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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 2
EM 3 DE DEZEMBRO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar do Almeida Teixeira
Angelo Sampaio Maia
Sumário. — Abertura da sessão. Leitura da acta. Correspondência.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Juvenal de Araújo chama a atenção do Sr. Ministro da Agricultura para a necessidade de proteger o comércio dos vinhos genuínos da Madeira, defendendo-o das fraudes.
Responde-lhe o Sr. Ministro da instrução (Melo e Simas).
O Sr. Pires Monteiro ocupa-se da projectada reforma de instrução, desejando saber quais as intenções do actual Ministro sôbre o mesmo assunto.
Responde-lhe o Sr. Ministro da Instrução.
Volta a usar da palavra, para explicações, o Sr. Pires Monteiro.
O Sr. António Maio, usa da palavra para interrogar a Mesa.
Responde-lhe o Sr. Presidente, e em seguida o Sr. António Mata envia para a Mesa um requerimento pedindo a promulgação duma lei, ao abrigo do artigo 32.º da Constituïção.
Pôsto o requerimento à votação, usam da palavra sôbre o modo de votar os Srs. Almeida Ribeiro e António Maia, que pede autorização para retirar o seu requerimento. É concedida a autorização pedida.
O Sr. Francisco Crus manda para a Mesa um projecto de lei, para o qual requere urgência e dispensa do Regimento.
Lido na Mesa, é admitido.
O Sr. Almeida Ribeiro requere que o requerimento do Sr. Francisco Crua seja dividido em duas partes.
Usam da palavra sôbre o modo de votar os Srs. Paulo Menano, Almeida Ribeiro, Francisco Cruz, Pires Monteiro, Ministro das Finanças (Cunha Leal), novamente os Srs. Pires Monteiro e Almeida Ribeiro, e os Srs. Carlos Pereira, Nuno Simões e Américo Olavo,
Usam da palavra para interrogar a Mesa os Srs. Álvaro de Castro e António Fonseca.
Usa da palavra para explicações o Sr. Ministro das Finanças.
É aprovado o requerimento do Sr. Almeida Ribeiro.
Efectuada a contraprova, requerida pelo Sr. Francisco Cruz, confirma-se a votação feita.
É aprovada a primeira parte do requerimento.
É rejeitada a segunda parte.
Efectuada a contraprova, verifica-se ter sido aprovada a dispensa do Regimento por 52 votos contra 39.
Entrando em discussão o projecto de lei apresentado pelo Sr. Francisco Crus, usam da palavra os Srs. João Camoesas e Francisco Cruz.
Volta a usar da palavra, para explicações, o Sr. João Camoesas.
Usam em seguida da palavra os Srs. Ministro das Finanças, Fausto de Figueiredo, Nuno Simões, Cancela de Abreu, João Camoesas, Jaime de Sousa e Velhinho Correia, que apresenta uma moção. Lida na Mesa, é admitida.
Seguem-se no uso da palavra os Srs. Almeida Ribeiro, Ministro das Finanças a Tôrres Garcia.
O Sr. Carlos de Vasconcelos requere que a sessão seja prorrogada até final liquidação do assunto em discussão e a eleição das comissões.
Usa da palavra, para interrogar a Mesa, o Sr. Almeida Ribeiro, responde-lhe o Sr. Presidente.
Depois de terem usado da palavra sôbre o modo de votar os Srs. Álvaro de Castro, António Fonseca e Sr. Presidente, é rejeitado o requerimento do Sr. Carlos de Vasconcelos.
Efectuada a contraprova, a requerimento do mesmo Sr. Deputado, e tendo o Sr. Almeida Ribeiro invocado o § 2.º do artigo 116.º do Regimento, verifica-se ter sido aprovado por 43 Srs. Deputados e rejeitado por 41.
Lida na Mesa a moção do Sr. Velhinho Correia, o Sr. Jaime de Sousa usa da palavra sôbre o modo de votar, requerendo que a moção seja dividida em duas partes. É rejeitado êste requerimento.
É rejeitada a moção do Sr. Velhinho Correia.
A Câmara aprova em seguida a generalidade do projecto em discussão.
Entrando em discussão o artigo 1.º, o Sr. Jai-
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me de Sousa envia para a Mesa uma proposta de emenda, que é admitido.
O Sr. Ministro das Finanças apresenta duas propostas, que são admitidas.
São aprovadas as emendas do Sr. Ministro das Finanças e do Sr. Jaime de Sousa.
São aprovados os artigos do projecto, sem prejuízo das emendas.
O Sr. Alberto Cruz requer e que entre em discussão antes da ordem do dia da próxima sessão o parecer n.º 100.
O Sr. Alberto Jordão usa da palavra para interrogar a Mesa. Responde-lhe o Sr. Presidente.
É aprovado o requerimento do Sr. Alberto Cruz.
É aprovado um requerimento d. o Sr. Jorge Nunes, relativo à discussão do parecer n.º 543.
O Sr. Presidente solicita dos diferentes grupos parlamentares o envio dos nomes dos seus representantes para as comissões parlamentares, e encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão, às 16 horas e 26 minutos.
Presentes à chamada, 64 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 54 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à chamada:
Abílio Correia dá Silva Marçal.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Domingos Leite Pereira.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Águas.
João Salema.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Juvenal Henrique de Araújo.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sânt'Ana e Silva.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
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Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Noto.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Sebastião de Herédia.
Tomé José de Barros Queiroz.
Ventura Malheiro Reimão.
Vitorino Henriques Godinho.
Faltaram à sessão os Srs.:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso Augusto da Costa.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Américo da Silva Castro.
António Dias.
António Mendonça.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Eugénio Rodrigues. Aresta.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Jaime Duarte Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
João Teixeira do Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Jorge Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Marques Loureiro.
Júlio Gonçalves.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel do Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Rodrigo José Rodrigues.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Viriato Gomes da Fonseca.
Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 62 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 28 minutos.
Leu-se a acta.
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Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Senado, enviando uma proposta de lei que proíbe nos salões cinematográficos a exibição de films contrários à moral o bons costumes.
Para a comissão de instrução primária.
Do Ministério da Guerra, satisfazendo ao requerido pelo Sr. Dinis de Carvalho, o comunicado em ofício n.º 667.
Para a Secretaria.
Da Junta Geral do Distrito de Lisboa, convidando S. Ex.ª o Sr. Presidente da Câmara a assistir, em 2 de Dezembro de 1923, à abertura de aulas na Escola Profissional do Agricultura.
Para a Secretaria.
Telegrama
Dos pais dos alunos da Escola Primária Superior de Elvas, contra á extinção da mesma, escola.
Para a Secretaria.
O Sr. Presidente: — Está aberta a inscrição para «antes da ordem do dia».
O Sr. Juvenal de Araújo: — Sr. Presidente: as considerações que vou fazer dirigem-se ao Sr. Ministro da Agricultura; mas, não tendo a satisfação dever S. Ex.ª na sua cadeira, peço ao Sr. Ministro da Instrução, que está presente, a fineza de transmitir ao seu colega daquela pasta aquilo que vou dizer.
Desejo chamar a atenção do Sr. Ministro da Agricultura, mas atenção rigorosa e pronta, para o que de importante e muito grave se está passando na Madeira e que tendo à destruição duma das maiores riquezas daquela região: — o crédito dos seus vinhos generosos.
O comércio da exportação de vinhos da Madeira está entregue a um certo número muito restrito de casas, umas nacionais, outras estrangeiras, que têm tido brado sempre pela lisura dos seus processos comerciais, pela sua probidade e zêlo com que costumam apresentar as nas marcas.
Ora atravessando épocas de prosperidade, ora atravessando momentos de crise dos mais agudos e difíceis, o comércio exportador tem-se mantido sempre por forma a honrar os seus velhos créditos.
O papel que a riqueza do comércio de vinhos da Madeira representa naquela ilha não preciso eu pô-lo em relevo, porque é do conhecimento de todos.
Porém, a verdade é que toda essa soma importante de valores está sendo neste momento criminosamente minada e destruída pela acção fraudulenta dalguns indivíduos que ali estão fazendo autênticas e constantes falsificações.
No Ministério da Agricultura devem existir, fornecidos por entidades oficiais e particulares, elementos de sobra para colocar o Govêrno de sobreaviso.
Entretanto, vou trazer ao conhecimento da Câmara alguns factos bem expressivos para que V. Ex.ªs possam fazer justiça à rectidão das intenções e palavras que neste momento vou proferir.
Em 1920 a importação de vinho de pasto foi de 214 cascos, em 1921 de 246, em 1923-do 288, e neste ano que finda agora elevou-se a perto de 2:000 cascos.
Não há razão alguma que justifique esta extraordinária importação, nem mesmo o próprio consumo, que não aumentou.
Sr. Presidente: é corrente naquela região que o vinho importado se destina ao fabrico de vinhos generosos por processos de estufamento e outros. Mas há mais.
Ultimamente têm entrado ali vinhos licorosos, para serem mais tarde exportados com o falso nome de vinhos da Madeira.
Apesar das disposições do regulamento de 8 de Novembro de 1913, a falsificação encontrou forma de iludir as suas disposições legais; e então, em cascos com o mesmo aspecto dos que costumam levar vinho de pasto, tem sida submetida a despacho alfandegário grande quantidade do vinhos licorosos que mais tarde são exportados com o falso nome de vinho da Madeira.
Mas, Sr. Presidente, a comissão de viticultura que oficialmente foi encarregada desta questão chegou a conclusões verdadeiramente estupendas, uma das quais
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é que a falsificação se faz também com garapa, vinagre e sucos de diversos frutos.
Sr. Presidente: entre nós encontra-se uma pessoa que conhece a fundo esta questão, e que é o Sr. Brito Camacho.
V. Ex.ªs poder-me hão dizer que o vinho tem um certificado de produção e de transito, que é fornecido pelas fábricas matriculadas, de álcool para tratamento. Mas eu responderei que ultimamente tem sido importada do continente grande quantidade de aguardente vínica para tratar aqueles vinhos que depois saem com o nome de Madeira.
As consequências dêstes factos estão bem patentes e dão como resultado prejudicar fortemente o tipo especial e característico da vinho da Madeira e ainda a perda de mercados.
Sr. Presidente: eu orgulho-me de pautar todos os meus actos pela minha consciência e pelos interêsses nacionais. Devo afirmar que hesitei muito para trazer êstes factos ao conhecimento da Câmara, porque cheguei a pensar que, uma vez êles divulgados, poderiam constituir um motivo de descrédito para os vinhos generosos da Madeira.
Muito mais do que os factos constatados uma circunstância há que pode prejudicar profundamente os vinhos da Madeira: é a prática dêsses mesmos factos, quer ela se faça isoladamente, quer colectivamente.
O assunto de que me tenho ocupado é, Sr. Presidente, duma inegável importância e tem, por isso, de ser tratado com a largueza e desenvolvimento que merece.
Eu não desejo apenas apontar os males; quero, também, indicar os remédios. O primeiro é, sem dúvida, a proibição terminante e severa da importação do continente de vinhos de pasto com graduação superior a 12.º
Não me move — não me podia mover — o desejo de prejudicar os legítimos interêsses da viticultura da metrópole, que tem na Madeira um mercado cujo enfraquecimento ninguém de boa fé poderá desejar.
A existência dêsse mercado não impede, porém, que uma rigorosa fiscalização se exerça, tendente a impedir que os vinhos de pasto sejam aplicados h, confecção de pretendidos vinhos da Madeira...
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª terminou o período regimental de que dispunha para usar da palavra.
Vozes: — Fale, fale.
O Orador: — Agradeço à Câmara a sua atenção que mostra bem o interêsse que merece ao Parlamento a causa da Madeira.
Outro remédio há que importa tomar para debelar o mal que apontei à Câmara.
Êsse outro remédio está em determinar que a distribuïção do álcool para tratamento de vinhos seja feita não por duas repartições, como se faz actualmente, mas por uma só repartição, de maneira a unificar êsse serviço.
Êstes são, Sr. Presidente, os remédios mais urgentes, os remédios de momento que eu desejaria ver empregados pelo Govêrno, emquanto se não procede — como se impõe — à revisão do regulamento de 8 de Novembro de 1913.
A fiscalização dos vinhos da Madeira está presentemente a cargo da alfândega, da repartição agrícola e dos delegados concelhios que passam, os certificados de produção. Esta fiscalização assim disseminada não é útil nem eficaz.
A Madeira, meus Senhores, tem incontestavelmente o direito de reclamar estas providências.
Povo ordeiro e trabalhador, sacrificando bastas vezes as suas aspirações aos interêsses nacionais e neste momento a braços com uma crise aflitiva, o povo da Madeira bem merece a protecção do Estado, bem merece, por isso, que lhe defendam aquilo que constitui o mais importante fautor da movimentação da sua vida económica e financeira.
Eu confio, no emtanto, na recta intenção do Sr. Ministro da Agricultura.
Encontrando S. Ex.ª um decreto publicado em que se onerava com pesados impostos a farinha importada da Madeira, eu procurei S. Ex.ª por diversas vezes para lhe fazer ver a injustiça e os inconvenientes de tal medida, e devo dizer que encontrei sempre no ilustre homem público a melhor e mais decidida disposição de defender os interêsses da Madeira.
Efectivamente, pouco tempo depois, o Sr. Ministro da Agricultura revogava,
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com aplauso de todas as consciências justas, o iníquo decreto.
Estou, por isso. absolutamente certo de que S. Ex.ª não deixará de atender a reclamação que acabo de fazer, reclamação que ecoa como um grito de alarme para que a tempo se poupe, não já a economia da Madeira, mas a economia nacional, a prejuízos que poderão ser irremediáveis.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Melo e Simas): — Transmitirei ao meu colega da Agricultura as considerações feitas pelo ilustre Deputado Sr. Juvenal de Araújo.
O Sr. Presidente: — Não estando presentes Os Srs. Ministros da Justiça e Agricultura, nem o Sr. Presidente do Ministério, não posso dar a palavra ao Sr. Tavares de Carvalho que a pediu para quando estivessem presentes êstes Srs. Ministros.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Então êsses Srs. Ministros não vêm à Câmara?
Pedia a V. Ex.ª que me dissesse, se os Srs. Ministros do Interior, Justiça e Agricultura se encontram no edifício do Congresso.
Precisava falar na presença dêsses Srs. Ministros.
Já não há Govêrno, é o que estou verificando.
Saiu o Govêrno democrático do Poder, não há Govêrno.
O orador não reviu.
O Sr. Pires Monteiro: — Sendo a primeira vez que uso da palavra, depois que subiu ao Poder o actual Govêrno, cumprimento o Sr. Ministro da Instrução, meu camarada ilustre, que comigo serviu em França.
Feitos êstes cumprimentos, vou fazer as considerações que me obrigaram a pedir a palavra.
Desejava que o Sr. Ministro da Instrução esclarecesse o País sôbre qual a atitude que tenciona adoptar em face do projecto de lei de reorganização da instrução pública, apresentado pelo ilustre antecessor de S. Ex.ª, o ilustre Deputado Sr. João Camoesas.
Êsse projecto de lei é de maior interêsse para a nacionalidade portuguesa.
Foi nomeado relator do parecer sôbre êsse projecto de lei o Sr. José de Magalhães, Deputado independente.
O Deputado nacionalista Sr. Alberto Jordão acaba de me dizer, em àparte, que êsse parecer está nas comissões.
Posso informar que as comissões reuniram em sessão conjunta, uma única vez, para nomear um relator. Após essa reunião, nunca mais retiniram para discutir êsse projecto de lei.
Vamos entrar numa nova sessão legislativa.
É bom que entremos, fazendo vida nova; e faço os meus votos sinceros para que as várias comissões parlamentares se resolvam de uma vez para sempre a trabalhar decididamente, a produzir trabalho útil, não sucedendo o que tem sucedido em anteriores sessões legislativas. Nas reuniões só tem comparecido a maioria democrática.
Só com raras excepções comparece a minoria nacionalista nas reuniões.
À presidência da comissão pertence o Sr. Tomé de Barros Queiroz que comparece às reuniões das comissões.
A reforma da instrução é necessária. A reforma da instrução é daquelas em que não deve haver partidos.
Deve-se procurar por todas as formas formar no futuro cidadãos aptos mentalmente e fisicamente robustos, dotados daquelas qualidades indispensáveis em qualquer democracia.
Desejava ainda que o Sr. Ministro da Instrução me esclarecesse sôbre um facto que julgo absolutamente prejudicial para a nossa mocidade.
Refiro-me a não haver a chamada instrução física — gimnástica — nos liceus, senão até à 6.ª classe. E absolutamente indispensável que a instrução física não seja interrompida na 6.ª e 7.ª classes, como actualmente se pratica.
Conveniente seria que o Sr. Ministro da Instrução tomasse certas providências, para que assim não acontecesse.
Desejava que S. Ex.ª me dissesse se é partidário de que os rapazes, que frequentam os liceus, devam sair completamente dotados com a educação física.
A educação física é um dos poucos elementos de formação integral dêsses rapazes.
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Desejava ainda chamar a atenção do Sr. Ministro da Instrução para o facto de até hoje não estar regulada a lei n.º 1:466, que foi promulgadi em 18 de Agosto dêste ano. É lastimável que essa lei não se encontre regulada.
Essa lei não favorece os alunos das escolas superiores, mas favorece de uma forma bem frisante a instrução militar.
Essa lei tem por fim evitar factos lastimáveis que têm ocorrido com os alunos que são prejudicados nos seus cursos.
É a lei n.º 1:466 que a Câmara dos Deputados discutiu e que o Senado confirmou imediatamente, e que deve ser urgentemente regulamentada pelo Sr. Ministro da Instrução porque diz respeito a todos os outros Ministérios que têm de superintender sôbre a bua jurisdição: o Ministério da Agricultura, o do Comércio e o, das Colónias.
E indispensável que o Sr. Ministro da Instrução nos prometa solenemente que vai tratar de empregar todos os meios para que esta lei seja regulamentada.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Melo Simas): — Respondendo ao meu velho amigo e camarada Sr. Pires Monteiro e recordando a boa camaradagem que tivemos, sempre, durante a campanha ds França, vou procurar satisfazer aos desejos de S. Ex.ª
Preguntou S. Ex.ª qual o procedimento que desejo adoptar acêrca do projecto de reorganização da instrução.
Devo dizer que por mais de uma vez me tenho manifestado sôbre o projecto de reorganização da instrução do Sr. João Camoesas, que considero um documento valioso e importante e que é preciso tomar em toda a consideração.
Acho indispensável que êle seja discutido nesta Câmara, devendo ser considerado como um documento que faz honra a quem o apresentou.
O Govêrno não tem uma opinião — como direi? — colectiva sôbre o assunto, procurando por essa forma dar a todos os seus correligionários a máxima liberdade para tratar do assunto, tam importante para a Nação como é a educação da mocidade.
Convém, no meu entender, afastá-la do perigo de ser envolvida numa atmosfera política.
Quanto à oportunidade dessa discussão isso parece-me pertencer à Câmara.
Apoiados.
Mas em meu nome pedirei à Câmara que quando tencionar apresentar o projecto à discussão me previna com certa antecedência.
Acho um assunto altamente importante para ser tratado sem a devida ponderação.
Preguntou-me também S. Ex.ª a minha opinião sôbre educação física.
Acho a educação física tam necessária como a educação literária.
Apoiados.
O Sr. Pires Monteiro: — Na 6.ª classe dos liceus não há educação física, e o mesmo se dá na 7.ª classe.
O Sr. Alberto Jordão: — Os alunos da 6.ª classe não têm efectivamente educação física.
E uma lacuna.
No Liceu que tenho a honra de dirigir, os trabalhos, de gimnástica são ministrados, por professores habilitados, a todos os rapazes.
O Orador: — Não podendo, contudo, dar opinião sôbre o assunto, porque. não sou especialista em todos os assuntos, o Ministro da- Instrução vê-se obrigado a pedir às pessoas especializadas explicações para melhor poder resolver certos assuntos.
A respeito da educação física, uma das pessoas mais competentes é S. Ex.ª
E a S. Ex.ª certamente não deixarei de pedir a sua opinião, assim como a outras pessoas.
Quanto à questão da regulamentação da lei n.º 1:466, devo dizer que S. Ex.ª me apanha positivamente em branco neste assunto.
Já tive ocasião de conversar com o Sr. Director Geral da Instrução Superior acêrca da regulamentação dessa lei.
Anteontem, por acaso, é que tive conhecimento, por S. Ex.ª, de que essa lei não estava regulamentada.
Mas pode S. Ex.ª ter a certeza de que um dos meus primeiros trabalhos será
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regulamentar essa lei o mais depressa possível.
É o que tenho a responder a S. Ex.ª
O orador não reviu.
O Sr. Pires Monteiro: — Sr Presidente: desejo agradecer ao Sr. Ministro da Instrução a maneira como me respondeu.
Disse o suficiente para compreender-se que S. Ex.ª dá o seu voto à generalidade da proposta, e a julga muitíssimo urgente.
Tem S. Ex.ª um meio de abreviar os trabalhos referentes a essa proposta, e é pedir aos presidentes das comissões para que elas reunam, e pedir também ao Sr. José de Magalhães que apresse os seus trabalhos referentes a essa reforma.
Nas comissões S. Ex.ª será ouvido; e eu, que tenho a honra de pertencer a essa comissão, pedirei para S. Ex.ª ser chamado a assistir à discussão.
Apoiados.
convencido de que procederá com a necessária diligência para que êsse assunto possa ser tratado ainda na sessão legislativa que hoje começa.
Apoiados.
Pelo que diz respeito à disciplina de gimnástica nas 6.ª e 7.ª classes, eu creio que basto uma ordem de S. Ex.ª para ser introduzida no programa essa disciplina.
Espero que S. Ex.ª tomará as providências. pois é de grande importância.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: desejava que V. Ex.ª me elucidasse sôbre a interpretação do artigo 32.º, quanto às palavras «sessão legislativa seguinte».
Eu pregunto se se consideram como lei essas resoluções tomadas na sessão passada.
Eu desejaria que V. Ex.ª me dissesse como é que se considera o artigo 32.º
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª poderá explicar-me melhor aquilo de que se trata?
O Sr. António Maia: — Eu desejaria saber se os projectos aprovados nesta Câmara na passada legislatura, mas de que o Senado não tomou conta, passam a ser lei.
Desejo saber se a sessão, que passou, se conta ou não.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª formula o seu requerimento e eu ponho-o à votação da Câmara.
O Sr. António Maia: — Foi apresentada pelo Sr. António da Fonseca uma proposta, para que fôsse nomeada uma. comissão de Deputados e Senadores para tratar dos nossos interêsses de defesa nacional. Depois essa resolução e os seus aditamentos foram enviados ao Senado, o qual não tomou resolução alguma. Pregunto se fica ou não promulgada em lei.
O Sr. Almeida Ribeiro (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: se eu bem ouvi. trata-se duma proposta de resolução que foi votada nesta Câmara em Julho último. Ora em 17 de Março de 1922 foi aprovada nesta Câmara uma moção, em virtude da qual a Câmara, para ser coerente comsigo mesma, não deve aprovar o requerimento do Sr. António Maia.
Trata-se dum problema de direito constitucional muito delicado que deve tratar-se com largueza e reflexão, não sendo esta, porventura, a oportunidade para o fazer; mas em todo o caso quere-me parecer que a Câmara faz bem em ater-se à doutrina da moção votada em 17 de Março de 1922.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: confesso que não me lembrei da moção votada por esta Câmara no ano de 1922. Se me tivesse lembrado dela, eu de facto não teria feito o requerimento que fiz. Por isso, peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se me permite que retire o meu requerimento.
Consultada, a Câmara é S. Ex.ª autorizado.
O Sr. Presidente: — Deu a hora de se passar à ordem do dia.
Vai votar-se a acta.
É aprovada a acta.
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O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: eu tinha pedido a palavra para antes da ordem do dia.
O Sr. Presidente: — Mas já deu a hora de se passar à ordem do dia.
O Sr. Francisco Cruz: — V. Ex.ª tinha-mo dito que só se entrava na ordem do dia às 16 horas e 34 minutos.
O Sr. Presidente: — Tem V. Ex.ª razão. V. Ex.ª tinha efectivamente pedido a palavra para antes da ordem do dia, mas por um lapso meu, julgando que se devia entrar na ordem do dia às 16 horas e 24 minutos e não, como devia ser, às 16 horas e 34 minutos, não lho concedi a palavra. Vou por isso conceder-lha. Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: agradeço a V. Ex.ª o ter-me concedido a palavra.
Desejo chamar a atenção da Ccâmara — e serão breves as minhas considerações — para a gravo crise financeira e económica que atravessa o País, a qual muito tem afectado o desenvolvimento das nossas indústrias. Efectivamente, há emprêsas que importaram mecanismos à sombra dam decreto proteccionista, mas que, por mercê da nossa crise financeira, não têm podido pagar os direitos respectivos. É por êsse motivo que eu venho pedir à Câmara, não que isente de direitos êsses mecanismos, mas que conceda uma prorrogação do prazo necessário para pagamento dêsses direitos, a fim de que as indústrias comecem a laborar e possam dentro em breve fazer êsse pagamento.
Peço, por isso, a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se concede a urgência e dispensa do Regimento para o projecto de lei que no sentido das minhas considerações envio para a Mesa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É lido na Mesa e admitido o projecto de lei do Sr. Francisco Cruz.
É o seguinte:
Senhores Deputados. — A situação financeira neste momento é deveras difícil o necessário se torna acudir com justas e sábias medidas para de alguma forma atenuar a grave crise que atravessam alguns ramos da actividade nacional.
A indústria do País sofre presentemente as maiores dificuldades, e emprêsas há que, pelo avultadíssimo capital empregado e pelo que representam já e podem muito mais ainda vir a representar na economia do País, bem merecem todas as protecções e as maiores solicitudes, a fim de que se não definhem ou venham a desaparecer.
Todos os povos estão dispensando às suas respectivas indústrias os maiores cuidados e atenções para que se possam bastar a si próprias.
Deixando pois ao alto critério da Câmara o muito que neste sentido havia a considerar:
Tenho a honra de submeter à vossa aprovação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º Poderão ser liquidados até 6 meses depois da publicação desta lei os despachos já processados nas alfândegas do continente e ilhas adjacentes mediante fiança dos direitos, para a importação de maquinismos e seus acessórios destinados a emprêsas industriais legalmente estabelecidas.
§ único. O prazo a que se refere o corpo do artigo não poderá ser prorrogado mais do que uma vez o por igual tempo e quando assim o entenda o Ministro das Finanças.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrário. — Francisco Cruz.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado pediu a urgência e dispensa do Regimento...
O Sr. Almeida Ribeiro (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: requeiro a divisão do requerimento do Sr. Francisco Cruz em duas partes, uma quanto à urgência, outra quanto à dispensa do Regimento.
O Sr. Paulo Menano (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: pedi a palavra simplesmente para chamar a atenção da Câmara para o seguinte facto: ou do facto aprova hoje o projecto de lei, porque o considera urgente, ou então já não remedeia nada. Amanhã o projecto para nada serve.
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O Sr. Almeida Ribeiro (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: por muito urgente que sejam as necessidades de quaisquer emprêsas regularem a sua situação perante o Estado, parece que mais urgente é a própria situação do Tesouro que tem motivado até da parte do Sr. Ministro das Finanças actual e de todos nós os maiores cuidados, para que as suas receitas se cobrem sem falhas- ou com o mínimo de falhas possível.
Ora como é que, perante as exigências do Tesouro, havemos de estar a reconhecer outras urgências?!
Parece-me ainda que, tratando-se dum assunto que não tem a esclarecê-lo senão as palavras, aliás dignas de toda a consideração, do Sr. Francisco Cruz, valeria a pena que êle fôsse estudado pela comissão de finanças para a Câmara o poder discutir com inteira consciência.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: a Câmara naturalmente sabe que há um projecto de lei da comissão de Comércio e Indústria que até isenta de direitos os mecanismos e acessórios necessários para as emprêsas industriais e agrícolas. Ora eu já não quero essa isenção, porque sei que é precária a situação do Tesouro, mas a prorrogação do prazo para o pagamento dos direitos, porque essa mesma situação do Tesouro é de tal maneira grave que às indústrias, tendo as suas mercadorias vendidas, quási não chega o dinheiro para pagarem ao seu pessoal.
Então, o Estado prorrogando o prazo para pagamento dos direitos por mais uns meses, não serve a economia do País?!
E por minha honra afirmo que não tenho senão o interêsse de servir o meu País.
O orador não reviu.
O Sr. Pires Monteiro: — Quando há tempos, nesta Câmara, foi discutido um projecto de lei concedendo a isenção de pagamento de direitos a uma emprêsa de cimento de Leiria, a discussão terminou com a aprovação de uma moção que eu tive a honra de apresentar para que o projecto fôsse enviado à comissão de Comércio e Indústria a fim de que no mais breve espaço de tempo dêsse o seu parecer não só sob o referido projecto, mas também sôbre uma proposta de lei apresentada pelo Sr. Rêgo Chaves, quando geria a pasta das Finanças.
Isto passou-se em princípios da sessão legislativa transacta; e o facto é que a comissão de Comércio e Indústria ainda não apresentou o seu parecer.
O ilustre Deputado Sr. Francisco Cruz apresentou-nos agora um projecto de lei, para o qual requereu urgência e dispensa do Regimento, a fim de ser imediatamente discutido; e o Sr. Paulo Menano afirmou que ou a Câmara concede a dispensa do Regimento ou a matéria contida no projecto se torna absolutamente inútil. Julgo que tenho responsabilidades especiais na resolução que a Câmara tomou aprovando a minha moção, que então apresentei; e, consequentemente, julgo-me também no dever de lembrar o facto. E a comissão ainda não apresentou o parecer...
O Sr. Nuno Simões (interrompendo): — Há quanto tempo foi isso?
O Orador: — Foi, como disse, quando se discutiu o projecto de lei concedendo determinada isenção de direitos a uma emprêsa de cimento de Leiria.
Parece-me, porém, que a Câmara já está suficientemente esclarecida e que os técnicos que pertencem à comissão de Comércio e Indústria conhecem bem o assunto. Nestas condições, como Deputado independente, não tenho dúvida alguma em dar o meu voto ao requerimento relativo à urgência e dispensa do Regimento formulado pelo Sr. Francisco Cruz.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Eu conheço a questão. Em 1915 a emprêsa de cimento de Leiria requereu para lhe ser concedido termo de fiança para pagamento de direitos alfandegários, e a 2.ª Repartição da Direcção Geral das Alfândegas, sem ter poderes para isso, deferiu a pretensão.
Posteriormente, tendo o Sr. Director Geral das Alfândegas estranhado que a 2.ª Repartição tivesse deferido semelhante requerimento, o Sr. Ministro das Finanças, atendendo a que estava pendente
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do Parlamento um projecto de lei sôbre o assunto apresentado em 22 de Novembro de 1919; deferia outro requerimento apenas pelo prazo de seis meses. Sob o mesmo pretexto, vieram novas e sucessivas prorrogações, até que veio o primeiro indeferimento em 18 de Julho de 1921, sendo Ministro das Finanças o Sr. Vicente Ferreira. Após êste indeferimento surgiu um deferimento pelo prazo de seis meses concedido pelo Sr. Portugal Durão. Depois veio outro indeferimento em 29 de Dezembro de 1922, e a questão tem-se arrastado assim com deferimentos e indeferimentos, êstes negando os pedidos e aqueles anulando os indeferimentos anteriores, até que o Sr. Vitorino Guimarães indeferiu também um novo pedido de prorrogação, tendo a emprêsa de cimento de Leiria do entrar com a importância de 400 contos...
O Sr. Francisco Cruz: — Mas não é justo que seja exactamente numa ocasião bastante crítica que se obrigue essa emprêsa a entrar com o dinheiro. Ela fez despesas sôbre despesas para a construção de fábricas importantes, e agora que ia começar a trabalhar ver-se há forçada a fechar as portas!
O Orador: — Eu não estou aqui senão a fazer a história pregressa da questão e a explicar â minha atitude em face dos- requerimentos apresentados pela Empresa de Cimento de Leiria.
Indeferido o requerimento de nova prorrogação pelo Ministro das Finanças de então, o Sr. Vitorino Guimarães, tratou-se de fazer com que a Direcção Geral das Alfândegas cobrasse a importância de 400 contos.
Nessa altura, apelou-se de novo para o Ministro das Finanças; e como êste era então eu, declarei que não me sentiu com poderes absolutamente nenhuns para permitir a prorrogação da dispensa do pagamento dos direitos que a Empresa de Cimento devia.
Sr. Presidente: pedia a V. Ex.ª a fineza de conseguir um pouco de atenção da Câmara, pois com êste sussurro ninguém ouve as minhas explicações.
O Orador: — Estava eu dizendo que a Empresa requereu para se sustar o indeferimento do Sr. Vitorino Guimarães e conceder-se-lhe mais um certo prazo para o pagamento dos 400 contos; mas eu declarei que era impossível em face cias leis fazer isso, interpretando como devia o espírito do Código das Execuções Fizeras, e que mo via obrigado a intimar a Empresa a pagar.
E esta a minha posição em face do problema.
Não há fôrças humanas que me obriguem a mim, Ministro das Finanças, a permitir a, continuação de um estado de cousas que se transforma num verdadeiro absurdo, visto que a questão já se vem protelando desde Julho de 1915.
Realmente, como é que o Ministro das Finanças pode continuar a prorrogar o prazo do pagamento dos direitos, sob o pretexto de que o Parlamento há-de discutir uma lei?
A Empresa do Cimento de Leiria diz que, embora as s n as esperanças sejam muitas e o seu valor real seja grande, terá de falir porque não pode no actual momento realizar 400 contos. Lamento bastante o facto; mas, como a Câmara compreendo perfeitamente, o meu dever não pode ser outro senão fazer entrar nos cofres públicos a importância que dêles há tanto tempo anda arredada.
Apoiados.
Agora, o Poder Legislativo é que pode resolver como julgar mais conveniente.
O Ministro acatará a sua resolução.
O orador não reviu.
O Sr. Pires Monteiro: — Uso novamente da palavra, Sr. Presidente, para explicar a minha atitude: se voto o requerimento formulado pelo Sr. Francisco Cruz, para que se discuta desde já o projecto de lei apresentado por S. Ex.ª, é porque êste não aproveita apenas à Empresa de Cimento de Leiria, mas a todos em geral.
Creio que o Parlamento tem a obrigação moral e a obrigação legal de proteger as grandes indústrias, as grandes emprêsas do país, valorizando os nossos imensos recursos.
O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara.
O Sr. Almeida Ribeiro (interrompendo): — O que eu digo, Sr. Presidente, é
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que êsse projecto destina-se a favorecer a Empresa de Cimento do Leiria.
O Sr. Francisco Cruz (Interrompendo): — Peço desculpa a V. Ex.ª, mas o meu projecto é genérico: refere-se a todas as emprêsas.
O Orador: — Se bem que o Sr. Ministro das Finanças se tivesse referido ùnicamente à Empresa de Cimento de Leiria, o que é um facto é que o projecto enviado para a Mesa pelo Sr. Francisco Cruz refere-se em geral a todas as emprêsas, a todas as colectividades que exercem a sua indústria que estejam nas mesmas condições da Empresa de Cimento de Leiria.
Assim, eu pregunto ao ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro, se, dadas as circunstâncias aflitivas em que se encontra o mercado, é lícito e se é possível exigir-se o que se pretende.
Pedi, Sr. Presidente, a palavra sôbre o modo do votar para fazer estas considerações, por isso que o assunto foi até certo ponto prejudicado pela moção que em tempos aqui apresentei e que foi votada, pois posso garantir a V. Ex.ª que não tenho compromissos alguns com essa emprêsa, nem mesmo a conheço.
O Sr. Almeida Ribeiro (interrompendo): — Essa emprêsa está numa situação tam próspera, que a sua inauguração revestiu uma grande pompa, sendo até convidado para ela um bispo.
O Orador: — Isso é-me indiferente; pois o meu desejo é que o assunto não seja mais prejudicado do que o foi com a aprovação da minha moção.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar que não tenho má vontade contra a Empresa de Cimentos do Leiria; porém, o que vejo é que ela tem uma dívida ao Estado desde Julho de 1920, segundo nos acaba de declarar o próprio Sr. Ministro das Finanças.
O que se vê, Sr. Presidente, é que essa emprêsa pretende fugir ao pagamento do que deve ao Estado, quando ela de facto já conseguiu realizar muitos milhares de contos.
Nestas circunstâncias eu pregunto realmente à consciência da Câmara se é lícito que ela, encontrando-se numa situação próspera, deixe de pagar ao Estado o que lhe deve.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar à Câmara que estava disposto a dar o meu voto ao pedido do urgência o dispensa do Regimento, feito pelo Sr. Francisco Cruz; porém, agora dou-o com muito mais razão, porquanto entendo que melhor é conceder o que se pede a essa emprêsa do que permitir que venham do estrangeiro 30:000 toneladas de cimento.
Isto, Sr. Presidente, a meu ver, é muito mais prejudicial; porquanto, não só se vai prejudicar a indústria nacional, como se vai permitir a saída de ouro para o estrangeiro.
Interrupção do Sr. Velhinho Correia, que se não ouviu.
O Orador: — Fala-me o Sr. Velhinho Correia nas pautas; porém, eu devo dizer-lhe que elas são até certo ponto prejudiciais à indústria portuguesa, como prejudiciais são também para os interêsses das nossas colónias.
Sr. Presidente: termino por declarar que voto com muito prazer esta proposta, que representa um bem ao País.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Nuno Simões: — A interferência do Estado em matéria de protecção à indústria é uma cousa que nada representa.
Há quatro anos inscreveu-se no orçamento do Ministério do Comércio uma verba para uma sindicância às indústrias, e até hoje ela não foi utilizada.
O Sr. Almeida Ribeiro, colocado no ponto do vista legalista, tem razão; mas se os propósitos de S. Ex.ª não são de agravar as grandes emprêsas o argumento do Sr. Carlos Pereira colhe; porque de facto o cimento da Empresa do Leiria representa um grande número de toneladas daquele material que não temos que
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importar, o que quere dizer: menos ouro que teremos que enviar para o estrangeiro.
A Companhia dos Cimentos de Leiria é uma das emprêsas mais importantes do País; e é de estranhar que o Partido Democrático mão acompanhe o progresso da indústria nacional.
Com muito prazer dou o meu voto à proposta do Sr. Francisco Cruz.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Américo Olavo: — Depois das considerações que acabei de ouvir ao Sr. Nuno Simões podia dispensar-me de fazer uso da palavra.
A Companhia de Cimentos de Leiria encontra-se numa situação difícil que não criou, mas que foi criada pelo Estado; e por êsse motivo eu dou o meu voto favorável.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se o requerimento do Sr. Almeida Ribeiro.
O Sr. António da Fonseca: — Sr. Presidente: eu fui das pessoas que mais veementemente contrariaram um projecto que aqui foi apresentado para isentar esta emprêsa do pagamento de direitos.
Sou, portanto, absolutamente insuspeito ao falar dêste assunto; mas desejava que V. Ex.ª me informasse se realmente a Empresa de Cimentes de Leiria tem de pagar dentro de um prazo tal, que a rejeição do requerimento do Sr. Francisco Cruz equivalha à rejeição do projecto por êste Sr. apresentado.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Sr. Presidente: respondendo ao pedido de informação do Sr. António da Fonseca, visto que naturalmente S. Ex.ª não conhece os detalhes da questão, devo dizer que por muito que se queira demorar o cumprimento do meu despacho, essa demora nunca poderá ir além de dois ou três dias.
O Sr. Álvaro de Castro: — V. Ex.ª, Sr. Ministro das Finanças, pode dizer-me se o pagamento que essa emprêsa tem de fazer já foi alguma vez prorrogado?
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Desde 15 de Julho de 1920, em prazos de sois meses.
Ao todo, foi seis vezes prorrogado.
Foi aprovado, em prova e contraprova requerida pelo Sr. Francisco Cruz, o requerimento do Sr. Almeida Ribeiro.
Foi aprovada a urgência e, em contraprova, a dispensa do Regimento para o projecto do Sr. Francisco Cruz, que entrou em discussão.
O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: suponho que todos os empreendimentos industriais que se organizam devem contar, para a sua organização, com as condições legais vigentes.
Exactamente porque se trata dum empreendimento de carácter económico, não podem as pessoas que a tal se propõem meter no seu plano condições cuja obtenção é mais ou menos contingente.
Sr. Presidente: não é moral que estejamos aqui a votar determinadas facilidades que uma emprêsa não teve o bom senso de previamente procurar obter.
Tem-se abusado um pouco, dentro da República, de medidas legislativas com sobrescrito, sem vantagem nenhuma para o bom funcionamento dos organismos económicos nem para o bom funcionamento das instituições do Estado.
Por estas razões quando há pouco o meu ilustre colega Sr. Carlos Pereira fazia a sua intervenção sôbre o modo de votar, eu objectei lhe daqui que as emprêsas que se constituem devem contar com elementos próprios para a sua constituição e não com facilidades que o Estado venha a dar-lhes, pois se o fizerem não procedem de harmonia com os bons princípios técnicos.
Não pode a emprêsa em questão queixar-se de desatenção ou desamor do Estado, pois o próprio Sr. Ministro das Finanças informou a Câmara de que o Estado várias vezes lhe prorrogou o prazo do pagamento dos direitos.
Nestas condições, sem que a minha atitude represente simpatia ou antipatia pela emprêsa, ignorando até quem são as pessoas que a constituem nem curando disso, as circunstâncias em que tenho de emitir
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o meu voto em relação a êste assunto impedem-me, visto ser uma cousa sobrescritada, do lho conceder.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: como muito bem disse o Sr. Nuno Simões, a responsabilidade não é da emprêsa, que se encontrou num dado momento com um Ministro do Comércio e Comunicações...
Interrupção do Sr. João Camoesas, que não pode ser ouvida.
O Orador: — Os argumentos que S. Ex.ª apresentou não colhem. São meras palavras.
Eu nunca visitei essa emprêsa; mas por pessoas da maior respeitabilidade sei que é uma das maiores emprêsas da península.
Essa emprêsa tem empregado todos os esfôrços para o seu desenvolvimento e nem todos os homens em Portugal, pertencendo a várias emprêsas, têm procurado alcançar um tal progresso.
Interrupção do Sr. João Camoesas.
Àpartes.
O Orador: — Em Portugal não se procura desenvolver as indústrias.
Os próprios caminhos de feiro estão atrofiados.
Não se desenvolvendo as indústrias, onde há-de o Estado ir buscar as suas contribuições e impostos?
Onde há-de ir buscar os seus rendimentos?
Àpartes.
Se não fôsse o respeito que devo a esta casa, eu diria que, em presença de factos e palavras que aqui ouço pronunciar, julgaria não estar numa casa onde se fazem leis e se tem de defender os interêsses do País.
Àpartes.
Digo isto por que me dói a alma, como português que sou, por ver que não trabalhamos para os grandes melhoramentos, progresso e bem-estar do País.
Entristece-me ver tomar atitudes como esta. contra iniciativas que concorrem para o engrandecimento do País.
A nossa consciência deve dizer-nos que devemos favorecer todos os empreendimentos que representem progresso, e que devemos trabalhar para fazer uma obra útil.
Não voltarei mais a êste assunto; porque o modo como são tratados os assuntos que se relacionam com o progresso da Nação dá vontade de sair por aquela porta para esperar que venham melhores dias para o País.
Àpartes.
O orador não reviu.
O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: apresentei as minhas considerações em termos que não deminuíam o prestígio desta Câmara. Não fiz observações que pudessem amesquinhar os pontos de vista. pessoais; e, assim, considero descabidas as considerações do Sr. Francisco Cruz quando, pretendendo analisar as minhas. palavras, disse que ouvia uma linguagem que não parecia de um Parlamento.
Àpartes.
O Sr. Francisco Eu não quis amesquinhar as considerações de V. Ex.ª
Àpartes.
O Orador: — Agradeço a explicação, que me satisfaz.
Todas as minhas considerações são motivadas por entender que não se deve nesta Câmara apresentar matéria de deminuïção de receita, quando estamos a tratar da compressão das nossas despesas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Sr. Presidente: a situação a que se refere o projecto em discussão foi criada pelos representantes dos partidos, que,, parece, a julgaram de absoluta razão.
Ante a legislação fiscal, eu, como Ministro, não podia arcar com as respectivas responsabilidades; e, então, pus a questão na devida situação.
Parece-me que não fica mal ao Estado garantir um certo prazo de pagamento a essa emprêsa.
Eu entendo que o projecto do Sr. Francisco Cruz não corresponde a permitir um semelhante estado de cousas por mais de seis meses, que considero bastante tempo.
Entendo que é exagerado o prazo que marca o Sr. Francisco Cruz; e nestas
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condições proponho a eliminação do § único do artigo 1.º
Quando se discutir, na especialidade mandarei a proposta para a Mesa.
Também entendo que o Estado não deve perder tudo e, que, portanto, da parte da emprêsa deve haver algum sacrifício. Assim proporei também que pela prorrogação será pago ao Estado um juro igual à taxa de desconto do Bauco do Portugal. Na devida altura enviarei para a Mesa esta proposta.
Falei sôbre êstes pontos agora, na generalidade, para dizer que feitas estas correcções acho que a Câmara procederá bem não estrangulando uma emprêsa nascente, antes dando-lhe condições para poder viver.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Fausto de Figueiredo: — Sr. Presidente: não é indiferente para a economia geral do País a situação de prosperidade de certas emprêsas; e, assim, é para lamentar que as palavras há pouco proferidas, com todo o desassombro, pelo Sr. Nuno Simões, que expôs à Câmara a questão com toda a sinceridade o verdade, pelo que só merece os meus louvores, mão entrassem no ânimo daqueles que têm obrigação de tratar os assuntos que venham à tela do debate nesta Câmara sem paixão e apenas com os olhos fitos no bem do País.
O projecto em discussão interessa uma das emprêsas que neste País têm conseguido alguma cousa de útil para a economia geral, através de todos os sacrifícios.
Quais são as facilidades que o Estado tem dado a essas emprêsas?
Nenhumas.
O pedido que essa emprêsa fez é absolutamente justificável, visto que, sob o ponto de vista de disponibilidades, o comércio e a indústria atravessam hoje uma crise maior do que a de há um ou dois anos.
Acho que a Câmara deve dar o seu assentimento ao projecto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Nuno Simões: — Sr. Presidente: o Sr. João Camoesas, pondo a questão num ponto legalista, fez afirmações que carecem de correcção.
Disso S. Ex.ª que as emprêsas quando se constituem devem contar com todas as circunstâncias.
Sr. Presidente: eu não compreendo que o Ministro do Comércio Sr. Ernesto Navarro trouxesse a esta Câmara uma proposta para proteger a agricultara e a indústria, e que o Parlamento não lhe dêsse a consideração devida e a pusesse de parte.
Não se compreende que se passem, anos sem o Parlamento se pronunciar.
Só assim se explica a atitude do Sr. Ministro das Finanças dizendo que não se sente com autoridade para prorrogar o prazo. Diz o Sr. Ministro das Finanças que não tem capacidade para o fazer e é o Parlamento que tem de decidir.
Depois do que disse o Ministro das Finanças, isto é, não tendo legalidade para o fazer e dizendo que não faz o mesmo que os seus antecessores, eu digo: a Câmara tem ou não o direito, a obrigação, de dar a plena aprovação à proposta?
Sr. Presidente: a situação anteriormente criada pelo critério dos Ministros, critério puramente pessoal, tem de ser resolvida pela Câmara. E a Câmara não pode ter o critério legal do Sr. Almeida Ribeiro, pois não é de aceitar em momentos de crise e não se deve estar a exigir a essa emprêsa êsse pagamento, que afinal é pequeno, mas que é enorme dadas as condições em que a emprêsa se encontra. Pior ainda é fazer derivar ouro para fora do país.
A importação do cimento não pode deixar de fazer-se, pois que todas as construções, em regra, se servem de cimento. Nestes termos a Câmara não pode deixar de dar a sua aprovação.
Apoiados.
Por minha parte, como há pouco disse, dou-lha com todo o prazer. Nem tenho de invocar aqui interêsses directos, nem simpatias. Dentro da Câmara tenho apenas de invocar a minha obrigação de republicano e de português. E em nome dessa obrigação do republicano e de português, que só interessa pela economia do País e crê no rejuvenescimento de Portugal, que dou o meu voto ao projecto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: apenas duas palavras para dizer que êste lado da Câmara dá o seu voto ao projecto de lei em discussão.
Trata-se duma medida de carácter geral que entendo deve ter bom acolhimento da Câmara, visto que, nas circunstâncias actuais de dificuldade de adquirir numerário o da grave crise que as indústrias atravessam, todas as medidas de protecção e incitamento dispensadas às indústrias nacionais devem ter a simpatia do Parlamento.
Não se trata, com efeito, duma medida de excepção; trata-se duma medida de carácter geral, originada apenas no facto de o Sr. Ministro das Finanças entender que não tinha porventura poderes para fazer uma nova prorrogação de prazo para pagamento do direitos alfandegários em dívida. O Sr. Ministro das Finanças teve o escrúpulo em aconselhar que a questão fôsse trazida ao Parlamento; acho que fez muito bem e parece-me que a uma prorrogação de prazo de carácter geral, quando se trata de quantias elevadas, devemos dar-lhe o nosso voto, sem nos preocuparmos com as pessoas a quem ela interessa.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: muito ràpidamente digo a V. Ex.ª que as considerações do Sr. Nuno Simões, a quem agradeço as palavras de estima que mo dirigiu, não deminuiram aquilo que eu disse.
Eu disse que as emprêsas se formam contando com a protecção do Estado; S. Ex.ª disse que muitas se tinham organizado contando com uma medida apresentada no Parlamento, e como tal sujeita a todas as contingências.
O Sr. Nuno Simões: — Há equívoco; eu não disse que elas se tinham organizado assim, mas que isso justificava a sua formação.
(c) Orador: — Seja como fôr, se há condições de carácter económico que vieram dificultar essas indústrias, também há outras que as vieram facilitar. Assim a desvalorização da nossa moeda tem servido muito bem para auxiliar a nossa exportação.
Mas deu-se a circunstância de eu por acaso, outro dia, ter assistido a uma conversa entre engenheiros acêrca da importação de mecanismos para a Empresa de Cimentos de Leiria; e por ela verifiquei que certo material podia ter sido aplicado de outra maneira que não foi.
O outro argumento diz respeito à oportunidade da proposta.
Sr. Presidente: fere sempre a minha sensibilidade ter de votar cousas que de antemão sabemos que vão aproveitar a êste ou àquele.
Não quero com estas palavras censurar nenhum dos Sr s. parlamentares que entendem que êste é o momento oportuno para se manter um benefício que já vinha sendo de há muito concedido a determinada emprêsa. Trata-se apenas não de defender um ponto de vista de antipatia, mas de defender um ponto de doutrina parlamentar, que eu considero tam respeitável como o dos Srs. Deputados que estão em desacôrdo comigo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: pedi a palavra ùnicamente para dizer as razões porque votei a urgência para a proposta do Sr. Francisco Cruz.
Eu faço parte do número daqueles Deputados que, em tempo que não vai longe, se manifestaram nesta casa do Parlamento a favor da solicitação que a esta Câmara foi apresentada pelos Srs. Deputados representantes do distrito de Leiria.
Tive então ocasião de dizer que não compreendia a razão porque a Câmara não atendia essa solicitação, que consistia na isenção de direitos aduaneiros para o material destinado à primeira instalação da indústria do cimento.
É estranho que, ainda nesta altura esta questão esteja por resolver, tanto mais que se trata de protecção à indústria num país onde a sua economia está de rastos.
Essa lei do 1919, apresentada ao Parlamento pelo filho de Emídio Navarro, já devia ter sido votada para todas as indústrias nascentes.
Já tive ocasião de manifestar nesta Câmara a opinião de que só uma lei de ca-
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rácter genérico, abrangendo igualmente todas as indústrias nascentes, poderia ter a minha decidida, simpatia porque só assim poderíamos fazer uma obra justa e útil de franca e insuspeita protecção.
Disse o meu ilustre colega João Camoesas que todas as indústrias deveriam contar, ao estabelecerem-se, com os elementos de vida indispensáveis para andar.
Êste princípio que é, de certo modo interessante, não corresponde, porém, à realidade naqueles países que se defendem em matéria económica.
Veja-se, para exemplo, a Alemanha, cujo procedimento eu já tive ocasião de salientar nesta casa do Parlamento, quer sob o ponto de vista dos interêsses das suas indústrias em formação, quer sob p ponto de vista dos interêsses do Estado.
Sr. Presidente: votando há pouco a urgência, para o projecto em discussão, eu quis significar o muito interêsse que me merece a protecção às indústrias nascentes.
Se não votei a dispensa do Regimento foi porque não concordo que em tal matéria se faça uma legislação fragmentária.
Na generalidade não faço mais considerações, reservando-me para na especialidade mandar para a Mesa emendas.
O orador não reviu.
O Sr. Velhinho Correia: — Mando para a Mesa uma moção.
Entendo que não há nunca oportunidade para estar, a solicitar isenção de direitos que representam receitas, do Estado, quando se não conhece a indústria.
Em certos casos há realmente, razão para fazer determinados favores, quando se trate de instalar novas indústrias e de indústrias existentes que tenham realmente condições de vida no País.
Quero crer que esta é uma que está nestas condições, mas para poder votar com plena consciência êste projecto é necessário saber em que condições hoje está laborando essa fábrica, e a situação financeira da respectiva emprêsa.
Não há, realmente, nada contra determinada indústria.
Uma, porém, houve que teve um grande auxílio, apresentando-se em tais condições que parecia ter razão; mas bastou que se lhe pedisse o último balancete para imediatamente essa indústria pôr de parte todas as suas instâncias.
Eram estas as considerações que tinha a fazer em justificação da minha moção.
Leu se na Mesa a moção do Sr. Velhinho Correia, sendo admitida.
É a seguinte:
Moção
A Câmara, reconhecendo ser necessário um inquérito às condições financeiras de momento para apreciar do projecto pendente, resolve incumbir dêsse inquérito, com toda a urgência, a comissão de comércio e indústria, recomendando ao Govêrno o deferimento do adiamento solicitado pela emprêsa, mas só por mais dois meses. — 3 de Dezembro de 1923. — Velhinho Correia.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: tantas vezes foi já anotado nesta discussão o meu legalismo, que me vejo obrigado não só a agradecer o que há de lisonjeiro nessas referências para mim — agradeço-o sinceramente — mas a dizer algumas palavras em que procurarei demonstrar que a minha atitude não foi inspirada por simples legalismo, mas por considerações de ordem económica e até de ordem moral.
Em primeiro lugar, deixem-me V. Ex.ªs salientar que aplaudo inteiramente o procedimento do Sr. Ministro das Finanças não concedendo nenhuma nova prorrogação além das concedidas até hoje.
Aplaudo-o inteiramente.
Apoiados.
Defendeu honrosamente., corajosamente, os interêsses do Estado que cumpria zelar como Ministro das Finanças.
Fez mais: cumpriu um texto de lei que, porventura, teria aplicação ao caso.
Sr. Presidente: eu, que aplaudi o procedimento do Sr. Ministro das Finanças, disse a seguir que S. Ex.ª invocara um texto de lei que talvez pudesse entender-se aplicado ao ouro; e eu vou expor a minha dúvida a respeito dêsse texto legal.
Agora é o aspecto legalista e não outro; porquanto, sob o aspecto da defesa dos interêsses do Estado, eu já disse a minha opinião.
Tem-se entendido que êste artigo 117.º se refere a dívidas de contribuições ou rendas do Estado quando estejam já nas
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execuções fiscais. Não se tem entendido aplicável noutras circunstâncias.
E já agora vem a propósito rectificar uma informação dada pelo Sr. Ministro das Finanças a uma pregunta creio que do Sr. António da Fonseca.
Disse S. Ex.ª que no caso de a Câmara não tomar qualquer resolução a respeito do projecto do Sr. Francisco Cruz seria uma cousa de dois ou três dias ô ter de encerrar-se a Empresa de Cimentos de Leiria com Os 400 contos que deve de direitos de importação.
Sr. Presidente: a minha rectificação consiste no seguinte: esta afirmação é exacta se se entender que mal o Sr. Ministro das Finanças profere qualquer despacho ordenando a execução essa execução se consuma desde logo. Ora não é assim.
O Sr. Ministro das Finanças pode num dia, em poucos minutos mesmo, dar um despacho ordenando que a alfândega remeta os documentos para as Execuções Fiscais; mas isso leva tempo porque a alfândega tem de coligir êsses documentos, tem de mandá-los para as Execuções Fiscais e estas, por sua vez, tem,de citar o devedor para que pague. E só decorridos cinco dias depois da citação é que se realizará a penhora, se houver fundamento para isso.
De maneira que todo êste espaço de tempo que é necessário para qualquer processo desta natureza não pode de modo algum produzir, dentro de três dias, a falência da Empresa de Cimentos de Leiria. Ainda que êste projecto seja rejeitado, essa Empresa poderá contar com alguns meses de tolerância.
Não será uma prorrogação semestral, mas será uma prorrogação de alguns meses, pelo menos.
Sr. Presidente: eu disse que além de razões de pura legalidade me tinham determinado razões morais e de carácter económico. Vou aludir a elas.
As circunstâncias morais são as que derivam duma causa a que já há pouco fiz alusão quando me pronunciei a respeito da urgência e dispensa do Regimento.
As razões de carácter económico são as que resultam da pregunta que faço a mim próprio se se trata acaso duma situação nova,- duma situação nascida agora resultante da crise que há três ou quatro meses se afirmou na economia portuguesa, a pretexto da falta de moeda fiduciária.
Não, Sr. Presidente, trata-se duma situação que dura desde Julho de 1920; e nestas condições uma concepção comezinha de moralidade na administração pública me impõe o dever de rejeitar esta nova prorrogação.
Se se tratasse dum caso nascido agora, que ás circunstâncias da crise, que tanta vez aqui tem sido lembrada, tivesse determinado; se se tratasse de ocorrer a circunstâncias dessa crise, eu daria o meu voto, desde que êsse voto não fôsse beneficiar uma- determinada entidade, desde que o benefício a conceder aproveitasse à totalidade dos contribuintes nas mesmas condições.
Mas, não, Sr. Presidente, trata-se dum caso que se vem arrastando desde meados de 1920, dum caso em que a falta de papel fiduciário não pode servir de maneira alguma de justificação; e, mais do que isso, trata-se, como já salientei, do caso duma emprêsa certamente constituída por pessoas ilustradas, por pessoas conhecedoras do meio em que vivem, que se defrontaram em 1919 com a dificuldade de pagamento dos seus maquinismos, e, logo que ouviram palavras de esperança e concórdia, entenderam que podiam contar com a brandura de costumes dos homens da República para considerar essas palavras como uma concessão já feita, já realizada.
Ora as pessoas que constituíram a Empresa de Cimentos de Leiria não são tam extremamente ignorantes que não saibam esta simples e elementar noção de direito: — a de que as palavras dum Ministro quando não têm atrás de si uma opinião já em execução são apenas palavras que podem representar uma amabilidade, uma experiência mas nunca uma realidade.
Sr. Presidente: eu que também sou republicano e português como outros Srs. Deputados que salientaram neles próprios essas qualidades, sinto doer-me a minha consciência política perante o facto duma emprêsa que calculadamente veio contar com a brandura, pelo menos, dos costumes dos homens públicos da República para considerar uma concessão adquirida aquilo que era apenas uma vaga promessa.
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Dói-me isso, porque eu sei de grandes capitalistas, grandes industriais, homens a cujo espírito de iniciativa e arrojo de empreendimento presto a minha homenagem, que não deviam contar para as suas iniciativas, para os seus empreendimentos, como factor páutico, com a simples brandura de costumes a que aludi.
Mas êles dizem que os homens da República cedem tudo desde que sejam bem tratados.
A mim fere-me esta atitude das emprêsas que alegam não poder pagar as contribuições devidas.
Não tenho aqui as estatísticas necessárias, mas sei que há em Portugal quatro ou cinco fábricas de cimento de várias qualidades.
Essas emprêsas mandaram vir as suas máquinas pagando os respectivos direitos, sem pedir êste favor que se pede no projecto, ou tratamento especial.
Com que direito pedem ao Estado, ao Parlamento, que lhes dê uma situação de favor a uma emprêsa igual a outras que têm cumprido o seu dever?
Que justiça seria dar um favor a uma emprêsa com prejuízo de outras do mesmo género?
Porventura perante o Estado não são todas iguais, e com direito aos mesmos tratamentos e aos mesmos benefícios?
Como se esquece que há empreendimentos mais modestos que têm também direito a viver e a não serem esmagados por outros mais poderosos que têm todas as situações que êsses mais modestos não tiveram?
Tem-se dito que alguns parlamentares se têm manifestado contra o projecto, porque desconhecem os verdadeiros interêsses económicos nacionais e o valor da Fábrica de Cimento de Leiria. Eu não conheço essa emprêsa.
Não me move contra ela nenhum sentimento nem de simpatia nem de repulsão; e se algum sentimento me inspirasse seria somente o de simpatia, porque apoio todos os melhoramentos de iniciativa de riqueza, e de desenvolvimento e prosperidade da Nação.
Eu penso que como membro do Poder Legislativo não posso servir-me da minha influência em benefício duma emprêsa e em prejuízo de outras emprêsas similares embora mais modestas. Precisamente por serem mais modestas, não obstante o que de censura a êste conceito já o Sr. Nuno Simões, que merece o meu maior apreço pela sua ilustração, disse para o condenar, precisamente por se tratar de emprêsas modestas, eu, como republicano e português entendo não ter o direito do conceder situações especiais a uma grande emprêsa para esmagar outras mais pequenas.
Disse e repito; se eu houvesse de conceder favores, concedê-los-ia precisamente a êsses pequenos industriais, a essas, emprêsas modestas para que pudessem na concorrência acompanhar o colosso que procura destruí-las. Será o desconhecimento do valor prático dos grandes capitais, dos seus dividendos, dos seus lucros; mas assim é que eu penso. Penso que na economia nacional deve haver um grande sentimento de justiça.
Sr. Presidente: disse-se aqui que as circunstâncias do hoje impõem a todos o dever de não seguirem o critério legalista, mas proteger o desenvolvimento da indústria. Estou de acôrdo em que é efectivamente um dever de todos dispensar essa protecção; mas, dispensá-la sem favores especiais, dispensá-la em condições de justiça para todos, dispensá-la sem conceder elementos de protecção a grandes emprêsas que sejam ao mesmo tempo elementos de atrofia e, de morte a emprêsas menos poderosas. E êste o meu modo de sentir. E assim que entendo o meu dever, e é assim que procuro cumpri-lo tanto quanto posso.
O Sr. Jaime de Sousa disse muito bem que seria para desejar que se legislasse duma maneira geral sôbre a protecção a dar às industrias recentes.
Em primeiro lugar, devo dizer que, estando inteiramente de acôrdo com o voto assim formulado, eu tenho dúvidas sôbre a sua aplicabilidade ao caso concreto de que me estou ocupando.
Como já disse, há no país diversas emprêsas que fabricam cimento; de modo que não sei se o caso da Empresa de Cimentos do Leiria é o caso de uma indústria nascente.
Sendo como é a indústria do fabrico de cimentos uma indústria há bastantes anos implantada em Portugal, lembrando-mo ainda muito bem que quando há meses se discutia aqui o projecto de isenção de di-
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reitos da Empresa de Cimentos de Leiria, eu recebi como Deputado, cartas e exposições de várias outras emprêsas fabricantes do mesmo cimento, a protestarem contra qualquer favor especial, tenho as minhas dúvidas sôbre se êste caso é o caso duma indústria nascente.
E uma indústria em curso a que um agrupamento de homens pensou em dar um desenvolvimento excepcional; mas a indústria existia já, estava em exploração, e portanto parece-me que o conceito do Sr. Jaime de Sousa não tem inteira aplicabilidade ao caso.
De resto, é bom relembrar que nós não estamos, sob o ponto de vista da protecção à indústria nacional, tam atrasados como as palavras do Sr. Jaime de Sousa poderão fazer supor.
Temos pelo menos, desde 1892, uma lei de protecção a todos aqueles que procurem introduzir novas indústrias no país.
Essa lei de protecção, lei de 30 de Setembro de 1892, tem sido largamente aplicada, tem servido muitas vezes de estímulo à criação de grandes emprêsas.
Não digo que essa lei seja ou deva ser a última palavra no sentido de protecção às indústrias nascentes; mas, se se entender que ela realmente não é suficiente, estou inteiramente de acôrdo em que se encarregue a comissão de comércio e indústria de estudar a legislação em vigor a êste propósito e trazer à Câmara um projecto de ampliação de vantagens a conceder nos casos previstos nessa legislação.
Isso sim, Sr. Presidente, porém o que se pretende fazer entendo que não é de aceitar.
Sr. Presidente: para terminar pregunto a V. Ex.ª qual a repercussão que êste projecto poderia ter, caso fôsse aprovado.
Seriam milhares, muitos milhares de contribuintes que viriam apresentar-se, uma vez aprovada uma lei com êste carácter de justiça e de verdadeira generosidade, que viriam apresentar-se, repito, a reclamar êsses benefícios, não se podendo prever até que ponto nos poderia conduzir essa situação.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — No meu despacho encontrará o Sr. Almeida Ribeiro, palavras que darão razão a S. Ex.ª
Àparte do Sr. Almeida Ribeiro, que não foi ouvido.
O Orador: — Já que estou no uso da palavra eu quero explicar os motivos que me animam quanto ao projecto do Sr. Francisco Cruz.
Esta indústria que necessita de grandes capitais, teve de recorrer à Caixa Geral dos Depósitos a fim de poder acabar a sua instalação.
Daí essa emprêsa encontrar-se em situação difícil.
As suas instalações foram feitas para a produção de 100:000 toneladas; mas isto é superior à sua produção.
E esperança dessa emprêsa, e creio que é uma esperança que não é ilusória, que tanto o mercado de Marrocos, como o mercado africano, em geral, possam ser largos consumidores ao cimento por ela fabricado e que, por consequência, aumenta extraordinariamente a nossa exportação de cimento nacional para as nossas colónias e até para regiões que não são portuguesas. Não pode isto ser indiferente ao Govêrno português, como o não pode ser, também, ao Parlamento.
Então o que é que, quando disse que concordava com a generalidade da proposta, pensei que seria a boa doutrina e a boa norma a estabelecer em face dêste problema?
Desigualdade quanto ao pagamento de direitos? Nem é bom falar em tal.
Ponhamos todos em condições de igual sacrifício perante o. Estado, porque esto é o primeiro pobre entre os mendigos portugueses, e, nestas condições, não pode fazer esmolas. Em todo o caso, matar uma indústria que pode aproveitar à economia nacional, não por falta de condições de vida, mas por exigências de fisco, de momento, também me não parece boa tática. De modo que quando digo que mandarei para a Mesa propostas de emenda, restringindo a seis meses o prazo durante o qual será permitido fazer a fiança dos direitos sem os pagar e obrigando, ao pagamento de juro razoável, ponho o problema desta forma: não queremos estrangular indústrias, mas se, dentro dê seis meses, a emprêsa não pode arranjar os 400 contos correspondentes aos direitos
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e juros e desenvolver a sua actividade dê forma que êsses 400 contos possam entrar na posse do Estado, é porque estivemos a alimentar um bluff e a emprêsa fica sabendo que, passados êsses seis meses, não poderá contar com a boa vontade ninguém. Parece-me, portanto, que, restringindo-se o prazo e obrigando-se ao pagamento de juro, a generalidade da proposta pode ser aprovada.
E certo que, se a indústria não funcionar com a actual emprêsa, funcionará com outra, porque certamente as instalações e as máquinas não desaparecerão.
Seria talvez um pouco de crueldade ir esmagar aqueles que tiveram o pensamento e os trabalhos de instalação para que outra emprêsa se instalasse sôbre os escombros da primeira.
Não o julgo um pensamento altamente generoso e conveniente; mas, se assim o determinarem, cumprir-se-há.
A lei é uma cousa em Portugal que precisa ser respeitada e prestigiada, e o que eu desejaria era que, em questões desta natureza, se fizessem as leis e os seus artigos de tal forma claros que ao Ministro das Finanças não fôsse permitido fazer sequer um favor.
Ao Sr. Director Gerai das Alfândegas eu digo sempre que, para se evitarem pedidos e complicações, as leis alfandegárias se interpretam sempre no sentido restrito. Nada impede, contudo, que, como membro do Poder Legislativo, eu possa ter uma opinião diferente daquela que tenho como membro do Poder Executivo.
Como membro do Poder Executivo executo as leis com a necessária crueldade, más como membro do Poder Legislativo compete-me fazer abrandar certas disposições da lei sem que me movam quaisquer interêsses particulares.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Tôrres Garcia: — Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Finanças acaba de pôr a questão com toda a clareza; e eu entendo que S. Ex.ª aduziu todas as razões que nos devem levar a aprovar a proposta que foi mandada para a Mesa, porquanto se trata de uma proposta genérica e, portanto, utilizável por todas as emprêsas industriais e porque se resume num adiamento do pagamento de direitos.
Tudo foi exposto com clareza e, por consequência, não valia a pena voltar a insistir no caso. Pedi, no emtanto, a palavra para fazer umas ligeiras observações ao que foi dito pdo Sr. Almeida Ribeiro, embora isso represente talvez demasiada ousadia minha.
Visto que a discussão, provindo de uma proposta de carácter genérico, veio para o campo individual, devo dizer que a Empresa de Cimento de Leiria não é colosso, mas apenas uma emprêsa que se organizou pondo em prática os últimos processos de fabrico, utilizando quer as máquinas mais perfeitas quer os mais perfeitos métodos de trabalho.
Não pretende nem pode esmagar as pequenas indústrias, e algumas não são tam pequenas como se julga.
Direi que temos, como iniciadora, a Companhia Tejo, já com algumas vicissitudes através da sua vida. E uma fábrica que tem maquinismos que já não são de hoje, embora para a boa homogeneidade do cimento empregue o chamado processo húmido.
A fábrica da Rana emprega o processo seco; e temos, também, a Empresa da Fábrica de Cimentos Naturais do Cabo Mondego e ainda uma outra em Maceira.
Mas, essas empjôsas estão absolutamente defendidas de qualquer propósito de esmagamento pelo que mais recentemente se fundou, visto que se constituíram em condições económicas que lhes permitiam fazê-lo com meia dúzia de contos, ao passo que a nova emprêsa, que fez encomendas a três dias do fim da guerra, tendo depois encontrado uma situação económica e financeira má, teve de mobilizar alguns milhares de contos.
Os encargos dêsse enorme capital defendem perfeitamente as pequenas indústrias.
Não tínhamos nenhuma fábrica que produzisse cimento com todas as garantias para obras de responsabilidade.
O processo que se usa na nova emprêsa é novo em Portugal; e, portanto, também direi que se pode considerar um aspecto nascente da indústria do cimento entre nós.
Utiliza-se uma rocha de constituição maleável, composta essencialmente por calcáreos, argila e sílicas.
Da proporção dêstes três elementos é
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que depende o seu índice do hidraulicidade.
E essas condições de hidraulicidade são manifestadas pelo tempo de presa, por qualidades de ordem química e de ordem técnica na aplicação dos cimentes, e todas essas características só se obtêm no produto quando o fabrico se rodeia de todos os cuidados.
Não há fábrica nenhuma que não monte o seu laboratório para fazer dia a dia, hora hora, de cinco era cinco minutos, mesmo, como fazem os americanos, a análise dos produtos que hão-de ser submetidos à última deferição das matérias, ou a sua mistura, para a formação dos tejolos. Êstes depois de cozidos são moídos no forno rotatório, e o pó misturado com carvão é sujeitado nesse forno que se move continuamente.
O cozimento do pó e do carvão deve ser feito a todo o comprimento do forno para se obter a desejada homogeneidade.
A emprêsa de Macieira é a garantia de ter contribuído para a resolução de um aspecto da nossa situação económica porque não temos hoje necessidade de importar m ai s. cimento. E como muito bem disse o Sr. Ministro das Finanças, nós temos toda a vantagem em dar todas as facilidades a essas emprêsas, porque temos o nosso vasto mercado colonial, o mercado aqui ao pé da porta que é a zona francesa de Marrocos onde se faz já hoje um largo comércio de materiais do construção, temos a nossa rica possessão de Angola, embora nesta haja margas que dão a possibilidade de se fabricar um bom cimento.
Eu ia estudei isso nnm curso que frequentei e fiz análises dessas margas, sendo minha opinião que o fabrico é tentador e remunerador. Mas emquanto isso se não faz, temos toda a costa ocidental de África para colocar o nosso cimento, temos possivelmente o Brasil, embora neste país já esteja mantida a indústria de, cimento, temos, emfim, meio mundo a fornecer.
Ora, em lugar de irmos fazer concorrência às pequenas indústrias portuguesas, vamos apenas fazê-la aos grandes potentados do cimento nacional, aos cimentos ingleses e belgas e a todos êsses cimentes que assambarcam o mercado mundial.
Não se pratica, pois, um acto de patriotismo e um acto de justiça, votando o adiamento do pagamento dos direitos em dívida?
Eu entendo que se deve dar a essas emprêsas tudo que é necessário para resolver a sua situação.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Requeiro que V. Ex.ª consulte a Câmara sôbre se consente que a sessão seja prorrogada até liquidação do assunto em debate e eleição das comissões.
O Sr. Presidente: — Vou pôr à votação o requerimento do Sr. Carlos de Vasconcelos.
O Sr. Almeida Ribeiro (sôbre o modo de votar): — Desejo saber se a Mesa considera em vigor uma disposição regimental votada por iniciativa do Sr. Álvaro de Castro, em 1922, segundo a qual as comissões não são eleitas, mas sim constituídas por parlamentares indicados pelos diversos grupos da Câmara.
O Sr. Presidente: — Para melhor informar V. Ex.ª mandei buscar as actas das sessões em que o assunto se tratou; logo que as tenha responderei a V. Ex.ª
O Sr. António Fonseca: — Sr. Presidente: se, na realidade, tiver de se fazer a eleição das comissões pelo antigo sistema, é absolutamente impossível efectuar hoje essa eleição, a menos que aqui estejamos até as 5 horas da manhã.
O Sr. Álvaro de Castro: — Pelo novo sistema, essa eleição faz-se em pouco mais de cinco minutos.
O Sr. Presidente: — Da leitura da acta de 8 de Maio dêste ano, parece-me poder concluir que a interpretação dada à proposta do Sr. António Fonseca era exclusivamente aplicada à discussão do orçamento.
O Sr. António Fonseca: — Eu fiz em tempos uma proposta para abreviar a discussão do orçamento, proposta que eu classificarei, se a Câmara mo permite, de triste memória. Mais tarde, porém, apresentei uma outra revogando aquela.
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A. interpretação que V. Ex.ª, Sr. Presidente, acaba de citar, refere-se à minha primeira proposta que, como disse, era exclusivamente aplicada ao orçamento.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se o requerimento do Sr. Carlos de Vasconcelos. Foi rejeitado.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Requeiro a contraprova.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Invoco o § 2.º do artigo 116.º
Procedeu-se à contraprova, verificando-se ter sido aprovado o requerimento do Sr. Carlos de Vasconcelos por 43 votos contra 41.
Foi lida a moção do Sr. Velhinho Correia.
O Sr. Jaime de Sousa: — Requeiro que, para efeitos de votação, a moção do Sr. Velhinho Correia seja dividida em duas partes, uma referente ao inquérito e a outra à modificação do prazo.
Foi rejeitado êste requerimento, bem como a moção do Sr. Velhinho Correia e, em seguida, foi aprovado o projecto na generalidade.
Entrou em discussão na especialidade.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de emenda ao artigo 1.º, em discussão.
Essa proposta é a seguinte:
Proposta de emenda ao artigo 1.º
Inserir entre as palavras «acessórios» e «emprêsas» as seguintes: «que tenham sido destinados à primeira instalação, ou seja, no primeiro período de cinco anos, de...
Sala das Sessões, 3 de Dezembro de 1923 — Jaime de Sousa.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Sr. Presidente: nos termos que já tive ocasião de expor à Câmara, envio para a Mesa duas propostas de emenda.
São as seguintes:
Proponho a eliminação do § único do artigo 1.º — O Ministro das Finanças, Cunha Leal.
Proponho que seja aprovado o seguinte:
Artigo novo. — As entidades que aproveitaram do privilégio concedido pelo artigo 1.º pagarão ao Estado, a partir da data da publicação desta lei, e até o pagamento dos direitos aduaneiros, um juro igual à taxa de desconto do Banco de Portugal.
3 de Dezembro de 1923. — O Ministro das Finanças, Cunha Leal.
Foram aprovadas as propostas dos Srs. Ministro das Finanças e Jaime de Sousa, bem como o artigo 1.º, salvas as emendas.
Foi aprovado o artigo 3.º e dispensada a leitura da última redacção a requerimento do Sr. Francisco Cruz.
O Sr. Alberto Cruz: — Requeiro que na ordem do dia, sem prejuízo dos. projectos inscritos, seja incluído o parecer n.º 100.
Foi aprovado.
O Sr. Jorge Nunes: — Roqueiro que entre na ordem do dia, sem prejuízo das propostas inscritas, o parecer n.º 590.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Convido os diversos grupos- da Câmara a enviar para a Mesa a nota dos Srs. Deputados a inscrever para fazerem parte das comissões.
A próxima sessão é amanha à hora regimental, com a seguinte ordem de trabalhos.
Antes da ordem do dia:
A que estava marcada e mais:
Parecer 479, que autoriza a Câmara Municipal da Sertã a elevar até 120 por cento a sua percentagem tributária;
Parecer n.º 100, que reintegra no lugar de comissário de polícia de emigração clandestina Adolfo Alves de Brito; Parecer n.º 595, que equipara aos segundos oficiais dos correios os terceiros oficiais com mais de 30 anos de serviço.
Ordem do dia:
A que estava marcada, menos as eleições de comissões.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 50 minutos.
O REDACTOR — João Saraiva.