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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 171
(EXTRAORDINÁRIA)
EM 30 DE NOVEMBRO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Afonso de Melo Pinto Veloso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Respondem à chamada 45 Srs. Deputados.
É lida a acta, que adiante se aprova com número regimental.
Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Carlos Pereira trata de um movimento tumultuoso em Peniche e Atouguia da Baleia, pedindo providências por parte do Govêrno.
Responde o Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal). Sôbre os factos de Atouguia responde também o Sr. Maldonado de Freitas, voltando a usar da palavra, para explicações, o Sr. Carlos Pereira.
O Sr. Plínio Silva critica a proposta de lei sôbre as acumulações dos parlamentares, trata de questões referentes ao caminho de ferro do Estado, de uma sindicância a um professor da cidade de Elvas, e apresenta um projecto de lei sôbre o primeiro assunto de que se ocupou.
Com respeito a uma referência do Sr. Plínio Silva acêrca do artigo de «A Capital», sôbre assuntos militares, o Sr. Ministro da Guerra (Carmona) desmente os termos dêsse artigo.
O Sr. António Correia dá explicações sôbre a sindicância ao professor aludido e o mesmo fazem os Srs. Garcia Loureiro e João Camoesas.
Voltam a usar da palavra os Srs. Plínio Silva e Ministro da Guerra.
É pôsto à votação o requerimento do Sr. Plínio Silva, de urgência e dispensa do Regimento para o seu projecto de lei.
Usam da palavra sôbre o modo de votar os Srs. Sampaio Maio, Francisco Cruz, Almeida Ribeiro, Jorge Nunes, Álvaro de Castro e João Camoesas.
O Sr. Presidente, dando explicações, entende que o projecto de lei é inconstitucional.
Para interrogar a Mesa, usa da palavra o Sr. Plínio Silva, a quem responde o Sr. Presidente.
Para explicações f ala o Sr. Rêgo Chaves.
O Sr. Sampaio Maia requere que o assunto se considere de ordem, abrindo-se uma inscrição especial.
Usa da palavra para explicações o Sr. António Fonseca.
Desiste do seu requerimento o Sr. Sampaio Maia.
Usa da palavra, para explicações o Sr. Almeida Ribeiro.
Em prova e contraprova, é considerado inconstitucional o projecto de lei do Sr. Plínio Silva.
Ordem do dia. — O Sr. Velhinho Correia usa da palavra na matéria da sua interpelação ao Sr. Ministro das Finanças acêrca do contrato do empréstimo a Bancos de 43:000 libras.
Responde o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Correia Gomes requere, e é aprovada, a generalização do debate.
É lida e admitida a moção do Sr. Paiva Gomes, apresentada na sessão anterior.
Usa da palavra o Sr. António Fonseca, que não conclui o seu discurso.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Almeida Ribeiro, sendo a última sessão da sessão legislativa de 1922-1923, cumprimenta, em homenagem, o Sr. Presidente e quantos ocuparam a presidência e fizeram parte da Mesa nesse período.
Associam-se os Srs. Carvalho da Silva pelos monárquicos, o Sr. Álvaro de Castro pelos nacionalistas e o Sr. Presidente do Ministério (Ginestal Machado) pelo Govêrno.
O Sr. Presidente agradece, agradecendo também a coadjuvação do Sr. primeiro secretário.
Encerra-se a sessão.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. — Renovação de iniciativa. Requerimentos.
Abertura da sessão às 16 horas e 30 minutos.
Presentes à chamada 45 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 37 Srs. Deputados.
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Diário da Câmara dos Deputados
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Albino Pinto da Fonseca.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Sousa Maia.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João de Ornelas da Silva.
João Salema.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
Juvenal Henrique de Araújo.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
António Abranches Ferrão.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.,
António Vicente Ferreira.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bernardo Ferreira de Matos.
Constâncio de Oliveira.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais do Carvalho Soares de Medeiros.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Ferreira da Rocha.
Mário de Magalhães Infante.
Nuno Simões.
Pedro Góis Pita.
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Vitorino Hqnriques Godinho.
Não compareceram os Srs.:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva Castro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Dias.
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António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Joaquim Alves dos Santos,
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João Pina de Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Barros Capinha.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santas.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Continha.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Viriato Gomes da Fonseca.
Às 15 horas principiou afazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 45 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Da Faculdade de Direito de Lisboa, fazendo considerações sôbre a concessão de mais uma época de exames.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal das Caldas da Rainha, pedindo para não ser extinta a Escola Primária Superior daquela vila.
Para a comissão de finanças.
Da Câmara Municipal da Mealhada, aprovando as reclamações dos católicos.
Para a Secretaria.
Do Juízo da 2.ª Vara de Lisboa, pedindo licença para depor o Sr. Carlos Olavo.
Expeça-se.
Telegramas
Dos presos da reclusão naval, da Junqueira, pedindo a discussão do projecto de amnistia.
Para a Secretaria.
Dos professores, pessoal e pais, de alunos da Escola Superior do Funchal, contra a extinção da mesma escola.
Para a Secretaria.
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Diário da Câmara dos Deputados
Antes da ordem do dia
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: peço a atenção do Sr. Ministro das Finanças, para S. Ex.ª fazer a fineza de transmitir ao Sr. Ministro do Interior as considerações que vou expor.
Serei muito breve.
No dia 26 os correligionários do Govêrno, pretendendo fazer determinada reclamação à Câmara Municipal de Peniche, em lugar de procederem ordeiramente, foram armados invadir os Paços do Concelho, pretendendo pela violência impor as suas reclamações.
Felizmente, devido à atitude do Presidente da Câmara, que está fazendo as vezes de administrador do concelho, tudo findou em bem.
Mas no dia seguinte, no lugar da Atouguia da Baleia, os correligionários do Govêrno tocaram os sinos a rebate, foram aos pinhais da Câmara e aí queimaram a madeira que estava cortada, e que se destinava a uma escola.
Porém, como se isto ainda não bastasse, dirigiram só aos depósitos de reserva da Câmara e dos arrematantes dos pinhais, e destruíram tudo.
Sr. Presidente: apesar de terem praticado tais actos, ameaçaram ainda a Câmara do despejo violento e de exercer sôbre os republicanos filiados no Partido Republicano Português toda a série de violências.
Numa das vezes a intervenção da Guarda Nacional Republicana conseguiu que as cousas não fossem a mais.
Eu tenho a certeza de que o Sr. Ministro do Interior, que é um homem de ordem e de bem, não consentirá que tais desmandos se pratiquem, e espero que S. Ex.ª mandará inquirir dos factos que apontei, com o propósito firme de fazer justiça.
Sr. Presidente: para evitar que se dê qualquer scena desagradável, a Câmara Municipal de Peniche — pede-me que interceda junto do Sr. Ministro do Interior para que o pôsto da guarda republicana de Peniche seja dotado com mais três praças a cavalo, é que na Atouguia da Baleia seja criado também um pôsto.
Espero que o Sr. Ministro do Interior possa atender a estas reclamações justas,
para evitar que à fôrça tenhamos também de responder pela fôrça.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigrafias que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Sr. Presidente: ouvi com a maior atenção às considerações produzidas pelo Sr. Carlos Pereira, e transmiti-las hei ao Sr. Ministro do Interior, que, tenho a certeza, há-de manter a ordem.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Maldonado Freitas: — Sr. Presidente: ouvi o relato das informações que deram ao Sr. Carlos Pereira, e que êle tam apaixonadamente expôs à Câmara.
Porém, parece-me que o pinhal nesta altura não é roupa de franceses, como o tem sido até aqui, e se êsses factos se deram foi talvez para deminuir os desmandos que até agora se tinham praticado.
Para terminar, direi que não temos nrm responder à fôrça com a fôrça, mas exigir do Govêrno que cumpra a lei, acima de quaisquer paixões partidárias.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: pedi a palavra ùnicamente para declarar que não pus paixão nas minhas palavras. Relatei os factos e limitei-me a pedir que justiça fôsse feita, para se evitar que à fôrça tenhamos de responder com a fôrça.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Plínio Silva: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças e afirmar que, em todas as propostas que S. Ex.ª apresente com propósitos de moralização, me terá inteiramente a seu lado.
Porém, não aceito moral por conta-gotas, nem que o Sr. Ministro das Finanças deixe para depois pontos de vista que devia atacar em primeiro lugar.
Refiro-me à proposta que S. Ex.ª ontem apresentou proibindo aos Deputados e Senadores o desempenho de cargos ci-
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vis ou militares durante o exercício do seu; mandato.
E um ponto de vista que se tem defendido, nesta casa, por muito tempo.
O Sr. Sampaio Maia: — Isto de os Deputados e Senadores não poderem acumular as funções parlamentares vem desde 1919, e sempre com o meu protesto.
A Câmara é que tem consentido nesta situação.
Muitos àpartes.
O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara.
O Orador: — Isto, Sr. Presidente, é moralidade por conta-gotas.
Não me parece que tal sistema seja o melhor, quando é mais prejudicial aos interêsses do País a não comparência dêsses Deputados e Senadores.
Eu lamento que o Sr. Ministro das Finanças, com o seu projecto de moralização, não começasse por apresentar uma proposta no sentido de não poderem acumular funções os parlamentares que fizerem parte de Bancos, Companhias e quaisquer emprezas.
Eu mando para a Mesa um projecto nesse sentido, e peço para êle urgência e dispensa do Regimento, de forma a ser discutido na segunda-feira antes da proposta do Sr. Ministro das Finanças.
Eu direi a V. Ex.ª que na minha qualidade de engenheiro vou elaborar projectos para prédios sem portas e janelas. Isto sem ofensa para o Sr. Ministro das Finanças, e também scientificamente não está bem, pois vai privar de ar e luz, obrigando pessoas a pagarem uma contribuição por portas e janelas de que não tem culpa alguma por viverem num prédio com janelas e portas.
Peço ao Sr. Ministro das Finanças p ara insistir com o seu colega do Comércio para, o mais tardar na segunda-feira, me enviarem os cinco processos que pedi, principalmente três deles, os mais urgentes.
Peço ainda ao Sr. Ministro das Finanças que chame a atenção do Sr. Ministro da Instrução para um caso muito estranho, passado a respeito dum despacho do meu amigo e colega Sr. João Camoesas, quando Ministro, referente a uma sindicância a um professor da cidade de Elvas.
Êsse processo já tem 100 folhas; pois agora foi o próprio sindicado que em nome do Ministro mandou, por telegrama, vir a nota da sindicância.
Veja V. Ex.ª se isto é moralidade.
Muitos àpartes.
O Orador: — Chamo também a atenção do Govêrno para um caso que tem sido apreciado pela imprensa, nomeadamente pelo jornal A Capital, onde se aprecia uma entrevista do Sr. Presidente do Ministério e Ministro da Guerra que vai afectar o nosso exército.
Diz-se até que S. Ex.ªs deixaram de ir ao Conselho de Ministros para conferenciarem com o Sr. Raúl Esteves.
O Sr. Cunha Leal francamente naò está neste caso.
É na verdade uma injúria que se faz ao Sr. Ministro das Finanças, que a não merece, pois S. Ex.ª é muito inteligente.
Chamo, pois, a atenção do Govêrno para êste ponto, pois entendo que sôbre êste assunto o próprio Sr. Ministro da Guerra tem interêsse em dizer ao Parlamento o que se passa.
O caso é gravíssimo e eu entendo que S. Ex.ª, para manter o prestígio do exército, não deve consentir que se façam afirmações de tal ordem, que são gravíssimas, principalmente neste momento.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Pedi a palavra apenas para dizer ao Sr. Plínio Silva que transmitirei aos Srs. Ministros do Comércio e da Instrução, que não estão presentes, as considerações sôbre vários casos a que S. Ex.ª se referiu.
Aproveito também a ocasião para aconselhar S. Ex.ª a ler a legislação francesa desde a revolução até 1917, onde S. Ex.ª encontrará o imposto sôbre as portas e janelas.
O orador não reviu.
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Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Plínio Silva: — Sei isso muito bem; porém, entendo que S. Ex.ª tem inteligencia bastante para não se ver na necessidade de imitar o que se faz lá fora.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (General Carmona): — Sr. Presidente: o Sr. Plínio Silva referiu-se a um artigo publicado no jornal A Capital, para o qual já tinham também chamado a minha atenção.
Aproveito, pois, a oportunidade para dizer à Câmara que tais afirmações são absolutamente falsas, não tendo absolutamente nenhuma razão do ser.
Posso garantir a V. Ex.ª que é absolutamente falso que os oficiais da guarnição pretendam fazer uma ditadura militar, pois a verdade é que êles são os primeiros que têm afirmado que dentro da lei estão prontos a fazer tudo que esteja ao seu alcance; porém, fora da lei, nada.
O Sr. Plínio Silva, pois, chamando a minha atenção para o assunto, fez-me um grandíssimo favor, porque me deu o ensejo de prestar à Câmara estas informações.
Posso garantir-lhes, repito, que têm sido êles os primeiros que me têm dito que pretendem estar integralmente dentro dá lei.
Eram estas as considerações que (c)u tinha a fazer sôbre o assunto.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O Sr. António Correia: — Sr. Presidente: vou responder às considerações do Sr. Plínio. Silva, que pediu ao Sr. Ministro das Finanças que as transmitisse ao Sr. Ministro da Instrução. Posso classificar de verdadeira fantasia, pois fui testemunha da maneira como de factos se passaram.
O Sr. Plínio Silva declarou que, quando era sindicado em Elvas o professor Sr. João Morato de Almeida, junto do ex-Ministro de Instrução Sr. João Camoesas, teve oportunidade dê manifestar a sua estranheza por factos apontados ao referido professor, a quem eram assacadas faltas de certa gravidade.
O Sr. João Camoesas tinha nomeado para sindicar dos factos uma pessoa da sua absoluta confiança.
Era indispensável que num caso de tanta gravidade como eram os factos apontados pela inspecção escolar ao professor Sr. Morato de Almeida, esta sindicância não fôsse eivada da mais pequena parcialidade política.
Os Ministres não são responsáveis por aqueles que cometem toda a basta de infâmias e tranquibérnias e quando as pessoas conhecidas dos Ministros como morais, muitas vezes transformam as qualidades morais em qualidades imorais.
O sindicante negou-se a ouvir as testemunhas de defesa do professor Morato de Almeida, o que equivalia ao professor não poder provar a inanidade das acusações.
O professor Sr. Morato de Almeida, em face do que sé estava passando, veio de Elvas a Lisboa, para pedir providências.
Tive a honra de o acompanhar ao gabinete do Ministro da Instrução Pública.
Aí informei o Sr. João Camoesas do que se passava com o Sr. Morato de Almeida, e pedi a S. Ex.ª que mandasse vir o relatório da sindicância para mostrar que essa sindicância não estava sendo encaminhada com aquela imparcialidade e honestidade que desejava o Sr. João Camoesas.
O Sr. professor Morato de Almeida mandou um telegrama em que se limitava a dizer aos seus muitos amigos, que o Sr. Ministro da Instrução Pública mandara vir o relatório da sindicância para Lisboa.
O Sr. Ministro é que mandou instruções ao sindicante, para que lhe enviasse o relatório, a fim de apreciai as irregularidades que se estavam praticando durante á sindicância.
Não foi o professor que mandou comunicar isso.
O Sr. Plínio Silva sabe quanta estima e consideração tenho por S. Ex.ª, a quem respeito, como homem de bem. Mas, como Deputado, S. Ex.ª não tem mais autoridade pára falar neste assunto do que eu, que afirmo que os factos se passaram como os apresento.
O professor Sr. Morato de Almeida mandou dizer aos amigos que o Sr. Ministro da Instrução Pública tinha ordenado que essa sindicância viesse para Lisboa, para apreciar a sua defesa.
Faço justiça ao Sr. Plínio Silva de
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acreditar que S. Ex.ª foi mal informado. Faço-lhe essa justiça.
O Sr. Plínio Silva seria incapaz de referir um facto que não fôsse verdadeiro.
As cousas estão assim.
Não foi o telegrama mandado pelo noto Ministro da Instrução Pública, dizendo que ordenava ao sindicante para enviar o relatório.
O Sr. Garcia Loureiro comunicou-me isto.
Fez-se justiça ao professor. O contrário podia dar resultados funestos para o bom nome do funcionário que é honesto e um bom republicano, e que não encontrava defesa na sindicância, visto a falta de imparcialidade com que ela estava sendo conduzida.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Garcia Loureiro: — Tenho muita consideração pelo Sr. Plínio Silva, mas as palavras produzidas por S. Ex.ª, só o podiam seriem virtude de má informação.
O professor Sr. Morato de Almeida no dia 4 do mês passado, na qualidade de secretário da Junta Escolar de Elvas, entrou no gabinete do inspector escolar dessa localidade e foi impedido pelo respectivo inspector de ali reunir ajunta escolar.
Devo acrescentar que o gabinete onde se encontra instalada a inspecção pertence a essa junta.
O secretário dessa corporação é o professor Sr. Morato de Almeida, e êsse professor era na qualidade de secretário da junta escolar que ali estava para o fim dela reunir.
Portanto, só meramente por favor da junta escolar é que o Sr. inspector ali só encontrava, porquanto, querendo S. Ex.ª instalar a sua repartição, e não tendo outra casa, oficiou à junta escolar, que obsequiosamente lhe havia cedido essa instalação.
O inspector pôs, abusivamente, fora o Sr. Morato de Almeida, a quem, de contrário, acusa de ter arrombado a porta.
É falso. A porta estava no trinco.
Mas mesmo que o caso se dêsse, eu pregunto se o secretário da junta escolar,
cumprindo ordens do seu presidente, devia ser incriminado pelo facto!
Se no decorrer dessa sindicância se mostrasse que o professor Sr. Morato de Almeida tinha exorbitado ou procedido contra as ordens do presidente da junta escolar, então é que haveria motivo para lhe ser instaurada uma sindicância.
O Sr. inspector, escolar faz uma participação ao Ministro e inicia-se a sindicância.
O professor Sr. Morato de Almeida apresenta testemunhas de defesa, e a certa altura o sindicante não ouve essas testemunhas; e eu, que tive conhecimento' dêsse facto, fui junto de S. Ex.ª, o Ministro da Instrução Pública pedir providências para uma tal violência.
Então S. Ex.ª deu ordem que lhe fôsse entregue imediatamente um relatório dessa sindicância, e devo dizer que esta ordem foi para Elvas há uns dez dias, mas até hoje, que me conste, o sindicante ainda não apresentou tal relatório.
Tive conhecimento que em Elvas se dizia que o relatório só seria. remetido para o Ministério da Instrução Pública em ocasião mais oportuna.
Voltei a insistir com o Sr. Ministro no sentido de S. Ex.ª instar pela remessa do relatório.
Foi isto o que se passou.
O professor Sr. Morato de Almeida não mandou nenhum telegrama ao Sr. Ministro.
Surpreendeu-me que o Sr. Plínio Silva viesse aqui dizer que fora o professor Sr. Morato de Almeida quem enviara um telegrama ao Sr. Ministro na Instrução Pública pedindo a S. Ex.ª que ordenasse a remessa do relatório da sindicância para o seu Ministério.
Não é exacto.
Eu é que tenho ido junto do Sr. Ministro, como já disse, instar pela remessa do relatório.
Até que êle venha não deixarei o caso de mão, para que o Sr. Ministro faça o que entender de acôrdo com a justiça.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
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O Sr. João Camoesas: — Tendo sido feitas referências à minha pessoa pelo Sr. Deputado e meu amigo Sr. António Correia, quero informar aqui o que disse a S. Ex.ª
O sindicante, Sr. José Jácome de Santana e Silva, da Escola Primária Superior de Elvas, é pessoa por cuja imparcialidade e honestidade eu fico de fiador em todos os campos. Não é exacto — está mal informado o Sr. António Correia — que o sindicante tivesse tomado a iniciativa de não ouvir as testemunhas no respectivo processo de sindicância.
Tendo sido, por parte do sindicado, apresentadas testemunhas em termos que ao sindicante não se afiguraram legais, S. Ex.ª consultou sôbre o caso a 1.ª Repartição da Direcção da Instrução Primária Normal, e foi nos termos da resposta dada por aquela Eepartição que o sindicante procedeu.
Verificou-se, pois, que são injustas as considerações bordadas pelo ÍSr. António Correia contra o Sr. Santana e Silva, que é uma pessoa reputada, entre amigos e inimigos, como absolutamente imparcial e honesta.
A sindicância foi mancada instaurar por virtude de uma queixa do inspector do círculo escolar de Elvas, queixa que S. Ex.ª fez no aso das suas atribuïções.
O facto de se fazer uma sindicância nfio significa um castigo ao sindicado.
Àparte do Sr. António Correia, que não se ouviu.
O Orador: — Vê V. Ex.ª, Sr. Presidente, depois do àparte do Sr. António Correia, quanta razão eu tinha em reputar menos justas as expressões que S. Ex.ª enderessou ao professor José Jácome da Silva, que, repito, é uma pessoa por cuja honestidade não tenho a mínima hesitação em ser. fiador em qualquer parte e de todas as formas.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Plínio Silva: — Sr. Presidente: aos meus colegas e amigos António Correia o Garcia Loureiro direi que a verdade é só uma, e que se estou laborando em êrro, não tenho dúvida em dar a mão à palmatória.
Realmente a informação que tinha é que o telegrama que foi enviado para Elvas pedindo o relatório da sindicância era da autoria do Sr. João Mourato de Almeida, mas como aqueles Deputados afirmaram que foram êles que exerceram essa influência junto do Sr. Ministro, fica o caso arrumado por êste lado.
Mas o que S. Ex.ªs não contaram é que êsse professor veio a Lisboa e foi após as suas diligências que se fez a sindicância. Creio que esta explicação era necessária, e prova mais uma vez que eu costumo tratar todos os assuntos com a máxima seriedade.
Agora quero agradecer ao Sr. general Carmona, ilustre Ministro da Guerra, que não tenho a honra de conhecer pessoalmente, mas a quem todo o exército presta homenagem, as palavras que dirigiu à instituição que lhe merece todo o carinho. Todavia, permita V. Ex.ª, que eu, sendo muito mais novo, lhe faça sentir os inconvenientes que resultaram dessa conferência, que deu origem às apreciações que o Sr. Ministro da Guerra já conhece, e até ao boato de que S. Ex.ª estava demissionário. Creio, porém, que bastará o desmentido de S. Ex.ª ao que as paredes disseram, para todos se convencerem. Entretanto, alguma cousa se passou de facto numa conferência de 4 horas, e compreende-se, como é fácil fazerem-se conjecturas a tal respeito. Nestas condições, tendo aliás absoluta confiança como oficial do exército que mo honro de ser nas altas qualidades e competência de S. Ex.ª, desejaria que o Sr. Ministro da Guerra fôsse mais além, porque suponho que essa conferência teve alguma gravidade.
Termino, prestando as minhas homenagens ao Sr. Ministro da Guerra, e dizendo-lhe que da minha parte pode contar com o meu auxílio leal.
Tenho dito.
O discurso será. publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro da Guerra (General Carmona): — Sr. Presidente: agradeço com o maior carinho as palavras ditas
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por S. Ex.ª o Sr. Plínio da Silva, mas não posso ir mais além do que disse.
Compreendo-se bem que possa haver conversas entro uma e qualquer outra pessoa, sem ninguém ter nada com isso. Julgo que não sou obrigado a vir dizer para público essas conversas, porque de contrário ver-me hei na necessidade de me ir embora.
Apoiados,
O que digo a S. Ex.ª e disso pode estar certo, como todo o País, é que naquilo que o Exército tenha de intervir só intervém comigo e com aqueles com que eu conto.
Mas se eu disser a S. Ex.ª que o que se passou nessa conferência está absolutamente dentro da lei, S. Ex.ª não se dá por satisfeito?
O Sr. Plínio Silva: — Absolutamente! V. Ex.ª só diz o que entende poder dizer. Eu sou contrário a forçar-se um Ministro a dizer cousas que Cie entende não dever dizer.
O Orador: — Se porventura essas cousas interessassem à Câmara, eu dir-lhas-ia.
Aproveito agora a oportunidade para explicar um caso.
Não tenho podido ler os jornais, contudo de vez em quando chamam a minha atenção assuntos como aquele de que V. Ex.ª se ocupou e outros.
Ainda há pouco, a respeito da fuga de presos de S. Julião da Barra, fizeram várias críticas.
Ora eu devo dizer, antes de tudo, que está entregue à justiça o auto sôbre o incidente, mas, apesar disso, eu mandei proceder a averiguações sôbre o facto, para sossegara opinião pública, e essas averiguações, feitas por um oficial de grande competência e em quem tenho absoluta confiança, levam-mo a dizer, em minha consciência, que os factos se passaram de tal modo que não se podiam atribuir responsabilidades neste momento a pessoa alguma.
Era impossível, na verdade, evitar uma cousa que está fora da previsão humana.
A prisão do S. Julião, como sabem, é muito antiga.
Ora existia na parede, que à altura de um homem deminui muito de espessura, um buraco antigo, que tinha servido em tempos para uma evasão em circunstâncias desconhecidas.
Mandou se consertar êsse vazio, e o operário encarregado do conserto fez uma burla.
Com uma tábua bastante larga, revestiu a parede, rebocou-a e a parede, na aparência, ficou boa.
Não era fácil descobri-lo, porque estava a uma altura que não era fácil atingir.
Só agora chegou a dar-se por isso.
Segundo o comandante da guarda republicana, teria sido uma informação de fora' que indicou a existência do; sã brecha na parede.
Não está ainda averiguado êsse facto; o V. Ex.ª pode ter a certeza de que se está averiguando, e alguma cousa é possível que se apure.
A responsabilidade é de alguém que se não sabe quem seja.
O Sr. Presidente: — O Sr. Plínio Silva mandou para a Mesa um projecto de lei, para o qual pede urgência e dispensa do Regimento.
O Sr. Sampaio e Maia: — Devo fazer a declaração de que entendo que êsse projecto não pode ser recebido na Mesa, por ser absolutamente inconstitucional.
A Constituïção determina, duma maneira clara e peremptória, que nenhum Deputado ou Senador pode pertencer aos conselhos administrativos e ser gerente ou fiscal de sociedades ou emprêsas quando tenha relações ou contratos com o Estado.
É isto que a Constituïção expressamente determina.
O projecto de lei do Sr. Plínio Silva altera a Constituïção.
Ora esta Câmara não tem poderes constituintes; e por isso entendo que V. Ex.ª não pode receber êsse projecto na Mesa.
Apoiados.
No emtanto, apesar de ser êste o meu modo de ver, V. Ex.ª procederá como entender.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: também tenho de declarar à Câmara que não sou funcionário, nem civil nem militar, mas não posso reconhecer como boa a doutrina do projecto do Sr. Plínio Sil-
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vá, porquanto por tal princípio só os vadios serão Deputados.
Como disse, não sou funcionário nem civil nem militar.
Mas, Sr. Presidente, o Sr. Plínio Silva dá-nos a impressão de que uma perturbação tam extravagante de grandeza avoluma de tal ordem no espírito de S. Ex.ª os factos, que chegamos a supor que S. Ex.ª está esgrimindo com moinhos de vento.
Assim devo dizer que o Sr. Ministro das Finanças vai buscar aquilo que os homens de superior espírito têm produzido.
É o seu modo de ver sôbre o assunto, e creio que S. Ex.ª mais alguma cousa pretende fazer que os seus antecessores.
O que eu desejava, Sr. Presidente, era que o Sr. Ministro da Guerra, que sinto não ver presente, me dissesse se o Sr. Plínio Silva quando director dos Caminhos do Ferro do Sul e Sueste deixou por êsse facto de ser oficial do exército, ou se, pelo contrário, quando obteve licença para desempenhar êsse lugar, recebeu pelos Ministérios da Guerra e do Comércio os seus ordenados.
Necessito saber isto, visto que esta informação tem de servir de base às considerações que eu desejo fazer sôbre o assunto, razão por que eu peço ao Sr. Ministro das Finanças ou ao da Instrução, que só encontram presentes, o favor de transmitir ao Sr. Ministro da Guerra êste meu desejo.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar à Câmara que na verdade não vejo que o projecto tenha qualquer cousa de inconstitucional, pois a verdade é que a sua doutrina tem sido objecto de leis ordinárias.
Êste projecto tem por fim estabelecer um caso de perda do mandato legislativo, o que já tem sido, repito, objecto de leis ordinárias.
O Sr. Jorge Nunes: — Não conheço nenhuma.
O Orador: — Não vejo, repito, que êle possa ser considerado como inconstitucional.
Quanto à perda do mandato, devo dizer francamente que não há lei nenhuma que declare tal.
Àpartes.
A doutrina corrente é que uma lei ordinária pode ser alterada em vários casos.
Não são só os bons princípios, mas o patriotismo de cada um de nós que diz que há a necessidade de se prever numa lei ordinária nos casos em que o mandato pode ser perdido.
Por êstes motivos estou de acôrdo com o projecto do Sr. Plínio Silva; simplesmente entendo que êsse projecto não pode, pela sua gravidade, ser objecto de uma votação com urgência e dispensa do Regimento.
Parece-me que o projecto deve ser com cuidado estudado na comissão respectiva, onde também está o projecto apresentado pelo Sr. Ministro das Finanças, manifestando todos nós o desejo que ela dê o seu parecer com a maior brevidade.
Assim voto a urgência para o projecto mas não a dispensa do Regimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: discordo que seja votada a dispensa do Regimento para o projecto do Sr. Plínio Silva, porque pela sua complexidade não pode ser apreciado em algumas horas.
Entendo mesmo que êsse projecto nem pode ser admitido na Mesa.
Àpartes.
Eu sou dos Deputados que fizeram parte da Assemblea Nacional Constituinte, e há-de constar dos anais parlamentares que fui dos primeiros a apresentar uma proposta sôbre incompatibilidades. Sou dos que entendem que não devemos deixar de considerar as incompatibilidades, mas em casos especiais, e não por uma simples conduta moral, porque assim podemos cair numa completa barafunda.
Temos já uma lei ordinária que estabelece algumas incompatibilidades, é certo, mas também é certo que feita a Constituïção não mais se promulgou qualquer lei que alterasse a lei constitucional.
Àpartes.
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Esta Câmara não tem Poderes Constituintes, e, nestes termos, não podemos alterar a Constituïção.
Desde que não podemos alterar a Constituïção, e desde que ela taxativamente estabelece os casos em que a incompatibilidade parlamentar é absoluta, eu pregunto ao Sr. Almeida Ribeiro, que é um distinto jurisconsulto e que tem sempre na sua carteira os papiros da Nação, se se recorda que se encontre na Constituïção qualquer disposição que se relacione com o que se quere agora estabelecer.
Àpartes.
O que S. Ex.ª há de encontrar, senão estou em êrro, é uma disposição que diz os casos em que os Srs. Senadores ou Deputados perdem o seu mandato por serem nomeados para determinados cargos.
Diz expressamente quais êsses casos, e, desde que assim é, nós não podemos neste momento modificar a Constituïção.
Isso seria bom para iludir o espírito público, mas nós devemos ser modestos, e não devemos ir além do que é razoável e possível.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Requeiro para que o requerimento do Sr. Plínio Silva seja dividido em duas partes: uma relativa à urgência, outra à dispensa do Regimento.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: não posso deixar de me pronunciar neste caso, que é bastante grave.
Eu considero muito o Sr. Almeida Ribeiro, mas discordo da sua opinião.
A Constituïção estabelece obrigação para os parlamentares fazerem uma lei de incompatibilidades; mas para ter execução depois das eleições...
O Sr. Almeida Ribeiro: — Tanto a proposta do Sr. Plínio Silva como qualquer outra é para ter execução depois das eleições.
O Orador: — A Constituïção estabelece o princípio das incompatibilidades, e determina as razões e fundamentos da perda do mandato. Fixa, portanto, os motivos que dão lugar à perda do mandato. O projecto restringe o direito. Não é constitucional, porque tende a estabelecer os fundamentos da perda de mandato. Não pode ser recebido na Mesa.
Apoiados.
A Constituïção determina que as Câmaras façam uma lei de incompatibilidades políticas: foi êste o objecto da proposta do Sr. Ministro das Finanças.
Não há razão moral ou imoral; apenas são necessárias as incompatibilidades parlamentares para o bom funcionamento do Poder Legislativo.
A acumulação de funções já prejudica a função parlamentar, no consenso unânime, porque as pessoas não poderiam, ter aquela independência que devem ter como representantes da Nação. Mas não são nunca fundamentos ou razões de ordem moral.
Apoiados.
Essa incompatibilidade é que seria defensável e necessária, porque separaria inteiramente os dois Poderes, Legislativo e Executivo.
Não é tam fantasmagórica esta doutrina que não tivesse sido objecto dum projecto apresentado na Câmara francesa por trinta parlamentares.
E, a propósito, eu não posso deixar do apontar àqueles que querem ter o cuidado de estudar a nossa vida parlamentar, depois e mesmo antes da República, um facto singular.
Se V. Ex.ªs examinarem a produtividade de trabalho realizado pelos diferentes municípios do País, terão ocasião de constatar que as Câmaras que mais e melhor trabalharam foram aquelas em que o número de vereadores acusa uma maior percentagem de funcionários públicos.
Não façamos, portanto, da questão das imcompatibilidades a bandeira da regeneração nacional.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Plínio Silva: — Sôbre a constitucionalidade do meu projecto já se pronunciaram vários colegas meus desta casa do
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Parlamento e pela forma certamente mais elevada e proficiente. Dispenso-me, por isso, de entrar numa discussão que já está, naturalmente, devidamente esclarecida. Pregunto apenas àqueles que impugnaram a constitucionalidade do meu projecto, onde está, nesse caso, a constitucionalidade da proposta do Sr. Ministro das Finanças.
Sôbre as palavras finais do Deputado e meu velho amigo pessoal, Sr. Francisco Cruz, eu devo dizer que não e moa hábito trazer ao Parlamento questões pessoais. Se, porventura, o assunto que o Sr. Fausto de Figueiredo vai tratar em negócio urgente não fôr convenientemente esclarecido, eu não terei, então, outro remédio senão dizer alguma cousa da minha justiça.
O Sr. Francisco Cruz terá então ocasião de verificar que não tem razões para diminuir a consideração que sempre me manifestou. S. Ex.ª terá, nesse momento, a justificação duma atitude que parece não ter compreendido ainda.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: sinto-me perfeitamente à vontade para emitir a minha opinião sôbre o projecto apresentado pelo Sr. Plínio Silva.
Não tenho a defender interêsses do funcionalismo porque não sou funcionário público. Não tenho que defender interêsses económicos, porque embora ligado a um empreendimento económico numa das nossas colónias, o meu objectivo ó, pode dizer-se, exclusivamente patriótico.
Eu sou, como o Sr. Álvaro de Castro, de opinião de que a questão das incompatibilidades não pode prestar-se a servir de bandeira da nossa regeneração económica e financeira.
Isto não quere dizer que eu não entenda necessária qualquer medida nesse sentido. Simplesmente ela devo, a meu ver, restringir a sua acção àqueles valores em que a função política pode, efectivamente ter uma intervenção imediata e directa.
Lamento que um certo número de medidas tenha sido apresentado, mais pelo intuito de fazer vibrar o sentimentalismo da opinião pública do que para o servir.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: não podemos esquecer que o propósito do Sr. Ministro das Finanças foi o de obter receitas para o Estado; é, portanto, necessário estudar com cautela, pois o projecto do Sr. Plínio Silva visa um ponto de moralidade.
Todos nós devemos ter em linha de conta os desejos do ilustre Ministro e do Sr. Plínio Silva.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Tendo o Sr. Sampaio e Maia apresentado uma opinião no sentido de que êste projecto ofende um preceito constitucional, eu não obstante a muita consideração que tenho pelos conhecimentos jurídicos do Sr. Almeida Ribeiro, ontondo que esta proposta é nitidamente inconstitucional.
A Constituïção nos seus artigos 20.º e 21.º é terminante.
Refere-se apenas às emprêsas e sociedades que tenham contratos com o Estado e V. Ex.ªs sabem que as determinações constitucionais são imperativas. Mas estas constituem uma excepção à regra geral dos direitos dos cidadãos, que restringem, e, como excepção, não podem, em bom direito, deixar de ter um carácter inteiramente restritivo.
Não pode, pois, uma lei, não constitucional, ampliar as incompatibilidades expressas na Constituïção.
A Constituïção dá ao Sr. Presidente da República a faculdade de escolher os Ministros livremente e êste parágrafo vai restringir mais ama garantia constitucional do Chefe do Estado.
Quanto à proposta do Sr. Ministro dás Finanças, entendo que ela é constitucional, visto que apenas regulamenta as funções dos funcionários públicos, impedindo-os de receber vencimentos como tais quando Deputados, e não restringe as atribuïções dos representantes da Nação.
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Esta é a minha opinião como Presidente da Câmara, mas se a Câmara deliberar o contrário, assim só fará.
O Sr. Plínio Silva: — Como V. Ex.ª sabe, em virtude do estado do guerra, estabeleceu-se para a moagem um regime especial para com o Estudo.
Eu pregunto: em face dêste novo regime as disposições constitucionais, que V. Ex.ª citou, não brigam com êste estado novo?
O Sr. Jorge Nunes (interrompendo): — Porque não faz V. Ex.ª directamente as suas indicações, visto que têm apenas em vista pessoas?!
O Orador: — Eu tenho o direito de defender as minhas ideas e do apresentar os meus protestos! Porque me increpa V. Ex.ª
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, neste.? termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Jorge Nunes não fez a revisão do seu «àparte».
O Sr. Rêgo Chaves: — Eu não desejava interromper o Sr. Plínio Silva, porque, tendo S. Ex.ª pedido a palavra para interrogar a Mesa, certamente que não mo poderia dispensar uma interrupção; mas agora peço a S. Ex.ª que diga à Câmara se tinha o intuito de me atingir.
O orador não reviu.
O Sr. Plínio Silva: — V. Ex.ª sabe beai que eu sou incapaz de atingir siga quem fôr e muito menos V. Ex.ª
Nunca me quis referir a V. Ex.ª nem aos actos que praticou como Ministro.
Estou convencido que estas declarações o devem satisfazer.
O Orador: — Agradeço ao Sr. Plínio Silva as suas palavras; mas permita-me S. Ex.ª que lhe diga que a sua pregunta só tem razão de ser desde que existam parlamentares nossas condições.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem o Sr. Plínio Silva fez a revisão do seu «àparte».
O Sr. Sampaio Maia (para um requerimento): — Sr. Presidente: tratando-se dum assunto muito importante como é o das incompatibilidade» parlamentares, eu requeiro a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se permite que esto assunto seja considerado como ordem, abrindo-se uma inscrição especial sôbre êle.
O Sr. António Fonseca (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: havendo vários projectos sôbre esta questão, eu entendo que o que será para aconselhar a quem queira fazer uma obra ponderada e de justiça, não é urna discussão rápida e atrabiliária, mas sim um estudo cuidadoso pelas comissões competentes, que não foram feitas para outra cousa.
Tudo o que não seja isto só servirá para complicar a questão agravando-a, sem nenhuma espécie de vantagem para nós nem para o prestígio parlamentar.
Entendo, portanto, que o Sr. Sampaio Maia deve desistir do seu requerimento.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Sampaio Maia: — Desisto por agora do meu requerimento e em negócio urgente tratarei do assunto.
O Sr. Almeida Ribeiro (para explicações): — Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para declarar que aceito a interpretação de V. Ex.ª pelo muito respeito e consideração que V. Ex.ª me mereço e não porque V. Ex.ª me tivesse convencido.
O orador não reviu.
Posta à votação da Câmara a constitucionalidade do projecto do Sr. Plínio Silva, foi considerado inconstitucional.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º do Regimento.
Procedeu-se à contraprova e contagem.
O Sr. Presidente: — Estão de pé 32 Srs. Deputados e sentados 24.
Está considerado inconstitucional o projecto do Sr. Plínio Silva.
Vai passar-se à ordem do dia.
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ORDEM DO DIA
Interpelação do Sr. Paiva Gomes ao Sr. Ministro das Finanças sôbre o empréstimo aos bancos.
O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: antes de mais nada, devo dizer a V. Ex.ª e à Câmara qual o motivo por que pròpriamente eu intervim nesta discussão.
Eu sabia que havia uma interpelação do Sr. Paiva Gomes ao Sr. Ministro das Finanças sôbre o caso da cedência das 400:000 libras à praça; mas, como o Sr. Paiva Gomes tinha sido nomeado para o exercício duma alta função burocrática, e como desejava que êste caso fôsse tratado no Parlamento, dirigi ao Sr. Presidente do Ministério a carta que é do conhecimento da Câmara.
Outro propósito não tive do que fazer com que essa questão fôsse aqui tratada, prevendo a hipótese de que o Sr. Paiva Gomes não pudesse realizar a sua interpelação.
Sr. Presidente: o Sr. Paiva Gomes já fez a sua exposição à Câmara, e eu posso dizer a V. Ex.ª que concordo plena e inteiramente com as considerações produzidas por S. Ex.ª
Deveria pròpriamente ficar por aqui, se não entendesse que há certa oportunidade em fazer algumas reflexões sôbre a marcha dêste processo, designadamente sôbre as informações dadas pela respectiva comissão aos sucessivos Ministros que intervieram neste processo, e se também não pretendesse fazer algumas reflexões aos despachos dados no mesmo processo.
Sr. Presidente: eu entendo que o chamado primeiro volume nada tem com o resto do processo, visto que êle trata apenas duma compra e duma venda de libras à praça.
As operações a que se referiu o Sr. Paiva Gomes têm a sua característica bem definida.
Devo também dizer que o processo está incompleto, pois se verifica que falta um documento que tem o n.º 96 e diz respeito ao Banco Português e Brasileiro.
Ora o documento que falta é bastante importante.
Depois chegou-se ao momento em que
a repartição competente propôs a prorrogação do pagamento, era então Ministro o Sr. António Maria da Silva, e do documento vê-se a respectiva informação da repartição respectiva.
A repartição entendeu que era obrigação por parte do banco entregar na mesma espécie de libras.
O que a repartição afirmava não inspirava dúvidas.
O argumento que se apresentou era fortuito, pois os banqueiros podiam ir buscar libras, mesmo no estrangeiro.
Eram três ou quatro reclamantes e só um é que pediu adiamento.
O Sr. Rêgo Chaves: — V. Ex.ª tem a certeza do que está dizendo?
O Orador: — Eu vou ler a V. Ex.ª e depois me dirá se tenho ou não razão.
Aqui tem V. Ex.ª pelo que li, se eu tenho ou não razão.
Foi a própria repartição que propôs o adiamento para outros.
Agora vou chamar a atenção da Câmara para um caso extraordinário, passado no tempo do Sr. Pina Lopes.
Sem solicitação nenhuma dos interessados, foi proposta ao Ministro uma nova prorrogação de prazo e sem encargos para o Estado.
Quando li o competente processo, fixei-me bem no início da operação levada a efeito pelo Sr. Rêgo Chaves.
Nada tive a objectar. Eu mesmo, em idênticas condições àquelas em que se encontrou o Sr. Rêgo Chaves, não hesitaria em fazer o mesmo.
Também não vi que se dispensassem os banqueiros do pagamento de juros.
Consultei o funcionário competente sôbre o assunto.
O que há está aqui neste despacho, que nesse momento me apresentou.
Confesso que encontrei o despacho em termos tais, que não sei como definir responsabilidades.
Eu vou ler.
Teria sido êste despacho assinado pelo Ministro sem que êle tivesse reparado bem no final da sua redacção, ou tê-lo-ia assinado convencido de que ia dispensar os banqueiros do encargo dos juros?
E de salientar que o processo é muito incompleto.
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Não consta dele se de facto os banqueiros solicitaram ou não essa prorrogação.
Desta vez creio que nem agradeceram.
Sr. Presidente: passados alguns meses surgiu um novo pedido de prorrogação nas condições anteriores; quere dizer, já sem encargos, e novo deferimento do Sr. Ministro das Finanças, Pina Lopes.
Eu quero simplesmente salientar a passagem da informação da respectiva repartição, que é na verdade sugestiva.
Quere dizer, a preocupação dominante não é só nesta informação, essa preocupação é constante em todo o processo; em toda a parte se encontram estas palavras: não se deve fazer, porque isso prejudica os Bancos, as entidades interessadas. É uma preocupação dominante, constante, dêstes servidores do Estado.
Sr. Presidente: nova prorrogação condicionada nos mesmos termos das anteriores, no tempo do Sr. Inocêncio Camacho, e, nas mesmas condições anteriores, renovação por um novo período de três ou quatro meses.
Chegámos, Sr. Presidente, a Fevereiro de 1921, data em que se dá a intervenção neste processo do actual Ministro das Finanças, Sr. Cunha Leal.
Devo dizer que na altura em que o Sr. Cunha Leal assumiu a gerência da sua pasta esta questão encontrava-se na mesma posição para o Estado; o Estado tinha já abdicado dos seus juros em virtude do despacho dado pelo Sr. Pina Lopes.
Êstes são os factos; esta é a verdade.
Não há dúvida que o Sr. Cunha Leal, querendo tomar uma nova posição para o Estado, no que respeita a juros, deu um despacho obrigando os banqueiros a alguma cousa, mas, quanto a mim, quási nada foi em relação àquilo a que devia obrigar os ditos banqueiros, isto é, à renovação da posição criada para o Estado no início da operação pelo Sr. Rogo Chaves.
Sr. Presidente: não há nestas considerações senão a afirmação de um ponto de vista, que é o meu.
S. Ex.ª dirá as razões que o levaram a lavrar o seu despacho; isso não obsta, porém, a que eu exponha com toda a clareza o ponto de vista que estou definindo.
O que é êsse despacho?
Êsse despacho tem uma importância capital neste processo, não só no que respeita a juros, e só por isso não teria essa importância, mas principalmente porque, independentemente da vontade do seu autor, visto que não vejo essa vontade manifestada quanto ao capital, êsse despacho, malgré tont, serviu para o Conselho Superior de Finanças inventar uma liquidação do capital que não estava no propósito do autor do dito despacho.
É por causa disso que me demorarei um pouco mais a analisar êste despacho, que tam discutido tem sido, para ver a situação criada por êle ao Estado no que respeita a juros e no que respeita ao capital, isto no caso de o Parlamento estar na disposição de sancionar o ponto de vista do Conselho Superior de Finanças.
Vejamos o seu despacho.
Até aqui nada melhor, nada mais justo.
O Estado tinha entregue libras, vinha agora pedir que lhe pagassem juro pelas libras que tinha entregue.
O Estado tinha recebido escudos sem se obrigar a dar juro por êsses escudos, e o Ministro entendia que para se fazer uma obra de justiça, tendo realmente o Estado recebido êsses escudos, justo era que o Estado dêsse também juro e fixou então a taxa de 7 por cento.
Está muito bem.
Não há nada que argumentar. 7 por cento por um lado, 7 por cento por outro.
Mas o pior é que estas disposições, perfeitamente lógicas, perfeitamente justas e que são de molde a imprimir carácter a êste despacho, são a seguir imediatamente destruídas pela última parto do mesmo.
Vejamos agora, em separado, a primeira e a segunda parte do despacho.
Eu vou exprimir tudo em números para V. Ex.ªs vorem o que isto representa.
O Estado tinha entregue 400:000 libras e o Estado tinha em seu poder por essa entrega 3:552 contos. Liquidados os juros a 7 por conto e feita essa liquidação ao câmbio médio de Fevereiro de 1921, quero dizer, ao câmbio médio do mês em que S. Ex.ª deu êste despacho, encontrávamo-nos perante os seguintes números; o Estado devia por ano 248 contos de
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juros pelos escudos que tinha em seu poder e tinha a haver por ano, e a manter-se êste câmbio, 1:108 contos.
Esta era a posição a que chegávamos pela primeira parte dêste despacho, mas temos de considerar a segunda parte.
O Sr. Fausto de Figueiredo (interrompendo): — V. Ex.ª diz-me se nesse tempo ocupava alguma situação especial.
O Orador: — Era Chefe de Gabinete do Sr. Ministro das Finanças de então, Sr. Pina Lopes. Colaborei com S. Ex.ª exclusivamente nas suas propostas de finanças, que defendi aqui no Parlamento. Não fiz mais cousa alguma.
Estava eu dizendo, Sr. Presidente, que êste despacho do Sr. Ministro Cunha Leal é evidentemente mais alguma cousa do que havia até essa data. porque até então havia uma renúncia completa a todos os juros; era, portanto, mais alguma cousa, repito, mas o que tenho o direito de declarar é que ainda era muito pouco em harmonia com aquela posição do justiça e equidade que se exprimo na primeira parte do seu despacho.
O Sr. António da Fonseca (interrompendo): — Não me parece que a primeira parte dêsse despacho representasse uma tam grande justiça.
O Orador: — Eu respondo a V. Ex.ª
Em primeiro lugar ninguém obrigou os banqueiros a aceitar essa modalidade.
Podia-se impor, fazendo um contrato novo.
Àpartes.
Eu conheço bem o caso.
Á medida que a moeda se desvaloriza o juro é maior.
Àpartes.
Havia maneira do corrigir isso: era deminuir a taxa do juro.
Não. No despacho não se consegue o que se deseja estabelecer quanto aos juros.
Àpartes.
Êste ponto para mim é muito importante, porque estou a analisar Os to processo, com o fim de bem servir o País.
Interrupção do Sr. Fausto de Figueiredo que não pôde ser ouvida.
O Orador: — O que é certo é que de um lado fala-se em libras e de outros em escudos.
A expressão devia ser sempre a mesma, sempre em libras.
Transformou-se um encargo expresso numa moeda para outra moeda.
Àparte do Sr. Fausto de Figueiredo.
Poderia o juro ser para ambas as partes de 7 por cento, mas que fôsse sempre em libras.
Vê o Sr. Fausto de Figueiredo que eu tenho razão.
Êste despacho tem uma importância capital, porque o Conselho Superior de Finanças descobriu uma cousa que não logrei compreender.
O Conselho Superior de Finanças pretendeu que esta operação fôsse liquidada em harmonia com êste despacho, e então disse o seguinte: como há uma relação entre o juro e o capital, entendemos que se deve regular a liquidação do capital com o Estado no que respeita a juros pelo que indica o Sr. Cunha Leal.
Pelo seu despacho estarão muito melhor os fornecedores do que se fossem obrigados a pagar ao Estado.
Mas pelo que respeita a juros não tem a maior importância o facto de o Conselho Superior de Finanças querer resolvê-lo por esta forma empírica.
O despacho não tem razão.
Sabem o que representa ao câmbio de hoje êsse conselho dado sem ninguém pedir?
Leu.
O Estado perderá 24:000 contos com esta operação fundada num despacho do Sr. Cunha Leal.
Como quer que seja, êstes números são elucidativos. Liquidar nesta altura uma cousa que se exprime por 42:000 contos por 5:000, acho altamente prejudicial para o Estado, e é essa a razão por que dou o meu voto à moção do Sr. Paiva Cromes.
Com relação ao despacho do Sr. Ministro Peres Trancoso, não vale a pena ocupar-me dele, porque todas as instâncias ouvidas sôbre êle dizem que é nulo.
Sr. Presidente: limitei, portanto, as minhas considerações a fazer alguns reparos às informações da repartição competente sôbre êste processo, e ainda a alguns reparos aos despachos dados por
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diversos Ministros sôbre êle, tendo-me demorado sôbre o despacho do Sr. Cunha Leal porque êle serviu para o Conselho Superior de Finanças alvitrar uma maneira de se resolver a questão com interêsse para os banqueiros e prejuízo para o Estado.
Dito isto, dou por terminadas por agora as minhas considerações.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Sr. Presidente: algumas pessoas hão-de por certo estranhar, porque em Portugal, quaisquer que sejam as atitudes, há sempre motivo para estranheza, que eu tenha insistido tanto por que esta questão seja debatida com urgência no Parlamento, e que eu tenha pegado em documentos que porventura alguns hão-de classificar, e com justiça, de confidenciais, colocando-os à disposição de toda a gente. É que esta questão não é hoje uma questão administrativa, más uma questão política, e assim ainda nós hoje tivemos ocasião de ver, ao longo da discussão parlamentar, como as suspeitas pairam sôbre todos nós.
Por todos os motivos se procura achincalhar os homens e, diminuí-los na sua autoridade.
Apoiados.
Ora neste caso particular havia ainda um outro aspecto que não deixava de ser grave.
É que ao Sr. Presidente do Ministério fora dirigida uma carta que tenho de considerar como uma coacção.
Quere dizer: logo que tomei conta da pasta das Finanças, um Deputado fez o raciocínio íntimo de que era possível que o Govêrno não resolvesse êste caso.
A partir do momento em que a questão foi posta assim, o Poder Executivo, antes de o Legislativo se ter pronunciado sôbre o assunto, estava, evidentemente, inhabilitado para dar um despacho sôbre ela.
E eu, supondo que o Sr. Velhinho Correia, ilustre Deputado da, Nação, ainda se quisesse conservar ausente dos trabalhos parlamentares, o meu primeiro pensa-
mento foi o de pedir ao Sr. Presidente da Câmara o favor de participar ao Sr. Velhinho Correia que era meu desejo que fôsse debatido o assunto para serem esclarecidas as responsabilidades de todos os quê tomaram parte neste grave problema.
Felizmente o Sr. Velhinho Correia poupou-me o trabalho de fazer esta declaração ao Sr. Presidente da Câmara, com o que tenho de regozijar-me.
Devo também referir-me ao Sr. Paiva Gomes, a quem agradeço a correcção com que tratou do caso.
Dito isto, vou ocupar-me desta questão, explicando a V. Ex.ªs, em primeiro lugar. qual o meu pensamento a respeito de despachar neste processo e qual a minha intervenção, e depois explicarei a V. Ex.ªs qual a maneira como entendi que devia conduzir a minha acção ao despachar de novo sôbre o mesmo processo.
Sr. Presidente: a primeira cousa essencial para o estado dêste processo, para quem o queira apreciar desapaixonadamente, é a operação que fez o Sr. Rêgo Chaves, cujos intuitos eu compreendo.
O Sr. Rêgo Chaves, quando Ministro das Finanças, sentiu a necessidade de intervir na praça e, tendo libras, receava contudo desfalcar demasiadamente a sua posição em Londres.
Nestas circunstâncias, o Sr. Rogo Chaves pensou em. fazer uma cousa muito simples.
Vendeu as libras, mas ao mesmo tempo e na mesma hora acautelava a sua posição futura, recomprando as libras na praça. Mas para isso tinha que comprar as libras mais baratas do que as vendia, multiplicando a operação do juro, o que equivalia à mesma cousa.
O tempo decorreu sôbre todos êstes despachos, e encontrei-me um dia na circunstância de ter de despachar neste processo.
Antes de dar o despacho, eu pensei em ler a V. Ex.ªs alguns documentos, dentro os quais aquele que já foi aqui lido pelo Sr. Paiva Gomes e que diz respeito à operação com a casa Torlados.
V. Ex.ªs hão-de verificar que o juro vai sempre variando nos despachos do Sr. Rêgo Chaves.
O Sr. Rêgo Chaves vendeu as libras e, tendo-se feito reparo sôbre a não existên-
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da de determinado ofício que faltava no processo, tive o cuidado de mandar pedir à casa interessada o favor de me dizer se tinha a cópia do tal oficio para poder reconstruir a peça do processo.
Nesse ofício, segundo a cópia que me foi enviada, não se fala em emprestar libras, mas em vender 200:000 libras, e a êste ofício se refere o segando.
Assim, quer pela redacção dêste ofício, quer pela redacção da proposta da casa Torlades e do todas as peças do processo, a minha convicção confirmou-se, o essa era a de que as libras tinham sido vendidas inicialmente e que o Estado realizou a operação de recompra a um juro determinado e a um câmbio determinado.
É classicamente, creiam V. Ex.ªs, uma operação de compra a pronto e de venda a prazo.
Ora, quando eu tive de despachar, encontrei-me na situação de os Bancos não pagarem juro.
Tinha, portanto, uma operação que fora feita a prazo em determinadas condições, mas que perdia essas características no trajecto doloroso das sucessivas prorrogações.
Como se dava isto?
Os Bancos pagaram durante algum tempo os juros, nos termos dos despachos, mas por alturas de Janeiro já não encontro documento algum que habilite a dizer que êles pagaram. Surgiram, portanto, os pagamentos de juros de direito, mas acabaram os pagamentos do juros de facto.
Mais tarde, sendo Ministro das Finanças o Sr. Pina Lopes — e eu não estou aqui a acusar ninguém, mas apenas a expor o que consta do processo — S. Ex.ª lavrou o seu despacho.
Sr. Presidente: o sistema em que temos vivido é êste: primeiro obrigatoriedade no pagamento de juros; depois, pagamento de juros, mas não de facto, e seguidamente a absolvição dos juros em dívida e a substituição do seu pagamento, por qualquer outra cousa, que era igual a zero.
Sr. Presidente: quero frisar à Câmara que a consulta feita ao Conselho Superior de Finanças começa por me caluniar, embora essa não tivesse sido a intenção.
Porém, a verdade é que nela se encontra o que vou ler e conduz a essa conclusão.
Ora o Sr. Cunha Leal, não modificou o sistema de juros preconizado pelo Sr. Rêgo Chaves, e simplesmente transformou o sistema diz não pagar nada pelo sistema de pagar alguma cousa.
E é esta a altura de explicar, por que se fez uma complicada disposição sôbre pagamento de juros, e porque o Ministro das Finanças de então procedeu por uma forma que tam complexa tem parecido muitos.
Ora, se V. Ex.ªs me permitem esta pequena vaidade, devo dizer que suponho, que um dos actos inteligentes que existem no processo, é aquele que consta do meu despacho.
A operação, na verdade, caracteriza-se nitidamente como uma operação de venda a pronto, e de compra a prazo, que aliás não era. permitida pela legislação de então.
Vigorava nessa ocasião do decreto n.º 4:176, de 27 de Abril de 1918.
Evidentemente, esta operação não corresponde a um acto comercial de importação ou exportação, antes mais podia entender-se como sendo uma operação de cobertura necessária, e, neste caso, melhor fora que se juntassem os documentos comprovativos da descobertura dêsses bancos.
Vejamos o artigo 3.º do decreto.
Quere dizer, Sr. Presidente, que esta operação, como tudo parece indicar no processo, era uma operação dupla de venda a pronto e de compra a prazo.
Havia duas partes como a Câmara vê: uma que diz respeito à venda e outra à compra, esta feita pelo Estado ilegalmente e contra as disposições da lei em vigor.
Já vê portanto a Câmara que eu tinha razão, quando disse que esta operação foi feita ao abrigo dêste decreto, tendo aparecido depois a portaria n.º 2:094, publicada no Diário do Govêrno de 15 de Dezembro de 1919, portaria esta que foi posterior à realização desta operação.
Quere dizer que em 15 de Dezembro de 1919, depois de feita a operação, foi publicada esta portaria reconhecendo a validado de um decreto, isto pelo facto de só ter reconhecido que a operação tinha sido feita sem ser de harmonia com o decreto n.º 4:000 e tal, de 17 de Abril de 1918.
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Em face disto, Sr. Presidente, que me parece não ser legítimo, o Ministro viu-se na necessidade de publicar um novo decreto, no interêsse de revogar não só a portaria, como o decreto anterior, o qual têm o n.º 6:288, publicado em 20 de Dezembro de 1919.
Quere dizer que êste decreto teve por fim revogar não só o decreto anterior, como a portaria a que me tenho referido, pelo que o Estado ficou com a faculdade de poder prorrogar a operação que tinha feito.
O Sr. Rêgo Chaves: — O que eu desejaria bastante, era que V. Ex.ª explicasse à Câmara a doutrina exposta nesse decreto, tanto mais quanto é certo que isso não destrói de maneira nenhuma a argumentação de V. Ex.ª
O Orador: — É o que eu estou fazendo, pois a verdade é que não vim para aqui com â Intenção de acusar seja quem fôr.
Desde que perante o meu espírito, isto se afigurava assim, eu não podia fazer outra cousa que não fôsse estudar a legislação, para ver se a operação tinha sido feita nos termos correntes.
Do estudo a que procedi, cheguei à conclusão de que os interêsses do Estado não estavam devidamente acautelados.
Nestas condições, eu tratei de fazer aquilo que tinha a fazer, isto é: tratei de segurar, quanto possível, os interêsses do Estado, fazendo ao mesmo tempo, com que a especulação perdesse o carácter de venda a pronto e compra a prazo.
Tenho a minha consciência tranquila.
Presentemente não sei onde estão os direitos do Estado, onde começam e onde acabam; não sei se estão bem ou mal acautelados, e se o não estão, não é certamente por culpa do despacho que então dei.
Não culpo ninguém; o que digo é que se alguma cousa dá hoje razão ao Estado, para exigir parto do que lhe pertence, é precisamente êsse despacho.
É bom que cada um exponha à Câmara o seu procedimento.
É quando eu deposito esto processo na Mesa da Presidência, faço-o em obediência ainda àquela política de verdade e de clareza que sempre defendi e espero seguir.
Mas existo ainda outro despacho a que me vou referir a propósito da situação do Banco Colonial.
Houve um Ministro que anteriormente ao Sr. António Maria da Silva, despachou sôbre o caso do Banco Colonial; êsse Ministro fui eu.
O Banco Colonial fez uma cousa de maquiavelismo que só podia ter a resposta que eu dei.
O que queria o Banco Colonial Português?
Pagar essas libras desvalorizadas em Lourenço Marques. Mas eu queria receber essas libras em Lisboa.
A impossibilidade estava em o Banco Colonial Português conseguir que não houvesse recusa do Banco Nacional Ultramarino para se fazer a transferência.
Em vista disto lancei o meu despacho.
Recomendava que o Banco Nacional Ultramarino se interessasse pela transferência. A questão do prémio era com êle.
Está feita, pois, a história do passado na parte que me interessa.
Agora, quanto ao presente, sujeito o meu despacho à decisão de V. Ex.ªs
Tudo que o Parlamento indicar nós cumpriremos como é nosso dever.
Ao Parlamento não pode ser indiferente a situação de qualquer Ministro e, portanto, V. Ex.ªs têm o dever moral de nos ajudarem nesta contingência.
V. Ex.ªs vão ajudar-me com as luzes da sua inteligência a solucionar o problema.
Eu porei o despacho que V. Ex.ªs me indicarem no processo, e tenho a certeza que a mão me não tremerá seja qual fôr êsse despacho.
Apenas digo uma cousa: é que questões de dinheiro não se resolvem senão com uma análise fria; pensem, pois, V. Ex.ªs antes do me sugerirem um despacho onde é que estão os interêsses da Nação.
Apoiados.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Correia Gomes (para um requerimento): — Sr. Presidente: requeiro a V. Ex.ª
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que consulte a Câmara sôbre se permite a generalização do debate.
Consultada a Câmara, é aprovado o requerimento.
É lida e admitida a moção do Sr. Paiva Gomes.
Moção
A Câmara dos Deputados, considerando que a restituição das libras cedidas aos Bancos Português e Brazileiro e Espírito Santo Silva & Ca. e à Sociedade Torlades Limitada, no montante do 400:000, é devida em espécie, bem como o pagamento dos respectivos juros, tudo em inteira harmonia com os termos contratuais de mútuo consenso aprovados;
Considerando que o Banco Colonial Português pagou, em espécie, as 30:000 libras que lhe haviam sido cedidas precisamente nas mesmas condições, em obediência ao despacho ministerial de 25 de Abril de 1921, embora a divisa cambial tivesse baixado de 27 3/4 a 5 1/2:
Passa-se à ordem do dia. — António de Paiva Gomes.
O Sr. António Fonseca; — Sr. Presidente: não podia deixar de me inscrever neste debate, desde que êle foi generalizado, por uma razão que é importante.
A Câmara recorda-se que há alguns meses, antes de se encerrar a sessão, eu chamei a atenção do então Ministro das Finanças para duas questões altamente importantes para o Estado.
Uma delas era referente ao Banco Nacional Ultramarino, que tinha sido roubado na sua agência de Paris por meio de cheques falsos, vendo-se nessa altura que o mesmo Banco se empenhou a sustentar perante o Estado a doutrina de que não era êle que tinha sido roubado, mas o Estado, insurgindo-me contra essa maneira absolutamente extravagante de defraudar o Estado e de interpretar a noção da função de depósito, e tive a satisfação de verificar que por parte dos Srs. Ministro das Finanças de então e Ministro da Guerra ao tempo havia a mesma opinião que eu sustentava, e que era n de que o Estado não podia ser roubado nas agências do Banco Nacional Ultramarino, nem na sua sede, e que, se de facto havia um roubo, êle tinha sido feito ao Banco e não ao Estado.
Apoiados.
Não sei ainda hoje os termos em que esta questão, que é importante, se encontra.
Ouvi dizer há tempo que o Govêrno tinha resolvido mandar a questão para os tribunais, mas não sei se êles já a resolveram.
A outra questão que eu tratei nesse dia foi esta das 400:000 libras. Pedi alguns esclarecimentos ao Sr. Ministro das Finanças, e tive também o ensejo nessa altura de manifestar a minha opinião de que o contrato estava válido, pois tinha sido regularmente celebrado, e portanto devia ser pontualmente cumprido nas mesmas condições em que tinha sido estabelecido pelas partes contratantes, e tive também a satisfação de ver que o Sr. Ministro das Finanças ao tempo era precisamente da mesma opinião.
Ora, tendo sido eu o primeiro a levantar esta questão no Parlamento, mal pareceria que não interviesse nela agora, pela menos para manter as afirmações que então fiz.
Diz o Sr. Ministro das Finanças que um dos primeiros cuidados deve ser a legalidade da operação.
Peço desculpa a S. Ex.ª e ao Sr. Ferreira da Rocha em não ser da mesma opinião.
Àpartes.
O que há a atender é a questão do juro.
Não me passa pela cabeça que o Sr. Rêgo Chaves ou o Sr. Ministro das Finanças tivessem a intenção de prejudicar o Estado com respeito ao juro ao preço da libra.
Isso é para o Tesouro, mas é necessário entrar com êle nesta operação em conta para mais alguma cousa.
Àpartes.
O que é certo é que não se trata de uma. qualquer operação de compra e venda.
Trata-se de um empréstimo caucionado por uma determinada maneira.
Veja-se o ofício da casa Espírito Santo.
O Estado cedeu a essa casa uma determinada quantia em libras que pertenciam ao Estado, e o Estado ficava com o direito a elas.
Os bancos caucionavam os empréstimos com uma importância do valor exacto das libras.
Àpartes.
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A operação era para fazer melhorar os câmbios.
Em minha opinião não se trata de uma compra ou venda, mas de um empréstimo caucionado.
Suponhamos no emtanto que se trata de uma venda a prazo como parece sustentar o Sr. Ministro das Finanças.
Ainda nesse caso a operação está hoje absolutamente válida.
O Sr. Ministro das Finanças teve o cuidado de mostrar à Câmara, através da nossa legislação, que o decreto n.º 4:176 que S. Ex.ª leu, tinha proibido tais operações, mas é facto que a despeito dêsse lei, havia um decreto do Sr. Rêgo Chaves. Em todos os casos, portanto, a operação está em pleno vigor e em condições de, juridicamente se considerar perfeita e válida.
E a prova de que tal operação se considerou sempre perfeita e válida, através os trâmites do processo, está eloquentemente contida nos próprios ofícios mandados para o Ministério das Finanças, pedindo constantes prorrogações.
Em todos êsses ofícios se verifica que o cuidado único de todas as entidades interessadas, era o de pedir a prorrogação do prazo.
Neste simples facto é, implicitamente, reconhecida a necessidade de pagar.
Mas se esta prova, aliás irrefutável, não bastasse, existiam ainda os ofícios que, após os despachos do Sr. Cunha Leal, enviaram ao Ministério das Finanças as casas devedoras.
E o que dizem essas casas?
Por exemplo, a casa Torlades protesta contra êsses despachos.
Quais eram os prejuízos, se até então não tinham tido prejuízos?
Evidentemente os prejuízos de pagar.
Portanto os próprios documentos emanados das casas interessadas são os primeiros a reconhecer ao Estado o direito de reaver o sou dinheiro.
Vejamos agora qual foi através esta operação a intenção da Direcção Geral da Fazenda Pública.
A operação foi iniciada em fins de 1919, tendo sido feita para cada uma das já citadas casas, e por um mós.
Pouco depois os pedidos de prorrogação vão sendo sistematicamente concedidos.
Passado algum tempo o pedido de prorrogação passa a ser í oito só por uma casa: o Banco Português e Brasileiro.
Todas estas prorrogações são pelo prazo do um mês.
Porém, a certa altura, aparece um único pedido, para que a prorrogação fôsse de 3 meses, e seguidamente vários outros, o último dos quais, foi concedido pelo Sr. Peres Trancoso.
Sr. Presidente: já aqui foram ditas quais as condições em que efectivamente as informações foram dadas, e delas é lícito concluir uma tendência absolutamente segura para acabar não só com o juro mas com o pagamento do capital.
Sr. Presidente: nada mais direi acêrca dos despachos lançados neste processo; todavia não quero deixar de me referir a um acto que reputo essencial, e que é a consulta mandada fazer pela Direcção Geral da Fazenda Pública ao Conselho Superior de Finanças. Esta consulta é deveras curiosa. A êste respeito, devo dizer à Câmara que se publica uma nota oficiosa e a questão ficará por aqui. Havia portanto, necessidade de acudir à praça. Mas continuemos na apreciação da consulta.
O que parece deduzir-se desta exposição?
Que havia dois factos sucessivos, o primeiro a venda de libras e o segundo a cedência de libras a determinado câmbio.
Ora, Sr. Presidente, isto não é bem assim, porque a data mais antiga não é a da venda das libras, mas a da cedência feita ao Banco Português e Brasileiro, acto ministerial que foi praticado em 22 de Setembro.
Esta parte da consulta não segue inteiramente a verdade dos factos. Mas nesta consulta há mais, ao que, de resto, o Sr. Cunha Leal já se referiu. Parece concluir-se desta consulta — e isso é que é muito importante — que deixava ao bom senso do Sr. Ministro das Finanças o despacho que S. Ex.ª havia de dar.
E preciso não esquecer que houve um despacho elucidativo do Sr. Pina Lopes. O despacho de S. Ex.ª foi realmente para o efeito de elucidar o Conselho Superior de Finanças da falta.
O Sr. Pina Lopes havia dito ao Conselho Superior de Finanças que o despacho acabava com o juro.
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O Sr. Pina Lopes, por um lapso explicável, mas deplorável, dizia no despacho cousas que não eram exactas.
Tinha de modificar-se o regime dêsse juro.
Suponho que não podia ser o anterior.
Não havia outro estabelecido pelo Sr. Rêgo Chaves.
O que o Sr. Cunha Leal modificou foi o regime e não o juro.
Nesta consulta há ainda outra circunstância que não posso deixar de recordar à Câmara.
Desde a primeira palavra até à última a consulta parece ser feita pelo Conselho Superior de Finanças; porém quem a faz é o Ministro das Finanças.
O Ministro das Finanças devia apenas mandar que o Conselho Superior de Finanças emitisse a sua opinião, que não interessava só como consulta.
O que importa saber claramente é que a consulta que se faz é para resolver, livre de todas as supostas opiniões dos Ministros das Finanças.
E preciso notar que na consulta até se diz qual é a opinião rio Sr. Ministro cias Finanças.
O Sr. Presidente: — Previno o Sr. Deputado de que faltam cinco minutos para sé encerrar a sessão.
O Orador: — Não posso concluir em cinco minutos o meu discurso, e nesta altura é-me impossível interromper as minhas considerações.
Fiz uma observação acêrca da consulta, e eu nunca fiz qualquer acusação, que não provasse. Por isso não posso deixar de estranhar que a consulta se tivesse feito nestes termos.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Devo esclarecer que não fui eu quem mandou fazer essa consulta,
O Orador: — A consulta foi mandada fazer pelo Sr. Portugal Durão.
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): — Não é a opinião do Sr. Portugal Durão que aparece nessa consulta. A consulta é da Direcção Geral da Fazenda Pública.
A Direcção Geral da Fazenda Pública não deixa de dar razão ao Sr. Ministro das Finanças.
E neste ponto, Sr. Presidente, Q próprio Conselho parece estar de acôrdo em pagar, o que me parece ser de todo o ponto justo.
O Sr. Rêgo Chaves (interrompendo): — Se bem que o assunto ainda tenha de ser largamente tratado e apreciado na próxima sessão legislativa, eu devo dizer no entanto desde já a V. Ex.ª que essa operação nada tem que ver com a anterior.
O Orador: — Peço desculpa a V. Ex.ª, mas todas as operações foram feitas em seguida à venda das libras.
Nesta altura trocaram-se àpartes entre o orador e os Srs. Velhinho Correia, Rêgo Chaves e Paiva Gomes, que não foi possível reproduzir.
O Orador: — Poderá o ilustre Deputado o Sr. Rêgo Chaves declarar que a primeira operação de libras não têm referência, mas sim somente a segunda; porém, o que é um facto é que há uma operação anterior de cedência de libras, a qual tem a data do 22 de Setembro do mesmo ano, que a meu ver também tem referência com a outra.
Esta é a minha maneira de ver sôbre o assunto, e creio que não estou longe da verdade fazendo as afirmações que faço.
A outra operação, repito, é posterior a essa, e não há ao que se vê qualquer outra que sé tivesse realizado,
Esta é que é a verdade dos factos, quer queiram, quer não queiram.
Era preciso ter feito isso copa clareza, e não permitir ao Conselho Superior de Finanças fazer êsses considerandos que não correspondem à verdade dos factos.
O Sr. Presidente: — Previno V. Ex.ª de que deu a hora. Se V. Ex.ª assim o desejar, fica com a palavra reservada.
O Orador: — Peço então a V. Ex.ª que mo reserve a palavra para quando é assunto voltar novamente à discussão.
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O Sr. Presidente: — Fica V. Ex.ª com a palavra reservada.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os «àpartes» não foram revistos pelos oradores que os fizeram
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: termina hoje a sessão legislativa. Todos nós, embora por vezes responsáveis pelas dificuldades criadas à Presidência, reconhecemos contudo essas dificuldades e queremos prestar homenagem ao modo como ela foi exercida durante a sessão legislativa.
Em primeiro lugar o Sr. Sá Cardoso, depois V. Ex.ª e ainda outros Srs. Deputados que ocuparam êsse lugar, exerceram realmente a sua alta magistratura por maneira a dar a todos nós a sensação bem nítida de que estavam garantidos, a qualquer dos lados da Câmara a que pertencêssemos, os nossos direitos. Todos os Srs. Deputados que nesta sessão legislativa exerceram essa alta funcção mantiveram por tal forma a ordem e possível regularidade nas nossas discussões, que prestigiaram a instituição parlamentar, servindo ao mesmo tempo os interêsses de todos os lados da Câmara.
A nossa homenagem é, pois, muito sincera e muito sentida, e V. Ex.ª, que exerceu a Presidência repetidas vezes o por períodos longos, tem nessa homenagem urna parte considerável.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: êste lado da Câmara associa-se calorosamente às, palavras de louvor do Sr. Almeida Ribeiro, que acaba de falar em nome da maioria da Câmara.
Tanto a V. Ex.ª, como ao Sr. Sá Cardoso, como ao Sr. Alberto Vidal, apresentamos as nossas saudações.
É difícil a missão que V. Ex.ªs exerceram, principalmente nas ocasiões em que questões políticas se ventilam nesta casa do Parlamento, mas V. Ex.ªs foram sempre duma imparcialidade tam grande que nós, reconhecendo-o, não podemos deixar
de prestar esta homenagem, apresentando os nossos cumprimentos pelas atenções que sempre recebemos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente; pedi a palavra para dirigir a V. Ex.ª o a todos os outros Srs. Deputados que durante esta sessão legislativa exerceram as altas funções que V. Ex.ª neste momento está exercendo, as minhas homenagens, assim como as homenagens do partido a que pertenço.
Do facto esta sessão legislativa foi muito agitada, mas da parte de V. Ex.ª houve um desempenho tam correcto que conseguiu equilibrar o prestígio parlamentar.
Sr. Presidente: dirigindo estas palavras a V. Ex.ª, elas não deixam de se reflectir na Câmara, que, Apesar de muito censurada por todos aqueles que não conhecem o trabalho, exaustivo da Câmara, tem sabido cumprir, através de todas as dificuldades, o seu dever.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Ginestal Machado): — Sr. Presidente: associo-me com particular simpatia às palavras justíssimas que foram dirigidas por todos os lados da Câmara a V. Ex.ª em especial e a toda a.
Realmente, V. Ex.ª, pelas suas altas qualidades, pela sua cultura, pela sua primorosa educação, pelo seu carácter imaculado, é o homem que convém desse, lugar, e soube, de facto, sempre desempenhá-lo de maneira tal que da direita à esquerda ninguém mais viu em S. Ex.ª senão o Presidente de todos, e isto é talvez o melhor elogio ou a maior verdade para caracterizar a acção de V. Ex.ª nesse alto lugar, que é dos mais altos do país.
Sr. Presidente: para mim as palavras de justiça dirigidas a V. Ex.ª e aos Presidentes que o antecederam, bem como a toda a Mesa, são muito gratas de pronunciar, porque alguns de V. Ex.ªs são não só meus correligionários prestigiosos, e muito prestigiaram o partido nosso alto cargo, mas alguns são meus amigos particulares que muito prezo.
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Em nome do Govêrno, a que tenho a honra de presidir, cumprimento V. Ex.ª e a Mesa e faço minhas todas as palavras dos oradores que me antecederam.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Agradeço aos oradores que, em nome de todos os lados da Câmara e do Govêrno, usaram da palavra as expressões que acabam de proferir.
Aquelas que foram dirigidas ao meu antecessor o verdadeiro Presidente desta Câmara, Sr. Sá Cardoso, são realmente bem merecidas, e a elas me associo. As palavras, porém, que me foram dirigidas representam da parte dos meus colegas da Câmara uma atenção que corresponde realmente à boa vontade com que eu para todos tenho procurado ser imparcial.
Apoiados.
Sou daqueles que entendem que nós os homens políticos devemos, quer como cidadãos, quer como políticos, seguir sempre uma linha de conduta que não se preste aos exageros, sempre perniciosos, duma paixão insofrida. Mas quando temos de ocupar lugares como êste, o facto de procurarmos ser imparciais, e tenho a consciência de que o fui, não representa senão o cumprimento dum dever e a interpretação das mais elementares obrigações do homem público elevado a êste lugar.
Apoiados.
Mas aqui, neste lugar, eu fui sempre auxiliado pelos meus secretários, e em especial pelo 1.º secretário, Sr. Baltasar Teixeira, que com mais constância tem ocupado êste lugar, sendo não só para comigo da mais alta lealdade, mas servindo-me sempre de grande auxiliar, o que aproveito esta oportunidade para lhe agradecer.
Repetindo, a todos os lados políticos da Câmara e ao Sr. Presidente do Ministério, meu ilustre amigo, a quem, pelo seu alto carácter, presto a minha maior homenagem, agradeço as suas palavras.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 50 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Renovação de iniciativa
Renovo a iniciativa da proposta de lei sôbre incompatibilidades políticas, por mim apresentada ao Parlamento na sessão de 5 de Janeiro de 1914, e publicada no Diário do Govêrno, 2.ª série, de 6 de Janeiro do mesmo ano. Esta renovação é para o efeito de baixar a proposta à comissão para ser estudada juntamente com as propostas e projectos que actualmente estejam em exame na comissão. — Álvaro de Castro.
Junte-se ao processo.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Requerimento
Requeiro que, pelo Ministério da Instrução, me seja fornecida, com a maior urgência, nota dó número dos alunos matriculados em cada um dos liceus centrais do país nos anos lectivos de 1922-1923 e 1923-1924.
30 de Novembro de 1923. — O Deputado, Joaquim Brandão.
Expeça-se.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.