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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 5
EM 7 DE DEZEMBRO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Angelo de Sá Couto da Ganha de Sampaio Maia
Sumário. — Respondem à chamada 49 Srs. Deputados.
Lê-se a acta, que adiante é aprovada com número regimental.
Dá-se conta do expediente, e são admitidos projectos de lei, já publicados no «Diário do Govêrno».
Antes da ordem do dia. — O Sr. Plínio Silva trata largamente da organização dos serviços dos caminhos de Ferro do Estado, mandando para a Meta um projecto de lei, para que requere a urgência e a dispensa do Regimento.
Responde o Sr. Ministro do Comércio (Pedro Pita).
O Sr. Ministro dou Estrangeiros (Júlio Dantas) manda para a Mesa uma proposta de lei sôbre um tratado com o Brasil, para que pede urgência.
O Sr. Agatão Lança justifica uma proposta referente às horas de sessão, e ocupa-se dos mutila dos da guerra, mandando para a Mesa um projecto de lei. Termina requerendo que entrem imediatamente em discussão aã emendas do Senado sôbre o parecer referente à pesca.
É aprovado o requerimento, e entram em discussão as emendas, que são aprovadas, com dispensa da última redacção.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal), pede para que as suas propostas de compressão de despesas se discutam, com ou sem parecer, e entrem em discussão no dia 11.
Os Srs. Vasco Borges e Álvaro de Castro tratam de anulações de decretos, e ao mesmo assunto volta a referir-se o Sr. Ministro das Colónias (Vicente Ferreira), usando em seguida da palavra para explicações os Srs. Carvalho da Silva e Rodrigues Gaspar, declarando o Sr. Ministro do Comércio que mantinha quanto tinha dito.
É aprovado o requerimento do Sr. Ministro das Finanças sôbre a discussão das suas propostas.
É aprovada a urgência e rejeitada a dispensa do Regimento para o projecta de lei do Sr. Plínio Silva.
É aprovada a urgência para a proposta de lei
do Sr. Ministro dos Estrangeiros e para a proposta do Sr. Agatão Lança.
O Sr. António Maia requere, e o Sr. Presidente concorda, que na próxima sessão se discuta o projecto de lei referente aos milicianos.
Ordem do dia. — São discutidas as emendas do Senado sôbre a pesca da baleia.
Entra em discussão o parecer n.º 617-B, que autoriza o Govêrno sôbre a alienação dos transportes marítimos do Estado.
Usam da palavra os Srs. Cancela de Abreu e Ministro do Comércio. O debate fica pendente.
É constituída a comissão de correios e telégrafos.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Camoesas refere-se ao movimento de 7 de Dezembro, usando da palavra sôbre o mesmo assunto os Srs. Sá Cardoso, Cancela de Abreu e Presidente do Ministério (Ginestal Machado).
É aprovado um voto de sentimento pela morte de uma irmã do Sr. Jaime de Sousa.
Encerra-se a sessão.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. — Projectos de lei. — Propostas de lei — Declarações de voto. — Comunicações. — Requerimento.
Abertura da sessão às 16 horas e 35 minutos.
Presentes à chamada 49 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 41 Srs. Deputados.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite de Vasconcelos.

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Diário da Câmara dos Deputados
Amaro Garcia Loureiro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Albino Marques dê Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Estêvão Águas.
João de Ornelas da Silva.
Joaquim Brandão.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário dó Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Teófiló Manuel Pais Carneiro.
Tomé José de Bàrroô Queiroz.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Xavier de Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Lino Neto.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Virgínio do Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Serafim de Barros.
José de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel do Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Vasco Borges.
Vitorino Henrique Godinho.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.

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Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Dias.
António Mendonça.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Custódio Maldonado Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José Luís Damas.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge Barros Capinha.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano da Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Augusto Ferreira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
O Sr. Presidente (às 15 horas e 35 minutos): — Estão presentes 49 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Leu-se a acta e deu-se conta do seguinte
Expediente
Representações
Da Junta de Freguesia de Castro Verde, contra a transferência da sede da comarca de Almodóvar para Ourique.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Duma Comissão de Funcionários Públicos, revolucionários civis dos quadros especiais e outros contra a proposta do Sr. Ministro das Finanças sôbre extinção dos quadros especiais.
Para a comissão de finanças.
Ofícios
Do Senado, comunicando ter sido enviada à Presidência da República, para promulgação ao abrigo do artigo 32.º da Constituïção, a proposta que aclara o artigo 688.º do Código Comercial.
Para a Secretaria.
Da Comissão de Viticultura da Região do Douro, contra a proposta de lei relativa ao imposto de produção.
Para a Secretaria.
Telegramas
Do professor primário de Vila Marim, dizendo ter sido agredido pelo escrivão do Tribunal Criminal.
Para a Secretaria.

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Diário da Câmara dos Deputados
Dos professores de Santo Tirso, protestando contra a reintegração do inspector escolar.
Para a Secretaria.
De alguns militares estropiados, de Vinhais de, Bragança, de Vila Re ai e Viana do Castelo, pedindo para serem atendidos os seus pedidos de melhorias.
Para a Secretaria.
Admissões
São admitidos os seguintes projectos de lei, já publicados no «Diário do Govêrno».
Do Sr. Juvenal de Araújo, concedendo aos empregados aposentados dás administrações dos concelhos e bairros a melhoria de vencimentos constantes do decreto n.º 8:927 de 19 de Julho de 1923.
Para a comissão de administração pública.
Dos Srs. Pires Cansado o Sousa Coutinho, isentando de contribuição predial, durante 20 anos, os proprietários que fizeram plantações frutíferas ou florestais no Algarve.
Para a comissão de agricultura.
Antes da ordem do dia
O Sr. Plínio Silva: — Sr. Presidente: chamo a atenção da Câmara, pois que o assunto que vou tratar reveste uma certa gravidade, chamando igualmente para êle a atenção do Govêrno, e muito especialmente do Sr. Ministro do Comércio, visto êle lhe dizer mais especialmente respeito.
Sr. Presidente: vou procurar restringir as minhas considerações ao mínimo, de forma a não exceder os 10 minutos que o Regimento me concede.
O assunto que vou tratar refere-se à reorganização dos Caminhos de Ferro do Estado, e basta dizer isto para me parecer que de todos os lados da Câmara se deve prestar a maior atenção ao assunto.
Sr. Presidente: julgo urgentíssimo olhar a sério para os Caminhos de Ferro do Estado, pois a verdade é que se publicou inconstitucionalmente uma reorganização, que não só não satisfaz por forma
alguma às necessidade dêste importantíssimo serviço público, como ainda criou uma situação que por forma alguma pode ser aceita.
O Partido Nacionalista, uma vez nas cadeiras do Poder, tinha a meu ver a obrigação de imediatamente olhar para o assunto.
Se bem que esta reorganização tivesse sido publicada em 18 de Junho de 1923, em 10 de Novembro do mesmo ano, isto é, passados alguns meses, reconheceu-se que ela tinha sido publicada com certas inexactidões, razão por que se publicou um novo diploma, o qual lhe introduziu alterações as mais profundas.
Se tivesse tempo, eu demonstraria à Câmara a diferença que existe entre êstes dois diplomas, pois tive o cuidado de, artigo por artigo, ver as alterações que se introduziram, que são de tal ordem que ocupam colunas inteiras do Diário do Govêrno.
Sr. Presidente: eu hei-de apreciar largamente êste diploma; hei-de fazer um estado completo das reorganizações dos Caminhos de Ferro do Estado, e hei-de demonstrar à Câmara que, se bem que tivessem colaborado nele engenheiros dos mais distintos e da mais alta competência, o diploma no emtanto não pode satisfazer de forma alguma às necessidades dêste importantíssimo serviço.
Estou a referir-me a um correligionário meu que ocupou a pasta do Comércio.
Disse e escrevi várias vezes que presto a minha homenagem às Dualidades de carácter dêsse homem, mas foi devido à incompetência de S. Ex.ª, que não tinha a mínima preparação para gerir uma pasta de tal responsabilidade, que, por circunstâncias várias, pôs o seu nome num diploma que não tinha sequer sido elaborado pelas pessoas mais indicadas para regulamentar em assuntos ferroviários. E assim, tendo começado por fazer estas referências a um correligionário, homem que respeito e considero, tenho autoridade para ao Partido Nacionalista, que na oposição tinha pregado quê quando formasse Govêrno era com os seus melhores valores, observar que na pasta do Comércio se encontra um homem a quem me ligam laços de amizade e a quem se não pode negar talento e valor, mas que no emtanto também não possui preparação alguma para

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a gerência de um cargo que exige justamente uma preparação muito especial para a sua acção se tornar profícua. Demais — e presto esta justiça ao Partido Nacionalista — não lhe faltavam homens com qualidades para a gerência dessa pasta.
Não pretendo divulgar factos que são do meu conhecimento, mas que não posso tornar conhecidos; todavia, se, por exemplo, o ilustre engenheiro Sr. Vicente Ferreira, que é um técnico especializado nestes assuntos, tivesse ocupado a pasta do Comércio, onde a sua acção poderia ser útil, certamente a situação seria bem diferente do que é hoje.
Desejo ainda salientar que êste problema devia interessar indistintamente a todos os partidos. Foi após o 19 de Outubro, feito o pacto dos partidos constitucionais da República, e eu sei que, quando se estabeleceu a frente única, uma das condições dêsse acôrdo residia justamente no ataque imediato ao problema que egualmente interessava os partidos por virtude de uma situação a que se tinha chegado, e que de modo algum, quer os democráticos, que os nacionalistas, podiam aceitar. Esperava, pois, que um dos primeiros actos do actual Govêrno, se não o primeiro, fôsse atacar esta questão, revogando imediatamente o decreto n.º 8:924, pondo em vigor, como estava, o decreto n.º 5:605, e nomeando uma comissão idónea, constituída por pessoas capazes de estudar as alterações necessárias ao decreto n.º 5:605, por forma a torná-lo mais profícuo e u obter-se aquela redução de quadros que está no espírito de todos, e que aliás seria muito fácil conseguir-se.
Não quero exceder o tempo que me é concedido para usar da palavra. Limito-me, portanto, a mandar para a Mesa um projecto de lei, pelo qual revogo p decreto n.º 8:9i44, publicado pela primeira vez em 18 de Junho, e pela segunda, profundamente alterado, em 10 de Novembro, e ponho em vigor o decreto n.º 5:605 e a organização anexa.
As alterações que proponho no artigo 3.º servirão de base a uma proposta de lei que depois será pelo Sr. Ministro do Comércio submetida à apreciação do Parlamento, que sôbre ela se pronunciará por forma que um problema desta natureza possa ser resolvido de maneira a que se não ande a fazer reorganizações de oito em oito dias, sem se saber qual o bom resultado que pode advir de qualquer dessas organizações.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª já excedeu os 10 minutos regimentais.
O Orador: — Termino mandando para a Mesa o meu projecto de lei, para o qual requeiro urgência e dispensa do Regimento.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que Lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Pedro Pita): — Sr. Presidente: estive nesta Câmara no princípio da sessão e saí apenas por ter sido chamado ao Senado.
Não sabia que o Sr. Plínio Silva desejava tratar de qualquer assunto que dissesse respeito à minha pasta.
Pelo que respeita à organização dos caminhos de ferro, se ela foi ou não publicada com alterações introduzidas posteriormente, eu não o sei.
Publicada no Diário do Govêrno, de 10 de Novembro, assinada pelo Sr. Ministro meu antecessor, creio que não teve qualquer alteração que não constasse do respectivo diploma, mas, tenho tido ou não, eu não o sei, e parece-me ser um assunto que deve mais convenientemente ser debatido — permita-se-me a frase — em família, dentro do próprio Partido Democrático, a que pertencem o Sr. Plínio Silva e o Sr. Ministro meu antecessor.
Quanto ao diploma que o Sr. Plínio Silva entendeu dever passar-me da minha competência ou incompetência, não posso deixar de dizer que, se é certo que não yim preso para a pasta, não fui eu que requeri o meu provimento nela.
A propósito do projecto de lei apresentado pelo Sr. Plínio Silva, devo ainda dizer que, tratando-se de um assunto que só à Câmara compete apreciar, ela o apreciará como entender, na certeza, porém, de que, não me considerando com poderes para fazer novas organizações ou alterações nas organizações existentes, pu-

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blicadas já, como a dos caminhos de ferro, ao abrigo de uma autorização que foi utilizada uma vez, não farei, sem autorização parlamentar ou sem que seja votada pelo Parlamento, qualquer nova organização ou quaisquer modificações no que está em vigor.
Nestas condições, se a Câmara entender que há alterações a fazer, acho bem que s(c) resolva pelo projecto do Sr. Plínio Silva ou por qualquer outro.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Júlio Dantas): — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de lei que autoriza o Govêrno Português a celebrar, sob a base de reciprocidade, um convénio comercial com o Brasil.
Sr. Presidente: hoje mais do que nunca são os interêsses comerciais que aproximam os povos.
E, Sr. Presidente, hoje mais do que nunca são grandes as relações comerciais que aproximam os dois países; e mais ainda nós ligam a essa nação relações étnicas e históricas, nação onde se fala a mesma língua, e cujas relações de amizade são as mais afectuosas.
Apoiados.
Durante muito tempo se tem procurado obter a redução das taxas.
Desde 1888 que se fizeram as primeiras negociações no tempo de Matoso dos Santos, e nada mais se fez. Felizmente agora, com a visita do Presidente Almeida, manifestou-se a oportunidade de intensificar as negociações, sôbre o assunto.
Tenho a honra de apresentar a V. Ex.ªs a proposta referida.
Não há prejuízo algum; apenas há o sacrifício fiscal.
A nossa produção colonial não sofre, e sôbre o assucar de África a taxa incide somente sôbre quantidade ilimitada. Só Portugal tem êste benefício e a América que goza dó tratamento de nação mais favorecida.
Apresentada esta proposta de lei, aproveito o ensejo para saudar o Brasil, grande país, onde na a máxima civilização.
Peço urgência para esta proposta, de forma quê possa ter efeito no ano económico que no Brasil começa no dia 1 de Janeiro.
O discurso será publicada na íntegra, revisto pelo orador; quando, nestes termos, devolver as notas taquigráiicas que lhe foram enviadas.
O Sr. Agatão Lança: — Sr. Presidente: em conformidade com o quê já disse a V. Ex.ª, mando para a Mesa uma alteração ao artigo 20.º do Regimento.
Proposta
Proponho que o artigo 20.º do Regimento seja interpretado do modo seguinte:
Sempre que a Câmara se manifeste no sentido de que possa continuar no uso da palavra ò orador que a tenha pedido, se chegue ao período de entrar na ordem do dia, sofá consultada a Câmara sôbre se essa concessão é feita com ou sem prejuízo da ordem do dia. — Agatão Lança.
Aproveito estar no uso da. palavra para mais uma vez tratar de um assunto que merece a atenção dá Câmara, e diz respeito aos mutilados da guerra.
Na lei n.º 1:170 há atomalias, como a da alínea a), em que só podem aproveitar de segundos sargentos para cima, quando iguais direitos deviam ter os postos inferiores a segundo sargento, que iguais direitos vão ser concedidos a militares de graduação diferente, segundos sargentos que na guerra ficaram invalidados por motivos de combate, mas que lhes seja aplicada a alínea a) do artigo 6.º da respectiva lei.
Nesse sentido mando para a Mesa um projecto.
Sr. Presidente: para êste projecto simplesmente requeiro a urgência, porque desejo que êle seja estudado pela comissão de guerra.
Já que estou com a palavra, termino requerendo para que entre já em discussão as emendas vindas do Senado sôbre o parecer n.º 613, referente à pesca.
O meu requerimento é sem prejuízo da ordem do dia.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

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Foi aprovado o requerimento do Sr. Agatão Lança, sendo as emendas vindas do Senado aprovadas sem discussão.
A requerimento do Sr. Agatão Lança foi dispensada a leitura da última redacção
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Sr. Presidente: quando se aprovaram aqui várias determinações para o aumento da circulação fiduciária, tive ocasião de declarar que apresentava essa proposta pela necessidade de fazer os devidos, pagamentos e regularizar uma situação criada, mas que o País estava farto de ver aumentar à circulação fiduciária.
Eu disse que o Parlamento e o Ministro das Finanças tinham obrigações mútuas.
Um de apresentar medidas para acudir à situação do Tesouro e modificar a vida, administrativa, e o outro, o Parlamento, de discutir e aprovar ou rejeitar essas medidas.
Não estou a acusar o Parlamento; sei que ainda não estão constituídas as comissões e que isso demora tempo, mas sei também que as condições do Tesouro são inadiáveis e que obrigam a trabalhar depressa.
E assim, tendo apresentado já algumas propostas sôbre vários problemas que se relacionam com a nossa situação financeira, não posso com indiferença ver desperdiçar o tempo e ver o deficit a agravar-se.
Nestas condições, faltaria ao dever que me impõe a minha consciência se não fizesse o requerimento que vou fazer.
Será ou não aprovados mas a verdade é que só pode ser Ministro das Finanças aquele que possa fazer alguma cousa prática o que tenha condições de fazer alguma cousa útil.
Aquele que não tenha essas condições só tem do abandonar o seu pôsto.
Quando eu vir que nada posso fazer, a primeira cousa que tenho a fazer também é abandonar a minha pasta, onde me sinto bem e onde julgo ser útil, se o Parlamento quiser colaborar comigo.
A situação política transitória só para perder tempo não me convém.
Papel de empata não me serve, nem a mim aos meus colegas.
Apoiados.
Assim, eu vou requerer para que as minhas propostas, pela ordem que a Câmara entender, mas possivelmente as propostas de compressão de despesas, comecem a ser discutidas na próxima terça-feira com ou sem parecer, da comissão de finanças.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Está a acta em discussão.
Foi aprovada.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: não estava presente na sessão de ontem, mas fui informado que o Sr. Álvaro às Castro dissera que eu, quando Ministro, anulara um decreto publicado ao Diário do Govêrno, e S. Ex.ª citara o facto de um decreta nomeando o Sr. Buraca para um lugar de notário, e isto a propósito do decreto relativo ao Sr. José Domingues dos Santos.
Mas o caso não teia paridade, nem quanto do facto nem quanto às pessoas.
Tratava-se do bacharel Buraca, que queria ser notário, e ao caso presente tratava-se do leader do Partido Democrático e antigo Ministro.
Quando fui Ministro também encontrei na pasta do Trabalho um decreto nomeando o Sr. Silva líamos para provedor da Misericórdia.
Êsse decreto, já assinado pelo Chefe do Estado e pelo Ministro meu antecessor, não estava em condições de ser publicado. Em vista disso, eu fiz novo decreto nomeando o mesmo o Sr. Silva Ramos; êle foi novamente à assinatura presidencial e, em seguida, publicado no Diário do Govêrno.
Procedi assim levado pela muita consideração que me merecia o Sr. Silva líamos, categorizado elemento do Partido Nacionalista.
Caso idêntico se deu mais tarde comigo. Quando foi Ministro do Comércio encontrei também um decreto do meu antecessor nomeando um seu adversário político para determinado cargo. Nem por isso anulei êsse decreto; mantive-o, porque entendi ser êsse um dever de cortezia a que não podia furtar-me.
Este foi o meu procedimento que, como a Câmara vê, não pode sofrer qualquer

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Diário da Câmara dos Deputados
espécie de confronto com o procedimento do actual Sr. Ministro das Colónias.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe forem enviadas.
O Sr. Álvaro de Castro: — Pedi a palavra em virtude do Sr. Vasco Borges ter leito referência às considerações por mim proferidas na sessão de ontem.
Antes de quaisquer outras considerações, eu tenho de declarar que a pessoa do Sr. José Domingues dos Santos me merece toda a consideração e o maior respeito.
De resto todos nós sabemos que o Sr. José Domingues dos Santos só muito depois do procedimento do Sr. Rodrigues Gaspar é que teve conhecimento da sua nomeação. A pessoa de S. Ex.ª não está portanto em causa.
Feita esta declaração, eu devo dizer ao Sr. Vasco Borges que o facto do nomeado em questão ser leader dum partido e uma figura de destaque no nosso meio político, lhe não confere, em face da Constituïção, maiores direitos do que a qualquer outro cidadão, por mais humilde que seja a sua posição social.
Muitos apoiados.
Sr. Presidente: o caso do Sr. Vasco Borges é perfeitamente idêntico àquele que se discutiu na sessão anterior.
Efectivamente tinha sido nomeado um bacharel de Braga para o lugar de notário. O decreto que fazia essa nomeação era absolutamente válido e foi publicado no Diário do Govêrno.
Na hora em que se constituiu o Govêrno em que o Sr. Vasco Borges assumiu, interinamente, a pasta da Justiça, eu dirigi-me a S. Ex.ª dizendo-lhe que a anulação dêsse decreto representaria um agravo a mim e ao meu partido, O Sr. Vasco Borges prometeu não anular o citado decreto sem ouvir primeiro o directório do seu partido. O directório do Partido Democrático, ouvido sôbre o caso, resolveu aconselhar a anulação dêsse decreto, muito embora isso representasse um agravo ao Sr. Álvaro de Castro ou ao seu partido.
Quanto ao primeiro caso citado pelo Sr. Vasco Borges, foi êste o procedimento do Partido Democrático. Quanto ao segundo caso — o da nomeação do Sr. Silva Ramos — falou muito S. Ex.ª em dever de cortesia; mas onde estava a cortezia para com o actual Ministro das Colónias? Se a tivesse havido, o procedimento de S. Ex.ª teria sido, certamente, outro.
O Sr. Ministro das Colónias (Vicente Ferreira): — Já declarei o que teria feito se se tivesse procedido para comigo com a devida correcção.
O Orador: — Não se quis saber do Ministro das Colónias para nada, tendo-se até abusado do seu gabinete para falsificar um documento.
E uma cousa completamente diferente; mas apesar disso, o Sr. Ministro das Colónias estava disposto a realizar o acto, tornando-o inteiramente válido, se para com êle tivesse havido aquelas deferências na ordem cívica e de ordem política que ninguém pode reclamar dele quando com êle não as houve.
O Sr. Vasco Borges: — Eu pregunto se também não seria deferência o actual Ministro das Colónias chamar o seu antecessor.
O Orador: — Será essa a doutrina de Cristo; mas nós nunca a praticamos.
Eu sou tam sincero nesta minha opinião, que eu não teria hesitado, porventura, porque não sei as condições detalhadas dos factos, de saltar por cima de tudo isso e publicar um novo decreto. Mas reconheço o direito ao Sr. Ministro das Colónias de realizar os actos tal como êle os realizou.
Não tem paridade o que fez o Sr. Vasco Borges e o que fez o Sr. Ministro das Colónias. O Sr. Vasco Borges anulou um decreto inteiramente válido, agravando não só a minha pessoa, mas o meu partido; o Sr. Ministro dos Colónias procedeu em condições inteiramente diversas.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Colónias (Vicente Ferreira): — Sr. Presidente: pedi a palavra sôbre a acta para apenas declarar ai ais uma vez, da forma mais clara e ter-

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minante possível, que no triste incidente, que aqui novamente ressurgiu, não se traia duma questão de pessoas, não se trata da pessoa do nomeado, mas da forma como foi feito o decreto.
Tenho a dizer, em referência às afirmações e exemplos citados pelo. Sr. Yasco Borges, que eu mesmo procedi duma forma análoga à que S. Ex.ª indicou; mas noutros casos que não neste. Encontrei nomeados dois governadores das Colónias que ainda não haviam seguido os seus destinos, e tendo-me êles com muita lealdade, apresentado a questão de confiança, eu não só lha ratifiquei, mas com ambos troquei certas impressões sob o ponto de vista administrativo e com êles concertei um plano de administração colonial.
Esporo que estas afirmações ponham definitivamente côbre a quaisquer afirmações irróneas que possam ser feitas sôbre as minhas intenções ou palavras.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: estando a discutir-se a acta da sessão de ontem, aproveito a oportunidade para dizer que tendo ontem pedido a palavra para explicações, depois do Sr. José Domingues dos Santos usar da palavra, desejo explicar em poucos minutos o motivo por que o fiz e o que ontem queria dizer.
Nunca nós, dêste lado da Câmara, visamos pessoas, porque as pessoas para nós, por maior que seja a sua situação, estão sempre fora das nossas considerações, porque os princípios é que pomos acima de tudo. E por isso que nas declarações que vou lazer a minha orientação é inteiramente diversa daquela que acabo de ouvir aos Srs. Vasco Borges, Álvaro de Castro e Ministro das Colónias, e contra a orientação de S. Ex.ªs lavro o meu mais veemente protesto.
Não pode ser, nem é norma a seguir na administração pública, que a circunstância do uma pessoa estar nesta ou naquela situação política é que orienta a acção de qualquer Ministro; o que tem de orientar a sua acção é, acima de tudo, o respeito à lei.
Com muito desgosto eu, que tinha ouvido ao Sr. Ministro das Colónias uma
defesa que realmente se traduziu num ataque ao adversário, verifiquei que S. Ex.ª fez a declaração de que se noutras circunstâncias tivesse sido feito o decreto, nas tinha dúvida até em ser êle quem, se lhe tivessem dito qualquer cousa, fizesse a nomeação do Sr. José Domingues dos Santos.
O Sr. Ministro das Colónias (Vicente Ferreira): — Eu declarei que se me tivessem dito as circunstâncias que só tinham dado, eu resolveria o assunto por decreto, levando-o à assinatura. É absolutamente constitucional.
O Orador: — Constitucional é que não é, e eu vou provar a V. Ex.ª, pelo artigo 20.º da Constituirão.
O Sr. José Domingues dos Santos, como qualquer outro Deputado, não pode de maneira nenhuma aceitar um lugar remunerado de nomeação do Estado. Logo, se V. Ex.ª o nomeasse, saltava por cima da Constituïção, como tantas vezes se tem feito.
Mas há mais. A própria sanção dêsse facto está no artigo 21.º da Constituïção, que assim o determina.
Por consequência, se o Sr. José Domingues dos Santos fôsse nomeado perdia, não só o seu mandato, mas o lugar para que tinha sido nomeado.
É preciso que fique de uma vez para sempre claramente definido, se mais casos há nestas circunstâncias, que êsses Srs. Deputados estão ilegalmente, e contra a letra expressa da Constituïção, a desempenhar o seu mandato e os lugares para que porventura foram nomeados.
Não é nesta altura que me posso ocupar largamente dêste assunto, mas hei-de ocupar-me dêle e então direi ao Sr. Ministro das Colónias do Govêrno transacto, que me disse, com ironia, que eu tinha muito respeito pela Constituïção, quantas vezes S. Ex.ª, em matéria de nomeações, saltou por cima dessa lei.
Apoiados das direitas.
Eu demonstrarei quantas vezes S. Ex.ª saltou por cima da Constituïção e a falta de autoridade com que vem aqui acusar os outros do não a respeitarem.
Mas o que é mais interessante é que os saltos mortais por cima da Constituïção são dados quási sempre por um partido

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que tem feito não sei quantas revoluções a favor da pureza dessa Constituïção! E até o próprio Sr. Rodrigues Gaspar, só a memória não me falha, fez parte do comité em 14 de Maio para fazer uma revolução, a fim de se respeitar a pureza augusta da Constituïção.
Esta é que é a norma que devo ser seguida, e que esto lado da Câmara tem defendido, porque é um preceito constitucional que devemos seguir.
Foi para nós muito doloroso ouvir chamar ao Sr. Rodrigues Gaspar velho. Tal não é verdade, a não ser que sucedesse o que sempre acontece com todos que vão para a República, que começam por sacrificar a sua idade, e que então S. Ex.ª seja um velho...republicano. Por isso é que S. Ex.ª tanto se zangou por os monárquicos terem uma ou duas vezes votado com o Govêrno.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Rodrigues Gaspar: — Não estava na sala, mas constou-me que mais uma vez se afirmara que a questão do decreto da nomeação do Sr. José Domingues dos Santos para administrador da Companhia de Moçambique fora uma falta de consideração para com o Sr. Ministro das Colónias.
Sempre supus que, depois das explicações ciaras que eu dei na última sessão, ninguém mais poderia supor que tivesse havido falta dó consideração para com o Sr. Ministro das Colónias. O facto que eu apresentei de ter as melhores relações com S. Ex.ª, e de eu me ter oferecido para explicar a S. Ex.ª tudo quanto fôsse necessário, era o bastante para ninguém puder supor que poderia haver, a mais pequena falta de consideração da minha parto para com S. Ex.ª
Houve uma falta, houve; mas essa foi de S. Ex.ª em não mo ter mandado chamar, pois logo teria explicado tudo.
É preciso que esta questão fique bem clara, que não houve um decreto feito depois de S. Ex.ª ter tomado posse; houve uma emenda; houve um decreto já assinado pelo Sr. Presidente da República e referendado por mim.
Foi isto que houve, e mais nada!
Todos os que têm passado pelas cadeiras do Poder sabem que isto é corrente.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (em àparte): — É o artigo 226.º do Código Penal.
O Orador: — Não se queira explorar com um caso que nada tem de anormal.
Em vez do se fazer uma rasura, fez-se um novo documento.
Façam o que quiserem, digam o que disserem, o que é certo é que não houve falta do consideração.
É o que tinha a dizer à Câmara.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Sr. Ministro das Colónias (Vicente Ferreira): — Pedi a palavra para fazer uma declaração: mantenho integralmente tudo quanto disse.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se o requerimento do Sr. Ministro das Finanças, para que na próxima terça feira entrem em discussão as suas propostas com ou sem parecer.
Foi aprovado em contraprova requerida pelo Sr. Tavares Ferreira.
É aprovada a urgência para ò projecto de lei do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e para a proposta do Sr. Agatão Lança.
O Sr. António Maia (para interrogar a Mesa): — Foi aprovado que, terminado o prazo e não só tivessem pronunciado as comissões sôbre o projecto de lei dos oficiais milicianos, êste parecer entrasse em discussão.
Terminando o prazo no dia 9, eu pregunto se V. Ex.ª o inclui na ordem da dia da próxima segunda feira.
O Sr. Presidente: — Tomarei nota para ser incluído na ordem do dia.
O Sr. Plínio Silva requereu urgência e dispensa do Regimento para um projecto de lei.
O Sr. Almeida Ribeiro (para um requerimento): — Requeiro que o requerimento seja dividido em duas partes para ser submetido à apreciação da Câmara: uma sô-

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bre a urgência e outra sôbre a dispensa do Regimento.
Foi aprovado.
O Sr. Plínio Silva: — A urgência, justifica a dispensa do Regimento, a não ser que a Câmara entenda que êste assunto deve continuar como está.
O orador não reviu.
O Sr. Plinio Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º do Regimento.
Procedeu-se à contraprova e à contagem.
O Sr. Presidente: — Estão sentados 53 Srs. Deputados, e de pé, 2.
Está aprovado.
Consultada a Câmara sôbre a urgência, foi esta aprovada.
O Sr. Presidente: — Consulto a Câmara sôbre a dispensa do Regimento.
Foi consultada a Câmara.
O Sr. Presidente: — Está rejeitado.
O Sr. Plinio Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º do Regimento.
Procedeu-se à contraprova e à contagem.
O Sr. Presidente: — Estão de pé 44 Srs. Deputados, e sentados 11.
Está rejeitado.
O Sr. Presidente: — Consulto a Câmara sôbre se reconhece a urgência requerida pelo Sr. Agatão Lança para um projecto de lei que apresentou sôbre estropiados da guerra.
Consultada a Câmara, foi aprovada a urgência.
O Sr. Presidente: — Consulto também a Câmara sôbre se reconhece a urgência requerida pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros para uma proposta de lei que apresentou sôbre o acôrdo comercial com o Brasil.
Consultada a Câmara, foi aprovada a urgência.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se na ordem do dia.
Os Srs. Deputados que tiverem papéis a enviar para a Mesa, podem fazê-lo.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Vão discutir-se as emendas introduzidas pelo Senado ao projecto de lei sôbre o uso de canhões especiais para a pesca da baleia.
Foi lido o artigo 1.º, da Câmara dos Deputados.
Foi aprovado sem discussão.
Foi Lido o artigo 2.º da Câmara dos Deputados.
Foi aprovado sem discussão.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a proposta de lei n.º 617-B, que autoriza o Govêrno a proceder à alienação dos navios que constituem a frota marítima do Estado.
Leu-se na Mesa.
É a seguinte:
Proposta de lei n.º 617-B
A lei n.º 1:346, de 9 de Setembro de 1922, teve por objectivo a liquidação dos Transportes Marítimos do Estado e a alienação dos navios da respectiva frota.
Nos termos dessa lei, os navios deveriam ser vendidos por adjudicação em concursos públicos, que foram de facto abertos, mas sem resultado, visto que as propostas apresentadas não estavam nas condições legais.
A lei não previa êste caso.
Prevendo, é certo, a hipótese de alguns navios não poderem ser alienados por meio dos referidos concursos, o legislador não acautelou o caso, que se deu, de todos os navios terem ficado por vender. O Govêrno não tinha, portanto, nem tem, disposição legal que o autorize à alienação da frota, nem conseqúentemente, fixado os termos em que essa alienação deverá ser feita.
Urge, porém, fazê-lo; é indispensável fazê-lo, o no mais curto prazo, pondo a navegar e convertendo em utilidade para o País êsses navios que tam caros lhe têm custado e que até sob o ponto de vista moral tantos prejuízos lhe têm causado.
Do estudo que fiz de todos os elementos de informação que me foi possível obter, cheguei à conclusão de que não há meio de evitar encargos e prejuízos sem-

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pre crescentes pára o Estado emquanto êle tiver em seu poder êsses vapores. E V. Ex.ªs poderão avaliar duns e doutros, quando verificarem que além da depreciação que resulta do lacto de se encontrarem amarrados grande número deles, só um ano — desde 1 de Outubro de 1922 a 30 de Setembro de 1923 — o deficit resultante da sua manutenção em poder do Estado orça por 5:240. 000$!
As despesas de pessoal — só essas — representam neste momento em encargo mensal cêrca de 185. 000$; e dos próprios fretamentos não resultam as vantagens que muitos supõem.
Com efeito, pela circunstância de não estarem classificados a maior parte dos navios, não é possível obrigar os fretadores a segurá-los em companhias de confiança e são os próprios Transportes Marítimos que tomam os seguros.
Daí, os prejuízos — e muito importantes têm êles sido.
No referido período de tempo que decorre desde 1 de Setembro de 1922 a 30 de Setembro de 1923, a uma receita de fretamentos no montante de 4:760. 286$15, corresponde uma despesa com os navios fretados de 4:587. 050$44!
O saldo foi, portanto, apenas de 173. 233$71!
Pelos cálculos feitos pela primeira sub-comissão constituída nos termos da referida lei n.º 1:346, são ainda necessários cêrca de 30:000. 000$ para pagamentos dos débitos antigos e ainda não liquidados, sendo insignificante a quantia que restado crédito d* 60:000. 000$ já aberto!
Urge, portanto, repito, que o Estado se desfaça dêsses navios.
Modo de fazê-lo? Aquele que mais rápido fôr.
E porque o meio indicado no artigo 13.º da lei n.º 1:346, com pequenas modificações, é aquele que me parece o melhor, tenho a honra de submeter à apreciação de V. Ex.ªs a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º Fica o Govêrno autorizado a proceder, por intermédio da primeira sub-comissão constituída nos termos do artigo 1.º da lei n,º 1:346, de 9 de Setembro de 1922, à alienação dos navios que constituem a frota dos Transportes Marítimos do Estado.
Art. 2.º Esta alienação será feita praça pública, com adjudicação a quem. maior quantia oferecer e nos termos seguintes:
1.º Os navios serão postos em praça e arrematados um por um;
2.º Os compradores só poderão ser cidadãos portugueses ou sociedades portuguesas, e os navios ficarão sujeitos a todas as condições estabelecidas pelo Acto Geral de Navegação, devendo, porém, todas as respectivas tripulações ser portuguesas;
3.º Os compradores não poderão ceder vender ou hipotecar, os navios, ou fazer quaisquer transferências dos seus direitos sôbre êstes, sem prévia autorização do Estado, que, no prazo de três meses, a contar da data do respectivo pedido, deverá, concedê-la ou declarar que prefere exercer o direito com que fica, de readquirir os navios, sob avaliação a que se deverá proceder por dois peritos, nomeados pelas partes interessadas e por um terceiro nomeado por acôrdo, ou, na falta de acôrdo, pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Se o Estado não conceder esta modificação, ou não declarar querer exercer o direito de preferência no prazo indicado, poderão os compradores dispor livremente dos navios;
4.º Os indivíduos ou sociedades a quem seja feita a adjudicação do navio ou navios, pagarão no prazo de três dias a importância por que houver sido feita a», adjudicação;
5.º Os arrematantes que o preferirem poderão pagar, no prazo a que se refere-o número anterior, somente 40 por cento da quantia por que lhe haja sido feita a adjudicação, e devendo os restantes 60 por cento ser pagos em cinco prestações anuais nos termos seguintes:
a) A taxa de juro será a de desconto no Banco de Portugal, acrescida de 1 por cento, e os juros serão pagos no fim de cada ano com a prestação;
b) Pela quantia em dívida e seus juros o Estado terá hipoteca legal, com privilégio sôbre qualquer outra;
c) O arrematante dará ainda ao Estado uma garantia subsidiária em valores do Estado, títulos cotados na Bolsa com a margem a fixar pelo Banco de Portugal, hipoteca de propriedades ou outros navios, ou garantia bancária;

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d) O navio será imediatamente seguro pelo comprador em companhias de seguros aceitas pelo Govêrno, em quantia nunca inferior àquela que tiver ficado a dever ao Estado acrescida de 10 por cento; e, quando deixe de pagar os prémios, fica o Estado com direito a efectuar êsse pagamento e a haver do comprador as importâncias que para êsse fim tiver despendido, acrescidas do juro já indicado;
e) Um exemplar das apólices de seguros, constituídos nos termos da alínea anterior, será entregue ao Govêrno dentro de oito dias da data da assinatura do contrato, devendo constar expressamente de todos os exemplares da apólice que o dono do navio segurado em caso algum poderá receber a indemnização senão por intermédio do Govêrno e quando êste por outro modo tenha assegurado o pagamento da quantia no momento ainda em dívida.
Art. 3.º O Govêrno deverá reservar três navios para as colónias de Angola, Moçambique e Cabo Verde — um para cada — escolhendo-os de entre os de menor tonelagem e mais económicos; e poderá ainda reservar até, dois para transportes da marinha de guerra.
Art. 4.º Os navios serão pela primeira vez postos em praça pelo valor da avaliação já feita, o os que não tiverem lançador voltarão de novo, e em seguida, por metade dêsse valor.
Art. 5.º Em caso algum os navios serão entregues sem que se haja efectuado e seu pagamento, ou, em caso de venda nos termos do n.º 5.º do artigo 2.º, sem que tenham sido preenchidas todas as condições estabelecidas pelas várias alíneas do referido n.º 5.º
Art. 6.º As importâncias em numerário, liquidadas pela alienação dos navios, depois de por elas pagos todos os débitos dos Transportes Marítimos do Estado, pertencerão ao fundo de protecção à Marinha Mercante Nacional.
Art. 7.º É expressamente mantido em vigor o disposto no artigo 22.º e seu parágrafo da lei n.º 1:346.
Art. 8.º. Fica, por esta lei, que entra imediatamente em vigor, revogada toda a legislação em contrário.
Sala das Sessões, 26 de Novembro de 1923. — O Ministro do Comércio e Comunicações, Pedro Góis Pita.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: permita-me V. Ex.ª que comece por manifestar a minha estranheza de não haver Deputados de qualquer lado da Câmara que queiram usar da palavra sôbre a generalidade de um projecto de tanta importância.
Não pensamos nós assim dêste lado da. Câmara, porque entendemos que em casos desta natureza, que são do mais alto interêsse para o Estado, todos nos devemos pronunciar sôbre a solução a adoptar.
Não será por nossa causa, Sr. Presidente, que o assunto deixará de ser resolvido com a urgência que êle requere.
E sôbre a grande urgência de resolver a questão para sempre célebre dos Transportes Marítimos do Estado, eu vou ler o, que aqui disse na sessão de 16 de Junho do ano passado:
«A culpa principal dos escândalos de toda a ordem cometidos nos Transportes Marítimos do Estado pertenciam aos Govêrnos da República».
Mantenho inteiramente êste modo de ver, com mais razão hoje ainda, porque cada dia que passa sôbre êste assunto, sem que seja resolvido, vem aumentar os prejuízos do Estado e depreciar cada vez mais o valor do activo dos Transportes Marítimos do Estado.
Infelizmente, chega-se a esta desastrada conclusão: sendo nós um país essencialmente marítimo, um país que vive do mar e para o mar, um país que tem no mar uma das fontes essenciais da sua riqueza, um país que tem no mar um dos pontos essenciais da sua expansão económica, um país que tem no mar todas as suas gloriosas tradições, por assim dizer, a própria razão de ser da sua existência, não é um país capaz de administrar sequer uma frota marítima em condições de poder, porventura, tirar dela qualquer proveito, em condições de evitar que com a sua especulação o Estado deixe de sofrer prejuízos incalculáveis e de ser vítima de escândalos da maior grandeza.
Ainda ante-ontem um ex-Ministro das Colónias se mostrou indignado a propósito dos Transportes Marítimos, declarando que estava verificado que o Estado

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tinha sido roubado e que havia criminosos, mas que não havia maneira de descobrir quem eram para irem para a cadeia. É um ex-Ministro que há pouco abandonou o Poder, e que durante quási dois anos geriu a pasta das Colónias, que vem perante o Parlamento demonstrar a incapacidade governativa da República e a falta de coragem moral da República para punir os criminosos da categoria daqueles que cometeram as frades dos Transportes Marítimos.
Sr. Presidente: já tive ocasião de dizer aqui, em 16 de Junho dó 1922, aquilo que véu agora actualizar com números.
A demora na liquidação dos navios dos Transportes Marítimos do Estado tem trazido para o País além dos prejuízos derivados dos roubos constantes, praticados na sua administração, dos erros da sua administração, prejuízos de centenas de milhares de contos derivados da demora nessa liquidação da frota.
Sustentei eu aqui, que se se tivesse feito a liquidação dos navios dos Transportes Marítimos do Estado em 1920, que foi uma das épocas em que a cotação da tonelagem dos navios atingiu o maior, auge, eu demonstrei que sendo a frota do Estado, antes, os despojos da frota que nos restavam depois dós sinistros ocorridos durante a guerra, depois da maneira como a casa Furness nos legou êsses navios o da maneira como foram tratados pela administração do Estado, eu sustentei com números que 154:343 toneladas que constituem boje o saldo da frota marítima do Estado, em tonelagem bruta correspondente aproximadamente a 215:000 toneladas de carga, o preço médio então em vigor era de 30 libras a tonelada ao câmbio da época, a 11 1/4 a libra, ou a 21$33(3), isto é, pela quarta ou quinta parte do preço actual, as 215:000 toneladas podiam ter rendido 6. 450:000 libras, ou seja, ao câmbio da praça 137:597. 850$.
Ao câmbio actual esta cifra elevava-se a quantia superior a 600:000 contos.
Sr. Presidente: se a lei de 9 de Setembro de 1922, que estabeleceu as normas da liquidação dos Transportes Marítimos do Estado, tivesse sido cumprida dentro do seu prazo, nós teríamos possibilidade do vender cada tonelada, não já a 30 libras como em 1920, mas a 5 libras, quando muito, em média.
Sustentei eu então que em Junho de 1922 a Inglaterra tinha amarrados nos seus pôrtos 1. 900:000 toneladas, em todos os pôrtos da Europa estavam amarrados mais do dois milhões de toneladas, excepto nos Estados Unidos, que tinham amarrado 40 por cento da sua frota marítima. Sendo a tonelagem mundial cêrca de 60 milhões de toneladas, estavam amarrados cêrca de 12 milhões de toneladas.
Apesar disso, ainda nessa ocasião nós podíamos vender os navios pela 6.ª parte do preço do 1920 ou seja a 5 libras a tonelada, e então obteríamos, ao câmbio do 4 1/6, com a libra a 58$00, 1. 575:000 libras; que a êste câmbio representava na nossa moeda 62:544. 575$.
O prejuízo sofrido pelo facto de não terem sido» vendidos em 1920, apesar da diferença da moeda, isto é da valorização da libra, cri superiora 75:053. 000$
Ao câmbio de 1920 que tomei para base, porque eram as condições mais prováveis da venda da frota marítima a 5 libras a tonelada produziria 22:932. 975$
Portanto o prejuízo derivado, não só da demora o portanto da depreciação do, preço da tonelada, assim como da diferença cambial de 1920 para 1922, era, nem mais nem menos do que 114:064. 870$. Sr. Presidente: estamos em 1923. O Sr. Ministro do Comércio animado das melhores intenções propõe-se fazer de vez a liquidação da frota marítima.
Eu, Sr. Presidente, não acredito que seja desta, e teria ocasião de expor a V. Ex.ª e à Câmara, no decurso das minhas considerações, as razões por que não acredito que assim suceda.
Mas, admitamos que o Sr. Pedro Pita consegue o milagre de fazer imediatamente a venda dos 40 navios que restam dos Transportes Marítimos do Estado. Averiguei que, sem exagero, sem pessimismo, os navios do Transportes Marítimos do Estado vendidos nas condições em que se encontram não produzirão, em média, mais do que duas libras por tonelada e terei ocasião de dar os parabéns ao Sr. Ministro do Comércio se conseguir ainda êste preço.
Portanto, ao preço de 2 libras a tonelada, a venda dá 430:000 libras, que ao câmbio do hoje, que é de 2 1/32 libra

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cheque a 118$15(3), a frota marítima do Estado produziria, apesar dêste câmbio favorável, apenas 50:815:790$.
Apesar da diferença de câmbio o prejuízo em relação a 1920, isto é, o prejuízo em relação ao preço do 30 libras, apesar da valorização da libra, é do 86:792. 600$.
Tomando como ponto de referencia não só a depreciação de preço que de 30 libras passa para 2 libras, mas também a depreciação cambial, o prejuízo derivado da demora da liquidação dos navios nesses três anos é qualquer cousa como 128:424. 600$.
Sr. Presidente: êstes números tirei os eu conscienciosamente dos dados que possuía sôbre a tonelagem dos 40 navios dos Transportes Marítimos do Estado.
Baseei-me na cotação cambial o nas informações derivadas dos mercados do Londres, que são, por assim dizer, aqueles que estabelecem a cotação oficial da tonelagem dêstes navios.
Sr. Presidente: no próprio mercado italiano, onde actualmente há um certo movimento de transacções de marinha mercante, o preço médio que se obtém, ao câmbio actual, para cada tonelada regula por 300$, e portanto 300$ é quantia inferior a 2 e meia libras, preço médio para a tonelagem da própria Itália, que não tem a abundância de frota comercial de marinha mercante que têm a Inglaterra o os Estados Unidos da América.
Sr. Presidente: apurados assim êstes números, que se algum defeito têm é de pecar por pequenos no cálculo, é natural que eu pregunto à Câmara a quem é que cabo a responsabilidade na demora da liquidação da frota marítima do Estado.
A demora, Sr. Presidente, pertence a todos os Govêrnos que estiveram no Poder a partir do armistício, assinado no dia, 11 de Novembro do 1918. Pouco depois dessa data, e especialmente em 1919-920, os outros países, salvo raras excepções, trataram de fazer a liquidação imediata dos Transportes Marítimos do Estado em condições que já tive ocasião de expor à Câmara, e com uma simplicidade extrema como em Inglaterra, onde bastou um homem só para em menos de um ano fazer a liquidação do cêrca do dois milhões de toneladas, representadas por navios de toda a categoria o aplicação.
Sr. Presidente: em Inglaterra foi encarregada de proceder gratuitamente à liquidação dos transportes marítimos urna companhia de navegação muito conhecida e que recebeu muitos elogios das revistas da especialidade pela forma prática como liquidou mais do dois milhões de toneladas que estavam sendo administradas pelo Estado.
Eu já tive ocasião de ler à Câmara as apreciações feitas acêrca desta liquidação. Todavia não quero neste momento deixar de lembrar à Câmara mais alguns períodos dessa apreciação.
Em França, o Ministro do Comércio, também não teve dúvida em dizer ao Parlamento que autorizava a venda dos navios, quanto antes, para libertar o Estado dêsse encargo, que entro nós melhor se poderá chamar cancro, que não só tem envergonhado o regime republicano mas também o País perante o estrangeiro, onde a bandeira portuguesa foi enxovalhada com arrestos o outros actos verdadeiramente vexatórios do brio nacional.
Mas de quem é a culpa?
Até 1922 fizeram-se tentativas de toda a ordem para ver se o Estado podia manter a administração dos Transportes Marítimos, mas em 9 de Setembro dêsse ano votou-se uma lei para que, no prazo de três meses, a segunda sub-comissão fizesse a liquidação dos Transportes.
Sr. Presidente: a lei n.º 1:346 ora bem expressa a êsse respeito, isto é, estipulava o praso de três meses, mas o que é verdade é que se fizeram sucessivas prorrogações, o só em 6 de Março de 1923 é que foi aberto o primeiro concurso para a adjudicação da frota marítima.
Êste concurso não foi cumprido em todas as suas cláusulas, e apesar do o artigo 12.º ser bem expresso, pois só teria de abrir novo concurso, o Sr. Vaz, Guedes, com uma excitação incompreensível, com uma transigência indesculpável e uma fraqueza inadmissível, vem apresentar ao Parlamento uma proposta de lei no sentido de conseguir que a Câmara desse, de mão beijada, os navios dos Transportes Marítimos a uma emprêsa que tinha apresentado condições que estavam em contraposição com as da lei n.º 1:436, em vez de cumprir as disposições claras desta lei, custasse o que custasse, doesse a quem doesse.

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A comissão de comércio e indústria deu um parecer muito desenvolvido, absolutamente prolixo, mas no emtanto, num dos seus considerandos, diz que concorda em que se acoitem as bases indicadas pela Companhia Nacional de Navegação, mas que em todo o caso elas devem servir de fundamento a um novo concurso que se abra.
A Câmara não mandou entregar os navios à Companhia Nacional de Navegação, mas deu a indicação de que se deveria abrir um novo concurso.
Evidentemente, sem discutir o merecimento dêsse trabalho, eia absolutamente desnecessário, aliás, para justificar um facto que está no espírito 'de todos.
Esta demora provocou mais atrasos na resolução do assunto.
Assim, Sr. Presidente, sendo a proposta do Sr. Queiroz Vaz Guedes datada de 10 de Maio, só em 10 de Julho o parecer da comissão foi apresentado, com a agravante do quási todos os seus subscritores o terem assinado com declarações e com restrições. Êsse parecer, portanto, traduz quási que exclusivamente a vontade do um ou de dois dos seus subscritores e não a vontade de todos, isto como consequência da atitude do Sr. Queiroz Vaz Guedes, que quis atirar para cima do Parlamento a responsabilidade do assunto.
O procedimento do Sr. Queiroz Vaz Guedes, desastrado Ministro do Comércio do Govêrno transacto, autor duma famosa carrapata que há-de ser devidamente apreciada aqui — o contrato para a construção e reparação das estradas do País — foi apreciado mi m jornal insuspeito, A Pátria.
Talvez não minta só disser que consta que êste artigo foi escrito pelo Sr. Carlos Pereira.
A Câmara fica vendo com que autoridade nós, monárquicos, podemos referir-nos, numa linguagem de censura, ao Sr. Queiroz Vaz Guedes, que é apreciado, como acabei de ler, por um seu correligionário, membro da maioria parlamentar.
Sr. Presidente: em seguida à prolongada crise do Govêrno transacto apareceu-nos no Parlamento o novo Ministro do Comércio. Sr. Pedro Pita, e a sua primeira proposta aqui apresentada é justamente destinada a poder fazer a liquidação dos Transportes Marítimos em condições mais vantajosas.
O Sr. Pedro Pita baseia a sua proposta no facto de entender — e quanto a mim muito bem — que o artigo 13.º da lei n.º 1:436 não o autoriza expressamente a fazer a liquidação dos navios um a um. Êsse artigo prevê apenas a hipótese de restarem alguns navios daqueles que em grupo forem adjudicados em concurso geral nas condições estabelecidas.
Essa mesma maneira do ver era também a da comissão de comércio e indústria, relativamente ao parecer n.º 579.
Sr. Presidente: estamos em lace, portanto, duma proposta de liquidação dos navios dos Transportes Marítimos do Estado, baseada num ponto de vista inteiramente novo.
Eu terei ocasião, se a Câmara mo permitir e o tempo me chegar, de apontar ao Sr. Ministro das Finanças algumas dúvidas que tenho acêrca da sua proposta, para que o assunto seja esclarecido a tempo e não necessito de voltar novamente à Câmara.
A venda avulso de 40 navios dos Transportes Marítimos do Estado, no total de 215:000 toneladas de pêso, aproximadamente, tem realmente certa vantagem pela facilidade que traz a essa liquidação.
Não deixo de reconhecer que o agrupamento dos navios, nas condições em que a sua venda se pretendia fazer, só aproveitaria a uma ou duas emprêsas, respeitando o acto de navegação de 8 de Junho de 1863.
Mas se a venda avulso tem a vantagem a que me referi, ela tem, por outro lado, gravíssimos inconvenientes, que é preciso evitar na proposta em discussão.
Em primeiro lugar, Sr. Presidente, é preciso atender à tonelagem da maior parte dos navios e ao número dêsses navios, e confrontá-los com o número de pretendentes que possa haver dentro do País e que, em obediência ao acto de navegação, queiram adquirir ossos navios.
Uma grande parte dêsses navios é de grande tonelagem, o que equivale a dizer que, dada a crise económica que atravessamos e dado sobretudo o pequeno número de pessoas que actualmente se dedicam ao ramo de exploração do afretamento marítimo, é muito duvidoso que os concorrentes acorram em número su-

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ficiente à luta necessária à alta dos pré cos para. bem dos interêsses do Estado.
Quem é que há-de adquirir navios com uma tonelagem como a do Amarante e todos ou mais que vou ler?
Navios de grande tonelagem que vão à praça só, poderão ter um concorrente, e êsse naturalmente será a Companhia de Navegação, que irá só à última praça.
Os navios pequenos, de pouca tripulação e os que tenham pouco dispêndio de carvão, êsses terão mais concorrentes.
Eu tenho a documentação completa dos Transportes Marítimos. IS ao a leio para não fatigar a Câmara, mas o Sr. Ministro do Comércio, se quiser consultá-la, ela existe na comissão liquidatária.
Eu queria colaborar com o Sr. Ministro do Comércio, mas não vejo maneira para isso, pois se a venda dos navios, unidade por unidade, traz vantagens, tem também inconvenientes.
Depois há uma cousa terrível, que se dará o cambão de que o Sr. Ministro do Comércio não se poderá livrar.
E preciso que haja uma defesa contra o cambão. Se não tomarmos medidas para evitar as combinações que é costume fazerem-se para as arrematações, teremos o cambão tal como tem sucedido no Ministério das Finanças, quando se trata da vergonhosa almoeda dos bens das igrejas.
Haveria uma maneira de evitar os efeitos dessas combinações: era autorizar o Sr. Ministro do Comércio a vender o» navios sem preocupação de bandeiras, isto ó, que o Sr. Ministro pudesse declarar que os navios que em Portugal não produzirem mais de 2 libras por tonelada, serão vendidos em praça pública sem preocupação de bandeira.
Isto não significa que eu concorde em que se faça a venda dos navios sem ser em obediência ao acto de navegação de 1863.
Mas podia dar-se a circunstância de fôrça maior, de alguns navios não terem comprador no País.
Lembro êste caso ao Sr. Ministro do Comércio.
Agora pregunto a S. Ex.ª se, dado o caso de não ser possível alienar a frota do Estado, tem qualquer plano pelo qual o Estado tenha maneira de se desfazer dos navios.
A questão capital para mim é que o Sr. Ministro pondere o assunto de modo a cercar esta lei das melhores garantias para vencer o terrível cambão.
A propósito vou ler o que diz a comissão do comércio e indústria, a páginas 12 do seu relatório apresentado o ano passado.
Para esta leitura chamo a atenção do Sr. Ministro do Comércio.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Pedro Pita): — Está lá a primeira sub-comissão.
O Orador: — Mas a comissão de comércio e indústria propõe a segunda. Também vinha uma proposta nesse sentido, mas fala-se nisso a propósito da segunda.
Naturalmente o que a Câmara vota é a segunda...
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Pedro Pita): — Não se pode votar.
O Orador: — Há também uma proposta a êsse respeito.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Pedro Pita): — Não existe.
O Orador: — Encontro a primeira comissão quási incompetente pelo ponto de vista político e financeiro.
Não encontro muitos dêles com competência para tratarem da liquidação de navios.
Mas desde que se insiste, que se trata de sub-comissão, do mal o. menor; deve ser aprovada. Da segunda sub-comissão faz parte como delegado da marinha mercante o Sr. Brito do Rio, que fez a venda escandalosa do Lima.
Por isso insisto: a segunda sub-comissão não merece confiança.
O Sr. Ministro do Comércio previu também a hipótese da troca dos navios.
Vai ser posta uma proposta de alteração quanto à percentagem. Até 40 por cento reputo-a exagerada.
Também se fala na hipótese da venda ser autorizada pelo Govêrno no prazo de três meses, findo o qual o proponente fará a venda, porventura baseando-se na-

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quele princípio conhecido de «quem cala consente».
Ora acho muito arriscada esta disposição. Os Ministros multas vezes não podem dar expediente rápido aos assuntos, e, além disso, dada a instabilidade tradicional governativa do regime republicano, nesse prazo podem suceder-se os Governos, o que não é novo pois em Novembro de 1920 houve muitos.
Nestas condições, pregunto ao Sr. Ministro do Comércio se S. Ex.ª não acha arriscada esta disposição do estabelecer limite para êste fim.
O «quem cala consente», dado o descuido da administração pública e instabilidade governativa, não pode fazer-se.
Quando se discutia a lei n.º 1:436, considerou-se a disposição de deixar em liberdade o proponente, más nunca esta de, se o Govêrno não responder no prazo de seis meses, ficar autorizado a dispor dos navios.
Os tribunais podem até não conseguir anular os contratos de venda feitos, por exemplo, com a Inglaterra.
A venda dos navios tem de obedecer ao acto de navegação, e não pode ser. admitida sem autorização do Govêrno.
Vou ler, o que se faz em Inglaterra sôbre condições de pagamento,
Vejam V. Ex.ªs a diferença que há.
Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Parece-me que uma situação intermédia é que deve ser: o de V. Ex.ªs marcarem um preço certo de 40 por cento de acto da entrega.
Parece-me que se deve considerar um preço de 30 ou 60 por cento para o pagamento da segunda prestação, não passando o navio para o comprador sem que êsse pagamento se faça.
É preciso estabelecer garantia ao Estado para êsse fim.
Quanto ao modo de liquidação, acho preferível o critério da lei n.º 1:436 que é dos navios ficarem hipotecados como garantia daquela importância.
É preciso olhar se ao prazo de liquidação, idade dos navios, etc., porque se vamos considerar cinco anos, garanto ao Sr. Ministro do Comércio que há navios que, porventura, daí a cinco anos já não valem as prestações em dívida, e o Estado deixa de ter garantia para o pagamento das prestações.
Há navios construídos em 1894, outros em 1889. A maior parte são construídos em 1909, 1901 e 1902.
Há navios que, a não ser com uma grande reforma, reconstrução quási completa, não poderão servir de garantia.
Não há maneira de receber daqui a cinco anos nenhuma prestação.
Muito mais eu tinha a dizer, mas limito-me a manifestar à Câmara o modo de ver da minoria monárquica, que é o de se liquidar os r avios para evitar o que se tem dado — como no ano passado — que custou para cima de 5:000 contos.
Neste momento, em que estamos a braços com uma greve marítima que está agravando o custo da vida, poderíamos aproveitar êsses navios para resolver essa greve, porque poderíamos aproveitar o pessoal descontente com a greve em serviços dos navios para completar a sua tripulação.
Como V. Ex.ª vê, Sr. Ministro do Comércio, não tem a minoria monárquica quaisquer preocupações políticas.
Já que estamos nêste assunto, eu desejava saber se V. Ex.ª aceita e perfilha a convenção de 1886 acêrca do acto de navegação.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Pedro Pita): — Sim, senhor.
O Orador: — Então ouça V. Ex.ª o que vou ler, como sendo á única maneira que os navios têm para navegar, e para o fazerem com a bandeira azul e branca arvorada sabe V. Ex.ª e eu o que é necessário.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador; quando nestes termos, restituir às notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro do Comércio não fez a revisão da sua resposta.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Pedro Pita): — Sr. Presidente: ouvi com a maior atenção o discurso do Sr. Cancela do Abreu, e nas suas considerações eu reconheci que S. Ex.ª teve o intuito de apreciar a questão fora do ponto político.
Eu não posso afirmar que a minha proposta seja a resolução do assunto, mas

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aceitarei iodas as emendas que tenham o propósito de o liquidar, pois tenho um único propósito, o de livrar o Estado de um verdadeiro cancro.
Apoiados.
Do crédito de 60:000 contos votados pelo Parlamento já se dispenderam 52:000 contos.
Em compensação, sendo contas que estão a crédito dos Transportes Marítimos do Estado, são haver do próprio Estado, conforme eu vou ler à Câmara.
Quere dizer que os créditos dos Transportes Marítimos do Estado representam débitos do próprio Estado, podendo, portanto, a meu ver. ser anulados.
Interrupção do Sr. Cancela de Abreu que se não ouviu,
O Orador: — V. Ex.ªs naturalmente hão-de desejar honrar os compromissos tomados.
Sr. Presidente: na proposta que apresentei à Câmara, com o fim principalmente de facilitar a discussão e de a abreviar, eu procurei, conforme já tive ocasião de dizer, apresentar uma proposta que fôsse tanto quanto possível a própria lei votada por êste Parlamento, para a hipótese de terem sido adjudicados em concurso alguns navios e outros não.
Nova interrupção do Sr. Cancela de Abreu que se não ouviu.
O Orador: — Tenciono de facto apresentar um artigo nesse sentido.
No artigo 13.º da lei n.º 1:346 estabelece-se o que deve fazer-se para o caso de terem sido adjudicados uns navios e outros não.
De facto não pôde dar-se outra interpretação diversa da que V. Ex.ª diz ter, que também ô a minha, mas no emtanto, para que não possa haver dúvidas, eu fiz à Procuradoria Gorai da Republica duas preguntas, que foram respondidas, resultando delas a apresentação da minha proposta, que, como disso a V. Ex.ª, tem principalmente por fim ampliar uma disposição já votada, para assim conseguir mais ràpidamente habilitar a comissão liquidatária a proceder à venda dos navios.
Eu sei que tem muitos inconvenientes a liquidação feita nestes termos; sei que pode surgir o cambão a que se referiu o ilustre Deputado; sei que sendo muitos
os vapores e relativamente poucos os concorrentes, podem entender-se todos, destinando um vapor a cada um. Conheço tudo isso. mas simplesmente estou como S. Ex.ª: não tenho remédio a dar; e mais, quando aí se falou nas emendas a apresentar a esta proposta, que já declarei a V. Ex.ªs que aceito todas aquelas que tiverem por fim uma liquidação mais rápida, mais curta, digo a V. Ex.ªs que tenho um medo enorme dessas cautelas a estabelecer, porque foi por causa de todas elas que resultou inutilizar-se a lei votada anteriormente tornando-a absolutamente inexeqüível.
Sr. Presidente: eu, vendo os números, reconhecendo que os Transportes Marítimos custaram só num ano mais de 10:000 contos ao Estado, reconhecendo que êles deram um saldo negativo de 5:500 contos, números redondos, reconhecendo que os navios cada vez se depreciam mais, cada vez valem menos, reconhecendo que a circunstância de que êsses navios no estado em que se encontram representam uma vergonha para o País, reconhecendo êsses inconvenientes superiores a todos os outros, tenho uma opinião que, aliás, não é nova: é, aquela que teve a comissão dos Estados Unidos da América encarregada de propor a solução a dar aos navios apreendidos à Alemanha, opinião que igualmente teve a comissão francesa, e assim em minha opinião o verdadeiro caminho a seguir, o melhor de tudo, é, vendê-los por qualquer preço, e inclusivamente dá-los.
Mas, Sr. Presidente, se algum Sr. Deputado encontrar d» facto uma forma que evite êsses inconvenientes sem destruir o intuito da proposta, que é alienar os navios, terei muito prazer em aceitar essa forma, que declaro a V. Ex.ªs não sei encontrar sem prejudicar o fim que tenho em vista, que é a alienação dos navios.
A única maneira que o ilustre Deputado Sr. Cancela de Abreu encontrou para evitar, o cambão, para evitar uma venda ao desbarato foi o autorizar o Govêrno a lazer essa venda sem a preocupação da bandeira; mas S. Ex.ª foi o primeiro a reconhecer que isso não estava bem, foi S. Ex.ª o primeiro a declarar que não concordava com a venda feita nesses termos, e assim estou perfeitamente concorde com S. Ex.ª nesse ponto.

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Referiu-se ainda o ilustre Deputado à circunstância de pela loi n.º 1:346 ser a sub-comissão encarregada da venda dos navios, e na minha proposta ficar essa atribuição à primeira sub-comissão e atribuir a principio a um êrro de cópia essa circunstância.
Não foi de facto um êrro de cópia, e explico a V. Ex.ª e à Câmara a razão por que foi a primeira sub-comissão e não a segunda.
A certa altura a segunda sub-comissão, que fora encarregada da venda dos navios, apresentou ao Sr. Ministro do Comércio e Comunicações o pedido da sua demissão, e, tendo o Sr. Ministro solicitado que continuasse na sua missão, ela insistiu na sua resolução, declarando terminantemente que não voltaria às suas funções, e mais declarou que sendo essa sub-comissão nomeada por lei, e os seus membros nomeados pela mesma lei, e sem poderes para executar qualquer resolução, não faria mais nada e abandonava imediatamente os respectivos serviços.
Foi então que o Sr. Vaz Guedes, Ministro do Comércio e Comunicações, despachou no sentido de a primeira sub-comissão ficar substituindo a segunda sub-comissão até resolução do Parlamento.
Aqui têm a razão por que propus que a primeira sub-comissão fizesse a liquidação em vez da segunda.
Sr. Presidente: disse o Sr. Cancela de Abreu que julgava escasso o prazo de três meses fixado na minha proposta, e deu como razão a instabilidade dos Govêrnos.
S. Ex.ª podia contentar-se em dizer só isso, mas acrescentou que a instabilidade era a característica dos Govêrnos do regime republicano no País.
Mas S. Ex.ª devia lembrar-se que na monarquia havia Govêrnos de vinte e oito dias, e houve um que até foi chamado o Govêrno dos vinte e oito dias de Clarinha.
Risos.
Àpartes.
Nos últimos tempos da monarquia, no reinado de D. Manuel, a instabilidade dos Govêrnos era bem notável.
Mas eu não faço questão dos três meses marcados, e se S. Ex.ª acha êsse prazo escasso, pode propor a sua ampliação.
Àparte do Sr. Cancela de Abreu que não foi ouvido.
O Orador: — Não é necessário pensar na alegação de os armadores se desculparem por não terem recebido resposta do Govêrno; essa hipótese não nos deve preocupar.
Àpartes.
O que é necessário é evitar quanto possível novas despesas.
Àpartes.
S. Ex.ª, que é advogado, e distinto, sabe tam bem como eu. que há maneira de conseguir que o armador não tenha possibilidade de alegar que não recebeu a resposta. Todavia não faço questão do caso.
Pus na minha proposta o que dela consta a tal respeito, porque isso já estava na lei anterior.
Quanto ao prazo fixado para o pagamento dos primeiros 40 por cento da quantia da arrematação, S. Ex.ª pronunciou-se no sentido de significar que em seu entender acha curto êsse prazo, que é de 3 dias.
Devo declarar que se fixei êsse prazo, foi por que a minha primeira intenção era a de apresentar uma proposta para que a arrematação dos navios fôsse feita nos termos da legislação que regula as arrematações judiciais. Ora êsse prazo de 3 dias é exactamente aquele em que se tem de fazer o depósito judicial das quantias por que se arrematam os bens leiloados. Mas devo também declarar que me é indiferente que êsse prazo passe a ser fixado em 8, 10, 15 ou 30 dias.
Tratando depois S. Ex.ª do prazo para a liquidação dos 60 por cento, que não tenham sido pagos na ocasião da aquisição, dos navios, classificou de exagerado o prazo de 5 anos, achando que é necessário encurtá-lo.
Apresentou S. Ex.ª um argumento para êste caso, que vai contrariar o argumento que primeiramente apresentou.
Diz S. Ex.ª: a concorrência não é bastante para o namoro de navios; logo, portanto, fácil será estabelecer-se o cambão.
Ora eu creio que quanto mais largo fôr o prazo para o pagamento maior facilidade haverá na aquisição dos navios e consequentemente maior poderá ser o número dos pretendentes.
Há o inconveniente que S. Ex.ª apontou?

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Mas porque pus êsse prazo de 5 anos?
Os navios não têm a idade que representam os anos que decorreram sôbre aqueles em que foram feitos.
Têm essa idade e mais a depreciação.
Têm menos idade; mas há a depreciação, e assim navios há mais novos que estão em condições de oferecerem menos condições de garantias do que outros mais velhos, razão por que eu fixo o prazo de 5 anos, que é diferente daquele que se achava estabelecido na lei, isto para defesa do próprio Estado, conforme consta da alínea c) do n.º 5.º do artigo 2.º
Eu procedo desta forma, Sr. Presidente, com o único intuito de acautelar tanto quanto possível o Estado e para evitar além disso um lapso de registo, uma demora de registo, todas as consequências que podem resultar da instabilidade governamental, etc.
Se a Câmara no emtanto entender que deve votar apenas os 30 por cento e não os 40 por cento como eu indico, não veja nisso inconveniente de maior.
Interrupção do Sr. Cancela de Abreu que se não ouviu.
O Orador: — Sr. Presidente: eu devo dizer a V. Ex.ª e à Câmara que relativamente à apólice do seguro, disposição esta que não se se achava consignada na lei, se estabelece que não se possa receber qualquer quantia que os seguros tenham a pagar senão por intermédio do Estado.
Creio com esta minha proposta assegurar tanto quanto possível os interêsses do Estado, sendo o meu maior empenho que a Câmara não dificulte por qualquer forma a venda de todos os Transportes Marítimos do Estado.
Creio ter dado ao ilustre Deputado todos os esclarecimentos que S. Ex.ª me pediu e ter respondido a todos os pontos sôbre os quais S. Ex.ª tocou, insistindo mais uma vez sôbre o meu ponto de vista, isto é, que acho útil todas as propostas que só apresentem, tendentes a melhorar aquela que eu apresentei, desejando apenas uma cousa, e é que essas propostas que pretendam apresentar não inutilizem o fim que ela tem em vista, qual seja a liquidação completa de todos os Transportes. Marítimos do Estado pois tenho a certeza absoluta que será êsse o meio mais fácil que o Estado tem de deixar de suportar os encargos que dêles resultam.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Costa Amorim: — Sr. Presidente: pedi a palavra para comunicar a V. Ex.ª que se encontra constituída a comissão dos correios e telégrafos, tendo escolhido o Sr. Custódio Pereira para presidente e a minha pessoa para secretário.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: passa hoje o aniversário de um movimento cuja vitória fica na história de Portugal como um dos seus trechos mais calamitosos.
Na defesa da ordem e da Constituïção baquearam muitas pessoas pelas ruas de Lisboa, e eu não quero, sendo esta a última sessão que decorre dentro das datas correspondentes a êsse período histórico, deixar de proferir palavras de saudade por êsses que morreram batendo-se por um ideal que os factos vieram demonstrar que era o mais consentâneo com os destinos do País e da República.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem! Muito bem!
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Chegou à Mesa a comunicação do falecimento de uma irmã do Sr. Jaime de Sousa, e por êsse motivo proponho que na acta seja exarado um voto de sentimento.
Apoiados gerais.
O Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Câmara, considero aprovado o voto de sentimento que acabo de propor.
O Sr. António Correia: — Sr. Presidente: pedi a palavra já há dias solicitando a comparência, nesta Câmara, do Sr. Ministro da Agricultura, e como S. Ex.ª, certamente por motivo dos seus muitos

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afazeres, ainda aqui não veio, peço a V. Ex.ª que faca sentir a S. Ex.ª a necessidade que eu tenho da sua presença, para tratar de um assunto da mais alta importância para o País e para a região que aqui represento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Sá Cardoso: — Sr. Presidente: as palavras que o Sr. João Camoesas proferia obrigam-me a usar da palavra.
Referiu-se S. Ex.ª com expressões de saudade, àqueles que, em 7 de Dezembro, baquearam na defesa da legalidade constitucional.
Coube-me a, honra de ser o comandante das fôrças que se bateram em defesa dessa constitucionalidade e do Govêrno de então.
Mal me ficaria, por isso, se aqui não juntasse as minhas palavras de saudade lis quê proferiu o Sr. João Camoesas, associando-me a elas.
Mas tinha em especial o dever de o fazer, porque tive debaixo das minhas ordens os soldados da República, que pela República se bateram e morreram, e me acompanharam durante a jornada trágica do Terreiro do Paço até o Rato.
A memória dêsses que morreram eu rendo a minha maior homenagem, fazendo vetos para que na nossa terra não seja possível um novo atentado como o de 5 de Dezembro.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem! Muito bem!
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: sem preocupações de ordem política de qualquer natureza, devo dizer a V. Ex.ª quê nos associamos a todos os votos de saudade à memória daqueles que combateram pelo seu ideal, sejam quais forem as suas convicções.
Evidentemente que nesta saudação não podemos deixar de incluir expressamente o Presidente Dr. Sidónio Pais, que foi uma das vítimas do próprio movimento que levantou.
O Sr. presidente do Ministério e Ministro do Interior (Ginestal Machado): — Sr. Presidente: pedi a palavra para em nome do Govêrno dizer a V. Ex.ª e à Câmara que lamento que na data que recordou o ilustre Deputado Sr. João Camoesas mais uma vez em Portugal, sobretudo nesta cidade de Lisboa, com tantas tradições, muitas delas gloriosíssimas, morressem portugueses, batendo-se por ideais. Fossem êstes quais fossem, eram sempre ideais e, portanto, respeitáveis.
Em nome do Govêrno da República não posso deixar de me associar à homenagem de saudade proposta pelo Sr. João Camoesas e a que se associaram os vários lados da Câmara.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu. __
O Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Câmara, considero aprovado o voto de sentimento pelas vítimas do movimento de 5 de Dezembro.
A próxima sessão é na segunda-feira, à hora regimental, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia:
A de hoje.
Ordem do dia:
Projecto de lei n.º 617-B, que autoriza o Govêrno a proceder à alienação dos navios que constituem a frota marítima do Estado.
Parecer n.º 544, que aprova para ratificação o Protocolo assinado em Londres, sôbre a modificação do artigo 5.º da Convenção Internacional sôbre navegação aérea.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 25 minutos.
Documentos enviados para durante a sessão
Projectos de lei
Do Sr. Agatão Lança, aplicando a alínea d) do artigo 6.º da lei n.º 1:170 aos militares, em indicadas condições.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de guerra.
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. Plínio Silva, revogando o decreto n.º 8:924, publicado em 18 de Ju-

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nho e 10 de Novembro de 1923 e a reorganização anexa dos Caminhos de Ferro do Estado.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de caminhos de ferro.
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. Pires Monteiro, concedendo às viúvas e órfãs de oficiais, em designadas condições, a pensão do 3$ mensais.
Para o «Diário do Govêrno».
Proposta de lei
Dos Srs. Ministros das Finanças, Negócios Estrangeiros o Colónias, autorizando o Govêrno a celebrar, sob determinadas bases, um convénio comercial com os Estados Unidos do Brasil.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de negócios estrangeiros.
Para o «Diário do Govêrno».
Declarações de voto
Declaro que, aprovando a moção Paiva Gomes sôbre o caso das 400:000 libras e rejeitando a moção Rêgo Chaves, não tive o propósito de pronunciar-me sôbre a doutrina jurídica nelas expostas e apenas quis provocar uma quási certa intervenção dos tribunais sôbre o assunto, a qual se me afigura conveniente para uma segura definição dos direitos do Estado e dos Bancos. — A. Rocha Saraiva.
Para a acta.
Tendo incidido votações nominais sôbre as moções apresentadas durante a interpelação ao Sr. Ministro das Finanças, ontem resolvida, declaro que se estivesse presente teria votado contra as moções Paiva Gomes e Morais Carvalho, e a favor da moção Rêgo Chaves, por entender que o Estado não pode, nem deve, realizar operações de usura e porque urge regularizar uma intenção de que resultou prejuízos para o Estado. — Pires Monteiro.
Para a acta.
Comunicações
Do Sr. Garcia Loureiro, declarando ter-se desligado, para efeitos de eleição de comissões, do Grupo Parlamentar Nacionalista.
Para a Secretaria.
Do Sr. Jaime de Sousa, participando o falecimento de uma sua irmã por cujo motivo deixará, por algum tempo, de comparecer aos trabalhos parlamentares.
Para a comissão de infracções e faltas.
Requerimento
De Henrique Alberto de Sousa Guerra, capitão do infantaria n.º 20, pedindo o reembolso de vencimentos que lhe não foram pagos por motivo de prisão preventiva.
Para a comissão de guerra.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.

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