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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 168
(EXTRAORDINÁRIA)
EM 26 E 27 DE NOVEMBRO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Afonso de Melo Pinto Veloso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
PRIMEIRA PARTE
Sumário. — Abertura da sessão. Leitura da acta. Correspondência.
Antes da ordem do dia. — O Sr. António Maia usa da palavra para interrogar a Mesa.
Responde-lhe o Sr. Presidente, voltando a usar da palavra o Sr. António Maia, para explicações.
O Sr. Alberto Vidal justifica e envia para a Mesa um projecto de lei, para o qual requere a urgência e a dispensa do Regimento.
É aprovado êste requerimento, depois de terem usado da palavra, sôbre o modo de votar, os Srs. Almeida Ribeiro e Alberto Vidal.
O Sr. Meireles Barriga requere a discussão imediata do parecer n.º 267.
O Sr. Ministro do Comércio (Pedro Pita) manda para a Mesa uma proposta de lei sôbre os Transportes Marítimos do Estado, e ainda outra proposta de lei sôbre os tribunais dos desastres em trabalho, pedindo urgência para as suas propostas.
O Sr. Carlos de Vasconcelos requere a dispensa do Regimento para a primeira das propostas apresentadas pelo Sr. Ministro do Comércio.
Usa da palavra sôbre o modo de votar o Sr. Pedro Pita.
O Sr. Carlos de Vasconcelos pede licença para substituir o seu requerimento por outro que verbalmente formula.
Usam da palavra sôbre modo de votar os Srs. Carlos Pereira e Pedro Pita.
O Sr. Carlos Pereira volta a usar da palavra para explicações, seguindo-se-lhe os Srs. Pedro Pita e Carlos de Vasconcelos, que pede autorização para retirar o seu requerimento.
É aprovado o requerimento do Sr. Meireles Barriga.
O Sr. Cancela de Abreu chama a atenção do Sr. Ministro do Interior para as violências praticadas pela policia de Lisboa contra alguns espectadores do Teatro S. Luís.
Responde-lhe o Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Ginestal Machado).
O Sr. Carvalho dos Santos chama a atenção do Sr. Ministro do Comércio para o estado de ruína em que se encontra uma parte da escola comercial de Viseu.
Responde lhe o Sr. Ministro do Comércio (Pedro Pita).
O Sr. António Correia pede providências contra os autores do arrombamento duma ermida em Nisa.
Responde-lhe o Sr. Presidente do Ministério (Ginestal Machado).
É aprovada a acta e são concedidas duas licenças.
Ordem do dia — (Discussão na especialidade da proposta n.º 616-F).
É aprovado sem discussão o artigo 1.º
Entrando em discussão o artigo 2.º, usa da palavra o Sr. Vitorino Guimarães que envia para a Mesa uma proposta de emenda.
É admitida.
Usam em seguida da palavra os Srs. Ministro das Finanças (Cunha Leal) e Carvalho da Silva.
Volta a usar da palavra o Sr. Ministro das Finanças, seguindo-se-lhe os Srs. Jorge Nunes e Carvalho da Silva
O Sr. Carlos de Vasconcelos requere que a sessão seja prorrogada até a liquidação do assunto em debate.
Usam da palavra sôbre o modo de votar os Srs. Velhinho Correia e Jorge Nunes, sendo aprovado em seguida o requerimento do Sr. Carlos de Vasconcelos.
Usam da palavra os Srs. Velhinho Correia e Francisco Cruz.
É rejeitada a emenda do Sr. Vitorino Guimarães.
Efectuada a contraprova, requerida pelo Sr. Tavares de Carvalho com a invocação do § 2.º do artigo 116.º do Regimento, confirma-se a rejeição por 47 votos contra 45.
É aprovado o artigo 2.º
Entrando em discussão o artigo 3.º, o Sr. Cunha Leal envia para a Mesa um artigo novo, que é admitido.
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Diário da Câmara dos Deputados
Usa da palavra o Sr. Carvalho da Silva, requerendo que o artigo novo seja discutido depois de votadas as bases anexas à proposta de lei.
É aprovado em prova e contraprova.
O Sr. António Fonseca envia para a Mesa um artigo novo.
É lido e admitido.
Usam da palavra os Srs. Ministro das Finanças, Carvalho da Silva, Jaime de Sousa, Fausto de Figueiredo, Velhinho Correia, Carlos Pereira, Norton de Matos, Ministro das Finanças, Ministro dos Estrangeiros (Júlio Dantas) e António Fonseca.
É interrompida a sessão até as 21 horas e 30 minutos.
Reaberta a sessão, usa da palavra o Sr. Carlos Pereira, seguindo-se-lhe o Sr. António Fonseca, que usa da palavra para explicações, e Ministro das Finanças (Cunha Leal).
O Sr. António Fonseca requere autorização para retirar a sua proposta.
Usam da palavra, sôbre o modo de votar, os Srs. Rêgo Chaves, Ministro das Finanças, Velhinho Correia, Carlos Pereira, Jaime de Sousa, José Domingues dos Santos, Fausto de Figueiredo, Ministro do Comércio (Pedro Pita), novamente o Sr. Ministro das Finanças, Vasco Borges, Carvalho da Silva, Ministro dos Estrangeiros (Júlio Dantas), António Fonseca e Domingos Pereira.
A Câmara autoriza a comissão de finanças a reunir durante a sessão.
O Sr. Presidente interrompe a sessão, declarando que ela prosseguirá às 15 horas.
SEGUNDA PARTE
Às 15 horas e 20 minutos do dia 27 reabre a sessão.
Sôbre o modo de votar o requerimento do Sr. António Fonseca, para retirar a sua proposta, e usam da palavra os Srs. António Maia, Nuno Simões, Jaime de Sousa, Jorge Nunes e Plínio Silva, que manda para a Mesa uma moção de desconfiança, declarando o Sr. Presidente que não tem oportunidade de a pôr à votação por se tratar apenas do modo de votar.
Responde o Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal).
O requerimento do Sr. António Fonseca é aprovado.
Continuando a discussão da proposta do Sr. Ministro das Finanças, é aprovado o artigo 3.º e último.
É aprovada um requerimento do Sr. António Maia para que a comissão de guerra possa reunir durante a sessão do dia seguinte.
Entra em discussão a base 1.ª da proposta de lei.
O Sr. Vitorino Guimarães justifica uma proposta de substituição e aditamento que é admitida.
Reponde o Sr. Ministro das Finanças.
Seguem-se os Srs. Carvalho da Silva, Jorge Nunes, Velhinho Correia, que justifica propostas, que são admitidas.
Volta a usar da palavra o Sr. Vitorino Guimarães.
É aprovada a base proposta pelo Govêrno em prova e contraprova.
São rejeitadas as propostas do Sr. Velhinho Correia, sendo prejudicada a proposta do Sr. Vitorino Guimarães.
Entra em discussão a base 2.ª
Os Srs. Carlos Pereira e Vitamino Guimarães apresentam propostas que são admitidas, e sôbre que se manifesta o Sr. Ministro das Finanças.
Manda uma proposta para a Mesa o Sr. Sampaio Maia, sôbre que se manifesta, combatendo-a, o Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Velhinho Correia manda para a Mesa três propostas, que são admitidas.
Usam da palavra os Srs. Carlos Pereira, Fausto de Figueiredo, Ministro das Finanças, Carvalho da Silva e Paiva Gomes.
Procede-se às votações, sendo dispensada a leitura da última redacção.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. — Projectos de lei. Propostas de lei. Requerimentos.
Presentes à chamada 47 Srs. Deputados.
São os seguintes:
Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Amadeu Leito de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Augusto.
Tavares Ferreira.
António de Sousa Maia.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
David Augusto Rodrigues.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Germano José de Amorim.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João de Ornelas da Silva.
João Salema.
Joaquim Brandão.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
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Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virginio do Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Manuel Alegre.
Manuel Ferreira da Rocha.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Afonso Augusto da Costa.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Dias.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
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Diário da Câmara dos Deputados
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Jaime Duarte Silva.
João Estêvão Águas.
João Pina de Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Serafim do Barros.
Jorge Barros Capinha.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
Júlio Henrique de Abreu.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Maximino do Matos.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Viriato Gomes da Fonseca.
PRIMEIRA PARTE
Pelas 15 horas e 20 minutos, com a presença de 47 Srs. Deputados, declarou o Sr. Presidente, aberta a sessão.
Leu-se a acta e o seguinte
Expediente
Oficio
Da Sociedade Histórica da Restauração de Portugal, convidando a Câmara dos Deputados a assistir à sessão solene que se realiza no dia 1 de Dezembro, pelas 15 horas, na Câmara Municipal.
Para a Secretaria.
Telegrama
Da Associação Comercial da Beira, protestando contra a lei do sêlo.
Para a Secretaria.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: no outro dia fiz um requerimento para ser promulgada como lei uma proposta respeitante aos militares mortos na guerra.
O artigo 32.º da Constituïção diz:
«Artigo 32.º O projecto de lei aprovado numa das Câmaras será enviado à outra, que sôbre elo deverá pronunciar-se o mais tardar na sessão legislativa seguinte àquela em que tenha sido aprovado. Em caso do falta será promulgado o texto aprovado pela Câmara que iniciou o projecto. «
A Constituïção não diz mais nada. Parece-me que ora a própria secretaria do Congresso que devia enviar o projecto para a Presidência da República; mas vejo que por deliberação da Mesa é dado o envio dêsse projecto para a Presidência da República:
Eu desejaria que V. Ex.ª me informasse qual o motivo dêste despacho.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Não está nada regulamentado nesse sentido; mas o artigo 29.º diz o seguinte:
«Artigo 29.º O projecto de lei adoptado numa das Câmaras será submetido à outra; e, se esta o aprovar, enviá-lo há ao Presidente da República para que o promulgue como lei. «
Neste caso deve ser o Senado quem envia o projecto à Presidência da República.
O Sr António Maia: — Nessa conformidade, eu entendo que, tendo sido desta Câmara a iniciativa dêsse projecto, deve ser esta Câmara quem o envie à Presidência da República.
Não concordo com o despacho da Mesa.
O orador não reviu.
O Sr. Alberto Vidal: — Mando para a Mesa um projecto que estabelece duas épocas do exames à Faculdade de Di-
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reito, a exemplo do que se faz com outros cursos secundários.
Peço a urgência e a dispensa do Regimento para o meu projecto.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Eu desejaria saber se esto projecto prejudica os que já estão dados para ordem do dia?
O Sr. Alberto Vidal: — Não desejo prejudicar os projectos que já estão dados para ordem do dia; desejo apenas que o meu projecto entre em discussão depois dêsses.
Foi aprovado.
O Sr. Meireles Barriga: — Requeiro que entre imediatamente em discussão o parecer n.º 267.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações e interino do Trabalho (Pedro Pita): — Sr. Presidente envio para a Mesa uma proposta de lei para liquidação dos Transportes Marítimos do Estado.
Houve dúvidas sôbre a interpretação da lei n.º 1:346; e eu, consultando a Procuradoria Geral da Republica que foi também da minha opinião, trago agora a solução desta questão.
É necessário que diga que no momento, em que apresento esta proposta de lei, o encargo que o Estado tem tido com os navios dos Transportes Marítimos é verdadeiramente formidável.
Basta que se conheça que, no período decorrido de Outubro de 1922 a 30 de Setembro de 1923, êsses serviços deram ao Estado um prejuízo de 6:240 contos.
Sensação.
Uma voz: — E parados no Tejo!
O Orador: — Devo esclarecer que alguns dêsses navios têm sido fretados e hão produzido algum rendimento; mas, porque a maior parte dêsses navios não estão classificados, as companhias de seguros não tem querido segurar êsses navios.
São os Transportes Marítimos que seguram os vapores.
O resultado é que tendo o fretamento de alguns dos navios produzido uma receita de 4:760 e tantos contos, a despesa que com êsses navios o Estado tem tido necessidade de ter, foi do 4:587. 000$04.
Quere dizer: deram apenas um lucro, se se pode chamar lucro a isso, de 170 contos.
Há vapores que estão em estado verdadeiramente desgraçado.
Há necessidade absoluta de no mais rápido período do tempo proceder-se à liquidação dêsses navios.
Tenho hoje a opinião, depois do exame a que procedi, de que não anda muito longe da verdade a comissão liquidatária que propus ao Govêrno fazer-se a liquidação dos Transportes Marítimos, afirmando que era absolutamente necessário que o Estado vendesse os vapores, embora por um tal preço que mais parecesse tê-los dado.
Não foi só no País que tivemos ensejo de verificar o que se verificou, a respeito dos Transportes Marítimos. Apropria América teve de experimentar as consequências dessa administração, o por isso teve de vender os navios.
Na França a comissão oficial propôs ao Govêrno a venda dos navios.
É por isso que peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se concede a urgência a esta proposta de lei; e peço à comissão respectiva que dê, com a urgência que lhe fôr possível, o seu parecer.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (interrompendo e dirigindo-se ao Sr. Ministro do Comércio e Comunicações, e interino do trabalho): — V. Ex.ª pode dizer-me o que é feito do recheio do vapor Pôrto que fez a viagem presidencial ao Brasil?
Consta-me que as pratas estão desaparecendo.
O Orador: — Aproveito o ensejo para apresentar à Câmara uma outra proposta de lei pela pasta do Trabalho que interinamente ocupo.
Anima-me o propósito de dotar os serviços a meu cargo com os melhoramentos que me sejam possíveis.
Criaram-se tribunais especiais para julgamento de assuntos de natureza especial.
Não afirmo que fôsse má a criação de determinados tribunais; mas tenho de re-
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conhecer que as circunstâncias do Tesouro são tais que se tornam urgentes todas as reduções de despesa.
Pelo que respeita aos tribunais de assistência ao trabalho, tive de verificar hoje que os tribunais criados em 1919, há 4 anos, tiveram, desde essa data, um, dois, processos, outros três e ainda outro cinco processos.
Não há razão nenhuma que justifique a existência de tribunais nestas condições, porque representam um encargo que aparentemente parece não ser para o Tesouro, mas que no fundo o é. Dir-se há que o custeio dêsses tribunais compete ao Instituto de Seguros Sociais e que o prejuízo que daí possa resultar é pago pelos Instituto de Seguros Sociais. Não é.
É manifestamente um êrro; porque quanto mais reduzidas foram as receitas dêsse Instituto que são aplicadas à beneficência da assistência, quanto maior será a quantia despendida pelo Estado para aplicar à Assistência Pública.
Apoiados.
Nestas condições, tendo procurado ver o movimento dêsses tribunais e a vantagem que êsses tribunais podem oferecer, tive ocasião de verificar que só se justificam plenamente os tribunais de Lisboa, Pôrto e um pouco o tribunal de Setúbal.
Se é certo que o tribunal de Lisboa tem cêrca de 800 processos e o do Pôrto 5:000, e portanto, se impõe a manutenção dos tribunais de Lisboa, Pôrto e Setúbal, entendi que havia possibilidade de reduzir a maioria dos tribunais, limitando a área da sua acção à comarca onde êles exercem as suas atribuïções e não pròpriamente ao distrito. Já assim remediava a situação, passando as funções daqueles tribunais para os ordinários. É claro que disso só resultam vantagens; porque os juizes pelas condições da sua carreira, pela sua prática de julgar, oferecem condições de imparcialidade e rapidez, o que muitas vezes não sucedia nos tribunais especiais, dada a sua constituição, e o facto de se nomearem para seus juizes indivíduos como curso acabado de concluir e, portanto, sem prática. Além disso, os escrivães dos tribunais ordinários poderiam fazer o serviço respectivo, não havendo, portanto, necessidade dos outros.
Apoiados.
E pelo que diz respeito a Setúbal, como lá existe um distrito criminal, êle podia fazer os julgamentos necessários.
De forma que assim, apenas deixando ficar o júri especial, com representantes das associações de classes patronais, e operárias, quando as haja, consegue-se uma vantagem e uma apreciável deminuïção do despesa. Realmente, a economia que resulta para o Estado é muito grande quando os contratos chegarem ao seu têrmo.
Com efeito, o Estado terá de respeitar os contratos; mas eu estabeleço certas, vantagens para os contratados, as quais, sendo aceites pelos interessados, fazem caducar os seus direitos estabelecidos nos contratos. Assim aos juizes eu dou a faculdade de poderem concorrer aos cargos de delegados do Ministério Público, isentando-os do tirocínio de seis meses exigido por lei.
Aos escrivães, bem como aos oficiais de diligências, eu dou preferência para o preenchimento das vagas respectivas que se dêem. Mas os seus direitos de contratados terminam logo que os interessados aceitem quaisquer outros cargos públicos.
Por outro lado, os funcionários que estão acumulando funções terão de optar por uma dentro dum curto prazo. Desta maneira a economia que resulta da minha proposta de lei é flagrante.
Também para esta proposta peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que consulte a Câmara sôbre se lhe dispensa a urgência.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Consultada a Câmara é aprovada a urgência para as duas propostas do Sr. Ministro do Comércio.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Sr. Presidente: requeiro a dispensa do Regimento para a proposta de lei que acaba de ser apresentada com referência aos Transportes Marítimos.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações e, interino, do Trabalho (Pedro Pita): — Sr. Presidente: reconheço que a proposta de lei dos Transportes Marítimos é da urgência que há pouco salientei; mas não há vantagem em se votar a
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dispensa do Regimento para ela, visto que, estando a discutir-se uma proposta de finanças que é de extrema urgência, só depois da votação desta a outra proposta poderá discutir-se.
Entretanto a minha proposta poderá baixar à comissão para ela pelo menos a conhecer e até dar o seu parecer se tiver tempo, pois que, se me é permitida a sugestão, entendo que só é admissível a dispensa do Regimento para depois da votação da proposta do finanças que está em debate.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos de Vasconcelos (para um requerimento): — Sr. Presidente: se V. Ex.ª me permite, eu substituo o meu requerimento pelo seguinte:
Requeiro que a proposta sôbre os Transportes Marítimos entre imediatamente em discussão, com ou sem parecer, a seguir à votação da proposta de finanças.
Apoiados.
De resto, se eu fiz o meu primeiro requerimento é porque a comissão de comércio e indústria tem dificuldade em reunir, já tendo adiado a factura de vários pareceres.
De resto, o assunto já foi por demais discutido na Câmara.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: o Sr. Ministro do Comércio enviou para a Mesa uma proposta de lei referente à adjudicação da frota mercante do Estado.
Realmente, como salientou o Sr. Ministro, a maioria das suas disposições já se contêm na lei votada por êste Parlamento referente ao mesmo assunto.
Ora o Sr. Carlos de Vasconcelos requereu que a proposta entrasse em discussão sem parecer, mas houve a objecção de S. Ex.ª o Ministro ao seu correligionário para que se não dêsse tanta pressa a um assunto tam importante.
Efectivamente, parece-me que o requerimento de urgência, com o pedido para a comissão dar o seu parecer o mais ràpidamente possível, feito pelo Sr. Ministro, é mais de atender, pois bem pode suceder que hoje mesmo termine a discussão da proposta de finanças e amanhã tenhamos que discutir a proposta sem parecer.
Eu entendo que seria preferível, em vez de votarmos o segundo requerimento do Sr. Carlos de Vasconcelos, votarmos o requerimento do Sr. Ministro do Comercio, e a comissão do comércio e indústria comprometer-se a trabalhar para, num prazo de 48 horas, o máximo, dar o seu parecer.
Acho que assim se faria uma obra mais útil e mais vantajosa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações e interino do Trabalho (Pedro Pita): — Sr. Presidente: não é de maneira nenhuma desejo meu que a comissão não estude e não aprecie a proposta que eu trouxe á Câmara.
Se pedi ao Sr. Carlos de Vasconcelos que modificasse o seu requerimento, foi porque outro intuito não tenho senão o de fazer que seja liquidada quanto antes uma questão que tem sido um cancro para o Estado. Desejarei até que a comissão introduza na minha proposta as emendas que o possam melhorar.
Eu creio que a comissão pode dar ràpidamente o seu parecer, tanto mais quanto é certo que a minha proposta é, mais ou menos, copiada daquilo que já é lei.
Desejo, repito, e desejo sinceramente, que a comissão se pronuncie sôbre a minha proposta; o que me custa é ouvir as dificuldades que já ouço por certo de um dos membros da comissão de comércio e ver que se levantam alvitres que quási representam a inutilização da minha proposta.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira (para explicações): — Sr. Presidente: por minha parte posso garantir ao Sr. Ministro do Comércio que não entravarei de maneira nenhuma a brevidade com que S. Ex.ª deseja que a comissão dê o seu parecer.
Por mim declaro que dentro de 24 horas dou o meu voto à proposta de S. Ex.ª
Parece-me, portanto, que não vêm nada a propósito os receios do Sr. Ministro do Comércio.
Tenho dito.
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O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações e interino do Trabalho (Pedro Pita): — Sr. Presidente: já afirmei a V. Ex.ª e à Câmara que não procurei fazer cousa nova com a minha proposta.
Procurei obter simplesmente do Parlamento a aprovação mais rápida possível da minha proposta para ver desaparecer a vergonha dos navios continuarem amarrados às docas.
Desejo que a Câmara me habilite com os meios necessários para poder fazer a liquidação dos Transportes Marítimos, acautelando os interêsses do Estado.
Dou ao Estado, mantenho ao Estado essa faculdade, sem prejudicar de maneira nenhuma a alienação dos navios que julgo ser o principal, como se passou na América. Não quero prejudicar essa venda.
Dou porém mais garantias ao Estado; nada mais.
As disposições são inteiramente iguais às que foram votadas pelo Parlamento.
De resto insisto mais uma vez: desejo que estudem a minha proposta.
Não tenho necessidade nenhuma de que ela se ponha imediatamente em discussão.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — É sempre grave vir ao Parlamento afirmar-se que há interêsses no caso do se votar uma proposta em determinado sentido, prejudicando interêsses contrários.
Não sei se há grupos estrangeiros em Lisboa para adquirir os Transportes Marítimo.
Sei que na praça há cambões para obterem os navios nas melhores condições.
Não represento aqui senão os interêsses do Estado, requerendo que essa questão fôsse imediatamente discutida.
Pretendi evitar assim que se repitam as scenas desgraçadas que se deram na comissão de comércio e indústria, evitando que a proposta se mantenha muito tempo na comissão.
Quero apenas que o Estado liquide essa frota o melhor possível.
Apoiados.
E com garantias suficientes.
Não tenho porém dúvida em pedir autorização para retirar o meu requerimento.
Aprovado.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — O Sr. Pinto Barriga requero que entre em discussão, sem prejuízo dos oradores inscritos, o parecer n.º 267.
Aprovado.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Pedia a V. Ex.ª para chamar a atenção do Sr. Ministro do Interior.
Sr. Presidente: sabe a Câmara e sabe V. Ex.ª que está latente um conflito provocado pela chamada filarmónica de Lisboa, tendo-se dado um conflito no teatro S. Luís, em que foram vítimas os Srs. Afonso Lopes Vieira, Jaime Cortesão e outros.
O conflito nasceu duma campanha que vem sido travada entre artistas portugueses e estrangeiros.
A acuidade extrema dêsse conflito teve a sua resolução ontem no S. Luís — conflito grave que teve lugar durante os intervalos dum concêrto, e em que entraram mais de 80 estudantes do Lisboa que foram expulsos pela polícia violentamente, bem como os homens de letras Afonso Lopes Vieira, Jaime Cortesão e outros, pelo facto de terem impedido o maestro do realizar os concertos, tendo admitido artistas estrangeiros.
Permito-me também chamar a atenção do V. Ex.ª para outro caso sucedido na sede das Juventudes Monárquicas.
A polícia entrou dentro da sala das Juventudes monárquicas, tendo-se aí introduzido sub-repticiamente, na ocasião de realização duma conferência.
Diz-se ter sido levantado um viva à monarquia; e por isso foi preso o conferente.
Melhor seria, Sr. Presidente, que êsse polícia só preocupasse em prender o assassino de Sidónio Pais e outros tantos que andam por aí à sôlta.
O que eu passo garantir a V. Ex.ª é que estive lá, assim como alguns dos meus colegas, e não ouvi que se tivesse dado qualquer viva à monarquia.
Creia, Sr. Presidente, que a polícia fazia um grande serviço à República, se, em vez de andar por assembleas a prender pessoas que dêem vivas à monarquia, prendesse êsses que andam por aí, conforme já tive ocasião de dizer à Câmara, e que prejudicam muito mais a República do que êstes, que apenas dão
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um viva à monarquia, que aliás, deixo-mo V. Ex.ª dizer, é a aspiração da grande maioria dos portugueses.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Ginestal Machado): — Sr. Presidente: ouvi com a máxima consideração, como era do meu dever, as considerações feitas pelo Sr. Paulo Cancela de Abreu, as quais dizem respeito à polícia.
Dois foram os assuntos a que S. Ex.ª se referiu: o primeiro dos quais se refere ao que aconteceu no teatro S. Luís com o Sr. Lacerda, assunto êste de que só tive conhecimento quando vim para a Câmara hoje.
Embora não conheça pessoalmente o Sr. Lacerda, tenho dele as melhores referências; e assim, Sr. Presidente, ou vou chamar a atenção das pessoas que dirigem a polícia, podendo V. Ex.ª estar certo, que justiça só há-de fazer.
O segundo assunto, Sr. Presidente, para que S. Ex.ª chamou a minha atenção, foi o que diz respeito a um indivíduo que foi preso nas Juventudes Católicas por ter dado um viva à monarquia.
Disse S. Ex.ª que melhor seria que a polícia se preocupasse com outros assuntos de que pròpriamente com as pessoas que possam dar vivas à monarquia.
Devo dizer a V. Ex.ª que a polícia não tem do se preocupar com os assuntos a que V. Ex.ª se referiu, pois o que ela tem que fazer é cumprir as ordens que recebe dos seus superiores, o nada mais.
Assim, Sr. Presidente, se alguém deu um viva à monarquia, isto é, contra as instituições vigentes, que, ao contrário de que S. Ex.ª julga, hão-de continuar, eu devo dizer que êle não fez mais do que cumprir o seu dever, cumprindo igualmente as ordens superiores.
Se na realidade, repito, alguém deu um viva à monarquia, isto é, contra as instituições, sujeitou-se às consequências do acto que praticou; e assim a polícia, prendendo-o, não fez mais do que cumprir o seu dever e as ordens dos seus superiores, não tendo havido nisso, ao contrário do que S. Ex.ª diz, nenhuma violência.
Vou, Sr. Presidente, informar-me devidamente sôbre o assunto, podendo V. Ex.ª A estar certo do que, caso tenha havido exagero por parte da autoridade, ela será castigada; caso contrário, isto é, apurando-se que ela cumpriu o seu dever, terá todo o meu aplauso.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho dos Santos: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Ministro do Comércio para o estado deplorável em que se encontra uma parede da Escola Comercial de Viseu, esperando que S. Ex.ª tome quanto antes as providências necessárias do forma a que aquela escola não tenha de fechar, o que acontecerá caso o Sr. Ministro não tome as providencias que o caso requero, como seja a reparação da dita parede, obra cuja importância anda por 1. 500$.
Espero, pois, que o Sr. Ministro do Comércio tome, como espero, as providências a que acabo de me referir.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio (Pedro Pita): — Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer que ouvi com a máxima atenção as considerações feitas pelo ilustre Deputado Sr. Carvalho dos Santos, podendo S. Ex.ª estar certo de que tomei na devida conta a sua reclamação, indo dar as devidas ordens no sentido de que ela seja atendida na medida do possível.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: — Sr. Presidente: há dias, numa das freguesias do concelho de Nisa, uns malfeitores assaltaram a igreja, arrombando a porta e destruindo as imagens.
Se bem que eu já tenha conhecimento de que as autoridades delegadas do actual Govêrno estão procedendo às devidas diligências que um semelhante caso requero, não deixo, contudo, de lavrar aqui o meu mais indignado protesto contra êle.
Manifesto ao Sr. Ministro do Interior o desejo do que tudo se averigúe no mais curto espaço do tempo para que sejam, punidos rigorosamente todos os criminosos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Ginestal Machado): — Respondendo ao ilustre Deputado Sr. António Correia, declaro que todas as autoridades já têm as instruções precisas acêrca dos intuitos do Govêrno, para que se mantenha a ordem e para que se garanta a todos o uso legítimo das liberdades que a Constituïção consigna. E uma delas e a mais respeitável, é a liberdade religiosa.
Estou, pois, certo de que a autoridade nessa circunscrição onde se passou o caso a que o ilustre Deputado se referiu, não deixará de proceder por maneira a dar satisfação aos desejos aqui expressos por S. Ex.ª o que são os da maioria do País.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à
ORDEM DO DIA
Discussão na especialidade da proposta n.º 617-F
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam a acta queiram levantar-se.
Pausa.
Está aprovada.
São concedidas as seguintes licenças:
Pedidos de licença
Do Sr. Deputado Joaquim Ribeiro, 30 dias.
Do Sr. Deputado João de Sousa Uva, 15 dias.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Seguidamente foi lido na Mesa e aprovado o artigo 1.º da proposta ministerial.
Entra em discussão o artigo 2.º
O Sr. Vitorino Guimarães: — De harmonia com as considerações já feitas, tenho a honra de enviar para a Mesa a seguinte proposta do emenda:
Proposta
«Proponho que no artigo 2.º da proposta de lei, que autoriza o Govêrno a celebrar um novo contrato com o Banco de Portugal, seja substuída a palavra «renovar» pela palavra «manter». — Vitorino Guimarães.
Já tive ensejo de dizer os motivos que me levam a assim proceder.
De ficar a palavra «renovar» que eu substituo pela palavra «manter», resultaria um aumento de circulação sem qualquer contrapartida.
Excluída na base 1.ª a parte relativa à convenção de 22 de Dezembro, quere parecer-me que as autorizações pedidas nas bases 1.ª e 2.ª são bastantes, actualmente, para as necessidades do Tesouro.
Sendo a base 1.ª destinada a regularizar, por assim dizer, todos os fundos que o Banco de Portugal tenha adiantado ao Estado, sucederia, uma vez que se aceitasse o princípio de renovar a concessão, contar-se, além das quantias emprestadas, o valor em escudos de todas as verbas de exportação que à data de 15 de Janeiro estavam entregues no Banco e que ainda não tenham sido restituídas à praça.
Entendo, pois, que há toda a vantagem em ser aprovada a minha proposta.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — A Câmara já conhece qual era o objectivo da minha proposta e também já conhece o alcance da proposta do Sr. Vitorino Guimarães.
Nestas condições, não há que fazer novos comentários.
Portanto eu apenas quero, agora, notar uma diferença de pontos de vista que considero fundamental.
Essa diferença está no seguinte:
Eu julgo que aprovado o artigo 2.º da proposta que apresentei, não teríamos, se se fizesse um esfôrço fiscal, necessidade de recorrer a novos aumentos de circulação fiduciária; e achava mais vantagem fazer-se de uma só vez o que, possivelmente, se terá de fazer por duas vezes, seja com êste ou outro Govêrno no Poder.
O Sr. Vitorino Guimarães entende, porém, que é bastante recurso, para o Estado viver, o que consta da sua proposta de emenda.
Uma vez que esta seja aprovada, eu lembrarei então a necessidade que haverá em se discutirem urgentemente as propostas de redução de despesa e aumento de receita, para o efeito de não termos de recorrer a novos aumentos de circulação.
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A Câmara aprovando a proposta do Sr. Vitorino Guimarães tem o dever patriótico do não esquecer as propostas que tendem à compressão de despesas e bem assim às que visam a criação de receitas que ainda nesta semana apresentarei à Câmara.
Em minha opinião, a questão está esclarecida.
Peço, porém, à Câmara que pondere bem antes de votar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Com pasmo ouvi as palavras do Sr. Vitorino Guimarães; e com maior pasmo ainda ouvi as palavras do Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Vitorino Guimarães entende que a convenção de 1922 não estava revogada; e o Sr. Ministro das Finanças, como Govêrno, tem sustentado que a convenção de 1922 estava revogada.
Há, portanto, dois critérios: um do Sr. Vitorino Guimarães e outro do Sr. Ministro das Finanças com o qual nós estamos de acôrdo.
Mas a questão tem êste aspecto: ou tem razão o Sr. Ministro quando diz que não está em vigor a convenção, ou tem razão o Sr. Vitorino Guimarães quando afirma o contrário.
Portanto, o Govêrno, que tem enveredado pelo caminho da legalidade, deve manter a boa doutrina.
Êste lado da Câmara dá o seu apoio a tudo quanto o Govêrno faça para resolver o problema nacional; mas se nós virmos o Govêrno a transigir com aqueles que fabricaram moeda falsa, não poderemos deixar de retirar-lhe o nosso apoio porque não estamos aqui para cumprir ordens do Partido Democrático.
Quanto à base 1.ª eu reservo-me para quando ela se discutir.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Não mendigo o apoio de ninguém. Sujeito-me às indicações do Parlamento; e o apoio que me queiram dar há-de ser livremente, para que cada um assuma as responsabilidades da hora presente.
Não tenho dúvidas acêrca da revogação da convenção de Dezembro do 1922.
Fazer convenções desta natureza seria, portanto, um acto legítimo da parte do Poder Executivo se êste não tivesse dúvidas sôbre a legitimidade dessas convenções. E porque as tinha, apressou-se o Govêrno a pedir ao Parlamento para o esclarecer sôbre se podia ou não fazer convenções análogas às de 29 de Dezembro de 1922. Eu limito-me, por isso, a lembrar ao Parlamento a conveniência de meditar sôbre as consequências que podem advir da adopção de qualquer dos dois critérios em oposição.
O Govêrno não faz questão fechada do seu ponto de vista. O seu desejo é apenas o de legalizar por qualquer forma uma situação de desprestígio quer para o Estado, quer para o Banco de Portugal.
Se o Parlamento der uma interpretação contrária ao espírito das leis fica ao Parlamento a responsabilidade do seu procedimento.
Quanto à atitude do Govêrno aceitando as resoluções da Câmara, não há nela a mais pequena subserviência. Quando se tratar doutros assuntos, o Govêrno saberá manter a sua posição.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: contrariamente ao que disse o Sr. Carvalho da Silva, eu não vejo nas palavras do Sr. Ministro das Finanças qualquer cousa que possa desmentir as suas primitivas declarações.
A questão está já posta claramente. O Partido Nacionalista não esmolou o Poder.
Apoiados.
Chamado por quem de direito a gerir os negócios públicos, e, desejando absolutamente viver dentro da lei, o Govêrno entendeu que o seu primeiro dever era expor ao Parlamento a situação aflitiva do Tesouro Público. O Sr. Ministro das Finanças declarou então que a sua opinião ora inteiramente conforme com o parecer da Procuradoria Geral da República. Essa opinião mantém-na S. Ex.ª neste momento, integralmente.
Mal andou, pois, o Sr. Carvalho da Silva em fazer as suas afirmações do há pouco; porque acima do critério do Ministro das Finanças está a vontade da Câmara, uma vez que ela tem a faculdade de interpretar as leis.
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Sr. Presidente: o Partido Democrático com a sua preocupação de defender o termo «manter» pode prejudicar, gravissimamente a administração pública pela impossibilidade em que coloca o Ministério das Finanças de satisfazer os encargos do tesouro até a cobrança de novas receitas.
O Partido Nacionalista aceita o ponto de vista do Sr. Ministro das Finanças; e, como êle, apela para a Câmara para que, se êsse ponto de vista não fôr aceito, ao menos se acelero a discussão o votação das medidas que forem submetidas à sua apreciação e que tendam a aumentar as receitas e deminuir as despesas.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Mantêm-se as mesmas razões para o pasmo que há pouco manifestei perante as palavras do Sr. Ministro das Finanças.
S. Ex.ª afirmou que não havia, solicitado o apoio de ninguém. Sabemos muito bem que S. Ex.ª não solicitou êsse apoio; mas também sabemos que o nosso apoio não é condicionado a solicitações. Imparcialmente o guiado apenas pelo bom desejo de salvaguardar os interêsses nacionais, apoiamos ou não apoiamos os actos dos govêrnos...
Como absolutamente contrários ao Govêrno Democrático, combatemo-lo intransigentemente; e por isso nos mantemos nos princípios que então defendemos.
Tanto S. Ex.ª como o seu Partido, quando estavam na, oposição, fizeram dêste ponto a razão fundamental do seu ataque ao Govêrno Democrático; o foi justamente devido à circulação fiduciária que conseguiram derrubar o Ministério do Sr. António Maria da Silva.
Como é então que o Partido Nacionalista, o Govêrno e o Sr. Ministro das Finanças entendem agora que não há necessidade de mudar essa orientação?
Vê-se, claramente, que — numa hora em que é indispensável não perder tempo para se entrar num caminho do verdadeira acção, numa obra de salvação nacional — o Partido Nacionalista, desde que está no Poder, se sujeita a tudo quanto o Partido Democrático quere.
Nós não temos intenção absolutamente nenhuma do derrubar o Govêrno; mas se realmente o Partido Nacionalista não tem elementos para governar e se limita a fazer o mesmo que fez o Partido Democrático, então entendemos que é melhor retirar-se.
Salientou o Sr. Jorge Nunes a diferença fundamental que há nesta proposta entre a aplicação da palavra «manter» e a do emprêgo da palavra «renovar».
Não vejo essa diferença e acho que isso não é razão de molde a justificar a opinião do Partido Nacionalista.
O Sr. Ministro das Finanças disse, a respeito do aspecto jurídico da questão, que o que é preciso é legalizar o que é ilegal.
Por esta forma o Parlamento vai sancionar uma ilegalidade.
Nestas condições, Sr. Presidente, nós não podemos de modo algum concordar com tal interpretação; e é com desgosto que vemos que o Sr. Ministro das Finanças está hoje inteiramente diferente daquilo que ora há três dias quando já ocupava o lugar de Ministro.
Conhece-se mesmo que S. Ex.ª se sente já desalentado por ver a impossibilidade de fazer qualquer cousa de útil para o País.
Se o Govêrno está no Poder para continuar aquela obra do Partido Democrático, que tanto combateu, então não vale a pena continuar à frente dos destinos do País.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos de Vasconcelos (para um requerimento): — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª a fineza de consultar a Câmara sôbre se delibera que a sessão seja prorrogada até terminar a discussão do assunto em debate.
O Sr. Velhinho Correia (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: em meu nome individual, declaro a V. Ex.ª que não me pareço lógico nem compreensível o requerimento que acaba de ser apresentado.
A proposta que se discute tem urna alta importância financeira e nacional, pois pode até perturbar a vida da Nação; e por isso entendo que não se deve fixar um período tam curto para a discussão dêste assunto, quando êle começa a ser debatido na generalidade.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Jorge Nunes (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: ou suponho que o assunto está do tal modo esclarecido que a Câmara já formou um juízo seguro acêrca do que tem a fazer.
Nestas condições, não havendo o propósito de protelar a discussão, não vejo necessidade de contrariar urna cousa tendente a abreviar a votação da Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovado o requerimento do Sr. Carlos de Vasconcelos.
O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: não estou habituado a fazer obstrucionismo, nem o farei, ao discutir esta proposta; todavia entendo que devo produzir nesta discussão, designadamente na especialidade, aquelas considerações que reputo oportunas e que podem melhorar a proposta do Govêrno.
Sr. Presidente: antes de começar pròpriamente a discutir a matéria do artigo em discussão, eu quero afirmar a V. Ex.ª e à Câmara o meu espanto pelas palavras pronunciadas há pouco pelo Sr. Ministro das Finanças quando S. Ex.ª, defendendo o artigo 2.º, disse que desejava que êle fôsse aprovado tal qual como está redigido, porque assim S. Ex.ª teria realmente maneira do realizar mais 60:000 contos de circulação fiduciária.
E S. Ex.ª acrescentou que, não lhe votando êsse artigo tal como está redigido, necessário se tornava um maior aumento da circulação fiduciária.
Eu não sei quantos anos terei ainda de vida pública; mas o que posso garantir é que todo o tempo em que continuar aqui no Parlamento e na política será por mim consagrado exclusiva o principalmente a discutir e a combater a política inflacionista que há do levar o País à mais miseranda das situações.
Sr. Presidente: estamos em presença da seguinte questão:
Estava ou não em vigor legalmente a convenção do Dezembro de 1922?
O que fez o Sr. Ministro das Finanças?
Foi preguntá-lo à Procuradoria Geral da República.
Sr. Presidente: salvo o devido respeito, devo afirmar que S. Ex.ª procedeu mal, visto que, pelo n.º 1.º do artigo 2.º da Constituïção, é ao Parlamento a quem compete interpretar as leis.
Para mim, não tenho dúvida em afirmar que ela estava legalmente em vigor, não só pelo artigo 8.º da lei n.º 1:424 e seu § 1.º, mas, principalmente, por virtude do § 2.º
Segando êsse parágrafo, ora instituído em fundo do maneio; e em cada semestre, o GovGrno era obrigado a vir ao Parlamento dizer o estado em que êsse fundo se encontrava.
Nunca tal se fez, do que lògicamente se conclui que o Parlamento interpretava esta lei, e consequentemente êste artigo, no sentido de que estava de pé a Convenção.
Sr. Presidente: em explicações dadas, já o Sr. Ministro; das Finanças confirmou as palavras que aqui proferi relativamente à modificação da Convenção, para obter um maior aumento de circulação fiduciária.
Portanto, a Convenção não era tam má ou tam boa, como S. Ex.ª dizia daquele lado da Câmara, por isso que pretende fazê-la reviver para obter mais alguns milhares de contos.
Quando ouvi o Sr. Ministro das Finanças, falar acêrca da Convenção, supus que S. Ex.ª traria, na sua bagagem alguma cousa melhor para a substituir. Julguei que S. Ex.ª iria enfrentar o problema, criando uma caixa de conversões, ou tomando qualquer outra medida, que justificasse os ataques de S. Ex.ª
Mas não S. Ex.ª trouxe uma proposta que modificando a Convenção, a faz ressuscitar, para arranjar mais alguns milhares de contos.
Sr. Presidente: ainda uma outra razão há para que a Convenção fôsse considerada de pé, por isso que, se assim não fôsse, nada obstava a que o Poder Executivo fizesse nova Convenção com o Banco, análoga à primeira.
Eram estas as considerações que tinha a fazer, não tirando ás conclusões que seria lícito tirar, as quais poriam em foco, a discordância entre as palavras e actos de Deputados da oposição com os do Ministros.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: pedi a palavra ùnicamente para lembrar
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à Câmara que o Sr. Ministro das Finanças pede ainda é pouco.
Todos sabem que, por virtude da reforma tributara, os impostos deviam ser lançados por anos económicos. Porém, os serviços andam de tal forma, que em Lisboa, por exemplo, a contribuição industrial referente ao primeiro semestre de 1922 não pode por emquanto ser cobrada, porque os conhecimentos ainda não estão feitos.
Nestas condições, quando alguém afirma que o Sr. Ministro das Finanças está habilitado a enfrentar a situação, eu. quero lembrar que S. Ex.ª não tem dinheiro para fazer face aos encargos.
Se assim falo, é porque desejo marcar a minha posição, e porque quero, como português e como republicano, ficar com a minha consciência tranquila.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É lida e rejeitada a emenda apresentada pelo Sr. Vitorino Guimarães, ao artigo 2.º
O Sr. Tavares de Carvalho: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º
Feita a contraprova, verificou-se estarem de pé 47 Srs. Deputados e sentados 45, pelo que foi rejeitada.
Foi aprovado o artigo 2.º da proposta e entrou em discussão o artigo 3.º
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte artigo novo:
Proposta
Proponho que seja aprovado o seguinte artigo novo:
A Junta do Crédito Público, depois de cumprir o disposto no n.º 6.º do artigo 9.º do Regulamento de 8 de Outubro de 1900 e do artigo 23.º do decreto de 14 de Agosto de 1893, criará e emitirá os títulos de dívida pública do novo fundo de 6 1/2 por cento necessário a constituir a caução da operação a que respeitam as bases complementares desta lei.
Em 23 de Novembro de 1923. — O Ministro das Finanças, Cunha Leal.
Foi lido e admitido.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: desejo que o Sr. Ministro das Finanças me esclareça um ponto.
Desejava que me dissesse se a caução a que se refere o artigo novo é exclusivamente para suprimentos feitos pela nova circulação fiduciária.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal) interrompendo: — Trata-se de legalizar suprimentos que se fizeram com os aumentos da circulação fiduciária que não estão autorizados, mas que aparecem nos balancetes do Banco de Portugal e dos que resultam da venda da prata.
O Orador: — Como S. Ex.ª só refere-as bases desta lei, desejava que ficasse consignado que não se trata de considerar como valores-ouro os novos títulos de 6 por cento.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal) interrompendo: — Creio que o artigo está bem esclarecido: mas aceito qualquer emenda de esclarecimento que V. Ex.ª queira mandar para a Mesa para interêsse do Estado porque não estou aqui senão para defender os interêsses do País.
O Orador: — Entendo que era conveniente emendar a proposta, e dizer que é para os suprimentos a que se refere a base primeira.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal) interrompendo: — Se V. Ex.ª analisar bem a minha proposta, vê que menciono os suprimentos que se referem à base primeira; mas, se V. Ex.ª quiser, aceito qualquer proposta para o artigo ficar sem dúvidas e ficar mais elástico, de modo a poder o Govêrno pagar as reparações que o Govêrno alemão exige.
Eu faço referência na proposta às duas bases, mas pode-se emendar, para que fique mais claro e fazer referência só à base primeira.
De um modo ou de outro, o que é necessário é que fique claro para que não haja qualquer dificuldade na vida do Estado.
O Orador: — Desde que o Sr. Ministro das Finanças tenciona apresentar bases
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novas, parece-me que bastaria que o artigo novo apresentado por S. Ex.ª fôsse discutido e votado depois das bases que S. Ex.ª vai apresentar. Nesse sentido, mando para a Mesa o meu requerimento.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: — Vou submeter à votação da Câmara o requerimento que acaba de ser feito pelo Sr. Carvalho da Silva para que o artigo novo apresentado pelo Sr. Ministro das Finanças fique para ser discutido depois da votação das bases anexas à proposta.
Foi aprovado.
A requerimento do Sr. Velhinho Correia procede se à contraprova sendo novamente aprovada.
O Sr. António da Fonseca: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa um artigo novo:
A Câmara já está esclarecida — como de resto toda a gente — porque o assunto foi tratado no Parlamento como na imprensa.
O Govêrno tem que pagar até determinada data determinada quantia: ou perdemos, pelo facto de a não pagar, o direito a todo o material que encomendámos e que nos era dado por motivo das reparações de guerra.
Eu posso citar de uma forma aproximada alguns números das quantias relativas à importância dêsse material.
Quanto a material para caminhos de ferro, anda por 77:000 contos.
Àpartes.
Êste é o seu valor real.
Para que o Estado português tenha o direito de receber as encomendas feitas, será preciso que o Estado português, até muito breves dias, esteja habilitado a pagar uma quantia não inferior a trinta e tal mil contos.
Vê bem V. Ex.ª o prejuízo que adviria para o País de não se adquirir material, cujo valor é maior do que o dôbro.
Sr. Presidente: em vista das circunstâncias financeiras actuais, e pela descrição que fez o Sr. Ministro das Finanças e que outros ilustres financeiros têm feito da situação do Tesouro Público, não parece ser fácil que se encontro ràpidamente, dentro do curto prazo que ao Estado é dado para poder satisfazer integralmente a parte que tem de ser paga, não será fácil, repito, encontrarem-se as verbas necessárias para isso; e, como entendo que ninguém nesta Câmara tem desejo de que o Estado perca êsse material, vou mandar para a Mesa um artigo novo, pelo qual o Estado possa acordar com o Banco do Portugal um suprimento especial, exclusivamente destinado à parte em dívida das reparações alemãs, devendo êste suprimento ser amortizado indubitavelmente no próximo ano económico, para o que se inscreverão no Orçamento as quantias equivalentes a êsse suprimento.
Quere dizer: — faz-se por êste processo um simples adiantamento de alguns meses para o pagamento da parte em dívida das reparações.
Sr. Presidente: parece-me que o assunto é realmente importante para merecer a atenção da Câmara.
Nestes termos, mando para a Mesa um artigo novo concebido nos seguintes termos:
Artigo novo
Artigo O Govêrno acordará com o Banco de Portugal a concessão de um suprimento especial até a importância de 40:000 contos exclusivamente destinados ao pagamento da parto ainda em dívida do material encomendado pelos estabelecimentos do Estado, por conta das reparações alemãs, devendo a importância dêsse suprimento ser autorizada no decurso do ano económico de 1924-1925, para o que se inscreverá nos respectivos orçamentos a verba necessária. — António Fonseca.
Foi admitido.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Sr. Presidente: concordo com a proposta do Sr. António da Fonseca.
Realmente, ela corresponde a livrar o Estado português duma grave dificuldade.
É preciso até o dia 29 do corrente mês responder ao Govêrno alemão se sim ou não concordamos em pagar o resto do material, que devia ser pago todo êle em conta de reparações, e de que se pagou apenas uma parte.
Não estamos em tal situação, sôbre tu-
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do em material para caminho de ferro e para serviço dos correios e telégrafos, que possamos atirar fora com qualquer cousa como 40:000 contos.
É necessário, portanto, que o Govêrno se julgue habilitado por V. Ex.ªs com os meios necessários para fazer face a essa situação, aliás os embaraços serão muito grandes.
Feitas estas considerações, só tenho a declarar que não posso deixar de dar a minha aprovação à proposta apresentada pelo Sr. António da Fonseca.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: não há dúvida de que o argumento apresentado pelo Sr. António da Fonseca é de acoitar por toda a Câmara.
Decerto, estamos todos do acôrdo em que o Estado não perca a diferença entre os 43:000 contos e 78:000 contos, quere dizer que o Estado não perca os 43:000 contos já pagos pelo Govêrno alemão por conta das reparações.
Mas, Sr. Presidente parece-me que o Sr. Ministro das Finanças no pedido de autorização que trouxe à Câmara tem já a renovação do convenção de 22 de Dezembro e tem mais na base 2.ª 140:000 ou 150:000 contos de circulação fiduciária, devendo essas verbas dar o preciso para ocorrer a êsse encargo.
E tanto isto devo ser assim, que a proposta que está em discussão não é do Sr. Ministro das Finanças: — é um artigo novo apresentado pelo Sr. António da Fonseca.
Ora se S. Ex.ª reconhecesse indispensável essa medida teria decerto trazido um pedido maior do que aquele que trouxe.
Nestas condições, e porque sabemos o mal que para a economia do País e para o custo da vida é qualquer aumento da circulação fiduciária, não podemos concordar com o artigo novo em discussão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer que me surpreende a doutrina do artigo novo enviado para a Mesa pelo Sr. António da Fonseca.
Pelo acôrdo efectuado, nós não nos obrigámos a pagar as mercadorias: — é o Govêrno alemão quem paga aos fornecedores alemães essas mercadorias.
É nesta ordem do ideas que se tem estado a fornecer êsse material e tem sido nessas condições que já algum material chegou ao nosso País.
Parece-me, portanto, que há nisto uma precipitação da parte do Govêrno português, e que irá abrir um mau precedente, concordando com o pedido do Govêrno alemão de lhe enviar uma quantia equivalente ao valor do material que falta entregar.
Isso levaria o Govêrno alemão a só remeter material quando só lhe entregasse quantia correspondente.
Entendo portanto, que o artigo novo em discussão não deve ser votado pela Câmara.
Vamos estabelecer nova doutrina, que até hoje ainda não foi posta em prática em qualquer país, dando dinheiro ao Govêrno alemão, ainda que seja em percentagem menor que o valor da mercadoria.
Repito: aceder dessa forma, ao pedido do Govêrno alemão seria estabelecer um precedente que do futuro serviria do argumento para êle exigir também aos outros aliados o mesmo critério.
Não temos, portanto, o direito de estar a adiantar verbas; sejam quais forem, ao Govêrno alemão. Temos, sim, do esperai que o Govêrno alemão nos envie as mercadorias constantes do tratado de Versalhes.
Se é certo que o Govêrno pode argumentar da forma como fez o Sr. Ministro das Finanças, o que não é menos certo é que o Parlamento em presença da necessidade de economias rigorosas, não pode habilitar o Govêrno com verbas que neste momento seriam injustas.
O artigo novo do Sr. António Fonseca vai habilitar o Govêrno a um novo suprimento do 40:000 contos, quantia que podia ser reservada para outra cousa que apareça, com urgência, de um momento para o outro.
Eu nego o meu voto a êsse artigo novo, porque o julgo atentatório do bom procedimento do Govêrno para com a Alemanha em matéria do reparações.
O orador não reviu.
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O Sr. Fausto de Figueiredo: — A proposta do Sr. António Fonseca tem do ser encarada sob dois aspectos. O primeiro é o aspecto internacional, o é pena que não esteja presente o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros para nos elucidar sôbre êste ponto. Para o segundo aspecto chamo eu a atenção dos Srs. Ministros das Finanças, do Comércio e das Colónias, pois tem de ser encarado administrativamente, visto que há um aumento do preço do 25 a 30 por cento sôbre o preço por que nos custaria, se tratássemos directamente com os fornecedores.
O Sr. Vergílio Costa: — Não é bem assim, pois procurou-se o preço mais baixo e com as maiores vantagens.
O Orador: — Agradeço a informação prestada pelo Sr. Vergílio Costa, mantendo eu a parte que se refere ao material do caminho do ferro, porque esta é verdadeira.
Em certa ocasião os fabricantes alemães sindicaram-se; mas tendo um ficado fora do sindicato, faz as rendas mais baratas do que os outros.
Nova interrupção do Sr. Vergílio Costa, que não pôde ser ouvida pelo taquígrafo.
O Orador: — Estamos em faço dum caso grave que o Govêrno deve esclarecer à Câmara por intermédio do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Temos ainda um outro assunto, ou, para melhor dizer, um outro aspecto do assunto que, sob o ponto de vista administrativo, deve ser encarado pelos Srs. Ministros do Comércio, das Finanças e das Colónias.
Para terminar, devo dizer que seria melhor aguardar a presença do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que dirá de sua justiça.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: estou pasmado com o que se tem passado nesta sessão. Estamos perfeitamente no caminho da loucura.
Não há outra idea senão esta: notas, notas, notas e mais notas!
Em toda a parte se fez a guerra com notas, mas fez-se em termos ponderados, fez-se em termos que não prejudicaram ninguém.
Porém, veio o predomínio da nota ao mesmo tempo que veio o predomínio da finança na República, influindo extraordinariamente na sua vida económica e quem sabe se talvez nos altos destinos do regime, pondo em perigo as instituições, se não o próprio país.
Trocam-se prolongados àpartes de todos os lados da Câmara.
O Orador: — No ano de 1920-1921 a circulação fiduciária foi aumentada, sabe V. Ex.ª em quanto?
De 370:000 contos, que estava em 31 de Dezembro de 1919, dois anos depois passou para 720:000 contos. Já neste momento se faz sentir a acção claramente inflacionista do Sr. Cunha Leal, que, tendo vindo a êste Parlamento para regularizar uma situação de dezenas do milhares do contos, arrancou ao Parlamento uma lei aumentando em mais 220:000 contos a circulação fiduciária. A sua preocupação dominante, a sua orientação financeira cifra-se nestas palavras: notas, mais notas, sempre notas. Não há outra preocupação da parte de S. Ex.ª senão de afogar o país em notas.
Como ia dizendo, Sr. Presidente, nestes dois anos a circulação fiduciária passou de 370:000 contos para 720:000 contos, quere dizer, primeiro começámos num aumento anual de 21 por cento, depois de 45 por cento e depois do 47 por cento. Foi nesta situação que o Parlamento actual recebeu a circulação fiduciária.
Agora, Sr. Presidente, vamos a ver qual tem sido a obra dêste Parlamento em matéria de circulação fiduciária.
Àpartes.
O Orador: — Havemos de ir todos para a história.
Àparte do Sr. Jorge Nunes que não se ouviu.
O Orador: — Eu fui Ministro um mês.
Continuam os àpartes.
O Orador: — V. Ex.ªs não gostam mas têm de ouvir tudo; hão-de ouvir tudo por muito que isso os incomodo.
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Sr. Presidente: eu creio que não falto ao respeito que devo à Câmara apresentando êstes números. Êles são produto de um trabalho que o País tem de conhecer para fazer justiça a todos.
Esta Câmara acusou-me de não ter a coragem, precisa para travar esta corrida para o abismo.
Há dois anos, repito, quando êste Parlamento começou a funcionar, estava a circulação fiduciária em 720:000 contos, e quero V. Ex.ª saber em quanto essa circulação vai ser excedida? Já se votaram acréscimos às cifras anteriores de 440:000 contos e 280:000 contos pela lei n.º 1:246 o mais 160:000 contos pela lei n.º 1:424.
Como o Sr. Cunha Leal vem pedir ao Parlamento um acréscimo do 460:000 contos, com o pretexto de reparações, ficaremos com 1. 660:000 contos de notas, sendo da responsabilidade do actual Parlamento um aumento de 940:000 contos. Nestes dois anos, pois, o aumento não é já do 47, de 45 ou de 21 por cento mas de 54 por cento que areio bem ainda há-de ser excedido, podendo chegar a 60 por cento. É o caminho da Alemanha.
Sr. Presidente: não se esqueça V. Ex.ª, não se esqueça o País, destas palavras: A Alemanha, que foi à guerra, perdeu a guerra. Pois como toda a gente sabe — não é uma novidade que estou dando — a Alemanha perdeu mais pelo regime inflacionista, pelo regime das notas, do que nos campos de batalha. Êsse regime da inflação enriqueceu os magnates da alta finança e da alta indústria da Alemanha.
Sr. Presidente: não há outra solução para êstes Srs. financeiros, para êstes Srs. Ministros senão notas e mais notas.
O Sr. Jorge Nunes: — A única que V. Ex.ª encontrou.
O Orador: — A única, não. Eu não queria notas; e tanto assim que eu trouxe ao Parlamento propostas.
O Sr. Jorge Nunes: — Propostas que ninguém podia votar.
O Orador: — Sr. Presidente: quando ocupei as cadeiras do Poder encontrei uma situação idêntica à de hoje, com as mesmas dificuldades com que actualmente luta o Sr. Ministro das Finanças; mas eu queria resolver o problema com uma série do medidas tendentes a êsse resultado, com uma remodelação de serviços, com redução de despesas. Eu não queria notas. A própria base 5.ª não compreendia, um aumento de notas.
Mas a tudo isto recusou-se o Parlamento; e, agora, está votando notas como-se fôsse êsse o recurso para regularizar as finanças do País.
Terríveis consequências advirão para o País dêste regime de notas. Quem, coma eu, não tem senão o seu ordenado, é que mais directamente há-de sentir essas consequências.
Sr. Presidente: como já disse, não há razão, que justifique a aprovação desta proposta. Apelo pára todos os homens de bem desta Câmara para que vejam a situação que estão criando ao País; e quando me refiro ao País não me refiro a meia dúzia de individuos, refiro-me ao maior número, a todos aqueles que sentem a carestia da vida a todos aqueles que vêem dia a dia subir as cousas mais indispensáveis, tendo verdadeiros actos de desespero.
Não há salários que possam acompanhar uma situação desta ordem; e êste Parlamento como remédio dá-lhe notas e mais notas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Tinha imposto-a mim mesmo a obrigação de não falar neste debate, não porque me arreceasse de discutir as propostas em questão, mas por considerações que importavam mais a mim próprio que à Câmara, à qual não interessa saber quais são.
Venho, porém, à discussão, porquanto se me afigura perigosa, altamente perigosa mesmo, a proposta do ilustre Deputado Sr. António da Fonseca.
É mesmo das cousas mais graves que podiam ser apresentadas.
O Sr. Ministro das Finanças veio à Câmara declarar que, de facto, a Alemanha, pretende, que lhe paguemos determinada soma para pagamento das mercadorias fornecidas por virtude do contrato do Belmans, tratado que é um verdadeiro contrato bilateral, estabelecendo relações e direitos mútuos.
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Na declaração ministerial vejo que o Govêrno nos promete fazer uma política internacional declaradamente patriótica.
O Sr. Ministro das Finanças veio à Câmara declarar que êsse contrato Belmans se encontrava num estado latente de transformação.
Não quero pôr na boca do Sr. Ministro das Finanças que S. Ex.ª aceite o ponto de vista alemão.
Mas o que é de lamentar é que, apesar dêste ponto de vista da declaração ministerial, e apesar de o Sr. Ministro nos garantir que terá de fazer êsse pagamento, possivelmente dentro de poucos dias, não seja o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que da sua bancada venha dizer ao País a modificação que se operou nas nossas relações com a Alemanha.
Apoiados.
Venho dizer à Câmara que é assim que a Alemanha considera os tratados: — pedaços de papel que ela pode rasgar a seu talante.
No emtanto, o Sr. Ministro das Finanças declara à Câmara que as mercadorias fornecidas pela Alemanha excedem em muito aquele crédito que é pedido pela proposta António da Fonseca.
Quere dizer, sob o ponto de vista prático, que se as circunstâncias que o Sr. Ministro dos Estrangeiros diz que não eram de aceitar por Portugal fossem acoitas, só tínhamos uma cousa a fazer: aceitar a indicação do Sr. Ministro das Finanças.
Outra cousa não poderíamos fazer.
Entre setenta e tantos mil contos fornecidos pela Alemanha, e quarenta mil que temos de pagar, só há um caminho a seguir: habilitar o Govêrno para poder pagar os quarenta mil contos.
O que é de estranhar é que não seja o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que nos venha dizer o que há.
Conheço o perigo da proposta em questão; mas a Câmara não tem conhecimento da situação, por falta de aclarações por quem do direito.
Não pode votar uma proposta que importa em aceitar o ponto de vista alemão, pelo qual a Alemanha pretende fugir aos seus compromissos.
Não tenho o Sr. Ministro dos Estrangeiros em minha frente; mas pregunto ao Sr. Ministro das Finanças se não será possível nós regularmos êste assunto diplomaticamente com a Alemanha, no sentido de não termos de pagar, levando a Alemanha a cumprir os tratados assinados por Portugal.
O Sr. Ministro das Finanças não pode fazer desaparecer do meu espírito esta dúvida: — se deveria modificar no sentido de habilitar o Govêrno com mais 40:000 contos sem se dizer para quê, porque o simples facto de dizermos que é para pagar aquilo que a Alemanha nos pede importa a aceitação do ponto de vista alemão. Eis o perigo da proposta do Sr. António da Fonseca.
Mas, agora, seja-me lícito pôr uma questão que interessa mais directamente ao Sr. Ministro das Finanças, qual é a, de se sabor se, realmente, pela proposta que estamos a notar não terá o Govêrno recursos que bastem para fazer êsse pagamento no caso de, forçado pelas circunstâncias, o ter de fazer, tanto mais que, aprovado o artigo em que se sustenta a renovação da convenção com o Banco de Portugal, S. Ex.ª, por uma palavra que disse, e muito bem, que tinha sido justamente ponderada, tem mais alguma cousa do que 60:000 contos.
O Sr. Jorge Nunes (interrompendo): — V. Ex.ª parte do princípio de que êsse artigo é já lei do País.
E quem garante a sua aprovação no Senado?
O Orador: — Eu parto do princípio de que nenhum momento houve em que o Parlamento Português inabilitasse os Ministros do honrar os compromissos da Nação.
Sr. Presidente: eu faço esta pregunta ao Sr. Ministro das Finanças e quanto à outra sob o ponto de vista internacional, peço quando muito que S. Ex.ª a transmita ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, porque me convenço do que S. Ex.ª não está habilitado a dizer-nos que se esgotaram todos os recursos de ordem diplomática para convencer a Alemanha a cumprir aquilo a que se comprometeu.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Sr. Presidente: se o ilustre Deputado Sr. Carlos Pereira roo permito, peço licença para responder à pregunta que me formulou depois de usarem da palavra todos os oradores inscritos.
O Sr. Norton de Matos: — Sr. Presidente: pedi a palavra para me referir à proposta do Sr. António da Fonseca.
Nesta questão das reparações, eu julgo que, no seu aspecto presente, alguma cousa há do mais alto o de mais alevantado que pròpriamente o interesso monetário. Julgo que nesta questão, no modo como ela acaba de ser apresentada com a resolução tomada pelo Govêrno alemão, há qualquer cousa que envolve a dignidade da Nação e o nosso prestígio perante os outros países que connosco estão ligados em tudo o que se refere à atitude da Alemanha.
Sr. Presidente: nós fizemos um acôrdo com o govêrno alemão relativamente ao pagamento das reparações que nos são devidas.
Combinou-se receber uma determinada quantia em material de diversa espécie.
Em anos sucessivos, quantias idênticas serão recebidas pela mesma forma, até liquidação final.
Correram as cousas pelos processos conhecidos o aprovados. A certa altura, porém, o Govêrno alemão diz-nos que não paga mais aos fornecedores, e êstes vêm dizer-nos que, em vista dum regulamento publicado pelo Govêrno alemão, se não pagarmos em ouro o que resta pela importância das suas facturas, não podem fazer o fornecimento.
Estamos pois em face duma falta a um tratado, e eu julgo que, por dignidade do País, não pode ela ser resolvida por uma simples operação financeira.
Muitas vezes a dignidade das nações está acima dos seus interêsses.
Poderemos continuar a viver som algumas locomotivas, sem alguns vagões, etc.; mas não poderemos viver dignamente como Nação não se mantendo íntegro o nosso prestígio, principalmente perante o estrangeiro.
Há ainda outro aspecto que é importante: é o aspecto das nossas relações com os nossos aliados na Grande Guerra.
Sabemos o que se resolve, quanto ao assunto, da parte das outras nações?
Não sabemos!
Pelo menos ainda nada aqui foi dito.
Há também a questão do precedente. Seria conveniente que o Parlamento, antes de se pronunciar, tomasse completo conhecimento de todo o processo relativo a um tam momentoso assunto.
Eu não sei o que houve sob o ponto de vista diplomático; não sei o modo como foram feitos até hoje os pagamentos por parto da Alemanha.
Pagou muito?
Pagou pouco?
Pagou metade?
Pagou um têrço?
O que pagou?
Agora a Alemanha, quebrando mais uma vez a fé dos contratos, diz-nos que não paga mais que metade.
Amanhã poderá pela mesma forma vir dizer que só paga um têrço.
Chamo pois a atenção da Câmara para êste caso.
Não nos precipitemos.
Vejamos as cousas com serenidade e por forma a não tomarmos atitudes que possam deixar transparecer que, porventura, não somos espoliados de direitos que nos assistem.
Era isto o que eu queria dizer.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Estando ausente o presidente da comissão de finanças, Sr. Barros Queiroz, peço a V. Ex.ª que convoque para amanhã á reunião dessa comissão para se ocupar da primeira proposta da compressão de despesas, que tive a honra de apresentar.
Sr. Presidente: entrando no assunto em questão, digo que me parece que, sendo, decerto, ditados pelos mais altos propósitos de patriotismo os reparos feitos à proposta do Sr. António Fonseca, em todo o caso, porque não tiveram V. Ex.ªs tempo, talvez, de meditar no alcance dela fizeram de um argueiro um cavaleiro.
Não é caso para grandes indignações patrióticas.
Mas antes de ocupar-me dêsse assunto, porque alguém quere ver na proposta
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apresentada uma tentativa do aumentar ainda mais a circulação, quero repelir essa interpretação e dizer que, se muitas vezes sou forçado a falar em actos feitos pelo Partido Democrático, que nunca ataquei, que nunca odiei, deriva isso da circunstância de ter que defender-me de ataques que me são feitos por pessoas que se sentam do lado esquerdo da Câmara.
Assim, acusam-me de inflacionista.
Ora em presença de semelhante acusação, devo lembrar que o Partido Democrático ao formar Govêrno encontrou a circulação em 700:000 contos e, após dois anos de Govêrno, a deixou em 1. 370:000 contos.
É de notar que o Partido Democrático, em dois anos do Govêrno de deflacionismo — só ele! — aumentou a circulação fiduciária em 670:000 contos, números redondos.
E então eu permito-me dizer à Câmara que não há sinceridade nenhuma em certos ataque, de mais a mais provindo de pessoas que, tendo governado durante setenta dias, aumentaram a circulação fiduciária em mais de 73:000 contos.
Apoiados.
Eu não estou a acusar o Partido Democrático de ter procedido assim. Acuso-o por vezes de imprevidência administrativa, do tentativas de legislação fiscal que pelo absurdo de que vinham revestidas naturalmente implicavam o escangalhar ainda mais a cobrança fiscal, tornando impossível a cobrança de certas receitas; mas, àparte isso, eu compreendo que foi com grande mágoa que o Partido Democrático se viu na necessidade de aumentar a circulação fiduciária, demais a mais não estando ao abrigo das leis votadas no Parlamento.
Não o acuso por isso; mas nego-lhe a autoridade para acusar os outros de inflacionistas.
Apoiados.
A êsses que gritam consequentemente: «notas», «notas», o País há-de responder com uma gargalhada, porque me lembra de que êsses têm sempre uma [...] para saírem das suas dificuldades: [...] as notas falsas.
Apoiados.
Sr. Presidente: merece a [...] agora, encontrando-mo face a face [...] a proposta do Sr. António da Fonseca, preguntar qual é o seu significado o em que pode ela diminuir o patriotismo de nós todos. O Sr. Ministro dos Estrangeiros, certamente melhor do que ou, vai dizer a S. Ex.ªs o estado em que se encontram as negociações e como êle as encaminhou; mas eu terei porventura do dizer alguma cousa a respeito da proposta António da Fonseca para se ver porque é que o Govêrno lho deu a sua aprovação.
O Govêrno quis pronunciar-se com um meio indispensável para poder negociar.
Se S. Ex.ªs não votarem uma lei especial que permita ao Govêrno ter recursos em caso de necessidade, para poder aceitar determinadas negociações com a Alemanha, o Govêrno não pode negociar. E eu digo a S. Ex.ªs que o processo regular não era bem êste para resolver a questão. Há duas cousas fundamentais na questão. Para que o Govêrno possa pagar a importância correspondente às reparações, o processo regular seria, primeiro, e de abrir-se um crédito especial que permitisse ao Govêrno ter a verba necessária para êsse efeito, e, em segundo lugar, ter dinheiro para pagar, pois que me podiam abrir os créditos que quisessem, mas se me não derem forma do realizar dinheiro, para nada êles serviriam. Portanto, imaginemos que amanhã o Govêrno terá ainda que completar esta proposta de lei com uma outra; que o Govêrno munido por êsse crédito parlamentar dirá: contudo, o Parlamento não me habilitou com os meios necessários para pagar essas reparações. Ora o que é que se lucra com isso? Um novo aumento do circulação fiduciária análogo ao da proposta António da Fonseca.
Portugal não se desprestigia procedendo pela forma que está dita; pois a proposta nada tem de anti-patriótica. O nosso patriotismo é muito, mas não chega ao que a França fez em matéria de reparações.
Nós, aceitando a proposta da Alemanha, não o fizemos senão com intuitos patrióticos.
Não vejo em que o patriotismo de ninguém fôsse ferido; mas o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros vai explicar as razões de tudo isto. Compreendo-se a razão por que a França e a Bélgica não concordam. A razão é porque têm nos
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seus mercados êsse material e desejam que vão ia comprá-lo.
Nós recebemos 600:000 libras; e eu pregunto ao patriotismo do Parlamento, pregunto ao patriotismo da Nação, onde é que está o mal de tudo isto, tanto mais que o Parlamento tem maneira de regular êste assunto.
Mas o Parlamento ou aprova a proposta do Sr. António da Fonseca e dá meios ao Govêrno para fazer o referido pagamento, ou recusa êsses meios: e, quando mais tarde tivermos que comprar maquinismos e outros artigos, teremos que despender quantias maiores, e o Parlamento então não terá que atacar êste Govêrno por êsse motivo, nem pela demora da resolução da questão.
Se o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros por falta de tempo não conseguir a prorrogação do prazo, a culpa não é dêste Govêrno que chegou tarde.
Como Ministro das Finanças, eu nada podia fazer porque não havia dinheiro nos cofres públicos.
Apresentei a minha proposta. Se essa proposta fôr aprovada hoje em sessão prorrogada, amanhã irá para o Senado onde poderá começar a ser discutida; mas como só na sexta feira tornará a haver sessão nessa Câmara, o prazo marcado até ao dia 29 vai-se embora.
O aviso para êste pagamento chegou no dia 2 de Novembro; e não é culpa dêste Govêrno que o Parlamento não o tenha habilitado a dar uma resposta sôbre o caso.
A responsabilidade vá a quem toca.
Se passar o prazo, sem uma solução, será mais um fracasso devido às nossas lutas políticas.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não tinha que vir dar contas do que se passava, porque de nada sabia e só teve conhecimento do assunto porque ontem mandou vir a Lisboa o delegado da respectiva comissão.
O Ministro das Finanças só pode vir pedir ao Parlamento que o habilite com os recursos necessários para o dito pagamento, não para a hipótese de êle se fazer até o dia 29; porque essa está, perdida, mas para o caso do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, com o seu patriotismo, boa vontade e competência que todos lhe reconhecem nos meios diplomáticos, conseguir a ampliação do prazo.
Se a questão se perder não será por culpa dêste Govêrno, repito, mas de quem deixou perder a ocasião. E assim a verba já será desnecessária.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Júlio Dantas): — O orador começa enviando para a Mesa o texto da Convenção com os Estados Unidos da América do Norte.
Diz ter chegado tarde para ouvir as considerações dos oradores que se ocuparam do assunto. Leu a proposta apresentada pelo Sr. António Fonseca; e vai dizer à Câmara o que sôbre o assunto lhe pode dizer.
Não é assunto que se possa tratar com o brilho fácil de oratória patriótica!
Como a Câmara sabe, há uma quantidade de contratos homologados até 11 de Agosto dêste ano que dizem respeito não só ao Estado, mas também a emprêsas da indústria alemã. O orador lê à Câmara uma nota da importância dêsses contratos, fazendo a redução ao câmbio do dia.
O estado da questão é êste: a Comissão de Reparações, depois das diligências do nosso delegado, Sr. Armando Navarro, declarou que não queria tomar conhecimento das reclamações do Govêrno Português, julgando melhor deixar que Portugal resolvesse.
A própria Comissão de Reparações até o dia 22 do corrente não tinha um critério assente sôbre esta importante questão.
A comissão pediu a Mr. Kunty para que fôsse a Paris dar informações.
S. Ex.ª não pôde ir a Paris; mas prontificou-se a responder a um questionário, por intermédio do agente do ligação Mr. Dessailly.
O orador expõe à Câmara o seguimento das negociações e afirma que a questão é mais complexa, porquanto, além do material para o Estado, temos material para emprêsas e entidades particulares, e até a data em que teve a honra de assumir a pasta dos Estrangeiros ainda naquele Ministério não se sabia destrinçar a
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parte referente ao Estado o a referente a particulares, isto sem dúvida motivado pelos muitos serviços daquele Ministério.
Nestas condições, mandou imediatamente chamar o nosso delegado à Comissão de Reparações, que com muito zêlo tem tratado dêste assunto. Com êle tem tido sucessivas conferências, procurando promover o processo diplomático julgado necessário para obter uma prorrogação de prazo.
O seu desejo é habilitar o Parlamento com todos os elementos de informarão indispensáveis a poder resolver esta importantíssima questão.
Tem empregado todas as diligências, quer por intermédio da nossa Comissão de Reparações, quer por intermédio do Sr. Ministro da Alemanha em Lisboa, no sentido de conseguir saber se os fornecedores alemães estão dispostos a abrir créditos ao Govêrno Português e aos particulares que fizeram encomendas, até a conclusão dos contratos.
Êle, orador, sabe que alguns dêles estão nessa disposição, se o Govêrno do Reich lhes der o devido consentimento.
Porém, o que é positivo é que já não chegamos a tempo de resolver a questão no prazo determinado pela carta de 2 de Novembro e pelo testo da interpretação.
Era isto que desejava dizer à Câmara para que ficasse inteiramente informada sôbre êste assunto, estando pronto a fornecer aquelas informações de detalhe que puder dar.
O discurso será publicado na íntegra quando o orador haja revisto as notas taquigráficas.
O Sr. António Fonseca: — Sr. Presidente: depois das palavras proferidas pelo Sr. Ministro das Finanças, o daquelas que acabou do proferir o Sr. Ministro dos Estrangeiros, podia dispensar-me de continuar a fazer a defesa da proposta que mandei para a Mesa.
Mas, duas pessoas se referiram ao assunto em termos e condições que me obrigam a dar uma explicação a Câmara.
Uma delas, o Sr. Carlos Pereira, considerou aquela proposta perigosa, porque podia significar que a Câmara dos Deputados omitia um voto contrário aos interêsses nacionais.
A outra pessoa foi o Sr. Norton de Matos, que afirmou que uma questão desta natureza não tinha que ver-se apenas sob o ponto de vista financeiro, mas também sob o ponto de vista patriótico, parecendo, assim, querer significar que seria anti-patriótico sujeitarmo-nos à imposição das circunstâncias que derivam da atitude tomada ultimamente pelo Govêrno Alemão.
A proposta que tive a honra de mandar para a Mesa é uma proposta nítida e exclusivamente financeira. O seu objectivo não é outro que não seja o do habilitar o Govêrno a prevenir uma determinada hipótese. Trata-se de colocar o Estado em condições de poder aceitar o menor mal, se, porventura, tiver de aceitar algum mal.
Os negócios são os negócios; e, nas relações entre países, as questões não devem ser nunca colocadas num campo de irredutibilidade, sob pena de se perderem todas as vantagens, quer para os interêsses, quer para o brio nacionais dos países em litígio.
Acautelemos quanto possível e pelos meios possíveis os nossos interêsses materiais.
Se a minha proposta fôr aceita, que espécie de conclusões poderá tirar o Govêrno alemão, sob o ponto de vista português, em matéria de reparações? Creio que absolutamente nenhumas que nos sejam desfavoráveis.
Na minha, proposta não há nada de que se possa tirar o significado do que o Estado português dá razão ao Govêrno do Reich.
Portanto a minha proposta nem é perigosa, nem é anti-patriótica.
Muitos apoiados.
Ponhamos a questão no seu lugar. Se de facto o Govêrno alemão não aceder aos desejos do Govêrno português, se o Govêrno alemão não transigir, o que tencionam fazer os nossos patriotas? Declarar a guerra à Alemanha?
Eu entendo que, colocados na situação de ter que perder, mais vale perder alguma cousa do que perder tudo.
Eu apresentei a minha proposta, porque imaginei que o Sr. Ministro das Finanças, ao trazer a sua proposta à Câmara, se tinha preocupado apenas com os recursos do Govêrno até à época em que
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poderia entrar em regime normal. E, nestas condições, eu tratei de dar ao Govêrno os meios necessários para poder contar com uma verba que ainda assim não é tam pequena como isso.
E o que diz a isto o Sr. Velhinho Correia? Notas, notas, mais notas!
Ora eu não posso deixar de esboçar um movimento de admiração pela energia e tenacidade com que o Sr. Velhinho Correia clama contra o aumento de notas, depois do saber que S. Ex.ª foi um dos Ministros das Finanças que aumentaram a circulação fiduciária sem ter para isso qualquer habilitação legal.
Muitos apoiados.
Seria, pois, S. Ex.ª a pessoa mais autorizada para vir aqui gritar contra o aumento de notas?
Muitos apoiados.
O Sr. Velhinho Correia: — Só a Caixa Geral dos Depósitos sacou, durante o tempo em que fui Ministro das finanças, mais de 1. 000$ por dia.
O Orador: — Mas, Sr. Presidente, eu não acuso ninguém; e assim não acuso o Sr. Velhinho Correia como responsável pela situação em que nos encontramos, pois que isso seria uma injustiça da minha parte.
O que eu não posso, Sr. Presidente, deixar de estranhar é a atitude de S. Ex.ª sôbre o assunto, pois a verdade é que se não compreende que S. Ex.ª, tendo aumentado a circulação fiduciária, se venha revoltar contra o actual estado de cousas, tanto mais quanto é certo que, se ali estivesse naquelas cadeiras, a fôrça das circunstâncias o obrigariam a proceder de forma idêntica à do actual Govêrno.
O que eu não posso também deixar de estranhar, Sr. presidente, é que se tivesse protegido a alta indústria e a alta finança, pois a verdade é que só ao Banco Nacional Ultramarino foi entregue uma avultada importância.
Apoiados.
Não discuto agora se houve ou não razão para fazer entrega dessa importância ao Banco Nacional Ultramarino, pois que isso é um assunto a apurar mais tarde.
Interrupção do Sr. Velhinho Correia que se não ouviu.
O Orador: — O que na verdade é para lamentar, Sr. Presidente, é que o Sr. Velhinho Correia, quando se fala sôbre um determinado assunto, responda sôbre outros.
Nesta altura trocam-se vários àpartes que não foi possível reproduzir.
O Orador: — Eu, Sr. Presidente, devo dizer em abono da verdade que sou absolutamente contrário a esto regime em que se está vivendo, isto é, de se porem em destaque os homens públicos.
Sou absolutamente contrário, repito, Sr. Presidente, a esta situação grave, gravíssima até; do regime da pedrada, desculpem-mo o termo.
O Sr. Moura Pinto: — Mas para que êsse regime acabe, necessário é que o pobre se não revolte contra a esmola.
O Orador: — É um péssimo sistema êsse, repito, com o qual não posso de maneira nenhuma concordar.
Esta é a minha opinião pessoal.
Não luto senão pela cansa do Estado.
Disse o Sr. Velhinho Correia que havemos todos de ir para a história.
Mas tenho a certeza de que não vou para a história pelos mesmos motivos por que S. Ex.ª irá.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Interrompo a sessão até às 21 horas e 30 minutos.
Eram 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.
Eram 22 horas.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: as considerações que fiz acêrca da proposta mandada para a Mesa pelo ilustre Deputado Sr. António da Fonseca, fi-las no tom e pela forma por que o meu patriotismo entendeu.
Não procurei a fácil eloquência dos tropos do patriotismo a que se referiu o Sr. Ministro dos Estrangeiros, ensinando-nos que só a serenidade deveria presidir a esta discussão.
Sr. Presidente: eu fui o mais sereno que se pode ser, limitando-me a apresen-
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tar à Câmara as dúvidas que entendi; e apesar das respostas dos Srs. Ministro das Finanças e António da Fonseca, S. Ex.ªs não conseguiram convencer-me do que os meus reparos não oram justos.
Disse eu, Sr. Presidente, que na declaração ministerial, se encontrava a afirmação de que o Govêrno procuraria tanto quanto possível lazer valor todos os nossos direitos, e usaria dos instrumentos diplomáticos que regulam o pagamento das reparações alemãs.
Sr. Presidente: êste «tanto quanto possível», dá-me a certeza de que o Govêrno, ao redigir a sua declaração, tinha dúvida sôbre o pagamento integral das reparações.
E, então, surge nesta Câmara, apresentada pelo Sr. António da Fonseca, uma proposta cuja autoria melhor fora que pertencesse ao Govêrno, que define uma situação perante a declaração, que se fez aqui, de que o Govêrno da Alemanha não aceita qualquer modificação à nota de 2 de Novembro.
Porém, pelo agente de ligação sabe-se que será possível qualquer modificação; o a respeito da proposta, o Sr. Ministro das Finanças veio dizer-nos que era um simples adiantamento feito á Alemanha, não deixando nós, no entanto, de ter direito integral às indemnizações constantes do acôrdo de Belmans.
Sr. Presidente: pagar, só paga quem deve pagar, e representa o cumprimento de uma obrigação.
Seguidamente falou o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que salientou, mais de uma vez, que iria dizer somente aquilo que pudesse dizer.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não quis tranquilizar o país nesse sentido.
É de lamentar que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não tivesse apresentado esta proposta, e mais lamentável é S. Ex.ª não estar presente na discussão dêste assunto. S. Ex.ª não está presente porque não quere ou porque não pode.
Nesta proposta não se diz quem é o devedor, mas diz-se quem é que tem obrigação de pagar — que é o Estado Português. Mas evidentemente que não é o Estado Português quem é obrigado a pagar nos termos do acôrdo do Belmans.
Eu tenho a impressão de que é melhor pagar 50 por conto do que perder tudo.
A proposta não devia ser apresentada por qualquer Deputado, mas devia partir das bancadas do Govêrno, principalmente da parto do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que, repito, lastimo não ver presente.
O Sr. António Fonseca (interrompendo): — Então êste Govêrno em quinze dias podia saber tudo, e o outro durante ano e meio não pôde saber?
O Orador: — V. Ex.ª não pode garantir que o Govêrno não o soubesse, e que talvez levasse êsses documentos na sua pasta.
O Sr. António Fonseca (interrompendo): — Êsses documentos, se existiam, devem ter sido elaborados pelas repartições competentes.
O Orador: — Afigura-se-me perigosa a proposta, porque nos coloca na situação de devedores.
É esta a razão por que entendo que é perigosa a proposta de lei em discussão, tanto mais que o Govêrno não sabe se êsses 40:000 contos lhe bastarão.
Mas bem pode acontecer que até a proposta financeira em discussão não baste para pagamento desta quantia.
Fiz uma pregunta concreta neste sentido ao Sr. Ministro das Finanças, que habilmente, tendo prometido uma resposta clara, não respondeu cousa nenhuma. Sei que não foi por menos consideração, mas para ter mais um recurso com o fim de viver desafogadamente.
Há um outro ponto a considerar. É que as reparações alemãs foram pedidas não só pelo Estado, como também por particulares. Eu não sei como é que particulares se apresentaram perante o Estado a pedir que lhes fôsse concedida autorização para fazerem encomendas por conta das reparações alemãs. Sei, entretanto, que há uma proposta do ilustre Deputado Sr. Vasco Borges, pretendendo regulamentar a proposta em que só pede o pagamento das reparações e quais as garantias que há-de dar por êsse aproveitamento.
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Mas o que é certo é que êsse aproveitamento se deu já por particulares. Basta que na proposta em discussão se restrinja a aplicação dos 40:000 contos às reparações pedidas pelo Estado.
Acontece que os particulares que negociaram com a Alemanha através do Estado português não receberam notificação da Alemanha. No relatório não se encontra a lista dêsses particulares.
Pregunto: se o Estado português se desinteressar das encomendas feitas por êsses particulares na Alemanha, o Estado português garante a êsses particulares as indemnizações devidas, porque êsses particulares têm o direito de pedir indemnizações ao Estado português.
O que eu desejo saber é se as entidades particulares vão pedir indemnizações ao Estado.
Nesse caso que o Govêrno Português diga aos importadores nacionais o mesmo que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, na sua linguagem diplomática e serena, afirmou que o Reich dirá aos industriais alemães ao fim das duas semanas: «Governem-se».
Governem-se!
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Fonseca (para explicações): — Pedi a palavra para dar uma explicação à Câmara.
Apresentei a proposta autorizando o Estado a receber do Banco de Portugal um suprimento especial de 40:000 contos, destinado ao pagamento da parte ainda em dívida do material encomendado pelos estabelecimentos do Estado por conta das reparações alemãs, e que o Reich se nega a satisfazer, por me parecer mais prático que o Estado português adquira por 30:000 ou 40:000 contos o que vale 75:000 contos, ou mais.
O que eu vejo, Sr. Presidente, é que a minha proposta alarmou o espírito patriótico dalgumas pessoas, alarmou o espírito de sequência da inteligente política de reparações que se tem feito em Portugal. E desde que assim é, eu, que não tinha outro intuito senão o de colocar o Estado em condições que me pareciam mais favoráveis, desisto da minha proposta, aproveitando, no em tanto, a ocasião para fazer uma pequena declaração, qual é a de que me reservo para no futuro, quando porventura se venha a reconhecer a falta duma proposta idêntica à minha, que dê em resultado um grave prejuízo para a economia portuguesa e para o Tesouro português, o direito de juntar êsse acto a tantos outros que sôbre esta política de reparações têm sido uma verdadeira desgraça nacional.
Muitos apoiados.
O meu intuito, Sr. Presidente, era, repito, o de colocar o Estado em condições que me pareciam muito mais favoráveis, isto é, o de colocar o Estado em condições de poder adquirir por 40:000 contos aquilo que eu sei de antemão que vale 120:000 contos. Porém, como não desejo de forma nenhuma que a maioria deixe de seguir uma orientação diversa daquela que tem seguido até hoje, acêrca da política de reparações, e como não desejo criar mais alarmes, resolvo retirar a minha proposta, certo de que ficarei tranquilo com a minha consciência, pois a verdade é que, não estando ligado ao actual Govêrno, nem à maioria, nem a nenhum grupo desta Câmara, o meu único intuito, repito, como patriota, era criar ao Estado uma situação que se me afigurava mais favorável, isto é, colocá-lo numa situação de forma a que êle pudesse de um momento para o outro tomar as providências que o caso requere.
Se a Câmara dos Deputados votasse a minha proposta colocaria assim o Govêrno na situação de poder até o dia 29 responder ao telegrama enviado.
Nunca fiz questão de qualquer cousa que mande para a Mesa.
Faço as propostas que entendo serem úteis; a Câmara toma-as como entende. Pode inclusivamente não as considerar, porque está no seu planíssimo direito.
Elas servem apenas para se poder dizer que num determinado momento tenho procedido duma determinada forma.
Desejo porém que os factos me desmintam: que não haja sequer a possibilidade de fazer esta efectivação.
O que desejo apenas é pugnar pelos interêsses do Estado.
Nestes termos, tendo pedido a palavra para explicações, não sei se me será permitido fazer um requerimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Sr. Presidente: evidentemente o interêsse do País é compreendido de forma diferente por cada um dos membros da Câmara.
E não é o interêsse individual por que cada Sr. Deputado combate, porque não quero acreditar que entre os portugueses haja quem seja inimigo dos interêsses do País para que se esqueça dele por uma simples questão de política mesquinha.
Nestas condições o Sr. Deputado que apresentou a proposta, entende que a deve retirar?
O Govêrno não põe obstáculo a isso; apenas declara terminantemente que a simples circunstância der não ter podido conhecer u tempo a questão, não é culpa do actual Govêrno que encontrou a questão pendente, não por culpa dos homens, mas das circunstâncias, talvez.
Não havia tempo material, a não ser que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros conseguisse prorrogação de prazo, para poder dar uma resposta à Alemanha.
O Senado só pode reunir no dia 29 em sessão plenária; e daí provirá a impossibilidade de ser aprovada a proposta até ao dia 29.
Portanto a resposta não poderá ser dada no dia 29.
Só com a prorrogação do prazo poderá o Govêrno estar habilitado a pagar.
Apelo para a consciência de V. Ex.ª
Ninguém poderá acusar o Govêrno de culpado desta situação.
Não tem culpa do passado, nem do presente, nem sequer do futuro.
O Govêrno não fez tua a proposta do Sr. António Fonseca.
Se a quiser retirar, é ao Parlamento que compete pronunciar-se.
O Govêrno não tem responsabilidades nesta questão. O Parlamento não é menos patriota que o Govêrno, assumindo neste momento a sua responsabilidade.
Quere S. Ex.ª retirar a sua proposta?
Retire-a.
O Govêrno amanhã, com a indicação que lhe é dada, terá de dizer ao Govêrno Alemão que exige o cumprimento integral do acôrdo Belmans.
E se o Govêrno Alemão se não importar com a declaração do Govêrno Português, o Govêrno Português segue as indicações do Parlamento, e responde por elas perante a Nação.
Apoiados.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. António Fonseca: — Requeiro a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se consente que retiro a minha proposta.
O Sr. Rêgo Chaves: — Em meu nome rejeito a cota parte que possa caber-me no futuro nas responsabilidades tomadas pelo Parlamento.
Vozes: — Pelo Govêrno.
Outras vozes: — Pelo Parlamento.
Uma voz: — Quem não toma as responsabilidades dos seus actos não está naquele lugar.
O Orador: — Sr. Presidente: direi a V. Ex.ª que, não tendo tido conhecimento da situação crítica em que o País se encontra perante o assunto reparações, só as tendo tido hoje, e reconhecendo que a questão apresentada no Parlamento não pode, por culpa seja de quem fôr, ser completamente esclarecida no Parlamento, não posso deixar de reconhecer que ao Sr. Ministro das Finanças incumbo na hora própria tomar as resoluções que entender convenientes aos altos interêsses do País.
Vozes: — Resoluções? Com quê?
O Orador: — Direi o seguinte: Não hesitaria, sentado naquele lugar, em presença duma situação destas, não tendo sanção do Parlamento, em tomar a resolução que entendesse útil aos interêsses do meu País.
Vozes: — Contra as indicações...
O Orador: — Onde estão elas? O Sr. António Fonseca vai retirar uma proposta.
Não tenho que discutir o facto. Falo em meu nome pessoal; nego-me a tomar a cota parte da responsabilidade da resolução que a Câmara vai tomar.
Sr. Presidente: não tenho que discutir o facto; falo em meu nome pessoal e con-
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fio no patriotismo do Sr. Ministro das Finanças que há-de providenciar em relação aos altos interêsses do País.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Se há pessoas a quem eu esteja ligado por uma amizade paterna é o Sr. Rêgo Chaves uma delas.
Entre mim e S. Ex.ª há uma diferença: é que eu não quero ir além do Parlamento e S. Ex.ª quere que se passe por cima do Parlamento.
interrupção do Sr. Rêgo Chaves.
O Orador: — Não é verdade que o Govêrno tenha qualquer outro recurso para fazer face a êsse pagamento. Isso não é verdade. Não o tenho e não o poderei obter senão passando por cima do Parlamento. Mas, em matéria financeira, o Parlamento deve colocar os Govêrnos em condições de poderem caminhar.
Das 400:000 libras são 250:000 para o juro do empréstimo realizado pelo Govêrno. Teremos libras no dia em que seja lei o artigo 2.º e que se tenha realizado o contrato com o Banco de Portugal.
Esta é que é a verdade!
Em 2 de Novembro o Govêrno transacto tinha obrigação de conhecer a situação, e o Govêrno actual não tem culpa da situação que encontrou.
Mandou vir o Sr. Navarro, cônsul de Portugal em França, para. estudar o caso; e o que ficou averiguado é que a culpa será de toda a gente, menos de nós.
Nós não sairemos fora da Constituïção; mas, se o fizéssemos, não parávamos no meio do caminho.
Apoiados.
Uma voz: — Façam a experiência.
Diversos àpartes.
O Orador: — O nosso desejo é trabalhar com o Parlamento; e foi grande o meu espanto quando alguém da maioria nos veio aconselhar um caminho perigoso: aconselhar-nos a que saltássemos por cima da lei. Repelimos êsse conselho; não o aceitamos; mas só desejamos que o Parlamento colaboro com o Govêrno.
Não aconselho nunca uma cousa dessas ao Govêrno, porque de resto está nas mãos da maioria impedir que o Govêrno, para servir os interêsses nacionais, tenha de passar, segundo os seus conselhos, por cima da própria maioria.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: trata-se, em poucas palavras, de arrancar à Câmara dos Deputados mais 40:000 contos.
Vou lembrar à Câmara — porque parte dela está esquecida — alguma cousa que se passou desde que esta proposta começou a ser discutida na especialidade.
O Sr. Ministro das Finanças declarou que aceitava as propostas de emenda que o ilustre leader da maioria enviasse para a Mesa e a Câmara entendesse que deviam ser aprovadas. Ora entre as propostas do emenda que o ilustre leader da maioria enviou para a Mesa e que o Sr. Ministro das Finanças declarou que aceitaria e que com elas governaria, se fossem aprovadas, está a proposta que S. Ex.ª conseguiu ver votada pondo ao dispor do Govêrno 120:000 contos.
Sr. Presidente: nesta ordem de ideas, tendo já o Govêrno conseguido, além daquilo que esperava, qualquer cousa como duas vezes 64:000 contos, não há razão alguma para uma insistência em mais 40:000 contos com o pretexto das reparações alemãs.
Se a convenção do 27 de Dezembro não tivesse sido revogada, para depois ser restabelecida, mas tivesse sido tam somente mantida, como queria o ilustre leader da maioria na proposta que enviou para a Mesa, não obteria o Govêrno essa possibilidade.
Não faz, portanto, sentido que tendo o Govêrno obtido êste acréscimo venha agora pedir mais 40:000 contos com o pretexto das reparações alemãs.
Se vamos por êste caminho será um nunca acabar; e então o melhor é darmos uma autorização pura e simples ao Sr. Ministro das Finanças para aumentar a circulação fiduciária na soma que êle entender.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Finanças repisou hoje
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mais uma vez no patriotismo duvidoso de muita gente. Evidentemente que as suas palavras não podem referir-se à minha pessoa, porque eu fui daqueles que declararam não ter dúvida em votar 40:000 contos para o Govêrno, desde que se dissesse para quê.
Mantenho as minhas afirmações, porque ainda ninguém me demonstrou que eu não tivesse razão. Não se disse ainda para que são êsses 40:000 contos.
Não confundamos.
No dia 29 do corrente o Sr. Ministro das Finanças não precisa dos 40:000 contos; no dia 29 o Govêrno precisa apenas de responder ao Govêrno alemão.
E, depois, não há ninguém que seja capaz de negar ao Govêrno os meios para êsse efeito.
Sr. Presidente: é de salientar que, sendo tam grave a situação de Portugal em matéria de reparações, não fôsse o Govêrno que fizesse essa proposta.
Diz o Govêrno que se desinteressa de que a proposta seja retirada.
Só tem o direito de se desinteressar quando a proposta já não seja necessária, quando elementos novos de informação garantam ao Ministério que é desnecessária a aprovação da proposta; porque, desde que a aceitou, tem de dizer ao Parlamento que quere que ela se mantenha.
A proposta é ou não é necessária?
Ninguém melhor do que o Govêrno o deve saber.
Se é necessária, diga isso ao Parlamento; e, se êste lha rejeitar, então é que pode atribuir-lhe as responsabilidades.
Então é que aquele que não votasse a proposta praticaria, evidentemente, um acto de verdadeira falta de patriotismo.
Mas, antes de o Govêrno nos dizer que considera a proposta absolutamente necessária, nós não temos o dever de a aprovar, nem responsabilidades algumas podem caber ao Parlamento, relativamente à situação criada com a Alemanha.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: eu não estava inscrito no debate que se travou em volta do artigo novo mandado para a Mesa pelo Sr. António da Fonseca; mas como S. Ex.ª resolveu retirar a sua proposta, eu vejo-me forçado a usar da palavra sôbre o modo de votar.
Eu tenho a impressão de que estamos a criar uma atmosfera de gravidade sôbre um caso que a não comporta.
Sabe a Câmara que esta atitude do Govêrno alemão se desenhou na ocasião em que o gabinete Strasseman resolveu encetar démarches junto dos Govêrnos aliados, para uma revisão do Tratado do Versailles, tendente a reduzir a dívida alemã.
No dia 24 de Outubro, o Govêrno alemão julgou ter preparado as cousas por forma que o comité dos peritos se reunisse.
O Govêrno francês opôs-se ao ponto de vista alemão e o comité de peritos não chegou a reunir-se.
Eu tenho a impressão de que êste problema foi examinado por quem de direito, mas sem se lhe atribuir aquela gravidade que hoje se lhe pretende dar.
Dada a situação actual da Alemanha, não há razão para preocupações.
O Govêrno, que fez aos Govêrnos aliados a comunicação que nós estamos neste momento apreciando, pediu já a sua demissão.
E foi no dia 13 de Novembro que o Govêrno do Reich concordou com a comissão de reparações em mandar os seus peritos a Paris.
Isto coincidiu com o corte das prestações en nature; e diz mais a nota oficiosa que no dia 23 de Novembro corrente resolveu a comissão ouvir os técnicos alemães.
Portanto, toda a questão de reparações, todas as intimativas da parte do Govêrno alemão, todas as pressões exercidas sôbre os aliados, recebidas em 2 de Novembro, perderam toda a sua acuidade desde que a comissão de reparações resolveu em 23 de Novembro ouvir uma comissão de técnicos alemães para estudar de novo todo o problema de reparações.
Ora o dia 23 foi na sexta-feira passada; e nesse mesmo dia reüniu-se de facto a comissão de reparações com os representantes do Govêrno alemão.
Tenho aqui a nota oficiosa dessa reunião, pois que chegou hoje de manhã a Lisboa.
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Por ela se vê que, sendo o sábado dia feriado e ontem domingo, só amanhã, têrça-feira, é que a comissão de reparações se reunirá com os delegados do Govêrno alemão para deliberar.
Vejam V. Ex.ª como eu, depois de me ter alargado mais do que desejava, tinha razão em falar sôbre o modo de votar, para dizer que êste caso não tem a tal gravidade que se está apregoando.
Vai reunir amanhã a comissão para resolver com a máxima competência sôbre êste assunto que interessa a todos os aliados.
O nosso delegado ainda poderá regressar a tempo de conhecer das deliberações que a comissão vai tomar.
Portanto, a data de 29 dêste mês deixou do ter o significado que tinha em 2 de Novembro, porque os acontecimentos políticos que se deram na Alemanha e as conferências na comissão de reparações deram um resultado contrário.
Aqui tem V. Ex.ª o meu ponto de vista.
Eu julgo que esta questão não tem aquela acuidade, quer no campo diplomático, quer no campo interno, que se lhe estava dando. O Govêrno tem muito tempo para estudar o assunto, e terá tempo de vir à Câmara pedir que o habilito com os instrumentos de crédito necessários.
Eu ainda chamarei a atenção de V. Ex.ª para a minha afirmação de há pouco: é que não julgo que seja preciso, hoje ou amanhã, enviar dinheiro para a Alemanha, e julgo até que não o devemos enviar.
É verdade que nós íamos com 40:000 contos adquirir de pronto o que vale 120:000 contos; mas seria um péssimo precedente nós irmos começar ã fazer isso, porque suponho que nenhum País ainda o fez.
Ainda agora citou-se aqui que a França tem estado a adiantar dinheiro à Alemanha.
Ora nós temos que pensar bom nas palavras que dizemos, porque elas, sendo mal interpretadas, podem dar resultados contrários àquilo que queremos.
A França não tem tal enviado dinheiro à Alemanha; tem adiantado dinheiro à Alemanha por conta das reparações que devo receber para a reconstrução das regiões devastadas.
Nestes termos, eu creio que a Câmara entenderá que a questão não tem gravidade e, portanto, que nós podemos por agora retirar da discussão a proposta do Sr. António da Fonseca.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. José Domingues dos Santos: — Sr. Presidente: eu vou pôr a questão, em nome do Partido Republicano Português, nos termos mais simples, mais correctos o mais verdadeiros.
Sr. Presidente: o Partido Republicano Português entendo que o Sr. António Fonseca ao apresentar a sua proposta procedeu, naturalmente, levado por um alto espírito de patriotismo; porém, acostumados como estamos a ouvi-lo, desde que S. Ex.ª se apressa a retirá-la, dá-nos a impressão de que êle não julga a sua proposta de um interêsse tam imediato na sua aprovação que não possa de facto por agora prescindir dela.
O Govêrno, Sr. Presidente, encontra-se já no poder, deve haver treze ou catorze dias; e assim acho extraordinário que ao apresentar as suas propostas se tivesse esquecido do assunto.
Desta forma, Sr. Presidente, parece-me que na verdade não há vantagem alguma em se votar de afogadilho um assunto que tem um alto alcance.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros está tratando do assunto; e, assim, não me parece que seja conveniente que o Parlamento vá votar uma autorização, pela qual se diz que estamos dispostos a pagar aquilo que nós devemos sustentar que não temos a obrigação de pagar.
Apoiados.
A Alemanha Sr. Presidente, pretende deixar de cumprir os seus compromissos; e não me parece que devamos ser nós os primeiros a dizer-lhe que estamos dispostos a aceitar o seu ponto de visto, que é o de não pagar aquilo que nos deve.
Sr. Presidente: em meu entender êste é um assunto que deve ser tratado o ponderado, não com irritações, com ameaças ou agravos, mas com toda a serenidade.
Trata-se, Sr. Presidente, de um assunto de nosso interêsse; e, assim, entendo que êle deve ser ponderado com elevação, pois a verdade é que em assuntos desta natureza não deve haver
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partidos, mas sim, somente, o interêss da Pátria.
Apoiados.
Estamos, Sr. Presidente, demasiadamente irritados em volta de um problema que pode e deve ser tratado com toda a elevação.
O Govêrno, pois, se assim o entender, poderá trazer a esta Câmara uma proposta para ser devidamente apreciada e discutida, dentro do prazo que o Govêrno julgar conveniente, tanto mais quanto é certo que a proposta do Sr. António Fonseca não pode ter efectivação por parte do Govêrno até o dia 29.
Porque não há-de o Govêrno trazer uma proposta para com dispensa do Regimento, e urgentemente, poder resolver-se?
A Câmara não deixará de colaborar com o Govêrno.
Porque não há-de proceder assim?
Proceda-se com serenidade.
Já hoje se proferiram aqui palavras que não deviam ter sido proferidas.
Sem agravo e sem querer irritar a questão, a maioria da Câmara estranhou que o Sr. Ministro das Finanças dissesse que mandaria dizer ao Govêrno alemão que não está habilitado a pagar o que deve pagar.
O Govêrno não deve dizer isso ao Govêrno alemão, mas sim que não lhe reconhece os direitos, deixando de cumprir as suas obrigações integralmente, e que não pagaria, por isso, o que entende não dever pagar.
Assim a questão era entre o Govêrno Português e o Govêrno alemão, sem necessidade de comprometer o Parlamento no seu prestígio, nem o bom nome português.
Disse há pouco que não quero irritar o debate.
Tem sido sempre essa a minha forma de proceder; nunca proferi aqui palavras impensadas e muito menos as poderia proferir neste momento.
Temos o dever de ser correctos, e não irritar uma questão que só pode ser resolvida dentro desta elevação que deve ser a norma dum Parlamento.
Bom seria que S. Ex.ª não tivesse proferido as palavras impensadas que proferiu.
O Partido Republicano Português não pode dar o seu voto à proposta do Sr. António Fonseca.
O orador não reviu.
O Sr. Fausto de Figueiredo: — Disse há pouco o Sr. José Domingues dos Santos que esta questão deve ser discutida com a maior serenidade e tranquilidade. É assim que eu procederei.
Não percebi as razões que levaram o Sr. António Fonseca a retirar a sua proposta.
Intervim nesta questão porque ela é importante de mais para que não fôsse esclarecida por quem de direito.
Era o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que o devia fazer; e pela minha parte não estou arrependido de ter sido esclarecido.
Não vejo fundamento para o Sr. António Fonseca ter retirado a sua proposta.
Apoiados.
E, Sr. Presidente, porque estou convenientemente esclarecido, depois das considerações o esclarecimentos produzidos pelo Sr. Ministro das Finanças, e depois dos esclarecimentos produzidos pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, eu entendo que a Câmara tem obrigação restrita de ponderar e reflectir no acto que vai praticar.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros disse à Câmara muito serenamente, muito tranquilamente, que Portugal na questão de reparações estava entregue à sua própria sorte.
Quere dizer que êste caso foi pôsto na comissão de reparações e que essa comissão entendeu que não devia preocupar-se com o nosso País, aconselhando-nos a que tratássemos de nós próprios.
Esta é a verdadeira questão.
É claro, Sr. Presidente, que seja qual fôr o nosso prestígio e o nosso apregoado patriotismo, estamos infelizmente na questão que se debate entregues exclusivamente a nós.
E isso quere dizer que devemos envidar todos os esfôrços e sermos absolutamente prudentes para de facto não perdermos aquilo que, pelo menos hoje, está assegurado, isto é: a parte com que o Govêrno alemão contribuiu, e que, segundo informações prestadas pelos Srs. Ministros das Finanças e Estrangeiros, é a única parte que o Govêrno alemão está disposto a
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manter, se a outra parte em questão estiver disposta a pagar o saldo que falta.
Estou plenamente convencido de que não há ninguém que entenda o contrário, isto é, que não sejam de aproveitar cêrca de 60:000 ou 70:000 contos que o Govêrno alemão entregou já ao Govêrno português por conta de reparações.
Neste caso quero estar muito à vontade, porque me refiro exclusivamente a contratos que interessam o Estado, deixando os particulares entregues a si próprios.
Tenho razões para fazer esta afirmação.
Julgo, repito, que não há ninguém que pense o contrário; porque o contrário seria jogar uma má cartada, embora assim não pense o Sr. Jaime de Sousa, perdendo-se aquilo que o Govêrno alemão entregou já ao Govêrno português e que está disposto a manter, desde que lhe entreguemos o saldo que falta para receber as encomendas feitas.
Esta é a verdadeira questão.
Sr. Presidente: é no dia 29 do corrente que termina o prazo.
O Govêrno alemão determinou que se até essa data o Govêrno português não se comprometesse a assegurar o pagamento do saldo em boa moeda-ouro, se julgava no direito de não subsistir a importância já dada.
É isto que se passa; e o Sr. Ministro das Finanças vem dizer à Câmara que não quere tomar a responsabilidade de negociar sequer na contingência de amanhã não ter dinheiro para assegurar êsse pagamento.
Acho que o Sr. Ministro das Finanças, seja qual fôr o tem impulsivo com que S. Ex.ª tratou esta questão, tem razão.
Acho que o Sr. Ministro das Finanças, quando amanhã o Sr. Ministro dos Estrangeiros entenda que a questão é de negociar, deve ter a certeza absoluta de que possui os meios financeiros bastantes para ocorrer àquilo que fôr obrigado a pagar.
É uma questão de critério, é uma questão de confiança.
O Govêrno entendo que só pode começar a negociar, do novo no dia 29, se estiver habilitado financeiramente.
Não é preciso que o Senado concordasse com a proposta do Sr. António Fonseca.
Trata-se porém não de alijar responsabilidades, mas dos interêsses do País.
Neste ponto não vale a pena apelar para o patriotismo de todos, pois na Câmara dos Deputados e no Senado há inteligência bastante para encarar a questão, dando ao Govêrno elementos necessários, porque estão em jôgo cêrca de 70:000 contos que o Estado há-de pagar.
É esta a verdadeira questão.
Mas é de lamentar que o Sr. António Fonseca leve por diante o seu requerimento.
É de lamentar que a Câmara lho consinta.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e interino do Trabalho (Pedro Pita): — Usa da palavra para servir-se de informações que lhe foram dadas por funcionários do seu Ministério.
Êle, orador, ignora se a Câmara sabe que entre as encomendas feitas pelo Govêrno português, pela verba das reparações, há dezoito carruagens para ambulância postal, e vário material para serviço dos caminhos de ferro.
Para que a Câmara veja em que estado está a questão, o orador lê à Câmara as informações do administrador geral dos correios e telégrafos.
Por ela se vê que todas as negociações que há a fazer têm de estar concluídas até 29 do corrente, sob pena de o Govêrno alemão chamar a si as encomendas feitas e receber as mercadorias por conta das quais temos determinada quantia a pagar ainda.
Foram enviados funcionários à Alemanha para ver se Portugal não perde a despesa já feita e se recebe essas mercadorias.
Segundo a opinião do Administrador Geral dos Caminhos de Ferro do Estado seria desastroso para o Estado abandonar neste momento as encomendas já feitas.
O orador lê ainda à Câmara algumas informações prestadas pelo Sr. Administrador Geral dos Correios e Telégrafos, quanto às ambulâncias postais.
O Sr. Carlos Pereira (interrompendo): — V. Ex.ª pode dizer-me a data da informação?
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O Orador: — A dos correios e telégrafos é de 24 de Novembro e a dos caminhos de ferro de 23 do mesmo mês.
Interrupção do Sr. Jaime de Sousa, que não se ouviu.
O Orador: — O que êle, orador, desejava é que S. Ex.ª lhe dissesse se esta informação não é verdadeira.
O Sr. Jaime de Sousa: — Presentemente a situação da Alemanha está alterada.
O Orador: — Entendeu êle, orador, que não devia resolver por si só estos dois casos, e submeteu-os a Conselho de Ministros, ao qual indicou que esta questão deveria ser trazida à Câmara.
E a razão é a seguinte: êle, orador, sabe que se o Govêrno resolvesse o assunto no sentido de arranjar as quantias necessárias, sem vir à Câmara pedir a necessária habilitação, não faltaria quem dissesse que o Govêrno não devia ter pago, para não reconhecermos direitos nenhuns à Alemanha.
O Govêrno não fez as encomendas somente pelo prazer de receber da Alemanha o que ela deve pelas indemnizações, mas sim pela necessidade que tinha e tem dessas mercadorias.
Se pelo contrário o Govêrno resolvesse no sentido de não pagar, não faltaria quem dissesse que o Govêrno, por uma resolução sua, tinha atirado fora cêrca de 70:000 contos.
Nestes termos parece-lhe que o meio de resolver o assunto encontra-se na proposta apresentada pelo Sr. António Fonseca, a qual habilita o Govêrno a fazer face a êsses encargos, não implicando isto qualquer reconhecimento por parte do Parlamento ao modo de proceder da Alemanha.
O discurso será publicado na íntegra quando o orador haja revisto as notas taquigráficas.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Sr. Presidente: o Sr. Jaime de Sousa tranquilizou-nos por completo. Seguro da mecânica das relações internacionais, conhecendo o funcionamento da Comissão de Reparações, perante um problema que se afigura de gravidade a tantos portugueses, o Sr. Jaime de Sousa teve as palavras tranquilizadoras:
«A Comissão de Reparações vai tomar gravíssimas resoluções, mas ainda não as tomou, descansem».
Ora eu por mim não fico nada tranquilo, porque sôbre o nosso caso particular a Comissão de Reparações já resolveu e parece ter-se desinteressado singularmente dêle.
Apoiados.
Estas são as informações oficiais, às quais o Sr. Jaime de Sousa contrapõe os seus conhecimentos particulares de política internacional.
A Câmara que julgue simultâneamente das razões do Govêrno e das razões particulares do Sr. Jaime de Sousa.
Depois o Sr. José Domingues dos Santos pôs a questão em nome do Partido Democrático.
Êste partido entende que a proposta do Sr. António Fonseca é dispensável por várias razões.
Uma delas é porque o Govêrno, que tratou ontem de perfilhar a proposta, não só resolveu a apresentá-la. Ora a verdade é esta: o Govêrno, agradavelmente surpreendido pela apresentação da proposta António Fonseca, não tinha de reincidir sôbre a matéria; fê-la sua, declarou que a perfilhava, porque lhe resolvia um problema grave, embora o Sr. Deputado apresentante, como o Sr. Ministro dos Estrangeiros poderá dizer a V. Ex.ªs, tivesse sido muito modesto nos números que apresentou à consideração da Câmara, porque realmente os 40:000 contos da sua proposta são insuficientes para fazer face aos encargos, sobretudo se atendermos à situação que me parece também grave das colónias.
O Sr. José Domingues dos Santos teve uma razão que me parece pouco de considerar neste caso. Declarou êle que o Govêrno Português está negociando, que ainda não se conheço o resultado das negociações, e que assim não merece a pena estarmos a antecipar o resultado dessas negociações, antes devendo esperá-lo, apresentando depois o Govêrno uma proposta documentada ao Parlamento se o julgar necessário. Ora uma das questões postas pelo Govêrno Alemão, até agora, é
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que o prazo do dia 29 é pura êle improrrogável.
Há, todavia, uma vaga esperança, através das negociações do Sr. Ministro dos Estrangeiros, que nos faz prever que talvez possamos levar o Govêrno Alemão a transigir numa questão de prazo, embora disto não tenhamos certeza.
De resto, quando eu perfilhei em nome do Govêrno a proposta do Sr. António Fonseca, fi-lo na convicção de que era possível levar o Senado a aprovar essa proposta antes do dia 29. Estava muito longe de me lembrar nesse momento da mecânica do funcionamento actual do Senado; e então pedi ao Sr. Augusto de Vasconcelos que me informasse da data em que lá podia estar aprovada a proposta, pedindo aos Srs. Senadores que por patriotismo conseguissem uma rápida discussão.
Explicou-me, então, S. Ex.ª que, tendo a proposta de ir à secção primeiro, não podia já ir à sessão plenária de amanhã, mas só à de sexta-feira próxima. Estava nisto, supondo que os influentes da maioria iriam pedir aos seus correligionários do Senado para reparar a situação, quando vejo que se levantam dúvidas sôbre a necessidade da proposta e mesmo sôbre a sua urgência.
Nestas condições o que é que o Govêrno tem de fazer?
Cada um assume as responsabilidades que lhe couberem.
O Govêrno, que acima de tudo tem o propósito de legalizar a situação do Estado, pratica um acto que tanto serve ao actual Govêrno como a qualquer outro.
Que importa estar a discutir com o Govêrno Alemão se de pode dizer que não vai além do dia 29 do corrente?
Só o Parlamento recusar os meios necessários, o Govêrno não tem maneira de fazer qualquer combinação com o Govêrno Alemão, porque o Parlamento lhe tirou a primeira arma que era necessária para iniciar as negociações.
Disse o Sr. José Domingues dos Santos que se tinha ameaçado. Ninguém ameaçou.
O que se disse é que não havia o direito de perder uma verba que nos é necessária.
O Govêrno, repito, quere sujeitar-se às decisões do Parlamento e não deseja ir para uma situação perigosa.
Assim não se deminui a autoridade que o Sr. António Fonseca tem, porque S. Ex.ª é uma pessoa inteligente e que tem um alto prestígio parlamentar.
O Sr. José Domingues dos Santos parece ter depreendido, da maneira como o Govêrno pôs a questão, que havia uma pressão sôbre o Parlamento.
S. Ex.ª não quis ser justo para comigo, nem para com o Govêrno, nem para com o Parlamento.
O Parlamento é incapaz de receber pressões de alguém e os meus colegas são incapazes de as quererem exercer.
Eu não tento nada para, nesta sessão prorrogada, V. Ex.ªs aprovarem ou não a minha proposta; e contudo considero que o que V. Ex.ªs tomaram como um desejo de estabelecer pressão sôbre o Parlamento é inevitável.
Eu julgo, com efeito, indubitável a suspensão de pagamento aos funcionários públicos.
Não é uma decisão tomada de ânimo leve não é uma pressão sôbre o Parlamento; mas é a consequência de um dever para comigo mesmo, para com o Parlamento e para com o País.
Se amanhã o Banco de Portugal me disser que está a retirar das suas cobranças aquilo que lhe é necessário para, sem aumento de notas, fazer face aos pagamentos, eu julgo-me obrigado a ordenar a suspensão de pagamento aos funcionários públicos.
Qualquer que seja o alarme provocado, êsse é o meu dever.
Não tomem V. Ex.ªs as minhas palavras, repito o, como uma pressão, nem o adiamento, por uns dias, do pagamento aos funcionários públicos é uma fatalidade tam grande. É que entendo que não devo cometer uma irregularidade, dispondo a meu talante dos prelos do Banco do Portugal.
Temos a vontade de resistir a todo e qualquer embaraço, sobrepondo o cumprimento da lei a todas as paixões para bem servir o País.
Se é preciso sermos carrascos para aqueles que não têm lugar, dadas as condições paupérrimas do Estado, dentro do orçamento, seremos inexoráveis. E aqueles que estão convencidos de que a minha
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acção vai limitar-se à compressão do despesas enganam-se.
Aqueles a que hoje desagrado é possível que amanhã agrado.
O Sr. Fausto de Figueiredo teve razão quando, sendo justo para como Govêrno, afirmou que achava melhor que fôsse retirada a proposta do Sr. António Fonseca.
Eu não posso deixar de aplaudir as palavras patrióticas do Sr. Fausto do Figueiredo, palavras que lho foram determinadas poios seus bons desejos do servir o País.
O Govêrno não pretende lançar culpas sôbre o Parlamento; o que afirma é que não tem responsabilidades na situação criada, pois que ainda há poucos dias terminou a sua apresentação no Senado e tem estado em condições de nada poder fazer.
Assim, suponho que o Parlamento está completamente esclarecido sôbre as intenções do Govêrno, e o Sr. Ministro dos Estrangeiros poderá acrescentar qualquer detalhe sôbre a questão.
O Parlamento vai com certeza votar com a convicção de bem servir o País.
Não peço o apoio ao Parlamento, nem faço qualquer cousa que signifique mendigar um voto.
Deixamos a resolução da situação ao Parlamento; e êle resolverá em sua consciência.
Se a sua resolução mal servir o País, não é nossa a culpa.
Fique a cada um a responsabilidade que lhe cabe.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Vasco Borges (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: não estou nem podia estar de acôrdo com a afirmação que há pouco fez o meu colega Sr. Jaime de Sousa, pois que esta questão não tem aquele ambiente de gravidade que pretende atribuir-se-lhe, embora tenha muita importância e careça de ser judiciosamente ponderada por parto do Parlamento.
Não obstante as afirmações já produzidas nesta Câmara, eu não posso compreender que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros possa ter, em nónio de Portugal e em faço da Alemanha, outra atitude o outra política que não sejam de protesto violento e veemente contra a Alemanha.
Assim, Sr. Presidente, eu não posso deixar de classificar de favor a atitude que se pretende tomar.
Não acho justo, pois, que o Parlamento vá antecipadamente tomar uma resolução sôbre um assunto que a meu ver deve ser devidamente ponderado pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Nestas condições, Sr. Presidente, eu declaro francamente que não posso compreender nesta hora a votação da proposta do Sr. António Fonseca, por isso que ela pode ir até certo ponto prejudicar o bom andamento das negociações por parte do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, prejudicando-se assim os nossos direitos, que devem ser os de levar a Alemanha a entregar-nos aquilo que nos deve.
De resto, Sr. Presidente, a proposta do Sr. António Fonseca não pode a meu ver ser votada pelo Parlamento, pois a verdade 6 que ela pode colocar a Câmara em situação de não poder assumir semelhante responsabilidade, visto ela vir desacompanhada de todos os elementos indispensáveis.
A Câmara, Sr. Presidente, a meu ver, desta forma não tem autoridade para se poder pronunciar abertamente sôbre o assunto que é bastante delicado e deve ser ponderado devidamente.
É esta na verdade, Sr. Presidente, uma questão melindrosa que não é fácil resolver sem ser ponderada devidamente.
Pela proposta do Sr. António Fonseca, Sr. Presidente, pretende-se aumentar a circulação fiduciária em 40:000 contos para pagar o material encomendado à Alemanha e que ela nos tem de entregar; porém, ao fazer-se êsse cálculo dos 40:000 contos apenas se teve em vista aquele material que o Estado tem a receber, como sejam os fornecimentos a fazer aos Caminhos de Ferro do Estado e à Administração dos Correios e Telégrafos, ficando de fora todo o restante material destinado a particulares.
Eu, Sr. Presidente, devo dizer em abono da verdade que não acho justo êste critério, e digo que não é justo com tanta mais razão quanto é certo que se fala apenas nos materiais a fornecer aos Caminhos de Ferro do Estado e à Adminis-
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tração dos Correios e Telégrafos, não se falando nos materiais a fornecer para as províncias do Angola e Moçambique, as quais também fizeram as suas requisições de material.
Eu pregunto, pois, Sr. Presidente, qual é a situação destas províncias que também têm direito a receber os materiais que têm encomendado.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Eu devo dizer a V. Ex.ª que tanto a província de Angola como a de Moçambique têm a sua autonomia financeira, e daí o motivo de se falar somente nos materiais para a metrópole, tanto mais quanto é certo que os materiais para essas províncias, visto a sua autonomia financeira, devem ser adquiridos com os próprios recursos das mesmas províncias.
O Orador: — Não acho justo, tanto mais quanto é certo que, a meu ver, isso pode ser um prejuízo para o Estado, não só no que diz respeito aos materiais para as províncias, como o destinado a entidades particulares.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Eu já disse a V. Ex.ª que as províncias têm a sua autonomia financeira própria; e assim estão habilitadas com os seus próprios recursos para poderem efectivar êsse pagamento.
Quanto aos particulares é que V. Ex.ª deve compreender, muito bem que o Estado não poderá atender a todas as situações, pois, se assim fôsse, seriam necessários não só 40:000 contos, mas 80:000 ou mais, o que não pode ser.
O Orador: — É na verdade, Sr. Presidente, a meu ver, êste um assunto muito melindroso, que se não pode resolver sem ser ponderado devidamente.
Essas colunas do templo podem cair por termos tomado uma resolução impensada, em matéria de tanta gravidade; e essa gravidade é tanto maior, quanto ainda nem sequer sabemos a quanto ascenderão os prejuízos da resolução impensada que adoptarmos.
Apoiados.
Vozes: — Muito bem.
O Orador: — Há uma cousa que já está averiguada: é que a proposta do Sr. António Fonseca estava mal fundamentada.
Apoiados.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Júlio Dantas) (interrompendo): — Posso dar todos os esclarecimentos que V. Ex.ª desejar. Não estou aqui para outra cousa.
O Orador: — Fica absolutamente de pé o que disse. O Estado é que vai sofrer prejuízo com a falta dêsse pagamento da parte do Reich.
Por conta das reparações, o Estado português havia feito encomendas de diverso material para estabelecimentos do Estado; mas pelo que diz respeito às entidades particulares que haviam também, encomendado mercadorias não me encontro em situação de conhecer essas encomendas que vão ser abandonadas.
Suponha-se que tinha encomendado locomotivas que deviam custar 5:000 libras de que o Govêrno alemão já havia pago 8:000. Restam por pagar 2:000 libras. Essa entidade particular não quere pagar. Não paga.
Se por fim o Reich não levar à conta do seu haver essa quantia de 2:000 libras, lança-a em prejuízo do Estado Português. E esta circunstância é tanto de atender que o Sr. Ministro começou por afirmar que o Govêrno alemão insistia no seu direito. Desta maneira o Estado terá sofrido essa perda em conformidade com a despesa feita, se até 29 do corrente não se der uma resposta.
Não há nada que me convença de que nos devamos sujeitar a uma tal imposição (Apoiados) nem há nada que me faça considerar, como boa, a posição em que o Govêrno nos quere colocar — estender o pescoço ao alemão para deixar que êle no-lo corte.
Apoiados.
Julgo que se não deve aceitar essa imposição.
Não se deve consentir nesse acôrdo com o alemão que pretende de novo rasgas os tratados de paz.
Apoiados.
É preciso que Portugal não se preste a submeter-se à imposição do Reich.
Apoiados.
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É preciso que não deixemos calcar a nossa dignidade de vencedor.
Apoiados.
Temos obrigação de reagir.
Apoiados.
Estamos desarmados perante a Alemanha? Não é caso para invadir a Baviera. Mas o que podemos é usar de represálias.
Apoiados.
Podemos usar de represálias e estamos em posição de ameaçar o Govêrno alemão com prejuízos.
Portanto nesta hora o meu patriotismo impede-me de aprovar a proposta do Sr. António Fonseca.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: sabe V. Ex.ª que em toda a discussão, êste lado da Câmara pouco tempo tem tomado, pois reconhece a gravidade dêste momento que não é para lutas políticas, mas de grande responsabilidade para o Parlamento.
Sobretudo o que não é admissível é que quem não tem autoridade venha lançar culpas sôbre os outros, quando êle as tem o grandes.
Quando há pouco o Sr. António Fonseca apresentou a sua proposta, logo ou disse que nós não podíamos aprovar essa proposta. Repito-o agora.
S. Ex.ª não devia apresentar a proposta nesta ocasião. Devia primeiro ser apresentada a proposta do Sr. Ministro.
Eu voto o requerimento do Sr. António Fonseca para retirar a sua proposta.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Júlio Dantas): — O orador começa por dizer que devemos estar tranquilos.
O Sr. Domingos Pereira com a maior nobreza e elevação de carácter já esclareceu o assunto; e êle, orador, tem muito prazer em prestar a S. Ex.ª a sua homenagem pela forma como foi apresentado o assunto na comissão do reparações.
Razão teve o Sr. Ministro das Finanças ao afirmar que a verba indicada na proposta do Sr. António Fonseca era, ainda, insuficiente.
O orador lê à Câmara as conclusões do apuramento a que mandou proceder. Por elas tomarão V. Ex.ªs conhecimento exacto da questão sob o ponto de vista financeiro, reconhecendo também que a verba prevista na proposta do Sr. António Fonseca é, na realidade, insuficiente.
Deve, ainda, informar a Câmara — visto que a sua função, neste momento, é a de informar e não a de discutir — de que o dia 29 não marca o limite do prazo dentro do qual temos de pagar. O que nós temos de fazer até o dia 29 é declarar se estamos ou não dispostos a pagar, o que é diferente.
O resultado das negociações feitas até agora não é, positivamente, uma sombra. Nós já sabemos que alguns dos fornecedores, desde que o Govêrno do Reich o permita, se encontram na disposição de abrir créditos a favor do Govêrno Português até o termo dos contratos.
O último documento que tem em seu poder, relativamente a reparações, deixa-lhe supor que a conclusões satisfatórias poderemos chegar, ainda, quanto ao adiamento do prazo.
É a declaração feita pelo adjunto da Legação do Berlim que o orador passa a ler.
Êste documento é de 20 do corrente mês, e não lhe consta que haja quaisquer outros.
Por conseguinte, podemos chegar talvez a uma conclusão satisfatória, para o caso do Parlamento entender que deve pagar-se.
É esta a situação no que toca à Comissão de Reparações, a qual está reduzida a um comité franco-belga, que cura apenas dos seus interêsses, tendo nós, apenas, voto consultivo e só nos assuntos que nos disserem respeito.
Nós devemos fazer mais do que o protesto que quere o Sr. Vasco Borges, que na verdade já foi feito pelo seu ilustre antecessor, com tanta nobreza. Devemos avançar um pouco mais, se a Alemanha entrar no caminho aberto das represálias.
Apoiados.
Eram estas as explicações que entende dever dar à Câmara.
O Sr. Carlos Pereira (interrompendo): — V. Ex.ª diz-me se na nota que V. Ex.ª leu a Câmara, estão incluídas as encomendas feitas pelos particulares?
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O Orador: — Deve dizer que já mandou expedir a essas entidades um mapa discriminativo do estado da questão e onde constam os saldos que têm de pagar, se quisessem que as encomendas se efectivem.
O Sr. Carlos Pereira: — Quere dizer, V. Ex.ª neste momento não pode dizer ao Parlamento quais os cheques pagos pela Alemanha por conta das reparações, nem o quantitativo das encomendas particulares.
O Orador: — Não tem ali presentes êsses apontamentos mas pode trazê-los amanhã.
O Sr. Carlos Pereira: — Desejava também que V. Ex.ª me informasse, se não seria melhor para a economia nacional, que o Govêrno Português pagasse êsses saldos, obrigando, no entanto, os particulares a caucioná-los.
O Orador: — A sua opinião pessoal é que o Estado tem toda a vantagem em defender, quanto possível, essas entidades.
São caminhos de ferro cuja importância é grande para a economia do País.
Concluindo as suas considerações, crê que no exercício das suas funções fez e está fazendo o possível por salvaguardar os interêsses e a dignidade da Nação.
Vozes: — Muito bem.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. António Fonseca: — Quero explicar os motivos que me levaram a apresentar a minha proposta.
Depois das palavras do Sr. José Domingues dos Santos e das referências aqui feitas pelo Sr. Ministro das Finanças, ao assunto, entendi que era necessária a proposta que apresentei.
E, assim, alvitrei a S. Ex.ª, o Sr. Ministro das Finanças, tomar a iniciativa duma proposta como aquela que mandei para a Mesa.
Fiz a proposta e mostrei-a ao Sr. Ministro e a vários parlamentares.
O Sr. Ministro das Finanças achou-a bem e eu mandei-a para a Mesa.
Procedi assim, de preferência a que S. Ex.ª o fizesse, precisamente por saber que uma proposta apresentada por um Sr. Deputado não tem o mesmo significado que tem quando apresentada por qualquer membro do Poder Executivo.
Não há ninguém que não compreenda isto; e assim escuso de alongar-me em mais explicações.
Achei pois melhor que a iniciativa da proposta partisse de um Deputado do que do Govêrno. Aqui está a razão por que mandei a proposta para a Mesa.
E porque é que a retiro agora?
Bastou-me ouvir as palavras do Sr. José Domingues dos Santos para não ter dúvidas sôbre a atitude do Partido Democrático que seria de reprovação.
Sabia, pois, que havia quem aprovasse e quem rejeitasse; e entendi que era preciso não colocar na Mesa uma cousa que ia dividir republicanos, uma cousa que constitui uma questão internacional de grande gravidade e que pode ter consequências importantes.
Mas havia ainda outro motivo.
Não ignora a Câmara que as propostas rejeitadas não podem ser renovadas na mesma sessão legislativa; ora amanhã os factos podem desmentir as opiniões optimistas dos Srs. Jaime de Sousa e Vasco Borges, e ser outra a opinião dominante na Câmara, sendo necessário autorizar o Govêrno a fazer qualquer cousa.
Feitas estas declarações eu fico neste momento tranquilo, pois não tenho o direito de ser o pomo de discórdia entre as pessoas que dizem estar unidas para haver uma continuidade tam forte e tam grande que aproveitasse, não ao partido A ou B mas a todos os partidos. Se isto não fôr possível, a culpa não é minha. O meu dever, neste momento, é pedir à Câmara que autorize que eu retire a minha proposta.
É talvez a melhor solução para o futuro.
Depois destas explicações sem o intuito de tomar tempo à Câmara nem querer demorar o debate, eu chamo a atenção da Câmara para o facto de estar a discutir um assunto que fundamentalmente é indiscutível.
Nisto já se perderam três horas.
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Terminando, peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara se permito que ou retiro a minha proposta pelos motivos que já tive a honra de expor a V. Ex.ª e à Câmara.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Não há dúvida que o que se tem estado a fazer é discutir a proposta de V. Ex.ª, mas eu agora tenho que dar a palavra a outros Srs. Deputados que a pediram nas mesmas condições.
O Sr. Domingos Pereira (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: agradeço ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros as palavras de homenagem que S. Ex.ª num requinte de amabilidade quis dirigir-me; e agradeço também a S. Ex.ª as palavras de justiça com que se referiu à minha atitude durante o tempo em que sobracei a pasta dos Negócios Estrangeiros e designadamente em relação ao assunto, trazido ao debate, do problema das reparações.
De resto, as palavras de S. Ex.ª são tanto mais para agradecer quanto é certo que informações, porventura originadas num equivoco, tinham chegado até mim, dando-me a entender que na sessão desta tarde o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros tinha feito referências à minha acção...
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Júlio Dantas): — Absolutamente nenhumas.
O Orador: —...como Ministro dos Negócios Estrangeiros, por modo a colocar-me perante o País como um criminoso que não tinha sabido defender os interêsses do Estado perante o estrangeiro.
Não suponho o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros capaz de o fazer; e assim é que, a despeito dessas informações, entrei nesta sala o não mo deixei arrebatar por qualquer impulso para dizer o que fiz, não para glória minha, mas para dizer que quando os interêsses do País estão à minha guarda os sei defender com zêlo.
É por isso que as palavras do S. Ex.ª são ainda mais para agradecer, porque desfazem em certos espíritos alguns equívocos.
Apoiados.
Mas nem todos são da opinião do Sr. Ministro dos Estrangeiros; e assim é que emquanto falava o Sr. Vasco Borges, supondo-se porventura que S. Ex.ª tinha abdicado da sua personalidade, para não dizer livremente aquilo que entende, parece ter-se entendido que S. Ex.ª em vez de ter agido assim livremente tinha recebido de mim qualquer indicação para falar.
O Sr. Vasco Borges: — Nem tinha trocado com V. Ex.ª qualquer palavra a êste respeito.
O Orador: — Mas ao discurso de S. Ex.ª foram feitos alguns àpartes para se dar a entender que a mim cabia a responsabilidade de se não ter tomado resoluções sôbre a questão.
Nunca na minha vida fiz política dessa ordem.
Estive à frente do Ministério dos Estrangeiros quási um ano e nunca atribuí a quaisquer adversários políticos meus, que me tivessem antecedido na gerência dessa pasta, quaisquer responsabilidades para diluir as minhas, ou fugir ás minhas.
Apoiados.
Nesta matéria não é lícito a ninguém fazer política partidária.
Apoiados.
De mais tem sofrido o País com tanta política partidária.
Apoiados.
Se nós dentro desta sala começamos por dar o mau exemplo, se vamos fazer uma política que nos vai dividir em vez de nos juntarmos como um só homem, então mal vai a todos nós.
A política de reparações tem de ser apreciada por nós todos, parlamentares das duas casas do Parlamento, que somos os legítimos representantes da Nação.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, de quem sou adversário político, mas a quem presto todas as homenagens pelas altas qualidades do S. Ex.ª, sabe que lhe darei a minha colaboração insignificante (não apoiados), a fim do S. Ex.ª chegar a bom termo nas negociações em que está empenhado como Ministro.
Essa comunicação, que devia ter sido feita textualmente à Comissão de Reparações, foi ao mesmo tempo transmitida a todos os Govêrnos aliados a quem podia
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interessar o conhecimento dela. Nada mais tinha a fazer.
O prazo marcado pelo Govêrno alemão para Portugal responder se de facto aceita a resolução por êle tomada, na parte que nos diz respeito, terminava daí a três semanas, prazo que começou a ser contado no dia 8, terminando portanto no dia 29 dêste mês.
Ora o Govêrno a que eu pretendia pediu a demissão no dia 29 do mês passado; quere dizer, portanto, que eu pelo facto de estar demissionário não podia vir à Câmara pôr a questão. E, mesmo que não estivesse demissionário, não havia razão para o fazer apressadamente, porque tinha um prazo largo diante de mim. Não tinha nada que vir aqui na situação de demissionário apresentar uma proposta a fim de arrancar à Câmara uma resolução sôbre qualquer assunto; a não per que se tratasse de qualquer assunto que não pudesse sofrer qualquer demora.
Como a Câmara viu ainda hoje não foi nem o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros nem o Govêrno que trouxe qualquer proposta no sentido de ser adoptada pelo Parlamento uma resolução.
Como podia então exigir-se, como é que alguns Srs. Deputados em àparte fizeram reparo de que foi o Ministro dos Negócios Estrangeiros do último Govêrno quem descurou o assunto?
Desafio quem quer que seja a demonstrar que eu devia ter procedido de modo contrário àquele que adoptei.
E se as minhas palavras não bastam para fazer calar quem quer que a êste respeito queira fazer uma estreita política partidária, invoco as palavras proferidas pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que além de serem umas palavras cheias de verdade e de patriotismo, há ainda o facto a considerar de serem pronunciadas por um homem que tem a responsabilidade de sobraçar a pasta dos Estrangeiros.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Como há pouco foi pedida autorização para no decorrer da sessão reunir a comissão de finanças, vou consultar a Câmara a êsse respeito.
Consultada a Câmara, resolveu afirmativamente.
O Sr. Presidente: — Como há ainda três oradores inscritos e a hora vai adiantada interrompo a sessão para prosseguir amanhã, às 14 horas.
Está encerrada a sessão.
Eram 1 horas e 15 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante esta parte da sessão
Última redacção
Do projecto de lei n.º 480, que regula o pagamento dos débitos dos empréstimos contraídos pelas câmaras municipais no Companhia Geral do Crédito Predial Português.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
SEGUNDA PARTE
O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 20 minutos do dia 27.
O Sr. António Maia (para explicações): — Sr. Presidente: quando ontem o Sr. Vasco Borges falava sôbre o artigo novo mandado para a Mesa pelo ilustre Deputado Sr. António Fonseca, eu fui daqueles Deputados que, não em voz baixa, mas em voz alta, fizeram um àparte.
Nesse àparte disse eu que a atitude do Sr. Ministro dos Estrangeiros devia ter sido assumida exactamente na ocasião em que tinha sido recebida a nota.
Sr. Presidente: eu sou absolutamente amigo da verdade e procuro ser sempre justo.
Proferi umas palavras que reputo injustas, e daí a razão por que pedi a palavra.
Quando fiz o àparte, desconhecia inteiramente que o Sr. Domingos Pereira tinha feito êsse telegrama de protesto.
Nestas condições, eu, que costumo ser sempre justo, e não desejo de maneira nenhuma que os outros procedam para comigo de forma diferente daquela por que procedo para com êles, tenho que fazer esta rectificação e declarar que fui injusto nas palavras que proferi.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Nuno Simões: — Sr. Presidente: afastado da Câmara por motivo de doença, não pude tomar parte na sessão do ontem, nem no debate que se estabeleceu, a propósito do artigo novo, mandado para a Mesa pelo Sr. António Fonseca.
Dêste modo, Sr. Presidente, a declaração do voto que me proponho fazer baseia-se nos dados insuficientes que resultam, dos relatos quási sempre deficientes que os jornais publicam acêrca do que só passa no Congresso.
Deve-se ao ilustre Deputado, Sr. António Fonseca, o primeiro passo dado para resolver o problema do aproveitamento das reparações en nature, de harmonia com os interêsses nacionais.
S. Ex.ª, quando Ministro do Comércio, fez efectivamente o primeiro acto ostensivo de tentativa de resolução do importante problema, que para o nosso fomento económico justamente considerou fundamental.
Deve-se a S. Ex.ª, como Ministro do Comércio, a elaboração do primeiro rol de material a requisitar da Alemanha.
Elaboraram-no distintíssimos funcionários, o, quando tive a honra de fazer parte do Govêrno sob a presidência do Sr. Cunha Leal, eu, examinando-o para o utilizar, poucas modificações houve que introduzir-lhe.
Sr. Presidente: de tudo quanto em Portugal se tem feito sôbre reparações, creio que foi efectivamente essa a lista que ainda agora tem de considerar-se mais criteriosamente organizada, por menor número de rectificações carecer.
No Govêrno a que presidiu o nosso talentoso colega, Sr. Cunha Leal, também o assunto foi tratado com desejo firme de o resolver.
Êsse desejo firme predominara antes, quando o Sr. Vasco Borges foi Ministro do Comércio, pelo sistema relampejante que caracterizou determinado período da vida portuguesa.
Não foi porém possível resolver o assunto, apesar da intervenção decidida do Presidente do Ministério de então Sr. Cunha Leal, e do Ministro dos Estrangeiros, Sr. Júlio Dantas.
Sr. Presidente: quando o Sr. António Maria da Silva tomou conta do Poder, fomos quási acusados por êle do visionários e lunáticos, os que antes, diziam, não tinham cuidado de regularizar e sistematizar aquilo a que pode chamar-se o serviço de reparações.
Esperavam, pois, o País o os próprios acusados, que dentro em pouco tal questão estivesse inteiramente resolvida, mas tal não aconteceu.
Pelo Ministro dos Estrangeiros dêsse Govêrno, Sr. Barbosa do Magalhães, e pelo meu sucessor na pasta do Comércio, a quem lealmente expus o que sôbre o assunto tinha sido feito, foi egualmente a questão tratada, mas não em termos de ficar resolvida.
Foi nomeada uma comissão por cada Ministério para coordenar os trabalhos relativos às reparações.
Parece ter-se entendido, e muito bem, que a que funcionava no Ministério do Comércio era, na verdade, a que tinha condições especiais o superiores para destrinçar, de entre os pedidos que de toda a parte surgiam, os de maior importância, utilidade e urgência.
Essa comissão devia portanto centralizar e superintender em todos os pedidos do Estado ou dos particulares.
Do modo como os trabalhos decorreram, monos do que as minhas palavras de extranheza, falam as palavras do próprio delegado à comissão de reparações, Sr. Armando Navarro, que, numa entrevista sensacional publicada no Século do 25 de Setembro, acusava o Ministério dos Estrangeiros de não ter aquele cuidado que deveria haver na ordenação, escolha e envio dos documentos referentes às reparações.
Assim, faziam-se pedidos que excediam muitíssimo o duplo e o triplo do montante das reparações no ano respectivo, e não se destrinçava nem indicava qual a ordem por que as requisições deviam ser satisfeitas.
O delegado português junto da comissão de reparações viu-se abandonado da assistência o da inspiração que o Ministério dos Negócios Estrangeiros lhe devia dar.
Sr. Presidente: foi a própria declaração oficial da Alemanha que anunciou para 11 de Agosto a suspensão de todas as prestações em mercadorias aos países aliados.
Surgiu há aproximadamente 15 dias nos jornais um telegrama do Paris, dizendo
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que tínhamos que pagar 75:000 contos se quiséssemos receber as encomendas que havíamos feito à Alemanha.
Vê-se que as agências de informação estão tam bem informadas, como as estações oficiais, se o não estão melhor.
E pregunto eu: o que faria nessa altura o Govêrno? O que fez de então até agora?
O que significam as palavras que na declaração ministerial se contêm a respeito da utilização das reparações? Entende o Govêrno que devo aceitar-se a exigência da Alemanha? Que devemos sujeitar-nos à sua imposição?
E isso que a Nação precisa de saber.
Por emquanto sabemos apenas que ontem surgiu na Câmara uma proposta, mandada para a Mesa pelo Sr. António da Fonseca, que autoriza uma emissão especial de notas para pagar à Alemanha o que ela exige.
Desconheço as razões especiais que levaram a tomar tal iniciativa o ilustre Deputado, que é aliás um dos mais bem informados sôbre assuntos económicos e financeiros.
Faço inteira justiça às suas intenções.
Todos sabem que tenho sempre pelo estudo e pela inteligência dos outros a mesma consideração que exijo para mim e para o meu trabalho.
Mas tal proposta foi pelo menos infeliz.
Constitui uma iniciativa que só ao Govêrno podia caber. Reveste uma forma que, em face dos nossos direitos, é absolutamente inaceitável.
O País tem o direito de preguntar porque é que, nada tendo transpirado do pensamento e dos propósitos do Govêrno em relação às exigências alemãs, surge agora, da iniciativa parlamentar, uma proposta que bem pode tomar-se como uma promessa de aceitação dessas exigências.
E é preciso que alguém responda, para que o País saiba tudo.
O Sr. António da Fonseca apresentou a sua proposta de acôrdo com o Govêrno? Ainda que assim fôsse, o País teria o direito do acusar o Govêrno de medo das responsabilidades.
A questão das reparações tem tomado um rumo que é preciso que não continue a seguir.
Não é a nós que compete interpretar direitos ou obrigações em relação às reparações devidas pela Alemanha.
A única entidade que tem capacidade para isso é a comissão de reparações.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal) (interrompendo): — O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros teve ontem ocasião de declarar que a comissão de reparações não encontrou motivo para aplicar as sanções do tratado de Versalhes.
O Orador: — Agradeço a informação de V. Ex.ª Ela não invalida o que, no Anexo II à parte VIII do tratado de Versalhes se estabelece:
No § 2.º dêsse Anexo se diz que as deliberações da comissão de reparações são secretas e no § 13.º se exige unanimidade de votos para as resoluções que interessam a soberania das potências aliadas e associadas ou que digam respeito à satisfação do todo ou da parte da dívida ou das obrigações da Alemanha. Nesse mesmo parágrafo é estabelecida também unanimidade do votos para as questões de interpretação das disposições relativas a reparações.
Se a comissão de reparações se desinteressou dos nossos direitos como o Sr. Ministro das Finanças informa, isso só serve para demonstrar que bem infundadas foram as esperanças dos que contavam ter na paz a continuação e a retribuição mútua da solidariedade que como aliados haviam tido na guerra. Se não quiserem considerar as nossas reclamações na comissão de reparações de que faz parte um delegado inglês, teremos de concluir que a própria solidariedade da nossa velha aliada nos faltou?
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal) (interrompendo): — Creio que o texto foi êste.
Leu.
O Orador: — Desde que a comissão de reparações se confessa desinteressada dos assuntos que a Portugal respeitam está fora de todos os instrumentos que definem os direitos e as obrigações, que para nós, como para todos os aliados e inimigos, da guerra derivaram.
Só no Tratado de Paz há que buscar
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os termos exactos do nosso direito em relação à Alemanha e da sua obrigação em relação a nós.
E não é isso pròpriamente o que se está fazendo em relação às reparações.
A Alemanha, que antes da guerra faltou aos seus tratados, que na paz sucessivamente vem faltando à sua palavra, não cumprindo nenhum contrato, não pode impor-nos condições.
Nunca tratou connosco directamente nem podia tratar. Como é que agora surge a impor nos condições e a apresentar como simples fregueses os que são seus credores e como tais tem um claro e insofismável título dos seus créditos: o Tratado de Versalhes?
Tem dificuldades a Alemanha? E há-de pensar em conjurá-las à custa de sacrifícios dos seus credores?
Como fugir às determinações rigorosas dum tratado para passar a considerar o Estado português como um simples particular?
Os actos fora da letra do tratado não estabelecem direitos aos aliados, nem obrigações à Alemanha.
Se se tratasse de simples processos de fazer, podiam ser modificados.
Mas não sucede isso com a doutrina fundamental e essencial, porque essa define-a o tratado.
O Govêrno alemão entende que há-de fazer-nos o isolamento do tratado de Versalhes.
E como respondemos à imposição da Alemanha?
Disse-se ontem aqui que o Govêrno anterior protestara energicamente contra a violação do Tratado que a atitude da Alemanha representa.
Faço justiça a todos. O Govêrno não pode deixar de cumprir o seu dever, e, por certo, consegui-lo há procurando fazer valer, por todos os meios, os nossos direitos.
A política de reparações não pode ser vista por nós como um facto isolado. Temos de a tratar juntamente com os interêsses dos países que, como o nosso, apresentam apenas os títulos de dívida da Alemanha, ao exigirem as reparações dos sacrifícios que lhos foram impostos.
Apoiados.
Como procederam êsses países?
Aceitaram a exigência alemã?
Repudiaram-na?
Temos de agir como êles e quanto possível com êles.
A Alemanha quere isolar-nos do Tratado e dos direitos que por êle nos são conferidos.
Havemos nós de isolar-nos dos que se encontram em condições idênticas às nossas?
Seria tremendo.
A Comissão de Reparações pode dizer a uma nação pequena, não evidentemente nos sacrifícios o nos direitos que dêles derivaram, mas pequena como potência militar, que se governe?
Para quem, em tal caso, tem do recorrer essa Nação?
Para a sua fôrça moral, ùnicamente. Pois refugiemo-nos nela. Mas não desistamos precipitadamente do que é o nosso direito.
A proposta António Fonseca faz-nos correr o perigo de sermos tomados como aceitantes do ponto de vista alemão.
A respeito das reparações, o Govêrno é que sabe o que se passa, porque deve ter todos os elementos para sua orientação na defesa dos interêsses do País.
Quando digo Govêrno, refiro-me à função governativa, na sua continuidade.
Se o Govêrno entendia que não tinha outro modo de defender os nossos interêsses senão realizando a doutrina da proposta do Sr. António Fonseca, porque a não trouxe êle próprio à Câmara?
Não há muito tempo nesta Câmara, em relação às melhorias para o funcionalismo, sustentou-se que só ao Govêrno cumpria tomar iniciativa de quaisquer propostas.
Defendeu o Sr. António Fonseca um tal ponto de vista.
Porque não há-de agora seguir-se a mesma orientação?
Mas a questão reveste ainda outros aspectos.
Sr. Presidente: num artigo publicado hoje no jornal que dirige, o Sr. Fernando de Sousa, distinto engenheiro, faz algumas considerações que a Câmara precisa conhecer.
Diz que é preciso saber quanto tem gasto o Estado com as negociações das reparações, com os muitos delegados que tem mandado a Paris por parte dos vários departamentos do Estado.
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Diz ainda que se deve averiguar das condições técnicas e económicas das encomendas feitas à Alemanha.
O que pode o Govêrno informar a tal respeito?
Em 11 de Agosto dêste ano foi suspensa a execução de todos os contratos. O que se pretendo que paguemos refere-se a contratos feitos, e vem ao caso preguntar, o que está já pago e quanto tem a pagar-se já, porque das verbas globais tornadas públicas nada se deduz concretamente sôbre o que nos será entregue. Sr. Presidente: as minhas considerações não têm outro fim em face da desistência do Sr. António Fonseca, da sua proposta, do artigo novo, senão chamar a atenção do Govêrno para o problema, para que, pelos aspectos importantíssimos que reveste, estudo e dêle se ocupo com toda a ponderação e patriotismo.
Sr. Presidente: vai um pouco longa a minha declaração de voto. Era porém necessário, tendo o meu nome ligado a esta questão, fazer as considerações que fiz. Tive o cuidado, de resto, do mo informar de que não têm sido mais curtas as dos Srs. Deputados que me antecederam.
Peço desculpa à Câmara de estar a tornar-lhe tempo, mas entendo que o problema é dos que justificam a sua melhor atenção, porque o que sair do Parlamento pode prender o Govêrno a compromissos que poderão limitar-lhe de futuro a sua acção sob o ponto do vista internacional. Assim julgo necessário insistir em vários pontos.
O Govêrno, na hipótese de ser aceite o artigo novo do Sr. António Fonseca, ficaria habilitado a pagar algumas dezenas de milhares de contos aos fornecedores alemães.
Sem nada sabermos sôbre o estado da questão, não seria de admitir que, somados os pagamentos agora sugeridos com as despesas já feitas e com possíveis exageros do preços do custo das encomendas, viesse a demonstrar-se que as reparações, em vez de úteis o vantajosas para o País, se tornaram em motivo de prejuízo e desprestígio?
Àpartes.
Li nos jornais as declarações dos Srs. Ministros dos Negócios Estrangeiros e das Finanças.
Elas são de molde a tranquilizar o País, relativamente à orientação que o Govêrno tem nesta questão.
Porém, é necessário que a política do protesto contra as exigências da Alemanha, que se iniciou já, vá até ao fim.
O Govêrno alemão declarou há dois meses que não cumpria aquilo a que se obrigara.
Quem nos diz que com a sem cerimónia com que nos pede agora uma parte do pagamento das encomendas por conta das reparações, depois de ter recebido o dinheiro, se não recusa a cumprir o estipulado e que os próprios aliados se não mostram mais uma vez indiferentes pelo sorte dos nossos interêsses?
Para isso bastará que a Alemanha por agentes seus faça a propaganda do que os exportadores aliados só têm a ganhar com a sua falta aos contratos, pois teremos do comprar-lhes o que das reparações esperávamos.
Suponho que a Câmara aceitará o pedido do Sr. António da Fonseca, para retirar o seu artigo novo.
Não creio que o Govêrno com êsse artigo pudesse fazer qualquer cousa útil.
Continha-se nele uma espécie de reconhecimento de direitos à Alemanha, que de nenhum modo pode ficar num documento oficial, numa lei portuguesa.
E o facto de o Govêrno Português ficar com determinadas faculdades dadas pelo Parlamento, revestia ainda o aspecto uma directriz em política internacional, de que o Govêrno não tinha a responsabilidade.
Ora, é o Govêrno o orientador da nossa política de relações externas.
Por isso deve ser o primeiro a desejar que o Parlamento aceite a desistência do Sr. António da Fonseca.
Por minha parte desejo apenas que as minhas considerações fiquem como protesto de uma pessoa absolutamente estranha a todos os interêsses de partido, o que se não norteia por nenhum outro que cão seja o interêsse da Nação.
Quero, na hora em que seja preciso julgar os acontecimentos políticos dos últimos tempos, que só saiba que uma voz independente de quaisquer interêsses limitados interpretou, quando havia altos interêsses materiais e morais da Nação em jôgo, sem prejudicar nenhuns o verdadeiro sentido de todos.
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O Sr. Jaime de Sousa: — Depois de ter falado mais do uma voz sôbre esta matéria, podia dispensar-me de tornar a falar novamente sôbre ela, e não o faria se não fossem as afirmações ontem produzidas pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que me obrigam a repetir o que havia dito momentos antes de justificar a minha maneira de ver acêrca da proposta do Sr. António da Fonseca.
O Sr. Ministro não estava presente, e por isso não ouvia o que eu disse.
Tenho de dar a S. Ex.ª informação sôbre as razões que me levaram a defender o meu ponto de vista.
Disse que não julgo urgente o artigo 11.º do Sr. António da Fonseca, nem êsses 40:000 contos para enviar para a Alemanha.
Acho inconveniente mandar para a Alemanha um simples escudo sequer, pela razão simples de no tratado de Versailles o em todos os textos que se referem a êste assunto não haver nenhuma disposição que obrigue os aliados a entregar, seja o que fôr, à Alemanha.
A imposição do Reich foi feita por um Govêrno que já não está à frente dos negócios da Alemanha.
Essa imposição foi feita nas vésperas de, por parte do Govêrno alemão, se pôr em execução um plano que consistia em nomear um comité internacional.
Neste plano, o Govêrno alemão tinha em vista a redução da sua dívida.
Êste propósito, fortemente auxiliado por Govêrnos de outros países, levou um cheque completo.
Nestas condições, o Govêrno do Sr. Strasseman foi obrigado a deixar o Poder e neste momento não há Govêrno na Alemanha.
Nestes termos, julgo que é proceder-se precipitadamente estar a ceder à imposição do um Govêrno que já não existe, e que é contrário a todas as boas normas, em faço dos tratados existentes, o mandar dinheiro sob qualquer pretexto, quer para fornecimento, quer para o Govêrno alemão.
Foi êsse o ponto de vista que defendi, e repito hoje, para que só não diga que dêste lado da Câmara se defendem opiniões que não tem razão de ser.
Eu disse ontem, na Câmara, e repito-o hoje, que tenho em meu poder a nota oficiosa da sessão de sexta-feira passada da comissão de reparações, em que se diz que novos plenipotenciários alemães tinham sido ouvidos nessa comissões, tendo esta reünido em sessão especial, a fim de que o problema das reparações fôsse de novo feito, em todas as suas modalidades.
E isso deve-se exactamente ao cheque que sofreu o último Govêrno alemão.
De forma que a Comissão de Reparações está de novo estudando a questão com os novos delegados alemães, e, visto que o Sr. Ministro dos Estrangeiros não estava ontem quando fiz as minhas considerações, eu leio a S. Ex.ª a frase capital do delegado alemão.
Nos seus termos, a questão dos pagamentos por parte da Alemanha está neste momento posta de novo em face da Comissão de Reparações.
Nestes termos, dizia o digo à Câmara que seria proceder precipitadamente se nós, em face de documentos que jogam com uma situação que desapareceu, fôssemos tomar resoluções neste caso, que podiam ter um significado de carácter internacional que não corresponde àquilo que existe.
Nestas condições, creio ter dado ao Sr. Ministro dos Estrangeiros suficientes explicações para justificar o que ontem disse.
Devo ainda dizer a V. Ex.ª que relativamente à Comissão de Reparações têm sido feitas várias acusações.
É facto que elas suo merecidas em parte, mas é preciso termos em vista que ela é um organismo em que se reflectem permanentemente as situações políticas cá de fora.
Todas as maneiras de encarar a questão, tudo em dia a dia, instante a instante sentir-se hão na Comissão de Reparações.
Portanto, não há que estranhar que na ocupação do Ruhr tenhamos encontrado uma espécie de comptoir.
Isto é de molde a poder-se supor que dentro da Comissão de Reparações qualquer país, mesmo que não pertença ao número dos países que tem interêsses militares, não seja ouvido com a necessária atenção quando êsse país exija a plenitude do seu direito de ser ouvido.
Tive ocasião do viver com a Comissão de Reparações largo tempo, o posso ga-
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rantir que nessa fase, em que o aspecto da questão era mais importante, se ouviam com igual atenção êsses países quando exigiam ser ouvidos,
Nestes termos julgo que dada a situação de examinar de novo a questão precisamos de nos fazer ouvir nessa Comissão.
Não é difícil, porque na Comissão de Reparações está toda a nossa política, o há a circunstância de sermos aliados de um país que tem aí representantes, com o qual é preciso manter um contacto directo.
Julgo ter justificado ao Sr. Ministro dos Estrangeiros as razões que me levaram a não votar a oportunidade da proposta apresentada pelo Sr. António da Fonseca.
Não posso aceitar que seja esta a oportunidade para votar uma proposta desta natureza.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente, já vai longa a discussão. Apoiados.
Apenas alguns minutos, e muito poucos, porque me parece que esta proposta não está encarada ainda sob o seu aspecto verdadeiro.
Suponho que quando o Sr. António da Fonseca, no uso legítimo de um direito, — porque se é certo que o Govêrno tem obrigarão de conhecer todos os actos que respeitam à administração, não é menos certo que, os Deputados têm por si também o direito de iniciativa sôbre uma medida altamente benéfica para os interêsses do Tesouro Público — suponho, repito, que quando o Sr. António da Fonseca apresentou a sua proposta, não pretendeu impôr ao Govêrno um mandado imperativo. Não se devem esquecer as determinações do Govêrno alemão; mas o Sr. Ministro das Finanças não quere proceder senão dentro das leis, dizendo o que pode dizer.
Entendi que devia apresentar à Câmara os inconvenientes que podiam resultar da situação de o Govêrno não ter elementos indispensáveis para garantia do que é devido no tratado de Versailles.
Não se pode esquecer o que hoje há na vida daquele povo.
Eu tenho ouvido dizer, por mais de uma vez, que é em nome da justiça e de um. direito que nós reclamamos da Alemanha aquilo que nos é obrigada a pagar pelo tratado de Versailles.
A verdade, porém, é que nós temos constatado, por uma serie de factos de uma dura evidência, o abandono a que temos sido votados pelas nações aliadas por aquelas mesmas nações a que nós servimos de muleta nos momentos críticos.
E assim nós que, ao abrigo das disposições do Tratado de Versailles, poderíamos pressupor o indispensável e valioso amparo das nações aliadas, tivemos do chegar à triste conclusão de que estamos absolutamente sós a tratar com a Alemanha, não como vencedores, mas como fregueses.
O Matin de hoje traz até um extenso artigo que vem reforçar as razões que temos para nos prevenir e curar simplesmente de nós.
A Comissão de Reparações — êsse organismo criado pelo Tratado de Versailles e que era o eixo de toda a política de aplicação dêsse tratado — transformou-se num comité franco-belga. Os Estados Unidos da América de> Norte, que foi o país que ditou em grande parte as disposições dêsse tratado, alheou-se completamente do Tratado de Versailles e a Inglaterra, entretida com a concorrência da indústria alemã, pouco ou nada com êle se preocupa.
E é agora que o Govêrno alemão vem comunicar a essa comissão que não paga nem mais um centavo para as despesas da sua manutenção.
E como se não vive só de espírito e a Comissão de Reparações está em vésperas de morrer por falta de alimentos, nós não podemos manter outra atitude que não seja a de tratar exclusivamente dos nossos interêsses, procurando acanhar tudo aquilo que nos fôr possível apanhar.
Isto não quere dizer, evidentemente, que nós deixemos de reclamar nos mais enérgicos termos os nossos direitos reconhecidos pela Comissão de Reparações.
A Câmara, porém, fará o que entender. Quanto a mim, termino as minhas considerações absolutamente convencido de que
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não haverá perigo em votarmos a proposta do Sr. António da Fonseca.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Plínio Silva: — Sr. Presidente: todos os oradores que me precederam têm mostrado bem qual a importância do assunto em debate. Conhecendo-o, possìvelmente, mais a fundo do que eu, têm-no pôsto por forma tal que toda a Câmara avalia já a que ponto vai essa importância.
Mas há uma responsabilidade a que o actual Govêrno não consegue já eximir-se, que me obriga a mandar para a Mesa uma moção de desconfiança.
Como apareceu esta questão no Parlamento? Esta questão, que é da máxima gravidade, que o Govêrno nada mais faria se se tivesse referido a ela na declaração ministerial, apareceu aqui por incidente e pela mão dum Deputado independente, e viram V. Ex.ªs que o assunto não era de molde a por forma alguma ser trazido desta maneira ao Parlamento. O Govêrno tinha obrigação de pôr claramente o problema das reparações ao Parlamento e ao País, e depois do Parlamento o do País terem absolutamente conhecimento dessa questão, pronunciando-se num sentido ou noutro, é que o Govêrno poderia pedir os recursos necessários para dar execução àquilo que o Parlamento tivesse deliberado. Mas aparecer aqui uma questão desta magnitude como um episódio, que possìvelmente podia passar despercebido às pessoas que com carinho têm tratado dessa questão, isso não está certo, nem o Parlamento o pode aceitar.
Isto é tanto assim que na sessão de ontem eu vi de facto mandar à pressa chamar o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros para aqui vir ler uns documentos que não me satisfizeram, porque naturalmente S. Ex.ª estava desprevenido e teve à última hora de se valer de documentos que pôde arranjar não sei onde.
Sr. Presidente: eu tencionava falar quando foi da declaração ministerial, porque o Govêrno não me merece confiança alguma, mas por várias razões deixei de o fazer. E não me merece confiança o Govêrno porque tendo-se sempre dito que o Partido Nacionalista iria apresentar, quando chamado ao Poder, um Govêrno de largas competências, não foi isso que apresentou, dando-se êste facto extraordinário de serem os próprios homens do Partido Nacionalista que não têm confiança no Govêrno que apresentaram, porque, se tivessem confiança nêle — eu dispenso-me de revelar nomes — ter-se-iam apresentado ao Parlamento com uma feição completamento diversa e dando garantias de que os problemas seriam encarados como deviam.
Falo em meu nome pessoal; não têm os meus correligionários responsabilidades nas minhas palavras, a minha atitude era desconhecida até dêles, mas estou certo de que as palavras que acabo de proferir hão-de calar não só no ânimo dos meus colegas, mas no País inteiro.
Hoje, que a toda a hora se ferem as pessoas mais dignas e honestas, é preciso apresentar as questões por forma que ninguém possa ter desconfianças. Eu sei que há alguns que conhecem a fundo nesta Câmara os problemas das reparações, os contratos e como êles foram cuidados. Mas o assunto foi tratado à pressa, e, sem dúvida, vão ser elogiadas pessoas que o trataram, quando êle devia ser tratado por técnicos. Eu hei-de mostrar como tudo isso foi tratado, porque hoje mesmo vou pedir os processos.
Sr. Presidente: hei-de tratar dêste assunto, que interessa ao País. Estou em desacôrdo com a opinião do Sr. Jorge Nunes.
Não há só interêsses materiais.
Estou convencido de que os homens que têm pugnado há onze anos pelo brio nacional hão-de pugnar ainda.
Termino, mandando para a Mesa uma moção de desconfiança.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente: — Não posso admitir a moção que S. Ex.ª acaba de enviar. Apoiados.
A questão versa sôbre o modo de votar, acêrca duma proposta do Sr. António Fonseca.
Não é, portanto, ocasião de mandar para a Mesa moções do ordem.
S. Ex.ª não reviu.
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O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Sr. Presidente: não foi pròpriamente para responder a qualquer apreciação sôbre a competência dos membros do Govêrno que os Srs. Deputados tenham feito que pedi a palavra. E me indiferente que o Parlamento o reconheça, ou não. Quando a Câmara o reconheça, tem um meio simples de votar na devida altura.
Mas pedi a palavra para responder a alguns reparos que me parecem menos justificados na parte referente ao assunto. Não é bem exato que a declaração ministerial tenha sido omissa quanto a êste problema, visto que a ela se refere, como vou ler.
Evidentemente que o Govêrno, talvez por aquela falta de competência que algumas pessoas lhe vêem, não tem o dom de adivinhar.
Encontrou um problema que não estava naturalmente esclarecido por falta do tempo talvez, o por isso não de molde a poder ser resolvido desde logo.
O primeiro ^cuidado do Govêrno foi mandar vir a Portugal o nosso representante junto da comissão de reparações para ajuizar do problema.
Desejar-se-ia agora que o Govêrno tivesse uma opinião antecipada sôbre o problema.
So a Câmara dos Deputados tal pretendesse seria profundamente injusta.
O Govêrno tinha que examinar o problema em primeiro lugar, em segundo solucioná-lo sob o ponto de vista de o levar a bom têrmo.
Portanto os reparos são profundamente injustos.
O Govêrno não confrontou opinião nenhuma. Pelo contrário, tratou do procurar habilitar-se com os meios indispensáveis para efectuar essa solução, de forma a não ser afectado o nosso patriotismo, nem a nossa integridade como Nação independente.
Procura o Govêrno habilitar-se com os meios financeiros para poder solucionar a questão segundo determinadas resoluções.
A Alemanha comprometeu-se a pagar umas determinadas reparações en nature, porque já tinha pago uma parte aos fornecedores, e não podia pagar mais.
Nestas condições, eu creio que Portugal não poderá seguir o exemplo da França ocupando uma parte do Ruhr.
Se amanhã reconhecermos que a Alemanha não nos podo pagar, eu julgo que o brio nacional não está afectado, mas também ninguém ainda declarou que se iria tomar uma resolução atentatória do brio nacional. Tudo quanto se disse foram simples presunções.
Repito, creio que V. Ex.ª não quererá ocupar uma parte da Alemanha.
O próprio Ministro dos Negócios Estrangeiros diplomaticamente deu a entender ao Sr. Vasco Borges que nós, num caso de represália, poderíamos ainda lançar mão de alguns valores alemães.
Não se quis outra cousa senão habilitar o Govêrno com cortas medidas, e ninguém disse a V. Ex.ª que o problema devia ser encarado de uma forma ou outra. O Govêrno aceitou a proposta do Sr. António Fonseca; e como é que V. Ex.ªs podem entrar na consciência do Govêrno, como é que podem afirmar que o Governo não apresentaria uma proposta dessa natureza?
A proposta surgiu e o Govêrno concordou com ela e por isso a perfilhou.
O Govêrno, declarando que a doutrina da proposta do Sr. António Fonseca lhe agradava, não queria dizer que não tivesse outra que apresentaria na altura que entendesse, e isso seria depois da discussão de todos os artigos.
Eu julgo que neste momento há mais o desejo de encontrar maus actos no Govêrno do que pròpriamente haver êsses actos.
Eu conheço o Sr. Dr. Nuno Simões muito bem; S. Ex.ª foi meu colega no Ministério e S. Ex.ª também me conhece a mim, e eu vi que S. Ex.ª foi sempre muito cauteloso e zeloso na defesa dos interêsses nacionais.
Por último seja-me permitido fazer apenas uma observação.
A propósito de reparações, fizeram-se vários contratos à sombra daquela disposição que permitia receber reparações en nature. Pelo que já hoje aqui se passou, parece que, se êsses contratos estão mal feitos, a culpa pertence a êste Govêrno.
Ora eu quero acentuar que tais contratos foram feitos pelo Govêrno anterior, e que êste Govêrno, se tiver de entrar
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em acordos para a recepção do material, não se esquecerá do verificar todos os contratos que digam respeito ao Estado, a fim de acautelar os interêsses nacionais. O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que autorizam o Sr. António Fonseca a retirar a sua proposta queiram levantar-se.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Está autorizado.
Considero, pois, retirada a proposta.
Seguidamente foi aprovado o artigo 3.º e bem assim o requerimento do Sr. António Maia para que a comissão de guerra possa reünir amanhã durante a sessão.
O Sr. Presidente: — Vai entrar em discussão a base 1.ª Foi lida na Mesa.
O Sr. Vitorino Guimarães: — Em primeiro lugar devo, em nome da representação parlamentar do Partido Republicano Português, declarar que ela não tem responsabilidade nenhuma na demora que tem havido na discussão desta proposta de lei, que o Govêrno, dado o seu critério, tem urgência de ver aprovada. Se não tivesse havido a infeliz idea de enxertar em tal proposta um novo artigo relativo à questão das reparações, possível era que a discussão já tivesse finda.
Digo isto para que amanhã não se alegue que é devido a nós que a proposta tem tido grando demora na sua discussão. Já estamos habituados a essas injustiças.
Entrando agora no assunto em discussão, tômo a liberdade do enviar para a Mesa uma proposta de substituïção da base 1.ª, em harmonia com as considerações que sôbre o assunto já fiz nesta casa do Parlamento.
Entendo que é indispensável a modificação que proponho, porque nos empréstimos ou suprimentos feitos pelo Banco ao Estado devem ser incluídas as quantias provenientes da convenção do 29 do Dezembro de 1922.
Também entendemos que não devemos consentir no aumento de circulação puro e simples; é necessário determinar a respectiva contrapartida.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Diz o Sr. Vitorino Guimarães, que na minha proposta deve fazer-se a alteração que propõe.
Ora se é necessário regular, é porque o que existe é irregular. Não há nenhuma alteração na essência da minha proposta e, portanto, nada tenho a objectar.
Evidentemente S. Ex.ª sabe a forma do contrair os suprimentos feitos nos termos da lei.
Fazia-se um suprimento e o Govêrno mandava para o Banco os títulos necessários.
Evidentemente isto tem um valor mais teórico do, que prático.
A lei n.º 1:424 estabeleceu a possibilidade de fazer a troca da caução constituída por títulos da dívida fundada interna por títulos criados por essa lei, estabelecendo que quando o Govêrno e o Banco entendessem podiam vender êsses títulos de caução, mas havia de se deminuir a circulação fiduciária.
Nada portanto se altera, pois nada tira ao que está estabelecido, mas, se o Parlamento entendo, não vejo inconveniente em aceitar o parágrafo; representará apenas uma redundância.
O que aqui está não significa uma omissão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: pouco direi acêrca desta base e da substituïção apresentada pelo Sr. Vitorino Guimarães.
Não posso deixar de pôr em relêvo que a proposta de S. Ex.ª representa a confirmação da afirmação feita por nós o pela minoria nacionalista, de que o Govêrno transacto fabricava notas falsas.
Excedeu-se o limite autorizado por lei, e estavam ainda longe da verdade quando contestávamos o que ora afirmado pelo anterior Govêrno o pela maioria democrática.
Àpartes.
Tudo que é preciso regular é porque está fôra da lei, o é o Sr. Vitorino Guimarães o próprio que o vem reconhecer.
Sou contrário ao aumento da circulação fiduciária, mas, desde que se praticou uma falta, é necessário regular a situação criada.
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O Sr. Cunha Leal quando estava na oposição mandou para a Mesa uma proposta não só para que fôsse regularizada a situação, mas para que fôssem aplicadas as sanções do Código Penal.
Nós queríamos que assim fôssem também, mas a Câmara separou essa proposta, não aprovando a segunda parte.
Como não se podo na mesma sessão legislativa apresenta, uma proposta sôbre assuntos já rejeitados, é por isso que não apresento uma proposta no sentido da do Sr. Cunha Leal.
O Sr. Vitorino Guimarães apresentou também um § único.
Também sou da opinião do Sr. Ministro das Finanças, em que é desnecessário êste parágrafo, porque a sua doutrina já está estabelecida na lei.
Seria pois uma redundância, como diz o Sr. Ministro das Finanças, que só podia servir para lançar poeira nos olhos do público.
Isto porque já no contrato de 1018 os títulos mandados para o Banco de Portugal como caução do aumento da circulação fiduciária podem ser vendidos para amortização da dívida.
Àpartes.
O Banco vendia os títulos, o Govêrno recebia o dinheiro e o Banco vendia novamente os títulos, e assim sucessivamente.
É o que podia acontecer.
Àpartes.
O Govêrno Democrático publicou um decreto mandando emitir mais títulos e pena foi que o Sr. Ministro das Finanças de então não tivesse o cuidado de que esses títulos fôssem para amortização da circulação fiduciária.
Assim, Sr. Presidente, nós votamos apenas a parte que diz respeito à organização, e votámo-la por isso que entendemos que não pode continuar, nem permitir-se, a existência de notas falsas, pois, se assim não fôsse, nem mesmo votaríamos semelhante disposição.
Relativamente ao § único, nós não o votamos, e não o votamos pela razão de que não votamos nada que possa permitir a continuação da emissão de títulos nas condições dos títulos de 6 ½ por cento, e sôbre êste assunto eu desejaria muito que o Sr. Ministro das Finanças me elucidasse, se quisesse, sôbre uma dúvida que eu tenho, isto é, qual a opinião do Govêrno sôbre a colocação dos títulos do empréstimo de 6 ½ por cento, primeira série, que ainda não foram colocados.
Bom seria que o Sr. Ministro das Finanças pudesse dizer qualquer cousa sôbre o assunto, não só para elucidação da Câmara, como do País.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar ao ilustre Deputado Sr. Carvalho da Silva, e da forma a mais peremptória, que, emquanto fôr Ministro das Finanças, nem sequer tomarei a iniciativa de colocar os títulos do empréstimo de 6 ½ por cento da 1.ª série que ainda não foram colocados.
O Orador: — Agradeço ao Sr. Ministro das Finanças a sua explicação e declaro que concordo plenamente com o seu modo de ver, e para terminar devo dizer mais uma vez que não podemos votar o § único, por isso que o achamos desnecessário.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem o Sr. Ministro das Finanças fez a revisão das suas declarações.
O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: relativamente à proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Vitorino Guimarães, eu devo dizer que nós não temos dúvida alguma em a aceitar, por isso que ela diz respeito apenas a um critério de apreciação e nada mais, pois a verdade é que a execução se faz da mesma forma proposta pela base do Sr. Ministro das Finanças.
Àpartes.
O Banco de Portugal não pode dispor dessas cauções sem as substituir por títulos de igual valor.
Nestas condições, trata-se de uma questão de forma, e nós votamos também a proposta do 'Sr. Velhinho Correia, independentemente da proposta do Sr. Vitorino Guimarães.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: pouco tempo tomarei à Câmara, pois só quero mandar para a Mesa algu-
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mas propostas definindo a minha situação.
Não parecerá mal a ninguém que, tratando-se do um assunto que eu conheço, e até em todos os seus detalhes e minúcias, eu mande para a Mesa essas propostas, que aliás sei que serão votadas ao abandono, mas no emtanto quero marcar a minha opinião.
Na base 1.ª, tanto na proposta do Govêrno como na do Sr. Vitorino Guimarães, consigna-se um princípio que considero errado, que consiste em estabelecer um aumento de circulação fiduciária sem se dizer quanto.
Tenho tomado nesta Câmara atitudes que por vezes têm sido mal compreendidas, mas que definem sempre a minha consciência.
Quando foi dos casos dos Transportes Marítimos via a Câmara contra mim.
Disse que as respectivas bases não sorviam para resolver o problema; foram todos contra mim, mas o tempo veio dar-me razão.
Quando se discutiu a base 5.ª da respectiva proposta, ninguém mais do que eu combateu essa resolução, porque entendia que ela não era útil e embaraçava o problema da resolução da questão.
Os factos vieram dar-mo inteira razão.
Na discussão do empréstimo tive o prazer de ver uma grande parte da Câmara a meu favor.
Posso afirmar à Câmara que os sentimentos que determinaram a minha atitude na questão dêsse empréstimo são os mesmos que me inspiram nesta questão do aumento da circulação fiduciária.
Considero um êrro tremendo o aprovar-se o aumento da circulação fiduciária sem se dizer em quanto.
Nunca se fez isso, e sempre todas as propostas nesse sentido consideram a importância do seu aumento.
Todas as propostas determinando o aumento da circulação fiduciária vinham acompanhadas pelo quantitativo dêsse aumento.
Vou apontar à Câmara alguns defeitos desta redacção.
Pregunto: gostes empréstimos ou suprimentos que o Banco de Portugal fez ao Govêrno nos termos destas bases, quais foram êles?
Dir-me hão que são aqueles que resultam das relações entre o Banco e o Estado.
Tenho a dizer a V. Ex.ª, o até com conhecimento do alto cargo que desempenhei, que esta redacção podo dar origem a diversas interpretações, aumentando consideràvelmente até o quantitativo.
São de 1. 250:000 libras os créditos do Banco de Portugal.
Ora pode concluir-se que em vez de ser em escudos sejam em ouro, visto que não se designa que os empréstimos sejam em escudos.
Esta interpretação poderia dar um aumento considerável àquele número que todos nós temos presente.
Mas há mais, e creia V. Ex.ª e a Câmara que trato do assunto com aquela correcção que sempre ponho em todas as questões.
No dia 15 de Novembro de 1923, o Banco de Portugal, não só para as suas necessidades, mas em harmonia com a convenção, empresta ao Govêrno, em troca das cambiais que recebe, alguns milhares de contos.
Êsses escudos, podem ser representados por notas, quando não devia ser êsse o pensamento do Govêrno.
Portanto a minha afirmativa é a seguinte: a aprovação da proposta, nos termos desta base, pode permitir de uma maneira variável os acréscimos de circulação fiduciária.
Nestas condições vou mandar para a Mesa uma proposta.
Escusado será dizer que esta quantia é muito superior às necessidades a considerar, em face da que foi já aprovada.
Vou também mandar para a Mesa uma outra proposta.
Sr. Presidente: V. Ex.ª sabe que não é a primeira vez que isto se faz, porque da mesma forma procedi quando foi da proposta de empréstimo.
Do aumento de circulação fiduciária resultará o aumento do custo de vida.
Isto é inevitável, como já tenho constatado.
Quando em 1918 o Govêrno de Sidónio Pais fez o contrato com o Banco do Portugal, teve-se o cuidado do reservar 5:000 contos para o crédito agrícola, sendo beneficiadas as instituïções dêsse carácter.
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Também em 1920, essas instituïções foram lembradas, mas êsse artigo nunca teve execução.
Tenciono ainda mandar para a Mesa um aditamento ao § único do artigo apresentado pelo Sr. Vitorino Guimarães.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Foram lidas e admitidas na Mesa as propostas de emenda.
O Sr. Vitorino Guimarães: — Não posso deixar sem resposta uma afirmação do Sr. Ministro das Finanças, para que fique bem expresso o critério dêste lado da Câmara.
Como V. Ex.ª -9 vêem, há portanto uma grande justificação dêstes termos.
Devo dizer ainda que não há tal redundância no § 1.º, por mim proposto.
Não tem nada a proposta por mim apresentada com o que está determinado de caucionar os diversos aumentos da circulação fiduciária com títulos da dívida pública.
O que o Govêrno não pode é vendê-los. Tenho dito. O orador não reviu. Lê-se a base 1.ª da proposta ministerial que é em seguida aprovada.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º
Procede-se á contagem.
O Sr. Presidente: — Estão de pé 45 Srs. Deputados e sentados 47.
Está portanto aprovada.
Leu-se na Mesa uma proposta de emenda, apresentada pelo Sr. Velhinho Correia.
Posta à votação, é rejeitada.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Pedi a palavra simplesmente para observar que tratando-se nesta base de notas já emitidas o já gastas, eu não vejo como seja possível destinar, da importância consignada na referida base, 10. 000$ para qualquer fim.
O orador não reviu.
O Sr. Velhinho Correia: — A minha proposta em todas as suas disposições, e no seu conjunto é que pode ser devidamente apreciada.
O orador não reviu.
E rejeitada a proposta do Sr. Velhinho Correia.
Lê-se a base £?. a
O Sr. Carlos Pereira: — Por esta base 2.ª, pretende-se dar interpretação a determinada alínea do artigo 6.º da lei n.º 424.
Pode acontecer porém, que perante a instabilidade dos valores ouro e prata, êstes que figuram como reserva à antecipação de notas, sejam muito superiores no caso do câmbio melhorar.
Nestas condições, mando para a Mesa uma proposta de aditamento.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal) (interrompendo): — Eu creio que não é necessário dizer uma cousa que é taxativa por lei.
Pois se a lei n.º 1:424 impõe que só retiremos da circulação notas prata em quantidade equivalente, evidentemente que não se pode vender a prata sem que se faça essa substituïção.
Não vou alterar a lei; vou interpretá-la, e nessa interpretação não tenho senão que respeitar aquilo que está legislado.
O Orador: — E pena que não se estabeleçam dúvidas.
V. Ex.ª de facto não altera a lei n.º 1:424, mas pela forma como está redigida esta base, pode supor-se que não se referindo V. Ex.ª ao que está estabelecido, poderia considerar-se revogada tal disposição.
Os meus reparos são simplesmente para que não surjam dúvidas e se saiba que o Govêrno está habilitado a pagar ao Banco de Portugal aquelas notas cem que se faça a recolha da prata.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem o Sr. Ministro das Finanças fez a revisão do seu àparte.
Foi admitida a proposta de adidamento do Sr. Carlos Pereira.
O Sr. Vitorino Guimarães: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa duas propostas, uma de emenda e outra de aditamento, que traduzem a mi-
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nha maneira de sentir, assim como do Grupo Parlamentar Democrático.
A proposta de emenda à base 2.ª é para substituir a palavra reserva pela palavra depósito com o que, segundo parece, o Sr. Ministro das Finanças está de acôrdo. E que em linguagem financeira dá-se uma interpretação à palavra reserva que não é bom aquela que se dá na proposta ministerial.
As reservas em todos os Bancos são sempre consideradas à paridade e em harmonia com a lei n.º 1:424, que determina que fique o dinheiro proveniente do rendimento da prata a caucionar em papel.
Para garantir melhor a situação do Banco estava bem empregada a palavra garantia, mas, desde que é para ser representada pelo seu valor num determinado momento, quere-me parecer que a palavra depósito traduz melhor o sentido que se tem em vista.
Também entendo que se deve suprimir a palavra aí.
Como V. Ex.ª sabe, nem toda a moeda de prata está arrecadada no Banco de Portugal; parto dela está na Casa da Moeda.
Ainda, na mesma orientação que tive há dias ocasião de expor à Câmara, mando também para a Mesa uma proposta do aditamento ao § 1.º
Esta quantia parece-me suficiente para satisfazer os encargos e as necessidades do Tezouro até o dia 31 de Dezembro.
Quere-me parecer que não paralisaram por completo as cobranças do Estado e que, portanto, durante parte dêste mês de Novembro e por todo o mês de Dezembro as receitas a arrecadar pelo Estado devem ter uma certa importância.
Se essas cobranças não têm sido feitas dum modo mais regular, tem sido isso devido às dificuldades que têm surgido para dar plena execução ao novo regime tributário.
Estamos certos, porém, atentas as promessas que o Govêrno fez a esta Câmara, que êle vai envidar todos os esforços e toda a energia para que o dinheiro que é devido pelos contribuintes ao Estado entra ràpidamente nos seus cofres.
Quere-me parecer que parte desse rendimento é destinado à amortização do aumento agora proposto o é nessa ordem de ideas que mando para a Mesa a minha proposta.
Sr. Presidente: escuso de lazer mais considerações, porque já há dias, a quando da discussão do relatório financeiro o ainda sôbre a generalidade desta proposta de lei, tive ensejo do expor v Câmara qual era a orientação que me determinada a apresentar estas propostas de emenda e aditamento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foram admitidas as propostas do Sr. Vitorino Guimarães.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Sr. Presidente: as propostas de emenda apresentadas à base 2.ª, quer pelo Sr. Carlos Pereira como pelo Sr. Vitorino Guimarães, merecem um pouco de exame; vou fazê-lo com o menor número de palavras possível.
O Sr. Carlos Pereira propõe que à base 2.ª sejam adicionados os termos da sua proposta.
Y. Ex.ª compreende, o pensamento que me parece estar dentro da alínea e) do artigo 6.º da lei n.º 1:424, de 15 de Maio de 1923, é o seguinte: a reserva que se votar em valores ouro servo de garantia a toda a circulação do Estado, de modo que essa reserva, à qual nós vamos adicionar agora mais a quantidade em escudos correspondente ao seu valor ao câmbio do dia em que foi publicada esta lei, ficará servindo de caução a um suprimento de um milhão e tal de contos.
Essa reserva servirá ainda de caução à quantidade de escudos que vão ser lançados em circulação em virtude da base 2.ª desta lei.
Aceito, portanto, a proposta do Sr. Carlos Pereira, entendendo-se que a interpretação que eu darei a êste parágrafo é aquela que acabo do dizer.
Quanto ao segundo parágrafo, embora o julgue unia redundância, não acho inconveniente em que êle seja aprovado.
O Sr. Vitorino Guimarães apresentou também algumas emendas.
Pede S. Ex.ª para ser substituída a palavra reserva por depósito.
Deve dizer a S. Ex.ªs que não tenho culpa dos termos em que está redigida a alínea r) do artigo 6.º
Para não estar a massar V. Ex.ª; cita-
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rei apenas de cor alínea i) da base 2.ª do contrato de 1918 que permite ao Estado constituir no Banco reservas ouro, quer dizer, é esta alínea i) que chama a isto reservas, mas se V. Ex.ª, quere substituir a nomenclatura...
O Sr. Almeida Ribeiro (interrompendo): — Mas a alínea i) pode levar a duvido s.
O Orador: — São perfeitamente equiparáveis às reservas ouros que o Banco faz.
Para mim, é indiferente que V. Ex.ªs em lugar de lhe chamarem «reservas» chamem «depósitos», e como isso não altera fundamentalmente a posição do Govêrno, não me importa que V. Ex.ªs esclareçam êsse ponto.
Mas o Sr. Vitorino Guimarães apresentou uma outra emenda.
Quere dizer, o Sr. Vitorino Guimarães nesta altura limita o valor da prata, de modo que sobre ela deixa uma margem muito grande para a sua desvalorização.
Sr. Presidente: a ser aceite o § 1.º proposto pelo Sr. Vitorino Guimarães, fica sem eleito o parágrafo proposto pelo Sr. Carlos Pereira.
Em todo o caso, quero dizer ao Sr. Vitorino Guimarães que o Partido Nacionalista não tem a pretensão de ter o monopólio do Poder por êste espaço de tempo tam grande. Lembro ainda que a solução agora adoptada irá naturalmente colocar em embaraços os Govêrnos futuros, mas, se S. Ex.ª vier ao Parlamento apresentar a questão, eu prometo, pela minha parte, não fazer oposição.
Julgo insuficiente a verba de 100 milhões, mas aceito-o, se a Câmara assim o entender.
Vejamos o § 2.º
Neste ponto, o que o Sr. Vitorino Guimarães pretende é acautelar o mais possível os interêsses do Estado, no sentido de reduzir a circulação fiduciária.
Mas pregunto: De quem são as responsabilidades morais, se um Govêrno abandonar no dia 28 de Junho o Poder, sem ter cumprido esta disposição, e no dia 30 o Govêrno que vier igualmente não lhe dor cumprimento?
Trata se, como V. Ex.ªs vêem, de meros platonismos, mas não tenho dúvida em me colocar ao lado do Sr. Vitorino
Guimarães, no sentido de fazer um esforço fiscal, tam grande sob o ponto de vista da compressão de despesas e aumento de receitas, que consigamos esta maravilha.
Porém, como a reputo impossível, voto contra, mas o Parlamento votará como entender.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Sampaio e Maia: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de aditamento à base
Este aditamento consiste em aplicar à prata do Banco de Portugal, o mesmo princípio que o Estado aplica para a sua própria prata.
Sr. Presidente: à simples vista parece tratar-se de um aumento de circulação fiduciária. De facto assim é, mas êle torna-se necessário, dada a maneira asfixiante em que o comércio e a indústria se debatem.
Nestes termos, Sr. Presidente, eu entendo que esta minha proposta de aditamento deve ser aprovada pela Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi Lida na Mesa, admitida e posta em discussão,
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: conforme já tive ocasião de dizer a V. Ex.ª e à Câmara, nós não aprovamos a base segunda', por isso que temos uma opinião diversa sôbre o que ela preceitua relativamente às reservas metálicas do Banco de Portugal. '
Nós, Sr. Presidente, estamos hoje como sempre estivemos, e assim mantemos o nosso ponto de vista, isto é, de que o Govêrno não pode dispôr dessa praia, visto ela não pertencer nem ao Banco nem ao Estado, mas sim aos portadores das notas, visto estes terem sido obrigados a depositá-las no Banco de Portugal pelo que receberam em troca igual quantia em escudos.
Não damos pelas razões expostas a nossa aprovação à base segunda.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Eu devo dizer em abono da verdade que não estou de acôrdo com o ilus-
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tre Deputado Sr. Carvalho da Silva, pois a verdade 6 que o que se pretende equivale a estabelecer duas circulações, uma das quais terá o prémio de 10 por conto sôbre a outra.
Assim, Sr. Presidente, a circulação da prata colocará o portador nas seguintes condições: quem tiver um escudo prata, equivale a ter 10 escudos ouro e assim sucessivamente.
O Orador: — Eu não compreendo que tendo ela sido feita para um determinado fim, o Estado lhe queria dar um outro destino.
Não podemos, repito, estar de acôrdo com a opinião expendida sôbre o assunto pelo Sr. Ministro das Finanças, o assim não podemos de nenhuma forma votar esta base.
Vou referir-me ao artigo novo mandado para a Mesa pelo Sr. Sampaio Maia, e desde já declaro a V. Ex.ª que êsse artigo merece a êste lado da Câmara a mais decidida o tenaz oposição.
Esse aumento de circulação fiduciária é um verdadeiro imposto lançado sôbre o País e o Banco também aumenta a sua circulação privativa e é esta uma das razões por que o Banco tem dado tantas facilidades. O Banco é também muito responsável.
A proposta que o Sr. Sampaio Maia mandou para a Mesa representa um alargamento de circulação em 30:000 contos.
Não há o direito de o Estado fazer semelhante aumento de circulação, e se nós não fizemos mais oposição h proposta do Sr. Ministro das Finanças é porque vemos que o momento é grave e podia levar o País a conseqüências desastrosas; mas de modo algum podemos permitir um semelhante alargamento de circulação fiduciária.
Sr. Presidente: eu não gosto de expor opiniões sem as fundamentar, e, assim, vou buscar a opinião autorizada do director do Banco, o Sr. Caeiro da Mata, a quem me ligam laços da maior amizade. Vou ler o que S. Ex.ª dizia na assemblea geral em 27 de Fevereiro de 1922.
Por aqui se vê que o Banco não pode querer, não sendo de aceitar, a proposta do Sr. Sampaio Maia.
Por sua voz permite o alargamento da circulação fiduciária, e ao câmbio do dia correspondente a escudos.
Não me demorarei nas minhas considerações; mas não posso deixar de chamar a atenção da Câmara para êste ponto importantíssimo.
Só me falta ver se a Câmara, depois de votar centenas de milhares de contos de alargamento de circulação fiduciária, o que constitui um verdadeiro flagelo para o País, ainda vá permitir mais 30:000 contos para a circulação privativa do Banco.
Esta proposta tem, repito, a nossa mais inteligente oposição.
Espero que a Câmara ponderará esta circunstância, não permitindo de nenhuma forma que se vote esta proposta.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem o Sr. Ministro e das Finanças fez a revisão do seu «àparte».
O Sr. Velhinho Correia: — Pedi a palavra para mandar algumas propostas para a Mesa.
Nelas não há senão o propósito de afirmar doutrina em presença dum diploma tam importante para a vida da Nação.
A primeira proposta visa à, substituïção da base 2.ª por uma outra em que a redacção se me afigura melhor.
A segunda visa a acautelar de maneira efectiva a amortização dêste novo suprimento feito ao Banco.
A terceira visa a dar destino efectivo à prata, visto que o destino efectivo não está previsto nem na proposta do Govêrno, nem na do leader da maioria, Sr. Vitorino Guimarães.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — O Estado disse aos particulares que podiam recolher a prata que não tem curso legal, e os particulares entregaram a prata como garantia da circulação das notas.
Seria preciso sabor se o Banco entrega a prata.
Mas pároco perfilhar se a moral do sapateiro de Braga...quanto à prata.
Tenho esperança de que a Câmara não permitirá esta negociação.
O orador não reviu.
Leram se e foram admitidas as propostas do Sr. Velhinho Correia.
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O Sr. Fausto de Figueiredo: — Sr. Presidente: a proposta apresentada pelo Sr. Sampaio Maia merece considerações de vária espécie, referindo-se ao Banco Emissor, que, sem desprimor para os que o dirigem, tem exercido na vida financeira dêste país efeitos altamente perniciosos.
Apoiados.
Não se diga que a proposta do Sr. Sampaio Maia não teria razão de ser se de facto êste estabelecimento, ao qual o Estado tem inteiramente ligados os seus interêsses, fôsse dirigido o administrado com aquela independência que a direcção dum estabelecimento daquela natureza devia ter.
Infelizmente, o que se dá dentro daquele Banco, sem desprimor para nenhum dos homens que o dirigem, não é próprio dum Banco do Estado. Não é um Banco de Portugal; é, sim, um Banco em que diversos grupos entenderam assambarcar as funções a ponto de disporem livremente do que o Estado lhes confiou, não olhando aos interêsses legítimos quer da agricultura, quer do comércio, quer da industria; não olhando às conveniências dos interêsses do País, o que tem sido, a meu ver, uni dos factores mais importantes do descalabro financeiro e cambial que infelizmente o País atravessa.
Não!
É preciso que o Sr. Ministro das Finanças nos diga qual a orientação, a política, que está disposto a adoptar para com o Banco de Portugal.
Tenho a certeza absoluta de que S. Ex.ª, que possui o talento que todos nós lhe conhecemos, sabe as razões e fundamentos pelos quais o Banco é um estabelecimento que, podendo prestar ao País elementos de importância e os equilíbrios necessários, é, contudo, perante o Estado um dos factores mais prejudiciais.
Não se diga, portanto, que a proposta do Sr. Sampaio Maia não teria -razão de ser se o critério dessa direcção, a cujos nomes presto a minha homenagem, no número dos quais conto alguns amigos, pudesse realmente prestar à praça, não à praça da Praça do Comércio, mas à que trabalha honestamente para produzir alguma cousa do útil, o que devia prestar.
O Banco de Portugal entrega a essa praça, que tem de ser tratada com carinho, porque representa o desenvolvimento económico do País, 9 por cento da circulação fiduciária.
E isto o que a praça recebe. Mais nada. Um têrço da circulação fiduciária em 1914; à praça que trabalha, que deve ser ajudada, dá apenas vinte e cinco mil contos de setenta o cinco mil contos da circulação fiduciária referida.
É isto que recebe a praça, que trabalha e que precisa ser auxiliada!
O Sr. Carvalho da Silva: — As notas que são lançadas em circulação não servem à praça? Mas não são só as notas do Banco que servem a praça.
Êsse argumento pode servir para demonstrar que é extraordinàriamente exorbitante a quantia de notas que anda em circulação, mas não demonstra que represente uma necessidade maior para a praça.
O Orador: — O Sr. Carvalho da Silva tom carradas de razão no que acaba de dizermos o que se discute é o modo como à praça se entregam as notas.
O Banco de Portugal está fazendo descontos a um juro que anda por 12 por cento.
Àpartes.
Numa tal situação, as emprêsas honestas não podem ter uma vida auspiciosa. Àpartes do Sr. Carvalho da Silva.
O Orador: — Eu tenho tanto empenho como V. Ex.ª na regularização da situação.
Uma taxa de desconto como a que se está fazendo, apenas serve para ajudar o descalabro em que vivemos.
Diz-se que de há muito o Banco de Portugal devia ter seguido um caminho diverso, como era sua obrigação, mas a política que se tem seguido tem sido tudo quanto há de mais nefasto, e o Banco do Portugal, que tem a qualidade de banco emissor, tem ainda talvez por isso o mesmo capital inicial de 30:000 contos.
Há muito tempo que êsse Banco devia ter elevado o seu capital para ajudar a praça.
Mas não se faz isso porque é cómodo viver neste estado de cousas.
Os Ministros dão todas as facilidades e daí resulta o descalabro em que nos encontramos.
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Sr. Presidente: comquanto êste assunto seja de importância, outros de maior interêsse estão pendentes, e por isso não quero continuar nestas considerações.
Desejaria por fim saber qual é a política do Govêrno em relação ao Banco de Portugal e a situação da praça, que carece de notas para a sua vida industrial e comercial.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Carvalho da Silva não fez a revisão do seu «àparte».
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — É-me absolutamente indiferente a resolução que o Parlamento haja de tomar sôbre o problema; por mim votarei segundo a minha consciência.
Em todo o caso temos de regular a situação de qualquer forma, mas é bom não esquecer que os Governos anteriores nunca conseguiram o aumento da circulação fiduciária sem aumento da circulação própria do Banco, como vou mostrar, lendo.
Quere dizer que o aumento foi de um para sete, somando tudo isto 160:000 contos.
O único Govêrno que realizou um aumento de circulação fiduciária sem aumentar a circulação do Banco foi aquele a que tive a honra de presidir.
Nestes termos, a circulação fiduciária esteve aumentada de 15:000 contos, mas voltou ao seu valor natural, mercê de medidas que adoptei.
Surge agora o Banco de Portugal, depois de eu ter apresentado esta proposta vã Câmara, dizendo que, dadas as circunstâncias da praça, muito desejaria ser autorizado a poder adoptar para a sua prata, que é em barra e não em moeda, como aqui foi dito, o mesmo critério que o Estado pretende estabelecer.
Sr. Presidente: a prata em barra, que pertence ao Banco estava avaliada em 3:596 contos, números redondos.
Como o valor real é cêrca de 10 vezes, temos que o valor actual é aproximadamente 35:960 contos. Mas, como esta prata está representada por 3:596 contos de notas, deduzindo-se dos 35:960 contos, verificamos que o sou valor é de 32:000 contos, números redondos.
E de mais? É de menos?
Eu como Deputado digo que, em relação àquilo que tem sido concedido pelos Governos anteriores, não é mais.
No emtanto a Câmara resolverá como entender, pois êste desejo do Banco nada tem com o acôrdo que com êle pretende estabelecer.
Nestas condições, dou o meu voto à proposta apresentada pelo Sr. Sampaio e Maia.
O Sr. António Fonseca: — V. Ex.ª dá-mo licença?
Devo dizer a V. Ex.ª que me habituei sempre a considerar as pessoas que se sentam nessas cadeiras apenas como Ministros.
Assim, muito desejaria que V. Ex.ª como Ministro, me dissesse o à Câmara qual a sua opinião relativamente ao aumento da circulação em 32:000 contos, porque certamente para V. Ex.ª não é indiferente.
Desculpe-mo V. Ex.ª se a pregunta é indiscreta.
O Orador: — Uma pregunta vinda do Sr. António Fonseca nunca poderá ser indiscreta num impertinente.
Mas, eu peço ao Sr. António Fonseca que me permita, antes de dar a resposta, que lhe taça também uma pregunta:
Foi, por acaso, V. Ex.ª um dos Deputados que votaram favorávelmente as leis n.ºs 1:246 e 1:424?
O Sr. António Fonseca: — Não me recordo. Mas se o fiz foi porque tinha razões fortes para o fazer.
V. Ex.ª compreende.
O Orador: — Mas V. Ex.ª está a antecipar-se. Eu fiz a pregunta, mas não disse a razão por que a fazia.
O Sr. António Fonseca: — Mas nem eu quero descortinar!
O Orador: — Sabe V. Ex.ª por que fiz a pregunta.
Era para, quando lhe dissesse qual a minha opinião como Deputado, ter o prazer de dizer que em boa companhia votei
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com V. Ex.ª a lei n.º 1:244, e assim eu, como Deputado, de qualquer forma tinha respondido à sua pregunta.
Quando o Sr. Portugal Durão chegou à comissão de finanças e expôs a situação em que se encontrava, eu declarei que, em virtude das propostas do Sr. Portugal Durão, que eram absolutamente justificáveis, dum aumento de circulação própria do Banco, eu votava com S. Ex.ª nesse ponto.
Como Deputado, repito, sempre que um Ministro das Finanças me pusesse o problema nestas condições, e se reconhecesse a necessidade para a praça de ter maior número de recursos, eu não teria dúvidas, como não tive nessa ocasião, em votar o aumento de circulação própria do Banco, como dúvidas igualmente não tiveram os Srs. Portugal Durão e Vitorino Guimarães.
Creio, Sr. Presidente, que como Deputado respondi à pregunta do Sr. António Fonseca, e creio que posso quási garantir que como Deputado tive por companheiro S. Ex.ª nessa votação.
Mas agora preguntará S. Ex.ª: e como Ministro?
Essa opinião é muito mais melindrosa, mas vou dá-la.
O Ministro acha-se embaraçado por duas razões opostas; uma é porque sabe o motivo por que pede o aumento de circulação, e êsse motivo é por ter «encontrado os cofres vazios, e, não tendo outra maneira de adquirir o dinheiro necessário, pede o aumento de circulação fiduciária. Mas como não quere ser exagerado, restringe êsse aumento simplesmente ao necessário para fazer face às despesas do Estado. Mas, não quere êle ter a iniciativa nem que seja a razão determinante do seu voto a razão determinante do voto do Parlamento, o a razão é uma outra: é que reconhecendo justiça à praça como Ministro, não pode deixar de julgar que mais 30 menos 30 não é cousa que seja indiferente. Isso, porém, é com a Câmara e o Ministro não lhe dá conselhos. A Câmara vota como entender.
Em resposta a umas considerações produzidas pelo Sr. Fausto de Figueiredo, por quem tenho a maior consideração, tenho a dizer que eu entendo que não pode o Ministro das Finanças ignorar o que se passa adentro do Banco de Portugal, pois que a sua função é fiscalizar tanto quanto possível.
O orador não reviu.
Os àpartes não tiveram a revisão dos oradores que os proferiram.
O Sr. Carvalho da Silva: — Entendo que a maioria não pode votar esta proposta. Não estamos esquecidos de que há uns três meses, estando a praça em situação aflitiva, houve reclamações, e o Govêrno democrático entendeu que não devia tomar quaisquer providências que representassem aumento da circulação privativa do Banco. Como pode á hoje o Partido Democrático pensar de outro modo?
Diz-se que não se deve aumentar a circulação, e vai-se assim de ânimo leve aumentar a circulação privativa do Banco?
Não pode ser!
A Câmara deve ponderar êste facto para não votar a proposta do Sr. Sampaio Maia.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paiva Gomes: — Sinto me obrigado a emitir a opinião que tenho a respeito do assunto em debate.
É estranhável que o Banco de Portugal venha nêste momento pedir, por uma forma pouco louvável, um aumento de circulação para êle.
O que se pede? Simplesmente o seguinte: autorização para o Banco vender a prata que é garantia das notas. E que prata é essa?
É amoedada? É em barras?
O Sr. Ministro diz que é em barra.
Se assim é, pregunto: i qual a razão porque nos balancetes do Banco figura a importância da prata por quantias diferentes?
Êsses números é que me levam a supor que alguma prata há em moeda.
Se assim fôr, eu pregunto se essa prata é do Estado.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Eu só considero como pertencendo ao Estado a prata em barra.
O Orador: — Isso vem em meu auxílio para me explicar por que o encaixe prata figura por diversos números nos balancetes.
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Mas o Banco, com o desejo expresso na proposta do Sr. Sampaio Maia, virá contribuir mais para a desvalorização da moeda.
Desta maneira e porque não vi argumento nenhum que colhesse uma necessidade imperiosa a favor do Banco, voto contra essa proposta, e não creio que a maioria dos Deputados esteja disposta a dar-lhe o seu voto favorável,
Apoiados.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: — Não havendo mais ninguém inscrito, vão fazer-se as votações.
São lidas e aprovadas as emendas à base 2.ª
Aprova-se em seguida a base, sôbre as emendas.
São aprovadas as propostas de aditamento do Sr. Carlos Pereira e Vitorino Guimarães.
São rejeitadas as propostas de aditamento do Sr. Sampaio Maia e Velhinho Correia.
É considerada prejudicada a outra proposta de aditamento do Sr. Velhinho Correia.
Lê-se e entra em discussão a base 3.ª
O Sr. Carvalho da Silva. — Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para dizer a V. Ex.ª que acho muito justa a base 3.ª
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Sr. Presidente: creio que pela discussão apressada que se fez, se introduziram cousas contraditórias dentro da minha proposta.
Por exemplo, V. Ex.ªs votaram muito bem a proposta do Sr. Carlos Pereira, mas votando-a tinham de votar a base tal como eu a tinha redigido; todavia a seguir votaram uma base diversa.
Quero simplesmente frisar que não é minha a responsabilidade de se terem votado cousas contraditórias.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Vitorino Guimarães: — Devo dizer que V. Ex.ª não tem razão com as observações que fez, tanto mais quanto é certo que a minha proposta é bem clara, não oferecendo dúvidas.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Não posso na verdade estar de acôrdo com a sua proposta; no emtanto, repito, a Câmara resolverá como julgar mais conveniente.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Não há mais ninguém inscrito; vai votar-se.
Os Deputados que aprovam a base terceira, queiram levantar-se.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se o artigo adicional enviado para a Mesa pelo Sr. Ministro das Finanças.
Foi lido.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças, para um ponto, com o qual estou certo que o Sr. Ministro estará de acôrdo.
Quando eu ontem pedi para que êste artigo ficasse para discutir depois da aprovação das bases, não se podia saber se realmente a caução se referia à base primeira ou não, tendo me dito o Sr. Ministro das Finanças que, de facto, a primeira redacção que tinha feito se referia à base primeira, mas que no emtanto seria apresentada uma outra base talvez.
Natural é pois que o Sr. Ministro das Finanças agora pretenda manter a sua primitiva redacção.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal) (interrompendo): — Estou perfeitamente de acôrdo com V. Ex.ª, pelo que lhe peço para ser S. Ex.ª mesmo o apresentante dessa emenda.
O Orador: — Nesse caso, mando para a Mesa a proposta de emenda a que acabo de me referir.
Tenho dito.
Foi lida, admitida, e seguidamente aprovada, sendo depois aprovado o artigo, salva a emenda.
O Sr. Carvalho dos Santos: — Peço a V. Ex.ª o obséquio de consultar a Câmara, sôbre se dispensa a leitura da última redacção.
Foi aprovado.
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Documentação
Emendas e aditamentos oferecidos à proposta de lei, que obtiveram a resolução constante das respectivas rubricas:
Proponho que as palavras: «a que respeitam as bases complementares desta lei», sejam substituídas por estas outras: «a que respeita a base primeira desta lei». — Artur Carvalho da Silva.
Para a Secretaria.
Admitida.
Aprovada.
Para a comissão de redacção.
O Govêrno acordará com o Banco de Portugal a concessão de um suprimento especial até a importância de 40:000 contos, exclusivamente destinados ao pagamento da parte, ainda em dívida, do material encomendado pelos estabelecimentos do Estado, por conta das reparações alemãs, devendo a importância dêsse suprimento ser autorizada no decurso do ano económico de 1924-1925, para o que se inscrevera, no respectivo orçamento, a verba necessária. — António Fonseca.
Admitida.
Retirada.
Proponho que a base 1.ª da proposta em discussão, que autoriza o Govêrno a celebrar um novo contrato com o Banco de Portugal, seja substituída pela seguinte
BASE 1.ª
Aos empréstimos ou suprimentos que o Banco de Portugal faz ao Govêrno, nos termos da base 1.ª do contrato de 29 de Abril de 1918, do artigo 1.º da lei n.º 1:074, de 27 de Novembro de 1920. do contrato de 21 de Abril de 1922 o do artigo 6.º da lei n.º 1:424, de 15 de Maio de 1923, serão acrescidos aqueles que o mesmo Banco fez ao Govêrno, até ao dia 15 de Novembro de 1923, que assim ficam regularizados.
§ único. O Govêrno, de harmonia com o disposto nos artigos 4.º o 10.º da lei n.º 1:424, de 15 de Maio de 1923, e logo que as circunstâncias o permitam, procederá à amortização do débito, assim contraído pelo Estado no Banco de Portugal. — Vitorino Guimarães.
Prejudicada.
Proponho que no artigo 2.º da proposta de lei que autoriza o Govêrno a celebrar um novo contrate com o Banco de Portugal, seja substituída a palavra «renovar», pela palavra «manter». — Vitorino Guimarães.
Rejeitada.
Proponho que na base 1.ª em discussão se limito o suprimento a uma quantia fixa e determinada, e que essa seja num máximo de 100:000 contos.
27 de Novembro do 1923. — Velhinho Correia.
Rejeitada.
Proponho um parágrafo a adicionar à base 1.ª:
Do aumento do circulação proveniente no disposto nesta base, serão destinados directamente ao Banco de Portugal 10:000 contos, para atenuar os efeitos da carestia da vida, auxiliando a criação e o desenvolvimento de cooperativas u«consumo em condições de exercer uma benéfica acção social, abrindo, até ao montante indicado, os créditos necessários para êsse efeito. — F. G. Velhinho Correia.
Rejeitada.
Proposta de aditamento ao § único da base 1.ª (Vitorino Guimarães):
Não podendo êste suprimento em caso algum ser renovado no todo ou em parte, nem tam pouco ser usada a autorização para renovar por metade os suprimentos feitos anteriormente à lei n.º 1:424, sem que aquele a que se refere a alínea b) do> artigo 5.º dessa lei e o indicado na presente base sejam completamente amortizados. — F. G. Velhinho Correia.
Prejudicada.
Proponho que na base 2.ª da proposta em discussão, que autoriza o Govêrno a celebrar um novo contrato com o Banco de Portugal, sejam feitas as seguintes emendas:
Substituir a palavra «reserva», por «depósito».
Suprimir a palavra «aí», ficando assim redigida: «venda da prata arrecadada e recolhida». — Vitorino Guimarães.
Aprovada.
Para a comissão de redacção.
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Proponho que à base 2.ª sejam adicionados os seguintes parágrafos:
§.º Se em alguma semana baixar o curso médio das cotações o câmbios, que serviram para o cálculo do montante da circulação representativa dos valores ouro, referida nesta base, êsse montante será na semana seguinte reduzido na proporção da baixa.
§.º O disposto nesta base, não revoga a determinação final da alínea e) do artigo 6.º da lei n.º 1:424, acima citada.
27 de Novembro de 1923. — C. Pereira.
Aprovado.
Para a comissão de redacção.
Proponho que h base 2.ª da proposta em discussão, que autoriza o Govêrno a celebrar um novo contrato com o Banco de Portugal, sejam aditados os seguintes parágrafos:
§ 1.º Em caso algum a autorização a que se refere esta base poderá exceder 100 milhões de escudos, até 31 de Dezembro de 1923.
§ 2.º O Govêrno promoverá que o débito assim contraído pelo Estado, ao Banco de Portugal, seja amortizado de um têrço, até 30 do Junho de 1924, e integralmente pago até 30 de Junho de 1925. — Vitorino Guimarães.
Aprovada.
Para a comissão de redacção.
Proposta de substituïção da base 2.ª: No contrato a realizar entre o Govêrno e o Banco de Portugal, se o Govêrno pretender desde já fazer representar por notas ouro a reserva ouro, que ali vai constituir pela venda da prata desamoedada, visto o que dispõe a alínea e) do artigo 6.º da lei n.º 1:424, do 15 de Março de 1923, a base 2.ª do contrato de 29 de Abril de 1918 e alínea i) da mesma base e o artigo 14.º das bases anexas à lei de 29 de Julho de 1887, estabelecer-se há que a representação dessa reserva será calculada em funções do pêso da prata e da sua cotação em Londres, da cotação oficial em Lisboa do câmbio sôbre Londres, no dia da publicação desta lei.
A venda da prata será efectuada pelo Banco de Portugal, de acôrdo com a Direcção Geral da Fazenda Pública. — F. G. Velhinho Correia. Prejudicada.
Proposta para um aditamento à base
Feito o pagamento total ao Banco de Portugal, do suprimento indicado nesta base, o depósito ouro a que a mesma se refere será aplicado à circulação representativa aos débitos já existentes do Estado ao Banco e circunscrito aos limites estabelecidos pela legislação em vigor, reforçando os depósitos criados nos termos da lei n.º 404, de 9 de Setembro de 1915, e decreto n.º 2:437 de 9 de Junho de 1916, e nas mesmas condições em que estes se encontram.
Rejeitada.
Proposta de aditamento à base 2.ª:
a) É autorizado o Banco de Portugal a proceder quanto à sua prata, pela forma estabelecida para o Estado relativamente à prata que lhe pertence. — Angelo Sampaio e Maia.
Para a Secretaria.
Admitida.
Rejeitada.
Proposta de aditamento à base 2.ª: O Govêrno promoverá que o débito assim contraído pelo Estado ao Banco de Portugal seja amortizado de um têrço, até 30 de Junho de 1924, e integralmente pago até 30 de Junho de 1925, devendo por isso o Govêrno ajustar com o Banco de Portugal o escalonamento dos respectivos pagamentos. — F. G. Velhinho Correia.
Para a Secretaria.
Admitida.
Prejudicada.
Artigo 1.º É autorizado o Govêrno a manter em vigor com o Banco de Portugal a convenção de 29 de Dezembro de 1922, até que as circunstâncias do Tesouro Público permitam a constituïção de um fundo destinado ao serviço de exportações com aplicação imediata à aquisição das respectivas cambiais.
Art. 2.º E o Govêrno igualmente autorizado a realizar com o Banco de Portugal no sentido de antecipar a representação em notas ouro, dos valores ouro, com que o Estado vai constituir uma reserva no mesmo Banco, pela venda da prata ali arrecadada e recolhida, respectivamente ao abrigo
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e por fôrça do que dispõe o § único do artigo 14.º das bases anexas à lei de 29 de Julho de 1887, base 2.ª do contrato de 29 de Abril de 1918 e alínea i) da mesma base, bem como a alínea e) do artigo 6.º da lei n.º 1:424, de 15 de Maio de 1923.
Art. 3.º A representação em notas ouro, a que se refere o artigo 2.º, será calculada em funções do pêso da prata e da sua cotação em Londres e da cotação oficial em Lisboa do câmbio sôbre Londres no dia da publicação desta lei, não podendo em caso algum ser excedida, devendo antes ser reduzida e nivelada, semestralmente, com a referida cotação oficial em Lisboa do câmbio sôbre Londres, quando esta fôr superior à do dia da publicação da presente lei.
Art. 4.º Do aumento da circulação proveniente do disposto no artigo 3.º, serão destinados directamente ao Banco de Portugal 10:000 contos, para atenuar os efeitos da carestia da vida, auxiliando a criação e o desenvolvimento de cooperativas de consumo em condições de exercer uma benéfica acção social, abrindo até ao montante indicado os créditos necessários para êsse efeito.
Art. 5.º Se o custo de notas de novas emissões exceder os 3/s por cento do juro que ao Banco pertence, êsse excesso será encargo do Tesouro, fixando-se por acôrdo as regias para verificação e fiscalização anual daquele custo.
Art. 6.º Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 21 de Novembro de 1916. — F. G. Velhinho Correia.
Prejudicada.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão será amanhã, à hora regimentai, com a seguinte ordem do dia:
Parecer n.º 267, que divide o concelho de Castelo Branco em sete assembleas eleitorais.
Pareceres n.ºs 476, 513, 593 e 98, hoje em tabela.
Projecto de lei n.º 617, que estabelece uma segunda época de exames em Outubro, para os estudantes das Faculdades «de Direito.
— Está encerrada a sessão.
— Eram 19 horas e 40 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Projectos de lei
Do Sr. Alberto Vidal, estabelecendo uma segunda época de exames em Outubro nas Faculdades de Direito.
Aprovada a urgência e dispensa do Regimento.
Do Sr. Tavares de Carvalho, abrangendo nas regalias da lei n.º 1:158, de Abril de 1921, os militares presos pelos acontecimentos de 28 de Janeiro de 1908.
Para o «Diário do Govêrno».
Propostas de lei
Do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, aprovando a Convenção de Arbitragem com os Estados Unidos da América.
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. Ministro do Trabalho, extinguindo os Tribunais de Desastres no Trabalho.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de trabalho.
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. Ministro do Comércio, autorizando o Govêrno a proceder h alienação dos navios que constituem a frota dos Transportes Marítimos do Estado.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de comércio e indústria.
Para o «Diário do Govêrno».
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, seja autorizado a consultar todo o processo referente à sindicância feita em Agosto último no Hospital Militar de Lisboa. — F. Dinis de Carvalho.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, me seja autorizado o exame de todos os documentos referentes aos nossos interêsses, no tocante ao problema das reparações alemãs, documentos existentes na secretaria da Comissão ^Executiva da Conferência da Paz, mormente os documentos referentes aos actos preparatórios que receberam a aceitação,
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por Portugal, do acôrdo Bemelmans, e aos da sua execução até esta data.
Requeiro mais que a autorização ministerial me seja comunicada oficialmente.
Sala das Sessões, 26 de Novembro de 1923. — Alberto Xavier.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério das Colónias, me seja concedida autorização para compulsar na repartição competente o processo disciplinar instaurado ao chefe da circunscrição civil da província da Guiné, Manuel Bastos Pinto.
Lisboa, 27 de Outubro de 1923. — Mariano Martins.
Expeça-se.
Requeiro, pelo Ministério da Guerra, os seguintes esclarecimentos:
1.º Que verba se tom gasto com a Coudelaria Nacional de Alter do Chão, desde 1911;
2.º Qual tom sido a produção cavalar em cada ano;
3.º Que razão há pára os cavalos, que são sustentados pelo Estado, serem depois vendidos à comissão de remonta;
4.º Qual o rendimento das pastagens da Coudelaria, vendidas a estranhos, até Agosto do corrente ano;
5.º Qual o resultado duma sindicância feita ao Sr. comandante da Coudelaria, por ter ali morrido um grande número de éguas, pertencentes aos diferentes regimentos;
6.º Qual era na Coudelaria a alimentação dêstes animais;
7.º Qual o resultado duma sindicância feita ao comandante da Coudelaria, por ter agredido a chicotadas, e a tiro, um soldado em serviço na mesma Coudelaria;
8.º Qual a razão por que, sendo a coudelaria militar um estabelecimento com um tam grande movimento de fundos, não tem um Conselho # Administrativo, desde 1911, como aliás têm todos os estabelecimentos do Estado;
9.º Qual a razão por que a Coudelaria vende pastagens, grandes porções de azeite, trigo, sem os respectivos editais; e ainda as respectivas quantidades;
10.º Que número de trens, automóveis e motos, tem a Coudelaria desde 1911;
11.º Quantos tem adquirido apesar dos que possuía;
12.º Tem os automóveis e camiões da Coudelaria, sido empregados apenas em serviço militar;
13.º Porque não tem a Coudelaria Militar, os oficiais prescritos na lei orgânica daquele estabelecimento, de forma a constituir o Conselho Administrativo;
14.º Constando-me que éguas idas dos regimentos para a Coudelaria chegaram a ser vendidas por 4#50, devido ao seu estado orgânico, desejo saber quais os regimentos que ali mandaram éguas para ter crias, qual o preço por que foram avaliadas nos regimentos, qual a alimentação que tiveram durante a estada na Coudelaria e quanto pagaram diariamente as unidades para o sustento e trato na Coudelaria;
15.º Finalmente, desejo saber que animais pertencentes a civis aproveitaram as pastagens do Assumar, que pertence à Coudelaria, o quanto recebeu a Coudelaria por essas pastagens, quem autorizou a que as mesmas fôssem aproveitadas por animais que não pertenciam ao Ministério da Guerra, e por que não foi a sua venda anunciada em editais.
27 de Novembro de 1923. — Francisco Cruz.
Expeça-se.
Os Redactores:
João Saraiva.
Sérgio de Castro.