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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 167
(EXTRAORDINÁRIA)
EM 23 DE NOVEMBRO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Afonso de Melo Pinto Veloso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Aberta a sessão com a presença de 32 Srs. Deputados, é lida a acta da sessão anterior e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Norton de Matos ocupa-se das taxas diferenciais de bandeiras, relativas à província de Angola, rectificando afirmações feitas na Câmara.
O Sr. Ministro do Comércio (Pedro Pita) presta esclarecimentos a tal respeito.
Usam novamente da palavra os Srs. Norton de Matos e Ministro do Comércio.
O Sr. António Maia trata da questão das melhorias de vencimentos no exército, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Guerra (António Oscar Carmona).
O Sr. Juvenal de Araújo insta pela publicação do resultado da sindicância ao caso dos pavilhões portugueses na Exposição do Rio de Janeiro, respondendo-lhe o Sr. Ministro do Comércio.
O Sr. Carlos Pereira ocupa-se do regime cerealífero na Ilha da Madeira, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Ministério (Ginestal Machado).
O Sr. Jaime de Sousa trata da greve marítima e do problema da navegação entre o continente e as ilhas dos Açores, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Marinha (Júdice Bicker).
Volta a usar da palavra sôbre o mesmo assunto o Sr. Jaime de Sousa.
O Sr. António Maia pede informações sôbre a aquisição de hidroaviões no estrangeiro, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Marinha.
O Sr. Tavares de Carvalho reclama contra determinados actos de um administrador de concelho, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Ministério.
Para explicações, sôbre o mesmo assunto, usam da palavra os Srs. Lelo Portela e Tavares de Carvalho.
É aprovada a acta e faz-se uma admissão.
Ordem do dia. — Prossegue a discussão sôbre a proposta de lei n.º 616-F, juntamente com o debate acêrca do relatório financeiro do Govêrno, apenso à declaração ministerial.
Conclui as suas considerações o Sr. Carvalho da Silva.
Usa da palavra sôbre a ordem o Sr. João Camoesas.
Pedem sucessivamente a palavra para explicações os Srs. Ministro das Finanças (Cunha Leal), Carvalho da Silva e João Camoesas.
Sôbre a ordem falam os Srs. Jorge Nunes, Lino Neto e Ministro das Finanças, que responde aos oradores precedentes.
A Câmara aprova a proposta de lei n.º 616-F, na generalidade.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. João Bacelar insta pela remessa de documentos pela pasta do Comércio.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.
Abertura da sessão, as 15 horas e 28 minutos.
Presentes à chamada, 39 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 58 Srs. Deputados.
São os seguintes:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto de Moura Pinto.
Albino Pinto da Fonseca.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António de Sousa Maia.

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Diário da Câmara dos Deputados
Artur Brandão.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Francisco Dinis de Carvalho.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
João de Sousa Uva.
Joaquim Brandão.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Pedro Ferreira.
Juvenal Henrique de Araújo.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel de Sousa da Câmara.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Vergílio da Conceição Costa.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Raspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Duarte Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim José de Oliveira.
José Carvalho dos Santos.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Henrique do Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Paulo da Cosia Menano.
Paulo Octávio de Sant'Ana e Silva.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso Augusto da Costa.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Dias.

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António Maria da Silva.
António Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sousa.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Viriato Gomes da Fonseca.
Às 15 horas principiou afazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 39 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofício
Da União Interparlamentar de Genebra, enviando as resoluções da Conferência de Copenhague, sôbre os direitos e deveres das minorias nacionais.
Para o Grupo Português da «União Interparlamentar».
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de
Antes da ordem do dia
O Sr. Norton de Matos: — Sr. Presidente: antes de dizer as breves palavras que tenciono pronunciar, de explicação ao que ontem aqui se passou, apresento a V. Ex.ª os meus cumprimentos, e faço o não somente ao homem que está desempenhando essa elevada função, mas também ao português a quem presto o tributo da minha consideração, respeito e estima, pedindo licença para na sua pessoa ilustre generalizar êstes cumprimentos á todos os membros desta Câmara.
Sr. Presidente: ontem, a propósito da questão da marinha mercante e da greve marítima, que tam graves prejuízos está causando à economia do País, disse-se que o Alto Comissário da República em Angola tinha dado ordem para que fôsse eliminado o diferencial do protecção à bandeira nacional e aos pôrtos nacionais, que incido sôbre a exportação daquela colónia portuguesa.
É sôbre êste ponto que eu quero fazer uma rectificação.
O Alto Comissário não podia dar essa

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ordem, porque as taxas de protecção nacional poderá de facto ser reduzidas, mas não eliminadas, porque as leis orgânicas coloniais tal não permitem.
Mas, Sr. Presidente, o ponto principal a que me quero referir é que essas taxas só podem ser reduzidas nos termos das citadas leis orgânicas.
Tem havido sempre o maior cuidado na província de Angola em seguir rigorosamente a lei, e a redução das taxas é função do conselho legislativo da colónia, podendo a iniciativa pertencer ao Alto Comissário ou a qualquer vogal do conselho.
O caminho a seguir é a apresentação de uma proposta, que pode partir do Govêrno ou de qualquer membro do conselho, e êste vota-a como entender.
Ao Alto Comissário, como delegado do Poder Executivo que, é, compete então aprovar ou não a votação do Conselho Legislativo.
Nestes termos, limitei-me apenas — em vista das propostas que foram feitas ao Govêrno Geral de Angola pelas associações comerciais daquela província, pedindo a eliminação do diferencial — a dizer que estaria de acôrdo não com a eliminação dessas taxas, o que a lei não permite, mas com a sua considerável redução, desde o momento que se procedesse nos termos da legislação em vigor, isto é, que fôsse apresentada ao conselho uma proposta nesse sentido, e êle lhe dêsse a sua aprovação.
Era isto que eu precisava explicar, porque serei sempre cioso de que se interprete, como se deve, a acção e o procedimento dos altos funcionários, que o Govêrno da República entenda pôr à frente das nossas colónias.
Êles têm de governar com as leis, que têm limites muito apertados e para fora das quais não se pode de forma alguma saltar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações e interino do Trabalho (Pedro Pita): — Sr. Presidente: pedi a palavra, apenas, para um esclarecimento.
A circunstância de o Sr. Norton de Matos ter pedido a palavra com a minha presença, faz supor que S. Ex.ª me atribuiu as palavras, a que fez referência.
Foi o ilustre Deputado Sr. Nuno Simões quem fez a afirmação de que na provincia de Angola se haviam reduzido essas taxas.
Eu não afirmei nada.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Norton de Matos: — Sr. Presidente: houve por certo uma confusão, pois eu não pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro do Comércio.
O facto de ter pedido a palavra foi provocado, como S. Ex.ª acabou de dizer, pela afirmação do Sr. Nuno Simões, aliás feita evidentemente no melhor intuito.
Se houvesse pedido a comparência do Sr. Ministro do Comércio, teria começado, após as saudações feitas à Câmara, por apresentar a S. Ex.ª os meus cumprimentos, como é de elementar correcção.
Porém, faço o agora com a maior satisfação, pelo muito respeito que tenho por S. Ex.ª, não só como Ministro, mas também como português.
Tenho dito.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações e interino do Trabalho (Pedro Pita): — Sr. Presidente: ùnicamente desejo frisar que o equívoco não foi da minha parte.
Quando saio, tenho o cuidado de preguntar ao Sr. Presidente se algum Sr. Debutado pediu a minha comparência antes de se encerrar a sessão, e S. Ex.ª disse-me que V. Ex.ª havia solicitado a minha presença.
Antes de terminar, quero agradecer ao Sr. Norton de Matos os cumprimentos que me dirigiu e que retribuo com o maior prazer.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: de há muito que eu desejava chamar a atenção do Sr. Ministro da Guerra para um facto que, a meu ver, contribui em muito para o desprestígio do exército, e para que se desenvolva ainda mais a indisciplina que nele lavra.
Sr. Presidente: no tempo do anterior Ministro da Guerra, foram publicadas duas circulares mandando pagar uma

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gratificação que foi alterada, assim como o coeficiente dos vencimentos para oficiais o sargentos.
Sucede, porém, que, sendo separadas as circulares, a que se refere aos sargentos manda pagar desde Janeiro e a que se refere aos oficiais desde Julho.
Sr. Presidente: desejava saber porquê esta diferença de critérios, quando a classe militar é toda ama.
Espero que o Sr. Ministro da Guerra me informe a tal respeito.
Sr. Presidente: tencionava apresentar uma proposta, dizendo respeito a uma purificação dos quadros do exército, e nessa altura teria pedido a publicação dela a fim de que os meus camaradas, por meio de correspondência o de discussão, pudessem elucidar-me sôbre as modificações a introduzir.
Sucedeu, porém, que pelo Ministério da Guerra foi publicada uma circular chamando a atenção dos Srs. oficiais para o n.º 29 do dever 4.º do Regulamento Disciplinar do Exército.
Parece-me que essa circular não devia chamar apenas a atenção dos Srs. oficiais, mas também a dos sargentos, ou antes, a de todos os militares, sem distinção.
Essa circular, porém, por mal interpretada, constituiu para muitos oficiais uma imposição, para não pedirem a publicação de cartas referentes ao meu projecto de lei e tanto assim é que, tendo sido até essa data publicadas bastantes cartas que me tinham sido enviadas e outras directamente às redacções dos jornais, desde êsse momento deixaram de publicar-se.
Sucede um caso muito mais interessante, e para o qual chamo a atenção do Sr. Ministro da Guerra. É que os sargentos do exército têm dois órgãos, onde se fazem as maiores críticas a assuntos de serviço e disciplinares.
Ora a disciplina deve não só ser apanágio dos chefes do exército, como de todos que pertencem ao exército, e por isso não se deve seguir o critério contrário do provocar ainda mais essa indisciplina.
Estou certo de que o actual Sr. Ministro da Guerra, oficial cujo passado é garantia mais do que suficiente de que sabe cumprir e fazer cumprir integralmente todos os regulamentos do exército, não permitirá um tal estado de cousas.
Se pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro da Guerra, não era para assacar a S. Ex.ª qualquer responsabilidade nestes factos, mas ùnicamente com o fim de chamar a sua atenção paru que não tornem a repetir-se.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (António Oscar Carmona): — Começo por cumprimentar V. Ex.ª, Sr. Presidente, e bem assim todos os ilustres membros desta Câmara, pois que é a primeira vez que tenho oportunidade de falar nesta sala, que nunca frequentei, nem como parlamentar, nem como Ministro.
Entrando no assunto que me fez pedir a palavra, vou responder ao distinto Deputado Sr. António Maia.
Serei muito conciso.
Tendo estado a tomar conta de todos os assuntos pendentes da minha pasta, tenho tido muito trabalho, e consumido muito tempo, em virtude da acumulação enorme de assuntos que há a resolver.
Para tomar conhecimento de todos, é indispensável o necessário tempo.
Em todo o caso, dos assuntos a que o Sr. António Maia se referiu, um dêles está já resolvido e o outro em caminho para obter solução satisfatória.
O primeiro refere-se ao pagamento do gratificações aos oficiais, determinado pelo meu antecessor.
O Sr. António Maia pregunta por que motivo essas gratificações são mandadas abonar desde Julho aos oficiais, e aos sargentos desde Janeiro.
Ora eu, para me elucidar, examinei o processo, e vi que não estava suficientemente clara a maneira por que se regulava êsse assunto no referido processo.
O Ministro anterior, porém, conformou-se e as gratificações foram dadas desde o 1.º de Julho aos oficiais, e aos sargentos desde Janeiro.
Portanto o processo não explica nada, não diz porque há uma tal divergência de critérios.
Todavia esta questão está sendo estudada e pode S. Ex.ª crer que será resolvida no sentido mais justo o equitativo.
Creio que, sôbre a primeira parte do pedido do Sr. Deputado, não posso dizer mais nada.
Quanto à segunda parte, tenho muito

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prazer em responder que resolvi por completo o ponto a que S. Ex.ª aludiu.
À circular é relativa a assuntos de imprensa, tratados por oficiais.
O Sr. António Maia: — O que eu desejaria era saber o que V. Ex.ª entendia com relação ao artigo 49.º
Qual é a interpretarão que dá à lei?
O Orador: — Eu entendo que todos podem tratar do assunto sejam oficiais, sejam sargentos.
Todos são militares, a circular abrange todos os militares.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Agradeço a V. Ex.ª as explicações, que me satisfizeram.
O Sr. Juvenal de Araújo: — É meu dever de cortesia, apresentar ao Sr. Ministro do Comércio os meus cumprimentos e juntamente a esperança de que S. Ex.ª fará tudo que puder e que a sua inteligência, que é muita, lhe sugerir.
Vou referir-me à já célebre Exposição do Rio de Janeiro, e preguntar em que altura se encontra a sindicância, pois o país precisa de o saber.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Pedro Pita): — Agradeço a S. Ex.ª as palavras que me dirigiu.
Quanto à sindicância, devo dizer que vai muito adiantada.
Estão tirando-se as culpas que vão ser enviadas aos indivíduos que se julgam abrangidos por essa sindicância, para se defenderem.
Já telegrafei ao Sr. Ricardo Severo, pedindo-lhe informações.
O orador não reviu.
O Sr. Juvenal de Araújo: — Agradeço a V. Ex.ª as explicações que me foram dadas e que me satisfizeram.
O Sr. Carlos Pereira: — Como não está presente o Sr. Ministro da Agricultura, ou peço a qualquer dos Srs. Ministros o favor de transmitir a S. Ex.ª as minhas considerações que serão breves.
Recebi telegramas da Junta Geral do Funchal protestando contra o decreto n.º 9:236 sôbre o regime, cerealífero que vai afectar o preço do pão.
Lembrava que êsse imposto poderia ser lançado sôbre a aguardente.
Era esta reclamação que eu queria apresentar ao Sr. Ministro da Agricultura.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Ginestal Machado): — Ouvi com toda a atenção as considerações do Sr. Carlos Pereira, e dir-lhe hei que as transmitirei ao meu colega da Agricultura, mas posso desde já dizer que o Govêrno está procurando resolver o assunto conforme o desejo dêsses povos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: pedi a palavra para agradecer ao Sr. Presidente do Ministério as explicações que me deu, as quais me dão quási a certeza de que as minhas reclamações vão ser atendidas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: permita-me V. Ex.ª e a Câmara que, sendo a primeira vez que tenho a honra de falar nesta Câmara depois do advento do actual Govêrno, eu dirija daqui as minhas saudações ao actual Sr. Ministro da Marinha, meu ilustre camarada, saudações estas que torno extensivas a todo o Govêrno.
Sr. Presidente: estou recebendo sucessivos telegramas e instâncias do meu distrito, reclamando urgentes providências do Govêrno para a situação criada pela greve marítima.
Sr. Presidente: sabe V. Ex.ª e sabe toda a Câmara que vinte dias durou o estado da crise, isto é, a passagem do anterior Govêrno para o actual, o que agravou bastante a situação, razão por que eu peço agora ao actual Govêrno para que tome imediatas providências no sentido de que com a maior urgência resolva, ou, pelo menos, tente resolver, esta situação criada pela greve marítima.
Nesta altura eu creio que nem a Câmara nem eu sabemos o estado em que se

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encontra o assunto, e assim eu venho pedir ao Sr. Ministro da Marinha o obséquio de me dizer a mim, à Câmara e a todo o País o estado em que se encontra a questão.
Vejo pelos jornais que foi nomeada uma comissão pelo Ministério da Marinha para estudar o assunto; porém, nós não sabemos o que resolveu essa comissão, o que ela apresentou ao Sr. Ministro da Marinha e as resoluções que tomou ou vai tomar, razão por que eu peço ao Sr. Ministro da Marinha o obséquio de nos dizer o que sabe sôbre o assunto, o qual já por mais de uma vez tem aqui sido ventilado e cujas consequências têm sido desgraçadas para a economia do continente, ilhas e colónias.
Dá-se com os Açores uma circunstância muito especial, qual é a de haver uma única carreira estrangeira por mós, o quê prejudica muitíssimo não só a exportação do continente para as ilhas, como a exportação das ilhas para o continente, muito principalmente a exportação das ilhas para o continente, que nós estamos sentindo bastante, como seja a vinda de gado para o Matadouro de Lisboa, manteiga e queijos, artigos êstes que vem das ilhas para o continente em larga escala.
O que eu posso garantir a V. Ex.ªs é que a exportação está completamente parada, o que está prejudicando bastante o comércio das ilhas.
Torna-se, pois, necessário, Sr. Presidente, que urgentes medidas sejam tomadas de forma á que o assunto se resolva, e quanto antes, para bem dos interêsses não só do continente como das ilhas.
Sr. Presidente: a crise durou vinte dias, conforme já tive ocasião de dizer à Câmara, o que agravou ainda mais a solução do assunto; porém, hoje, que já temos Govêrno, e que tudo está regularizado, eu espero que o Govêrno tome as medidas que julgar necessárias do forma a resolver quanto antes o problema.
Eu espero, pois, Sr. Presidente, que o Govêrno, e designadamente o Sr. Ministro da Marinha, diga à Câmara se já fez alguma cousa sôbre o assunto, e, se o não fez, o que tenciona fazer, de forma a acabar êste estado do cousas resultante da falta do transportes.
Creio que a comissão de técnicos que estuda o assunto não está longe dos pontos de vista que eu aqui apresentei, quando falei sôbre esta questão ainda no tempo da Govêrno transacto.
Terminando, peço a S. Ex.ª que nos tranquilize, dizendo-nos o que, porventura, já está feito e o que o Govêrno tenciona ir fazer sôbre o assunto.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu:
O Sr. Ministro da Marinha (Júdice Bicker): — Sr. Presidente: antes de responder ao meu camarada Sr. Jaime de Sousa, permita-me V. Ex.ª que eu cumprimente a Câmara na pessoa de S. Ex.ª, o que agradeça ao Sr. Deputado a quem vou responder as referências amáveis que me fez, reconhecendo que não sou digno delas.
Quando tomei posse da pasta que tenho a honra de gerir, tive uma conferência com o presidente da comissão que foi nomeada pelo meu ilustre antecessor, para tratar da questão da greve marítima. Instei com S. Ex.ª no sentido do se chegar a uma solução rápida, visto que o conflito travado está prejudicando em demasia a economia não só da Metrópole, como das ilhas e das colónias.
O Sr. presidente da comissão a que já aludi apresentou-me um relatório, do qual se conclui que as classes marítimas estão irredutíveis. Não aceitam salário menor do que exigem, nem concordam com qualquer alteração do horário de trabalho.
Os interêsses do País devem estar acima dêstes interêsses e assim o Govêrno tem que tomar providências para que os navios sejam postos a navegar.
Apoiados.
Nada mais tenho a dizer, acreditando que o Sr. Jaime de Sousa ficará satisfeito com esta minha resposta.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: agradeço ao Sr. Ministro da Marinha a resposta que acaba de dar-me sôbre as considerações que há pouco formulei, mas confesso que fiquei na mesma.
Pelas últimas palavras de S. Ex.ª compreendo que o Govêrno está procurando solucionar a questão por qualquer forma

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de que guarda reserva. Respeito essa reserva, mas devo acentuar que sôbre o horário de trabalho não poderá haver qualquer tergiversação.
E um ponto essencial para a vida da nossa marinha mercante. É indispensável que o horário de trabalho na nossa marinha mercante seja igual ao das marinhas mercantes estrangeiras.
As próprias classes marítimas deverão compreender que é do seu próprio interesso que assim suceda.
Quanto ao assunto relativo aos salários, julgo que não será difícil chegar-se a um acôrdo com os assalariados, alargando-se os respectivos salários como é de justiça, dada a enorme carestia da vida que traz grandes dificuldades a todas as classes.
Creio que tudo isto se poderá conseguir por meio de combinações a fazer.
Creio também que já se pode ir fazendo alguma cousa. Há navios que estão prontos a sair sob o ponto de vista material. Faça-se, pois, com que êsses navios deixem imediatamente o nosso pôrto. Logo que êsses navios saiam, o problema mudará de fase; a solução obter se há mais fàcilmente.
Estou certo de que o Sr. Ministro da Marinha estala do acôrdo comigo.
Não me dirijo ao Sr. Ministro do Comércio porque, ao contrário do que muitos julgam. S. Ex.ª nada tem com êste caso.
O Sr. Carlos Pereira: — Não apoiado.
O Orador: — Por agora o Sr. Ministro do Comércio nada tem com a questão.
Terminando, declaro que espero dentro em breve poder dirigir os merecidos louvores ao Sr. Ministro da Marinha pela acção que S. Ex.ª desenvolva no sentido de acabar com o actual estado de cousas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Marinha (Júdice Bicker): — Sr. Presidente: duas palavras apenas. Parece-me que não fui feliz na primeira explicação que dei ao Sr. Jaime de Sousa.
Comecei por mostrar a S. Ex.ª que as classes marítimas se mostram irredutíveis, não aceitando deminuïção dos salários pedidos, nem alteração ao horário de trabalho. Isto é, não transigem nas reclamações que fizeram.
Ora S. Ex.ª mostra-se convencido de que adoptando o novo horário de trabalho, igual ao de outras nações, com o que eu concordo, as emprêsas podem dar o aumento de salários pedido, terminando assim a greve.
Estimaria muito que assim sucedesse, mas tenho dúvidas. Entretanto, já hoje conferenciei com o Sr. Ministro do Comércio para se pôr em vigor o novo horário de trabalho.
O Sr. Jaime de Sousa: — E é também necessário pôr os navios a andar!
O Orador: — Mas isso é principalmente com os armadores e êles ainda não se dirigiram ao Govêrno, naturalmente porque julgam não terem ainda extinto todos os meios de resolver a greve. Mas fique V. Ex.ª certo de que empregarei todos os meios para pôr os navios a andar.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: tive a honra nesta casa do Parlamento, a quando do anterior Govêrno, de dirigir umas preguntas ao Sr. Ministro da Marinha.
A essas preguntas obtive resposta, com excepção duma, porque S. Ex.ª ficou de ir indagar para trazer à Câmara uma resposta precisa e entretanto caiu o Ministério. É essa resposta que eu pretendo obter, e como o Sr. Ministro da Marinha é outro, eu vou repetir a pregunta que então fiz, pedindo ao novo titular daquela pasta o favor de me informar logo que lhe seja possível.
A pregunta é esta: tendo sido mandados à Holanda dois oficiais da aviação marítima para comprarem aparelhos de aviação, eu desejava saber se o Conselho Técnico de Aeronáutica foi ouvido para a escolha dêsses aparelhos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Marinha (Júdice Bicker): — Sr. Presidente: em resposta ao ilustre Deputado António Maia, devo dizer que tomei nota da sua pregunta, mas

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Não estou habilitado a responder-lhe desde já. Vou por isso informar-me, para responder a S. Ex.ª depois.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente: como é a primeira vez que uso da palavra, estando êste Govêrno no Poder, presto ao Sr. Presidente do Ministério, de quem chamo a atenção para o assunto que vou tratar, as minhas homenagens e o preito da minha consideração, homenagens que estendo a todo o Govêrno.
Diz S. Ex.ª na declaração ministerial que não fará nem consentirá perseguições, e eu estou bem certo de que com conhecimento de S. Ex.ª elas não se farão. No emtanto e por isso mesmo, levo ao conhecimento de S. Ex.ª o que se passou em Sabrosa, minha terra natal. Ela não pertence ao meu círculo, mas como não está presente nenhum dos Srs. Deputados de círculo respectivo, tomo a liberdade de relatar a S. Ex.ª o que lá se passou.
O chefe político nacionalista da minha terra, no acto de substituição do administrador do concelho, demitiu, ou antes fez sair pela porta, o amanuense e o secretário nomeados interinamente, mas legalmente. Estendeu mais a sua perseguição, não querendo dar posso aos professores nomeados devidamente pelo último número do Diário do Govêrno, e escolhendo para administrador do concelho um seu parente, um seu filho, homem que não nos pode merecer confiança, por isso que é um pouco desequilibrado e por tanto capaz de todas as perseguições.
Eu faço esta prevenção a S. Ex.ª, certo do que procederá contra todas as violências que se deram na minha torra natal, e lembrando a S. Ex.ª que os poucos democráticos que existem naquele concelho terão em mim sempre um defensor acérrimo quando lhe forem feitas perseguições que êles não merecem porque são genuínos e dedicados republicanos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Ginestal Machado): — Sr. Presidente: começo por agradecer ao Sr. Tavares do Carvalho as suas palavras de cumprimento.
Quanto à reclamação de S. Ex.ª, respondo apenas que vou informar-me e que basta a confiança que S. Ex.ª tem em mim, não acreditando que com o meu conhecimento se farão perseguições, para estar certo de que procederei com toda a justiça, não consentindo violências, que nem a minha mentalidade admite.
Estou aqui para fazer cumprir a lei, e é isso o que vou fazer, doa a quem doer.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Trocam-se explicações entre a Presidência e os Srs. Tavares de Carvalho e Lelo Portela sôbre a primazia do uso da palavra para explicações entre êstes dois Srs. Deputados.
O Sr. Lelo Portela (para explicações): — Sr. Presidente: eu vou ser muito breve.
Tendo o Sr. Tavares do Carvalho feito aqui afirmações que são atentatórias da dignidade duma criatura que não se encontra nesta Câmara, cumpre-me a mim, como amigo da pessoa visada, expor a verdade dos factos e levantar os insultos que S. Ex.ª produziu.
Devo em primeiro lugar afirmar a V. Ex.ª que o Sr. Administrador do Concelho legalmente nomeado pelo Sr. Ministro do Interior é um velho republicano que tem prestado à República os mais altos serviços, o mesmo não se dando com o seu antecessor que ora um padre que fez parte da Traulitânia perseguindo republicanos.
Sr. Presidente: no concelho apontado foi levada a efeito uma série de perseguições a que o Sr. Presidente do Ministério certamente porá côbro.
Faço estas afirmações em virtude das reclamações apresentadas pelo Sr. Tavares do Carvalho.
Tenho dito.
Àpartes.
O orador não reviu.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente: desejo registar as palavras do Sr. Presidente do Ministério, confio em que S. Ex.ª não será capaz de permitir qualquer perseguição e agradeço a sua declaração.
Respondendo ao Sr. Lelo Portela, te-

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nho a dizer que S. Ex.ª não tinha que se admirar de eu vir protestar contra as violências praticadas no concelho de Sousel.
Creio que não insultei nenhuma pessoa do Partido Nacionalista, e só disse que protestaria contra quaisquer violências praticadas no meu concelho.
Não podia vir aqui com insultos contra ninguém, o estou sempre pronto a responder em todos os campos que S. Ex.ª queira, apesar de não ter o hábito de insultar ninguém.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a acta.
Como ninguém reclama, considero-a aprovada.
Admissão
Projecto de lei
Do Sr. Ministro das Finanças, remodelando todos os serviços públicos.
Admitida.
Para a comissão de finanças.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ordem do dia.
Continua no uso da palavra o Sr. Carvalho da Silva.
ORDEM DO DIA
Prossegue a discussão sôbre a proposta de lei n.º 616-F e acêrca do relatório financeiro do Govêrno.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: continuando nas minhas considerações ontem interrompidas, e sem tomar muito tempo à Câmara, vou ocupar-me da proposta do Sr. Ministro das Finanças relativa ao aumento da circulação fiduciária.
Já ontem tive ocasião de dizer que hoje como sempre somos por princípio absolutamente contrários ao alargamento da circulação fiduciária, por conhecermos as consequências que traz para a vida pública e para o encarecimento da vida.
Mas, porque somos absolutamente imparciais e sem paixão política, temos de reconhecer que o Govêrno do Sr. Ministro das Finanças se encontrava numa situação excepcional que lhe foi legada pelo Partido Democrático.
O Partido Democrático não deixou senão dívidas, conforme a declaração do Sr. Ministro das Finanças, e a quinze dias do vencimento do cupão externo deixou o Govêrno desprevenido para o pagamento dêsse cupão.
Nestas circunstâncias, o Govêrno tem de lançar mão de quaisquer resoluções. para não declarar a bancarrota contra os credores externos.
Àpartes.
O Sr. Ministro das Finanças, nesta situação aflitiva, vem pedir uma cousa que o Partido Democrático entendeu que estava autorizado a fazer, e quero referir-me à venda da prata que constitui a reserva das notas em circulação do Banco de Portugal.
Nós admitimos que S. Ex.ª se veja forçado a vir pedir o alargamento da circulação fiduciária, e só não poderá concordar com isso quem ponha a paixão política acima dos factos.
Quem tem de pagar tem de arranjar meio para o fazer.
Não se pode recorrer ao crédito interno, porque ninguém empresta um real, e também não se pode recorrer agora ao crédito externo.
O que o Sr. Ministro das Finanças tem a fazer é aumentar a circulação fiduciária.
O que não podemos é concordar com a forma como isso se vai fazer.
Diz-se que a prata que está no Banco é do Estado, e eu sustento que não é, porque é dos portadores das notas.
E uma garantia das notas, e o Banco tem o direito de não consentir que a prata saia de sua casa.
Bem sei que o Sr. Ministro das Finanças pode alegar, e com razão, que a lei n.º 1:824 concedeu a faculdade de vender essa prata, mas impunha obrigações, e por isso nos insurgimos contra essa lei, e lembro-me de que, sendo nós homens de ordem, não partidários de tumultos, não hesitamos em fazer tumulto na sessão em que essa lei foi votada, e ainda hoje me orgulho do ter tomado essa atitude.
Lembro-me de que nessa sessão estivemos meia hora a gritar para que de afogadilho essa lei não fôsse votada.

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Lembro-me de que nessa sessão se disse que todos os republicanos estavam unidos contra a atitude da minoria monárquica, mas os factos acabam de demonstrar quem é que tinha razão.
Conheço, de facto, a necessidade que o Sr. Ministro das Finanças tem de aumentar a circulação fiduciária, e o processo que S. Ex.ª adopta é o legal, porque a convenção de 1922 estava revogada, como nós sustentamos, e também como sustentou o Sr. Cunha Leal na oposição.
Porém, não posso deixar de repetir à Câmara, em duas palavras, o que disse quando se tratou do assunto.
O Govêrno do Sr. António Maria da Silva sustentou que não estava em vigor a lei e que não tinha sido revogada a convenção de 1992.
A proposta consistia em permitir que os suprimentos fôssem aumentados em mais 140:000 contos, dizendo o seu artigo 8.º que dessa importância total devia ser abatida a importância necessária para se constituir um maneio de cambiais de exportação.
O que eu então disse foi o seguinte:
Leu.
Há também o parecer da Procuradoria Geral da República.
Parece que eu quinze dias antes já tinha ido consultar a Procuradoria Geral da República para poder emitir a minha opinião.
Veja por aqui a Câmara o escrúpulo e imparcialidade com que nós discutimos as questões políticas som nos apaixonarmos, pondo acima de tudo os altos e superiores interêsses de Portugal.
Há, de tacto, uma lei que impõe ao Sr. Ministro das Finanças a obrigação de apresentar esta segunda proposta.
Todavia, como a minoria monárquica combateu e reprovou essa lei, não pode hoje votar essa medida.
Já a convenção de 29 de Dezembro do 1922, que foi sempre ilegal, referindo-se ao § único, contava como reserva metálica as cambiais de exportação.
Da mesma forma vem agora o Sr. Ministro das Finanças dizer-nos que, substituindo-se a prata por um valor efectivo em ouro, se constitui um novo fundo de reserva.
Mas há mais ainda.
Segundo ouvi dizer ao Sr. Ministro das Finanças, S. Ex.ª entende que pode emitir uma quantidade de notas que, em escudos, corresponda ao valor em escudos dêsse valor efectivo em ouro, ao câmbio do dia.
Ora isto é também absolutamente contrário à lei.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal) (interrompendo): — Trata-se duma interpretação contratual. Há divergências sôbre essa interpretação, e eu, como membro do Poder Executivo, que é delegado do Poder Legislativo, simplesmente venho pedir ao Parlamento que me habilite a tomar uma das interpretações como a melhor.
O Orador: — Nós somos coerentes com a opinião que sempre temos expendido.
Se amanhã o câmbio melhorar, V. Ex.ª compreende que a reserva que fica no Banco em valor efectivo em ouro será inferior à massa de notas em circulação.
Eu compreendo que o Sr. Ministro das Finanças, em face das necessidades que encontra e que lhe foram deixadas pelos seus antecessores, precisa dum aumento de circulação fiduciária. Há, pagamentos importantíssimos a satisfazer, como o cupão da dívida externa, e, portanto, confesso, com a maior imparcialidade, que não é êsse facto aquele que nos faz discordar do Sr. Ministro das Finanças, se bem que entendamos condenáveis os aumentos da circulação fiduciária como meio normal.
Mas a nossa maior discordância, aquela verdadeiramente digna dêsse nome, está apenas na forma desta base 2.ª, porque achávamos muito melhor que o Sr. Ministro das Finanças pedisse o aumento da circulação fiduciária, deixando ficar a prata muito quietinha no Banco de Portugal, como devia ser e como os portadores de notas tem direito a exigir.
Sr. Presidente: dito isto, frisando, que nós não temos a mais leve responsabilidade na situação que foi criada ao País, frisando que essa responsabilidade pertence principalmente ao Partido Democrático, e à minoria nacionalista pelo assentimento que lhe deu, pelas diligências que empregou na permanência no Poder do Partido Democrático, em todo o caso

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e ainda pela imparcialidade com que encaramos estas questões, nós temos de reconhecer que a proposta trazida ao Parlamento pelo actual Ministro das Finanças não pode ser considerada como o primeiro passo governamental para a realização da sua anunciada obra. Não; a proposta em questão é ainda obra do Partido Democrático.
Muitos apoiados.
A obra do Govêrno actual aguardamo-la, se é que as condições em que assumiu o Poder lhe permitem realizá-la.
Nós estamos cada vez mais convencidos de que tal não sucederá, ou porque o Govêrno, perante as imposições da maioria parlamentar, se verá obrigado a abandonar as cadeiras do Poder, ou porque, entrando no caminho das transigências e das adaptações, acabará por se identificar com os desejos dessa maioria, rasgando assim o seu programa e mostrando ao País que em Portugal, em regime republicano, só o Partido Democrático pode governar.
Talvez não falte muito tempo, talvez ainda na sessão de hoje nós tenhamos a prova dêste facto. E então eu terei de reconhecer, o País terá de reconhecer que quem manda é o Partido Democrático e que o Govêrno, esmagado sob a sua fôrça, não está em condições do executar uma obra talhada em moldes diversos dos dêsse Partido.
Seja, porém, qual fôr a atitude da maioria da Câmara, a nossa já está tomada e definida: apoio ao Govêrno em tudo quanto se relacione com a efectivação do seu programa.
E termino, Sr. Presidente, para que se não diga que nós procuramos por qualquer forma impedir a marcha governamental.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: contam os livros do história das religiões: que num período remoto da humanidade passava esta a sua actividade religiosa na crença denominada o Tabu. Os nossos longínquos antepassados dessas eras, dominados ainda quási inteiramente pela ferocidade nativa — ferocidade que, apesar da distância e da consumação das espécies, tantas vezes bruxolear nos olhos de tantos super-homens do nosso conhecimento — os nossos antepassados imaginavam que pelo simples facto de erguer a mão para o objecto do culto, imediatamente provocavam uma tam fulminante formação de fôrças naturais que para todo o sempre liquidavam o mísero audacioso.
Sr. Presidente: quando há dias, humildemente — porque sou humilde por temperamento e por educação — numa altura em que o Sr. Ministro das Finanças tinha um dos seus habituais assomos, eu esbocei um ligeiro sorriso de incredulidade. Logo alguém foi referir a S. Ex.ª essa manifestação da minha incredulidade pela atitude de S Ex.ª e logo mereci a condenação que nos tempos remotos da antiguidade sofriam aqueles que levantassem a mão contra o objecto do culto sagrado, assim logo S. Ex.ª me fulminou com a sua cólera e me reduziu a inferioridade da minha condição.
Se não represento uma parte imensa da consciência pública, exprimo pelo menos uma grande confiança nessa consciência pública.
Por consequência, embora eu não seja dos profissionais com maior técnica ca minha vida profissional, posso endereçar algumas críticas à sua atitude de super-homem. Principiarei por citar o principal vício da sua atitude. S. Ex.ª é determinado por uma atitude de ódio ao Partido Republicano Português.
Apoiados e não apoiados dos vários lados da Câmara.
O Orador: — Mais do que os apoiados valem as palavras anteontem proferidas pelo Sr. Ministro das Finanças e que eu nunca julguei que encerrassem tanto ódio.
Trocam se àpartes.
S. Ex.ª não hesitou, para nos atacar, em ferir a nação!
O Govêrno tem como sua natural aliada a minoria monárquica, que nesta casa do Parlamento representa a mais estrondosa imoralidade.
Foi assim que procedeu a monarquia no Govêrno Sidónio Pais por ódio ao Partido Democrático.
Eu quero considerar esta passagem do discurso de Mariano de Carvalho:
Leu.
Uma gente que aqui representa uma administração desta, ordem não tem o direi-

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to, não tem autoridade moral de dizer mal de quem quer que seja, o muito menos dum partido que tem dado todo o seu esfôrço para o levantamento da Pátria!
Disse o Sr. Ministro das Finanças que a verdade era só uma, pois poucas serão as pessoas que em Portugal estejam em condições de contradição com S. Ex.ª
Antes de provar esta minha afirmação vamos ver por que motivo vinha a pelo de debate que a verdade era só uma.
O Partido Republicano Português disse sempre a verdade ao País.
O Partido Republicano Português nunca ocultou, nem um só momento ocultou, a situação do Tesouro Público. Disse-a pela palavra dos seus homens, escrita e falada. Trouxe-a a esta Câmara, em mais do um lance.
Apoiados da esquerda.
A verdade é apanágio de todas as democracias. Exactamente porque elas se baseiam no máximo de intervenção dos cidadãos na administração da sociedade, elas têm de fazer apanágio da verdade mais do que qualquer outro regime. O Partido Republicano Português conhecia e conhece isso, e empraza quem quer que seja a dizer o contrário.
Nunca traiu a verdade: expôs sempre a verdade ao País.
O Sr. Francisco Cruz: — Palavras são palavras!
O Orador: — Compete a S. Ex.ª esmagar-me, como governamental, pedindo a palavra.
O Sr. Francisco Cruz: — Peço a palavra.
O Orador: — Compete a S. Ex.ª negar que num parecer de um correligionário meu só dizia a inteira verdade a respeito do deficit.
No relatório que o Sr. Vitoriuo Guimarães fez, precedendo a proposta ministerial, êle dizia as condições do Tesouro com absoluta exactidão naquele momento.
Palavras? Palavras, ouvi-as eu aos senhores, constantemente a embaraçarem a vida do País.
Apoiados das esquerdas e protestos das direitas.
Palavras? Com palavras, e pouco mais do que isso, criaram V. Ex.ªs as condições que foram agora encontrar e que numa atitude do recriminação inferior pretendem atribuir-nos a nós apenas.
Palavras? Ah! Sr. Francisco Cruz! A obra de ódio que se tem feito neste País e que nós fomos os únicos a resgatar daquelas cadeiras...
O Sr. Moura Pinto: — É o mal e a caramunha!
O Orador: — V. Ex.ª, Sr. Moura Pinto que se indigita como um dos primeiros contemplados pelo Poder que acaba de chegar às mãos do seu partido, poderá provar com factos e razões que se trata do mal e da caramunha.
Eu direi apenas a V. Ex.ª que esteve ali durante dois anos um Govêrno do Partido Republicano Português que os tratou a todos com uma isenção de que o Govêrno de agora, em poucos dias, já mostrou que não é capaz.
O Sr. Moura Pinto: — E eu 18 meses a apoiá-lo!
O Orador: — Havemos de fazer aqui a análise do que foi êsse apoio e então se verificará quanta abnegação foi necessária da nossa parte para podermos aceitar um apoio que chegou a ser enunciado daquele lado em lermos e atitudes que me forçaram uma vez a dizer, em àparte, a um nosso correligionário que há apoios que, se humilham quem os recebe, também não honram quem os concede.
Dizia S. Ex.ª, o Sr. Ministro das Finanças, olímpico, soberbo, extraordinário, maravilha fatal da nossa idade — que a verdade é só uma, uma apenas.
Ora nós vimo-lo sidonista, e anti-sidonista. Onde é que a verdade é só uma? Nós vimo-lo vociferando impropérios, erguer-se naquele sector contra a carga do arroz.
Assim o vimos na questão do arroz espanhol.
Vimo-lo caritativo depois.
Vimos S. Ex.ª nesta mesma casa ameaçar ir às burras o cofres fortes, com a guarda republicana arrancar para o País o que lhe era devido, vindo depois fazer

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uma política de aliança com aqueles a cujas burras dizia ser necessário ir.
Àpartes.
Vimo-lo fazer aqui a apologia do uma acção violenta e directa do povo, e toda a Lisboa o ouviu quando fazia do teatro Apoio quartel das suas operações de propaganda.
Vimos S. Ex.ª ser o preparador dessa atmosfera de ódios que teve como resultado a hora funesta de 19 de Outubro.
Àpartes.
O Sr. Lúcio Martins (interrompendo): — Nessa ocasião fugiu V. Ex.ª
Àpartes.
O Orador: — V. Ex.ª deve dizer quando me viu fugir e como.
Àpartes.
Sr. Presidente: se fazemos a comparação das palavras do Sr. Cunha Leal e dos seus actos, vemos que as verdades que sempre apregoa são contraditórias, e de tal maneira que como político é a personificação da versatilidade mais atrabiliária e incongruente.
Também S. Ex.ª nunca adoça as suas palavras contra os adversários, e elas têm sempre a celebridade do enxovalho, e ainda há poucos dias S. Ex.ª teve aqui palavras de bastante violência, dizendo que havia situações que, não sendo de roubo, são equivalentes às de ladrão.
Nessa mesma sessão eu tive de marcar o meu gesto de protesto contra as palavras de S. Ex.ª, pelos seus excessos, quando nos acusava de perturbadores, tendo-se o Sr. Álvaro de Castro levantado a protestar.
O Sr. Cunha Leal, peia crueza das suas palavras para com os oradores parlamentares, tem de recorrer às vezes ao duelo.
Àpartes.
Torna as questões políticas em questões pessoais de pistola e espada em punho.
Àpartes.
Por todos êstes factos, êste homem, em relação à nossa sociedade, faz lembrar um condensador, um ampliador das paixões ruins e selváticas que dormitam no fundo das almas humanas.
Àpartes.
Eu fui dos que acreditaram que o Sr. Cunha Leal, pelas provas de talento que tinha manifestado, havia de ser alguém na vida portuguesa, podendo servir de exemplo a todos os homens de boa vontade que se juntassem, para fazer a obra alta da ressurreição nacional.
Nesse tempo o Sr. Cunha Leal não tinha dado provas ainda da sua incapacidade e da insuficiência mental da sua acção política.
Apoiados.
Àpartes.
Pode ser-se um grande matemático, mas todos os dotes de capacidade não se apregoam, manifestam-se.
Ouvíamos dizer palavras de elogio à sua alta mentalidade; mas como político é dos mais modestos.
Àpartes.
Porque S. Ex.ª como político não excede a craveira média; não chega sequer à craveira mínima porque lhe faltam inteiramente aquelas qualidades de serenidade de sensatez, da auto-direcção absolutamente indispensáveis a um homem público.
É do conhecimento da psicologia mais elementar que a inteligência se manifesta através de várias modalidades, podendo um indivíduo ser muito inteligente numa modalidade e acentuadamente obtuso noutras. O Sr. Cunha Leal poderá ser um excelente engenheiro, um óptimo matemático, tudo o que quiserem; o que S. Ex.ª não é, com certeza, é um político. Digo-o sem qualquer espécie de ressentimento ou de despeito, políticamente, o Sr. Cunha Leal, longe de me merecer respeito, só me merece piedade. E quando me lembro daquele rapaz que, pela inteligência manifestada em várias modalidades da sua vida académica, era tido como uma esperança da sua geração, eu tenho pena, uma infinita pena de S. Ex.ª!
Posta, esta definição da minha atitude pessoal, não se vá julgar que eu sou um mísero invejoso da glória de S. Ex.ª Não; o que eu pretendo apenas, ajudado um pouco por certas faculdades de exposição de que sou dotado, é bem servir o meu País e a República.
Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Finanças quis fazer acreditar que os Govêrnos do Partido Democrático tinham cometido irregularidades, praticado verdadeiros crimes, tinham criado até uma situação incomportável à vida do Estado, pela sua falta de coragem em proclamar

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a verdade ou pela sua falta de decisão em a proclamar na devida oportunidade.
Sabe a Câmara que o Partido Republicano Português anunciou, em matéria fiduciária, uma atitude nitidamente flacionista. Quando Ministro das Finanças, o Sr. Vitorino Guimarães, trouxe-nos a esta casa do Parlamento uma proposta de empréstimo que constituía uma das medidas de que o Partido Republicano Português procurava lançar mão para efectivar essa sua aspiração. Ora se o Parlamento de então, especialmente a minoria nacionalista, dirigida entre outros pelo actual Ministro das Finanças, tivesse trabalhado com a rapidez que S. Ex.ª agora lhe vem exigir, se essa proposta tivesse sido discutida, aprovada e convertida em lei no ensejo próprio, outros teriam sido os resultados da sua aplicação e muito outros teriam ainda sido se em seguida à aprovação da proposta em questão se têm tomado aquelas medidas insistentemente preconizadas pelo Partido Republicano Português, tais como as que se referem ao imposto do sêlo e contribuição de registo.
O Partido Republicano Português, pelos seus homens de Govêrno, onde e em que é que falhou? Falhou em acreditar no patriotismo das oposições e em que se não faria qualquer espécie de especulação política em volta da desgraçada situação em que o País se debate; falhou em acreditar que o Congresso, convocado expressamente para apreciar as suas propostas de finanças, as discutiria e votaria o conjunto de providências necessárias para a vida política através da qual o Sr. Cunha Leal teia mostrado a sua contradição entre o Deputado Sr. Cunha Leal e o Sr. Cunha Leal. Ministro das Finanças.
V. Ex.ª no final do seu discurso dizia, da sua cadoira de Deputado, que era preciso fazer a conjugação de esfôrços; e depois, uma vez derrubado o Govêrno António Maria da Silva, tem uma política oposta e faz, na reunião do Partido Nacionalista, todos os esfôrços no sentido de uma política contrária.
Agora hão-de ficar amarrados a essas cadeiras em que terão horas amargas.
O Sr. Vergílio Costa: — Tudo isto, Sr. Presidente, a propósito da proposta ministerial.
O Orador: — A atitude do Partido Republicano Português, com orgulho o digo, é oposta à de S. Ex.ª e se os homens como o Sr. Ministro das Finanças soubessem o poder magoador de certas palavras, não as pronunciariam.
E veja V. Ex.ª, Sr. Presidente, como, se nós quiséssemos enveredar pelo mesmo sistema, pouco escrupuloso, de classificar os actos dos adversários políticos, teríamos assunto para falar.
Ainda no outro dia S. Ex.ª, quando aqui acusava o Sr. Vitorino Guimarães e outros homens dêste lado da Câmara de não terem querido entender a prosa formidável e extraordinária de S. Ex.ª, dizia: «os Srs. deviam ver as entrelinhas da minha proposta».
Êle próprio confessava, como Ministro das Finanças, como paladino da verdade, que trazia à Câmara uma proposta com «entrelinhas».
Apoiados.
Veja V. Ex.ª, Sr. Presidente, se nós fôssemos como o Sr. Cunha Leal, se nos deixássemos dominar pelo ódio, como nós poderíamos tirar efeito desta singular confissão de um Ministro das Finanças da República Portuguesa!
Não o somos, porém, felizmente, e limitamo-nos a mais uma vez assinalar a contradição notória entre as afirmações do homem que, dizendo-se paladino da verdade, acaba por confessar que traz a verdade encoberta na encruzilhada das entrelinhas da sua proposta!
Há outro ponto ainda em que S. Ex.ª, com a sua versatilidade peculiar, foi igualmente contraditório.
Disse S. Ex.ª que, durante 48 dias do último ano económico, o Estado esteve subvencionando o público com o fornecimento à moagem de esterlino para a compra do trigo ao câmbio de tal.
Sr. Presidente: perante a referência que pelo Sr. Vitorino Guimarães foi feita a esta afirmação, o estrénuo paladino da verdade que pela verdade é capaz do comprometer tudo, até o crédito da Nação, invocou, para se desculpar da inexactidão do que afirmava, a sua cultura matemática e a compensação dos erros dos números.
Sabe toda a gente o ódio que a parte mais numerosa da população portuguesa vota à moagem, e, se nós quiséssemos ser

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para o Sr. Ministro das Finanças enxovalhantes como êle costuma ser para homens até dá respeitabilidade intelectual e moral do Sr. António Maria da Silva, Presidente do Govêrno a que tive a honra de pertencer, poderíamos dizer que o Sr. Cunha Leal tinha escrito propositadamente esta parte da declaração ministerial, para nos embrulhar a nós numa cumplicidade de favores ilegais.
Mas nós não o dizemos e não fazemos nenhuma referência ao caso, exactamente porque entre a moagem e o Sr. Cunha Leal surgiram, ainda não vai longe, questões com as quais eu entendo que o Parlamento não tem que se importar.
Por isso não insisto neste assunto, limitando-me a constatar que o grande paladino da verdade, para defender uma expressão não verdadeira que afirmou, acaba, no terreno da política, por aludir à sua cultura matemática, falando em compensações nos erros dos números.
Sr. Presidente: creio ter dito o suficiente para provar que o Sr. Ministro das Finanças não tem as condições de mentalidade política e pessoal, nem as condições de equilíbrio fisiológico mental absolutamente indispensáveis para poder ser, com êxito para o País e para a República, Ministro das Finanças.
Demonstreio-o sem necessidade de ter uma palavra amarga para S. Ex.ª e sem ter precisão de usar, como S. Ex.ª costuma fazer quando se refere aos seus adversários, nenhuma daquelas frases contundentes, que sito mais vociferações do que frases, ficando a marcar uma deminuïção da forma parlamentar e a testemunhar uma tamanha capacidade para o ódio que chega à cegueira e à loucura.
Verifica-se, de toda a minha exposição, que êste paladino da verdade é, na acção partidária, de uma poliverdade absoluta, que nos dá o direito de supor que o Sr. Sr. Cunha Leal dêste momento não é o mesmo do momento seguinte.
Verifica-se que, afinal, êste paladino da verdade não é mais do que um odiento agente da acção política, aproveitando os factos, as circunstâncias e as situações para, através de tudo, atacar uma entidade política que lhe é adversa, mesmo à custa do crédito da Nação.
Verifica-se que êste partidário da verdade nua e crua a si mesmo se desmente no próprio documento que pretende apresentar como o espécime da mais pura verdade.
Verifica-se, portanto, que há razões e fundamentadas razões para S. Ex.ª ser, como dirigente político, das pessoas menos acreditadas no País e das pessoas às quais corresponde, na consciência nacional, uma maior corrente de desconfiança.
E porque tudo se verifica não posso deixar de declarar que não lhe dou o meu apoio.
Dizia S. Ex.ª num daqueles assomos, encarando o Parlamento inteiro, que não lhe mendigava o seu apoio. Pois eu não lho dou, não por sim pies coerência doutrinária, não por qualquer animadversão pessoal ou política, mas porque entendo que, não lhe dando, correspondo à maior corrente da opinião nacional e cumpro o meu dever de republicano e de patriota.
É por isso que nem por esmola o Sr. Ministro das Finanças terá o meu apoio.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem! muito bem!
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Sr. Presidente: quando pedi a palavra para responder ao Sr. João Camoesas, pedi-a na convicção de que, depois de uma larguíssima série de detalhes acêrca da minha personalidade política, acêrca do meu ódio declarado aos democráticos, depois, emfim, do uma larguíssima exposição de incidentes que importam só a mim próprio é não à situação financeira do País (Apoiados), o Sr. João Camoesas se resignava, finalmente, a entrar na apreciação da minha proposta.
Verifico, porém, que S. Ex.ª não quis, realmente, dar-me o prazer de dizer qualquer cousa a que eu, sob o ponto de vista financeiro, tenha de responder (Apoiados) e, assim, tenho apenas a declarar que, para evitar largas discussões, me guardo para o final, antes do debate se encerrar, usar da palavra em resposta a todos os oradores que me precederam, fazendo só excepção quanto àqueles que sôbre a proposta não disseram cousa nenhuma.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.

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O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: mal diria eu que teria de voltar a usar da palavra emquanto estivesse dada para ordem do dia a discussão de uma proposta que, afinal, está esquecida, visto que tudo se discute menos essa proposta.
Entendemos nós, dêste lado da Câmara, que, quando entramos aquela porta, o nosso primeiro dever é medir as responsabilidades que impendem sôbre os representantes da Nação, tratando de todos os assuntos com a necessária ponderação e não nos esquecendo um minuto sequer da situação financeira do País, legada pelo Partido Democrático, que é de tal maneira grave que se torna absolutamente incompatível com questiúnculas políticas ou com discussões que impeçam que se trate dos problemas nacionais. Assim, forçado a usar da palavra, em poucos minutos o farei.
Acusou-se a minoria monárquica de não ter politicamente autoridade moral para acusar o Partido Democrático.
E baseou-se essa acusação em que?
Baseou-se na leitura de um período de um discurso do grande estadista que foi Mariano de Carvalho, em que êste notável homem público se lamentava de lá fora se ter encontrado dinheiro em condições onerosas para o Tesouro Público.
Começo por declarar que a época da crise que o País atravessou no tempo da monarquia foi ocasionada por causas inteiramente opostas àquelas que levaram o País à situação em que hoje se encontra. Foi a chamada crise do Brasil que criou ao nosso País uma situação económica e financeira bastante melindrosa.
Sabe a Câmara que a crise do Brasil originou uma tal depressão cambial nesse país que a transferência do dinheiro em ouro para Portugal se não podia fazer, a não ser em condições onerosíssimas de que para essa grande colónia portuguesa, cujo patriotismo a toda a hora é revelado, resultariam prejuízos gravíssimos, absolutamente incomportáveis, tendo assim paralisado êsse caudal de ouro que vinha normalmente e que pesa de uma maneira extraordinária na nossa balança económica.
Proveio daí a crise de então e hoje sucede exactamente o contrário, visto que as circunstâncias cambiais do nosso País são de molde a constituírem o maior dos incentivos para que o ouro aflua. Nunca houve condições mais vantajosas para essa transferência se fazer, mas é tal a obra da República e, especialmente, a do Partido Democrático, que nem mesmo assim a colónia portuguesa no Brasil, por falta de confiança, por manifesta desconfiança, transfere o seu dinheiro.
É caso para agradecer o proporcionar-se-me o ensejo de fazer de uma forma tam evidente o confronto entre a obra da Monarquia e a obra da República. Em todo o caso, é extraordinário que a paixão política leve alguém a fazer afirmações como aquelas que ouvimos.
Queixava-se então o grande estadista que era Mariano de Carvalho de só encontrar dinheiro lá fora em condições onerosas. Queixa-se, porém, agora o Sr. Ministro das Finanças de não encontrar nem um centavo, quer em boas quer em más condições.
Eis o confronto. Mas há mais do que isso.
Fácil teria sido resolver a bancarrota, declarada honradamente pela Monarquia, pelos processos que a República lança mão, se homens públicos da Monarquia, sem quererem saber dos interêsses do País, tivessem querido entrar no caminho iniciado pela República de fabricar notas para fazer face aos maiores esbanjamentos, às despesas mais escandalosas, esbanjando assim dinheiro à custa da fome de quási todos os portugueses.
E ainda há o arrojo de se falar na situação brilhantíssima que a Monarquia legou à República, principalmente nascida da confiança do País num regime que jamais deixou andar os navios do Estado a serem arrestados pelos pôrtos estrangeiros por não se pagarem as suas dívidas?! Então, ainda há o arrôjo de acusar a Monarquia quando o Sr. Ministro das Finanças veio dizer que não se pagaram as letras do crédito de três milhões de libras?! Onde está a autoridade de um partido ou de um regime.
Trocam-se àpartes.
Sussurro.
Onde está a autoridade dêsse partido ou dêsse regime?! É por tudo isto que nós cada vez temos maior honra, mais orgulho em dizer que constituímos a mi-

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noria monárquica que defende a honra, a honestidade e o patriotismo dos homens da Monarquia.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: não é minha a culpa se o Sr. Ministro das Finanças se limitou ao aspecto inteiramente técnico das considerações que trouxe a esta Câmara. A êle, como técnico, cabe a responsabilidade, pelo que disse e pelo que mandou dizer lá fora, de ter provocado o meu discurso, que nunca teria sido proferido se o não tivessem sido as expressões de S. Ex.ª, de ataque injustíssimo ao partido a que me orgulho de pertencer. Nem mais uma palavra, e tantas podia eu dizer, se quisesse aproveitar a excepcional posição parlamentar em que me colocou o Sr. Ministro das Finanças com as suas rápidas considerações a respeito do que eu proferi aqui. Somos de uma raça diferente, somos de uma educação diferente, somos de uma mentalidade diferente, e por isso tenho a generosidade de não aproveitar a deixa.
Ao Deputado que acaba de proferir a palavra arrojo, só porque eu aqui trouxe uma frase que fotografa a autoridade administrativa que diz defender, a êsse Deputado cujas inconveniências temos de suportar por compostura parlamentar, eu responderei lendo à Câmara um discurso de um malogrado estadista da monarquia.
Podia ainda lembrar os célebres cartazes afixados nas ruas de Paris, vexando a honra e o crédito do País.
Podia citar até aquele dito que o extraordinário prosador Raúl Brandão atribui ao político da monarquia, Eduardo Vilaça.
Conta Raúl Brandão que Eduardo Vilaça, encontrando uma vez em Paris o Sr. João Chagas, já então Ministro da República, lhe preguntara o que haviam feito dos ladrões políticos da monarquia, em que cadeia os haviam metido; ao que João Chagas respondeu: chamaram-se tantas vezes ladrões uns aos outros que nós, pela insistência, acreditámo-lo.
Muito mais podia citar mas não é preciso; para definir a imoralidade da administração monárquica basta recordar as palavras proferidas pelo Sr. Mariano de Carvalho.
O orador não reviu.
O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Finanças apresentou-se a esta Câmara como partidário da verdade, dessa verdade que se exprime pela clareza dos números.
Não há acusações nem retaliações.
Há simplesmente a exemplificação da verdade, que era ocultada ao País pelo Partido Democrático, que todos se pudessem convencer de que o Govêrno do Sr. António Maria da Silva era o mais útil ao País.
O Sr. Ministro das Finanças não veio lançar o descrédito do País. O descrédito existe.
O que S. Ex.ª veio fazer foi desfazer a mentira com que tem sido há tanto tempo iludido o País.
Apoiados.
Sr. Presidente: ouvi com pasmo o discurso do Sr. João Camoesas, visto que êle não correspondeu à minha expectativa. Eu espera vá que S. Ex.ª, homem que quando esteve no Govêrno quási me fez lembrar o Marquês de Pombal, quando da apresentação da sua reforma da instrução, viesse ao debate, com alguma cousa que nos esclarecesse sôbre o que para nós era ainda uma cousa vaga; mas não, S. Ex.ª fez um discurso, de ataque cerrado que reflecte o desespêro daqueles que vêem fugir-lhes o Poder.
Apoiados.
O Partido Democrático sabe melhor do que ninguém de quanto foi capaz o nosso sacrifício amparando os Govêrnos da maioria!
Durante quinze dias o Partido Democrático provou que não podia governar, embora ainda tenha esperança de se sentar naquelas cadeiras, mas o País é que não se compadece com essas esperanças.
Não tenho ambições políticas; quando falo nesta Câmara é apenas porque entendo que nesta casa eu tenho o direito e até o dever de expor a minha opinião.
A questão é simples, a circulação fiduciária estava ilegalmente excedida embora o Partido Democrático, sem falar a verdade, o negasse ao País.
Já vêem, pois, que o que se vem pedir à Câmara são os meios indispensáveis

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para o Thesouro Público poder fazer face a todos os encargos e mais ainda pedir -lhe a legalização das irregularidades cometidas pelo Sr. Velhinho Correia.
Muitos apoiados.
Sr. Presidente: eu devo dizer, em abono da verdade, que, quando ontem tive ocasião de ouvir o Sr. Velhinho Correia falar tantas vezes em notas, notas, me deu a impressão de que S. Ex.ª estava com remorsos do que tinha feito, sentindo o pêso dessas notas que o Sr. Ministro das Finanças vem pedir, as quais têm por fim, conforme S. Ex.ª já aqui declarou muito claramente, substituir as falsificadas, pois a verdade é que o que o Sr. Ministro das Finanças vem pedir à Câmara é a legalização de uma cousa irregular, pretendendo apenas legalizar êsse aumento da circulação fiduciária e dar ao Govêrno aquilo que lhe é indispensável.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Para se ver como êsse aumento foi feito, basta ler os boletins do Banco que dizem o seguinte:
De 15 de Agosto a 22 do mesmo mês, 17:968 contos; de 22 de Agosto a 29 do mesmo mês, 18:630 contos; daquela data a 5 de Setembro, 18:578 contos; o que nos dá um aumento de 53:176 contos.
Na semana que vai de 26 de Setembro a 3 de Outubro a circulação aumentou 29:193 contos.
Assim, Sr. Presidente, o que eu desejava era que me explicassem se eu durante êsse período, era Ministro das Finanças.
O Orador: — Sr. Presidente: segundo o parecer da Procuradoria Geral da República, vê-se que o aumento da circulação fiduciária foi de 50:000 contos, aumento êsse feito não pelo Govêrno actual, mas sim pelo anterior.
O que eu acho verdadeirante extraordinário, Sr. Presidente, é que alguns Deputados da maioria venham condenar a proposta do Sr. Ministro das Finanças, por isso que ela envolve aumento da circulação fiduciária quando é certo que êsse aumento da circulação fiduciária se devo única e simplesmente ao anterior Govêrno.
Vem o Partido Nacionalista ocupar o Poder numa hora difícil e de amarguras.
Não sei o que será para êle o dia de amanhã, mas tenho a esperança de que, a despeito da má vontade, do rancor, senão, da vaidade de alguns, o bom senso, o patriotismo e a isenção, que são necessários para engrandecer e prestigiar a República, hão-de predominar.
E, no acto de conferir àquele Govêrno os poderes bastantes para habilitar o Tesouro Público a enfrentar a situação, êsse apoio, amparo e auxílio não lhe faltarão.
E ainda creio que essa atitude será traçada pelo Partido Democrático, que o Govêrno conta com as medidas que pediu, lamentando eu esta guerra crua entre os homens, que se esboça até em longos e preparados discursos, que não têm em mim outra cousa que não seja o procurar ganhá-la em jogos florais.
Mas, Sr. Presidente, há acima do todos o de nós uma idea única: é a de sermos patriotas sendo republicanos, porque assim somos conjuntamente as duas cousas.
Sr. Presidente: habituado, desde há muito, a ver atacar Ministros, tenho constatado com particular interêsse a atitude de alguns parlamentares, certo do que há sempre uma idea oculta, qualquer cousa que não tem uma imediata justificação, que os leva a combater à outrance seja o que fôr, sem hesitações de nenhum espécie.
Mas o Partido Democrático que de ali saiu, e sabe que para lá voltará, deve lembrar-se sempre da situação que aos outros criou, não querendo para êle aquilo que está querendo para os outros.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: cada um dos grupos políticos desta Câmara tem, por certo, independência o liberdade nas suas apreciações, e especialmente nas que vem fazendo sôbre o relatório anexo à declaração ministerial e à primeira das propostas do Sr. Ministro das Finanças. Sem dúvida. Mas o que nenhum dêsses grupos tem é mais liberdade e independência e, acrescentarei mesmo, mais autoridade do que o Centro Católico representado por êste lado da Câmara. É que, ao passo que os outros lados da Câmara, sem excepção alguma,

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têm tido responsabilidades de govêrno e se têm proposto sempre à conquista do Poder Público, os católicos, como tais aqui representados, nunca foram Govêrno nem pretendem, como partido, a posse do Poder Público. A sua preocupação é assegurar o respeito das liberdades religiosas que são as mais fundamentais da consciência humana; é promover que na política e dentro de cada grupo, sem prejuízo da respectiva autonomia, triunfem os homens mais dignos, técnica e moralmente; é defender, por todos os meios legais, os altos interêsses da nacionalidade. E esta situação que nos dá agora uma autoridade, que maior ninguém tem, sôbre o objecto do presente debate.
O relatório anexo à declaração ministerial mostra-se, realmente, um documento bem deduzido e cheio de verdade. Não traz, porém, novidade. Põe apenas à vista uma catástrofe que todos pressentíamos e vínhamos adivinhando de há muito: a catástrofe financeira da nossa administração pública.
Quando, a tal propósito, vejo de todos os lados da Câmara levantarem-se vozes a querer declinar as responsabilidades dessa catástrofe, não posso deixar de reconhecer como é bem certo o antigo adágio português: «Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão».
As responsabilidades da angustiosa situação financeira a que chegou o País pertencem aos «democráticos», aos «nacionalistas», aos «monárquicos» e aos partidos, em massa, que têm ocupado o Poder desde 1820 até hoje. A êsses especialmente; mas não só a êsses. A todos os portugueses pela brandura dos costumes, a todos os portugueses pela caça ao emprêgo público, a todos os portugueses pelo cultivo do empenho para tudo; a todos os portugueses pela política de campanário, a todos os portugueses que fizeram do Estado a miseranda organização parasitária a que está reduzido.
Quere a Câmara nina prova inequívoca, categórica, fulminante?
Está no deficit constante do Orçamento Geral do Estado desde 1820. E refiro-me a 1820, porque só desde então é que começou a haver, entre nós, orçamento sujeito a um sistema regular e permanente. Interpõem-se aí apenas as excepções de 1836 com Passos Manuel, de 1891 com José Dias Ferreira e de 1913 com Afonso Costa; mas essas excepções ficaram como esfôrços isolados na nossa desgraçada história financeira.
Nunca nos lembrámos de que éramos um povo pequeno; e lançámo-nos, levianamente, a imitar as mais poderosas potências como a Inglaterra e a França, organizando serviços à grande e fazendo despesas de grandes senhores. Na fase dos orçamentos caracterizadamente individualistas e burgueses, realizámos estradas, caminhos de ferro e edifícios públicos; sem preparação e sem método, gastando dinheiro à doida, num movimento megalomânico que ficou célebre na nossa história económica; na fase dos orçamentos sociais, de que Lloyd George em 1909 nos deu modêlo, continuámos na mesma incontinência, com os seguros sociais, bairros sociais e outras obras de análogo significado, como se tivéssemos uma bolsa de valores inesgotável, sem fundo.
Inegavelmente, pois, a derrocada financeira a que chegámos é uma resultante dos desmazeles e culpas da geração actual, acumulados sôbre os das gerações anteriores. O deficit crónico, em que temos vivido, parece atingir, por vezes, as proporções duma tremenda afirmação de «incapacidade nacional».
Sejamos francos, e penitenciemo-nos.
O mal é de todos: de todos tem de vir também o remédio. Congreguemo-nos, sobretudo os honrados e honestos, para dominar a onda dos que nada têm a perder, dos sem carácter, dos bandidos políticos...
A proposta em discussão do Sr. Ministro das Finanças é o primeiro passo. Por isso, em princípio, dou-lhe a minha aprovação.
O aumento dó circulação fiduciária, que contém, está ao abrigo da lei de 29 de Julho de 1887.
Difere dos aumentos que se têm feito nos últimos anos, sem autorização legal, e outros, embora com autorização legal, sem a garantia económica do artigo 13.º, § 1.º, da sobredita lei.
Chamam-se falsas as notas emitidas sem autorização legal; mas não o são menos as que, emitidas com autorização legal, o foram sem a correspondente reserva metálica. A lei não cria valores, regula-os.

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Urgente é a necessidade da aprovação da proposta sujeita; mas igualmente urgentes são as que a devem completar, e seguir-se-lhe já, por uma ampla e profunda remodelação dos serviços públicos.
Os católicos estão a postos para todos os sacrifícios, desde que tenham a garantia do seu proveito imediato para o bem comum.
Salvemos a Pátria, salvando-nos com ela.
Tenho dito.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Sr. Presidente: agradeço ao Sr. Carvalho da Silva a atitude patriótica que adoptou em face da minha proposta. Agradeço igualmente ao Sr. Lino Neto as suas palavras de concórdia e de paz. Contudo S. Ex.ª parece-me que foi ligeiramente injusto: acusou-nos a todos, indistintamente, de estarmos a procurar atirar responsabilidades uns para cima dos outros; ora isto não é bem assim, não é exacto que todos tenham procedido dessa forma ao longo do debate parlamentar.
Quanto à declaração ministerial, em cumprimento de afirmações feitas na oposição, se anexou um relatório sôbre a nossa situação financeira, houve o cuidado de tirar dele todas as palavras que pudessem representar uma agressão para quem quer que fôsse.
Ninguém pensou em assacar responsabilidades a A ou B; pensou-se apenas em dizer ao País a linguagem clara da verdade, para que o País, compenetrado da sua situação, tivesse por bem apoiar aqueles que, querendo fazê-lo sair dela, lhe exigem os maiores sacrifícios, mas que, colocados também em face duma situação em que havia desperdícios, estavam dispostos a cortar tudo.
Apoiados.
Por conseguinte, se houve retaliações políticas, elas não saíram, nem da minoria nacionalista, nem do Govêrno. O Govêrno ainda agora quere conservar-se estranho a elas.
Apoiados.
Mas há alguma cousa que pode, de facto, ferir alguns, não me ferindo, porém, a mim: é a verdade.
Acusam-me de ser partidário do inflacionismo, e como não me hei-de dar ao prazer, que não é uma retaliação política, de ler a V. Ex.ªs alguns dos números que eu já tive ocasião de citar, em resumo, num àparte ao Sr. Jorge Nunes? Como não hei-de dizer que no balancete do Banco de Portugal, correspondente à semana que vai desde 15 de Agosto até 22, houve os seguintes aumentos?
Leu.
Como é que eu me hei-de coïbir de dizer também que nas semanas seguintes apareceram novos aumentos, que dão a soma total de 53:000 contos?!
Evidentemente que a quem é acusado, pelos autores desta obra, de inflacionista, assiste o direito de dizer estas verdades.
Muitos apoiados das direitas.
E eu nem compreendo para que foram precisos aumentos de 53:000 contos de circulação fiduciária! Seria o deficit do Estado tam grande que justificasse êsses aumentos? Seria algum fenómeno que tivesse havido em Portugal? Seria um terramoto? O que seria? Não sei! Sei que foram 53:000 contos de aumento na circulação fiduciária.
Apoiados.
Eu demonstrarei a V. Ex.ªs que se a proposta que eu apresentei fôr alterada os recursos que me facultam são superiores às dívidas que o Govêrno actual herdou.
Os encargos da divida externa são de 50:000 contos, o desvio da dotação de 40:000 contos que eram destinados a obras de fomento é de 25:000 contos, o imposto de trânsito é de 20:000 contos, os débitos para a sua regularização são de 17:000 contos e as dividas aos serviços são de 21:000 contos.
Mas neste momento surgiu ainda uma nova origem para desgosto:
Havia-se encomendado à Alemanha, para pagamento de reparações de guerra, material para caminhos de ferro que importava em 441:000, libras, ou sejam uns 78:000 contos. Já demos uma parte, falta o resto, e o Govêrno alemão deu o prazo até 29 do corrente mês.
Vamos pagar êste com quê? Com a prata?
Eu obedeço, eu cumpro o que o Parlamento resolver; nada há que me faça considerar inabilitado para ser Ministro das Finanças.
Creio que as pessoas que me julgam muito exaltado me não conhecem, na in-

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flexivel rigidez da minha vontade, e julgam, porventura, que ela incide só sôbre pequenas cousas ou julgam talvez essas pessoas que as minhas promessas e ameaças sé não cumprem.
Juro pela minha honra que cumprirei todas. Se me derem dinheiro para pagar aos funcionários, pago; se me não derem não pago.
Se me não derem dinheiro para pagar ao funcionalismo e para pagar o material e para pagar as diversas despesas, declaro, sob minha palavra de honra, que não pagarei. Se me hão derem dinheiro para cousa nenhuma, nada pagarei.
Apoiados.
A responsabilidade da situação caiba a quem couber. Cada qual fica no seu lugar.
Apoiados.
Aceitarei tudo que o Parlamento votar, porque o Ministro não pode ser mais do que o intérprete da vontade da Nação.
Assim vê V. Ex.ª como eu interpreto perfeitamente a vontade do Parlamento, porque aceito tudo quanto V. Ex.ªs queiram votar.
Evidentemente o Parlamento pode indicar ao Poder Executivo o que convém fazer; pode dar-lhe uma ou outra indicação pela circunstância de lhe fornecer dinheiro.
Pôde apenas dar-lhe uma fracção dêsses pagamentos péla. circunstância de lhe fornecer dinheiro. E pode indicar-lhe a suspensão de pagamentos, se lhe não der nenhum.
V. Ex.ªs têm na sua mão à solução do problema.
Aceitarei o que quiserem. Não tenham receio de arcar com todas as responsabilidades. Cumprirei é que resolverem.
Apoiados.
O Sr. Carvalho da Silva frisou uma nota que me parece justa.
Disse S. Ex.ª que era uma profunda injustiça acusar um Govêrno, que se encontra era face duma situação que não criou de ser o culpado de adoptar a única solução que a situação tem.
Criaram em primeiro lugar uma circulação fiduciária excessiva que não foi votada, nem autorizada pelo Parlamento; criaram em segundo lugar uma enorme dívida.
Não vejo outro meio de que o Estado possa imediatamente lançar mão, a não ser aumentando a circulação fiduciária para pagar o que deve e para continuar pagando. E não vejo outra maneira do legalizar a situação criada com os suprimentos já feitos ao abrigo da lei, pelo Banco de Portugal, do que aquela que sem ser ao abrigo da lei se empregou.
Apoiados.
Não posso deixar de dizer — porque o contrario feria a minha sensibilidade e a minha inteligência — que foram culpados desta situação aqueles que não se importaram em saltar repetidas vezes sôbre a Constituïção, permitindo que a circulação fiduciária aumentasse 53:176 contos.
Digam-me se aqueles que vêm legalizar a situação que não criaram, e vêm procurar que lhes forneçam meios para pagar os débitos dos outros, são culpados dessa situação, do aumento da circulação fiduciária.
Apoiados.
Há cousas que é preciso respeitar.
Por muito mesquinha que seja a inteligência dos homens dêste Govêrno, é preciso não ofender essa inteligência. Não há o direito de pegar numa situação que os outros deixaram, para nos atirar à cara com ela.
Apoiados repetidos.
Não há êsse direito.
Apoiados.
V. Ex.ªs em sua consciência, por mais adversários que sejam dêste Govêrno, hão-de reconhecer que tenho razão.
Apoiados.
O assunto, Sr. Presidente, está suficientemente esclarecido, e assim a Câmara fará o que entender, visto que o Govêrno e o Ministro das Finanças não têm mais do que acatar as resoluções da Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Não há mais ninguém inscrito. Vai, pois, proceder-se à votação da proposta na generalidade.
Os Srs. Deputados que aprovam a proposta na generalidade, queiram levantar-se.
Está aprovada.
O Sr. João Bacelar: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção

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do Sr. Ministro do Comércio para um requerimento que eu já fiz nesta casa do Parlamento, pedindo uma nota exacta dos funcionários que foram à Exposição do Rio de Janeiro, bem como as importâncias que foram ganhar.
Espero, pois, que o Sr. Ministro dê as suas ordens no sentido de que essa nota me seja enviada com a maior urgência possível.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Pedro Pita): — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar ao ilustre Deputado Sr. João Bacelar que ouvi com a máxima atenção as suas considerações, podendo estar certo de que vou dar ordens no sentido de que êsses documentos lhe sejam enviados na primeira oportunidade.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é na segunda-feira à hora regimental, com a mesma ordem do dia que estava dada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 20 minutos.
Documentos mandados para durante a sessão
Última redacção
Do projecto de lei n.º 207, que autoriza a Câmara Municipal de Vila Nova de Paiva a vender em hasta pública diversos lotes de terrenos baldios.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
Requerimento
De José Gonçalves Sardinha, pedindo a readmissão ao serviço dos caminhos de ferro do Sul e Sueste.
Para a comissão de administração pública.
O REDACTOR — Avelino de Almeida.

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