Página 1
REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 3
EM 4 DE DEZEMBRO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Angelo de Sampaio Mala
Sumário. — Abre a sessão com a presença de 57 Srs. Deputados. E lida a acta. Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Ministro da Guerra (Carmona) apresenta uma proposta de lei para obras no edifício de Cheias, requerendo a urgência e a dispensa do Regimento, que são concedidas.
A proposta de lei é aprovada na generalidade e na especialidade sem discussão, com dispensa da leitura da última redacção.
O Sr. Lúcio de Azevedo explica as rasões por que voltou ao Parlamento.
O Sr. Dinis da Forneça trata da situação dos mutilados da guerra, respondendo o respectivo Sr. Ministro, mostrando-se de acôrdo com as considerações feitas.
É lido um projecto de lei do Sr. Dinis da Fonseca sôbre o assunto, que é admitido, e para que é reconhecida a urgência.
O Sr. António Maia traía das anomalias que no seu entender existem num decreto referentes às gratificações dos oficiais do exército, respondendo o mesmo Sr. Ministro.
O Sr. António Maia agradece a resposta, e sôbre o mesmo assunto, apoiando, usa da palavra o Sr. Francisco Cruz.
O Sr. João Camoesas propõe um voto de saudação à Sociedade de Sciências Médicas pela celebração do seu centenária, ao Congresso Comercial e Industrial e aos promotores da fundação do Instituto Urológico.
Associam-se aos votos propostos os Srs. Ministro da Guerra, Paulo Cancela de Abreu e Juvenal de Araújo.
São aprovados.
O Sr. Pires Monteiro cumprimenta o Sr. Ministro da Guerra, insta pela brevidade de uma interpelação que anunciou e trata de outros assuntos referentes à mesma pasta.
Responde o Sr. Ministro.
O Sr. Rodrigues Gaspar produz considerações sôbre o pedido de demissão do coronel Sr. Ferreira Martins.
É aprovada a acta.
É aprovado um voto de sentimento pela morte dopai do antigo Deputado, Sr. Carneiro Franco.
Ordem do dia — Continua o debate da interpelação do Sr. Paiva Gomes ao Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal) sôbre o contrato das 400:000 libras.
O Sr. António Fonseca, que ficara com a palavra reservada, conclui o seu discurso.
O Sr. Rêgo Chaves apresenta e justifica uma moção de ordem, que é admitida.
Seyne-se o Sr. Paiva Gomes.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Sá Pereira refere se a conflitos políticos no concelho da Pampiihosa da Serra, pedindo providências.
Responde o Sr. Presidente do Ministério (Ginestal Machado).
O Sr. Juvenal de Araújo trata, da greve marítima, respondendo o Sr. Ministro da Marinha (Júdice Bicker).
O Sr. Carvalho da Silva faz acusações ao tesoureiro de finanças do concelho de Águeda, prometendo providências o Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal).
O Sr. Tavares de Carvalho troca explicações com o Sr. Ministro da Justiça (Lopes Cardoso) acêrca da lei do inquilinato.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte.
Abertura da sessão às 15 horas e 35 minutos.
Presentes à chamada 57 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 57 Srs. Deputados.
Página 2
2
Diário da Câmara dos Deputados
Srs. Deputados presentes:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Brandão.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Delfim dê Araújo Moreira Lopes.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
João Baptista da Silva.
João Salema.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Cromes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Júlio Henrique de Abreu.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abílio Marques Mourão.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António de Abranches Ferrão.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virginio de Brito Carvalho da Silva.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Fausto Cardoso do Figueiredo.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
Joaquim José de Oliveira.
José Carvalho dos Santos.
Página 3
3
Sessão de 4 de Dezembro de 1923
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares Medeiros.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Alegre.
Manuel Ferreira da Rocha.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso Augusto da Costa.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Dias.
António de Mendonça.
António Resende.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Jaime Duarte Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Pina do Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Jorge Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Gonçalves.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Maximiano de Matos.
Nuno Simões.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Viriato Gomes da Fonseca.
Pelas 15 horas e 35 minutos, com a presença de 57 Srs. Deputados, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.
Leu-se a acta e o seguinte
Expediente
Pedido de licença
Alberto Xavier, 15 dias.
Concedido.
Representação
Da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pedindo que não seja aprovado o projecto de lei que concede uma segunda época de exames aos estudantes das Faculdades de Direito.
Para a Secretaria.
Oficio
Do Ministério das Colónias, participando estar à disposição dos Srs. Rodrigues Gaspar, António Maia e Mariano Martins o processo disciplinar do administrador de circunscrição, Manuel do Bastos Pinto.
Para a Secretaria.
Telegramas
Da direcção do núcleo escolar de Paços de Ferreira, pedindo o afastamento do inspector escolar, Augusto Ladeiro.
Para a Secretaria.
Do director da escola primária superior da Guarda, pedindo a defesa e aperfeiçoamento das escolas primárias superiores.
Para a Secretaria.
Página 4
4
Diário da Câmara dos Deputados
Da comissão executiva da Junta Geral do distrito de Santarém contra a extinção das escolas primárias superiores.
Para a Secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Ministro da Guerra (Oscar Carmona): — Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar uma proposta de lei tendente à reconstrução do antigo convento de Cheias, que, como toda a Câmara sabe, foi em parte destruído por um incêndio.
Torna-se absolutamente necessária a sua reconstrução, pois existem ainda ali, numas dependências que escaparam ao incêndio, alguns arquivos militares que são necessários, bem como a outra parte incendiada, que se destinava à residência de alguns funcionários e operários.
Como no capítulo 4.º do Orçamento existe uma verba de 100. 000$, que não tem destino, o meu desejo é que a Câmara aprove a proposta que vou ter a honra de mandar para a Mesa, a qual tem por fim autorizar o Govêrno a empregar essa quantia na reconstrução daquele edifício.
Para esta proposta peço a V. Ex.ª o obséquio de consultar a Câmara sôbre se concede a urgência e a dispensa do Regimento.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam a urgência e a dispensa do Regimento para a proposta que acaba de ser lida na Mesa queiram levantar-se.
Está rejeitada.
O Sr. Júlio de Abreu: — Requeiro a contraprova.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que rejeitam, queiram levantar-se.
Está aprovada.
Senhores Deputados. — Sendo necessário e urgente proceder às reparações indispensáveis do edifício do ex-convento de Cheias, que foi destruído em parte pelo incêndio de 19 de Agosto de 1923;
Constituindo grande perigo para os empregados do arquivo ali instalado e para as famílias dos operários da fábrica de
Cheias que ali residem a acumulação do entulho e as ruínas causadas pelo mesmo incêndio:
Tenho a honra de submeter à vossa aprovação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º É aplicada à reconstrução da parte destruída pelo incêndio no ex-convento de Cheias, em 19 de Agosto de 1923, a verba de 100. 000$ que no actual Orçamento do Ministério da Guerra está consignada no capítulo 4.º, artigo 49.º, como saldo por não ter tido aplicação determinada pelo Congresso da República.
Art. 2.º A rubrica que no referido Orçamento antecede a importância descrita no artigo anterior é substituída pela seguinte: «Despesa com a reconstrução da parte do edifício do ex-convento de Cheias, destruída pelo incêndio de 19 de Agosto de 1923».
Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, em 28 de Novembro de 1923. António Oscar Fragoso Carmona — Francisco Pinto da Cunha Leal.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam a proposta na generalidade, queiram levantar-se.
Foi aprovada, sendo em seguida igualmente aprovada sem discussão na especialidade.
O Sr. Carlos Pereira: — Peço a V. Ex.ª o obséquio de consultar a Câmara sôbre se dispensa a leitura da última redacção.
Foi aprovado.
O Sr. Aníbal Lúcio de Azevedo: — Sr. Presidente: depois da agitada sessão de 22 de Outubro passado, eu declarei que não voltaria à Câmara sem que se concluísse a sindicância por mim podida como director da Casa da Moeda; porém, independentemente da minha vontade e certamente dos desejos da Câmara, essa sindicância só agora se iniciou, não podendo eu por êsse motivo esperar mais tempo, pois que, só assim o fizesse, trairia o mandato dos eleitores que me elegeram para êste lugar, razão por que me resolvi a voltar.
Página 5
5
Sessão de 4 de Dezembro de 1923
Eram estas as considerações que tinha a fazer.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, devolver as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Ministro da Guerra.
O assunto de que me vou ocupar merece a atenção da Câmara, pelo menos durante dois minutos.
Essa atenção não a mereço eu pessoalmente (Não apoiados), mas sim o assunto de que ràpidamente me vou ocupar.
Ainda está por ser resolvido, se bem que já tenham sido votadas três ou quatro leis para êsse fim, o assunto referente aos mutilados de guerra, o que na verdade é uma vergonha.
Estou recebendo cartas todos os dias, e algumas bem aflitivas, o que é uma vergonha, pedindo-me para que empregue os meus esfôrços no sentido de que é assunto seja resolvido quanto antes como é de justiça.
Sei, Sr. Presidente, que está ocupando a pasta da Guerra uma pessoa de quem tenho as melhores referências, e assim chamo a atenção de S. Ex.ª para o assunto, que na verdade é bastante melindroso.
Como a Câmara sabe, foi resolvido que íôssem considerados mutilados de guerra todos aqueles que perderam membros, como seja um braço, uma perna, etc.; porém, o que é um í acto é que muitos há que, se bem que não estejam nestas circunstâncias, se encontram tuberculosos pela intoxicação dos gases, não estando no etntanto ao abrigo do artigo 6.º, alínea A, da lei n.º 1:170.
Quando em Agosto se votou a lei n.º 1:464, e depois a lei n.º 1:467, fui eu que fiz com que fôsse atendida a situação dos tuberculosos, o pelo relator do projecto de lei, um ilustre membro desta Câmara que já agora não posso averiguar quem fôsse, me foi dito que os estropiados seriam incluídos no artigo 1.º da lei n.º 1:464, que era para atender aos tuberculosos.
Pois em virtude da deficiência do texto da lei n.º 1:467, alínea A, continuam os mutilados tuberculosos a ser inteiramente excluídos de todos os benefícios.
O Sr. Francisco Cruz (interrompendo): — Peço licença para chamar a atenção do Sr. Ministro da Guerra para o seguinte: houve heróis da guerra que foram demitidos do exército, os quais são mutilados.
Embora sejam monárquicos, são portugueses que foram à guerra e, portanto, são mutilados, como os outros republicanos.
O Orador: — Mas sucedem situações de injustiça revoltantes, como a que é contada numa carta de um mutilado, homem no último grau de tuberculose e que sofreu a intoxicação pelos gases na França, ao mesmo tempo que um sargento na mesma trincheira e no mesmo combate perdeu dois dedos.
E melhor que eu leia a sua carta que é muito mais eloquente, do que aquilo que eu pudesse dizer.
Parece-me que se trata de um esquecimento, por isso que ao votar-se a lei n.º 1:464 nos foi garantido que ficava regulada a situação dos tuberculosos. Mas a verdade é que o texto que foi daqui para o Senado e a maneira como a lei saiu aprovada deixa na mesma situação aqueles que tinham contraído a tuberculose nas trincheiras, e que não têm hoje nenhum benefício, pois estão incluídos no artigo 6.º da lei n.º 1:467, alínea b).
Hoje o sargento que perdeu dois dedos está tenente, em resultado do benefício da lei n.º 1:464, e o outro que, em virtude da mesma granada, que o entoxicou, está completamente inutilizado, continua na mesma situação de sargento, não beneficiando nada.
Parece-me que êste caso de insuficiência da lei precisa ser imediatamente atendido, e por isso permito-me, quanto a esta parte insuficiente da lei, mandar para a Mesa um projecto, constante de um artigo, concedendo aos tuberculosos da guerra as mesmas regalias que são dadas aos mutilados.
Com respeito à insuficiente o complicadíssima burocracia, ouso chamar a atenção do Sr. Ministro da Guerra, de cujas qualidades e dotes de inteligência eu tenho ouvido falar unanimemente com elogio, certo do que há-de atender o que fôr de justiça.
Página 6
6
Diário da Câmara dos Deputados
Espero que S. Ex.ª não hesitará, e até certamente encontrará no País um movimento de opinião de ver até com simpatia um acto de ditadura da parte de S. Ex.ª no sentido de resolver êste assunto, de uma maneira imediata.
Esta situação intolerável não pode prolongar-se e deve merecer a atenção de todos nós.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador,, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Francisco Cruz não fez a revisão do seu àparte.
O Sr. Ministro da Guerra (Oscar Carmona): — Vou responder ao Sr. Dinis da Fonseca.
Não conheço o assunto suficientemente para poder dar uma explicação categórica do que só tem passado, porquanto posso dizer que negócios de importância aos quais não podia deixar de dar toda a atenção, têm impedido que me ocupo dos mutilados.
O que S. Ex.ª disso acêrca dêste assunto está em harmonia com o meu pensar. Encontrei-me perante factos consumados. Não pude ainda fazer nada. Irei estudar êsse assunto, mas desde já posso dizer a S. Ex.ª que não será necessário lazer sôbre esta questão ditadura.
Estou convencido de que toda a Câmara me auxiliará, no sentido de se promulgar qualquer medida que resolva ràpidamente êste assunto.
O Sr. Dinis da Fonseca (interrompendo): — Quando me referi a ditadura não queria significar que o Sr. Ministro da Guerra usasse de qualquer acto de ditadura, mas apenas que interviesse no sentido de aligeirar os processos burocráticos que no nosso país são morosos. Bastará dizer que a primeira lei é do 1921 e até agora os mutilados não obtiveram cousa nenhuma.
O Orador: — Dedicarei toda a minha atenção a êsse assunto.
Quanto ao projecto de lei que o Sr. Deputado apresentou, julgo-o razoável e justo.
O Sr. Presidente: — Consulto a Câmara sôbre a urgência requerida pelo Sr. Dinis da Fonseca para o seu projecto de lei.
Foi aprovada a urgência.
Vai adiante por extracto.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Ministro da Guerra para uma série de anomalias do decreto n.º 9:246, que foi publicado em 12 de Novembro de 1923.
Os que estão dentro da lei têm menos do que aqueles que estão de fora; e assim temos o director da aeronáutica, que deve ser um oficial superior com breve, ter 70$ de gratificação, e o adjunto, sem breve, ter 175$.
Não posso deixar de chamar a atenção do Sr. Ministro da Guerra.
Diz se que é para prover hipóteses.
Eu chamo a atenção do Sr. Ministro da Guerra, certo que S. Ex.ª tomará as providências necessárias para terminarem estas anomalias.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro da Guerra (Oscar Carmona): — O Sr. António Maia, ocupou-se de um assunto que tem merecido a minha atenção, porquanto na verdade as gratificações a que S. Ex.ª se referiu, provenientes do decreto n.º 9:246, apresentam anomalias, que na verdade merecem a minha atenção e eu mesmo sei de vários exemplos bem significativos.
Não quero lançar as culpas para ninguém, mas o facto é que eu tenho êsse critério, que mo parece ser o melhor.
Eu ponho em primeiro lugar os oficiais que lidam com o soldado e com as mil dificuldades e responsabilidades de todos os momentos.
Apoiados.
Logo a seguir os que se ocupam pròpriamente dos assuntos militares mais ligados com aquele, e finalmente os que estão afastados das fileiras.
Apoiados.
Parece me êste o melhor critério.
Apoiados.
Página 7
7
Sessão de 4 de Dezembro de 1923
O aspecto mais importante é aquele em que S. Ex.ª diz de haver oficiais fora da lei. Se estão fora da lei, metem-se dentro da lei.
O Sr. António Maia (em àparte): — Chamo a atenção de V. Ex.ª para a disposição 5.ª da O. E. n.º 11 de 1918, que diz respeito ao decreto com fôrça de lei n.º 1:429.
O Orador: — Cumpre-me dizer a S. Ex.ª e à Câmara que é meu propósito estar sempre dentro da lei e obrigar os meus subordinados a seguir o meu exemplo.
Eis o que, por agora, tenho a dizer ao Sr. António Maia.
O Sr. António Maia: — Pedi a palavra para agradecer ao Sr. Ministro da Guerra a sua resposta, que registei com prazer, sobretudo a afirmação feita por S. Ex.ª de que era sua intenção conceder maior gratificação aos oficiais que comandassem tropas.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: — Eu pedi a palavra, Sr. Presidente, ao ouvir o Sr. António Maia afirmar que havia oficiais fora da lei.
A resposta do Sr. Ministro da Guerra deixou-me, porém, absolutamente tranquilo, na certeza de que a lei será inexoravelmente cumprida.
O orador não reviu.
O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: pedi a palavra para em meu nome pessoal e, ainda, em nome do Partido Republicano Português, enviar para a Mesa uma proposta para que fique consignado na acta um voto de saudação à Sociedade das Sciências Médicas pelo seu primeiro centenário.
Decerto não ignora a Câmara que essa antiga e prestimosa sociedade, que albergou no seu seio muitas das grandes autoridades médicas dos últimos tempos, tais como Manuel Bento de Sousa, Serrano e outros, tem prestado ao País os mais relevantes e humanitários serviços. Não seria, por isso. justo que o Parlamento deixasse passar a comemoração do primeiro século de existência dessa importante e valiosa colectividade, sem dar uma prova do interêsse, do respeito e da simpatia que ela lhe merece.
Proponho, também, que na acta seja exarado um voto de saudação aos promotores da fundação do Instituto de Estudos Urológicos, cujos trabalhos irão exercer uma benéfica e necessária influência no nosso País, sob êsse aspecto num estado primitivo e quási selvagem, com uma cota de morbilidade cada vez mais notável, no momento, em que em quási todos os países ela tem decrescido sensivelmente.
O voto de saudação que acabo de propor representará o incitamento do Parlamento da República a esta nova modalidade da actividade scientífica entre nós.
E, Sr. Presidente, já que estou no uso da palavra, proponho ainda um voto de saudação ao Congresso das Associações Industriais e Comerciais.
Por muito grande que seja a minha discordância da acção desenvolvida por essas associações, eu não posso todavia, desinteressar-me duma iniciativa que tende a dar solução a alguns dos mais importantes problemas que presentemente afligem a sociedade portuguesa.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas, que lhe foram enviadas.
São lidas na Mesa as propostas de saudação.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Pedi a palavra para declarar, em nome dêste lado da Câmara, que me associo aos votos de saudação pelo centenário da Sociedade das Sciências Médicas e ao Congresso das Associações Industriais e Comerciais.
A Sociedade de Sciências Médicas reúne em seu seio as maiores celebridades da sua classe.
Ainda há poucos dias o Sr. Dr. Costa Sacadura realizou uma conferência a propósito do decréscimo de natalidade, chamando a atenção do País para que os Govêrnos tomem as medidas necessárias para evitar ou reprimir o descrescimento da população.
Associo-me com todo o entusiasmo ao voto proposto de saudação ao Congresso das Associações Comerciais e Industriais,
Página 8
8
Diário da Câmara dos Deputados
e não posso deixar de especializar nesse Congresso a forma como decorreu a sua última sessão.
Êste lado da Câmara associa-se à proposta do Sr. João Camoesas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Juvenal de Araújo: — A minoria católica associa-se ao voto, proposto pelo Sr. João Camoesas.
Com efeito, no Congresso das Sciências Médicas não se tratou apenas do teses que interessassem as sciências médicas, mas trabalhou-se com um fim altamente social, especializando o trabalho apresentado pelo Dr. Costa Sacadura acêrca do decréscimo da população, que é um problema fundamental para o País.
O Congresso das Associações, ora reünido, trata de assuntos do maior interêsse nacional.
Nos trabalhos feitos tomaram parte alguns membros do actual Gabinete e estou certo de que o contacto dos homens do Govêrno com as fôrças vivas da Nação deve dar um resultado benéfico para o momento nacional que passa.
Por todas estas razões, a minoria católica associa-se às saudações propostas pelo Sr. João Camoesas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (Oscar Carmona): — Em nome do Govêrno, associo-me à proposta em discussão.
O orador não reviu.
Foi aprovada a proposta por unanimidade.
O Sr. Pires Monteiro: — Em primeiro lugar apresento ao ilustre oficial do exército que sobraça a pasta da Guerra o testemunho da minha consideração e respeito, e ao mesmo tempo ao Partido Nacionalista por contar entre os seus correligionários um oficial tam ilustre.
Devo salientar, nestes cumprimentos, a espontaneidade com que S. Ex.ª na última sessão esclareceu o caso da fuga de presos do forte de S. Julião da Barra, dando ao País a certeza do que os indivíduos inimigos da sociedade, quando sob a guarda do exército, o País pode contar com a sua defesa.
Há dias dirigi uma nota de interpelação ao Sr. Ministro da Guerra, esperando que S. Ex.ª se dê por habilitado antes da discussão do orçamento do Ministério da Guerra, pois que os alvitres e a orientação que tenciono expender nessa altura, se com êles concordar o nobre Ministro da Guerra, constituirão a garantia de que, com uma maior economia, poderemos conseguir uma maior eficiência das instituições militares.
Sr. Presidente: pedi a palavra especialmente para invocar os nobres sentimentos do Sr. Ministro da Guerra, solicitando-lhe, não como um pedido de carácter pessoal, mas como um pedido que em nome do País posso formular, que seja negado deferimento, nos termos que o Sr. Ministro da Guerra tiver por mais convenientes, a um requerimento que há dias foi feito a S. Ex.ª por um dos mais ilustres oficiais de exército, o coronel Luís Augusto Ferreira Martins.
Não se torna necessário salientar os serviços militares e civis que o coronel Ferreira Martins tem prestado ao exército e à República.
Logo que a República foi proclamada, o coronel Ferreira Martins, que não era um republicano histórico, nem mesmo era conhecido nos meios políticos, aceitou um lugar da maior responsabilidade. Era então simples capitão; colaborámos ambos, sob a direcção do actual general Sr. Roberto Baptista, nas medidas necessárias para garantir a ordem no norte do País quando se deram as chamadas incursões monárquicas.
Tive depois a honra de ser seu subordinado, notando sempre as suas altas qualidades de saber e competência, uma nobre isenção em todas as suas atitudes, uma lealdade e uma camaradagem que absolutamente captivam.
É minha convicção que no espírito do Sr. Ministro da Guerra, oficial distinto e cheio de serviços ao exército, oficial estudioso e trabalhador, que tem servido dedicadamente em todas as comissões de serviço, se acha assente a idea de que o requerimento a que me referi não pode vir a ser deferido, se é que não foi já proferido qualquer despacho no sentido do o coronel Martins continuar nas fileiras.
Êsse oficial, o mais perfeito equilíbrio
Página 9
9
Sessão de 4 de Dezembro de 1923
mental que tenho conhecido, sentiu-se profundamente melindrado com a nomeação de um outro para um cargo que reclamava.
Era Ministro das Colónias o ilustre Deputado Sr. Rodrigues Gaspar, que, se não dou despacho favorável ao coronel Ferreira Martins, foi certamente porque a tal o determinaram razões de absoluta fôrça maior.
Proferindo palavras de justiça, não estou procurando servir uma causa individual, mas a própria República. De resto, era necessário que aqui se dêsse uma pública satisfação das razões ou das circunstâncias que levaram o coronel Ferreira Martins a pedir a sua demissão. Foi especialmente por êste motivo que me inscrevi e que ocupei por alguns minutos a atenção da Câmara, à qual agradeço o interêsse com que me ouviu; mas, desde que estou no uso da palavra, devo ainda pedir ao Sr. Ministro da Guerra que se não esqueça da regulamentação necessária e imediata da verba de 50 contos, inscrita no Orçamento como destinada a melhorar a instrução militar preparatória que, efectivamente, não existe no nosso exército, e sem a qual as instituições militares não podem ter a conveniente eficácia.
O Sr. Presidente: — Previno o Sr. Pire? Monteiro de. que já terminou o espaço de tempo durante o qual poderia usar da palavra.
O Orador: — Se V. Ex.ª me dá licença, falarei apenas mais dois minutos.
Vozes: — Fale, fale.
O Orador: — Sr. Presidente: ainda desejo chamar a atenção do Sr. Ministro da Guerra para o facto do ter sido estabelecida no orçamento do Ministério da Guerra a verba de 343. 600$ para o conserto de cento e três viaturas que estão no Parque Automóvel Militar, verba que está sendo entregue aos duodécimos, o que não permite que o director daquele estabelecimento possa satisfazer o compromisso que tomou para com o Sr. Ministro da Guerra de então, e que eu também aqui tomei como relator do orçamento do Ministério da Guerra, segundo o qual essas cento e três viaturas, uma vez reparadas, seriam imediatamente vendidas por perto de mil contos, o que daria um lucro importante para o Estado.
Sei que essas viaturas não tem sido consertadas porque a Contabilidade, entendo que a verba a que me referi deve ser, entregue em duodécimos.
E, pois, necessário que o Sr. Ministro da Guerra a tal respeito tomo providências, e sôbre o caso eu empenho-me extraordinariamente, visto ter obtido um voto favorável do todos os lados da Câmara para a inscrição da verba de 343. 600$ no Orçamento.
Não quero abusar da amabilidade que a Câmara teve para comigo, consentindo que usasse da palavra por algum tempo além dos dez minutos regimentais, e simplesmente peço ainda ao Sr. Ministro da Guerra, como já o pedi ao Sr. Ministro da Instrução, que mando regulamentar imediatamente a lei n.º 1:466, de 18 de Agosto de 1923, lei que necessita ser regulamentada para produzir os seus efeitos o que não favorece os estudantes das escolas superiores, mas, especialmente, as instituições militares o a República, permitindo que homens do uma certa cultura venham a ser oficiais milicianos do exército português.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro da Guerra (Oscar Carmona): — Sr. Presidente: em resposta ao Sr. Pires Monteiro, que tratou de numerosos assuntos, procurarei ser o mais metódico e o mais breve possível.
Em primeiro logar referiu-se S. Ex.ª à minha filiação partidária, o eu devo dizer a S. Ex.ª que não tenho filiação partidária. Efectivam ente, até hoje tenho-mo conservado constantemente afastado dos partidos políticos e entendo que, como oficial, é êsse o meu dever, o que não implica censura para ninguém.
Trata-se do um critério pessoal que tenho sempre seguido e que tenciono seguir até ao fim da minha vida, mas, sempre que me chamarem para qualquer serviço em que me garantam que poderei vir a ser útil ao País, estarei disposto a
Página 10
10
Diário da Câmara dos Deputados
desempenhá-lo. Foi assim que a questão me foi posta e, nestas circunstâncias, o Partido Nacionalista pode contar com a minha lealdade como se fôsse um dos seus mais leais partidários.
O outro ponto em que Sr Ex.ª tocou foi o que diz respeito à evasão dos presos da Torre de S. Julião da Barra. Efectivamente, eu entendi necessário, para bem do País e da disciplina militar, mostrar o cuidado e interêsse que houve em todo o pessoal do Campo Entrincheirado em cumprir todas as ordens para evitar a repetição dêsse infeliz acontecimento.
Eu já disse à Câmara que não havia possibilidade de evitar uma cousa que não se podia prever. Mas aproveito a ocasião para prestar as minhas homenagens ao Sr. governador do Campo Entrincheirado, que é um oficial que me merece toda a confiança e consideração.
Apoiados.
Outro ponto em que S. Ex.ª tocou é o que diz respeito ao coronel Sr. Ferreira Martins. Esto ponto é que é para mim muito agradável. Eu não tenho palavras para fazer o retraio dêsse ilustre oficial como S. Ex.ª o fez; limito-me, portanto, a aceitar as de S. Ex.ª de todo o coração, porque conheço o coronel Ferreira Martins desde rapaz, quando éramos alunos do Colégio Militar, o tenho sempre mantido contacto com êle pela vida fora, vendo que S. Ex.ª sempre se tem mantido num campo de honestidade e trabalho digno de nota, sendo um dos oficiais mais ilustres do nosso exército.
Apoiados.
V. Ex.ª, Sr. Presidente, pode imaginar as circunstâncias em que me encontrei quando fui para o Ministério da Guerra e encontrei um requerimento do coronel Ferreira Martins pedindo a demissão de oficial do exército. Chamei S. Ex.ª e declarei-lhe que todos os Ministros da Guerra podiam dar-lhe a demissão menos eu, porque conheço muito bem as suas altas qualidades sob todos os aspectos.
S. Ex.ª apresentou vários argumentos contra à minha opinião, mas êles não me convenceram, o então lancei no sou requerimento, que tenho presente, o seguinte despacho:
«Indeferido tendo em vista os relevantes serviços prestados pelo requerente ao exército, a confiança que sempre tem merecido dos Govêrnos da República, pela lealdade demonstrada ao serviço das suas instituições e a dedicação com que tem servido a Pátria, razões estas mais que bastantes para que o exército deva continuar a contar com a sua competência nunca desmentida.
28 de Novembro de 1923. — Carmona».
Com franqueza eu não soube escrever melhor, mas com estas ou outras palavras eu desejava mostrar as grandíssimas qualidades que reconheço nesse oficial.
Apoiados.
Mas o Sr. Pires Monteiro preguntou porque foi que êste requerimento apareceu no Ministério da Guerra. S. Ex.ª já o explicou, mas acho necessário frisar melhor essa explicação.
O coronel Sr. Ferreira Martins, tendo sido criado o lugar de chefe dos serviços militares da província, de Macau, ofereceu-se, pelas vias competentes, para o ir testempenhar, mas o seu requerimento obteve o seguinte despacho que vou ler à Câmara;
«Mandado arquivar por o lugar requerido estar preenchido».
Ora o Sr. Ferreira Martins garantiu-me que tem razões para supor que na ocasião em que fez o seu requerimento ainda não havia ninguém nomeado, e foi daí que veio naturalmente a sua mágoa por ver que assim se tinha pôsto de parte, talvez por desconhecimento, a sua brilhante folha de serviços.
E êste o facto, que não critico e simplesmente apresento à Câmara. Agradeço, porém, ao Sr. Pires Monteiro o ter tocado neste ponto para mais uma vez poder manifestar a minha simpatia pelas altas qualidades dêsse militar.
Outro ponto em que o Sr. Pires Monteiro tocou, e ao qual posso felizmente já dar uma resposta satisfatória, é o que se refere aquela verba do 840 contos destinada ao arranjo de certas viaturas desnecessárias para o Exército, mas que devidamente consertadas podiam depois de vendidas produzir um lucro grande para o Estado. A verba foi autorizada, mas S. Ex.ª estranhou que ela fôsse dada em duodécimos.
Página 11
11
Sessão de 4 de Dezembro de 1923
O Sr. Pires Monteiro: — V. Ex.ª dá-me licença? É que eu para conseguir da Câmara essa verba tomei perante ela a responsabilidade de que êsse concerto se faria em oito meses e o produto da venda das viaturas daria um lucro para o Estado de 348 contos.
Ora agora, falando com o Director do Parque Automóvel, soube por êle que ainda não se tinha podido fazer o conserto porque a Contabilidade Pública só lhe dava a verba por duodécimos.
O Orador: — V. Ex.ª pôs a questão muito bem, mas desde já posso garantir a V. Ex.ª que a Contabilidade Pública vai dar a verba global que o Parlamento votou.
Apoiados.
O último ponto em que S. Ex.ª tocou foi o da Instrução Militar Preparatória, falando na falta de cumprimento da lei n.º 1:346 e na falta de entrega da verba de 50 contos para essa instrução.
Com respeito à lei n.º 1:346, devo dizer que já hoje nomeei o oficial para presidir à comissão encarregada de regulamentar essa lei. Relativamente à verba de 50 contos, eu já dei pressa para êsse assunto se resolver.
Creio ter respondido a todos os pontos em que o ilustre Deputado tocou.
Tenho dito.
O Sr. Rodrigues Gaspar: — Sr. Presidente: o ilustre Deputado Pires Monteiro fez-me referências acêrca dum requerimento feito pelo ilustre oficial do nosso exército Sr. Ferreira Martins para ocupar um lugar de chefe do estado maior da província de Macau.
Devo, realmente, uma explicação a S. Ex.ª, visto que lamento do fundo da alma que se dêsse o caso de aquele ilustre oficial ter pedido a exoneração de oficial, fundando-se na circunstância de não ter sido nomeado para Macau.
Sr. Presidente: veio uma proposta de Macau para ser nomeado um oficial para chefe do estado maior da província. Quando chegou essa proposta, o oficial do estado maior, único que se tinha oferecido no Ministério das Colónias, era o oficial Viana, que tinha sido chefe do estado maior das fôrças expedicionárias a Moçambique.
Eu pregnntei telegràficamente ao Sr. Governador de Macau se aceitava êsse oficial que se tinha oferecido, satisfazendo as condições necessárias.
Há, por consequência um caso perfeitamente claro, de que quando realmente tive a proposta de Macau não havia qualquer requerimento do Sr. Ferreira Martins, o não sei se mais algum haveria.
O que é facto é que se não estabeleceu qualquer concurso no Ministério para ir buscar o oficiai que mais garantias dêsse.
A entrada do oficial Viana não pode significar do maneira alguma uma falta de consideração pelo Sr. Ferreira Martins, como para qualquer outro oficial também distinto.
E realmente de lastimar que qualquer facto se tenha passado de molde a poder dar o convencimento ao coronel Sr. Ferreira Martins de que tinha havido para com S. Ex.ª uma falta de consideração, que não podia haver, e que eu era incapaz de ter para com S. Ex.ª, por ser um oficial tam distinto, a quem o País e a República tanto devem.
Tenho dito.
É aprovada a acta.
É concedida licença ao Sr. António Meda.
O Sr. Presidente: — Tendo falecido o pai do antigo Deputado Sr. Carneiro Franco, proponho que se lance na acta um voto de sentimento pela sua morte.
Aprovado.
ORDEM DO DIA
Continua o âebatc sôbre a interpelação do Sr. Paiva Gomes acêrca do empréstimo de 400:000
O Sr. António da Fonseca (que ficara com a palavra reservada): — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª o favor de me enviar a moção do Sr. Paiva Gomes.
Peço a V. Ex.ª licença para fazer uma pequena referência às considerações que produzi na passada sessão legislativa.
Procurei demonstrar que a operação realizada pelo Sr. Ministro das Finanças com os Bancos era uma operação que se caracteriza nitidamente como um empréstimo caucionado.
Sr. Presidente: sustentei, e em apoio da minha interpretação, que a circunstân-
Página 12
12
Diário da Câmara dos Deputados
cia, que julgo que é absolutamente característica, de se ter escolhido uma determinada divisa cambial não podia significar que se tratasse duma compra a prazo ou simples reports, mas que importava uma operação de empréstimo apenas.
Do resto, V. Ex.ª não ignora que da palavra dita logo na ocasião da celebração do contrato o durante o curso das negociações, a respeito quer do pagamento quer dos juros; é exclusivamente a palavra «cedência», e que é correspondente ao empréstimo, visto que havia a restituição, que é também uma das características do empréstimo.
Trata-se pois dum empréstimo cancionado, tendo-se estabelecido que a caução seria a que resulta do valor das libras em escudos na época da operação.
Aprovei a atitude das repartições públicas em relação a esta operação, e notavelmente em relação à questão dos juros em proporção ao despacho final Peres Trancoso.
Tinha que falar neste ponto essencial.
O prazo era de um mês.
Depois passou-se a fazer, informação sob pedido, e com dependência de pedido, a fazerem-se as prorrogações.
Lançou-se esta informação, absolutamente extraordinária, de se poder fazer a prorrogação sem mais encargos.
Pode interpretar-se no sentido de serem encargos futuros.
Nós chegamos ao chamado despacho do sr. Peres Trancoso.
Depois de não haver o costume de pedir prorrogação, aparece esta questão.
Não posso deixar de salientar esta coincidência notável de, pela primeira vez nesta operação, aparecerem três interessados pedindo a mesma cousa.
As prorrogações pedidas do tempo do Ministro Sr. Rêgo Chaves eram pedidas individualmente.
Depois começa a haver pedidos de três meses e de seis, e cada um faz o pedido sem nenhuma espécie de conformidade. Cada um trata de si, a repartição de todos. O Ministro despacha.
Quando aparecem pedidos são pouco antes do prazo findar.
E muito curioso que no processo prazo exista uma nota lançada a lápis que consta do processo.
É a primeira vez que isto acontece num processo. Ficamos sem saber se, de facto, isto será absolutamente legítimo — o que não quere dizer que o não seja, mas pareço que houve realmente o desejo de fazer prorrogações. Parece que se falou nisso ao Ministro das Finanças, e como êste porventura declarasse que seria possível, veio então o primeiro pedido em 14 e pedidos, semelhantes em 16 e 17. Reunidos os podidos, a repartição competente fez uma exposição dizendo ao Ministro que a prorrogação pedida era inteiramente de deferir.
Sr. Presidente: não posso deixar de fazer também uma observação: que é esta, todos os pedidos de prorrogação foram sistematicamsnte confirmados, esquecendo-se que a situação cambial se poderia agravar, o que colocaria as casas devedoras numa situação mais melindrosa quando tivessem de entrar com o dinheiro.
E lamentável que não tivesse surgido ao espírito das pessoas nua deram a informação que havia uma maneira de liquidar esta operação, sem que fôsse necessário ir à pressa comprar libras. E a maneira para muito simples: bastaria fazer a liquidação ao câmbio do dia, o que para o Estado era a mesma cousa. Logo, se o Estado quisesse receber em escudos, não havia motivo para que as prorrogações se dessem.
Nunca tive ocasião de lamentar a circunstância de não ser Ministro da República em vez nenhuma da minha vida; há, todavia, um caso em que eu lamento não ter sido Ministro mais algum tempo. Foi quando desempenhei o lugar de Ministro das Finanças. Como não se venceu nenhum juro, nem se venceu pagamento, não havia necessidade de intervir e, portanto, nunca conheci êste processo directamente, a não ser em 1920. Recordo-me, porém, que nessa época havia uma pessoa qualquer interessada no processo, a qual me veio procurar para me pedir que eu tivesse em atenção certas e determinadas circunstâncias que alegava naquele momento, a fim de eu dar a operação como liquidada, não se falando mais na questão das libras, tomando-a como um simples contrato de compra.
Nessa altura, disse que me parecia que o Estado não tinha em mim lucrar com a diferença mas sim a certeza de que o Sr. Rêgo Chaves, então Ministro
Página 13
13
Sessão de 4 de Dezembro de 1923
das Finanças, ou outro qualquer fôsse, quem fôsse, podia ter todos os intuitos, menos o de especular com cambiais. É a verdade é que se os Govêrnos, nessa altura, queriam reprimir a especulação e modificar o regime do comércio de moeda estrangeira, não era natural nem lógico que o Ministro fôsse fazer uma operação de especulação. O Estado só tinha uma posição, a de perder, e então todos achavam isso óptimo; se não ganhasse nem perdesse, ainda estaria bem; mas se o Estado ganhasse, aqui del-rei, que êle não podia ganhar e todos protestavam. Coloca-se sempre o Estado numa posição que não pode fazer nem operação de especulação, nem que obtenha lucro, querendo-se apenas que sofra prejuízo.
Se eu fôsse, pois, Ministro nessa ocasião, não consentia na prorrogação, e o pagamento devia ser feito, convicto do que os devedores haviam de ser mais tarde os primeiros a agradecer-me a violência — se é que se podia chamar violência — de os obrigar a proceder à imediata liquidação. Não fui Ministro porque uma greve do funcionalismo fez com que eu deixasse de o ser, senão teria procedido como indiquei. Os Ministros que me sucederam pensaram diferentemente para colocarem as casas devedoras em condições mais favoráveis.
Sr. Presidente: foi esta a demonstração que fiz pouco mais ou menos da última vez que falei para apreciar os pareceres do. Conselho Superior de Finanças e dá Procuradoria Geral da República.
Muito desejaria que alguém do Govêrno anterior, que se encontre porventura presente, dêsse um pouco de atenção às minhas palavras, pois no meu espírito existem dúvidas que gostaria que mo fossem explicadas.
Sr. Presidente: o Govêrno de que fez parte o Sr. Portugal Durão dirigiu uma consulta ao Conselho Superior de Finanças, à qual já tive ocasião de me referir. Nessa consulta, que é deveras curiosa, faz-se referência a informações do Sr. Cunha Leal, e a verdade é que delas se deduz que S. Ex.ª modificou o sistema de não pagar juro pelo do pagar alguma cousa.
Porem, a resposta dada pelo Conselho Superior do Finanças versa sôbre a forma de regular, o capital, e não sôbre a forma de regular o juro que era, efectivamente, o que, se havia preguntado.
Mas o Conselho de Ministros não se conformou com a resposta, e foi do parecer que fôsse feita nova consulta, não apenas sôbre a questão do juro, mas também sôbre a do capital.
O Conselho respondeu que se deveria exigir o pagamento, sem qualquer aumento, isto com o fundamento de que o juro e o capital andam sempre numa dependência funcional.
Sr. Presidente: não posso deixar de me felicitar pelo despacho que foi dado pelo Sr. Cunha Leal, que S. Ex.ª já aqui classificou do inteligente, o é verdade, visto que impõe, por assim dizer, o reconhecimento de uma dívida que poderia não existir.
Mas, suponha a Câmara que semelhante despacho não existia, e não existindo êsse despacho, com o do Sr. Pina Lopes, acabando o juro, acabaria a dívida.
Ora, salvo o devido respeito, é exactamente o contrário. Quando acaba a dívida é que acaba o juro.
Quando eu devo alguma cousa a alguém, com a obrigação de pagar juro, só deixo de o satisfazer quando tenha satisfeito toda a importância emprestada. O contrário não; porque se por benevolência ou amizade do credor não pago juros, não deixo por êsse facto de ter obrigação de pagar a dívida.
Sr. Presidente: como a Câmara vê, não tem nada uma cousa com a outra, e torna-se necessário destrinçar o juro do capital.
A Câmara dos Deputados está no seu direito de dizer que, a partir dotal data, o juro deixa de ser pago ou que está essa pessoa dispensada de pagar a dívida, mas isso tem do ser dito de outra forma, a qual seria de que a dívida estava liquidada e que o processo ia ser arquivado.
Sr. Presidente: salvo o devido respeito, o parecer do Conselho Superior de Finanças não tem sciência nem consciência: é um documento que, servindo mo da linguagem plebeia, não tem ponta por onde se lho pegue.
Nesta questão há um do dois extremos: ou temos do considerar que a operação está liquidada, ou, no caso contrário, tem de ser resolvida consoante os
Página 14
14
Diário da Câmara dos Deputados
tormos que o Sr. Paiva Gomes preconiza na sua moção.
Eu compreendo que amanhã haja o desejo de entrar numa conciliação, por qualquer processo, mas, o que é verdade, é que isso sai imediatamente fora do âmbito do acôrdo estabelecido.
E uma operação, uma nova maneira de fazer um contrato, uma nova maneira de encarar determinada situação; mas não é, de forma alguma, a execução do que estava feito inicialmente, e só isso é que deve ser executado.
Não posso deixar de achar absolutamente estranho que todos os despachos que têm sido lançados sôbre o processo tenham tido integral execução, excepto o inicial.
Ouvi dizer já a várias pessoas que conhecem a operação desde o inicio, que um dos pensamentos do Sr. Rêgo Chaves era o de realmente pôr em giro essas libras, sem deminuir a sua posição em Londres nem os interêsses do Estado.
O contrato está perfeitamente f"n harmonia eqm os Termos da legislação em vigor, e portanto tem de ser integralmente cumprido.
É indispensável regularizar esta situação de alguma maneira e não vejo qualquer resolução melhor do que aquela que se contém no despacho do Sr. Rêgo Chaves.
Ainda depois de ouvir o parecer do Conselho Superior de Finanças, o Conselho de Ministros teve dúvidas, e mandou consultar a Procuradoria Geral da República acêrca da natureza jurídica das operações realizadas pelo Estado.
Ora eu pregunto: como é que o Conselho de Ministros, tendo a presidi-lo o Sr. António Maria da Silva — que exactamente tinha sido Ministro das Finanças que impusera ao Banco Colonial o pagamento integral das libras — teve dúvidas neste momento sôbre a natureza jurídica da operação, e não manifestou essas mesmas dúvidas quando fez a imposição ao Banco Colonial para o pagamento das libras?
É absolutamente incompreensível.
Interrupção do Sr. Abranches Ferrão, que não se ouviu.
Eu pregunto se era oportuno o que fez o Sr. António Maria da Silva, obrigando o Banco Colonial.
A Procuradoria Geral da República acêrca do caso respondeu com o artigo do Código.
Porque não se há-de considerar o caso de natureza jurídica para os três Bancos da mesma forma que se considerou para o Banco Colonial?
Se havia dúvidas, era legítimo consultar o Banco. Porque é quedas mesmas dúvidas não surgiram então?
O Ministro da Justiça de então, o Sr. Abranches Ferrão, teve o cuidado de pôr bem a natureza jurídica da questão.
Àparte do Sr. Abranches Ferrão que não se ouviu.
O Orador: — Eu desejava saber a opinião do Ministro das Finanças, Sr. Velhinho Correia, acêrca do parecer.
O Sr. Velhinho Correia: — Eu sou contrário ao parecer da Procuradoria.
O Orador: — Eu desejava saber se V. Ex.ª s concorda comigo.
O Sr. Velhinho Correia: — Concordo. É absolutamente irregular.
O Orador: — A consulta à Procuradoria da República, deve dizer-se, tem alguma cousa que é necessário ponderar, como se vê da pregunta e se vê da resposta.
O Sr. Almeida Ribeiro: — A consulta englobava todos os contratos e a resposta era para todos?
O Orador: — A consulta é para todos. Embora não haja uma uniformidade de redacção em todas as cartas que são dirigidas ao Sr. Ministro das Finanças, o facto é que se procurou fazer com três ou u quatro casos a mesma operação.
Àparte a questão dos juros...
O Sr. Velhinho Correia: — A razão que encontro é haver certas diferenças de tempo entre essas operações.
O Orador: — Não tenho a certeza de que em um ou dois meses tivesse havido uma diferença na taxa de juros abonados pela casa Baring. Todavia, é natural que
Página 15
15
Sessão de 4 de Dezembro de 1923
o Sr. Rêgo Chaves nos saiba dizer qual é o motivo da diferença.
Trocam-se explicações simultaneamente entre o orador e os Srs. Almeida Ribeiro, Rêgo Chaves e Ministro das Finanças.
O Orador: — Vou ler o ofício em questão.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Aí mesmo se fala em duas operações.
O Orador: — Prova isso que os banqueiros nada percebem do direito e que até mesmo algumas vezes não sabem português.
O que li era do Banco Espírito Santo. Agora vou ler o do Banco Brasileiro.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — A mesma casa num ofício fala em cedência e em venda.
O Orador: — Ponhamos então a seguinte hipótese:
Uma casa pedia para comprar tantas mil libras e o Ministro não quis vendê-las, sendo então mais natural que essa casa pedisse que lhe fossem cedidas.
Trocam-se explicações entre vários Srs. Deputados que rodeiam o orador.
O Orador: — Eu tenho apenas o desejo de que se encontre para o assunto uma solução que seja legítima e moral.
Na realidade é uma operação do empréstimo caucionado.
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): — Leia V. Ex.ª o documento n.º 111.
O Orador: — Vou lê-lo.
Falta apreciar a consulta, e por ela se vê que é uma operação realizada com mútuo consenso.
Esta palavra «fornecer» enforma do mesmo mal que enfermou o Conselho Superior de Finanças; mas ante o despacho do Ministro das Finanças, Sr. Peres Trancoso, que ou vou ler à Câmara, o facto não representa renúncia, nem perdão — o que não pode ser. Mas na hipótese de que o Ministro podia dispor dos dinheiros do Estado, ainda neste caso a obrigação está em vigor por virtude do mesmo despacho, porque não há prazo marcado.
Quere dizer, teria de se pagar todos os juros em face dum despacho do Sr. Cunha Leal.
Pois muito bem; por aqui devia ficar o parecer, porque sendo a Procuradoria da República um corpo consultivo, não devia ir mais além do que dar o seu parecer sôbre a matéria jurídica sôbre que era consultada, assim como o Conselho Superior de Finanças foi além das suas funções.
Para abreviar as minhas considerações: entendo que a Câmara dos Deputados • não pode deixar de votar a moção do Sr. Paiva Gomes.
O pagamento dos juros tem de se fazer, porque o despacho ministerial do Sr. Cunha Leal o estabelece.
Mas êsse juro tem de ser pago desde que deixou de o ser até agora.
Àpartes.
A êste ponto se referiu o Sr. Paiva Gomes e também o Sr. Rêgo Chaves.
Tudo que não seja isto, parece-me que não é acautelar os interêsses do Tesouro Público, nem parece que possa ser outra cousa a resolução do Poder Executivo.
Realmente só uma nova reforma do acôrdo poderá de outro modo acautelar os interêsses do País.
Falta porém a competência para modificar êsse acôrdo pelo que se refere à questão da dívida.
Não me pareço que o Parlamento também o queira fazer.
Àpartes.
Juridicamente talvez o pudesse fazer, mas moralmente não o devia fazer.
É um contrato que está estabelecido e que os poderes públicos têm obrigação de observar, obrigando-se ao seu cumprimento.
Nestas condições, voto a moção do Sr. Paiva Gomes, esperando que com ela o Sr. Ministro das Finanças fique habilitado a lançar o seu despacho final para acabar esta questão, que já tem causado bastantes desgostos.
Mas nós estamos habituados a ver questões como esta o mais simples ainda tornarem-se complexas.
Há sempre a tendência grave para fazer acusações e suposições acêrca dos intuitos da administração pública.
Página 16
16
Diário da Câmara dos Deputados
Temos visto as insinuações que se fazem a propósito de tudo, e é portanto útil toda a política que se faça para fugir de situações desta natureza, arredando todo o procedimento que possa dar lugar a calúnias, e neste caso não pode haver outro intuito.
Termino as minhas considerações dizendo que dou o meu voto à moção do Sr. Paiva Gomes.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os àpartes não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Rêgo Chaves: — Sr. Presidente: por vários Srs. Deputados fui chamado a esta discussão, tanto pelo Sr. Paiva Gomes como pelo Sr. António Fonseca, que num discurso que fez afirmou a necessidade de eu esclarecer a Câmara sôbre o assunto em discussão.
Àparte do Sr. António Fonseca, que não pode ser ouvido.
O Orador: — Sr. Presidente: o que é certo é que esta questão já tem sido discutida nesta Câmara muitas vezes e na imprensa tem sido largamente debatida sob várias designações, como operação de empréstimo e outras, tendo sido citado muitas vezes o meu nome, de modo que o assunto é de todos sabido, e portanto eu, se não tivesse sido chamado à discussão e recebido indicação para prestar esclarecimentos à Câmara, não entraria no debate.
Assim sôbre esta questão, que tem tido vários nomes, vou fazer o meu depoimento, que outra cousa não considero as considerações que vou expor, usando do meu direito de, como Deputado, intervir com a minha opinião.
Sr. Presidente: o ponto final que se pretende pôr nesta questão da operação das 430:000 libras podia não ser o ponto final da questão.
Será o ponto final no meio político, adentro do Parlamento, mas pode não ser no meio em que êsse processo naturalmente há-de vir a ter seguimento e finalmente a última soluto, pois a verdade é que eu não posso deixar de expor o que entendo onde fôr chamado, para apresentar quaisquer declarações que porventura não tenham ainda sido submetidas à apreciação da Câmara, muito principalmente antes de ela ter tomado qualquer resolução sôbre a questão que se ventila.
Assim, Sr. Presidente, eu julgo do meu dever pôr a Câmara ao facto das circunstâncias que determinaram a operação das 430:000 libras.
Quando Ministro das Finanças, desde 28 de Julho do 1919, eu encontrei-me num. Ministério que teve sérias dificuldades sôbre o aspecto da ordem pública, tendo tido além disso sérias dificuldades sôbre a herança que foi deixada da célebre Agência Financial do Rio de Janeiro. Encontrei sérias dificuldades pela situação cambial, que tendia sucessivamente a agravar-se.
Foi portanto com estas dificuldades que eu geri a pasta das Finanças.
No princípio de Julho de 1919 tive conhecimento de que um Ministro das Finanças antõilur tinha contratado uma operação com uma entidade bancária inteiramente análoga a esta questão que agora se discute; porém, como no fim de Julho estava marcado o vencimento para essa operação, e como me tivesse sido solicitada pela entidade que tinha contratado com o Estado uma prorrogação, eu deferi a prorrogação da operação por trinta dias, tendo procedido assim por julgar útil, no momento em que a situação cambial tendia a agravar se, conservar sólida para o Estado uma entidade para a qual seria favorável o assunto.
Já vê, portanto, a Câmara que nesta operação em Julho, continuação de uma outra anterior, eu procedi por forma a manter adentro da praça uma entidade bancária importante que pudesse até certo ponto realizar a estabilidade cambial.
A minha preocupação, Sr. Presidente, nessa ocasião infelizmente foi um êrro, pois a verdade é que a situação cambial se agravou sucessivamente.
É do conhecimento de todos nós a enorme especulação levada a efeito à sombra do contrato com a Agencia Financial.
Sabendo eu que em torno dêste contrato estavam variadíssimas entidades bancárias, com excepção apenas de algumas com as quais não convinha ao Ministro acordar, natural era que eu quisesse manter essa aliança.
Página 17
17
Sessão de 4 de Dezembro de 1923
Ainda essa minha previsão correspondeu, infelizmente, a uma realidade, à realidade do agravamento cambial, de que é prova o facto do os pagamentos relativos a um crédito aborto para fornecimento do trigo terem sido feitos pela entidade bancária que os fez a uma divisa muito mais exagerada do que a prevista.
A situação criada ao Estado pelo contrato com a Agência Financial deu ainda o resultado de o Estado se ter visto na obrigação de pagar em Lisboa escudos por libras que eram depositadas em Londres, na época em que o número das transferências do Brasil e até da América do Norte aumentou consideràvelmente.
Considerando ainda que nesse tempo a situação do Estado era a de crescente carência de escudos, bastará lembrar que só em 2 de Janeiro se permitiu o aumento da circulação fiduciária, para a Câmara reconhecer que fortes razões havia para que o Ministro das Finanças pensasse seriamente na sua posição ouro e na sua posição escudos, procurando compensar uma com a outra de maneira a poder satisfazer as despesas do Estado.
Nas várias sondagens que o Ministro das Finanças fez então à praça vendendo libras, para ver se assim conseguia obter uma melhoria de câmbio, eu reconheci sempre que, fôsse qual íôsso a porção de libras que o Estado lançasse na praça, já mais conseguiria obter por êsse processo os desejados resultados.
Em Setembro de 1919 o Ministro das Finanças — que V. Ex.ªs têm de reconhecer como o chefe de uma determinada acção a exercer na praça, porque não pode viver isolado porque tem forçosamente de ter conversas, de delinear planos o de incutir esperanças — o Ministro das Finanças reconheceu a necessidade de estabelecer uma aliança com aquelas entidades bancárias que mais fora estavam de qualquer suspeição justa ou injusta — não interessa agora discuti-lo — para a efectivação do seu objectivo.
Eu sabia que algumas dessas entidades tinham necessidade do adquirir libras para satisfazer determinados compromissos da sua clientela.
Se elas se viessem adquirir a praça, evidentemente a situação cambial agravar-se-ia. Ao Ministro das Finanças competia evitar êsse agravamento.
Uma das entidades que figuram no processo em discussão tinha necessidade de adquirir no mercado 20:000 libras. Era, realmente, uma compra importante que se podia prestar a especulações.
Ora eu, que tinha nesse momento a situação ouro do Estado em condições de satisfazer essas 200:000 libras, resolvi entender-mo com a entidade em questão.
Àparte do Sr. António Fonseca que não se ouviu.
O Orador: — Eu estou inteiramente convencido de que, se há favor em todo êste processo, é dos Bancos ao Estado e não do Estado aos Bancos. Não há maneira de negar esta verdade.
O Sr. António Fonseca: — A jurisprudência não tem nada que ver com as circunstâncias que levaram o Ministro das Finanças a ceder as 200:000 libras.
O Orador: — É possível, mas é conveniente não esquecer a base moral de toda esta operação.
Eu não quis perder a minha posição. Podia ter vendido as 200:000 libras, e podia-as ter vendido porque o Estado precisava do escudos, mas se as tivesse vendido ficava em situação de inferioridade perante aqueles que especulavam com os fundos da Agência Financial do Rio de Janeiro.
Mas como podia ou alcançar a anuência do Banco? De uma única maneira: sugestionando o Banco que iria ganhar, porque a boa vontade do Govêrno e da Câmara, junto com as medidas que eu iria apresentar, acarretavam uma melhoria do câmbio.
Dirão S. Ex.ªs que eu assim daria lucro aos Bancos, mas o meu interêsse estava na melhoria do câmbio, porque se o Estado perdia em 200:000 libras, ganhava era milhões de escudos na economia nacional! Esta é a base moral da questão.
Preguntou o Sr. António Fonseca por que motivo havia juro nessa operação, e eu digo a S. Ex.ª que não há juros numa operação destas. Não se tratava de um contrato; tratava-se de um despacho que tinha a dar de momento e em que não podia representar as noções de jurisprudência como é costume dar em contratos. De resto, não queria que o Estado perdesse
Página 18
18
Diário da Câmara dos Deputados
a sua posição em Inglaterra e noutros Bancos estrangeiros. A operação, portanto, não do via ter juro.
O Sr. António Fonseca: — V. Ex.ª disse que não vendeu as. libras, que as poderia ter vendido, mas que não quis vendê-las.
O Orador: — Não queira V. Ex.ª tirar outras conclusões que eu não tiro. Com as minhas palavras apenas pretendo que a Câmara fique com conhecimento do espirito que regeu e das origens que motivaram o meu despacho, e isso me basta.
Ouvi dizer que a Câmara não tem o direito de dar outra resolução sôbre êste assunto senão aquela que resulte da sua análise fria.
Ora direi que mal irá a Câmara se não puder resolver esta questão também sob o ponto de vista moral.
Apoiados.
O juro que consta do meu despacho não representa uma característica de empréstimo.
Fui buscar êsse juro, para não deixar perder ao Estado uma situação criada. Eu pretendia apenas estabilizar a nossa situação cambial, porque de outra forma não haveria nenhum comprador portador do dinheiro equivalente à compra que ia fazer.
Nesse momento não havia motivo para tomarmos quaisquer outras obrigações.
O juro da casa Baring não foi proposto por mim; marquei apenas um prazo para reentrega das libras.
Evidentemente que de outro modo a vencia teria sido pura o simples, e a prova de que essa venda não foi pura e simples é que êsse prazo de trinta dias lá está marcado.
Sr. Presidente: chegamos agora à prorrogação da operação.
É êste o ponto mais importante do processo.
Tanto o Sr. António Fonseca como o Sr. Paiva Gomes, que analisaram peça por. peça, despacho por despacho tudo quanto está no processo das libras, só se esqueceram dessa única informação, o ela é basilar neste processo, reforçando todas as considerações que nele existem. Até agora é essa informação a única a que pessoa alguma se referiu.
Tem-se dito que a Direcção Geral da Fazenda Pública, representada por A e B, e representada por A e B porque vários têm sido os Directores Gerais da Fazenda Pública, tem-se dito, repito, que essa Direcção Geral anda adiante dos interêsses dos Bancos, adiante das suas pretensões, informando imediatamente o Ministro sôbre o caminho a seguir.
Ainda bem que sucede, reconhecer-se que da parte dessa Direcção Geral há a continuidade da operação, há o sentimento daquele compromisso moral que essa Direcção Geral sabe que eu tomei.
Todas as contradições caem pela base desde que V. Ex.ªs reconheçam que todas as informações não representam mais que a continuidade da acção, a satisfação dêsse compromisso moral.
Pois então entende-se que tendo passado por aquela pasta das Finanças tantos Ministros a nenhum sugerisse que a Direcção Geral da Fazenda Pública andava adiante dos interêsses dos Bancos, despachando todos êles no mesmo sentido?
Pois então nenhuma dessas entidades que tem estado naquela cadeira viu que a Direcção Geral da Fazenda Pública ia, adiante dos interêsses dos Bancos?
E que, Sr. Presidente, essa Direcção Geral informava antes de dar qualquer despacho.
Não vejo portanto nada de extraordinário nesse processo, nada absolutamente.
Não há uma única contradição.
Mas pregunto se qualquer comerciante, quando alguém entra na sua casa para comprar um objecto, tem a fazer mais alguma cousa do que saber se êle é portador dos escudos necessários para essa compra.
Evidentemente que não, e eu como Ministro das Finanças não tinha mais que manter a operação.
Sr. Presidente: dizia eu há pouco que se tem feito a análise desta questão, friamente, sôbre documentos, citando despachos e informações.
Porém, uma delas esqueceu de ser citada, e que é a da Direcção Geral da Fazenda Pública, dada por dia em que tinha de conceder a prorrogação, ou de mandar liquidar a primeira operação.
Essa ninguém leu, e sabem V. Ex.ªs o que diz?
Página 19
19
Sessão de 4 de Dezembro de 1923
Que para receber as 200:000 libras, tornava-se necessário entrar com 1:802 contos e que na Caixa do Tesouro do Banco do Portugal havia apenas 667 contos.
Acrescentava ainda a informação que havia necessidade de satisfazer uma transferência telegráfica de 500 contos, entre várias entidades bancárias, mas que o Estado tinha de satisfazer.
Como é que eu com esta importância podia satisfazer a esta despesa?
Disse a V. Ex.ªs que havia duas formas:
Ou receber as libras, vendê-las e restituir depois os escudos, forma que me parece mio ser do considerar, ou então...
O Sr. António Fonseca (interrompendo): — Mas V. Ex.ª tinha outra forma. E, se rebuscar bem na história do Govêrno de V. Ex.ª talvez a encontre.
Trava-se diálogo entre o orador e o Sr. António Fonseca.
O Orador: — Sr. Presidente: a minha afirmação foi de que o Sr. António Fonseca tinha criticado e discutido vários despachos e informações, mas se tinha esquecido de citar uma delas, que é a principal.
O Sr. António Fonseca: — V. Ex.ª chama a principal porque foi a primeira.
O Orador: — Mas é por aqui que a Câmara tem de começar, para compreender as sucessivas prorrogações.
Interrupção do Sr. António Fonseca que não se ouviu.
Trava-se diálogo entre o orador e os Srs. Ministro das Finanças e António da Fonseca.
O Orador: — Sr. Presidente: êstes diálogos não destroem as afirmações que estava fazendo.
Assim, dizia eu que havia duas soluções, para satisfazer os encargos do Estado.
A primeira dizia eu, não era de considerar, a segunda era o Estado vender as 200:000 libras, realizar o lucro que derivava da própria operação, e, com os escudos em que elas tinham sido transformadas, fazer a restituição ao Banco.
Mas é preciso que V. Ex.ªs saibam que a diferença do agravamento cambial na data da primeira prorrogação era de dois oitavos, diferença que para os Bancos era» acenas de perda de algumas centenas de escudos.
A primeira prorrogação foi feita por falta de escudos.
O Sr. Paiva Gomes (interrompendo): — Essa prorrogação não foi feita a pedido dos Bancos?
O Orador: — Êsse pedido não apareceu no ar. O caso estranho que V. Ex.ª notou do despacho não era de trazer à Câmara.
O Sr. António da Fonseca: — Quem trouxe êsse facto fui eu.
O Orador: — V. Ex.ª não demonstrou senão que o Ministro seguiu um determinado procedimento; se êsse facto não esclarece a questão, também a não escurece.
Se estudarmos êsses despachos verificamos que houve da parte do Ministro continuidade.
Podemos comparar esta questão com a fábula do êsse entalado nas goelas do lobo.
Era realmente o caso da fábula, do êsse entalado nas goelas do lobo.
Sr. Presidente: eu disse, ao iniciar a minha exposição, que não era jurisconsulto, mas que poderia ter a esperança de encontrar sempre divididas as opiniões dos jurisconsultos e ter, por conseguinte, alguns jurisconsultos a favor das minhas ideas.
Exactamente porque não sou jurisconsulto, quando fui para a pasta das Finanças — e reconheço hoje o grande êrro que cometi em ter para lá ido — eu imaginei que teria a quem me apoiasse para poder dar parecer jurídico sôbre as várias questões que aparecessem.
Hoje, porém, reconheço que o parecer dessas entidades não basta ao Parlamento, porquanto, tendo o Govêrno consultado o Conselho Superior de Finanças e a Procuradoria Geral da República, na Câmara existem diferentes opiniões sôbre o modo de ver dos jurisconsultos que se pronunciaram acêrca do assunto.
Página 20
20
Diário da Câmara dos Deputados
Sr. Presidente: eu não posso deixar de manifestar a minha opinião sôbre a maneira de resolver esta questão e, como não sou jurisconsulto, repito-o, entendo que a solução a dar a êste assunto deve ser aquela que consta dos pareceres dos jurisconsultos.
Nestes termos, mando para a Mesa a seguinte moção:
Moção
A Câmara dos Deputados:
Considerando que a intenção orientadora das operações realizadas com os Bancos foi evitar que se agravasse a situação cambial por motivo de elevadas compras de cambiais na praça;
Considerando que as cambiais cedidas foram, na mesma hora, pagas em escudos ao câmbio do dia e pela mesma forma por que o seriam se tivessem sido simplesmente vendidas, como, aliás, por muitíssimas vezes tem sido realizado e tem de continuar a realizar-se;
Considerando que o Estado tem não só, a obrigação de fornecer cambiais ao mercado mas também a necessidade de o fazer, porque, sendo a maioria das cambiais provenientes de transferências do Brasil para Portugal, ao Estado somente pertence o lucro proveniente dessa operação de transferência e o que resulta para a economia nacional dêsse caudal-ouro que vem dos nossos colonos para a metrópole;
Considerando que ao Estado convinha de momento não deminuir a sua posição-ouro em relação à praça e melhorar a sua posição-escudos (cuja inferioridade se acentuava dia a dia) e que portanto era de aconselhar a venda de libras com a faculdade de as reaver findo um certo prazo;
Considerando que, na época em que sé realizaram as operações em discussão, era da maior utilidade aliar ao Ministro das Finanças todos aqueles que poderiam exercer acção no câmbio, e que melhor aliança se não poderia conseguir do que a resultante de uma operação em que essas entidades só ganhassem com a melhoria da situação cambial;
Considerando que o juro em ouro imposto aos Bancos sôbre o montante em libras por êles adquirido apenas representa que o Estado não quis perder o juro que os seus depósitos venciam na Baring, em Londres, e que, portanto, tal juro não proveio de se considerar a venda das libras como um empréstimo;
Considerando que na época em que as operações se realizaram ninguém poderia prever a situação actual e que os lucros ou perdas provenientes das operações oscilariam apenas entre limites muito próximos, e que mesmo no caso da libra atingir a paridade (o que era um absurdo visto que o ideal de então era a divisa 30 é não a 53) o lucro para aquelas entidades seria apenas de 450 contos por cada operação de 100:000 libras;
Considerando que a realização daquelas operações visou a estabilidade da situação cambial (o que não daria lucro ao Estado pelas operações em si, mas influiria benèficamente na economia nacional) e exprime o desejo dos Bancos se aliarem ao Estado para o conseguimento do mesmo resultado (notando-se que só prejuízos poderiam ter se tal resultado não fôsse obtido);
Considerando que não pode ser interpretado por outra forma o procedimento dos Bancos, visto que, não havendo então restrição da liberdade de transacções cambiais, a sua compra de libras ao Estado apenas os aliviou do agravamento cambial que as suas próprias compras produziriam e que êste alívio não era, só por si, de molde a aconselhá-los a realizar as referidas operações;
Considerando que, realizada a primeira operação em 20- de Setembro de 1919 e estanto marcada a restituição das libras é dos escudos para Outubro, o Estado apenas tinha então disponível no Banco de Portugal uma quantia em escudos (767. 024$76) inferior em muito à que teria de restituir e que havia (o que mais agravava a situação) ordem telegráfica de entregar a uma entidade bancária, por motivo da transferência de fundos, 500. 000$;
Considerando que em Outubro de 1919, e no final do prazo marcado ao despacho inicial, as operações poderiam ter sido liquidadas sem prejuízo sensível para os Bancos visto que a divisa cambial apenas diferia de 3/8, mas atendendo a que se tal tivesse sido possível se perderia a posição de colaboração a que essas entidades estavam ligadas;
Página 21
21
Sessão de 4 de Dezembro de 1923
Considerando que era então mais natural prorrogar os prazos para restituição do que vender mais libras para melhorar a posição-escudos, e que seria absurdo e extraordinário que o Estado recebesse as libras para realizar um lucro mínimo sein previamente entregar os escudos respectivos;
Considerando que a situação do Tesouro se foi sucessivamente agravando até limites tais que todas as prorrogações de prazo eram não só necessárias mas até imprescindíveis porque somente em 2 de Janeiro de 1920 o Tesouro teria recursos suficientes para fazer face às restituições de escudos;
Considerando que foram, em muito, ultrapassados os limites das divisas cambiais que seriam de admitir na época em que foram realizadas as operações, e que hoje o cumprimento exacto dos despachos ministeriais de 1919 iria provocar consequências não previstas e determinar para o Estado um lucro que nunca constituiu o objectivo de tais operações que visavam a beneficiar a economia nacional e não a meras especulações cambiais;
Considerando que, logo no comêço de 1920 e durante êste ano e sucessivamente até hoje, quási todos os Ministros das Finanças têm reconhecido que aquelas operações não devem ser liquidadas pela forma anteriormente combinada, e que alguns despachos ministeriais lhes procuram dar ou prorrogação do prazo, ou nova forma que mais se harmonizasse com a crise que temos atravessado e que sucessivamente se tem agravado;
Considerando que desde Dezembro de 1919 o Estado tem legislado por tal forma e tam abundantemente sôbre cambiais que tais operações agora em discussão não podem ser consideradas nos precisos termos dos despachos ministeriais de 1919;
Considerando que o Conselho Superior de Finanças e a Procuradoria da República deram pareceres sôbre as consultas que o Sr. Ministro das Finanças lhes fez, e que nesses pareceres se estabeleceu uma doutrina a aceitar, que ao Estado garante a única posição moral que lho compete e que é, além da mais justa, a que mais se harmoniza com a prática, e tendo ouvido as declarações do Sr. Ministro das Finanças, entende, nestes termos, que ao
Poder Executivo compete liquidar aquelas operações e passa à ordem do dia.
Sala das sessões, 29 de Novembro de 1923. — Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráticas que lhe foram enviadas.
Os àpartes não foram, revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Paiva Gomes: — Sr. Presidente: como também não sou jurisconsulto, como o ilustre Doputado Sr. Rêgo Chaves, não me entretenho, nem podia entreter, na classificação da operação que está em causa.
Isso é para os jurisconsultos, que me parece que mais uma vez, como sempre, não estão conformes.
Sr. Presidente: não chamo à barra o ilustre Deputado Sr. Rêgo Chaves. Cito todos êles, o que é de elementar dever, sabendo-se que esta operação no seu início foi frita pelo Govêrno no tempo do Ministro Sr. Sego Chaves.
Por princípio de correcção, impunha-se-me que prevenisse S. Ex.ª, que desejaria assistir à discussão.
Não tenho dúvida sôbre os intuitos que presidiram à operação do Sr. Rêgo Chaves. S. Ex.ª, em vez de fazer a venda das libras, fê-la nas condições expressas do contrato.
Não fez mais do que continuar na venda já encetada pelo antecessor.
E porquê? Para que não perdesse o Estado.
Não favoreceu os Bancos; ao contrário, os Bancos é que se corresponderam com o Ministro para favorecer o Estado. Ninguém falou em favor,
Se o câmbio, em vez de oscilar no sentido que conhecemos, tivesse descido em sentido oposto, haveria lucro para o Estado.
Disse S. Ex.ª que o Estado não perde. A questão resumo se nisto. Não há uma norma exacta.
Os termos empregados não são os empregados primeiro. Mas a operação resume-se no seguinte: o Estado adiou êste contrato.
O termo «empréstimo» é que nunca foi empregado. Nunca.
Página 22
22
Diário da Câmara dos Deputados
E, sendo assim, eu só tenho de saber em que situação estava o Estado em face dos tomadores de libras. Cedidas uma vez todos êles se obrigaram a restituídas. Isto é que me interessa, e se há algumas dúvidas de ordem jurídica sôbre o assunto, não. é a ruim, nem à Câmara, a quem compete decidir. O que me interessa são os termos do contrato e o lado moral da questão. Eximir os tomadores de libras das obrigações que contraíram não é possível.
No que respeita à questão cambial, eu conto à Câmara o que só passou no Ministério das Colónias com um pequenino caso, quando eu lá estava. Um fornecedor de instrumentos de geodesia para a província da Guiné,, em um concurso limitado, obrigou-se a fazer o fornecimento ao preço x em escudos. Êsses instrumentos foram adquiridos na Suíça, e como os câmbios se tivessem agravado, porque a demora foi grande, o fornecedor veio reclamar perante o Ministro para que o embolsassem da diferença que resultava da oscilação dos câmbios.
O Estado em geral — é deplorável constatar-se — tem maus servidores, e o processo chegou até mim com as melhores informações, todas concordes em que o reclamante tinha- razão. Eu é que não pude concordar, porque o meu dever era defender os legítimos interêsses do Estado.
O caso é pequenino, mas demonstra bem que o Estado tem em muitos casos maus defensores.
No meu despacho declarei que o contrato era pagar era escudos, e preguntava se o reclamante também indemnizaria o Estado se porventura os câmbios tivessem melhorado.
Aqui dava-se o mesmo caso se os câmbios melhorassem: as entidades bancárias não indemnizavam o Estado.
O Sr. Almeida Ribeiro (interrompendo): — Faziam um negócio da China!
O Orador: — Isso mesmo!
Eu não quero cansar a Câmara, mas algumas considerações tenho de fazer para mostrar que o contrato era claro como água, não percebendo como possam haver dúvidas.
Sr. Presidente: o Sr. Rêgo Chaves referiu-se a umas considerações que eu fiz relativamente a ser em escudos a operação relativa ao tempo já da primeira emissão.
Eu não analisei bem êsse ponto, porque o processo é muito volumoso e leva muito tempo a ler.
De resto, a Câmara teve o processo à sua disposição, e decerto o conhece bem.
Mas a êste respeito eu devo dizer que é de estranhar que a Direcção da Fazenda Pública, por escrito, informasse nesse sentido.
Entendo que em tal caso o Govêrno tinha informações verbais; não precisava ser informado, porque no gabinete do Ministro há sempre a nota exacta dos câmbios.
O caso não era tam alarmante para que a Direcção da Fazenda Pública quisesse informar o Ministro, se o caso se referia ao câmbio do momento.
Foi muito zelosa, mas ainda que assim fôsse ou não, que importava as libras em espécie ao câmbio do dia?
Àpartes.
Recebia as libras ao câmbio do dia, como tinha emprestado.
Àpartes.
Eu coloquei o Sr. Rêgo Chaves numa boa posição, e não fiz outras referências a S. Ex.ª; mas daí até julgar que o Estado, em virtude da prorrogação que fez e atendendo à falta de escudos, fica numa situação de não exigir as libras, vai uma grande distância.
Eu sei ainda que as prorrogações feitas o foram sempre a pedido dos bancos.
As peças do processo é que o dizem.
Os bancos que beneficiaram da atitude tomada pediram prorrogações sucessivas.
Há uma excepção apenas: o Banco Colonial.
Àpartes.
Com o Banco Colonial, o caso muda de figura.
Foi êsse banco menos franco para com o Estado, ou usou de menos lisura?
Não sei!
O que sei é que êle em determinado momento oferece o pagar libras em Lourenço Marques e estabelece a alternativa, para o caso de o Estado não aceitar êsse
Página 23
23
Sessão de 4 de Dezembro de 1923
pagamento, de o mesmo Estado lhe dar prorrogação de prazo, como sucedeu com as outras entidades.
Trocam-se simultaneamente explicações entre o orador e vários Srs. Deputados que o cercam.
O Orador: — É certo que o Banco Espirito Santo, em 26 de Maio de 1920, a título da constituição de nova sociedade, pretende pagar as 100:000 libras cora 20:000.
Interrupção do Sr. António Fonseca, que foi entrecortada de vários àpartes.
O Orador: — Devo notar que é o mesmo indivíduo que sempre intervém no assunto.
O Sr. António Fonseca referiu-se ainda a uma informação em que os conceitos são os mesmos, informação que foi enviada ao Sr. António Maria da Silva, e em que se pedia prorrogação do prazo para reentrega das libras.
Foi sôbre esta informação que recaiu o despacho do Ministro das Finanças de então.
Mais abaixo há ainda outra informação, que vou ler.
Como V. Ex.ªs acabam de ouvir, continua a falar-se no juro.
Pouco depois dâ-se o despacho do Sr. Pina Lopes, e aí é que aparecem as palavras: «sem mais encargos para aqueles Bancos».
Já tive ocasião de apontar à Câmara a forma pouco clara, a forma ambígua que estas palavras encerram: «sem mais encargos para aqueles Bancos».
Sr. Presidente: de tudo isto se deduz aquilo que concluí.
Interrupção do Sr. António Fonseca, que não se ouviu.
O Orador: — As libras não foram vendidas, mas cedidas em condições especiais, e essas condições são as constantes do processo.
Trata-se apenas da reentrega dessas libras.
O Estado é credor dessas libras; como recebê-las?
Em bloco, dum jacto ou parceladamente, escalonadamente?
Essa indicação é que é a função do Poder Executivo.
O que não é possível é atribuir ao Estado aquilo que não seja receber essas libras.
Disse o Sr. Rêgo Chaves que agora não se podia exigir aos Bancos o cumprimento dum contrato que êles não fizeram.
Sr. Presidente: o que eu vejo e tenho presente é o que consta do processo; trata-se de um contrato bilateral, em que duas partes se comprometem a cumprir as cláusulas dêsse mesmo contrato.
Não sei como se possa modificar êste critério.
São ou não são devidas as libras?
Êste é que é o caso.
Qualquer Sr. Deputado, que ainda tenha dúvidas sôbre o assunto, basta ler os ofícios que os referidos Bancos enviaram aos Ministros das Finanças, e sôbre os quais recaíram diversos despachos para desfazer toda e qualquer dúvida.
Sr. Presidente: devo ainda dizer que é de louvar a forma como o Sr. Rêgo Chaves pretendeu defender a Direcção Geral da Fazenda Pública, mas, Sr. Presidente, ela não tem defesa.
Na consulta que aqui foi presente, encontram-se reparos, os mais estranhos, e que não tem a menor justificação.
Basta dizer que nessa consulta se começa por deturpar a ordem cronológica dos factos, não sendo possível atribuir-se menos reflexão ou menos cuidado na maneira como essa consulta foi formulada.
Diz-se que o contrato inicial foi uma compra e venda, quando primeiro que tudo a operação de compra e venda nada tem com o processo, porque na data em que foi feita essa operação de compra e venda, 10 de Outubro, já havia a operação de 22 de Setembro, em que a primeira parcela das libras já tinha sido cedida.
O Sr. António Fonseca (interrompendo): — E o Sr. Rêgo Chaves quando há pouco falou disse que tinha sido feita essa operação por não querer vender as libras.
O Orador: — Sr. Presidente: estou convencido, à face dessa consulta, que não houve lisura na maneira como foi formulada, e eu sinto deveras que alguém que podia esclarecer o assunto e demonstrar
Página 24
24
Diário da Câmara dos Deputados
possivelmente que estou em êrro aqui não venha fazê-lo.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os àpartes não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Sá Pereira: — Sr. Presidente: recebi há pouco um telegrama de Pampilhosa da Serra, onde se me diz que se estão ali passando casos da mais extrema gravidade.
O administrador do concelho, mancomunado com os monárquicos da terra, tem espancado e alvejado a tiro republicanos, meus correligionários, pelo simples facto de terem tocado o hino nacional, tendo efectuado a prisão de muitos dêsses meus correligionários a quem levou para a cadeia da comarca.
Sr. Presidente do Ministério: estou convencido que V. Ex.ª s é alheio ao que se passa, por isso espero do seu espírito republicano que providências enérgicas se não farão esperar para que êstes desacatos não continuem, caso êles sejam verdadeiros.
Remeto a V. Ex.ª o telegrama que dali me enviaram.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Ginestal Machado): — Sr. Presidente: em resposta às considerações produzidas pelo Sr. Sá Pereira devo informar S. Ex.ª de que tendo já recebido por outra via reclamações idênticas, ordenei, ao Sr. governador civil do distrito, que estava em Lisboa, a sua imediata partida a fim de proceder a um rigoroso inquérito.
Pode o ilustre Deputado reclamante estar certo que justiça inteira será feita.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Juvenal de Araújo: — Sr. Presidente: já usei da palavra nesta casa do Parlamento chamando a atenção do Govêrno para a greve marítima, pondo em relevo os prejuízos que daí estavam advindo para o País e duma maneira especial para as ilhas e colónias.
Apoiados.
Não preciso, pois, neste momento estar a referir novamente êsses prejuízos, porque isso seria ocioso e também duvidar dos conhecimentos que o Sr. Ministro da Marinha tem do facto.
Entretanto, peço licença para relembrar a S. Ex.ª que a situação para as ilhas e colónias é absolutamente insustentável por motivo dessa greve.
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Marinha (Júdice Ricker): — Sr. Presidente: as informações que posso prestar ao Sr. Juvenal de Araújo são as seguintes: não houve possibilidade de se chegar a um acôrdo entro os armadores e os grevistas.
O Govêrno, chamando os armadores, mostrou lhes a necessidade que tinha de pôr os navios a navegar, porque acima dos interêsses das classes estavam os do País, e prontificou-se a fornecer-lhes o pessoal da armada necessário para os navios poderem navegar. Até hoje nenhuma das emprêsas requisitou ainda êsse pessoal, a não ser a Companhia de Navegação, que mandou atracar dois vapores, o Lourenço Marques e o Pedro Gomes, para completarem a descarga e carregarem de novo, a fim de seguirem viagem.
Requisitei pessoal do exército para proceder a essa descarga, visto que as classes em greve se negaram a isso, e eu quero ficar com o pessoal da Armada disponível para guarnecer os navios.
Apoiados.
As outras emprêsas ainda não requisitaram pessoal; mas logo que o requisitem, eu fornecer-lho hei.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: chamo a atenção do Sr. Ministro das Finanças para o seguinte facto:
No concelho de Águeda o tesoureiro de finanças não mandou a tempo os avisos para o pagamento das contribuições, de forma que os contribuintes não pagaram? mas estão agora a receber avisos para
Página 25
25
Sessão de 4 de Dezembro de 1923
pagamento das mesmas contribuições com os respectivos juros de mora.
Parece-me que isto não é justo.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Sr. Presidente: em resposta ao Sr. Carvalho da Silva sou a dizer que me vou inteirar do assunto para depois proceder como fôr de justiça.
O orador não reviu.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente: chamo a atenção do Sr. Ministro da Justiça para uma campanha que o jornal O Século vem fazendo sôbre a lei do inquilinato.
Pedia a S. Ex.ª a fineza de me dizer se é verdade o que vem nesse jornal, relativamente ao facto de S. Ex.ª ter preparadas umas propostas para apresentar ao Parlamento, depreendendo-se disso que não tenciona aproveitar a proposta que está no Senado da autoria do Sr. Catanho de Meneses.
S. Ex.ª, de resto, sabe que há senhorios que se constituem em emprêsas para adquirir prédios, a fim de depois moverem acções de despejo ou explorarem os inquilinos, exigindo-lhes grandes rendas, ao abrigo do artigo 34.º da lei do inquilinato.
Há senhorios que já têm situações a seu favor, mercê da interpretação que se está dando a êsse artigo.
Pedia a S. Ex.ª para me dizer o que há sôbre o assunto, para conhecimento do País.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Lopes Cardoso): — Ao Sr. Tavares de Carvalho na parte em que aludiu ao inquilinato de habitação respondo que à última redacção apresentada pela comissão de legislação do Senado é a seguinte:
«O contrato de arrendamento de prédios urbanos não se rescinde nem pela morte do senhorio ou arrendatário, nem pela transmissão da propriedade por título universal ou particular, salvo o caso de expropriação por utilidade pública».
Êste artigo tira todas as dúvidas, sendo impossível, uma vez aprovada esta redacção da comissão de legislação, que outras surjam.
Como medida transitória, emquanto se mantenham as circunstâncias de carácter económico e financeiro que motivaram o decreto n.º 1:079, de 23 de Novembro de 1914, concordo com a imediata aprovação e promulgação de tal doutrina.
Quanto a ter-se constituído uma sociedade para tratar do traspasse de casas de habitação, não conheço a legal existência de qualquer sociedade constituída para êsse fim.
Procurarei contudo saber se em qualquer cartório de notários de Lisboa ou outro ponto se constituem tais sociedades, e procurarei ver só alguma se estabeleceu em contravenção das disposições legais.
Não terei dúvida nenhuma, então, em pedir responsabilidades aos que as tenham formado, e ainda aos oficiais públicos que com a sua intervenção tenham dado autenticidade ao que refuto prejudicial aos interêsses legítimos dos inquilinos e dos senhorios.
É preciso que na questão do inquilinato fiquem em harmonia perfeita inquilinos e senhorios.
Não podemos consentir que continue a luta entre inquilinos e senhorios.
Apoiados.
O meu projecto sôbre inquilinato, que dentro de dias trarei à Câmara, é uma codificação completa de tudo que há sôbre inquilinato desde 1910, e limita-se ao que já tive ocasião de trazer a esta casa do Parlamento em 10 de Janeiro de 1921, acrescido de disposições de vária ordem tendentes a resolver justas reclamações apresentadas desde então até esta data.
Já tive ocasião de fazer esta terminante declaração ao redactor do Século que me entrevistou há dias.
Há disposições de tal proposta, que, por corresponderem a reclamações mais urgentes, apresentarei já no Senado durante a discussão do projecto ali pendente, sem que com êsse procedimento queira significar que desisto da minha proposta do completa codificação.
A questão do inquilinato tem do ser resolvida por toda a Câmara, em benefício, do todos os portugueses, sem preocupação de servir partidos ou classes, e
Página 26
26
Diário da Câmara dos Deputados
nesta orientação eu prometo colaborar com o Parlamento.
Agradeço muito ao ilustre parlamentar ter-me proporcionado ocasião de proferir estas sinceras e despretenciosas palavras.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã às 14 horas.
Antes da ordem:
A mesma de hoje.
Ordem do dia:
A de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 5 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Projecto de lei
Do Sr. Dinis da Fonseca, abrangendo nas disposições das leis n.ºs 1:464 e 1:467 os estropiados da Grande Guerra ao abrigo da alínea b) do artigo 6.º da lei n.º 1:170.º
Aprovada a urgência.
Para a comissão de guerra.
Substituïção
Substituir na comissão de inquérito ao Ministério das Colónias o Sr. Lino Neto pelo Sr. António Maia.
Para a Secretaria.
Requerimento
Sequeiro que, pelo Ministério da Guerra, me sejam fornecidos os esclarecimentos seguintes:
1.º Quem paga ao pessoal militar da Coudelaria?
2.º Quais têm sido as receitas e as despesas da Coudelaria desde 1911? — Francisco Cruz.
Expeça-se.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.