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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 155
(EXTRAORDINÁRIA)
EM 25 DE OUTUBRO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Afonso de Melo Pinto Veloso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João Vitorino Mealha
Sumário. — Abertura da sessão. Leitura da acta. Expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. António da Fonseca usa da palavra para interrogar a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
Usam ainda da palavra para interrogar a Mesa os Srs. Sampaio Maia e António da Fonseca.
O Sr. Tavares de Carvalho chama a atenção do Sr. Ministro da Instrução para o estado em. que se encontram alguns edifícios escolares, como os de Alcochcte, Torrão e outros.
Responde-lhe o Sr. João Camoesas (Ministro da Instrução).
Usa da palavra para interrogar a Mesa o Sr. Paulo Cancela de Abreu.
Responde-lhe o Sr. Presidente.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu faz algumas considerações sôbre a concessão de condecorações.
O Sr. Lelo Portela requere que se entre imediatamente na ordem do dia.
O Sr. Joaquim Brandão requere que entre imediatamente em discussão a proposta de lei n.º 550-E.
O Sr. António da Fonseca usa da palavra para interrogar a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
O Sr. António Maia invoca o artigo 54.º do Regimento.
O Sr. Vergilio Costa usa da palavra para interrogar a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
Volta a usar da palavra, insistindo no seu requerimento, o Sr. Lelo Portela.
O Sr. Ministro da Instrução declara-se habilitado a acompanhar a discussão da proposta de lei n.º 550-E.
O Sr. Lelo Portela usa novamente da palavra para interrogar a Mesa.
Responde-lhe o Sr. Presidente.
Para interrogar a Mesa, usam ainda da palavra os Srs. Álvaro de Castro, António Maia e Mariano Martins, respondendo-lhes o Sr. Presidente.
O Sr. Almeida Ribeiro usa da palavra para interrogar a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
É rejeitado o requerimento do Sr. Lelo Portela, em prova e contraprova.
É aprovado o requerimento do Sr. Joaquim Brandão, depois de usarem da palavra para interrogar a Mesa os Srs. Lelo Portela e António da Fonseca, e de lhes ter respondido o Sr. Presidente.
Entra em discussão a proposta de lei n.º 550-E.
Usa da palavra o Sr. Jaime Duarte Silva, senda aprovada, em seguida a generalidade da proposta.
É dispensada a leitura dos artigos da proposta, a requerimento do Sr. Joaquim Brandão.
A Câmara aprova sem discussão os artigos 1.º e 2.º
Sôbre o artigo 3.º, usa da palavra o Sr. Alberto Vidal, sendo em seguida aprovado o artigo.
O Sr. Sampaio Maia chama a atenção do Sr. Ministro do Trabalho para a situação crítica em que te encontram as canas de beneficência.
Responde lhe o Sr. Rocha Saraiva (Ministro do Trabalho).
Ordem do dia. — (Discussão do parecer n.º 607).
É aprovada a acta.
É admitido à discussão um projecto de lei.
Usa da palavra para interrogar a Mesa o Sr. Carvalho da Silva, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
O Sr. Abrantes Ferrão (Ministro da Justiça) requere a discussão imediata do parecer n.º 502.
Usa da palavra o Sr. Ribeiro de Carvalho, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Presidente declara que vai entrar em discussão o parecer n.º 502.
Usa da palavra, para interrogar a Mesa, o Sr. Paulo Cancela de Abreu, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
Usa da palavra o Sr. Carlos Pereira, para interrogar a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
O Sr. António Maia invoca o § único do artigo 53.º do Regimento.
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Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Cunha Leal, em negócio urgente, pede para expor à Câmara o Resultado do seu, exame aos documentos relativos à questão do aumento da circulação fiduciária.
A Câmara rejeita.
Efectuada a contraprova, verifica-se ter sido aprovado.
Usa da palavra o Sr. Cunha Leal que faz um novo requerimento.
Una da palavra o Sr. Carvalho da Silva, sendo aprovado em seguida o requerimento do Sr. Cunha Leal.
Entrando em discussão o parecer n,º 502, usa da palavra, o Sr. Carlos Pereira que manda para a Mesa uma proposta de substituição.
Lida na Mesa, é admitida.
Usa da palavra o Sr. António Maria da Silva (Presidente do Ministério), que dá conta à Câmara do modo como ficou resolvida a crise ministerial, fazendo largas considerações sôbre a situação financeira.
Seguem-se no uso da palavra os Srs. Vitorino Guimarães, Carvalho da Silva e Álvaro de Castro que envia para a Mesa uma moção.
Lida na Mesa, é admitida.
Usa da palavra o Sr. Cunha Leal, que termina enviando uma moção para a Mesa e ficando com a palavra reservada para a sessão seguinte.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Pedro Pita deseja saber se é verdade o que consta a respeito do pagamento de direitos devidos pela moagem.
Responde-lhe o Sr. Joaquim Ribeiro (Ministro da Agricultura).
O Sr. Diria da Fonseca pede providências contra determinados factos criminosos, respondendo-lhe o Sr. Abranches Ferrão (Ministro da Justiça).
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão às 15 horas e 17 minutos.
Presentes à chamada 40 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 47 Srs. Deputados.
Presentes à chamada:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto do Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Amadeu Leito de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Sousa Maia.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais do Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
Juvenal Henrique de Araújo.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vergílio da Conceição Costa.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
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Sessão de 25 de Outubro de 1923
Carlos Eugénio do Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopos Pivôs Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Serafim de Barros.
José Carvalho dos Santos.
Lúcio dê Campos Martins.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Sebastião de Herédia.
Vasco Borges.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo do Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto do Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Américo da Silva Castro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Dias.
António de Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
David Augusto Rodrigues.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Leonardo José Coimbra.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
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Diário da Câmara dos Deputados
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 40 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Oficio
Do oficial de polícia judiciária militar, pedindo a comparência do Sr. Bartolomeu Severino no gabinete do Director Geral da Primeira Direcção do Ministério da Guerra no dia 27, pelas 14 horas.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
O Sr. António da Fonseca (para interrogar a Mesa): — Peço a V. Ex.ª o favor de me informar quais são os Srs. Deputados inscritos para falarem hoje, com a presença dos Srs. Ministros.
O Sr. Presidente: — Eu digo a V. Ex.ª É lida na Mesa a, lista, de inscrição.
O Sr. Sampaio e Maia (para interrogar a Mesa): — Eu estava inscrito para ontem, quando, estivesse presente o Sr. Ministro do Trabalho; mas como S. Ex.ª estava ausente, pedi a V. Ex.ª para me inscrever novamente.
A verdade, porém, é que não ouvi ler agora o meu nome.
O Sr. Presidente: — Mas vou inscrever V. Ex.ª já.
O Sr. António da Fonseca (para interrogar a Mesa): — Desejava preguntar a V. Ex.ª se não seria mais conveniente, para evitar êste escândalo da sessão estar aberta e não poder funcionar, interromper os trabalhos até que cheguem alguns dos Srs. Ministros.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Ministro da Instrução para o estado em que se encontram os edifícios escolares, ainda em construção, em Alcochote, Torrão e Aldeia dos Barros, em Grândola.
Assim, ao de Alcochete, faltam-lhe apenas pinturas e vidros; a do Torrão-Cacilhas, vidros e pinturas, e a de Aldeia de Barros, apenas tem as paredes e o telhado.
Quando da primeira vez pedi as necessárias providencias, a conclusão das obras do edifício escolar de Alcochete custava pouco mais ou menos 3. 000$; hoje custa cêrca de 15. 000$.
Na do Torrão custava 5. 000$; hoje custa perto de 30. 000$, e a de Aldeia dos Barros deve custar muito mais.
Desejo ainda chamar a atenção do Sr. Ministro da Instrução para o facto de, em Setúbal, haver apenas oito escolas para uma população de 8:000 crianças, e ainda para o estado em que se encontra instalado o liceu daquela cidade, que apenas ocupa três ou quatro salas do edifício, visto a restante parte estar ocupada pelas repartições públicas e escola industrial, cujas aulas não podem abrir por falta de salas.
Espero, pois que dada a boa vontade do S. Ex.ª o Ministro, se possa prestar um bom serviço àquele círculo eleitoral.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (João Camoesas): — Ouvi com atenção as considerações feitas pelo Sr. Tavares de Carvalho; mas, na verdade, não posso responder outra cousa que não seja aquilo que já ontem disse ao Sr. Paulo Menano, acêrca das construções escolares.
Trata se do necessidades de ordem financeira, cuja resolução não pertence ao Ministério que dirijo.
Todavia tenho empregado e hei-de empregar todas as diligências para resolver êsse problema.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para interrogar a Mesa): — V. Ex.ª, Sr. Presidente, não acha mais razoável que se in-
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terrompam os trabalhos parlamentares até chegarem alguns dos Srs. Ministros?
O Sr. Presidente: — Devo dizer a V. Ex.ª que o artigo 23.º do Regimento diz o seguinte:
«Se uma hora depois da estabelecida para a Câmara iniciar os seus trabalhos não houver número para só entrar no período dos trabalhos de antes da ordem do dia, ou se terminado o período destinado a trabalhos de antes da ordem do dia não houver número legal para se proceder a votações, o Presidente, feita a última chamada, declarará encerrada a sessão, publicando no Diário das Sessões os nomes dos Deputados então presentes».
O Sr. Lelo Portela: — Requeiro que se entre imediatamente na ordem do dia.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: tomarei pouco tempo â Câmara.
Todos estamos suspensos das palavras do Sr. António Fonseca, proferidas no fim da sessão de ontem.
Aguardamos a chegada do Sr. Ministro do Comércio, para o Sr. António da Fonseca formular as preguntas que ontem dirigiu ao Sr. Presidente do Ministério, sôbre assunto grave que necessàriamente muito há-de preocupar o país.
Em quanto não chega o Sr. Ministro do Comércio, ou o Sr. Presidente do Ministério, aproveito á ocasião para me referir a um facto corrente hoje no país, facto extremamente ridículo, por que me lembro de que no tempo da propaganda, para sempre saudosa, e já depois de implantada a República, se fazia referência às condecorações que no tempo da monarquia eram concedidas, designando-as por «penduricalhos».
Quando a República foi proclamada, promulgou-se um decreto, acabando com os «penduricalhos», com o fundamento de que êles eram contrários à democracia e aos princípios do regime que se tinha implantado.
De uma penada, o Govêrno Provisório acabou com os «penduricalhos».
Muito bem.
Acho naturalíssimo que se pensasse assim.
Mas não foi preciso que se restaurasse a monarquia para que se restabelecessem as condecorações, como se chamavam na monarquia ou os «penduricalhos», como a República lhes chama,
Na monarquia fazia-se das condecorações das ordens portuguesas um uso muito sóbrio e apropriado, concedendo-as realmente a quem as merecia, e se tivesse distinguido, quer no campo de batalha, quer lias sciências, nas letras, nas artes, prestando algum serviço ao país.
Nós, é claro, entendemos que havia certa vantagem em manter essa tradição portuguesa, especialmente quanto às principais Ordens do país.
Hoje começamos a ver que toda a gente, quási toda a gente que nada vale no país, tem recebido condecorações.
São os Ministros, os artistas, pintores, actores actuais, são pessoas que não são cousa nenhuma neste país — até os secretários dos Ministros.
O Sr. Presidente do Ministério galardoou um secretário com qualquer comenda.
E até o Sr. Presidente da República galardoou com a Gran-Cruz da Torre o Espada o Sr. Presidente do Ministério que até agora só tem dado provas de ser um bom cabo do polícia.
Era natural que a Gran-Cruz da Torre e Espada só fôsse conferida aos que à Pátria realmente prestassem serviços relevantes no campo de batalha.
Mas a um polícia — pois o Sr. Presidente do Ministério não tem sido mais do que um polícia — francamente é um abuso que nunca sucedeu no tempo da monarquia, que só concedia essa condecoração a homens que realmente a mereciam.
Contra isto protesto.
Ainda ontem apareceu no Diário do Govêrno mais uma lista de condecorados; uns porque foram a Ceuta, outro porque toca violino...
Até há tempo-isto vem sem ofensa para ninguém — se condecorou uma menina, porque era filha de certa pessoa.
Quem tanto mal disse dos penduricalhos, está procedendo desta maneira.
Merece da parte dos monárquicos um sorriso sarcástico êste procedimento que a República está adoptando em relação às condecorações das ordens portuguesas.
O orador não reviu.
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Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Lelo Portela: — Lembro a V. Ex.ª que há pouco requeri para, ser consultada a Câmara sôbre se entendia que se devia entrar imediatamente na ordem do dia.
O Sr. Joaquim Brandão: — Requeiro a V. Ex.ª, para ser consultada a Câmara, a fim de entrar em discussão a proposta de lei n.º 550-E, que modifica a constituição da junta autónoma da ria e barra de Aveiro.
O Sr. António da Fonseca: — Pregunto a V, Ex.ª, porque não põe à discussão os requerimentos pela ordem porque foram apresentados.
Não se pode discutir a proposta de lei requerida pelo Sr. Joaquim Brandão, visto não estar presente o Sr. Ministro de Comércio, e o Regimento estabelecer que se não podem discutir propostas de lei que digam respeito às pastas dos Ministros ausentes.
O Sr. Presidente: — Não estando presente o Sr. Ministro do Comércio, nem outros Srs. Ministros, parece-me que se deve interromper a sessão.
O Sr. António Maia: — Invoco o artigo 54.º
Êsse artigo é bem claro.
O Sr. Vergilio Costa: — Não estando premente o Sr. Ministro do Comércio, mas estando presentes os relatores. V. Ex.ª pode pô-la à discussão.
O Sr. Presidente: — O artigo 3õ.º diz:
«Nenhum projecto de lei ou parecer dado sôbre proposta do Govêrno poderá ser discutido na ausência deste. «
Apoiados.
O Sr. Lelo Portela: — Fiz um requerimento em primeiro lugar ao antecessor de V. Ex.ª; depois já o renovei perante V. Ex.ª ainda não foi pôsto à votação.
Protesto contra êste procedimento e peço para que o meu requerimento seja imediatamente submetido à votação.
O Sr. Ministro da Instrução (João Camoesas): — Devo dizer a V. Ex.ª que me dou pôr habilitado a acompanhar a discussão do projecto do Sr. Joaquim Brandão.
Vários àpartes.
Vozes: — Aprove o requerimento primeiro.
O Sr. Francisco Cruz: — Eu desejava saber se a maioria acompanha o Govêrno.
O Sr. Lelo Portela: — Peço a V. Ex.ª que dó andamento ao meu requerimento.
O Sr. Presidente: — Eu não tinha pôsto o requerimento de V. Ex.ª à votação por não haver número, mas agora já há; todavia, dois Srs. Deputados têm que falar com a presença do Sr. Ministro do Trabalho, que já se acha na sala.
Àpartes.
O Sr. Álvaro de Castro: — Não compreendo porque V. Ex.ª não pôs o requerimento à votação.
O Sr. Presidente: — Eu já expliquei. V. Ex.ª certamente não ouviu. Não havia maneira de o fazer; mas agora vou pôr o requerimento à votação.
O Sr. Ribeiro de Carvalho: — A que horas se entra na ordem do dia?
O Sr. Presidente: — Às 16 horas e 30 minutos.
Muitos àpartes.
O Sr. Mariano Martins: — Há uma dúvida no meu espírito.
O Sr. Lelo Portela foi à Mesa, segundo declaração do V. Ex.ª, dizer que ia formular um requerimento; mas o Sr. Joaquim Brandão pediu a palavra primeiro.
Eu desejava, portanto, que V. Ex.ª me dissesse se o requerimento do Sr. Lelo Portela foi, legalmente, formulado antes do Sr. Joaquim Brandão.
O Sr. Presidente: — Efectivamente o Sr. Lelo Portela fez o seu requerimento antes mesmo do Sr. Joaquim Brandão pedir também a palavra para um requerimento; mas eu é que não pude pôr êsse
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requerimento à votação pelo facto de nessa ocasião não haver ainda número para deliberações.
Agora, que já há número bastante, entendo que é ocasião de submeter à votação da Câmara o requerimento do Sr. Lelo Portela.
O Sr. Almeida Ribeiro (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: desejo saber se algum dos Srs. Ministros presentes se deu por habilitado a acompanhar as propostas de finanças, no caso de ser aprovado o requerimento do Sr. Lelo Portela.
O Sr. Presidente: — No caso do requerimento ser aprovado a Câmara resolverá êsse assunto.
Foi rejeitado em prova e contraprova o requerimento do Sr. Lelo Portela.
Vozes: — Então convoca-se o Congresso para a discussão das propostas de finanças e a maioria não quere essa discussão?
O Sr. Lelo Portela: — Sr. Presidente: ao fazer o meu requerimento tive o único intuito de desejar que a Câmara trabalhasse profícuamente. Noto, porém, que a ordem do dia — discussão das propostas de finanças — é, pela maioria, protelada; e por isso entendo que já não subsiste o motivo da convocação extrordinária do Congresso.
Nestas condições acho inútil a minha presença aqui e por isso me retiro.
O orador não reviu.
Consultada a Câmara, foi aprovado o requerimento do Sr. Joaquim Brandão, entrando em discussão o projecto n.º 550-E, que foi lido na Mesa.
O Sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade.
O Sr. Jaime Duarte Silva: — Sr. Presidente: a minoria monárquica aprova, com muito prazer, o projecto em discussão, que vem trazer justos melhoramentos à cidade de Aveiro.
Em seguida foi aprovado o projecto na generalidade e, sem discussão, na especialidade.
O Sr. Sampaio Maia: — Sr. Presidente: pedi a palavra a fim de chamar a atenção do Sr. Ministro do Trabalho para a hora aflitiva(que estão atravessando os estabelecimentos hospitalares e de caridade no País.
Devido à desvalorização da nossa moeda, muitas dessas casas encontram-se numa situação tal que vai até o ponto de terem de encerrar as suas portas e de não poderem cumprir a sua altruísta missão.
O Parlamento, para atenuar essa crise, concedeu por algumas leis, e até por lei orçamental, vários benefícios às instituições hospitalares.
Sucede, porém, que o Govêrno não tem abonado a essas casas as verbas orçadas e aqui aprovadas.
Nestas condições, chamo a atenção do Sr. Ministro do Trabalho para que S. Ex.ª acuda à situação angustiosa dêsses estabelecimentos, mandando-lhes abonar o que por lei lhes compete.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva): — Reconheço a justiça das palavras do Sr. Sampaio Maia, quanto ao pagamento dos serviços hospitalares. As verbas destinadas a êsse pagamento não têm sido realmente satisfeitas com pontualidade; mas êste facto deve atribuir-se especialmente à falta da sua requisição mensal. Quere-me parecer, porem, que os atrasos não devem ser tam grandes como S. Ex.ª supõe.
Seja, no emtanto, como fôr, eu prometo ao ilustre Deputado, interessar-me pelo assunto junto da Contabilidade do Ministério das Finanças.
O orador não reviu.
E aprovada a acta.
Admissão
É admitido à discussão o seguinte
Projecto de lei
Do Sr. Carlos Olavo, permitindo a liquidação em moeda nacional ao câmbio do dia das obrigações contraídas em moeda estrangeira.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
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Diário da Câmara dos Deputados
ORDEM DO DIA
Discussão do parecer n.º 607
O Sr. Carvalho da Silva: — Não estão presentes nem. o Sr. Ministro das Finanças nem o relator das propostas dadas para ordem do dia. Nestas condições, segundo o Regimento, a sua discussão nem sequer pode ser iniciada, tanto mais que nós precisamos saber qual a opinião do novo Ministro a tal respeito.
O Sr. Ribeiro de Carvalho: — Se não estou em êrro, o Parlamento foi convocado extraordinariamente para discutir as propostas de finanças. Todavia, tudo indica que o Govêrno já não quero essas propostas de finanças,
Tanto assim é, que um membro do Govêrno, no momento em que elas poderiam entrar em discussão, é o primeiro a tentar prejudicá-la.
Que fique, pois, bom assento que não são as oposições, que aqui têm comparecido regularmente, quem impede a discussão dessas propostas.
O ora flor não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Pedi a palavra para, dizer ao ilustre Deputado, que eu não requeri que fôsse alterada a ordem do dia, porquanto a discussão do parecer estava dada para ordem do dia.
São realmente injustas as palavras que S. Ex.ª dirigiu ao Govêrno, dizendo que êle não se preocupa com a discussão das propostas de finanças, quando é certo que é êsse o assunto que mais o preocupa.
O Sr. Ribeiro de Carvalho (interrompendo): — V. Ex.ª pode dizer à Câmara se li á Ministro das Finanças ou não?!
O Orador: — O Diário do Govêrno respondo a V. Ex.ª
O Sr. Presidente: — Está ora discussão o parecer n.º 502.
O Sr. Cancela de Abreu: — V. Ex.ª pode informar-me se o Sr. Ministro do Comércio vem hoje à Câmara?
O Sr. Presidente: — Não tenho informação alguma a êsse respeito.
O Sr. Cunha Leal: — Peço a palavra para um negócio urgente.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: desde que V. Ex.ª comunicou à Câmara que estava em discussão o parecer n.º 502, creio que não se pode encetar outra, discussão.
O Sr. Presidente: — Vou consultar a Câmara sôbre o assunto urgente do Sr. Cunha Leal, que é o seguinte: tendo S. Ex.ª com autorização da Câmara examinado documentos no Ministério das Finanças desejava apresentar à Câmara o resultado do seu exame.
Consultada a Câmara, foi, em contraprova requerida pelo Sr. Carlos de Vasconcelos, aprovado o negócio urgente.
O Sr. Cunha Leal: — Os Ministros deixaram de ter existência para serem uma sombra; e eu não falo às sombras, mas ao País.
Se a Câmara entender que eu devo falar quando estiver presente o Sr. Ministro das Finanças, eu peço para que V. Ex.ª consulte a Câmara nesse sentido.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva (sôbre o modo de votar): — Não há dúvida de que em situações anormais está indicado que êstes assuntos sejam tratados quando estejam presentes os Ministros das respectivas pastas; mas não há dúvida de que nas actuais circunstâncias só devia ser escolhido para a pasta das Finanças quem a fundo conhecesse os pontos principais da administração.
E neste momento angustioso que o Ministro das Finanças está lá fora à espera do que lhe ensinem a lição!
Por isto fica provado que o Ministro escolhido não tem competência para exercer o seu lugar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovado o requerimento do Sr. Cunha Leal.
Entra em discussão o parecer n.º 602.
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O Sr. Carlos Pereira: — Sou dos primeiros a reconhecer que a tabela em vigor não deve merecer a nossa aprovação e que alguma cousa de novo se deve fazer. Mas o que se vai fazer não satisfaz; e por isso mando para a Mesa dois artigos que resumem todo o projecto em discussão.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Carlos Pereira.
Foi lida, admitida e posta em discussão.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: tive ontem ocasião de dizer à Câmara que tinha levado ao conhecimento do Supremo Magistrado da Nação, o incidente havido nesta casa do Congresso, o qual determinou que o Sr. Velhinho Correia saísse da pasta das Finanças.
Declaro mais, Sr. Presidente, que tendo apresentado ao Sr. Presidente da República a solução, que no meu entender podia ser aceite, S. Ex.ª concordou com ela.
A responsabilidade da convocação do Congresso, bem como o desejo de se obterem os meios indispensáveis para a regularização da situação financeira do País, pertence ao Govêrno, o qual entendeu que para a pasta das Finanças, vaga pelo Sr. Velhinho Correia, devia escolher o Sr. Queiroz Vaz Guedes.
Não tenho, Sr. Presidente, neste momento a preocupação de apresentar o Sr. Ministro do Comércio, como Ministro das Finanças; simplesmente quero fazer notar o espírito de sacrifício de S. Ex.ª
Nesta hora da vida política portuguesa, com a situação actual do Tesouro, só um grande espírito de sacrifício pode levar alguém a assumir a pasta das finanças.
Por isso, Sr. Presidente, aproveito esta ocasião que se me oferece, para agradecer ao Sr. Ministro do Comércio o ter aceite a gerência da pasta das Finanças.
Cumprido, Sr. Presidente, êste dever não só constitucional como de cortesia para com a Câmara a que mo honro de pertencer, eu vou aproveitar a ocasião que se me ofereço para versar o assunto que propositadamente não quis versar ontem.
Refiro-me, Sr. Presidente, à pregunta que me foi feita pelo ilustre parlamentar e engenheiro Sr. Cunha Leal, que estranhou que eu, como director da política geral do Ministério, não me achasse habilitado a responder a determinados assuntos.
Há realmente, Sr. Presidente, no que diz respeito à vida financeira do Estado, assuntos que pertencem exclusivamente à pasta das Finanças, e assuntos que dizem respeito à política geral do Ministério e que podem ser da responsabilidade colectiva do gabinete. E assim, ainda ontem, eu tive ocasião de dizer nesta Câmara que relativamente à pasta das Finanças assuntos havia, como por exemplo as propostas de Finanças, que eram da autoria do titular da pasta das Finanças, devendo êle necessàriamente ser quem tem de dizer de sua justiça.
O Sr. Ministro- das Finanças disse até por mais de uma vez nesta Câmara que, quando se discutissem as propostas de finanças, estaria pronto a responder detalhadamente às preguntas que lhe tinham sido feitas.
Hoje, Sr. Presidente, temos um Ministro novo, e, assim, creio que ninguém pode pretender, embora êsses assuntos sejam versados em Conselho de Ministros, que êle ràpidamente, imediatamente e tecnicamente esteja na mesma situação do Ministro anterior.
O Sr. Cunha Leal: — Eu estive hoje uma hora no gabinete do director da Fazenda Pública, e já sei tudo.
O Orador: — Lá vamos; pois a verdade é que se V. Ex.ª quiser dar-se ao incómodo de me ouvir durante cinco minutos ficará também sabendo tudo.
Tomou hoje, Sr. Presidente, conta da pasta das Finanças a pessoa que era Ministro do Comércio, e que continua a sê-lo; e, assim, S. Ex.ª mostrou-me desejos de orientar a Câmara sôbre o assunto.
Torna-se necessário, Sr. Presidente, nesta parte fazer um pouco do história, a fim de se ficar sabendo quais as responsabilidades e a situação de cada um, sendo lícito ao Govêrno dizer da sua justiça.
Não me recordo, Sr. Presidente, muito
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bem da data em que entrou para o Ministério o Sr. Vitorino Guimarães, mas deve ter sido em 15 de Setembro de 1922, tendo S. Ex.ª desde o princípio procurado, para bem do Estado e do regime, aquelas medidas que tam necessárias são para o bem de todos os portugueses.
Infelizmente S. Ex.ª embora já tivesse preparado nos começos de Outubro a denominada proposta do empréstimo, não a pôde apresentar porque o Parlamento não estava então reünido; e, assim, só veio a apresentá-la em 12 de Janeiro de 1923, se não me engano.
O Sr. Vitorino Guimarães, independentemente disso, apresentou a proposta de lei orçamental, fazendo-a acompanhar de medidas de carácter financeiro que completariam o objectivo determinado pela proposta do empréstimo. E os cálculos dessa data eram de molde a fazer-nos supor, com toda a segurança, que o aumento da circulação fiduciária de 140:000 contos seria suficiente para os encargos do Estado até o final do ano económico passado.
Apresentando essa proposta de lei ao Parlamento, nessa ocasião, digo-o sem censura, em qualquer outro Parlamento do mundo ela estaria votada nos fins de Janeiro ou princípios de Fevereiro.
O Sr. Cunha Leal: — Até no planeta Marte!
O Orador: — No planeta que V. Ex.ª queira.
O Sr. Pedro Pita: — Noutro Parlamento qualquer a proposta seria logo reprovada de começo.
Apoiados das direitas.
O Orador: — Mas, continuando, por que seria logo aprovada essa proposta? Porque desde que o titular da pasta das Finanças revelasse a um Parlamento as condições más em que se encontrava a Tesouraria do Estado, não haveria Parlamento algum, do planeta Marte ou outro qualquer, que deixasse de habilitar êsse Ministro com as medidas precisas para prover às necessidades do Estado. E quando assim não fôsse recorria ao processo sumário, que seria significar a sua desconfiança a êsse Ministro.
Isto é evidente, porque ainda me recordo de que tive de vir aqui com sacrifício da minha saúde e pôr a questão de confiança. O Parlamento aprovou a generalidade em dois dias, quando até ali tinha consumido longo tempo a discuti-la.
O Sr. Francisco Cruz: — Queixe-se V. Ex.ª das comissões do seu Partido, que não davam parecer.
O Orador: — Eu estou a apreciar a acção do Govêrno e não a jogar pedras a ninguém; e não se compreende que um Govêrno, porque é constituído por parlamentares, esteja inibido de dizer de sua justiça.
Mas o Sr. Vitorino Guimarães tinha naturalmente um objectivo, que era de aprovar ou reprovar, mas sem largas demoras, dada a aflitiva situação do Tesouro. E há um processo simples a seguir, quando não se quere aprovar qualquer medida, mas também não se qúere arrastá-la na discussão: é apresentar a desconfiança ao Govêrno. Mas nada disso se. fez, e a situação infelizmente arrastou-se. Por consequência, o objectivo do Sr. Ministro perdeu-se em grande parte, porque realmente o Estado não cobrou, quando o devia cobrar na época oportuna, aquilo que se calculava, e que chegava para evitar ter de se recorrer ao processo, já antiquado e condenado, do aumento da circulação fiduciária. Não se fez assim, e para a voragem foram os 140:000 contos.
O Sr. Francisco Cruz: — Bonita obra!
O Orador: — De que V. Ex.ª é um dos cúmplices, permita-me que lhe diga.
O Sr. Francisco Cruz: — Já respondo a V. Ex.ª
O Orador: — Mas não foi só isso! É que, independentemente de não se ter olhado para a criação de receitas, depois da votação do Orçamento Geral do Estado, o Parlamento aumentou ainda mais as despesas.
Não posso deixar de dizer também que nesse momento, que por sinal era um domingo, verberei o facto de se ter evitado
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que as sessões do Parlamento fossem prorrogadas para se apreciar a questão financeira.
Então, o Parlamento, não tendo dado ao Estado, representado pelo Poder Executivo, os meios legais de vida, absolutamente indispensáveis, e que são função do Poder Legislativo, que êle não pode endossar a ninguém, sob pena de se d-minuir, imaginou que os Ministros eram ditadores ou prestidigitadores que pudessem tirar duma cornocópia, onde estivessem só fitas, os dinheiros necessários à governação pública. E esta a história que ninguém pode contestar.
Fixadas as responsabilidades do Poder Legislativo e do Executivo, prossigamos.
Saiu depois do Govêrno o Sr. Vitorino Guimarães. Sabe S. Ex.ª o imenso desejo que eu tinba em o acompanhar, não só pelo facto da minha falta de saúde, como até quási por dignidade política.
Foi até S. Ex.ª com outros correligionários meus de categoria e mesmo alguns elementos que não eram meus correligionários, que me lembraram a gravidade dêsse momento e a necessidade que viam em que eu me conservasse no Poder.
Entrando para o Govêrno o Sr. Velhinho Correia, por indicação dos corpos gerentes do meu partido, numa situação que, se não era como a de agora, em todo o caso não era nada de apetecer, S. Ex.ª expôs os seus pontos de vista e procurou seguir a orientação do Sr. Vitorino Guimarães.
A breve trecho, porém, S. Ex.ª encontrou-se na situação de não ter dinheiro para pagar.
Referiu êste facto em Conselho de Ministros; e os seus colegas disseram-lhe que ou se havia de entrar num caminho que era contrário às minhas afirmações anteriores, ou então o Govêrno faria o que pudesse.
Não quis nem directa nem indirectamente publicar medidas ou decretos tendentes a remediar a situação.
Nestas condições, procurou-se tanto quanto possível proceder dentro da lei n.º 1:424.
Nós não passamos ainda à categoria de génios, nem somos candidatos a êsse título.
Não somos águias, nem sequer temos a veleidade de o querer parecer.
O Sr. Cunha Leal (àparte): — São pássaros bisnaus!...
Risos.
O Orador: — Entretando, Sr. Presidente, havia o convénio de 29 de Dezembro de 1922, assinado pelo então Ministro das Finanças, Sr. Vitorino Guimarães, com o Banco de Portugal, por intermédio do seu administrador Sr. Inocêncio Camacho.
Êsse convénio estava, sem sombra do dúvida, em pleno vigor.
O Sr. Carvalho da Silva: — O Sr. Vitorino Guimarães, quando Ministro das Finanças, declarou aqui várias vezes que a vigência dêsse convénio tinha acabado.
O Orador: — V. Ex.ª deseja, com certeza, método na discussão. Lá chegaremos. O Sr. Vitorino Guimarães está presente o eu sei muito bem o que S. Ex.ª disse.
O Sr. Carvalho da Silva: — O convénio estava revogado pelo § 1.º do artigo 8.º da lei que autorizou o empréstimo interno.
O Orador: — Eu faço esta afirmação peremptória: na altura em que o Parlamento votou a lei n.º 1:424 o convénio estava em inteiro vigor.
De resto, repito-o, o Sr. Vitorino Guimarães está presente e fará as declarações que quiser para elucidar êste debate.
Não podia estar na inteligência de S. Ex.ª fazer aquilo que êle nessa altura imaginava não dever ser natural fazer.
Apoiados.
E não podia o artigo 8.º, § 1.º, ser utilizado.
Nós temos de obedecer à letra expressa da lei.
O Sr. Cunha Leal: — V. Ex.ª não se importa nada com a lei, com a letra expressa da lei. Só se importasse não teria pôsto em vigor o convénio.
O Orador: — Em todos os momentos existiram pessoas que têm diversas opiniões, o que não me molesta da parte de S. Ex.ª ou do Sr. Carvalho da Silva ou de outros Srs. Deputados.
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S. Ex.ªs têm a sua inteligência e tora a sua análise.
Temos nós outros, contudo, o direito de nos pronunciarmos pela forma por que entendemos.
Se todos entendessem da mesma maneira, as leis que saíssem do Parlamento sairiam votadas por unanimidade.
E nunca assim aconteceu.
O convénio estava em vigor à data da promulgação da lei n.º 1:424.
Havia o desejo de que o convénio não continuasse? Havia.
Quando?
Numa data, embora imprecisa, mas que estava na inteligência do Sr. Vitorino Guimarães: — na data em que conseguisse pôr em vigor as suas propostas, com a consciência de ter servido honradamente o seu país.
O Sr. Carvalho da Silva: — Como é que V. Ex.ª explica que no artigo 1.º se declare que a circulação fiduciária não podia aumentar acima do que estava aumentada?
O Orador: — Não é esta a forma de nós podermos discutir.
Continuo a pensar, e não me causo do repetir.
O § 1.º do artigo 8.º diz:
«Quando terminada...«.
Ora ainda não termino por culpa de quem de direito. Não do Govêrno.
A proposta foi apresentada em Janeiro e votada em Maio.
Mas dizem os meus antagonistas que a responsabilidade é do Govêrno por não ter produzido uma lei com intuitos inteiramente diversos.
Não apoiados.
Isto representa um triunfo respeitante aos interêsses do Estado.
Não apoiados.
O Sr. Carvalho da Silva: — Bem se vêm os resultados.
O Orador: — Desejava que assim fôsse, ao contrário do que quiseram.
Repito, afigura-se-me um triunfo tarn grande.
O Sr. Carvalho da Silva: — É extraordinário o arrojo!
O Sr. Cancela de Abreu: — Temos o câmbio a 4!
Vários àpartes, estabelece-se confusão.
O Sr. Carvalho da Silva: — Fracos.
O Orador: — Não temos o câmbio a 4, Mas quando o Parlamento votar medidas para o estabilizar, o que poderia ter feito há mais dum ano...
O Sr. Cancela de Abreu: — Os triunfos da República são desta fôrça: O câmbio a 2!
O Orador: — O que me interessa é que as cousas da administração pública estejam como devem estar.
Temos uma situação depois da guerra pior do que a de outros países?
Há estados que a têm pior.
Mas se nós não temos uma situação melhor é porque não a queremos ter.
Àpartes.
Há duas políticas: a política dos homens que querem o bem da Pátria e a dos que não querem êsse bem.
A dêsses não me importa; o que me importa são as Instituições.
Àpartes.
O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — Afunde-se o país, porque para S. Ex.ª o país não está acima das Instituições.
Àpartes.
O Orador: — Mas, Sr. Presidente, reatando, direi que não estava em vigor a doutrina que alguns Sr. Deputados querem mas aquém que está na lei.
O Estado para bem da nação fez o que devia fazer se não aquilo que queriam que o Govêrno fizesse. E não foz porque seria um crime.
O Estado fez antecipações. Não se pretendeu negá-las, apesar de feitos por um homem que já não está no Govêrno.
Se se fizesse qualquer cousa que devesse ser regulado pelo Parlamento, era extraordinário.
Sempre se usaram bills.
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Quis-se dar um remédio quer pelo processo do Sr. Velhinho Correia, quer pelo parecer da respectiva comissão, quer pela análise parlamentar dêsse parecer.
Antecipou-se receita, e preparavam-se as negociações com quem de direito, para regular essa situação, seguindo o espírito da lei n.º 1:424.
Àpartes.
O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — As afirmações de S. Ex.ª tem muito espírito,
Àpartes.
O Orador: — Os àpartes de S. Ex.ª é que não têm agora espírito nenhum.
Apoiados.
Tratava-se do bem do País,
Não admira que S. Ex.ª diga isso como inimigo do regime; mas a Nação é mais alguma cousa que o regime.
Apoiados.
O Sr. Cancela de Abreu (interrompendo): — Se todos estivessem convencidos disso, já não existia a República.
Àpartes.
O Orador: — Eu vou dizer porque chamo ao facto antecipação de receitas.
Não se poderiam fazer economias dentro daquele ambiente em que vivia o Govêrno.
Àpartes.
Eu não podia dizer ao Ministro que era dispensável cumprir a lei, que se podia perturbar a vida da Nação e deixar de pagar a quem se devia pagar.
O Estado não podia no seguimento das negociações prever o facto lamentável que produziu a saída do Sr. Velhinho Correia.
Mas o Estado podia entregar títulos ao Banco e libertar títulos da dívida externa.
O Sr. Carvalho da Silva: — Era preciso que o Banco consentisse.
O Orador: — O Sr. Carvalho da Silva com o seu àparte fez-me lembrar a lógica do Amigo Banana.
Necessariamente, se num acôrdo entre duas partes uma delas não cumprir as respectivas bases deixa evidentemente de existir êsse acôrdo.
O Sr. Carvalho da Silva: — Pois muito mal tem andado o conselho de administração do Banco de Portugal em entrar nesse acôrdo.
O Orador: — Há palavras que V. Ex.ª tem proferido, que são de mais. Pela lei n.º 1:424...
O Sr. Cunha Leal: — Não é preciso invocar a lei n.º 1:424 para demonstrar que a circulação fiduciária foi excedida.
O Orador: — Lá está o Sr. Cunha Leal a repetir uma cousa que eu já disse, acrescentando que era o segredo da abelha..
V. Ex.ª com certeza não julga que fez uma grande descoberta na sua vida política; outras, decerto, terá feito mais importantes.
Ainda a respeito do empréstimo devo repetir que se uão foi, colocada no Brasil a quarta parte da 1.ª série dêsse empréstimo, foi exactamente pelo motivo que ou já referi a esta casa do Congresso: — porque o empréstimo foi fora do tempo e porque as condições do Brasil se tinham modificado.
Com o que está para colocar obteremos 30:000 contos e como eu já falei há pouco só em dois milhões, e o que está autorizado são quatro milhões, êsses dois milhões sabem V. Ex.ªs que, colocados da forma como a lei determina, permitirão o lançamento de notas até à importância de 45:000 contos.
Vê-se por aqui, da soma dêstes algarismos que se encontram em cifra global superior àquela que V. Ex.ª diz, com a diferença de que se quis fazer crer ao público que o Sr. Ministro das Finanças fazia qualquer cousa que podia deixar de praticar, e que, quando o Parlamento vota despesas, nós temos esta arte fantástica de as transformar em receitas.
Para nós, o processo de regularizar esta situação é uns para outros, o processo é diverso.
O Sr. Cunha Leal: — O processo de regularizar qualquer situação é não cometer ilegalidades.
O Orador: — Sr. Presidente: a questão está clara, está evidente.
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Não se limitou esta discussão a simples preguntas e respostas, como muitas vezes sucede, mas a demonstrar duma maneira positiva a situação em que nos encontramos
De duas uma: — ou se votam as medidas para obtermos as receitas indispensáveis, (e isso só a V. Ex.ªs pertence) ou continuaremos nesta mesma vida inconfessável, absolutamente ruinosa, que nos poderá conduzir a dias bem amargos.
Eepito: só V. Ex.ªs, com aquele espírito e patriotismo que devemos pôr em todos os nossos actos, poderão obstar a que se possa chegar a essa situação.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra quando o orador haja revisto as notas taquigráficas.
O Sr. Vitorino Guimarães: — Sr. Presidente: em nome dêste lado da Câmara, devo dirigir os mais afectuosos e sinceros cumprimentos ao Sr. Ministro das Finanças, fazendo justiça ao seu grande espírito de sacrifício ao tomar conta, neste momento, da pasta das Finanças.
Afirmo a S. Ex.ª que pode contar com todo o nosso auxílio e a nossa boa vontade.
Uma voz: — Tal como aquele que foi prestado a V. Ex.ª
O Orador: — Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Lembra-se neste momento das palavras do Sr. Cunha Leal, lia pouco proferidas nesta Câmara: — «um País que aguenta tudo isto não tem o direito de existir».
Nesta situação, o Sr. Presidente do Ministério deveria trazer aqui o melhor economista e o maior financeiro do País.
Quem é que S. Ex.ª aqui nos trouxe?
É doloroso ter que o dizer, porque o Sr. Queiroz Vaz Guedes, pelos primores do seu carácter, tem jus ao nosso respeito.
Mas o que é certo é que são desconhecidos os seus planos financeiros.
Quais foram as suas provas dentro ou fora do Parlamento?!
O Sr. Presidente do Ministério tem a qualidade de fàcilmente esquecer as afirmações que faz, esquecendo também a grande responsabilidade que tem na situação actual em que o País se encontra!
O Govêrno apoia-se em jornais de grande circulação, que estão endossados a sindicatos.
É esta a fôrça que garante a estabilidade do regime!
Chegou a hora em que todos os homens honrados têm de dizer ao País a verdade inteira, para que a Nação trilhe um caminho diverso daquele em que a República a tem dirigido!
A responsabilidade de tudo isto é só do Govêrno; é da direcção do Banco de Portugal, como êle, orador, vai provar com os contratos que se têm feito desde 1918.
Tem êle, orador, ali presentes as actas das sessões em que o Sr. Caeiro da Mata teve frases que êle, orador, não acredita que agora S. Ex.ª como director possa sustentar.
O orador, lendo algumas passagens do discurso pronunciado pelo Sr. Caeiro da Mata na sessão de 27 de Fevereiro de 1922, analisa em seguida as disposições das leis n.ºs 1:074 e 1:246, para afirmar que a circulação está excedida em 196:420 e tantos contos, depois de o Sr. Vitorino Guimarães ter dito que não tinha alargado a circulação fiduciária quando subiu ao poder.
Depois o Sr. Victorino Guimarães afirmou também que quando deixou as cadeiras do poder a situação era desafogada.
Sustentou o Sr. Vitorino Guimarães e quis agora sustentar o Sr. Presidente do Ministério que a convenção de 29 de Abril ainda podia continuar em vigor.
O orador analisa os termos do artigo 8.º para afirmar que o disposto neste artigo diz que da importância total dos suprimentos, o Govêrno pode utilizar tudo, desde que fique reservada a quantia relativa à convenção de 29 de Dezembro de 1922.
Esta afirmação é absolutamente clara, não podendo ser contestada por ninguém.
Está, pois, claramente provado que o Govêrno do Sr. António Maria da Silva alargou a circulação fiduciária ilegalmente; o sôbre êste ponto, êle, orador, espera ouvir as declarações do Sr. Cunha
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Leal, cujas informações colhidas no Ministério das Finanças, seguramente hão-de ser mais elucidativas do que as que já foram dadas à Câmara.
É, pois, estranho que, sendo o Govêrno acusado dêste facto, o tenha negado ao Parlamento, e que seja o Sr. Presidente do Ministério actual, que tem inteira responsabilidade das declarações formuladas pelo Sr. Velhinho Correia, quem venha apresentar à Câmara um novo Ministro das Finanças.
Não sabe se a Câmara marcou uma das passagens do discurso do Sr. Presidente do Ministério. S. Ex.ª afirmou que, em face da situação angustiosa do País, tinha dito ao Sr. Velhinho Correia: «vá servindo-se da lei n.º 1:424, o veja o que se pode arranjar».
Quere dizer, o Sr. Presidente do Ministério ainda é mais responsável do que e o Sr. Velhinho Correia.
Como é que se pode permitir que ainda esteja à frente do Govêrno o Sr. António Maria da Silva, se foi êle o principal responsável pelo aumento da circulação fiduciária?
Ainda ontem tendo êle, orador, interrogado o Sr. António Maria da Silva, sôbre se o Govêrno perfilhava as propostas do Sr. Velhinho Correia, S. Ex.ª respondeu-lhe com evasivas, dizendo que o Govêrno estava na situação anterior, que as propostas eram da comissão e que o Parlamento as discutisse.
Porém, S. Ex.ª estava em maré de pouca sorte, porque já hoje o Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos, em resposta ao Sr. Lelo Portela, declarou que, se havia alguma cousa que interessasse o Govêrno, eram as propostas de Finanças. Logo, elas são do Govêrno.
Mas, visto que hoje veio apresentar o Sr. Vaz Guedes, como Ministro das Finanças, êle, orador, quere preguntar a S. Ex.ª o seguinte:
Está S. Ex.ª de acôrdo com as propostas do Sr. Velhinho Correia?
Concorda com o parecer da comissão de finanças, ou não concorda com nenhuma delas?
O que pensa S. Ex.ª a êste respeito?
Disso o Sr. Presidente do Ministério que era com grande sacrifício que o Sr. Vaz Guedes assumia a interinidade da pasta das Finanças.
Na verdade, o Sr. Vaz Guedes é pessoa por todos os títulos muito estimável; e, por isso, é com desgosto que vê S. Ex.ª desempenhar o papel de pessoa destinada a, durante três dias, ser o responsável pela aprovação de afogadilho que, porventura, se fizer das propostas.
Tudo neste momento é extraordinário. Ao passo que ontem o Sr. Presidente do Ministério, nesta casa do Parlamento, dizia que ia discutir o parecer da comissão, parecendo dar-lhe o seu voto, vemos hoje sentar-se na cadeira de Ministro da Agricultura o Sr. Joaquim «Ribeiro.
É possível que a minoria monárquica fique isolada na sua atitude.
E é possível, porquanto êle, orador, ainda hoje leu nos jornais a declaração da minoria nacionalista acêrca da rejeição da moção de desconfiança apresentada pela minoria monárquica, declaração em que se isenta o Govêrno das responsabilidades assumidas pelo Ministro das Finanças.
Naturalmente, pelo mesmo critério, ainda havemos de ver a minoria nacionalista acobertar o Govêrno das responsabilidades contraídas pelo Ministro das Finanças, no caso do aumento da circulação fiduciária.
Seja, porém, qual fôr a atitude dos diversos agrupamentos políticos, para a minoria monárquica a continuação no poder do actual Govêrno constitui um verdadeiro desastre nacional, confirmando-se assim, mais uma vez, que a República é incompatível com a salvação do País.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Ministério, fazendo a história da crise e dando conhecimento à Câmara de que já existo Ministro das Finanças — o Sr. Queiroz Vaz Guedes — ao mesmo tempo que o Sr. Joaquim Ribeiro regressava à pasta da Agricultura, colocou esta casa do Parlamento numa situação difícil, a situação de não perceber como se fez essa recomposição ministerial.
Seria conveniente que a Câmara e o País fossem elucidados acêrca das circunstâncias que levaram o Sr. Joaquim
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Ribeiro a abandonar a pasta da Agricultura e a ela regressar.
É essencial sabê-lo, porque o Sr. Joaquim Ribeiro declarou em carta, reproduzida na imprensa, que abandonava a pasta da Agricultura porque, discordando da extinção dêsse Ministério o não podendo combatê-la da sua cadeira de Ministro, desejava fazê-lo do seu lugar do Deputado...
Sucedo que a proposta da extinção do Ministério dá Agricultura existe hoje com mais fôrça do que existia ao princípio, porque passou' do uma proposta ministerial para uma proposta da comissão de finanças, o que lhe dá uma maior viabilidade.
Portanto, fica o público sem perceber, fica a Câmara sem saber quais são as circunstâncias, obscuras ainda, por que o Sr. Joaquim Ribeiro abandonou o Ministério.
E é legítimo que o País seja elucidado nesta ocasião em que no Parlamento se pede que as questões se discutam com largueza, com amplitude, para que a opinião pública, sobressaltada com certos factos, os não atribua a cousas existentes que carecem de vir para a luz, para que, cada vez e de cada vez duma maneira mais profunda, a moral dos Govêrnos, a moral do Parlamento e, em geral, a moral do País sejam iam puras e tam límpidas como o cristal.
Quais são — é desejaria ouvir o Sr. Presidente do Ministério — as causas que determinaram o Sr. Joaquim Ribeiro a abandonar o Govêrno?
Demais, disse-se, tendo-se produzido declarações que não vieram pára o Parlamento, que as causas determinantes da saída do Sr. Joaquim Ribeiro eram muito diferentes daquelas que constavam da carta de S. Ex.ª
Isto é importante, depois das declarações do Sr. Presidente do Ministério com respeito à circulação fiduciária, que nos demonstrou que o Sr. Ministro das Finanças de então; que aqui fez declarações em resposta ao Sr. Cunha Leal, não falou inteiramente verdade (Apoiados) e que o Sr. Presidente do Ministério, no tempo em que aqui foram produzidas essas declarações, conhecia também que elas não eram exactas.
Apoiados.
Nem mesmo se compreendia que um problema de tam alta gravidade não tivesse sido discutido em Conselho de Ministros, que o Conselho de Ministros não tivesse sido convocado para aí o Sr. Ministro das Finanças de então significar que a situação era como aqui a exprimiu não como o Sr. Presidente do Ministério posteriormente veio declarar que era.
Não há meio de conjugar as declarações do Sr. Ministro das Finanças de então com as do Sr. Presidente do Ministério de agora.
Êste assunto será largamente tratado pelo Sr. Cunha Leal, a quem pertence, visto que foi a pessoa que dele especialmente se ocupou.
Significarei, contudo, que as explicações do Sr. Presidente do Ministério não satisfizeram absolutamente em cousa alguma, porque, de facto, não explicaram como uma parte da circulação financeira, aumentada em larguíssima escala por êste Govêrno, foi feita dentro dos termos legais e ao abrigo da lei.
Sr. Presidente: as declarações do Sr. Presidente do Ministério consistiram, principalmente, numa acusação ao Parlamento e, duma maneira particular, uma acusação à maioria.
Apoiados.
O Sr. António Fonseca, creio que na sessão passada, teve ocasião de refutar já as declarações dó Sr. Presidente do Ministério e porque o fez a propósito de iguais declarações do Sr. Ministro das Finanças, ao Parlamento não cabe a menor responsabilidade de que o Govêrno não tenha os meios necessários para governar ou de que careça, para governar melhor, e se manter no Poder, de recorrer á processos que não são legais ou que não são lícitos.
Apoiados.
Se efectivamente fôsse exacto, como declarou o Sr. Presidente do Ministério, que o Parlamento lhe tivesse recusado os meios financeiros de governar, tinha o Parlamento, duma maneira clara, manifestado ao Sr. Presidente do Ministério a sua desconfiança ao Govêrno e que só um caminho S. Ex.ª tinha a seguir: pedir a demissão colectiva do Govêrno.
Apoiados.
Em todos os países do mundo, em todos os Parlamentos do mundo a negação de
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meios financeiros ao Govêrno para poder governar é a demonstração completa da desconfiança.
O Sr. Presidente do Ministério com as suas habilidades de jongleur político consegue manter-se no Ministério, é mesmo através de tudo a sua função.
Correspondeu, porventura, à opinião pública que exigia a estabilidade governativa, o S. Ex.ª sacrificou todos os objectivos govornativos a êsse fim: continuar no Govêrno.
Não lhe poderemos negar que efectivamente tem conseguido através de todas as dificuldades que se tem levantado, mas, tem-o conseguido com desprestígio do próprio Poder, com nenhuma autoridade do Poder Executivo conduzindo-nos» a uma situação burlesca cortada por vezes de episódios de drama pungente que a todos os republicanos magoa.
Apoiados.
Estamos a assistir ao desenrolar duma comédia de difícil compreensão para aqueles que desejam ùnicamente o prestígio da República e que o Govêrno tenha autoridade o fôrça para governar.
O Govêrno actual com o único objectivo do manter-se, de estar nas cadeiras do. Poder, é tudo quanto há de mais nocivo para os interêsses nacionais.
Sr. Presidente: recorda-me nesta ocasião uma caricatura que um caricaturista, felizmente ainda hoje vivo, fez a um episódio de um regime já hoje extinto.
O caricaturista desenhava a procissão de S. Jorge, e numa varanda, vendo a procissão, D. Manuel então rei de Portugal, fazia esta observação amargurada: S. Jorge, não te invejo nem o trajo sumptuoso, nem o teu ar guerreiro, o que o invejo é a tarracha.
O Sr. Presidente do Ministério poderia agora ser apresentado numa caricatura, e estou convencido que então diria: S. Jorge não te invejo a pêra, porque também tenho, não te invejo o fato, mas invejo-to a tarracha.
Efectivamente é a única cousa que o Sr. Presidente do Ministério reclama à Câmara, mas é ridículo para um Parlamento fornecer essa tarracha.
O Partido Nacionalista não pode, nem quere, continuar neste equilíbrio.
Na última sessão, rejeitou uma moção de desconfiança ao Govêrno, porque entendeu que era justo fazê-lo a propósito dum caso respeitante a uma pasta, mas neste momento não pode deixar de manifestar a sua absoluta discordância com o Govêrno, que não oferece nenhumas condições de prestígio político.
Apoiados.
Sr. Presidente: há muito que das cadeiras do Poder se vem fazendo um ataque ao Parlamento, dizendo-se primeiro que o Parlamento aumentou as despesas, não votando meios financeiros quando o Orçamento foi apresentado pelo Sr. Ministro das Finanças, Vitorino Guimarães.
Ora êsse Orçamento foi apresentado com deficit o êsse deficit só poderia ter sido aumentado pela acção, pela complacência do Sr. Ministro das Finanças.
A Câmara não podia votar medida alguma som o aplauso e o beneplácito do Sr. Ministro das Finanças.
Durante a discussão do Orçamento, a minoria nacionalista estava afastada dos trabalhos parlamentares, pois, nessa ocasião, o Sr. Ministro das Finanças declarou na imprensa que o deficit fora culpa do Parlamento, esquecendo-se que no Parlamento apenas estava a maioria constituída pelos seus correligionários. o
O Parlamento, com a colaboração do Partido Nacionalista, forneceu ao Govêrno os instrumentos necessários para reduzir as despesas, mas das quais não fez uso.
Êsses instrumentos partiram da iniciativa do Sr. António Fonseca e de mim.
Que uso fez o Govêrno desta lei?
Nenhum!
A quem pertence a responsabilidade do aumento das despesas públicas?
Ao Govêrno!
E veio êste Govêrno querer iludir o público o os seus- próprios correligionários acusando o Parlamento?!
Porque não cumpriu a lei?
Porque os seus correligionários não o deixaram!
Acuse quem quiser, menos o Parlamento, que tem cumprido o seu dever.
Escusado será, Sr. Presidente, fazer a História para relembrar ao Sr. Presidente do Ministério e à Câmara o que aconteceu com respeito às propostas de finanças, ao célebre empréstimo liberado em ouro, cuja justificação se encontrou depois
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de realizado, pois a verdade é que em vez de ter sido uma boa operação financeira, como alguns julgavam, foi uma operação verdadeiramente ruinosa.
Mas, Sr. Presidente, essas propostas de finanças, primitivamente apresentadas, foram para a comissão de finanças, sabendo toda a gente o que se passou, isto é, o tempo que essas propostas levaram na comissão de finanças, cuja maioria pertence, não à oposição, mas sim à própria maioria.
O mesmo se deu, Sr. Presidente, com as propostas ultimamente apresentadas, as quais foram igualmente para a comissão de finanças que lá as teve durante muito tempo, não igualmente por culpa dos membros da oposição, mas sim somente por culpa dos seus membros que pertencem à própria maioria, pois o único homem que lá esteve por parte da oposição, e que ninguém é capaz de negar que não tivesse trabalhado dedicadamente, foi o ilustre Deputado o Sr. Barros Queiroz.
Êle, Sr. Presidente, soube cumprir o seu dever, trabalhando por elas, disse palavras claras, chamando às cousas os seus próprios nomes, pois a verdade é que parte dessas propostas, não prestando para nada, eram absolutamente inaceitáveis.
Apoiados.
Tinha o direito de o dizer, de o fazer, e fô-lo, no seu legítimo direito, como membro da comissão, não perturbando, em nada, êsses trabalhos.
Todos sabem, Sr. Presidente, as dificuldades que a maior parte das vezes havia para reunir essa comissão, não por falta dos seus membros pertencentes às oposições, mas sim dos seus membros pertencentes à própria maioria, razão por que não compreendo, Sr. Presidente, nem posso compreender, que o Sr. Presidente do Ministério nos venha dizer que lhes têm criado dificuldades, quando é certo que todas essas dificuldades lhes têm sido criadas, não pelas oposições, mas sim única e simplesmente pela maioria que não quere trabalhar.
Isto, Sr. Presidente, dá-nos a entender que a maioria vê que o Govêrno não pode viver, tolerando-o apenas.
Muitos apoiados.
Há casos, Sr. Presidente, que são exclusivamente da responsabilidade do Govêrno, pois, a verdade é que, sabendo-se, como já se sabe, que já existem apuramentos de determinados casos, o que facto é que o Govêrno não executa a lei como lhe cumpre.
O Govêrno, Sr. Presidente, não tem feito absolutamente nada, conservando-se naquelas cadeiras como uma múmia, pretendendo apenas viver, ainda que seja com balões de oxigénio.
Sr. Presidente: aguardarei as declarações do Sr. Presidente do Ministério respeitantes à abertura e solução da crise para depois fazer as minhas considerações.
Mas, vou mandar para a Mesa a minha moção que traduz o ponto de vista do meu partido.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
A moção é a seguinte:
A Câmara reconhecendo que ao Govêrno falta o prestígio e a capacidade para útil e proficuamente gerir os negócios públicos, resolve retirar-lhe a sua confiança e passa à ordem do dia. — Álvaro de Castro.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: concretizando o que tenho a dizer, vou mandar para Mesa a minha moção:
Leu.
Confesso que apesar da continuidade nas lutas políticas, me sinto vexado Intimamente, traduzindo-se isso até numa prostração física.
Não posso ouvir o Sr. Presidente do Ministério nos seus dias solenes, em que êle, invocando exemplos mais altos, pretende servir-se contra o Parlamento do chicote dos 9 rabos!
Confesso que me sinto vexado.
Apoiados.
A argumentação do Sr. Presidente do Ministério é pueril; só serve para vexar o Parlamento, porque demonstra a inferioridade do Poder Executivo.
Eu falo claro, e exijo igual clareza ao Sr. Presidente do Ministério; porque, se as suas faculdades não lhe chegam para tanto, abandone o cargo.
Apoiados.
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Pretende, transformando tudo, convencer o País por qualquer forma de duas cousas essenciais: Primeiro de que conseguiu realizar o milagre de estabilidade do Govêrno. Segundo, que resolveu o problema da ordem.
É o homem que maior estabilidade tem tido no Poder; e, usando desta maromba, resolveu o problema da ordem.
Alguém disse aqui um dia, e creio que o Sr. António da Fonseca mesmo o repetiu, que o Sr. Presidente do Ministério era como a abelha mestra que mata os zangãos depois de fecundada.
Resolveu o problema da estabilidade do Govêrno, mas não resolveu a estabilidade quanto à continuidade da acção financeira.
Matou o Sr. Portugal Durão; matou o Sr. Vitorino Guimarães; e acaba de matar o Sr. Velhinho Correia.
E prepara-se para assassinar o Sr. Ministro do Comércio, a quem a cruz do comércio já era bastante pesada, atirando-o para a pasta das Finanças.
E depois de ter esta continuidade de homens, depois de os ter morto por variadíssimos processos, que vão desde o escândalo, no caso do Sr. Velhinho Correia, até à impaciência, no caso dos Srs. Vitorino Guimarães e Portugal Durão, quere atirar as culpas do insucesso da sua obra para cima do Parlamento, usando dos seus dois conhecidos processos: o do chicote de nove rabos, e o da mais doce...(o termo não será muito parlamentar, mas não me acode outro aos lábios) a mais doce lábia que tenho conhecido.
Não temos, por tanto, tido no Sr. António Maria da Silva o homem que governa há mais tempo; temos tido o homem que mata mais Ministros!
Tem tido a seu lado pessoas competentes e que orientadas por outro, que não fôsse S. Ex.ª, teriam feito obra boa; mas para satisfazer a sua vaidade S. Ex.ª tem-as derrubado a todas, com os seus equilíbrios malabares que não são para servir o País, porque, se fôsse assim, já a maromba há muito lhe teria caído das mãos esmagando e com o seu próprio peso.
Mas vamos analisar os apregoados serviços de S. Ex.ª
Como é que S. Ex.ª tem resolvido o problema da ordem? Com uma facilidade espantosa.
Almoça com uma revolução, quando não se dá o trabalho de ter o mata-bicho de uma revolução, e janta quando lhe apetece com ela já desfeita.
E curioso preguntar: porque é que tantas revoluções se têm dado durante a sua gerência e tantas S. Ex.ª tem desfeito com aquela habilidade pessoal que o torna, segundo as suas próprias palavras, insubstituível?
Naturalmente, é porque a obra administrativa de S. Ex.ª não tem sido boa, e por isso essas revoluções têm razão de ser, ou então são inventadas.
Apoiados.
A não ser que haja uma terceira hipótese que pode ser a seguinte: não desarmar completamente as revoluções para se tornar exactamente o homem insubstituível.
S. Ex.ª não faz como nós outros, homens políticos, que dispersamos a nossa atenção por diferentes assuntos públicos. Não, S. Ex.ª deixou-se absorver por uma obcecação constante que é a de ser Govêrno, e por isso desfaz revoluções, mas deixa também que elas não se extingam completamente, para que ninguém o possa arrancar das cadeiras do Poder, a fim de se tornar mais duradoiro que Lloyd George!...
O Sr. Presidente do Ministério queria por esta forma deminuir o Poder, mas nós Parlamento temos o direito e o dever de não nos deixar deminuir.
Não dizer a verdade ou substituindo-a por uma aparência de verdade ou por uma cousa que é, claramente, a negação da verdade, — é uma cousa que fica mal aos homens, quanto mais aos Govêrnos.
Assistir impassível ao triste espectáculo de ver um Ministro afirmar uma cousa para no dia seguinte a negar ou dizer outra completamente diferente, é, uma cousa que fica tam mal ao Ministro que se desdiz como ao chefe do Govêrno com a sua cómoda impassibilidade.
Chega até a parecer impossível que o Sr. Presidente do Ministério que, pessoalmente, é uma pessoa de bem, não tivesse escrúpulos em assistir impassível a uma tal contradição de afirmações.
Acusam-nos, acusam-nos a nós parlamentares, de sermos os culpados dos constantes aumentos da circulação fiduciária.
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Se eu quisesse, neste momento, salvar a minha personalidade política dessa acusação ao Parlamento, eu diria que em toda a minha vida de Deputado uma única vez apresentei um projecto que implicava aumento de despesa, projecto que tinha por fim galardoar um homem que, tendo salvado a vida dalgumas dezenas de pessoas, se via a braços com a fome. Mas nem mesmo êsse projecto foi aprovado...
A essa comissão dos funcionários que tinham fome e que perguntavam porque se lhes não acudia a uma situação que ainda hoje, modificada, não corresponde, em ouro, a metade da equivalência do que era antes da guerra, o Sr. Presidente do Ministério dizia que eram as minorias que se opunham à votação da respectiva proposta de melhoria.
Eu, então, declarei que a minoria nacionalista não se opunha a essa votação, desfazendo a impressão causada pelo Sr. Presidente do Ministério.
Mas imaginemos por um momento o que é falso, que as minorias pretendiam aumentar as despesas públicas.
Havia dois meios de evitar isso, e já foram ditos claramente ao Sr. Ministro das Finanças:
S. Ex.ª recusava o seu «concordo» e o Parlamento votava contra. E estava a questão liquidada.
Mas o Sr. Ministro das Finanças pôs o seu «concordo» e^& maioria aprovou.
Àpartes.
O que se vê é que houve uma falta de inteligência na resolução dêsse assunto.
O Sr. Ministro das Finanças pôs o seu «concordo», e acusa depois os outros de aprovarem aquilo que êle aceitou.
É extraordinário!
Mas então chegamos a esta conclusão: que o Sr. Ministro pôs o seu «concordo», coacto.
Mas coacto porquê?
Alguém o obrigou?
O Sr. Vitorino Guimarães: — conheço-o muito bem — era incapaz de fazer isso.
Não foi também imposição da maioria, porque S. Ex.ª seria incapaz de se sujeitar a ela.
Fê-lo então por um sentimento de justiça; e então, o Sr. Vitorino Guimarães, o Sr. Presidente do Ministério e todos os votantes, desdobram a sua consciência e opõem-se a si próprios.
Mas é humano que se ataque o Parlamento por qualquer aumento de despesa que tinha o «concordo» do Sr. Ministro das finanças.
Àpartes.
Realmente, quando ouço certas cousas partindo da bôca dos Srs. Presidente do Ministério e Velhinho Correia, julgo uma aberração de momento de pessoas tam altamente cotadas como S. Ex.ªs
^Quais são as dificuldades que a minoria nacionalista tem pôsto à aprovação dos planos do Sr. Ministro das Finanças?
Quando o plano do Sr. Portugal Durão fracassou e se quebrou nas suas mãos para renascer intacto e com certos acrescentamentos nas mãos do Sr. Lima Basto, a minoria nacionalista discutiu.
O que queriam então? Que o Parlamento fôsse apenas uma chancela?
Eu creio que isto é uma falta de inteligência.
Mas quando o Sr. Lima Basto retomou intacto o plano que se havia quebrado nas mãos do Sr. Portugal Durão e que com tanta paciência tinha sido colado pelo Sr. Presidente do Ministério, depois de uma discussão na generalidade que foi elevada e viva, como é próprio das paixões dos homens — e se assim não fôsse não se dignificava a República — viu-se que a minoria nacionalista colaborou na especialidade, sucedendo que quando as propostas foram para o Senado quem melhor as acompanhou não foi o Sr. Lima Basto mas o Sr. Ferreira da Rocha, que teve de ir com êle para as explicar.
Apoiados.
Então isto é fazer oposição tenaz que mereça os indignados tropos que amanha estou já a ouvir contar nas colunas do Século e Diário de Noticias, apresentando o Sr. Presidente do Ministério como o maior homem que tem surgido?
Por mim declaro que não compreendo onde está a oposição tenaz a que S. Ex.ª se referia.
Querem apenas a chancela?
Mas então facão a ditadura declarada, porque a questão não é então com a minoria nacionalista, mas sim entre o Govêrno do Sr. António Maria da Silva e o Parlamento, instituição que êle quere desacreditar e levar à ruína.
Apoiados.
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Sr. Presidente: nós não somos crianças. Medimos o alcance dos nossos actos, medimos o significado de certas colaborações, sobretudo quando elas são prestadas por personalidades da envergadura do Sr. Barros Queiroz.
Sabemos que colaborar é um sacrifício, é perder terreno.
O Sr. Barros Queiroz prestou-se a êsse sacrifício, que só o dignifica, porque se verificou que, se S. Ex.ª não tivesse estado na comissão de finanças, as propostas salvadoras tinham morrido ali sem mais nada.
O Sr. Carvalho da Silva: — Registamos a declaração.
O Orador: — V. Ex.ª pode registar o que quiser.
Eu não estou só a falar para V. Ex.ª, estou a falar para a Câmara e para o País.
Mas, continuando, e depois de tam agradável registo do Sr. Carvalho da Silva, que amanhã nos dará o prazer de o fazer glosar no Correio da Manhã, depois dêsse registo, permita-se-me que tire dele o significado.
O Sr. Barros Queiroz propõe que não se deixo morrer totalmente a iniciativa.
A proposta ministerial, essa morreu, afundou-se, sem ninguém lhe estender a mão.
E êsse ninguém era a maioria dos Deputados da maioria dessa comissão; porque da oposição nacionalista estava apenas o Sr. Barros Queiroz, como presidente da comissão, cumprindo nobremente o seu dever.
^O que sucede então?
Dos escombros da proposta ministerial faz-se nascer um projecto que o Parlamento dirá se é ou não aceitável e, por êste serviço, o que se faz ao Sr. Barros Queiroz e à minoria nacionalista?
Faz-se aquilo a que, empregando uma frase popular, se chama dar com os pratos na cara.
Quando o Sr. Presidente do Ministério, com aquela sua facilidade de frase, falou nos planos dos seus colegas, eu olhei para o Sr. Vitorino Guimarães.
Não sei se S. Ex.ª ficou ou não impassível.
É tam difícil traduzir os sentimentos
que vão na alma de cada um, e a sua interpretação pode, por vezes, ser tam contrária à verdade, que não sei se S. Ex.ª teria tido um estremecimento de indignação, se um estremecimento de cólera, se um estrecimento de riso.
Desafio a pessoa mais arguta, mais experimentada em decifrar oráculos de Delfos a conseguir compreender o que o Sr. Presidente do Ministério quis dizer.
S. Ex.ª pegou em dois números que tinha na cabeça; misturou-os, confundiu-os, enguliu-os, deitou-os cá para fora, e a gente ficou sem perceber cousa nenhuma. Que pretendeu S. Ex.ª com as suas afirmações?
Vou procurar adivinhá-lo, no meio da confusão das suas ideas sôbre os planos dos seus colegas do Ministério.
Vejamos se consigo apreender o seu pensamento.
O Sr. Vitorino Guimarães tinha declarado ao País que era contrário ao aumento da circulação fiduciária tal qual como todos nós.
Mas o Sr. Vitorino Guimarães ia arrastado pela fatalidade das cousas e, como todas as pessoas obstinadas, embora boas, pretendia resistir à fatalidade da corrente. Em todo o caso, caminhando nela, porque a sua resistência era impotente, qual era a ilusão do Sr. Vitorino Guimarães? Fechava os olhos e dizia que andava para trás, quando caminhava para a frente.
Já disse que o Partido Democrático, o maior pregador que tenho encontrado contra o aumento da circulação fiduciária, embora lhe seja aplicável o velho conceito a respeito de Frei Tomás — faze o que êle diz, não faças o que êle faz — tinha encontrado a circulação em 730:000 contos, e citei, também, o número correspondente a Agosto, que tinha visto nos jornais.
Como hoje, porém, tive ocasião de ir ao Ministério das Finanças, posso já dizer o número de 20 de Outubro, ou sejam 1:334:386 contos.
Temos, pois, que a circulação foi pelo Partido Democrático aumentada de 604:386 contos, isto é, do quási 90 por cento.
Mas o Partido Democrático — deixem lá estar o Sr. António Maria da Silva — há-de chegar ao dôbro, há-de arredondar a conta para os 1. 460:000 contos.
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E no dia em que isso suceder farei aqui o respectivo registo.
Ora, o Sr. Vitorino Guimarães podia iludir-se a si próprio sôbre o aumento da circulação fiduciária e então declarou que ia fazer um aumento de circulação fiduciária a fingir.
É uma das variedades de aumento de circulação fiduciária que o Partido Democrático nos tem dado, e êle tem-nos dado de tudo: às claras um empréstimo de 40:000 contos para obras de fomento, ocultas, disfarçado como no caso actual, contra alei, embora o Ministro venha afirmar que não é verdade, ou então por êste processo: vamos fazer êsse aumento mas logo o desfazemos.
Esta variedade a fingir foi inaugurada pelo meu prezado amigo Sr. Vitorino Guimarães.
E então o que fez S. Ex.ª?
Declarou que ia aumentar a circulação em mais 140:000 contos e que ia lançar um empréstimo que lhe daria importância igual reduzindo então depois a circulação fiduciária às proporções anteriores.
O Sr. Vitorino Guimarães sabia corça certeza que os 140:000 contos nunca seriam para deminuir. Porque diz S. Ex.ª quando não lhe chegassem (e já que demonstrar que não chegavam) [...] de que dispunha pelo artigo 8.º [...] uma conta de maneio — e o termo é interessante — para maneiar as aquisições de cambiais provenientes de exportação. Tudo isto o que é?
Poeira deitada aos olhos do público. E a crença ingénua de que somos pessoas muito inteligentes e que o público é constituído por criaturas estúpidas, incapazes de atingirem esta e outras mistificações.
O Sr. Vitorino Guimarães sabia perfeitamente que não podia dispor dessas verbas.
O Sr. Vitorino Guimarães disse, é facto, que tinha, além das medidas tributárias que foram aprovadas,,outras a pôr em execução, citando-se entre elas a contribuição de registo e imposto de sêlo. Creio que era isto.
O Sr. Vitorino Guimarães: — E o contrato dos tabacos.
Outras medidas ainda teria trazido ao Parlamento se visse que elas tinham alguma viabilidade de serem aprovadas.
O Orador: — O acôrdo dos tabacos creio que deve dar 6:000 contos de aumento.
O Sr. Vitorino Guimarães: — Calculo êsse aumento entre 20 a 30:000 contos.
O Orador: — 30:000 contos esperava S. Ex.ª da aprovação do acôrdo dos tabacos; creio que esperava 80:000 contos do aumento do imposto de sêlo; e não sei a verba que esperava do aumento de contribuição de registo. Mas em qualquer das hipóteses encontramo-nos em presença, primeiro, dum número inferior ao deficit dêste ano, segundo, na presença de importâncias que só podiam ser cobradas ao fim de longos meses, quando tinha compromissos imediatos a satisfazer.
Donde conclui, que o Partido Democrático não conseguiria com tais medidas reduzir êste deficit e pelo contrário tenderia a aumentá-lo, como aumentou.
Então o Sr. Ministro das Finanças considerou que não poderia ter a tal verba necessária para as operações da compra de cambiais.
Nesse caso para que nos dá o artigo 8.º?
O Govêrno faltou ao que tinha sido obrigado pela lei.
O convénio findou por êste artigo; mas o Govêrno como podia fazer um convénio, lembrou-se que podia fazer vinte ou trinta.
O Govêrno está em cheque pela fôrça das circunstâncias que a si próprio criou.
Que confiança nós podemos ter nas suas declarações, se vinte e quatro horas antes assistimos à declaração de que não tinha sido aumentada a circulação fiduciária e hoje nos vêm dizer que sim?
Qual é o seu respeito pelo Parlamento?
Apoiados.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que, lhe foram enviadas.
O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: pedi a palavra para antes de se encerrar a sessão estando presente o Sr. Ministro da Agricultura, por isso que desejo ouvir de S. Ex.ª algumas palavras que confirmem ou não aquilo que consta acêrca da atitude da moagem no que respeito a compra de trigo exótico.
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Sr. Presidente: consta que a moagem pretende pela apresentação de facturas especialmente feitas, e contas especialmente feitas também, eximir-se ao pagamento que tem de fazer pela diferença do preço de trigo exótico, para a trigo nacional.
Sr. Presidente: não sei quais as medidas tomadas pelo Sr. Ministro da Agricultura; porém, se a moagem conseguir realizar êste seu objectivo, se é que o tem, redondará num benefício fenomenal dado a essa mesma moagem.
Trata-se, Sr. Presidente, de um assunto da maior gravidade; e, portanto, eu desejaria que o Sr. Ministro da Agricultura alguma cousa nos pudesse dizer no sentido de fazer desaparecer receios que porventura possam existir no espírito de todos aqueles que seguem com cuidado problemas tam importantes como êste é.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Agricultura (Joaquim Ribeiro): — Sr. Presidente: agradeço ao ilustre Deputado o Sr. Pedro Pita a oportunidade que me deu para dizer à Câmara o que há sôbre o importante assunto a que S. Ex.ª se referiu.
Consta na verdade que a moagem pretende apresentar contas especialmente feitas para se eximir ao pagamento dos direitos que lhe compete pela diferença de preço entre o trigo exótico e o do trigo nacional.
O que posso dizer a V. Ex.ª é que já chamei o presidente da comissão competente para lhe fazer saber a informação que tinha, tendo-lhe dado as ordens necessárias para averiguar o que há de verdade sôbre o assunto.
Do que V. Ex.ª pode estar certo, é de que empregarei todos os esfôrços no sentido de se apurar se na verdade qualquer cousa há de extraordinário, que se pretenda fazer para prejudicar o Estado. E, se tanto fôr necessário, virei ao Parlamento pedir uma medida excepcional de forma a que os interêsses do Estado não sejam prejudicados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção dos Srs. Ministros do Interior e da Justiça, a fim do que providências sejam tomadas acêrca de um caso que vou contar à Câmara e que considero da máxima gravidade.
Sr. Presidente: o padre de Celorico da Beira no dia 18 dêste mês foi assaltado em casa por três indivíduos.
Não o podendo lá encontrar, no dia seguinte foi assaltado numa estrada, por êstes mesmos três indivíduos que o meteram à fôrça num automóvel. Quiseram matá-lo, não o podendo fazer porque muita gente acudiu; mas impuseram-lhe que não mais voltasse a Celorico.
Sr. Presidente: o facto em si, tendo, aliás, sido praticado de- dia, é já significativo da falta de garantias individuais que nessa terra existe; mas há cousas mais graves.
Realmente, quem praticou êsses crimes foram o notário da comarca e presidente da comissão executiva da câmara municipal, e outros indivíduos conhecidos. E todos afirmam publicamente que lhes está garantida a impunidade; e garantida porquê?
Porque um dêles é o chefe democrático local e diz que nessas condições ninguém lhe pode fazer mal.
Mas há mais do que isso!
Tudo foi praticado com conhecimento da autoridade administrativa, que nem aplicou medidas preventivas, nem mantém as garantias individuais.
Eu não quero acreditar, Sr. Presidente do Ministério e Sr. Ministro da Justiça, que realmente por se tratar de elementos de influência local, pertencentes ao Partido Democrático, os elementos categorizados dêsse partido consintam na impunidade dêsses crimes e sobretudo que não queiram restabelecer as garantias individuais para nm indivíduo que nenhum mal fez e que só tem uma perseguição acintosa devido à sua profissão.
Parece-me que é um caso que reclama urgente providências, e estou convencido de que o Govêrno as dará.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Sr. Presidente: em resposta às considerações feitas pelo Sr. Dinis da Fonseca, tenho a dizer que
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não conheço nenhum dos factos, nem nenhuma das circunstâncias que S. Ex.ª apontou.
Se S. Ex.ª estiver realmente bem informado e as cousas se passaram como o ilustre Deputado as referiu à Câmara, é evidente que se trata de um caso sôbre que os tribunais poderão e deverão pronunciar-se, caso a sua acção seja chamada a exercer-se.
Eu não tenho dúvida em chamar a atenção das autoridades para isso.
S. Ex.ª que é formado em direito sabe muito bem que eu, na minha qualidade de Ministro da Justiça, não tenho intervenção em casos desta natureza.
Quanto ao procedimento das autoridades, o Sr. Ministro do Interior providenciará, procedendo como fôr de justiça.
Eis, Sr. Presidente, o que eu tenho a responder às considerações feitas pelo Sr. Dinis da Fonseca.
O orador não reviu.
O Sr. Sá Pereira: — Tenho recebido ultimamente inúmeras reclamações pelo facto de se jogar desaforadamente na praia do Espinho.
Eu sei, porque tenho sido disso testemunha, que o Sr. Presidente do Ministério tem dado às diferentes autoridades do País as mais terminantes ordens no sentido de que o jôgo seja energicamente reprimido.
Parece, pois, que são as autoridades que. desrespeitando as ordens superiores, se permitem fazer o que entendem. Sendo assim, o Sr. Presidente do Ministério só tem um caminho a seguir: castigar inexoravelmente as autoridades, que não cumpram as suas ordens.
É êsse procedimento que eu espero do chefe do Govêrno.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: ouvi as considerações do Sr. Sá Pereira, e posso dizer que, no que se refere a Espinho, hoje mesmo ordenei que imediatamente se fizesse cessar êsse estado de cousas. Tenho dito. O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, 2$, às 14 horas, com a seguinte ordem do dia:
Debate sôbre o provimento da pasta das Finanças.
Parecer n.º 607, sôbre medidas financeiras.
Parecer D.º 502, sôbre a tabela dos emolumentos judiciais.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 45 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Requerimento
Requeiro que, pelo Ministério do Interior, com a máxima urgência, me seja fornecida uma nota dos governadores civis e administradores de concelho, exonerados por não terem reprimido o jôgo ilícito durante a época estival.
25 de Outubro de 1923. — Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Projecto de lei
Do Sr. Angelo Sampaio Maia, estabelecendo os vencimentos de reforma para a médica que desempenhou serviço da sua especialidade no Instituto Feminino de Educação e Trabalho.
Para o «Diário do Govêrno».
Proposta de lei
N.º 550-E, que autoriza o Govêrno a rever o decreto n.º 7:880, de 7 de Dezembro de 1921, que criou a Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro, e a introduzir-lhe as alterações necessárias.
Aprovada.
Para a comissão de redacção.
Parecer
Da comissão de correios e telégrafos, sôbre o n.º 65-B, que aprova o contrato celebrado com a Companhia Western Union Cº relativo à concessão da amarração na ilha da Faial de um cabo telegráfico submarino.
Imprima-se.
O REDACTOR — João Saraiva.