão moral que envolve.
Nós não devemos continuar contribuir do para o desprestígio parlamentar; o se me levantei para falar foi para ilibar-me dessa responsabilidade e para apelar para o patriotismo da Câmara, pois acima das questões políticas devem colocar-se as questões económicas.
Temos ouvido discursos maravilhosos, mas é necessário que vamos para a frente; só tal se não fizer, mal irá para nós.
Eu não tenho responsabilidades e se V. Ex.ªs não quiserem ou não puderem cumprir o seu dever, eu ir-me hei embora, porque não posso mais. Chego a ter medo das consequências.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi lida e admitida a moção do Sr. Joaquim Ribeiro.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: acabo de ouvir com muita mágoa o Sr. Joaquim Ribeiro.
Não tenho culpa de que propositadamente a maioria tenha sido causadora de que o debate político se arrastado por tanto tempo.
Ninguém mais do que nós deseja a discussão do regime cerealífero, mas não estamos dispostos a sujeitar-nos aos caprichos da maioria, que pretendo embrulhar esta questão com outras para que lhe aprovemos tudo o que ela quere.
Disse o Sr. Joaquim Ribeiro que a moagem espalhava que nós não queremos votar a lei cerealífera.
Para que lá fora, no espírito público, não fique a impressão de que efectivamente assim é, declaro que estou disposto, eu por mim, sem consultar o meu Partido, a aceitar a prorrogação da sessão legislativa exclusivamente para tratarmos da questão cerealífera, sem a possibilidade de se enxertar nesta prorrogação a discussão de qualquer outro assunto, seja êle qual fôr.
Se a maioria quere assim, muito bem; de contrário escusa de pensar em que andemos às suas ordens.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: tendo podido a palavra sôbre a ordem, começo por mandar para a Mesa, nos termos do Regimento, a minha moção:
«A Câmara, reconhecendo que qualquer prorrogação de sessão é, dada a carência de um plano governativo, não só improdutiva, como até prejudicial, aos interêsses do país, passa à ordem do dia. — O Deputado, Morais Carvalho».
Ao cabo do uns poucos do meses de sessão legislativa, depois de mais de dezoito meses de trabalhos quási ininterruptos da actual Câmara, vem o Govêrno, a dois dias do encerramento da sessão, pôr perante todos nós o ultimatum da aprovação de certas medidas, sem as quais êle declara não poder viver, sem as quais êle não ficará no Poder, segundo declaração terminante rio alguns dos seus membros.
Mas como é que se compreende que, sendo tam importante para a vida do Govêrno e para os interêsses do país a aprovação de tais medidas, só agora o Govêrno se tenha lembrado de vir à Câmara impor a sua aprovação?
Porque é que o Govêrno porque é que o Sr. Ministro das Finanças não declararam há mais tempo que não podiam deixar encerrar o Parlamento sem que êste os habilitasse com as providências que julgavam indispensáveis?
Porque, é que o Sr. Ministro da Agricultura não trouxe há mais tempo ao Parlamento a sua proposta sôbre o regime cerealífero?
Porque permitiu o Govêrno que a sua maioria tivesse deixado passar dezoito meses de trabalhos parlamentares a discutir projectículos sem importância?
Quanto à questão dos tabacos, é uma

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questão importante, segundo o critério do Sr. Ministro das Finanças, mas não nos disse S. Ex.ª qual seria a sua orientação.
Estão em discussão duas propostas, mas não sabemos para qual delas é que se pede a votação da Câmara.
Qual é a orientação do Govêrno?
Ninguém o sabe!
Há uma outra proposta de que se diz que o Sr. Ministro das Finanças faz questão: é a que diz respeito à lei do sêlo. Mas ate hoje ainda a comissão não deu parecer acêrca dessa proposta, que a meu ver é um enxerto que se faz em matéria tributária.
Parece que além destas propostas outras há de que o Govêrno faz questão: uma é relativa ao Ministério da Agricultura, é a que diz respeito ao regime cerealífero, e outra refere-se ao problema dos Transportes Marítimos. Mas o que é certo é que nós não sabemos se são estas ou outras as propostas que o Govêrno deseja ver votadas.
Pela Constituïção é ao Congresso que cabe a iniciativa da sua convocação.
A questão cerealífera é de urgência inadiável e razão tinha o Sr. Cunha Leal quando há pouco usou da palavra para explicações, e sustentou que todo nesta Câmara desejamos que essa questão seja sem perda de tempo solucionada.
Verdade seja, Sr. Presidente, que qualquer que seja a solução a adoptar, ainda mesmo que seja boa, ela não deve tranquilizar inteiramente o país, porquanto estamos de há muito habituados a ver que o Govêrno não sabe cumprir aquilo que vem disposto nas leis.
E assim é que, tendo os agricultores o ano passado produzido a sementeira do trigo, baseados numa lei que foi votada pelo Parlamento, a verdade é que a lei não foi cumprida, encontrando-se êles agora na contingência de não verem mantidos os preços que o Congresso havia fixado, de harmonia com a média do ágio da moeda, durante o período a decorrer de Setembro a Julho do ano seguinte.
Sr. Presidente: a questão dos Transportes Marítimos é também daquelas que necessitam de urgente deliberação da Câmara. Porém, pena foi que durante nove meses, que é o tempo decorrido desde a abertura da sessão legislativa, o Govêrno e a sua maioria, que é quem dirige e marca a ordem dos trabalhos desta Câmara, não tivessem trazido à tela da discussão a referida proposta.
Sr. Presidente: as medidas que o Govêrno pretende arrancar agora à votação da Câmara justificam-se no entender do Govêrno pela sua absoluta indispensabilidade para conseguir a melhoria da nossa situação económica e financeira.
Mas Sr. Presidente: nós todos estamos cansados de ouvir essa declaração, repetida pelo Govêrno e pela maioria a propósito de tantas providências que deviam ter trazido a salvação do país, e que não serviram senão para agravar a sua situação económica e financeira.
Quando foi do empréstimo e quando nós dêste lado da Câmara combatíamos com argumentos de pêso, quando dizíamos que não podia vir melhoria para o problema do ágio, visto que não trazia nenhumas libras para o país e não podia trazer crédito para a nação uma proposta de empréstimo, que era um pregão de descrédito, víamos os deputados da maioria increpar-nos, porque então S. Ex.ªs estavam com esperanças no bom sucesso dessa operação.
Sr. Presidente: já então nessa ocasião eu sustentei a opinião de que a questão que sé debate não era uma questão pròpriamente financeira, mas uma questão económica e uma questão de confiança; e no emtanto, Sr. Presidente, eu compreenderia que o Govêrno trouxesse à apreciação do Parlamento e fizesse questão, nesta altura da sessão legislativa, da discussão de propostas que resolvessem o problema económico e promovessem a riqueza do país.
Mas não podia admitir que o Govêrno viesse pedir uma prorrogação do sessão por quinze dias para, atabalhoadamente, nesse curto prazo de tempo, fazer votar pelo Parlamento medidas que, longe de promoverem a riqueza do país, só servem para o esgotar.
Sr. Presidente: ainda não há muitos dias tive o ensejo de encontrar um antigo republicano do tempo da propaganda, pessoa de alto prestígio, cujo nome não vem aqui para a discussão, que me preguntava como é que se compreendia que o Govêrno continuasse nesta obra, que vem fazendo há tanto tempo, de estancar

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toda a matéria colectável por meio de medidas de ordem financeira, absolutamente exaustivas da riqueza pública.
Êsse antigo republicano do tempo da propaganda estranhava que no Parlamento pudessem ter aprovação providências da natureza daquelas que o Govêrno ainda neste momento pretende que sejam aprovadas.
Disse há pouco o Sr. Cunha Leal, e neste ponto estou em inteiro desacôrdo, com S. Ex.ª. que o Sr. Ministro das Finanças o que pretende é fazer a nossa felicidade.
Não! A pretensão máxima do Sr. Ministro das Finanças, neste momento, é fazer, não a nossa, mas a sua felicidade, que se consubstancia em abandonar as cadeiras do Poder, achar uma aberta por onde possa passar.
S. Ex.ª sabe que as propostas que deseja ver aprovadas o não podem ser no curto prazo de tempo indicado para o prorrogamento da sessão legislativa.
Chegado ao fim dêsse prorrogamento, S. Ex.ª virá dizer que não pode permanecer nas cadeiras do Govêrno, porque o Parlamento não lhe deu os meios de que carecia para fazer face às despesas tremendas do Estado.
Eu compreendia que, quando esta Câmara e a outra votaram sucessiva e impensadamente propostas que aumentaram em demasia as despesas do Estado, no intuito de atender a interêsses de particulares, S. Ex.ª pusesse a sua pasta e dissesse:
— Não! O Parlamento não tem direito a votar propostas desta natureza.
A sua situação impunha-lhe essa obrigação, mas manter-se silencioso, porquanto apresentar à discussão da Câmara propostas que outro fim não têm senão aumentar desmedidamente as despesas do Estado e vir depois dizer que é indispensável que o Parlamento lhe dê os meios de fazer face às despesas, a que S. Ex.ª se não soube opor, isso é que não só não é comprehensível, como merece a mais severa repreensão.
A hora adiantada em que vai a sessão e as minhas condições de saúde não me permitem discutir, com tanta pormenorização como eu desejava, o estranho pedido de prorrogação da sessão apresentado pelo Sr. Abílio Marçal.
Creio ter já dito o bastante para demonstrar à Câmara que é absolutamente injustificada a pretensão de nas breves sessões que se deseja que se realizem até o dia 18 ou 20 do corrente mês, segundo ouço, e digo segundo ouço porque a proposta do Sr. Abílio Marçal é inteiramente omissa a tal respeito, fazer discutir as medidas de que o Govêrno diz carecer, as quais absolutamente em nada podem modificar para melhor a situação do país, como, ainda mesmo que nelas se contivessem quaisquer preceitos, possivelmente fossem de aproveitar. A exiguidade forçosamente marcada para o seu estado no Parlamento não permitiria que êle fôsse feito por uma forma completa e proveitosa para os interêsses nacionais.
Nestes termos, tendo assim inteiramente, creio eu, justificado o meu voto, eu vou dar por concluídas as minhas considerações, protestando contra êste sistema peculiar do Sr. António Maria da Silva de nos finais das sessões legislativas, quando a sessão vai adiantada, quando os Srs. Deputados sentem a necessidade de repousar depois de uma sessão prolongada, surpreender o nosso voto sujeitando à nossa aprovação propostas da maior importância.
O resultado de tudo isto é a saída do Parlamento de uma legislação caótica, contraditória e inexeqüível, como tem sido a legislação dos últimos tempos.
O orador não reviu.
Foi admitida a moção do Sr. Morais Carvalho.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente, requeiro a contraprova.
Invoco o § 2.º do artigo 116.º
Disseram «aprovo» os seguintes Srs. Deputados:
Alberto da Rocha Saraiva.
António Abranches Ferrão.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
José Cortês dos Santos.
Ventura Malheiro Reimão.

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Disseram «rejeito» os seguintes Srs. Deputados:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Amadeu Leite de Vasconcelos.

níbal Lúcio de Azevedo.
António Albino Marques do Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Cândido Pereira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Serafim de Barros.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
O Sr. Presidente: — Aprovaram a admissão 8 Srs. Deputados, rejeitaram 45.
Não há número, vai proceder-se à chamada.
Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Não há número. Está encerrada a sessão. A próxima sessão é amanhã à hora regimental, com a seguinte ordem dos trabalhos:
Antes da ordem do dia:
A de hoje, menos o parecer n.º 542.
Ordem do dia:
Proposta de prorrogação da sessão legislativa e a de hoje.
Eram 3 horas.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Parecer
N.º 542, que regula a admissão ao concurso, de aspirantes de marinha.
Aprovado.
Dispensada a leitura da última redacção.
Para o Senado.
Última redacção
Do projecto de lei n.º 427, que isentou de direitos aduaneiros o material cirúrgico importado pela Misericórdia e Instituto Radiológico de Ponta Delgada.
Aprovado.
Remeta-se ao Senado.
Declarações de voto
Declaro que votei a moção de confiança ao Govêrno, apresentada pelo ilustre Deputado Sr. António Dias, porque além de julgar inconveniente, nas actuais circunstâncias, uma crise ministerial, espero ainda que o Govêrno, mantendo com energia a ordem pública e assegurando uma eficaz repressão dos chamados delitos sociais, saberá orientar a sua política financeiramente, para o equilíbrio orçamental, mais pela redução e compressão de despesas, do que pelo aumento de impostos; e religiosamente, pelo respeito de todas as crenças, e consequentemente dos direitos de liberdade religiosa que todos devem gozar, designadamente os católi-

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cos, que constituem a grande maioria dos cidadãos portugueses.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 3 de Agosto de 1923. — O Deputado, António Pinto Barriga.
Para a acta.
Declaro que se estivesse presente à sessão de ontem teria rejeitado a moção do Sr. António Dias.
Sala das Sessões, 3 de Agosto de 1923. — O Deputado, Vitorino Mealha.
Para a acta.
O REDACTOR — Avelino de Almeida.

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