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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 143
EM 5 DE AGOSTO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Abre a sessão com a presença de 50 Senhores Deputados.
É lida a acta.
Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — Entra em discussão a emenda do Senado ao projecto dos mutilados de guerra, que é aprovada.
O Sr. Sá Pereira protesta contra o que se dia, de ter sido secretariado o Sr. Bispo da Guarda pelo Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva), que dá explicações ao Sr. Deputado.
O Sr. Velhinho Correia responde às referências que na sessão anterior foram feitas à sua intervenção quando da discussão do projecto do empréstimo.
O Sr. Bartolomeu Severino requere que entre em discussão o parecer n.º 100, que reintegra no lugar de comissário de policia de emigração clandestina o cidadão Adolfo Alves de Brito.
É aprovado.
O Sr. Cunha Leal interroga a Mesa acêrca da aprovação da acta.
Dá explicações o Sr. Presidente.
Interroga a Mesa, invocando o Regimento, o Sr. Carvalho da Silva, declarando o Sr. Presidente, lendo a acta respectiva, que a sessão legislativa está prorrogada até 5 de Agosto.
Interroga a Mesa o Sr. Paulo Cancela de Abreu.
É pôsto em discussão o parecer n.º 100.
É aprovada a generalidade.
O Sr. Pedro Pita, para interrogar a Mesa, entende que antes de mais nada há a discutir a «questão prévia» sôbre se a sessão é legal ou ilegal. O Sr. Presidente põe em discussão o artigo 1.º do parecer n.º 100.
Usa da palavra o Sr. Cunha Leal.
É posta em discussão a acta.
O Sr. Álvaro de Castro apresenta e justifica uma «questão prévia» sôbre a ilegalidade da sessão.
Responde o Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva), que volta a usar da palavra depois de dela ter usado, para explicações, o Sr. Álvaro de Castro.
O Sr. Cunha Leal apresenta e justifica uma outra «questão prévia».
Usa da palavra o Sr. Agatão Lança.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Mariano Martins faz considerações sôbre a reunião do Congresso, para o efeito da eleição presidencial.
Encerra-se a sessão.
Abertura da sessão às 15 horas e 30 minutos.
Presentes 50 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 44 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto da Rocha Saraiva.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
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Diário da Câmara dos Deputados
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Francisco Diais de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Albino Pinto da Fonseca.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António País da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Cruz.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim José de Oliveira.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Tomás de Sousa Rosa.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Resende.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
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Sessão de 5 de Agosto de 1923
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Júlio de Sousa.
João Baptista da Silva.
João José Luís Damas.
João Pereira Bastos.
João Salema.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro do Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
As 15 horas e 20 minutos, principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 50 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Leu se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Oficio
Da Associação Naval de Lisboa, agradecendo a aprovação da lei que isenta as colectividades desportivas das contribuições e impostos que até agora as sobrecarregavam.
Para a Secretaria.
Telegramas
Da Câmara Municipal de S. Vicente da Madeira, protestando contra a adopção da nova marca de vinhos «Lisbone Wine».
Para a Secretaria.
Da direcção do Casa Pia Atlético Club, congratulando-se pela aprovação do projecto de lei relativo a clubes que pugnam pelo rejuvenescimento da raça.
Para a Secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Encontrando-se na Mesa uma emenda vinda do Senado sôbre mutilados de guerra, e sendo urgente a sua discussão, vou submetê-la à apreciação da Câmara, antes da ordem do dia, dando em seguida a palavra aos Srs. Deputados que se inscreveram.
A emenda foi aprovada sem discussão.
Alterações do Senado à proposta de lei n.º 571:
Artigo 1.º Aos mutilados e estropiados de guerra, ao abrigo da alínea a) do artigo 6.º da lei n.º 1:170, com 20 por cento ou mais de invalidez, serão aplicados os artigos 2.º, 6.º e § único, 7.º, 9.º, 11.º e § único da lei n.º 1:158, de 30 de Abril de 1921, e mais legislação em vigor.
Art. 2.º — Aprovado.
Art. 3.º — Aprovado.
Palácio do Congresso da República em 4 de Agosto de 1923. — António Xavier Correia Barreto — João Manuel Pessanha Vaz das Neves.
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Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Sá Pereira: — Sr. Presidente: pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro do Trabalho, porque recebi há dias uma carta em que se me queixam amargamente de que S. Ex.ª, na última visita que fez à cidade da Guarda, se tivesse prestado a secretariar o Bispo da mesma diocese, com desprestígio completo e absoluto da supramacia do poder civil.
Eu não estava naquela cidade, não sabendo, portanto, como o caso se passou, e por isso peço ao Sr. Ministro do Trabalho que me informe se o caso é verdadeiro. Só assim fôr, eu desde já formulo perante V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a Câmara, o meu mais veemente protesto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva): — Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer ao Sr. Sá Pereira que de facto assisti ao descerramento, na Guarda, do busto erigido em homenagem à memória do Dr. Lopo de Carvalho, mas não porque tivesse sido convidado para essa cerimónia.
Fui à cidade da Guarda, como natural daquele distrito, assistir à inauguração do congresso distrital, e porque se deu a circunstância de naquele mesmo dia se prestar homenagem àquele médico notável, eu associei-me com muito prazer a essa homenagem.
É claro que havia um estrado onde estavam cadeiras e onde se sentaram as pessoas mais categorizadas daquela cidade, e numa delas encontrava-se o Sr. Bispo da Guarda, tendo-me eu sentado em outra cadeira.
Não sei se havia presidência, mas o que é verdade é que nunca tive a impressão de que estava a secretariar o Sr. Bispo.
O Sr. Vasco Borges (em àparte): — Nem sequer havia Mesa.
O Orador: — Sr. Presidente: pelo facto de ter assistido a essa festa, fiquei convencido de que em nada tinha ficado desprestigiado o Poder Executivo, nem a supremacia do Poder Civil.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Sá Pereira (para explicações): — Sr. Presidente: desejo agradecer ao Sr. Ministro do Trabalho as explicações que se dignou dar-me, e dizer a S. Ex.ª que foi com inteira satisfação que ouvi a afirmação de que não só havia prestado ao degradante papel de secretariar um Bispo, desprestigiando o Poder Civil em beneficio da religião.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: pedi a palavra para responder a várias observações que por mais de uma vez me têm sido dirigidas nesta Câmara, designadamente no último debate político e nos discursos ontem produzidos a propósito da prorrogação da sessão legislativa.
Não ignora V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a Câmara não ignora, que eu tomei naturalmente perante e Pais uma responsabilidade grande, que foi a de defender nesta Câmara a proposta do empréstimo.
Fi-lo absolutamente convencido de que prestava um serviço ao País e à República.
Não ocultei perante o País e o Parlamento a verdade da situação, não ocultei a situação tal qual ela era e se apresentava com a aprovação da proposta do empréstimo.
Disse que a aprovação dessa medida financeira não podia ser, de uma maneira isolada, bastante para resolver as dificuldades.
Disse e repito que a aprovação dessa medida não seria bastante por si somente.
Escrevi isto no relatório que precede o parecer, que foi largamente discutido.
Não disse que essa lei por si seria suficiente para melhorar as nossas condições de vida, para fazer voltar o câmbio à situação de melhoria que houve anteriormente.
Nem disse que da aprovação e aplicação dessa medida resultaria só por si um grande beneficio para o País.
Só por estreito espírito de política partidária se podia aqui afirmar que eu, tendo defendido, como defendi, o parecer do empréstimo, dissesse e assegurasse, que da aplicação dessa medida resultaria só por si uma solução.
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Sessão de 5 de Agosto de 1923
Não disse, não podia dizer que uma medida de circunstância produzisse uma melhoria da situação económica e financeira.
Tudo só pode confirmar, como vou fazer pela leitura de vários trechos dêsse relatório, que não era êste o meu critério.
Não disse que o empréstimo fôsse, uma medida financeira, que bastasse para se sair da situação difícil em que nos encontrávamos.
Sr. Presidente: Quais foram os resultados? Os resultados foram os seguintes: Votado o empréstimo, o Parlamento, devido a circunstâncias diversas, não acompanhou, como devia, essa medida de outros projectos de lei tributários.
Quando se diz e afirma que o empréstimo não produziu aquele efeito que se esperava, faz-se uma afirmação gratuita, visto que, para que o empréstimo produzisse realmente os efeitos que devia produzir, era necessário aprovar outras medidas indispensáveis para assegurar o equilíbrio orçamental.
Sr. Presidente: O que era o empréstimo? Era uma medida de ocasião para acudir ao deficit do ano económico findo.
Êsse orçamento aprovou-se com deficit. De maneira que aprovámos um orçamento com deficit; votou-se um empréstimo para acudir ao deficit do ano fiado.
Para o actual ano económico, ou temos de votar medidas que produzam o equilíbrio do Orçamento, ou teremos de continuar a vida de expedientes em que temos vivido até aqui, o então termino eu as minhas considerações respondendo assim às observações que me têm sido dirigidas, em virtude da defesa activa que fiz dessa proposta do Govêrno.
Não têm autoridade aqueles que produziram acusações contra o empréstimo, desde que por todos os meios, alguns até bem dignos de reparo, têm dificultado a aprovação das medidas indispensáveis para que o empréstimo trouxesse os benefícios que para o País deviam resultar.
O orador não reviu.
O Sr. Bartolomeu Severino: — Sequeiro que V. Ex.ª consulte a Câmara, sôbre se permite que entre imediatamente em discussão o parecer n.º 100.
A Câmara aprovou o requerimento.
Parecer n.º 100
Senhores Deputados. — A vossa comissão de administração pública, examinando o projecto de lei n.º 737-O, da iniciativa, na sessão legislativa de 1921, do ilustre Deputado Sr. Albino Pinto da Fonseca, renovada pelo mesmo na presente sessão, sob o n.º 32-A, reconhece que tal projecto, já relatado favoravelmente na sessão anterior pelo antigo Deputado e actual Senador, Sr. Godinho do Amaral, se impõe à vossa consideração e merecerá, porventura, a vossa aprovação pela reparação de justiça que efectiva, colocando, a título de reintegração, o cidadão Adolfo Alves do Brito como comissário adjunto do comissário geral de polícia de emigração clandestina.
Em verdade, tendo aquele cidadão sido demitido, por decreto de 27 de Abril de 1918, pelo chamado dezembrismo, do seu lugar de comissário de policia de emigração clandestina do Funchal, e tendo reclamado perante a comissão de reintegrações, criada por decreto n.º 5:172, de 24 de Fevereiro de 1919, verificou esta que o dito cidadão fôra vítima duma perseguição política e reconheceu-lhe o direito de reintegração, mas esta de facto jamais se fez, como era de direito, no cargo respectivo, por êste já estar provido noutrem, sem que se tivesse aguardado o resultado da resolução da comissão de reintegrações no aludido processo de reclamação.
Assim, deu-se-lhe a reparação inane e vã que consta do relatório do projecto, ficando privado desde então de vencimentos e sem aquela justiça que se fez a todos os funcionários republicanos que, como êle, foram vítimas da acção violenta, do dezembrismo.
O projecto importa, porém, no fundo, a criação dum lugar novo e a dotação dêste no orçamento; assim, carece do parecer da vossa comissão de finanças.
Sala das Sessões, 24 de Maio de 1922. — Abílio Marçal, presidente — Alberto Vidal — Custódio de Paiva — João Vitorino Mealha — José de Oliveira da Costa Gonçalves, relator.
Senhores Deputados. — O projecto de lei n.º 32-A, antigo n.º 737-O, de 1921, da iniciativa do Sr. Pinto da Fonseca, merece a vossa aprovação.
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Trata-se de reparar uma injustiça e pagar a um funcionário aquilo que se lhe deve.
Não é, pois, um aumento de despesa, mas sim apenas uma regularização e arrumação de despesa que pode sair de qualquer verba orçamental.
É êste o parecer da vossa comissão.
Sala das sessões da comissão de finanças, 26 de Junho de 1921. — Mariano Martins (com a declaração de que o assunto devia antes ser resolvido por forma contenciosa no Supremo Tribunal Administrativo) — F. M. Rêgo Chaves — M. B. Ferreira de Mira (com declarações) — F. G. Velhinho Correia — João Camoesas — Carlos Pereira — Queiroz Vaz Guedes — Lourenço Correia Gomes.
N.º 32-A
Senhores Deputados. — Renovo o projecto de lei n.º 737-O, da minha iniciativa.
Sala das sessões da Câmara dos Deputados, 30 de Março de 1922. — Albino Pinto da Fonseca.
Parecer n.º 760
Senhores Deputados. — O projecto sujeito à apreciação desta comissão é dos que se podem aprovar com a certeza de que a justiça não é atropelada.
Tem êste projecto em vista reintegrar no lugar de comissário de polícia de emigração clandestina o cidadão Adolfo Alves de Brito, lugar de que foi esbulhado pelo dezembrismo sem razão alguma que a justificasse. Foram depois reintegrados pelo decreto n.º 5:172, de 24 de Fevereiro de 1919, todos os funcionários esbulhados, mas não o foi o reclamante.
Mais tarde foi colocado como adstrito à polícia de segurança do Pôrto, lugar que não existe, não tendo recebido até hoje os seus vencimentos.
Portanto, esta comissão, alterando o artigo 1.º do projecto, que ficará assim redigido, dá-lhe a sua aprovação:
Artigo 1.º É reintegrado no lugar de comissário de polícia de emigração clandestina o cidadão Adolfo Alves de Brito.
Sala das comissões, 4 de Maio de 1921. — Godinho do Amaral — Custódio de Paiva — Francisco José Pereira — Joaquim Brandão (com declarações) — Jacinto de Freitas (vencido).
Projecto de lei n.º 787-O
Senhores Deputados. — Tendo sido arbitrariamente demitido do cargo de comissário da polícia de emigração clandestina do Funchal, por decreto de 27 de Abril da 1918, o cidadão Adolfo Alves de Brito, velho republicano a quem o dezembrismo sempre perseguiu, e não tendo havido para com o mesmo cidadão o procedimento de justiça estabelecido pelo decreto n.º 5:172, de 24 de Fevereiro de 1919 — que ordena a reintegração de todos os funcionários, civis o militares, esbulhados dos seus lugares por ódios políticos — são-lhe ainda devidas todas as reparações a que tem direito.
Foi-lhe reconhecida toda a justiça às suas reclamações pela comissão de reintegrações, criada pelo citado decreto n.º 5:172, a qual foi de parecer:
1.º Que se tratava duma verdadeira perseguição política;
2.º Que se considerava revisto por aquela comissão o processo disciplinar para os efeitos dos artigos 40.º e seguintes do Regulamento de 22 de Fevereiro de 1913;
3.º Que o referido cidadão devia ser reintegrado.
Mas o mesmo cidadão não foi reintegrado no lugar que exercia e de que foi afastado indevidamente, mas sim «reintegrado no exercício de funções públicas, e colocado como adstrito à polícia de segurança do Porto», lugar que não tem existência legal, e do qual nunca recebeu remuneração alguma.
A todos os funcionários abrangidos pelo decreto n.º 5:172 foram pagos os seus vencimentos do tempo que estiveram afastados, mas com êste cidadão, por não voltar a exercer o seu lugar, não se procedeu de igual forma, como a lei taxativamente ordena.
Encontra-se, portanto, na crítica, injusta e ilegal situação de ser obrigado a exercer um cargo cujos assuntos desconhece, por serem diferentes os serviços, e sem receber a mais insignificante remuneração, e ainda impossibilitado de, como todos, receber os seus vencimentos em atraso.
Assim, sendo de toda a justiça reparar devidamente as arbitrariedades havidas, o que convém ao próprio prestígio da República, tenho a honra de submeter à
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apreciação da Câmara o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º É reintegrado no lugar do comissário da polícia de emigração clandestina o cidadão Adolfo Alves de Brito, que ficará a exercer as funções de adjunto ao comissário geral dos serviços de emigração, com as mesmas atribuïções e com os mesmos vencimentos.
Art. 2.º É-lhe contado todo o tempo do seu afastamento para os efeitos do artigo 57.º do decreto n.º 5:624, ficando incluído o seu cargo no artigo 32.º do mesmo decreto.
Art. 3.º Fica autorizada a abertura dum crédito pelo Ministério das Finanças a favor do Ministério do Interior para pagamento integral de todos os seus vencimentos desde Dezembro de 1917.
Art. 4.º Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 22 de Abril de 1921. — Albino Pinto da Fonseca.
O Sr. Cunha Leal (para interrogar a Mesa): — Desejo saber se já está aprovada a acta, pois devo ser cousa normal e corrente aprovar-se primeiro a acta, antes de se votar qualquer outra cousa.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Estou seguindo a norma dos trabalhos. A acta será posta à discussão na devida altura.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Não se podem aprovar pareceres antes da aprovação da acta.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que mo informe se não há sôbre a Mesa uma questão prévia do Sr. Álvaro de Castro, que, segundo me informam, diz respeito a legalidade ou ilegalidade da convocação da sessão de hoje.
Se, de facto, essa questão prévia está na Mesa, requeiro que entre imediatamente em discussão.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A questão prévia ainda não está sôbre a Mesa.
O Sr. Álvaro de Castro ficou de a enviar para a Mesa na altura da discussão da acta.
O Sr. Carvalho da Silva (para invocar o Regimento): — Sr. Presidente: em vista do artigo 20.º do Regimento, pregunto a V. Ex.ª se hoje é ou não, domingo, e qual foi a disposição regimental que levou V. Ex.ª a marcar sessão para hoje.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Consta da acta de 22 de Junho do ano corrente, que regista que a sessão legislativa está prorrogada até 5 de Agosto.
O orador não reviu.
Apoiados da maioria e protestos das minorias.
O Sr. Carvalho da Silva (para invocar o Regimento): — Sr. Presidente: S. Ex.ª sabe que também as sessões legislativas ordinárias terminam no dia 2 de Abril e, no emtanto, quando êsse dia é um domingo, para êle não é marcada a sessão.
Quere dizer: a Câmara aprovou um período de prorrogação da sessão legislativa e marcou-lhe o dia 5, seguindo-se durante êsse período todos os preceitos regimentais.
Ora, desde que o Regimento marca que haverá sessão todos os dias que não forem domingo, manifesto é que para hoje não podia V. Ex.ª marcar sessão.
Requeiro, pois a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se está ou não funcionando legalmente.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª pediu a palavra para invocar o Regimento, repetindo considerações a que já respondi com a leitura da acta da sessão de 29 de Junho, e, por consequência, não posso pôr à votação o seu requerimento.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para invocar o Regimento): — Sr. Presidente: o Regimento é bem expresso dizendo que há sessão todos os dias que não sejam domingos, feriados ou luto nacional.
Eu não acredito que seja verdadeira a versão que correu na imprensa, de que V. Ex.ª convocou a sessão de hoje sob
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o pretexto de haver também sessão no Senado, como se Câmara dos Deputados seja obrigada a reünir sempre que reüna a do Senado.
Também o facto de a prorrogação ter sido feita até 5 de Agosto não pode justificar a legalidade da sessão de hoje, pois isso não obrigava a que houvesse sessão em 5 de Agosto sendo domingo.
Uma semelhante interpretação não significa mais do que a mistificação do Regimento.
Vozes da maioria: — Não apoiado.
O Orador: — Que a maioria queira iludir-se a si própria, está bem, mas que queira iludir o País é que está mal.
Suponha V. Ex.ª que o dia de hoje, por fatalidade, era de luto nacional, e então, porque a sessão estava prorrogada até 5 de Agosto, marcava-se sessão para hoje.
Não podia ser!
O Regimento é bem expresso e não admite dúvidas.
O que se está fazendo não pode iludir ninguém e serve somente para mostrar que os legisladores são os primeiros a não respeitar a lei, como desrespeitam desde que é infringido o regulamento.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Eu respondo a V. Ex.ª dizendo que Regimento não foi infringido.
Continua em discussão o parecer n.º 100.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como ninguém pede â palavra, vai votar-se na generalidade.
O Sr. Cunha Leal: — E então a acta não se aprova!
Apoiados das direitas.
Trocam-se àpartes.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam queiram levantar-se.
Protestos das direitas.
O Sr. Presidente: — Está aprovado.
O Sr. Cunha Leal: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º para a votação duma cousa que ninguém sabe o que é.
Não apoiados da esquerda e apoiados da direita.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à contraprova.
O Sr. Pedro Pita: — Peço a palavra para interrogar a Mesa.
O Sr. Presidente: — Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Júlio de Abreu: — Então está-se numa votação; não pode ninguém usar da palavra.
O Sr. Presidente: — Tem V. Ex.ª razão. Peço perdão ao Sr. Pedro Pita; vou primeiro fazer a contraprova e depois dou a palavra a V. Ex.ª
Por entre protestos da minoria nacionalista procede-se à contraprova, que dá o mesmo resultado que a primitiva votação.
O Sr. Pedro Pita (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: desde que está anunciada a apresentação duma questão prévia sôbre a legalidade desta sessão, seria mais lógico que antes de se votar qualquer cousa se apreciasse e votasse essa questão prévia.
Eu não preciso dizer a V. Ex.ª a consideração e estima pessoais que tenho por V. Ex.ª; não têm nada que ver as minhas palavras com essa consideração e estima, mas, salvo o devido respeito, nem na marcação desta sessão, nem na condução dos trabalhos, V. Ex.ª tem mostrado que o Presidente de toda a Câmara, mas apenas de um dos seus lados.
Muitos apoiados das minorias e não apoiados das maiorias.
Pregunto a V. Ex.ª: quando se discute a questão prévia?
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Eu já disse ao Sr.. Álvaro do Castro, que é o proponente da questão prévia, que na altura própria, que é a da discussão da acta, a sua questão será discutida depois de apresentada.
Apoiados da esquerda.
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Vai discutir-se o parecer na especialidade. Está em discussão o artigo 1.º, que vai ler-se.
Lê-se na Mesa.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: segundo acabam de me informar, trata-se do parecer n.º 100, que foi aprovado na generalidade, e digo «segundo acabam de me informar», porque V. Ex.ª parece apostado em pôr à votação cousas sem que a gente saiba o que se está votando.
Apoiados da direita e não apoiados da esquerda.
Pedi a palavra apenas para afirmar claramente que nós não podemos estar sujeitos a todas as imposições que V. Ex.ª nos queira fazer, como ontem nos fez a imposição de marcar uma sessão para hoje sem estar autorizado a isso.
Apoiados das direitas e não apoiados da esquerda.
Sr. Presidente: eu creio que é de justiça, não obstante a ilegalidade do que se está fazendo, o parecer que se discute. No emtanto, a própria comissão lhe fará as suas observações.
Assim, eu declaro que, julgando de justiça o projecto, entretanto acentuo uma cousa: é que a tal pressa em votar cousas urgentes consiste afinal de contas em votar despesas. Não é uma alta e grande necessidade que nos obriga a estar aqui; estamos aqui hoje para votar, parece, cousas que são de justiça, mas que resultam em aumento de despesa.
Apoiados.
E por aqui inferimos os motivos por que ainda nos querem conservar por mais tempo; é porque talvez haja mais afilhados a contemplar.
Apoiados.
O resto são cousas para iludir as pessoas que estão lá fora.
Apoiados.
Serve apenas para demonstrar que estando convocada uma sessão ilegal (Apoiados. Não apoiados), querem esmagar a minoria. V. Ex.ª deve pôr em discussão, primeiro que tudo, a questão prévia.
Não se pense em fazer uma sessão ilegal, cuja ilegalidade é incontestável.
Reconsiderarão, estou certo. As minhas palavras, espero, encontrarão eco no espírito de S. Ex.ªs
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a acta.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: creio que os trabalhos parlamentares estão correndo desde o começo um pouco atrabiliàriamente, devido à circunstância de não haver número para aprovação da acta.
Daqui resulta o facto de parecer que houve mudança de opinião por parte da oposição, no sentido de considerar que de facto é ilegal esta reunião da Câmara dos Deputados.
Apoiados.
Mas há necessidade de desde o princípio da sessão assistir aos trabalhos desta Câmara, para na altura competente fazer observações, obrigando o Partido Nacionalista a estar presente no momento em que se votarem alguns projectos, o que não importa de maneira alguma a aprovação da situação resultante da marcação da sessão para hoje, contrariamente aos princípios regimentais.
Apoiados.
Por êsse motivo mando para a Mesa uma questão prévia. Chamo-lhe questão prévia, embora o Regimento não consigne especialmente uma matéria destas, porque questão prévia n fio pode deixar de ser considerada uma questão apresentada na altura da discussão da acta, atinente à Câmara se pronunciar sôbre o assunto antes da aprovação da acta.
Esta reunião é de facto ilegal.
Apoiados.
Invocou S. Ex.ª como razão fundamental da deliberação de marcar sessão para hoje o facto de o Congresso ter deliberado prorrogar as suas sessões até o dia 5 dêste mês, e com êste fundamento conclui V. Ex.ª embora não tivesse textualmente pronunciado estas palavras, que houve uma deliberação de alteração regimental relativamente a haver sessão ao domingo.
Êste argumento, além de ser inaceitável, seria a derrogação do Regimento e a derrogação de todos os princípios de lógica.
Se a deliberação do Congresso fôsse a que se quere que seja, ter-se-ia marcado sessão para todos os domingos.
Em toda àparte, quando se quere fazer compreender o último dia designadamente, diz-se inclusive.
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É desnecessário trazer para aqui todas disposições que neste sentido se têm feito, não só no Parlamento como nos tribunais; a verdade está nós factos e comprovada pelos factos.
E tanto é verdade o que eu afirmo que, tendo o Presidente da Câmara sido interpelado sôbre os motivos por que hoje havia sessão, S. Ex.ª respondeu que ora porque tinha sido mareada no Senado.
Ora, essa razão é estranha a esta Câmara e até no Senado êsse assunto foi tratado.
E tanto êste acto V. Ex.ª o praticou com desusada precipitação que, ao marcar a sessão para hoje, não encontrou outra solução para pôr termo aos protestos que então se levantaram, senão a do abandonar a presidência.
Apoiados.
Não podemos, pois, por todas estas rabões aceitar como boa a reunião de hoje e convencidos estamos de que a maioria, reconhecendo que a convocação de ontem foi, efectivamente, absolutamente contrária às disposições regimentais, acabará por reconsiderar.
Depois, se o Govêrno, compenetrado da necessidade de se votarem determinadas medidas, tivesse vindo ao Parlamento apontar essa necessidade e precisar as medidas de que carecia, ainda nos poderíamos ter prestado ao sacrifício de comparecer aqui, para que se não dissesse que a minoria nacionalista procurava privar o Govêrno dos recursos essenciais à vida administrativa do Estado.
Mas assim, impelindo-nos a um trabalho exaustivo de estudo e de crítica sôbre um determinado número de medidas que por simples presunção conhecemos e não porque o Govêrno os tivesse indicado claramente, concretamente?!
Não, Sr. Presidente, a minoria nacionalista não se presta a êsse papel.
Se fôssemos votar uma prorrogação da sessão legislativa, trabalhar exaustivamente para conceder as medidas necessárias para se manterem naquelas cadeiras apenas homens que estivessem inteiramente integrados nas necessidades do momento, tornando-se assim êsse esfôrço útil para a melhoria da vida nacional, então certamente a oposição não recusaria o seu apoio à votação de tais medidas.
Assim, porém, não sucede e os representantes do Partido Nacionalista, perante a sua consciência republicana, têm a convicção de que praticam um acto útil e necessário, qual é o de limpar obrigo, tirando-lhe o joio.
Quer a maioria saltar por cima da consciência do todos aqueles que desejam a República integrada dentro das verdadeiras normas que os seus fundadores lançaram para o seu progresso?
Não o consentiremos, emquanto tivermos fôrças para protestar, emquanto o País Ativer representantes que, sem qualquer intuito reservado ou partidário, mas com a intuição clara das necessidades nacionais, digam à maioria e ao Govêrno: Atendam, vejam quais são as necessidades do País, vejam quais são os homens que até agora têm sido capazes de realizar qualquer cousa proveitosa, mas vejam também quais são aqueles que não têm feito senão uma obra inútil o até criminosa para a República e que, para conveniência mesmo do seu próprio partido, devem ser substituídos por outros que dêem garantias a todos os republicanos.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
É lida na Mesa a questão prévia do Sr. Álvaro de Castro.
Questão prévia
Considerando que só por deliberação da Câmara poderá haver sessão ao domingo e tendo sido marcada a presente sessão sem deliberação prévia da Câmara não deve a presente sessão prosseguir por ser insubsistente por ilegal a sua convocação. — Álvaro de Castro — Joaquim José de Oliveira — Lelo Portela — Armando Agatão Lança — Cunha Leal.
O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e interino da Guerra (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: as razões invocadas pelo ilustre Deputado Sr. Álvaro do Castro para fundamentar toda a acção do Partido Nacionalista relativamente à prorrogação da sessão parlamentar levaram-me a usar da palavra.
Foi S. Ex.ª absolutamente injusto para com uma pessoa de quem se diz amigo e cujas qualidades reconheço, reconhecendo-lhe também o grande esfôrço que tem
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produzido no sentido do bem servir o País.
Disse o Sr. Álvaro de Castro que o Sr. Ministro das Finanças se encontra cansado; mas, Sr. Presidente, quem parece que está cansada é simplesmente a oposição nacionalista.
O Sr. Ministro das Finanças apresentou o seu programa absolutamente claro e concreto na devida altura, ou seja em Janeiro dêste ano.
Marcou uma acção, com a qual pretendo conseguir o equilíbrio orçamental.
Quantos meses são decorridos?
É extraordinário que aqueles que se queixam de que não pode haver o equilíbrio do Orçamento, de que o Ministro das Finanças se encontra cansado, continuamente joguem de porta, continuamente procurem todos os pretextos para não cumprir o seu dever de Deputados, e eu conheço bem essa acção obstrucionista de que nunca usei contra ninguém, e que consiste, prejudicando a acção do País, em dar um assalto às cadeiras do Poder.
Eu ainda podia admitir que a oposição nacionalista viesse ocupar as cadeiras do Poder, quando provasse ao País que era um partido de Govêrno e que tinha medidas próprias e úteis para o País, mas tal não sucede, e o Partido Nacionalista, que ainda não encontrou uma forma de equilíbrio, não pode querer herdar o Poder.
Se o Partido Nacionalista estivesse em condições de ser Govêrno, eu seria o primeiro que se resolveria a entregar as pastas ao supremo magistrado da Nação.
Sr. Presidente: alguns membros do Partido Nacionalista dão-mo a impressão daquelas crianças que uma vez de posse duma boneca só querem ver o que lá está dentro.
Sr. Presidente: destruir é fácil e infelizmente nos arraiais republicanos há muitos destruidores.
Quero o Partido Nacionalista governar em ditadura?
Não seria a primeira vez para alguns dos seus membros.
Fala-se em dissolução.
Querem então a dissolução para aumentarem o partido.
Não apoiados.
Imaginemos que eu ia apresentar a demissão do Gabinete. Estou certo que seriam alguns homens do Partido Nacionalista a enjeitarem a herança e a dizerem: vá lá o Partido Democrático.
Para quê? Preguntariam. Para bem da República? Não! Para se inutilizar.
É quando êsse partido estiver inutilizado, que nós nacionalistas formaremos um grande partido. Custa-me falar assim, mas a verdade é esta.
Muitos apoiados da maioria.
Se eu visse que o Partido Nacionalista tinha condições para subir ao Poder, eu seria o primeiro, como já disse, a facilitar isso, e a aprovar para S. Ex.ªs o que não querem conceder ao meu Govêrno; mas eu já tenho pôsto a questão a pessoas competentes e inteligentes que me têm dito: e para que nos serve agora o Govêrno?!
É assim que eu termino.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro (para explicações): — É a primeira vez que nesta Câmara tenho o desprazer de vero Sr. Presidente do Ministério, aliás sempre correcto e amável, sair da sua linha de correcção.
Por excepção pareceu perturbado, e em gestos descompostos e em palavras não menos descompostas se dirigiu à oposição nacionalista que nesta Câmara se pronunciou pela minha bôca e eu, com a correcção devida ao Parlamento, não pronunciei uma palavra, não fiz um gesto que saísse daquilo que reputo como razoável dentro dos meus acanhados recursos intelectuais para ser inteiramente parlamentar.
Não sei porque procedeu assim o Sr. Presidente do Ministério; não foi certamente pelas minhas palavras que, aliás, são palavras pronunciadas em todos os países do mundo, nos Parlamentos de todas as terras que se regem ainda hoje por instituições liberais, em que os Deputados exercem livremente o seu modo de ver e pensar a propósito da maneira como os Ministros desempenham as suas funções.
Com respeito a êste Govêrno, a oposição nacionalista usou para com êle, emquanto mereceu a sua absoluta confiança, todo o País o conhece, uma atitude de co-
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laboração íntima e de tal maneira que as responsabilidades se confundiam; mas, na altura em que por promessas vãs, em que por actos praticados, a oposição nacionalista se convenceu da improdutividade dêste Govêrno nas cadeiras do Poder, logo nesta Câmara fiz como se faz em todo o mundo: como oposição marcar a sua atitude, difinindo a duma maneira clara e por tal forma que nem na Câmara nem no Puís se desconhecia a atitude da oposição nacionalista.
Não houve nas minhas palavras uma única contra o Partido Democrático, contra a sua acção parlamentar ou política, que, porventura, na minha bôca séria mal cabida, embora por vezes tenha havido actos que devessem suscitar reparos duma maneira mais áspera.
Dirigi-me ùnicamente ao Govêrno.
O Sr. Presidente do Ministério ameaçou-nos com a posse do Govêrno, se S. Ex.ª estivesse nas disposições de abandonar o Govêrno.
Há uma parte do discurso de S. Ex.ª que aplaudo.
Só há alguma cousa que gosto de ver, é um Presidente do Ministério procurar defender as suas posições, procurar manter-se no seu logar.
Desgraçada a situação daqueles que, como, algumas vozes tem sucedido, dizem que o seu maior desejo é abandonar as cadeiras do Poder.
Eu entendo que quem ocupa aquele lugar deve procurar conservar-se; assim como o papel das oposições, o papel de crítica ao Govêrno, é procurar entre os homens que nesse Govêrno estão aqueles que alguma competência revelam, incitando-os a que façam uma obra útil, e, emquanto aos outros, procurar derrubá-los.
O Sr. Presidente do Ministério afirmou que o Partido Nacionalista quere ir ao Poder, pedindo a dissolução.
Em que documento viu S. Ex.ª essa afirmação?
E porventura seria um crime que o Partido Nacionalista pusesse essa condição ao Sr. Presidente da República?
Não é êsse um instrumento de que S. Ex.ª se pode servir?
Se alguma vez houve nesta casa ameaças de dissolução, partiram elas do Partido Democrático.
O Partido Nacionalista não pronunciou palavras de dissolução, não precisa de o fazer aqui, porque na altura em que entenda que o deve fazer fá-lo há duma maneira clara, fá-lo há nas praças públicas e no Parlamento.
Não se arreceia do Poder, não pode arrecear-se.
Com que direito vem S. Ex.ª, do seu lugar de Presidente, dirigir censuras aos homens do Partido Nacionalista, cujos serviços podem competir com os de S. Ex.ª?
Porventura dentro deste partido não estão homens cujos serviços à República se emparelham com os seus?
É preciso estar aqui a hombrear com serviços prestados à República quando temos, acima de nós, outros julgadores, que a todos avaliam pelas suas acções e pelas suas palavras?
O que queria S. Ex.ª que o Partido Nacionalista, fizesse nesta Câmara, senão produzir palavras e discursos?
O que é que num Parlamento se faz?
Não tendo aliás uma vida tam longa como a maior parte dos Srs. Deputados que aqui estão, posso garantir, não receiando ser desmentido por ninguém, que as palavras graves, as palavras perigosas pronunciadas na Assemblea Legislativa não partiram nunca do Partido Nacionalista, não partiram mesmo do agrupamento anterior a que pertenci.
Como é que o Sr. Presidente do Ministério, hoje transformado num homem de ordem, prestando nesse particular serviços ao País, como é que S. Ex.ª, repito, pode lançar-nos semelhantes acusações, quando S. Ex.ª pronunciou aqui palavras tam perigosas, que o recordá-las hoje é tam grave como tê-las pronunciado?
Quem foi que disse, contra um. Govêrno em que estavam correligionários seus, que o Pais estava a saque?
Não foi, porventura, o Sr. Presidente do Ministério?
Porventura dêste lado da Câmara, se pronunciaram já palavras que tenham o significado das palavras que S. Ex.ª jogou a correligionários seus que estavam no Ministério presidido pelo Sr. Sá Cardoso?
Quem foi que disse aqui as palavras mais enxovalhantes para o Sr. Sá Cardoso?
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Não foi S. Ex.ª?
Com que autoridade, pois, o Sr. Presidente do Ministério em gestos descompostos se dirigia à minoria nacionalista, para lhe assacar factos e palavras que, aliás, não foram praticados nem pronunciadas?
Sr. Presidente: há um facto que destrói por completo as afirmações do Sr. Presidente do Ministério.
Por circunstâncias que de todos são conhecidas, o Partido Nacionalista esteve ausente da Câmara durante quási todo o período em que foram discutidos os orçamentos.
Ninguém poderá, pois, atirar para a minoria nacionalista a responsabilidade de qualquer verba do Orçamento ter sido rejeitada ou aprovada.
Essa responsabilidade cabe exclusivamente à maioria que apoia o Govêrno.
E o que fez essa maioria?
Desprezou as palavras do Sr. Ministro das Finanças, que falou sempre, aqui, na necessidade de serem reduzidas as despesas. Não podemos deixar de reconhecer que S. Ex.ª empregou todos os seus esfôrços para alcançar êsse seu objectivo de redução de despesas, mas a maioria não o atendeu.
O que sucedeu então?
Sucedeu que o Orçamento saiu aprovado pela maioria com um deficit superior ao que se encontrava na proposta orçamental.
Quere dizer, a maioria aumentou as despesas do Estado em 18:000 contos aproximadamente.
Foi a minoria nacionalista que fez com que as despesas fossem assina tam aumentadas?
Sr. Presidente: acaso as minorias têm responsabilidades na existência do pão político?
Apoiados.
Infelizmente, sôbre determinados homens que têm estado nas cadeiras do Poder, eu formo um conceito que não pode prestigiá-los. Alguns, porém, o Sr. Presidente do Ministério viu-se obrigado a substituí-los por outros, embora a substituição não tivesse sido feliz.
Apoiados.
Mas fui eu uma das pessoas que levantaram aqui a questão do pão político, estando na pasta da Agricultura o Sr. Ernesto Navarro. Fez-se aqui uma larga discussão sôbre êsse assunto, e S. Ex.ª declarou daquelas cadeiras que o pão político tinha deixado de existir, que as despesas do Estado por êsse motivo tinham sido completamente anuladas por uma acção que êle tinha realizado. Contudo, veio a provar-se mais tarde que o Sr. Ernesto Navarro não dissera a verdade, porque o seu sucessor, o Sr. Fontoura da Costa, como uma das primeiras medidas que se propunha a adoptar, declarou que tencionava acabar com o pão político, e nós sabemos que êste pão continua a existir. E agora faz-se mais: já se disse aqui na Câmara que tinha sido comprado trigo ao preço exorbitante de 222 shilings, o que importa para o Estado, em proporção com uma remessa comprada na mesma data, numa perda de 600 e tantos contos, e parece que se prepara uma nova compra neste género, querendo atribuir-se as responsabilidades dêsse acto à minoria nacionalista com o pretexto de que, estando a boiar um navio em águas territoriais portuguesas, se não fôr aprovado o novo regime cerealífero tem de se comprar êsse carregamento, como se a lei que não está em vigor, aliás, tenha sido cumprida em qualquer das suas partes, porque nem sequer a tabela tem sido cumprida, visto que tem sido alterada pelo Sr. Comissário dos Abastecimentos, com um desrespeito absoluto dos direitos do Congresso da República!
Apoiados.
Que responsabilidades, portanto, tem a minoria nacionalista na continuação da existência do pão político? Elas pertencem todas à maioria e ao seu Govêrno.
Apoiados da direita.
Mas eu já estou habituado a ouvir os Ministros dizerem daquelas cadeiras cousas que não são exactas. Por exemplo: tratei aqui um assunto largamente com o Sr. Ministro das Colónias; ficou S. Ex.ª de me responder, mas até hoje não me respondeu, e tendo eu depois comunicado ao Sr. Presidente do Ministério que determinados factos que S. Ex.ª afirmara eram absolutamente falsos, S. Ex.ª por carta ou por qualquer forma tinha obrigação moral, não só como Ministro, mas como homem, de dizer que o que dissera ora efectivamente falso. Até hoje, porém, de nenhuma maneira consta...
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O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Guerra (António Maria da Silva): — V. Ex.ª teve a gentileza de mo prevenir, das preguntas que faria no debate político com respeito à pasta das Colónias; tomei nota delas, e aguardei que V. Ex.ª as fizesse oficialmente para eu depois responder, mas V. Ex.ª não as fez.
O Orador: — V. Ex.ª está naturalmente equivocado. Eu tive com V. Ex.ª duas conversas, uma com respeito ao debate político, outra com respeito à minha interpelação ao Sr. Ministro das Colónias.
Nessa ocasião disse que o Govêrno estava a assumir grandíssimas responsabilidades, e que havia um facto sôbre que eu exigia uma resposta, quer como homem, quer como parlamentar.
Eu que tinha feito aqui determinadas afirmações, que foram contestadas pelo Sr. Ministro das Colónias, necessitava que S. Ex.ª, por escrito ou por intermédio do Sr. Presidente do Ministério, fizesse as rectificações necessárias, tanto mais que pessoas que fazem parte dos corpos deliberativos das colónias confirmam a veracidade das minhas asserções.
Sr. Presidente: é certo que o chefe do Govêrno disse que o Partido Nacionalista não podia assumir o Poder, porque era um organismo sem coesão alguma e sem possibilidade de vida governativa.
Ora, Sr. Presidente, eu que quero conservar-me dentro daquilo que eu reputo serem as formulas parlamentares, não trago para a tela da discussão — porque seria um diz tu direi eu — todas as dificuldades que o Govêrno actual tem tido para aplanar os números desaguisados e desarmonias que têm surgido dentro do Partido Democrático.
Mas, Sr. Presidente, o que não é natural, oportuno nem legítimo é que o Sr. Presidente do Ministério se arvore em censor máximo da República, e das cadeiras do Poder critique o passado de um partido da oposição que não precisa dos atestados de S. Ex.ª para ser uma organização da República, com vontade e querer, e que na hora em que assumir o Poder, pela Constituïção da República, saberá desempenhar o seu papel com a consciência republicana que sempre o tem orientado.
Poderemos ser convencidos por uma opinião melhor, mas vencidos pela vontade e poder absoluto de outrem, a nenhum dos homens que têm assento nas cadeiras nacionalistas tal acontecerá, porque temos aquele critério que é de todos os republicanos que combatem valente e heroicamente pela República.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e Interino da Guerra (António Maria da Silva) Sr. Presidente: vou tentar usar da palavra no prazo mais curto que me fôr possível.
Versando-se um assunto diferente do que está sendo versado na Câmara...
Vozes: — Alto, alto.
O Orador: — Não posso falar mais alto. Não tenho culpa de que haja barulho na Câmara.
Afirmou o Sr. Álvaro de Castro que eu pronunciei palavras que neste lugar são inadmissíveis, dadas as boas relações que devem existir entre os poderes Executivo e o Legislativo.
Não se trata duma questão pessoal.
S. Ex.ª disse que o Partido Nacionalista não pediu a dissolução. Estas palavras tinham sido proferidas pela maioria, disse S. Ex.ª
Se a memória me não falha, o Sr. Pedro Pita em uma. entrevista — mas estou disposto a modificar as minhas palavras, se S. Ex.ª me dizer que as não proferiu — disse que o Partido Nacionalista não se importaria governar, dada a dissolução.
Creio que não estou enganado.
Mais; o Sr. Álvaro de Castro disse ao Diário de Lisboa de 21 do mês passado, numa dessas entrevistas, o que vou ler.
A dissolução é constitucional, e está na alçada de o Sr. Presidente da República dá-la, é certo.
Mas não ficou por aqui.
O Sr. Carlos de Vasconcelos (interrompendo): — Mas o Sr. Álvaro de Castro disse nessa mesma entrevista que a não queria.
O Orador: — Pode S. Ex.ª não a querer, mas ela é desejada por outras pessoas.
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Quando da fusão do Partido Liberal com o Reconstituinte, de que resultou o actual Partido Nacionalista, disse-se que se havia alguém que quisesse o Poder era este novo partido.
Não podiam querer o Poder por acto normal, e portanto outra cousa não podiam desejar senão a dissolução, por quanto um Govêrno que não tem maioria não pode ter a certeza absoluta de proficuidade da sua obra.
Disse S. Ex.ª que falara pessoalmente a tal respeito; não há dúvida, mas essa afirmação foi feita por um homem que tem prestado altos serviços ao País e ao regime.
Quanto ao meu colega das colónias não ter vindo a esta Câmara dar explicações a S. Ex.ª, a respeito das considerações aqui produzidas, respeitantes à sua acção como Ministro, não foi acto de desconsideração, e eu posso dar-me por habilitado a dar explicações a S. Ex.ª neste momento.
Tinha sido consultado o Conselho Executivo e Legislativo que habilitou o meu colega das Colónias com a informação prestada.
Estou hoje habilitado pelo meu colega — que não pode comparecer no Parlamento, devido a encontrar-se doente da garganta e impossibilitado de falar muito — a afirmar que o facto não era verdadeiro.
Quer dizer, o Sr. Ministro das Colónias havia sido muito mal informado, e é para lastimar que aquele tivesse sido mal informado, tratando-se de uma afirmação desta natureza.
O Sr. Álvaro de Castro (interrompendo): — Não era verdadeiro o facto.
O Orador (dirigindo-se ao Sr. Álvaro de Castro): — Suponha V. Ex.ª que é o Ministro das Colónias, e que nessa qualidade consulta quem de direito deve consultar — o Conselho Executivo da colónia — e mais tarde sabe positivamente que houve equívoco na informação que lhe fora fornecida.
Poder-se hia imputar ao Ministro das Colónias a responsabilidade em qualquer informação menos verdadeira que lhe tivesse sido dada?
O Sr. Álvaro de Castro (dirigindo-se ao Sr. Presidente do Ministério): — Devo observar ao Sr. Presidente do Ministério que não teria produzido essa informação aqui por duas razões: sendo Ministro tinha tempo do verificar, se a informação era exacta e como Ministro tinha a certeza de que o facto não podia ser verdadeiro, isto é que a informação era errada.
O Orador: — Se o Sr. Álvaro de Castro tivesse durante o debate político usado da palavra sôbre êste assunto, eu teria, como agora, bem ou mal respondido às suas preguntas, se S. Ex.ª tivesse a gentileza de previamente mo participar.
Não me acusa a consciência de durante um período de um ano e meio — completa hoje êsse tempo de Govêrno — de não ter sempre procurado concertar-me com as oposições no sentido do tornar viável uma obra ministerial, não para proveito próprio, não por vaidade, mas única e simplesmente para procurar servir bem o País.
Sempre procurei durante êste largo período do meu Govêrno entender-me com as oposições para ser útil à Pátria.
Afirmou o Sr. Álvaro de Castro que eu podia sentir-me num dado momento cançado do exercício do Poder o querer abandona-lo.
Direi a S. Ex.ª que uma cousa é um Ministro querer sair por estar cansado do exercício do Poder e procurar oportunidade para sair, e outra cousa é não auxiliar o Poder, não prestar o seu auxilio para que se resolvam no interregno parlamentar os problemas da administração pública.
O ano passado o Govêrno pediu uma autorização, e êste ano não quis pedir-lhe nenhuma autorização, porque entendia que, para a resolução do dois problemas que era necessário resolver, o Govêrno não deve pedir autorizações, mesmo que o Parlamento lhas concedesse.
Havia que resolver dois assuntos de capital importância, e não é lícito que a acção do Poder Executivo fique desacompanhada da acção do Legislativo em relação às medidas que o Sr. Ministro das Finanças anunciou trazer ao Parlamento, para completar a sua obra de Ministro num determinado objectivo.
Seria do estranhar que parlamentares de alta categoria, que compõem a minoria, não procurassem entender-se entre si
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para versarem êsses assuntos e habilitar o Parlamento a tomar sôbre essas questões uma resolução cabal e útil.
Portanto o Govêrno não pode ser acusado de não querer a colaboração das oposições e não querer concertar-se com todos os parlamentares da minoria para realisar uma abra útil ao País.
O Sr. Ministro das Finanças não pretendeu fazer nenhuma mistificação quando apresentou a sua proposta de lei acêrca do empréstimo, nem pretendeu que considerassem essa medida como sendo um elixir para acudir à situação do País.
No relatório dessa proposta de lei, se a memória me não atraiçoa, declara-se que e produto dêsse empréstimo é essencialmente para solver o deficit do ano de 1921-1922, e declara-se ainda que mais tarde seriam apresentadas ao Parlamento outras medidas para completar o objectivo dêsse empréstimo, que certamente não conseguiria todo o seu fim.
Certamente que nenhum homem público não se poderia persuadir de que êste Govêrno era uma espécie de Messias, dispensando a colaboração alheia com as suas medidas.
Eram estas as explicações que tinha a dar.
Parece que nesta hora grave para o Pais a oposição nacionalista pretende evitar que se prorrogue a sessão legislativa, para o Govêrno não conseguir realizar o que deseja por amor ao País, por necessidade da sua situação.
Apoiados.
Fiquem as responsabilidades a quem de direito pertencerem.
Apoiados.
O Govêrno pensa que procedendo assim é útil ao País.
Apoiados.
Se alguém pensa o contrário, que assuma as responsabilidades. Contudo ninguém pode contestar que o Parlamento não tem o dever de obter os meios indispensáveis para fazer face à situação, evitando por uma conveniente administração que a Pátria caia no abismo.
Muitos apoiados.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu, nem os «àpartes» foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: havendo pedido a palavra para uma questão prévia, apresento-a nos seguintes termos:
Questão prévia
Considerando que, pelo artigo 20.º do Regimento, o Sr. Presidente da Câmara não pode marcar sessão nos dias que forem domingos, feriados e de luto nacional:
Á Câmara resolve considerar anti-regimental e ilegal a presente sessão.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 5 de Agosto de 1923. — Cunha Leal — Álvaro de Castro — Lúcio Martins — Sampaio Maia — Pedro Pita — Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Sr. Presidente: a questão prévia que mando para a Mesa não representa uma nova questão enxertada na antiga.
Os proponentes da primeira — e eu fui um dêsses proponentes — reconheceram que a sua doutrina não era inteiramente exacta.
Na primeira questão prévia fazia-se referência ao artigo 20.º do regimento, que dava ao Presidente a faculdade de marcar sessão aos domingos depois de concedida nesse sentido autorização da Câmara.
Ora o artigo 20.º do Regimento é bem claro, concluindo-se que, nos seus termos, nem mesmo com autorização da Câmara se permite que se marquem sessões aos domingos.
Sendo assim, a que propósito vem agora uma interpretação duma resolução anterior do Congresso sôbre a prorrogação da sessão até o dia 5?
Mas, porventura, se entendeu que pelo facto de o dia 5 ser um domingo, durante o período dessa prorrogação haveria sessões todos os domingos?
O dia 5 tanto pode ser inclusive, como exclusive; no diploma da prorrogação nada se diz a tal respeito.
Depois sempre que tem sucedido haver dúvidas sôbre a interpretação do Regimento — admitindo que há dúvidas neste caso — tem-se seguido a praxe de a Mesa consultar os leaders dos diversos agrupamentos parlamentares.
O Sr. Presidente entendeu, porém, não seguir a praxe neste momento. E esta falta leva-nos a tirar a conclusão de que
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a Presidência, por sugestão da maioria, quis apenas colhêr à oposição de surpresa.
Vimos defender o nosso direito, e, quando o Sr. Álvaro de Castro afirmou o seu direito, o Sr. Presidente do Ministério, pela primeira vez, tomou uma atitude de desafio e de arrogância. E porquê?
Porque S. Ex.ª quere conservar-se no Poder. É isso uma virtude quando se pretende fazer uma obra, mas deixa de o ser quando se quere satisfazer apenas, uma vaidade.
Tem o Govêrno maioria para fazer funcionar a Câmara?
Se a tem, porque lança mão de outras armas, independentemente desta?!
Ontem o Sr. Presidente do Ministério andou afável, de carteira para carteira, sempre gentil e amável; hoje usou de modos arrogantes, que julgou serem as melhores formas de nos atacar.
Porque não apresenta S. Ex.ª contra os nossos argumentos os seus argumentos?
O Sr. Presidente do Ministério acusou-nos, em suma, de quê? De ambição do Poder. Santo Deus! Pois não é por virtude do nosso demasiado desinteresse que se têm feito as maiores acusações àqueles partidos que, pela sua fusão, constituíram recentemente o Partido Nacionalista?
Pois não se dizia que os antigos liberais fugiam do Poder como o Diabo foge da cruz?
Pois não eram os nossos próprios correligionários que, em assembleas partidárias, em congressos, nos vinham trazer a convicção de que éramos demasiadamente tolerantes, de que por vezes nos confundíamos, de que o nosso patriotismo nos levava sempre a abdicar do nosso modo de ver, porque o Sr. Presidente do Ministério tem sempre a sorte de na hora própria surgir um espantalho para nos fazer parar: o da ordem pública ou outro que não quero agora mencionar.
Se somos êstes homens desambiciosos, dando por vezes ao País a impressão de que não somos um Partido de Govêrno, porque o não são aqueles que sistematicamente repelem o Poder, como é que aparece agora o Sr. Presidente do Ministério a fazer-nos tal acusação?
Não haverá algumas razões para os nossos protestos, para os nossos ressentimentos?
As nossas razões tivemos ocasião de as expor em muitas sessões. Afirmámos que o Govêrno tinha feito uma obra estéril, quando não prejudicial.
Examinámos, parte por parte, a obra dos respectivos titulares que, com raríssimas excepções, entre as quais figura em primeiro lugar o Sr. Ministro da Instrução, apenas produziram um trabalho nitidamente contrário aos interêsses do País. Dir-nos hão que estamos enganados. Mas nós pusemos aqui as nossas razões, expusemo-las com desassombro, não com elegância de linguagem, mas, por vezes, muito terra a terra, mostrando bem claramente os nossos argumentos.
Chegámos, portanto, a um momento em que, examinando, por exemplo, a obra do Sr. Ministro das Finanças, nos convencemos de que a conservação de S. Ex.ª por muita consideração e estima, por muito respeito pelas suas altas qualidades de espírito e de inteligência que nós queiramos ter, é contrária aos interêsses do País por efeito da sua obra já demonstrada como inútil.
Diz-se agora que se a proposta do empréstimo fôsse aprovada juntamente com o contrato dos tabacos e outras medidas teria dado outros resultados. O câmbio teria melhorado e o deficit seria, porventura, extinto.
Mas que argumentos foram apresentados para nos convencerem disso? Querem tratar-nos como escravos duma roça, obedecendo cegamente ao senhor sem discutir as suas ordens?
Apoiados das direitas.
Que argumentos foram os empregados?
Esqueceram-se de nos dizer qual era o deficit exacto do Orçamento, que é a soma de três verbas: aquela que nos foi apresentada, aquela que representa o aumento de despesa proveniente dos novos vencimentos e melhorias do funcionalismo público, e aquela que é resultante do excesso do ágio do ouro.
Junte-se a tudo isto a circunstância de o Sr. Ministro nos declarar que está com disposições de continuar com o pão político, para o que não existe verba.
Apoiados.
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Portanto, a primeira acção do Sr. Ministro das Finanças devia ser a de rectificar o seu deficit; a segunda a de demonstrar que um acréscimo de receitas matava o deficit, e a terceira consistiria em demonstrar-nos que a operação do empréstimo, que agora está considerada ruinosa, poderia ter-se executado com benefício para o País.
Provou-se que com a votação das propostas que se querem ver votadas se vai melhorar a situação cambial? Essa prova não foi feita.
Apoiados.
Não está portanto, no nosso espírito vincada a convicção de que a aprovação das medidas que o Sr. Ministro das Finanças declara úteis e necessárias são suficientes para equilibrar o Orçamento e melhorar o câmbio? E não está provado ainda que não se possa fazer uma grande redução de despesas que daria ao Ministro que a fizesse uma autoridade enorme para exigir todos os sacrifícios ao contribuinte.
Apoiados.
Lembro-me agora da bela afirmação que se fez de que seria combinado o aumento das receitas com a redução das despesas, chegando o Sr. Presidente do Ministério a dizer que emquanto não se fizesse a redução das despesas não consentiria no aumento das receitas. Mas nada disto se fez.
Como é que o Sr. Ministro das Finanças queria que o País nos olhasse se nós estivéssemos aqui apenas para aprovar cousas que implicam aumentos de receita, e não levantássemos os nossos protestos para que sejam deminuídas as despesas?
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — A proposta mais importante de aumento de despesa não foi o Ministro das Finanças que aqui a trouxe.
O Orador: — Então quem foi? Interrupção do Sr. Ministro dás Finanças, que não se ouviu.
O Orador: — Eu tenho sempre o máximo prazer de, cada vez que o Sr. Ministro das Finanças me interrompa,, poder esclarecer a verdade.
S. Ex.ª declarou-se estranho aos aumentos de despesas e que somente muito contrariadamente os votara.
Sr. Presidente: a esta afirmação eu respondo que o Sr. Ministro das Finanças tem sempre caneta fácil para pôr o «concordo» sôbre todas essas propostas, o qual é indispensável para serem discutidas.
Portanto, S. Ex.ª, desde o momento que pôs o «concordo», perfilhou essas propostas.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Eu só pus o «concordo» naquelas propostas que saíram da Câmara dos Deputados. As emendas introduzidas no Senado não as pude impedir, porque, segando o Regimento daquela Câmara, não é preciso o «visto» do Ministro das Finanças.
O Orador: — Eu vou já responder à questão do funcionalismo.
Porém, antes disso, não posso deixar de rebater a nova afirmação do Sr. Ministro.
S. Ex.ª não concordava com êsses aumentos e não os podia evitar no Senado, mas, chegados a esta Câmara, podia impor o seu ponto de vista e impedir que fossem votados, e eu estou convencido de que a maioria daria solidariedade ao Sr. Ministro das Finanças.
Mas a questão do funcionalismo precisa duma explicação.
Um dia, em determinado jornal, apareceu uma nota oficiosa que dizia o seguinte:
«Uma comissão de funcionários públicos procurou o Sr. Presidente do Ministério e preguntou-lhe porque não se aprovava no Parlamento o aumento dos seus vencimentos».
S. Ex.ª, que tem uma cabeça de turco, que é o Parlamento, sabendo que havia uma grande maioria de funcionários indignados, que, se não chegaram ao corps à corps, chegaram a roçar os pés pelos dos Srs. Ministros; S. Ex.ª, vendo que havia indignação entre o funcionalismo por causa de lhe não serem dadas as melhorias, não hesitou em procurar lançar as culpas de tal situação ao Partido Na-
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cionalista, dizendo que éramos nós que, com uma questão política estávamos impedindo que o Parlamento votasse as melhorias.
Então eu requeri que se interrompesse o debato político para se tratar do assunto das melhorias a dar ao funcionalismo público.
Aclarámos assim a nossa atitude.
A maioria, porém, rejeitou.
Relativamente ao Sr. Ministro da Agricultura não podemos deixar de constatar que S. Ex.ª tem dito ou antes tem adoptado várias opiniões com relação ao regime cerealífero. S. Ex.ª está por tudo.
Assim estão sôbre a Mesa dois projectos que são fundamentalmente diversos: um visa a tornar livre o comércio e importação de trigos; o outro visa a manter o regime de restrições no comércio dos trigos, e de importação limitada.
Trata-se, pois, de problemas muito graves, e não poderão ser indiferentes para nós os resultados da aprovação de um outro projecto.
A importação livre ou a importação limitada são cousas muito diferentes e cujos resultados nunca poderão ser idênticos.
Ao Sr. Ministro da Agricultura é indiferente a questão: tanto se lhe dá que a importação seja livre como limitada; tanto lhe importa que o pão seja tabelado como não. É extraordinário. O que quere S. Ex.ª?
Quere uma solução prática!
Disse-o S. Ex.ª Como o Sr. Sousa da Câmara lhe preguntou o que entendia por isso, S. Ex.ª respondeu: Para mim soluções práticas são todas as que não são teóricas.
Francamente uma tal resposta dispensa comentários.
Bastaria a razão que S. Ex.ª nos dá, para condenarmos o Govêrno.
Estamos convencidos de que o Govêrno está sendo prejudicial ao País e, portanto, não seria lógico que lhe déssemos meios de poder viver.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem o Sr. Ministro das Finanças fez a revisão do seu àparte.
O Sr. Agatão Lança: — Em obediência às praxes parlamentares, mando para a Mesa uma moção.
É a seguinte:
A Câmara, verificando que o artigo 20.º do Regimento diz que não se realizam sessões aos domingos, constata a ilegalidade da convocação da presente sessão.
Sala das Sessões, 5 de Agosto de 1923. — Armando Agatão Lança.
Sr. Presidente: eu sou daqueles que entendem que esta sessão foi convocada anti-regimentalmente.
Apoiados.
Não podia, por isso, deixar de comparecer aqui para marcar bem vivo o meu protesto contra a decisão ilegalmente tomada pela Mesa.
Apoiados.
Eu sou uma criatura de há muito habituada à severa obediência das leis e dos regulamentos. Da escrupulosa observância dessa obediência nasce o direito de pugnar dentro desta Câmara pelo respeito à lei.
Apoiados.
Ora a lei que regula os trabalhos desta Câmara é o seu Regimento, e o artigo 20.º não deixa dúvidas sôbre o seu alcance.
Em face desta determinação clara e expressa do artigo 20.º do Regimento a resolução da Mesa, marcando sessão para hoje, é manifestamente anti-regimental.
Apoiados.
Diz-se que a sessão podia ser convocada porque a legislatura foi prorrogada até o dia 5. Êsse argumento, porém, não colhe, e não colhe porque essa prorrogação não poderia nunca implicar a inobservância das disposições regimentais.
E tanto assim é, que, tendo havido vários domingos durante o período da prorrogação, a Mesa nunca marcou sessão nesses dias.
E, em auxílio da minha argumentação, vem ainda o que se passou quando o Partido Nacionalista abandonou esta Câmara.
Nessa noite, às duas da madrugada, quando o Partido Nacionalista resolveu abandonar os trabalhos parlamentares, fui eu o primeiro Deputado que teve a honra de usar da palavra para ponderar os inconvenientes que poderiam advir para o prestígio do Parlamento, e para a República do abandono dos trabalhos par-
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lamentares pelo segundo partido da República. Fi-lo com toda a energia, sendo certo que não pertenço ao Partido Nacionalista nem a outro partido. Sou independente na mais alta acepção da palavra.
Mas nessa noite, depois de ter ponderado à Câmara êsse inconveniente, propus que a sessão fôsse interrompida, e era sessão prorrogada, e para que se encarregasse a Mesa de fazer as démarches necessárias para demover os Nacionalistas do seu intento, e fazer com que êles novamente viessem à Câmara prestar o concurso do seu saber, inteligência e convicções republicanas, para que todos, soldados da mesma República, continuássemos a trabalhar para a prosperidade desta Nação.
Então o ilustre leader da maioria democrática associou-se, embora em palavras mais ou menos vagas, ao que eu havia proposto, e logo a seguir foi tomada a deliberação de a sessão da Câmara ser interrompida para se fazerem as démarches propostas.
Mas, logo a seguir, foi entendido, em sentido contrário ao que havia sido por mim proposto, que não seria preciso entrar em démarches, porque alguns Deputados constataram que não faziam falta aos trabalhos parlamentares os Nacionalistas.
Então o Sr. José Domingues dos Santos, leader do Partido Democrático, pediu-me para retirar a minha proposta, porque, dizia, não queremos «uma scisão dentro do Partido».
Não podia eu de maneira nenhuma, não podia como pessoa de inteireza moral que me prezo de ser, orientado pelo pensamento de servir a República e a Pátria, retirar essa proposta.
Seria ir contra aquilo que estava no íntimo do coração, porque estava convencido que prestaria um alto serviço à República, mais um dos muitos que lhe tenho prestado.
Mas, então, poderia arranjar-se outra fórmula habilidosa para os políticos.
Mas na hora em que eu apresentei aquela proposta os minutos pareceram horas, por que nós receamos que a sessão não fôsse antecipada.
Nessa noite pedi a palavra para invocar o Regimento, e invoquei o artigo 20.º visto que já estávamos num dia feriado; e então o que me foi respondido da Mesa?
Que eu tinha muita razão se a sessão não fôsse uma sessão prorrogada, mas como ora prorrogada podia continuar. Se fôsse uma sessão nova, teria eu razão.
Apoiados.
A sessão de hoje é uma sessão nova; leu-se a acta, deu-se. conta do expediente, é portanto uma sessão que está funcionando contra o disposto no artigo 20.º do Regimento!
Apoiados.
Eu pregunto onde está o respeito pelo Regimento.
Apoiados.
Eu trato a questão sem paixão, e como estou numa casa onde há tanto jurisconsulto, eu pregunto a S. Ex.ªs se em suas consciências julgam legal esta sessão.
Eu no lugar do Sr. Presidente, apesar de não ser bacharel em direito, de não ser pessoa educada juridicamente, seria incapaz, perante uma disposição tam clara, tam categórica, como esta que está no Regimento, de a submeter à apreciação fôsse de quem fôsse.
Lamento e aos meus votos de lamentação junto os mais veementes, os mais enérgicos protestos que se possam conceber, contra o facto de se terem ofendido assim as disposições por que se rege esta Câmara, nos termos do artigo 20.º do Regimento.
Pregunto: para que marcou a Presidência esta sessão?
Pregunto a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e pregunto à maioria, àqueles homens da maioria que estão serenos como eu estou, que têm na sua consciência apenas o intuito de bem servir a Pátria e a República: pregunto aos homens do Govêrno para que foi marcada esta sessão, se antecipadamente sabiam que nenhuns resultados dela podiam colher?!
É necessário proceder-se sempre dentro daquela cortesia que deve existir entre republicanos. É necessário que haja um pouco mais de respeito pela sensibilidade alheia, um pouco mais de consideração, quando não seja pelos homens ao menos pelos ideais que êsses homens defendem; quando não seja por êsses homens ao menos por um pouco de respeito pelos actos por êsses homens praticados em serviço da
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Pátria e da República, alguns deles, sacrificando todas as conveniências pessoais todas as suas ambições porventura as mais legítimas que pudessem ter, procurando, simplesmente o engrandecimento da Pátria e da República.
Pela maneira por que as cousas vão seguindo, eu que não tenho partido, eu que não estou filiado em nenhum partido da República, porque estou filiado no grande partido da Democracia a que dedico o maior amor da minha vida, prevejo maus dias no futuro, não pelas dificuldades, segundo o meu critério, da resolução dos problemas pendentes, mas ainda mais pela falta de savoir faire que devia distinguir os homens que têm estado no Poder.
Não basta sermos pessoas inteligentes, não basta sermos pessoas muito sabedoras, é necessário também sermos pessoas que mostremos civilidade com o nosso semelhante.
O Govêrno não necessitava que a maioria desrespeitasse o Regimento, pois não foi outra cousa senão desrespeitar o Regimento o marcar-se sessão para hoje. O Govêrno poderia convocar o Parlamento extraordinariamente para reunir em qualquer dia, mesmo depois de amanhã, visto que o de amanhã é destinado para a eleição presidencial.
A reunião de hoje é ilegal, e contra ela lavro o meu protesto. Ninguém poderá ver nas minhas afirmações a mais leve sombra de facciosismo político; elas devem ser interpretadas dentro da pureza com que saem do meu espírito republicano:
Eu fui dos que trabalharam pela organização do grupo de Deputados independentes, para se facilitarem os trabalhos da Câmara e a vida do Govêrno do Sr. António Maria da Silva.
Procedi assim com o intuito exclusivo de prestar um serviço ao País.. O que se verifica é que o Govêrno não tem correspondido à confiança que neste tínhamos depositado; não, certamente, por falta de inteligência dos ilustres Ministros, o que não me compete apreciar, mas por outras quaisquer razões de que resulta nada ter feito de útil ao País.
A única cousa a apreciar é a manutenção da ordem, e ainda assim é êsse um dos pontos para que desejo chamar a atenção da Câmara,
Eu como republicano não queria a manutenção da ordem pelo processo que o Sr. António Maria da Silva tem empregado; eu preferia, como republicano, como cidadão e como militar, que se dêsse uma vez a desordem para depois se manter, a ordem, mas não com a transigência, com as habilidades que todos temos presenciado.
Eu não queria que se mantivesse a ordem socorrendo-se o Govêrno dos elementos mais nefastos, mais desordeiros que há dentro desta cidade, consentindo a bandidos da pior espécie, a criminosos de direito comum, o percorrerem livremente as salas do govêrno civil, o subirem as escadarias dos Ministérios e virem até as salas do Parlamento.
Não é essa a ordem que eu desejo; não foi essa a ordem que eu ajudei a manter quando estive no govêrno civil durante o Govêrno de concentração republicana presidido pelo Sr. Cunha Leal.
Nessa ocasião manteve-se a ordem em Lisboa, e numa altura bem mais perigosa que a actual; mas manteve-se agarrando-se os criminosos e atirando com êles para as cadeias; manteve-se fechando as casas de tavolagem...
Àparte do Sr. Correia Gomes, que não se ouviu.
O Orador: — Meti nos calabouços muitos dos correligionários de V. Ex.ª
Já que o Sr. Correia Gomes me interrompeu, devo ainda dizer a S. Ex.ª, em abono da verdade e como homenagem à justiça, que nunca do Presidente do Govêrno e Ministro do Interior sofri a mais pequena sugestão para me desviar do caminho que tinha traçado.
Nunca dos outros partidos da República eu recebi quaisquer pedidos, ao passo que por parte do partido de S. Ex.ª fui procurado por um ilustre membro do Directório que me apresentou um determinado batoteiro, dono duma casa de tavolagem, antigo Deputado democrático, cujos dotes de inteligência são demasiadamente conhecidos, e que, duma maneira insólita e impertinente, queria que eu pusesse fora do calabouço um seu cunhado bacharel em Direito.
Obrigaram-me até a dizer que, se quisesse continuar a conversa nos termos em que o estava fazendo, eu o convidava
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a marcar local e hora, quando eu, Armando Agatão Lança, e não governador civil, pudesse dirimir a questão pessoalmente.
Mas em determinado dia a cousa foi mais grave, porque apareceu muito peixe graúdo, e então moveram-se altas influências para que pusesse uma pedra sôbre o caso.
Vieram até dizer-me, em tem de confidência, que era preciso fechar os olhos, porque aliás o escândalo seria enorme, visto que entre as pessoas figurava um irmão do Sr. Presidente do Ministério.
Evidentemente que êste estratagema não deu resultado, porque o Sr. Cunha Leal só tem um irmão que nunca entrou numa casa de batota, e que vivia na Covilhã.
Creio assim ter respondido ao Sr. Correia Gomes, e julgo ter uma autoridade muito especial para poder criticar a falta de acção do Govêrno, relativamente à repressão do jôgo.
Eu tenho autoridade para juntar os meus protestos aos do Sr. Vasco Borges, que dentro da maioria democrática S. Ex.ª tem sido o arauto intemerato contra o jôgo.
E assim é que, estando eu ontem a jantar em casa de uma pessoa de família, apareceu um amigo meu, que vinha da Ericeira, e que me informou de que naquela localidade se dizia que o Sr. Vasco Borges tem ventilado aqui a questão do jôgo porque o Sr. Fausto de Figueiredo lhe havia dado 200 contos.
Como V. Ex.ªs vêem, como prova de infâmia, não há melhor.
Há quatro meses, eu pedi ao Sr. Ministro do Interior que me fornecesse as contas que o governador civil tinha recebido de várias casas de batota, e até hoje não recebi essas notas.
Só falta que alguém da parte do Govêrno me venha dizer que não foi recebida quantia alguma pelo Sr. governador civil.
Sabe a maioria, sabe o Govêrno, sabem todas as autoridades, que no govêrno civil entravam quantias das casas de batota para irem para casas de caridade.
Pois ainda ninguém se levantou para dizer, se isto é legal!
É esta maioria que apoia um Govêrno que tem autoridades que não cumprem a lei!
O Sr. Paiva Gomes (interrompendo): — Mas essa maioria tem o apoio de V. Ex.ª
O Orador: — Não tem, como já o provei numa moção de confiança, em que votei com declarações!
É a maioria a culpada de haver neste país um Govêrno que não cumpre as leis; é a maioria que o sustenta contra a vontade da Nação!
O Sr. Paiva Gomes (àparte): — A maioria até é a culpada, de fazer a República!
O Orador: — Eu não digo que todos os males da República tenham sido causados pelo Partido Democrático, e tenho muitas vezes feito justiça aos seus homens e arriscado ao lado dêles a minha vida.
Muitos apoiados.
Não ataco o Govêrno, por atacar, porque alguns dos seus membros me honram com a sua estima e amizade, mas também não tenho a preocupação de áer agradável a A ou a B.
Não é novidade para ninguém que eu em 1920 ataquei o Grupo Liberal, onde tenho amizades, que no meu coração têm um lugar especial da minha estima.
Mas apesar disso, eu abnegaria dos meus princípios e faltaria à minha fé de republicano se deixasse de dizer que o Govêrno que se senta nas cadeiras do Poder, há muito que já as devia ter abandonado, porque não tem feito absolutamente nada daquilo que era mester que fizesse.
Eu vou ser claro, visto que o Sr. Correia Gomes me pediu para o ser.
Então eu que sou tam pouco político que até sei falar claro, cousa que o Sr. António Maria da Silva nunca conseguiu, devo dizer que quando há pouco dizia que a ordem pública, como o Sr. Presidente, do Ministério a tem mantido, a não queria, não conclui a êsse respeito as minhas considerações, mas vou concluí-las agora, o certamente conseguirei o pasmo da Câmara.
É que eu profetizo que a ordem, a continuar a ser mantida como o Sr. António Maria da Silva a tem mantido, acarretará
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para o País horas graves e perigosas, porque eu conheço muito bem o que é o tremendo basfond da política portuguesa.
Eu sei muito bem como determinados elementos têm procedido, e tenho a certeza que, tendo andado ao serviço de S. Ex.ª, no dia em que êle abandonou o Partido Democrático ou o Poder, prepararão um novo 19 de Outubro, desde que nós não queiramos exercer a acção que é necessário exercer para limparmos de uma vez a cidade dos elementos nefastos que a pejam, mandando-os para local onde êles não possam perturbar a luta de ideas dos partidos e a paz constitucional que é indispensável para que a República progrida.
Apoiados.
Na altura em que, está a República, vai sendo tempo de todos nós olharmos para êsses elementos, com aquela firmeza com que os devemos olhar, passando a ter confiança nas fôrças militares que têm por norma manter a ordem.
Apoiados.
E os Governos, apoiando-se nessas fôrças, não devem transigir com ameaças, nem deixarem-se influenciar por pessoas que só servem, pelos seus actos, para enxovalharem a moral da República e a pureza dos princípios que eu me orgulho de professar.
Apoiados.
Sr. Presidente: disse o Sr. Presidente do Ministério, quando há pouco falou em resposta ao Sr. Álvaro de Castro, tam textualmente que eu o escrevi neste papel, que «não é de homem público desconhecer o que interessa a um país».
Eu pasmo da audácia da afirmativa do Sr. Presidente do Ministério, a não ser que S. Ex.ª a queira lançar ao rosto dos seus correligionários.
A culpa pertence exclusivamente à maioria que apoia o Govêrno, que assim prova não ser constituída por homens públicos nem sequer por criaturas perfeitamente compenetradas dos deveres que lhes impõe o papel que desempenham. De contrário, o Sr. Ministro das Finanças, que tam amargamente se referiu à improdutividade parlamentar, não teria de que se lastimar, porque as suas propostas, devidamente relatadas, não teriam encontrado os entraves que principalmente resultaram do facto de nem sequer terem ainda parecer das respectivas comissões, compostas quási exclusivamente por membros da maioria...
Trocam-se àpartes.
Sussurro.
O Orador: — O facto indiscutível e inacreditável é que o Sr. Ministro das Finanças, reanimando as oposições pela sua atitude, acusou sobretudo a maioria que nem sequer deu parecer sôbre as suas propostas.
As maiorias vencem pelo número, e querem vencer sem se importarem convencer.
Apoiados.
As oposições e os independentes têm mostrado estudar os assuntos, não tendo visto levantarem-se Deputados da maioria para os combaterem.
Àpartes.
Sr. Presidente: ferem-me êstes àpartes da maioria democrática. Diz alguém que a função da maioria é votar.
Não; têm de discutir e estudar os assuntos.
Apoiados.
É assim que se mostra o desejo do aperfeiçoamento das leis.
Apoiados.
Sem estudo não se consegue êsse aperfeiçoamento.
Apoiados.
À fôrça do número pretende a maioria vencer, á falta de argumentação!
É simplesmente honesto não se votar sem se saber o que se vota.
A maioria não pensa assim. Isso não é maioria democrática; é, sim, faltar aos mais elementares princípios de inteligência, servindo-se apenas da fôrça.
Deixam as oposições esgotar todos os argumentos, apresentar emendas aos projectos, e essa maioria não se apresenta a defendê-los, a mostrar que não têm razão de ser os argumentos apresentados.
Aprova o que lhe meteram na mão, sem sabor o que aprova.
Àpartes diversos.
Protestos.
Interrupções.
O Orador: — Ouvi dizer nesta Câmara que todos têm o dever de vir às sessões.
Perfilho êsse ponto de vista; mas, se todos têm êsse dever, não compreendo
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que o Govêrno aqui falte e que se esqueçam dêsse dever os Deputados da maioria.
A situação não é bem igual, porque a maioria tem que representar um Govêrno e discutir o que vai ser votado.
Irá ser aprovada a proposta apesar de todos os argumentos apresentados? Será uma monstruosidade; mas fazem muito bem êsses Deputados.
Esperam que venham outros Deputados que estão descansando pelo País fora, esquecendo-se dos que têm trabalhado com sacrifício.
Àpartes.
Apoiados.
Pausa.
O Orador: — Sou lógico no meu raciocínio, não estou exagerando.
Tenho mostrado a V. Ex.ª e ao Govêrno, onde tenho amigos pessoais, a razão por que não posso dar-lhe o meu apoio: é porque reputo absolutamente nefasto neste momento que êste Govêrno continue nas cadeiras do Poder.
Reputo no presente momento nefasto o procedimento do Govêrno.
Trocam-se àpartes.
O Sr. Presidente: — É a hora de se passar ao período de antes de se encerrar a sessão.
O Orador: — Então não há outra sessão?...
Risos e àpartes.
O orador não reviu, nem os àpartes foram revistos pelos oradores que os fizeram.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Mariano Martins: — Acabo de saber que o Sr. Presidente do Senado, ao encerrar a sessão, declarou que o Congresso reuniria amanhã, às 16 horas, para a eleição presidencial.
Deve haver engano nisto. O Congresso reúne amanhã por direito próprio, e, nessa conformidade, não havia que fazer-se convocação.
Além disso o Regimento do Congresso é o que vigorou para a Assemblea Constituinte, e êle determina que as sessões comecem às 14 horas.
Nestes termos, acho que seria conveniente que V. Ex.ª à se entenda com o Sr. Presidente do Senado, a fim de os Srs. Senadores serem avisados da hora regimental a que deve reunir o Congresso.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 35 minutos.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.