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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 20
EM 15 DE JANEIRO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Ex.mos Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Alberto Lelo Portela
Sumário.— Abre a sessão com a presença de 44 Srs. Deputados. São lidas as duas últimas actas que adiante são aprovadas com número regimental.
Dá-se conta do expediente.
São admitidas propostas de lei já publicadas no «Diário do Governo».
Antes da ordem do dia. — O Sr. Carlos Pereira trata da tabela dos salários de justiça com referência à sua distribuição, apresentando a êsse respeito um projecto de lei, e ainda um outro em matéria de previdência social.
O Sr. Menano pregunta se há pedido de renúncia dos Srs. segundo secretário e vice-secretário.
Responde negativamente o Sr. Presidente.
O Sr. Pereira continua nas suas considerações.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro) apresenta a proposta de lei orçamental para o futuro ano económico de 1924-1925, precedendo a apresentação de considerações económicas e financeiras.
O Sr. António Maia interroga a Mesa em matéria regimental.
O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins} apresenta uma proposta de lei de crédito extraordinário, para que requere urgência e dispensa do Regimento, que são concedidas.
Entra em discussão e é aprovada, com dispensa da última redacção, tendo usado da palavra o Sr. Morais Carvalho.
O Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso) manda para a Mesa duas propostas de lei, pedindo urgência e dispensa do Regimento para aquela que 86 refere a um crédito para serviços policiais.
É deferido o requerimento entrando em discussão a proposta de lei que é aprovada, tendo usado da palavra os Srs. Carvalho da Silva e respectivo Sr. Ministro.
Dispensada, a última redacção.
Ordem do dia.— O Sr. Nuno Simões continua e, conclui o seu discurso sôbre a moção que apresentara no debate político referente à questão dos tabacos.
Alberto Lelo Portela
É autorizada a comissão de guerra a retinir durante o trabalho das sessões.
São feitas substituições em diversas comissões parlamentares.
Sôbre o assunto dos tabacos, justificando o facto de novamente o discutir, quando o respectivo projecto se encontra afecto à apreciação do Senado, usa da palavra o Sr. Ferreira da Rocha, que termina por enviar para a Mesa uma moção que é admitida, bem como uma outra, da sessão anterior, da autoria do Sr. Almeida Ribeiro.
Manifesta-se sôbre a moção do Sr. Ferreira da Rocha o Sr. Presidente do Ministério, replicando o mesmo Sr. Deputado.
Segue-se o Sr. Morais Carvalho.
O Sr. Ferreira da Rocha requere modificação na sua moção de ordem, ficando o requerimento sôbre a Mesa para se votar na sessão seguinte.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. — Constituição de comissões.— Projectos de lei.— Nota de interpelação.—Requerimentos.
Abertura da Cessão às 35 horas e 32 minutos.
Presentes à chamada 44 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 60 Srs, Deputados,
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Lelo Portela.
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Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Artur Brandão.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Maldonado Freitas.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sousa.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mário de Magalhães Infante.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Ângelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Correia.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio do Brito Carvalho da Silva.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constando de Oliveira.
Delfim Costa.
Fausto Cardoso do Figueiredo.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Pereira Bastos.
João Teixeira do Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Pedro Ferreira.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mariano Martins.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Pedro Góis Pita.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
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Albano Augusto do Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Américo da Silva Castro.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Torres Garcia.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Bernardo Ferreira de Matos.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Salema.
João de Sousa Uva.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa da Câmara.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Valentim Guerra Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Pelas 15 horas e 30 minutos, com a presença de 44 Srs. Deputados, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta e o seguinte
Expediente
Ofícios
Do Senado, comunicando ter enviado à Presidência da República, para promulgação, a proposta de lei que manda aplicar ao Ultramar as disposições do decreto n.° 172, de 26 do Abril de 1918.
Para a Secretaria,
Do Ministério das Colónias, satisfazendo ao requerido pelo Sr. Pedro Pita, comunicado em ofício n.° 40.
Para a Secretaria,
Do Presidente da Sociedade de Sciências Médicas, agradecendo o voto de saudação à mesma Sociedade pela comemoração do seu centenário.
Para a Secretaria.
Do Ministério das Finanças, enviando 185 exemplares da proposta orçamental para 1924-1925, e comunicando que será enviado igual número de exemplares dos desenvolvimentos das receitas e despesas do cada um dos Ministérios e dos serviços autónomos.
Para a Secretaria.
Distribua-se.
Telegrama
Do Centro Democrático o Associação de Artistas e Operários de Gouveia, protestando contra a extinção da Escola Primária Superior daquela vila.
Para a Secretária,
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Admissões
São admitidas as seguintes propostas de lei já publicadas no «Diário do Governo».
Dos Srs. Ministros das Finanças e Marinha, concedendo pensões às viúvas dos oficiais da armada que não podem inscrever-se sócios do Montepio Oficial.
Para a comissão de marinha.
Dos mesmos, abrindo um crédito para reforço do capitulo 2.° do artigo 1.° «Despesas Gerais da Armada».
Para a comissão de marinha.
Dos mesmos, abrindo um crédito do 190 contos para reforço do capítulo 5.° artigo 35.° do orçamento da marinha.
Para a comissão de marinha.
Dos mesmos, transferindo do capítulo 2.° para o 4.° do orçamento do Ministério da Marinha para 1922-1923 a quantia de 75 contos.
Para a comissão de marinha.
Dos Srs. Ministros das Finanças, Guerra e Marinha, autorizando a cedência do bronze e fundição para o monumento aos mortos da Grande Guerra.
Para a comissão de marinha.
Do Sr. Ministro da Marinha, regulando a situação económica do Hospital da Marinha.
Para a comissão de marinha.
Antes da ordem do dia
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: sabe V. Exa. e sabe a Câmara que pelo decreto n.° 8:436, no seu artigo 71.°, se estabelece que os oficiais de justiça contribuam com a porcentagem de 20 por cento.
Entendem necessário dar à verba uma melhor aplicação da que tem tido até agora, pois não se podiam reformar com o vencimento por completo, acabando ao mesmo tempo com as substituições em que o substituto recebe metade.
A classe dos oficiais de justiça merece todo o respeito e consideração, e por isso vou ter a honra de apresentar um projecto de lei e em que o Estado não tem encargos.
Até podemos dizer, e sem favor, que os oficiais de justiça pelos seus emolumentos e só exclusivamente com êles podem, fazer face à caixa que por êste projecto é formada e cuja administração deve ser dos superiores magistrados judiciais, devendo os delegados dessa administrarão ser por eleição. Mas para garantir o fundo da administração é preciso garantir metade do fundo dessa caixa, que deve ser inalienável.
Nestes termos, tenho a honra de mandar para a Mesa o projecto de lei a que me referi.
Aproveito estar com a palavra para dizer que é de todos conhecido que nos últimos tempos o desenvolvimento das grandes indústrias, as condições das classes operárias têm-se modificado, assim como todos sabem que a República promulgou várias leis em favor, dessas classes, como acidentes de trabalho, seguros sociais, mas a codificarão das leis sôbre matéria social está confusa e precisamos ordená-la e modificá-la.
O nosso Código Civil nos seus únicos cinco artigos poderá dizer-se, como se disse do Código Civil francês, que desconhece o trabalho.
Devemos, pois, codificar toda a legislação num só diploma, que viria a ser o código do trabalho e da previdência social.
Sei que se pode objectar que toda a codificação tem por fim determinar um a certa rigidez de todo o direito, e portanto a sua evolução normal.
Mas, como o meu projecto de lei tem um intuito de ordem positiva, de verificar quais as matérias sôbre as quais é mester legislar, entendo que essa codificação não entravará a marcha normal do, direito operário, dêsse direito que tendo a estender-se cada vez mais, dêsse direito que tende a regular as relações sociais que não podem esquecer-se, relações que o Estado deve reconhecer e garantir.
Uma vez que só codifique toda a legislação sôbre o trabalho, ter-se há verificado quanto estamos em várias matérias ainda arredados daquele ponto que é preciso retomar imediatamente.
Assim verificamos que precisamos do dar personalidade às associações opera-
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rias que tem sido abandonadas, porque verificamos que, a par da concentrarão do capital, há uma concentração mais humana, porventura mais digna de protecção.
O Sr. Presidente: — Peço a V. Exa. que suspenda as suas considerações, pois não está ocupado o lugar de segundo secretário.
O Sr. Paulo Menano: — V. Exa. diz-me se os Srs. Sampaio Maia u António Correia renunciaram os seus lugares de segundos secretários?
O Sr. Presidente: - Não há nenhum pedido de renúncia.
O Sr. Lelo Portela: — Êste incidente vem mostrar a necessidade de se proceder a nova eleição da Mesa, a qual já devia estar eleita.
O Orador: — Reatando as minhas considerações, depois dêste pequeno intervalo, em que o Sr. Deputado, fazendo as vezes de secretário, abandonou o seu lugar, não sendo substituído, direi a V. Exa. que é mester abandonar as velhas fórmulas do direito, já que êste não é um mero produto do raciocínio, já que êste é filho dos factos. Nós temos, a par da concentração do capital, a concentração do trabalho, o que devemos considerar.
É preciso que a República, com o seu carácter progressivo, providencie no sentido de que legisle sôbre o que é necessário legislar, porque evidentemente um direito novo se vem criando, e não pode o Parlamento do meu país alhear-se dos problemas sociais.
É preciso pôr de parte as fórmulas antigas do direito burguês, criando um código para regular todas as relações sociais.
É preciso, já que não queremos fazer abolir as disposições do Código Civil, que a par dele se crie um código novo, e nestes termos envio para a Mesa dois projectos de lei.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando nestes termos, restituir as notas taquigráficas que, lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Em harmonia com a Constituição, mando para a Mesa a proposta de lei orçamental para o futuro ano económico.
O orçamento do aludido ano apresenta um déficit em números redondos de 333:000 contos.
Não foram ainda inscritas na proposta de lei do Orçamento AS verbas de redução produzidas pelos decretos publicados desde 22 de Dezembro a 8 do Janeiro.
Sr. Presidente: como prometi, apresento à Câmara o relatório financeiro correspondente a êsse período,
Posso dizer que a deminuição das desposas imediatas, a que se referem êsses decretos, é, em números redondos, do 9:000 contos, e que a desposa futura a eliminar será de 17:718 contos.
Como tive ocasião de declarar na discussão política travada a quando da apresentação do Govêrno, êste propõe-se fazer urna redução mais extensa nas despesas orçamentais.
O Govêrno calcula que, com o seu trabalho e com as faculdades que o Poder Legislativo lhe concedeu, poderá elevar a verba de redução de despesas a 60:000 contos.
As medidas que o Govêrno vai apresentar ao Parlamento e as que já tomou dom referência ao imposto de transacções, devem elevar êsse imposto ao rendimento que primitivamente foi fixado pela Câmara, ou seja a cêrca de 105:000 contos. E de notar que a cobrança dêste imposto não chegou a 40:000 contos e se se aproximar esta verba da que correspondo à cobrança do imposto pelos adicionais nas alfândegas, verifica-se que ela é apenas o dôbro.
Quanto às restantes contribuições, o Govêrno, em breves dias, apresentará ao Parlamento urna proposta no sentido da actualização, tendo em conta a desvalorização da moeda, pela aplicação de determinados factores às várias contribuições, o que se traduzirá directamente no aumento da produtividade da contribuição predial, industrial e de registo.
Supõe o Govêrno, e assim o inscreveu na proposta orçamental, que a contribuição de registo poderá elevar-se a mais 25:000 contos, a contribuição predial n. 22:000 contos e as restantes na devida
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proporção, o que fará com que o déficit seja reduzido a 90:500 contos. Mas supondo que o rendimento dos tabacos não é superior ao que se encontra consignado na proposta do acordo em discussão no Senado, o déficit previsto ficará reduzido a 95:000 contos, números redondos, quantia que não é excessiva para ser pedida às grandes fortunas.
O Govêrno, nas medidas que tenciona apresentar ao Parlamento, para obter que o déficit fique reduzido a 95:000 contos, atingirá principalmente a riqueza, não recorrendo ao imposto, pois que redundaria em pedir novos sacrifícios àqueles que na verdade não são os detentores do capital.
O déficit apresentado para o futuro ano económico é muito mais elevado do que era indicado pelo Sr.Vitorino Guimarães, mas êste facto resulta do calculo do ágio do ouro, que naquele ano era calculado a 1:250 o agora foi calculado a 2:550.
Todavia, êste calculo ainda fica aquém da cotação actual, que creio ser de 2:700.
Há, como V. Exas. vêem, uma importância em desfavor, mas esta diferença é equilibrada com o aumento das despesas.
Sr. Presidente: um outro ponto para que desejo chamar a atenção da Câmara é para o fenómeno que nos dá larga esperança, que é o de o deficit ser extinto no ano seguinte àquele a que respeita a proposta actual, pelo automático crescimento das receitas, havendo uma política severa de estabilização das despesas públicas.
É por êste motivo que tenho insistido e marcado uma política de estabilização das despesas, porque isso representa a criação de novas fontes de receita.
Se tivéssemos a possibilidade do estabilizar as desposas durante dois anos, o déficit seria deminuído do mais de um têrço.
É interessante notar que o aumento das despesas se fez sentir, como todos sabem, principalmente pela verba da divisa cambial.
Mas além disso pesam no Orçamento outros, para os quais chamo a atenção do Parlamento quando forem discutidos os orçamentos respeitantes aos vários Ministérios.
O Ministério da Guerra apresenta um aumento de 33:000 contos, e é minha
convicção que muito mais de cinquenta por cento dessa quantia podem na verdade ser abatidos no Ministério da Guerra (Apoiados), sem prejuízo dos seus serviços próprios, sem prejuízo da defesa nacional, sem prejuízo da sua organização o progresso.
Apoiados.
Mas como o Govêrno não está presentemente armado de poderes suficientes para fazer essa redução, chamo a atenção do Parlamento para que durante a discussão do orçamento do Ministério da Guerra o Parlamento preste todo o auxílio ao Ministro das Finanças para que essa redução só leve a cabo.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros, que era um dos Ministérios que pesavam no Orçamento Geral do Estado, antes da guerra e já depois dela, apenas com uns milhares de contos, pesa atual-mento com um excesso de despesa, em relação ao ano económico corrente, de 14:000 contos, números redondos.
É também um dos Ministérios que devem merecer a atenção do Parlamento, para lhe ser dado remédio imediato, reconduzindo-o à situação anterior, para que desapareça êste excesso de despesa.
Temos um excesso de representação diplomática, temos um excesso de representação consular, mas essa representação não pode ser útil ao País nem prestigiar as instituições em quanto êste não satisfizer o seu compromisso financeiro.
Apoiados.
A melhor propaganda que o País pode fazer no estrangeiro é ter a sua solvabilidade inteiramente garantida.
Muitos apoiados,
O Sr. Nuno Simões (interrompendo): — Mas o Govêrno continua a mandar abrir concursos no Ministério dos Negócios Estrangeiros...
O Orador: — O Sr. Nuno Simões tem inteira razão.
O Sr. Nuno Simões: - Obrigado a V. Exa.
O Orador: — Se S. Exa., porém, ou qualquer outro ilustre Deputado, quiser analisar o orçamento do Ministério dos
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Negócios Estrangeiros, verá que as verbas, despendidas o que nesse orçamento avultam não respeitam a essa representação.
O Sr. Nuno Simões (interrompendo): — Reclamo que só faça eficientemente!
O Orador: — As despesas avultadíssimas do Ministério dos Negócios Estrangeiros não se caracterizam todas elas pela sua utilidade e eficiência.
O Sr. Nuno Simões: — Apoiado!
O Orador: — O que peço eu, portanto, ao Parlamento? Que precisamente as verbas cuja eficiência é discutível sejam inexoravelmente cortadas.
O Sr. Nuno Simões (interrompendo): — Creio que está no espírito da Câmara a proposta que S. Exa. faz. Simplesmente é lastimável que o Govêrno esteja neste momento fazendo concursos no Ministério dos Negócios Estrangeiros pelo velho sistema de recrutamento, quando desde 1911 se reclama insistentemente uma completa reorganização desse Ministério. Sei que a representação é péssima e não é eficiente, e a Câmara aprovará o que se lhe apresente no sentido de reorganizar criteriosamente os serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
O Orador: — Estou inteiramente de acordo com S. Exa. e creio que, dada a situação financeira em que nos encontramos, temos o dever de restringir as despesas com os serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O que eu reputo para o Pais uma propaganda mais eficaz a seu favor, é a propaganda que resulta do equilíbrio das suas contas públicas, e o reclamo que resulta da demonstração da sua habilidade em toda a parte onde o Estado Português tenha crédito.
O Sr. Nuno Simões: — Os maus funcionários nunca fizeram boa propaganda...
O Orador: — Reformas com o objectivo de deminuição de desposa provocam sempre alarme naqueles que imaginam que os serviços perdem inteiramente a sua
eficiência e os conduz à sua morte. Mas o critério de economia, o critério financeiro por que hoje têm de ser vistos todos os problemas do Estado, e muito principalmente o aspecto interno dos serviços do Estado, têm de cingir-se estritamente até aquilo que o Estado pode pagar. Eu recordarei um exemplo de remotos dias.
Quando, na Inglaterra, foi nomeada urna comissão estranha aos serviços públicos para conseguir a deminuição das despesas públicas, o Almirantado inglês alarmou-se seriamente com a redução proposta por aquela comissão, declarando peremptoriamente que era impossível fazer dentro do Almirantado qualquer redução, porque isso deminuíria a defesa da Inglaterra. Não obstante, as demonstrações feitas por essa comissão foram de tal ordem perante a opinião inglesa, que o Govêrno não teve dúvidas em aceitar o critério da comissão, apesar das reclamações das entidades que imaginavam que os serviços sofriam na sua eficiência. Uma cousa, porém, dominara o espírito daqueles que estavam fora do critério dos serviços e dos preconceitos dêsses mesmos serviços: a necessidade imperiosa de mostrar ao público inglês que o Govêrno queria obter a maior economia para fazer desaparecer do orçamento o seu déficit.
As minhas palavras, Sr. Presidente, tiveram unicamente por fim chamar a atenção da Câmara para a situação financeira em que se encontra o Estado Português. Em breves dias cumprirei a promessa de trazer um relatório sôbre os resultados financeiros das medidas tomadas recentemente pelo Govêrno, uma proposta que autorize o Govêrno a tomar determinadas medidas que se efectivem numa redução de despesas pelos vários Ministérios, assim como uma proposta de actualização dos impostos, para o Estado conseguir imediatas receitas, sem as quais não têm condições de vida nem êste Govêrno nem nenhuma instituição governativa em Portugal.
As condições são cada vez mais prementes e impõem-se de tal maneira que eu estou absolutamente seguro de que a Câmara se empenhará na resolução do problema financeiro, dando ao País a satisfação de que o ano económico de 1924-1925 se abriu sob os auspícios do encerramento definitivo do déficit orçamental
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que êste ano pesa sôbre nós de uma maneira dolorosíssima.
Apoiados.
Vozes: — Muito bem.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os «àpartes» não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. António Maia (para interrogar a Mesa): — Eu desejava que V. Exa., Sr. Presidente, mo informasse sôbre qual o artigo do Regimento que dá preferência aos Srs. Ministros a falarem antes de qualquer orador inscrito antes da ordem do dia.
O Sr. Presidente: — O artigo 12.° do Regimento.
O Sr. António Maia: - Muito obrigado a V. Exa.
O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins): — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de lei abrindo no Ministério das Finanças, a favor do Ministério das Colónias, um crédito extraordinário de 4:000 contos para reforçar a verba consignada no orçamento para o pagamento da garantia de juros do Caminho de Ferro de Mormugão, visto que a verba de 6:000 contos foi toda absorvida com a garantia de juros em Londres.
Em 25 dêste mês temos de pagar 13:000 libras e a verba está esgotada.
Peço, portanto, a V. Exa. se digne consultar a Câmara sôbre se reconhece a urgência o dispensa do Regimento para que a proposta entre imediatamente em discussão.
O orador não reviu.
Leu-se na Mesa a proposta.
É a seguinte:
Proposta de lei
Tende de se pagar em Londres, nos dias 25 de Janeiro, 25 de Maio e 30 de Junho de 1924, à Companhia de Caminho de Ferro de Mermugão, a garantia de juros relativa ao 1.º semestre do mesmo
ano, na importância total aproximada de libras 36:000 e não existindo, em virtude do constante agravamento cambial, saldo na verba para tal fim descrita no capítulo único, artigo 2.°, da despesa extraordinária do orçamento do Ministério das Colónias para o corrente ano económico do 1923-1924, torna-se necessário abrir um crédito especial da quantia do 4:000.000$ para ocorrer à despesa de que se trata.
Nestes termos tenho a honra do apresentar à vossa ilustrada apreciação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É aberto no Ministério das Finanças, a favor do Ministério das Colónias, um crédito especial da quantia de 4:000.000$ destinado a reforçar a verba consignada no capítulo único, artigo 2.°, da despesa extraordinária do orçamento do segundo dos referidos Ministérios em vigor no corrente ano económico a «Subvenção para o caminho de ferro do Mermugão».
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões, 15 de Janeiro de 1924.- O Ministro das Finanças, Álvaro de Castro.— O Ministro das Colónias, Mariano Martins.
Foram aprovadas a urgência e a dispensa do Regimento.
Entrou em discussão, na generalidade, a proposta de lei.
O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: o novo pedido de crédito extraordinário feito pelo Sr. Ministro das Colónias é a comprovação mais uma vez feita de quanto é má e desgraçada a administração dêste País e a confirmação do quanto são sempre errados os cálculos orçamentais para iludir o País a quando da apresentação do Orçamento. E ainda bem que a proposta vem no dia de hoje, em que se apresentou a proposta orçamental.
Quando o ano passado se discutiu aqui o Orçamento Coral do Estado, o Sr. Ministro das Finanças de então, em resposta às observações comprovativas do quanto era falsa a divisa cambial que se adoptara em relação às despesas a pagar em ouro, declarou que nós éramos pessimistas e que não tinham razão de ser
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as nossas observações. S. Exa. deixava-se, é certo, arrastar pelas ilusões do celebro empréstimo que nos havia de salvar, mas os factos, infelizmente, vieram comprovar o acerto da nossa crítica e a verdade das nossas precisões.
Assim, ao fim de alguns meses as verbas orçamentais não chegavam, o começaram quási ininterrupta mente os pedidos do reforço de verbas em importâncias que de ante-mão se conheciam, mas que propositadamente só não inscreveram para não colocar perante os olhos da Nação o triste quadro, que é a ruinosa administração da República.
Eu entendo que, dado o caracter da aplicação do novo crédito, para cuja abertura se nos vem pedir autorização, nós não podemos deixar de dar o nosso voto a proposta do Sr. Ministro das Colónias. Contra o que eu me insurjo é contra o facto do se avaliarem sempre por baixo as despesas a fazer, simplesmente com o objectivo de iludir o público.
E vem bem agora êste pedido de crédito, no momento em que o Sr. Ministro das Finanças reedita a velha mistificação de ocultar os verdadeiros números do déficit orçamental que, segundo S. Exa. é de 300 e tal mil contos o que de facto é muito superior ao dôbro.
Protestando contra semelhantes processos de administração, por agora nada mais tenho a fazer do que dar o meu voto à proposta do Sr. Ministro das Colónias.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É aprovada na generalidade e, em seguida, na especialidade sem discussão, a proposta do Sr. Ministro das Colónias.
O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins): — Requeiro a dispensa da última redacção.
Aprovado.
O Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso): — Mundo para a Mesa duas propostas de lei, uma autorizando o Govêrno a nomear comissões-administrativas nos concelhos ou novas freguesias que foram criados, emquanto se não procede a eleições; a segunda abrindo um crédito de 30 contos em favor da polícia de segurança do Estado.
Para esta última proposta requeiro urgência e dispensa do Regimento.
O orador não reviu.
Aprovada a urgência e dispensa do Regimento entra em discussão na generalidade, depois de lida na Mesa.
Proposta de lei
Senhores Deputados.— A bem do serviço público e por necessidade de ocorrer a serviços de manutenção de ordem pública pela Polícia de Segurança do Estado, cuja dotação foi reconhecida insuficiente, temos a honra de submeter à apreciação desta Câmara, a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É aberto no Ministério das Finanças a favor do Ministério do Interior, um crédito especial da quantia do 30.000$ destinada a reforçar a dotação inscrita no Capítulo IV, artigo 22.° do orçamento do segundo dos referidos Ministérios, para o corrente ano económico de 1923-1924 sob a rubrica «Polícia Preventiva o de Segurança do Estado—Agentes Eventuais».
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 10 do Janeiro de 1924.—Álvaro de Castro, Presidente do Ministério o Ministro das Finanças. — Alfredo Ernesto de Sá Cardoso, Ministro do Interior.
O Sr. Carvalho da Silva: — Mais uma vez se mostra por esta proposta quanto os orçamentos apresentados a esta Câmara representam a verdade.
O Sr. Ministro das Finanças já conseguiu um milagre: reduzir as despesas sem fazer economias, ou melhor fazendo insignificantes' economias que só serviram para desorganizar os serviços públicos.
Quanto ao crédito que agora se nos vem pedir, nós não o votaremos porquanto se trata duma despesa que reputamos inútil, da desposa com a manutenção duma polícia destinada a descobrir os crimes e que, no fim de contas nada descobre. Além disso nem sequer sabemos se o crédito se refere ou não até ao fim do actual ano económico.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso): - Em resposta às considerações
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que acaba de fazer o Sr. Carvalho da Silva, devo dizer que o crédito que agora peço chega, embora não sôbre, para as despesas com o corpo do polícia de segurança do Estado.
A verba fixada não o foi ao acaso. Nos anos anteriores ela era de 10 contos mensais, à excepção dos últimos dois anos em que foi reduzida a 5 contos. Ora não é com tal verba que se podem manter eficientemente os serviços dessa polícia.
No tempo da monarquia, o juiz Veiga tinha anualmente à sua disposição a verba do 80 contos.
Actualmente apesar da moeda se ter desvalorizado bastante a verba é de 60 contos...
O Sr. Carvalho da Silva: — Há menos dinheiro actualmente, mas, em compensação, há mais bombas.
O Orador: — Há, mas devemos de alguma maneira evitar que elas possam explodir, como explodem, som que haja qualquer medida repressiva.
São tam deminutos os vencimentos da polícia, que a falta de agentes dessa corporação é enorme, podendo calcular-se em um polícia para 12 ruas, o que torna possíveis os constantes atentados á bomba.
A minha proposta não tem a pretensão de resolver o assunto, mas vem, no emtanto, satisfazer as exigências de momento.
Tenho dito.
Foi aprovada a proposta na generalidade e, sem discussão, na especialidade, sendo dispensada a última redacção a pedido do Sr. Vitorino Godinho:
foi aprovada a acta.
Leu-se na Mesa uma nota de interpela-cão do Sr. Carlos de Vasconcelos.
Vai adiante publicada.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ordem, do dia. Continua em discussão a moção do Sr. Nuno Simões.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão sôbre o acordo com a Companhia dos Tabacos
O Sr. Nuno Simões: — Sr. Presidente: pedi a palavra para responder às considerações que a propósito da minha moção, fizeram os Srs. Presidente do Ministério e Almeida Ribeiro.
O Sr. Presidente do Ministério classificou de injustas as minhas palavras em relação ao procedimento do Govêrno neste assunto, e afirmou mesmo que eu tinha sido áspero na apreciação dêsse procedimento, não tendo querido ver que o Govêrno tinha feito tudo quanto nesse momento podia fazer.
O Sr. Álvaro de Castro foi excessivo quando me classificou de injusto.
O Comissário do Govêrno junto da Companhia dos Tabacos tem funções que lhe foram estabelecidas pelo contrato de 1906, que lhe foram ratificadas pelo decreto n.° 4:510, de Julho de 1918 e ainda pelo decreto n.° 1:465; mas apesar disso êle não cumpriu o seu dever.
Na moção que tive a honra de mandar para a Mesa pedi à Câmara para que considerasse a situação dêsse alto agente do Poder Executivo e lhe pedisse contas dos seus actos, responsabilizando-o pela falta de cuidado que os factos se encarregaram de revelar que existiu da parte dêsse alto funcionário no exercício das suas funções.
Não tenho que retirar uma só das palavras que disse e mantenho integralmente o meu pedido expresso na moção.
O dever do Comissário do Govêrno junto da Companhia dos Tabacos era de ter procurado o Sr. Presidente do Ministério no dia em que se realizou a assemblea geral, dando-lhe conhecimento do que nessa assemblea se tinha passado.
Isso não fez êsse alto funcionário, e por conseqüência ficam de pé as conclusões da minha moção.
Eu sei que efectivamente as sanções legais, políticas e morais que têm de aplicar-se a casos como êstes visam também os Governos que permitem que a fiscalisação se exerça nos termos absolutamente insólitos em que vem sendo exercida pelas diversas entidades. Mas nem por isso, nem porque há mais responsáveis, eu terei de privar-me de pedir que sejam aplicadas todas as sanções aos responsáveis.
É absolutamente necessário que nesta questão, como em todas as que afectam assuntos de interêsse público, a Câmara e o Poder Executivo exijam as responsabilidades a quem as tem.
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Mão foi outra a intenção da minha moção pelo que se refero à fiscalização junto da Companhia dos Tabacos, e que mantenho certo de que cumpro o meu dever, interpretando o próprio pensamento do Poder Executivo relativamente a uma questão desta importância.
O Sr. Almeida Ribeiro, comentando a minha moção, mandou para a Mesa uma emenda relativa á substituição duma parto dela.
O Sr. Almeida Ribeiro é das pessoas que nesta Câmara pronunciam sempre as palavras necessárias sob o ponto de vista dos interêsses do Estado; mas creio que S. Exa. não tem razão desta vez.
Sugeri a nomeação duma comissão parlamentar de exame ao monopólio dos tabacos.
Eu não solicitei que se nomeasse uma comissão de inquérito. Eu sei que essas comissões parlamentares de inquérito, mercê das negligências dos seus próprios membros componentes, se têm desacreditado em relação não só à função parlamentar, como em relação ao País.
Sei bem que nada representaria a nomeação duma comissão parlamentar de inquérito.
Sr. Presidente: o que eu sugeri foi a nomeação de uma comissão de exame às condições do monopólio dos tabacos, que na hora própria pudesse, em virtude do seu estudo, dar ao Govêrno precisos elementos de controle^ afim de se apurar o valor negociável do monopólio, para que em 1926 não se caísse em qualquer êrro de administração, como muitos outros que temos neste momento a lamentar, sobretudo em relação à Companhia dos Tabacos.
O Sr. Almeida Ribeiro, discordando da nomeação a que me refiro na minha moção, confessou implicitamente uma incapacidade parlamentar que não é de aceitar.
Nada impede o Parlamento do constituir uma comissão, que do cooperarão com o Govêrno faça o estudo detalhado do magno problema do contrato dos tabacos. Essa comissão poderá recolher elementos do estudo, indo procurá-los desde as alfândegas até à escrita do Ministério das Finanças, desde a escrita da Companhia até à escrita dos revendedores.
Depois com o resultado do estudo dessa comissão, o Govêrno poder-se-ia colocar em condições de na hora própria conhecer, em absoluto, do valor negociável do monopólio dos tabacos, corrigindo, então, facilmente os defeitos e até as irregularidades que foram denunciadas na última, assemblea geral da Companhia dos Tabacos.
Os termos em que o Sr. Almeida Ribeiro - formulou a emenda que apresentou, são de molde a admitir que a comissão seja constituída por parlamentares, o que está no pensamento que ditou a minha moção.
Mantendo êsse ponto da minha moção, não poderei sentir-me sequer deminuído no pensamento que lhe norteou, ao ter de me conformar, porventura, com uma resolução da Câmara no sentido de aprovar a proposta do Sr. Almeida Ribeiro.
Ela de nenhum modo proíbe os membros do Parlamento de fazerem parte duma comissão que ao Executivo convém que seja constituída por elementos do Parlamento.
No tocante propriamente à discordância do Sr. Almeida Ribeiro, quanto à alínea 2.ª da minha moção, tenho a declarar que nenhuma questão faço dessa alínea,
Quando sugeri à Câmara que convidasse o Poder Executivo a substituir o acordo que está pendente do Senado por uma outra proposta que defendesse bem os interêsses do Estado, não era ainda a última redacção dessa proposta.
Por outro lado há, de facto, no acOrdo pendente no Senado pontos de vista que constituem doutrina a aproveitar para o efeito de o Poder Executivo resolver a questão em harmonia com os interêsses do País o Propondo essa substituição, de nenhum modo significo a minha discordância com alguns dos artigos da proposta que foi aprovada na Câmara dos Deputados.
O que eu queria significar, Sr. Presidente, e mantenho ainda, é a certeza que tenho de que o Senado não pode deixar do considerar êste assunto.
Fica assim esclarecido o assunto, estando certo de que o Senado lhe há-de introduzir as modificações que julgar necessárias e que hão-de necessàriamente corresponder à melhor defesa dos interêsses nacionais.
É esta, repito, Sr. Presidente, a opi-
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nião que norteou a alínea d) da minha moção, estando no emtanto, como já disse à Câmara, disposto a suprimi-la, visto que estou convencido de que a proposta pendente no Senado esclarecerá algumas disposições que efectivamente necessário é esclarecer e justificar, se bem. que reconheço, no emtanto, que essa proposta, no que diz respeito ao rendimento, está mal calculada, sendo no emtanto uma das melhores que se têm apresentado.
Eu já disso à Câmara, e torno a repeti-lo, que faço inteira justiça ao pensamento do autor dessa proposta, pois a verdade é que o ilustre Deputado Sr. Vitorino Guimarães é das pessoas que, -tanto dentro desta Câmara como lá fora, todos reconhecem que é uma das pessoas que colocam acima do tudo os superiores-interesses do Estado.
Sr. Presidente: assim eu devo dizer que a minha moção não poderá parecer menos coerente, pois o meu desejo é que seja elevado ao máximo o cálculo sôbre os rendimentos, de forma u que o Estado não seja enganado.
Sr. Presidente: já depois das declarações feitas pelo Sr. Presidente do Ministério o das declarações feitas também pelo ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro, têm vindo a público nestes últimos dias várias declarações da Companhia dos Tabacos.
A Companhia dos Tabacos está fazendo aquilo que nós chamamos sangrar-se em saúde, isto ó, está procurando demonstrar ao País que está absolutamente tranquila, muito principalmente a todos aqueles que na verdade pouca ou nenhuma confiança tem nos monopólios.
Mas o que é um facto é que o tem em que ela tem feito essas declarações é idêntico àquele que ela teve na última assemblea geral, isto é, um tom sereno,
o que prova que na verdade a Companhia está procurando ir ao encontro das resoluções que porventura a Câmara possa vir a tomar sôbre o assunto, às quais evidentemente não poderá deixar de se submeter, atenta a fiscalização do Estado
junto da Companhia.
Sr. Presidente: quero em todo o caso considerar aqui algumas afirmações do ofício da Companhia dos Tabacos. Uma delas diz respeito ao repúdio pressuroso que a Companhia faz da apreciação que corre sôbre a escandalosa administração, citada aqui na Câmara.
Essa apreciação não depende da Câmara nem da Companhia, nem da violência que eu pudesse ter empregado; depende somente dos factos.
Foi nessa assemblea geral que um accionista se lançou à critica dum director dos tabacos.
Entendi, por motivos que não vêm para o caso, não mencionar os motivos das acusações. Elas vêm da tradição.
Em 1908 o Sr. Afonso Costa leu à Câmara uma circular para que a Companhia representasse ao Govêrno sôbre a crise económica e financeira. A leitura foi feita na Câmara.
Não teve resposta por parto dum dos directores que era Deputado.
Ninguém precisa inventar: os factos o demonstram.
Bastava ler à Câmara a página de Mariano do Carvalho para se ver o que foi essa Companhia dos Tabacos.
Poderia recordar os factos do 1891, na altura em que o negociador do empréstimo, do lado dos prestamistas, declarava que era para satisfazer determinado compromisso.
Eu não inventei isto para ser desagradável à Companhia.
Êstes factos pertencem à história de administração pública um Portugal. São piores que as minhas palavras as do Sr. Eduardo John.
Mas a Companhia dos Tabacos não pode desmenti-los.
O presidente de conselho da administração da Companhia confirmou inteiramente as declarações do Sr. Eduardo John.
Quando o Poder Executivo quiser intervir nesta questão pode intervir.
O País conhece que a função do comissário junto da Companhia é sim função de comissário dos tabacos junto do Govêrno.
O comissário dirigiu-se ao Ministério para informar o Sr. Ministro das Finanças.
A Companhia teve a sanção moral que neste momento invoca.
Em Portugal, em questões de moral, quando há alguma pessoa que se preocupa em tratar junto de monopólios, o neste ponto refiro-me ao Sr. Cunha Leal que limitou a percentagem, dá-se o que só viu:
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a Companhia atribuiu as culpas ao Estado de não receber o que devia receber.
Mas é necessário notar mais uma vez que não apresentei esta questão à Câmara senão com o objectivo de que a Câmara tem de fazer justiça.
Passaram-se factos anormais numa Companhia que explora um dos mais ricos monopólios do Estado.
Êsses factos foram do molde a invocar, por pessoa que não o usa fazer, os interêsses do Estado.
Houve confissões por parte de quem tinha obrigação de contestar os factos.
Tendo-se passado êsses factos durante as férias, o podendo passar despercebidos, entendi que ora obrigação do Poder Legislativo chamar para eles a atenção do Poder Executivo, não porque duvide das intenções dêsse Poder, mas porque é necessário que os dois Poderes cumpram as suas funções conjuntamente.
O Poder Executivo não pode alhear-se desta questão, e tem do considerá-la de futuro, com respeito ao acordo que está pendente do Senado e em relação aos novos termos e elementos que são do próprio pleito.
O Sr. Francisco Cruz (interrompendo): — Nem a Câmara nem o Senado podem alcançar quaisquer elementos estatísticos que habilitem a conhecer o assunto, e ninguém sabe até o que vão custar as próprias máquinas.
Àpartes.
O Orador: - Sr. Presidente: depreen-de-se das declarações feitas nessa assemblea que se praticaram irregularidades na escrituração, escondendo lucros, sendo necessário que sejam postos em relevo para que se cumpra a lei, ou para que se conheça o valor do monopólio, para que o Govêrno tome providências para que a Companhia pague ao Estado o que deve pagar, para que o Estado não sofra prejuízos.
Veja-se o que disse o presidente do conselho de administração sôbre essas irregularidades.
Já no outro dia tive ocasião de dizer à Câmara que as armas que se vão dar aos concorrentes do monopólio dos tabacos eram também para definir os meios de defesa do Estado.
Sôbre isso nenhuma dúvida pode haver, porque é necessário avaliar os prejuízos que o listado tem tido pela falta de receitas pagas e o valor do monopólio.
Isso deve também ser avaliado sob o ponto de vista moral.
Foi por isso que chamei para o facto a atenção da Câmara.
Há a considerar que a Companhia, tendo de atender à obrigação, que habilidosamente procura interpretar a seu modo, aumentou marcas sem consultar quem devia consultar e aumentou preços do mesmo modo.
Sr. Presidente: a seqüência dos factos faz acreditar que o Estado não se importa com os factos que se passam.
E para que o Estado, o Govêrno e o Parlamento se não desinteressem, é que eu apresentei a questão, e tenho a certeza que no debate vão intervir pessoas que, por terem mais informações ou por terem outras faculdades parlamentares, apresentarão pontos do vista que o Senado deva considerar, estabelecendo condições no acordo a fazer, de modo que em 1926 o Estado tenha nas suas mãos o monopólio dos tabacos inteiramente livre de qualquer compromisso.
Deve conhecer-se inteiramente quanto êsse monopólio vale, para se saber quanto é que se há-de pedir para êle, para que nem o Estado nem a companhia sejam ludribriados ou esta se julgue vítima.
De entre as declarações vindas a público, houve uma que reputo a mais importante, porque se trata de uma questão fundamental. Refiro-me à chamada questão dos encargos.
Na proposta do Senado a companhia renuncia a pretensos direitos e considera revogado o decreto n.° 4:510, ora eu pregunto a mim mesmo se o Estado se pode contentar com essa renúncia ou se o Estado renuncia também aos seus direitos.
Pelo menos, a trezentos contos por ano tem o Estado direito porque lhe são devidos. Creio que não é domais insistir no ponto do vista do decreto n.° 4:510, o ocorre-me preguntar: porque é que o representante do Govêrno junto da companhia não interveio imediatamente? Porque não chamou a atenção do Poder Executivo?
Porque é que a Companhia pressurosa-
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mente reclamava quando os prejuízos lhe tocavam, e nesta altura não chamou a atenção do Govêrno?
Parece-me que mais uma vez os interêsses do Estado não foram acautelados, procurando-se sofismar o decreto n.° 4:510, prejudicando o País.
Vejam-se os considerandos dêsse decreto.
Como é que, se tendo efectivamente estabelecido a doutrina que nele se expressa, se consentiu no decorrer dos anos, passando pelo Poder vários Governos a quem cumpria zelar pela defesa dos interêsses públicos, que se tenha chegado ao ponto do saldo da conta dos sobreencargos no último balanço da Companhia dos Tabacos acusar a quantia de 46:000 contos?!
Atente-se agora ao que preceitua o n.° 4.° do referido decreto.
Verifiquemos também como é que o decreto n.° 4:510 define o resultado de que terá de ser distribuído, um têrço para o Estado e dois terços para os sobreencargos industriais.
Não havia, portanto, senão que estabelecer a diferença das receitas brutas para os chamados encargos de venda ou comissões de venda, o que daria 86,3 por cento, e desta percentagem um têrço seria para o Estado e dois terços para fazer face aos sobreencargos industriais.
Não define o decreto o que são os sobreencargos industriais, e não era necessário defini-los. Sabe toda a gente que nas Despesas industriais há a considerar o aumento das matérias primas e dos salários. Nestes termos se compreendia no decreto n.° 4:510, os sobreencargos industriais; mas vejamos agora o que se fez nessas discutidas e negregadas instruções. A que visavam em primeiro lugar essas instruções? O artigo 11.° do decreto n.° 4:510 o diz: à contabilidade e fiscalização dos sobreencargos. Definidos já o que são os sobreencargos, necessário é definir o que é contabilidade e fiscalização. Para isso basta apenas atentar no seu significado gramatical.
Assim as instruções não podem definir o que já estava definido, não podem alargar o significado legal dos sobreencargos, ou dar ou negar às receitas qualquer aplicação diferente daquela que era estatuída pelo decreto n.° 4:510.
Mas fazendo-se um confronto entre as instruções e o decreto, verifica-se que não são os aumentos de salários e matérias primas o que se considera sobreencargos; dá-se-lhe uma maior amplitude, que é inaceitável. As instruções procuram indevidamente definir quais são os encargos extraordinários que há que satisfazer por essa verba de sobreencargos. Então falam nos aumentos extraordinários de vencimentos, nos subsídios de carestia da vida e nus despesas conexas... estas despesas conexas que se empregam sempre quando se pretende subtrair ao Estado quaisquer receitas.- E eu quando emprego a palavra subtrair não quero senão dizer que não houve cuidado em legislar nesse sentido. Mas falam-se além dêsses em outros encargos extravagantes. Assim pretende-se fazer a amortização dos encargos para as matérias primas desde 1915 e cria-se um super-encargo: o juro de 6 por cento sôbre as quantias desembolsadas para os sobreencargos e que não provenham do aumento dos preços. Pregunto, como se pode fazer isto e como os Governos têm consentido até hoje que tenha continuado êste estado do cousas que permite à companhia elevar a sua conta de sobreencargos até à quantia de 46:000 contos no último balanço.
Mas, Sr. Presidente, viu V. Exa. a profunda alteração que as instruções contam em relação ao espírito e própria letra do decreto n.º 4:510.
Porém, dentro das próprias instruções não há efectivamente a coerência e harmonia que deve haver. Assim, quando se trata dos artigos referentes à fiscalização, diz-se: que o confronto entre a despesa de produção e á venda não tem o mesmo ponto de partida.
Sr. Presidente: é esta a parte culminante das instruções, a mais absurda, a mais inaceitável.
No decreto dá-se 80 por cento, mas verifica-se que por um sistema que não é de contabilidade, mas sim de habilidades, essa percentagem é profundamente reduzida.
Em nenhum dêstes casos o resultado para o Estado é de 80 por cento; mas num deles fica reduzido a 54 por cento e no outro ainda fica reduzido amenos. Segundo os meus cálculos a redução faz-se do mais do um têrço.
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Nada pode justificar êste acto, e o Estado deve impor a sua autoridade para que haja moral, impondo-se àquelas entidades que estão sob as suas ordens.
Sr. Presidente: tendo eu pedido a palavra para explicações, já me vou alongando, o muito agradeço à Câmara a benevolência de me ter escutado.
Há só uma conclusão a tirar.
E necessário revogar as instruções exaradas no decreto n.° 4:510, de forma a fazer a sua liquidação, e saber quanto vale o monopólio.
Fazer o contrário é uma vergonha para todos nós e para o Estado.
Tem o Senado nas suas mãos superiores interêsses do Estado, e é preciso saber-se se a renúncia a que a Companhia se julga com direito, tem o Estado também direito a essa renúncia.
E preciso que o Estado seja protegido, o que o Poder Executivo proceda de forma que em 1926 b contrato esteja liberto, o averiguado o valor do monopólio, acabem todas as habilidades.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Pereira Bastos: — Como a comissão de guerra tem entre mãos muitos trabalhos, requeiro a V. Exa. se digne consultar a Câmara sôbre se permite que a comissão de guerra reúna durante a sessão.
Foi aprovado.
O Sr. Cancela de Abreu: — Sequeiro a contraprova o invoco o § 2.° do artigo 116.°
Procedeu-se à contagem.
De pé 3 Srs. Deputados.
Sentados 67 Srs. Deputados.
Foi aprovado.
O Sr. Tavares Ferreira: - Sr. Presidente: participo a V. Exa. que se encontra instalada a comissão do Orçamento, tendo escolhido o Sr. Abílio Marçal para presidente e a minha pessoa para secretário.
O Sr. Ferreira da Rocha: — Sr. Presidente: julgo conveniente definir em primeiro lugar as circunstâncias em que o debate neste momento vai ser feito, para de alguma forma justificar as palavras que tenho de proferir nesta discussão e para de alguma maneira orientar também a série de argumentos que nela tenho de produzir.
Êste debate é feito quando, aprovado já, pela Câmara dos Deputados o acordo a realizar com a Companhia dos Tabacos, a respectiva proposta se encontra pendente da aprovação do Senado. Em termos constitucionais, de praxes parlamentares, isso fi juraria como que uma pretendida intervenção na atitude que o Senado tem a tomar em relação à proposta, porventura como uma nova deliberação da Câmara dos Deputados acerca dum assunto sôbre o qual já se havia pronunciado.
Se êste fôsse exclusivamente o pé em que a questão se encontra, eu não poderia aceitar a discussão. Mas, reconhecendo também que factos novos se produziram, que afirmações e declarações várias vieram na imprensa e se fizeram numa assemblea geral da Companhia em questão, êsses factos nos dão o direito de discutirmos mais uma vez a forma como o Estado tem regulado as suas relações com a Companhia.
E assim, admitindo que essas afirmações nos obrigam, a nós, homens públicos, a ponderar se o acordo foi aqui votado em termos de que resultassem benefícios para o Estado, eu entendo que as instituições parlamentares devem intervir nesta discussão no intuito de se conseguir que o Senado, pelo relato do que se passa na Câmara dos Deputados, possa ainda de alguma maneira intervir benèficamente no acordo a estabelecer.
Todo êste debate gira em volta dumas declarações feitas pelo accionista Sr. Eduardo John numa assemblea geral da Companhia dos Tabacos, declarações que podem resumir-se a dois principais grupos: o grupo de afirmações em que faz concluir que êsse exclusivo valo 400:000 libras por ano, e o grupo de afirmações em que procura basear a sua convicção de que desde já se podia negociar uma operação de crédito externo para retinir as obrigações em dívida até 1926.
A estas afirmações podemos juntar ainda aquela em que êle nos quere conven-
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cer que o Estado perde pelo menos 1:000 contos por mês, pelo facto da não aprovação do acordo pendente da discussão do Senado.
Essas afirmações despertaram os homens públicos do meu País, dando-lhes vontade de procurarem saber o que é realmente o exclusivo dos tabacos, e triste é que seja preciso que um accionista vá declarar numa assemblea geral qual o valor dum exclusivo para que os homens da administração pública procurem saber dêsse valor!
Devo dizer que as afirmações do accionista Eduardo John pecam por um êrro extraordinário de falta e não de excesso.
O valor do exclusivo dos tabacos não é de 400:000 libras por ano, mas, pelo menos, de 1.400:000. O Estado não está perdendo só 1:000 contos por mês, mas deixa de receber, por falta absoluta de fiscalização, por incompetência da administração pública, perto do 24:000 contos, que essa Companhia deixa de creditar à conta de sobreencargos.
Pretendo provar esta afirmação, e julgo que é esta a ocasião de o fazer, para que o Senado possa intervir e o Poder Executivo procure chamar à responsabilidade os funcionários que têm o dever de fiscalizar e que para isso são mantidos e são pagos.
Para isso, sem pretender discutir o decreto n.° 4:510, não posso provar os meus números sem fazer a história, embora em breves palavras, dêsse decreto, explicando o seu mecanismo.
O decreto n.° 4:010 procurou atender à situação da Companhia dos Tabacos, situação resultante da subida de preço da mão de obra e da matéria prima.
Nesse sentido permitiu à Companhia a elevação do preço dos tabacos e determinou que a diferença entre os preços assim estabelecidos e os preços resultantes da multiplicação das quantidades vendidas pelos preços anteriores, deduzidas as comissões e encargos de venda, se retirasse um têrço para o Estado, que figuraria numa conta especial de sobreencargos.
O decreto n.° 4:510 nunca teve o intuito de garantir à Companhia dos Tabacos previlégios a que ela não tem direito. Êsse decreto fixa que o têrço do Estado não poderá ser nunca inferior a 300 contos por ano, obrigando-se a Companhia, ela própria, a entregar essa quantia ao Estado, mesmo quando o têrço das suas receitas provenientes dêste aumento não chega aos 300 contos anualmente.
Êsse decreto, porém, faz-se acompanhar dumas instruções do Ministro das Finanças de então, instruções que são bem piores do que o próprio decreto, tam más e tam escandalosas que nem a própria Companhia as seguiu, receosa de que o escândalo fôsse grande demais.
Para não fatigar a Câmara com o enunciado de números, basta dizer que. as instruções mandam fixar a data da aplicação dos sobreencargos desde 1915, e clara e categoricamente estabelece que a diferença de preço líquido e os encargos de venda, seriam divididos ('m três partes: uma pertencente ao Estado e as duas restantes à Companhia, a qual estabeleceu uma forma curiosa de fazer essa contagem.
Assim, estabeleceu que se a venda deminuísse o resultado do aumento seria a diferença das receitas brutas, deduzindo delas a cota do fabrico e a cota dos encargos de venda, considerando como cota de fabrico a percentagem em relação à verba que custaria, produzindo determinados quilogramas de tabaco.
V. Exas. compreendem que deminuindo á venda havia, pelo menos, a tirar dessa diferença o custo do tabaco que não se produzia, e, aumentando, a importância passava a ser a diferença entre a produção e a venda, multiplicada pela diferença de preço, e dividida pelo novo preço, ou seja pràticamente por um têrço.
Porém, como isto era muito escandaloso, a Companhia organizou uma contabilidade nos termos do decreto, o não nos termos das instruções.
Nestas circunstancias, todas as considerações que tivesse de fazer sôbre as instruções dadas seriam inúteis, pois aquilo sôbre o que me tenho de ocupar é da contabilidade que a Companhia organizou.
Sr. Presidente: os números sôbre que vou basear as minhas considerações resultam dum estudo atento que fiz sôbre elementos que o ilustre Ministro das Finanças teve a amabilidade do mo fornecer.
Mas, reatando as minhas considera
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ções, devo dizer que a Companhia deu uma nova interpretação ao decreto n.° 4:510, em referência ao artigo 4.°
Mas como o artigo tem uma redacção suficientemente vaga para dar margem a várias interpretações, entendeu que o n.° 8.° do artigo 7.° do contrato de 1906 devia ser interpretado nos termos que lhe fossem convenientes.
Assim, o Estado só tinha direito a participar no aumento que nestas marcas se fizesse, mas a Companhia entendeu que tinha obrigação de participar em todos os aumentos.
Nas antigas marcas tinha o Estado participação, nas novas o Estado não tinha nenhuma e nas de transição só participava até 50 por cento, e depois disso nada!
Desde que se trate dum monopólio evidentemente que uma das condições é fixar o preço de venda, e não pode haver diferença em marcas novas e marcas antigas.
O que fez a Companhia?
Deixou de fabricar marcas antigas e fez marcas novas; mas como receou que a cousa fôsse escandalosa, porque o Estado não teria cousa melhor, então o que fez?
Criou as marcas de transição para que o Estado tivesse a participação até 50 por cento.
Mas ainda a Companhia deixou de manifestar alguns milhões de quilogramas, como se verifica dos mapas que tenho presentes.
Isto faz afastar toda a marca de transição.
O resultado é aquele que vou expor à Câmara.
Tendo a Companhia entregue ao Estado 6:943 contos, vemos o seguinte que vou referir, lendo:
«A Companhia tinha obrigação de entregar».
Isto quere dizer que a escrita da Companhia não pode deixar de ser rectificada, pois que há uma diferença, devendo a Companhia ao Estado 46:000 contos.
Por haver essa diferença não posso aceitar o acordo que está pendente do Senado.
O Estado não devo ter modo da Companhia e deve insistir pelo seu débito.
Não tem o Estado o direito de chegar a esta situação sem fazer a mínima reclamação à Companhia, deixando-a proceder como tem entendido e estabelecendo as marcas que ela tem querido estabelecer.
Aos Sr s. Ministros das Finanças incumbe a obrigação de terem DO seu Ministério funcionários que saibam o que fazem, para que não se chegue ao ponto de depois de cinco anos ter de vir um Deputado à Câmara dizer que as contas estão erradas.
Mas será também errada a minha orientação?
Posta a questão, o Estado tem obrigação de saber qual o valor do exclusivo dos tabacos e o que tem a receber da Companhia.
Vai o Estado fazer um acordo sem saber o valor real do exclusivo, e só por um critério semelhante aos vendedores de peixe?
Não sei que tenha sido outro o critério para o Estado saber se há-de pedir mais ou menos.
Não é esta, decerto, a melhor forma de administrar.
Os administradores têm obrigação de saber qual o valor dos bens que administram, não se guiando só pelo que os outros oferecem.
Sr. Presidente: a Companhia a princípio não procurou dizer que o decreto n.° 4:510 lhe dava o direito a receber do Estado qualquer cousa a título de sobre-encargos.
Veja-se relatório de 1920.
O que quere, nos seus termos, dizer a Companhia?
Quere dizer que o Estado tivesse obrigação do entrar com qualquer quantia?
Não; o Estado não tinha obrigação de lhe dar novos direitos.
No caso presente nem sequer há prejuízo para que o Estado tenha nova interferência.
Mas a propósito começou-se a arreigar no espírito, dos próprios legisladores a convicção de que o Estado tinha do pagar aquela. Uma afirmação monstruosa feita pela comissão da Câmara dos Deputados.
Apoiados.
Não se procurou sabor, sequer, se o Estado tem o dever de pagar, e, se exis-
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tisse êsse dever, as circunstâncias determinavam êsse pagamento.
Apoiados.
Em face dessa afirmativa começou fazendo-se uma questão sôbre o § 1.°
Era preciso levar a Companhia a desistir do parágrafo.
Não dar senão o que tem obrigação de r dar-se em faço dos contratos.
É esta a circunstância principal que importa saber. Mas não é a única.
Nos termos do decreto n.° 4:510, as vendas e os descontos relativos ao aumento de preço eram lançados à conta de sobre-encargos.
Mas há mais ainda.
Na parte que pertenço ao listado, dêsse têrço pouco ou nada tem o Estado recebido até hoje.
Os Ministros das Finanças têm-se permitido o direito de mandar pagar por conta dêsse têrço, sem verba orçamental ou autorização legislativa para o fazerem, gratificações e despesas de toda a espécie.
Mas até aquela mísera quantia que a Companhia atribuía ao Estado não se distribuiu na liquidação de contas entre o Estado o a Companhia.
Quanto à questão das novas marcas de tabaco, verifico pelos números que me foram fornecidos oficialmente que, nestes últimos cinco anos, a Companhia produziu 13:160 quilogramas num custo total de 55.019$.
Lançou à sua conta somente a importância de 6.465$.
Toda a diferença em relação às restantes marcas de tabaco foi paga pela conta de sobre-encargos.
Sr. Presidente: eu creio ter provado que o projecto de acordo precisa de ser largamente ponderado pelo Senado.
Sr. Presidente, creio ter dito o bastante para provar que o exame à escrita da Companhia, feito por uma comissão idónea ou pelo Ministério das Finanças, tem de efectuar-se com a maior urgência, para que o Estado, ao menos, proteste se se sentir ludibriado, só é que não pode receber o que, porventura, lhe pertença, por não ter energia para o fazer.
Tenho aqui um mapa pelo qual poderemos calcular o lucro provável obtido pela Companhia em cada um dos anos do exclusivo. As cifras respectivas vêm sempre crescendo.
Todos os meus números coincidem com os da Companhia, mas êstes não.
Eu reconheço que o custo de produção não pode deixar de ser aumentado; mas, conhecendo a percentagem dêsse aumento, posso afirmar que êsse preço do custo neste momento não pode exceder 2 xelins por quilograma, o só fixarmos para o custo do tabaco o mesmo preço de 14 xelins, êsse preço ainda será inferior ao dos outros países.
E nestas operações não conto com a venda dos tabacos para as colónias, nem com os direitos aduaneiros que competem à Companhia, nem com o possível aumento do 14 xelins por quilograma, aumento que poderá ser realizado por acordo entre o Estado o a Companhia. Assim, o valor exclusivo do monopólio dos Tabacos não pode ser em 1926 avaliado em menos de 1.600:000 libras.
Apoiados.
O que compete agora fazer ao Estado? Creio bem que o Estado não se deverá preocupar muito com os acordos a realizar até 1926, antes lhe convém mais não se prender com a redacção de bases que forem apresentadas ao Parlamento, conhecendo, como conhece, que a Companhia dos Tabacos nos seus diversos ramos de administração tem um escritório apenas destinado a redigir em termos vagos aquilo que ela pretende, para depois poder dar aos seus escritos a amplitude que ela quiser. Entendo eu que não vale a pena por êstes dois anos ligar o Estado a compromissos possíveis, antes de êle procurar entender-se com a Companhia para uma elevação de direitos que lhe dê uma maior participação.
Apoiados.
Devo dizer que o aumento autorizado pelo decreto 4:510 era de 50 por cento em média. Isto, porém, podia não dar nada, como não deu. Bastava que a Companhia deixasse de vender uma marca do tabaco par a realizar p ara si um lucro muito maior, o foi o que ela fez. A vantagem do Estado, portanto, seria fazer com que o preço do tabaco fôsse aumentado, de forma a que em 1926 o tabaco se possa vender pràticamente ao câmbio do dia, podendo além disso o Govêrno aumentar os direitos aduaneiros do acordo com a Companhia, não necessitando para isso do uma autorização especial do Parlamento.
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estas, Sr. Presidente, duas armas de que o Govêrno pode lançar mão na primeira oportunidade.
Um accionista da Companhia alvitrou a conveniência de se fazer uma operação, que seria a de reunir desde já as obrigações a pagar em 1926.
Eu devo dizer que na minha opinião o Estado não deve aceitar essa operação, pois se a aceitasse ficaria assim ligado a um grupo de financeiros, o que não deve fazer, pois a única forma, a meu ver, mais favorável para o Estado é esperar-se mais ano e meio, pois estou certo que então as cousas se poderiam fazer em melhores condições para o Estado.
Desta forma, tendo justificado duma maneira clara a minha intervenção no debate, vou mandar para a Mesa a moção que concretiza as considerações que acabo de apresentar à Câmara.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem!
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Foram lidas na Mesa a proposta de emenda apresentada pelo Sr. Almeida Ribeiro e a moção do Sr. Ferreira da Rocha, sendo seguidamente admitidas,
Proposta
Proponho que o n.° 1 da moção do Sr. Nuno Simões seja substituído pelo seguinte:
1.° Convidar o Poder Executivo, pois que o regime contratual vigente terminará dentro do vinte o sete meses, a nomear desde já uma comissão de pessoas idóneas para estudar, sob o ponto de vista constitucional, económico e financeiro, o regime que a êsse deverá suceder, e cuja proposta, acompanhada dos trabalhos da comissão, terá de ser apresentada pelo Ministro das Finanças a esta Câmara antes de finda a, próxima futura sessão legislativa ordinária.-—Almeida Ribeiro,
Moção
«Considerando que o decreto 4:510, do 1918, autorizando determinado aumento de preço de tabaco, garante ao Estado o direito de receber um têrço do produto efectivo dêsse aumento;
Considerando que, pelo mesmo decreto, o Estado se não obriga a indemnizar a Companhia dos Tabacos se os dois terços restantes forem insuficientes para custear as sobrecargas industriais a que se destinam, e que, bem ao contrário, é a Companhia que tem de, à sua custa, completar quanto faltar para que a referida parte do Estado nunca seja inferior a 300 contos por ano;
Considerando que o § 2.° do artigo 9.° do decreto 4:510 — aliás só aplicável quando se tiver entrado no regime designado no corpo dêsse artigo — somente estabelece que, em dada hipótese, se providenciará para se regular a situação na melhor e mais equitativa forma, e que, ressalvada, portanto, se encontra a faculdade de o Estado, conforme as circunstâncias demonstradas pela situação da Companhia, tomar na época própria as providências que mais equitativas julgar, se algumas reconhecer necessárias ou convenientes;
Considerando que nenhuma disposição legal ou contratual permito para a aplicação do disposto no n.° 8.° do artigo 7.° do contrato de 8 de Novembro de 1906 e no artigo 4.° do decreto 4:510, de 1918, a distinção, abusivamente feita em prejuízo do Estado, entre marcas anteriores e posteriores dêsse contrato, visto que a umas e outras o mesmo limite de preço é extensivo e que no aumento -de preço de todas elas deve o Estado participar, ao contrário do que ilegalmente se vem praticando;
Considerando que em virtude dessa abusiva interpretação a Companhia, nos cinco últimos exercícios, deixou de entregar ao Estado quantia superior a 23:000 contos e deixou de levar a crédito da conta de sobrecargas importância superior a 40:000 contos;
Considerando que não pode ser-aprovado qualquer acordo com a Companhia dos Tabacos, que sem compensação bastante -lhe venha conceder garantias que não tem ou retiro ao Estudo direitos que lhe pertencem;
Considerando ainda que mais convinha que o acordo a realizar agora com a Companhia dos Tabacos para vigorar até 30 de Abril de 1926 tivesse sido submetido ao Congresso da República, na sua redacção definitivo, o não em bases cujos ter-
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mós genéricos impedem a nítida compreensão das obrigações que o Estado vai contrair e por êsse motivo tornam possível a posterior inserção de clausulas contrárias ao espírito da votação em conjunto feita nitidamente —tanto mais que deve ser extremamente cuidada essa redacção definitiva para que naquela data o Estado possa seguir o caminho que mais convier aos seus interêsses, absolutamente desligado de quaisquer compromissos que directa ou indirectamente derivem de disposições contrárias;
E considerando também que para defesa da indústria nacional e valorização das receitas públicas provenientes do fabrico e venda de tabaco é urgente actualizar os direitos sôbre a importação do tabaco estrangeiro:
A Câmara dos Deputados:
1.° Aguardando que o Govêrno promova nos termos contratuais a elevação dos direitos aduaneiros sôbre a importação do tabaco estrangeiro pela aplicação duma sobretaxa cambial, receita do Estado;
2.° e esperando ainda que o Govêrno reconheça a necessidade de submeter ao Congresso da República não as bases, mas o projecto definitivo do contrato que pretende realizar com a Companhia, dos Tabacos para a elevação de preços no período que resta da vigência do contrato de 8 de Novembro de 1906: passa à ordem do dia. — O deputado, Ferreira da Rocha.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: não assisti ao discurso do Sr. Ferreira da Rocha. Todavia, pela leitura rápida que foz da moção que S. Exa. enviou para a Mesa, parece-me que S. Exa. afirma que as contas feitas entre a Companhia e o Estado não estão certas.
O Sr. Ferreira da Rocha (interrompendo): — O que eu afirmei foi que a Companhia não dava ao Estado a participação que era devida.
O Orador: — Como V. Exa. vê, a sua explicação em nada altera as minhas anteriores considerações.
V. Exa. com a sua moção pretende que O Govêrno traga ao Parlamento a redacção definitiva do acordo a estabelecer com a Companhia, quando a verdade é que essas bases se encontram para discussão no Senado, e a aprovação do intuito de V. Exa. representaria uma anulação da decisão que a Câmara dos Deputados já tomou sôbre o assunto.
O Sr. Ferreira da Rocha (interrompendo): — Perdão. Eu estou convencido de que não havia necessidade de realizar êsse acordo até 1926; mas, como êle está pendente no Senado, entendo que o Govêrno fará muito bem levando ao Senado as devidas emendas, que em última análise, serão apreciadas por esta Câmara.
O Orador: — Logo, pela afirmação do V. Exa. é inútil o acordo. Sondo assim não há que negociar...
O Sr. Ferreira da Rocha: — Desde que V. Exa. ou qualquer outro Ministro das Finanças de ao contrato a interpretação que eu lhe dou...
O Orador: — Quer dizer, que só não é necessário o acordo desde que a interpretação de V. Exa. seja exacta...
O Sr. Ferreira da Rocha: — Se V. Exa., não consegue vencer essa interpretação, carecerá evidentemente do acordo, e então, fará V. Exa. muito melhor em redigir êsse acordo em termos concretos o precisos que obriguem até 1926, levando êsse acordo ao Senado para substituir o que lá está em discussão.
O Orador: — Só ou não me considero, nem com mais poderes, nem com mais inteligência, do que os vários Ministros que têm passado pela pasta das Finanças, desde que o contrato só execute. Não possuo essas faculdades superiores para modificar as interpretações que até hoje têm sido dadas ...
O Sr. Ferreira da Rocha: — Até hoje não foram dadas ...
O Orador: — Mas foram aceitas pelo Estado, foram aceitas por todos quantos têm ocupado a pasta das Finanças, sem excepção dum.
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Mas se efectivamente o Ministro das Finanças não tem possibilidade, por si só, de conquistar para o Estado melhor posição, impõe se que a Câmara vote essa interpretação defendida pelo Sr. Ferreira da Rocha. Só a partir dêsse momento é que o Ministro das Finanças pode actuar na Companhia, pois foi um poder superior que votou essa interpretação.
Não estou, porém, habilitado a tirar qualquer conclusão sôbre os números que o ilustre Deputado Sr. Ferreira da Rocha apresentou o, portanto, só mais tarde me pronunciarei.
Independentemente da interpretação que a Câmara possa dar a todas as cláusulas contratuais existentes, que ligam o Estado e a Companhia, não vejo absolutamente inconveniente nenhum em que se caminhe num acordo, que tem tido até hoje o consenso de todos os Ministros das Finanças, com possibilidade de uma maior vantagem para o Estado, sem, todavia, deixar de discutir a interpretação dada por S. Exa.
Tudo que seja contrário a isto, é caminhar contra os interêsses do Estado, que seriam prejudicados, se a interpretação de V. Exa. não fôsse aceita e se o acordo se 1180 tivesse feito.
Suponha V. Exa. que há quatro anos, quando pela primeira vez foi apresentada na Câmara dos Deputados a proposta para a negociação dum acordo com a Companhia, nessa altura V. Exa. tinha apresentado a sua interpretação.
Se até hoje a estivéssemos a discutir, o Estado perdia muitos milhares de contos que teria recebido por êsse acordo.
V. Exa. surge agora com a sua interpretação, que se não apresenta ao meu espírito com inteira clareza.
É a favor do Estado?
Suponha V. Exa. que chegamos a uma conclusão que não é aquela que V. Exa. deseja e que o Estado deseja.
O Estado tem perdido e perderá durante todo o período em que os termos dessa interpretação estiveram sendo estudados.
Não vejo nada que se oponha a que o Govêrno obtenha um acordo o mais vantajoso possível.
Não sei se V. Exa. quere o acordo que está no Senado, que a meu ver contém os pontos capitais dentro dos quais se
pode fazer a negociação. Contém, a meu ver, tudo o essencial para que essa negociação se faça. De maneira que não vejo necessidade de lançar a inclusão de novas bases nas bases da proposta do Senado.
Creio que V. Exa. se satisfará com o que disse, até à elaboração do acordo ou com a interpretação de V. Exa. ou com o acordo,
Nestes termos só poderei fazer mais declarações quando tiver os números que, neste momento, não possuo,
O orador não reviu, nem o Sr. Deputado Rocha fez a revisão dos seus «apartes*..
O Sr. Ferreira da Rocha: — Devido ao facto do Sr. Ministro das Finanças não estar presente, S. Exa. não pôde compreender, desde o princípio, completamente o que eu disse.
Não disse que, neste momento, se deixassem seguir as negociações para um acordo mixto, e não expor errada interpretação dada pelo Estado, mas por falta de fiscalização da parte do mesmo Estado.
A Companhia tem dado ao decreto má interpretação que não é possível manter, nem a própria Companhia a pode manter.
Recapitulando direi que se trata da Companhia fazer participar o Estado no aumento de preço das marcas antigas, e participação em todas as marcas lançadas no mercado após 1918.
V. Exa., Sr. Ministro das Finanças, verá que esta orientação é insustentável em parte, podendo o Estado defender uma parte dela, mas emquanto às marcas, em que não tem participação, não a pode sustentar.
Entendo que o Govêrno deve fazer valer os seus direitos, e que se estivesse apurado êsse débito, não seria necessário fazer novo acordo. Mas desde que assim não é, e que foi presente ao Parlamento êsse acordo, que já está no Senado, faltando apurar a devida escrita, êle terá de ser resolvido pelo Parlamento.
Não seria necessário o acordo vir ao Parlamento, mas desde que veio, julgo que o Sr. Ministro das Finanças ia terá o texto das negociações que devem ser juntas ao acordo e apresentadas ao Senado, para que esta casa do Parlamento
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vote com o devido conhecimento, o para que quando porventura o^ acordo volte a esta Câmara, nós, os Deputados, também votemos com completo conhecimento do que votamos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: o discurso que o Sr. Ferreira da Bocha proferiu hoje nesta Câmara sôbre a questão dos tabacos, ou melhor dizendo, a propósito da moção que durante o debate político o Sr. Nuno Simões mandou para a Mesa, e que a Câmara resolveu que fôsse objecto do discussão, êsse discurso, é mais uma bela manifestação do seu talento de eleição, e é ao mesmo tempo um libelo contra o que tem sido a administração republicana no que respeita à atitude do Estado para com a Companhia dos Tabacos.
Os números apresentados pelo Sr. Ferreira da Rocha, alguns dos quais, disse S. Exa., lhe foram fornecidos por um antigo Ministro das Finanças, mostram que a questão não pode ser apreciada sem que o Govêrno apresente elementos que são necessários para esclarecer o assunto.
Lamento que não figurassem no relatório do parecer que aqui foi discutido êsses números, e sob êsse ponto de vista já tive ocasião de fazer as minhas censuras e não me arrependo de ter sido áspero.
Êsse parecer da respectiva comissão foi durante a discussão substituído por uma proposta do Sr. Vitorino Guimarães, e essa proposta foi ainda substituída por uma outra proposta, creio também negociada por S. Exa.
Essa última proposta trazida ao Parlamento pelo então Ministro das Finanças Sr. Velhinho Correia foi aquela que, afinal, mereceu a aprovação da Câmara dos Deputados, e divergia inteiramente da anterior.
No emtanto o Ministro das Finanças Sr. Velhinho Correia não hesitou em pedir a sua demissão imediata.
É nestas condições que tem sido conduzida a discussão do contrato dos tabacos.
É por esta forma que a Câmara dos Deputados se ocupa de um assunto da importância dêste.
É assim que um País, que tem as
suas finanças arruinadas, encara uma proposta que diz respeito a um rendimento ou para o Estado!
É assim que a República cuida dos supremos interêsses da Nação!
A primeira proposta sôbre o assunto foi apresentada nesta Câmara pelo Ministro das Finanças Sr. Portugal Durão em 7 de Julho do 1922. Daqui a pouco completam-se dois anos sôbre a data da apresentação dessa proposta e durante êsses dois anos a Câmara dos Deputados, com um desconhecimento absoluto da questão, e numa desorientação notavelmente significativa e sintomática, não conseguiu fazer mais do que pegar num critério, largá-lo depois para o retomar mais tarde.
Eu não vou agora apreciar a questão dos tabacos. Fê-lo já por uma forma brilhante o Sr. Ferreira da Rocha.
Êste lado da Câmara já disse pela minha modesta voz, o que pensava sôbre o assunto o quanto discordamos das várias propostas que aqui foram trazidas.
Desde a primeira eu insisti com os Governos, não para que se trouxesse aqui apenas umas bases, mas um acordo completo e inteiro para se proceder como procedeu o Govêrno da monarquia, que não apresentou apenas umas bases, mas um acordo definitivo tal, como devia ser traduzido em contrato sem alteração de urna palavra.
Foi isto que não se quiz fazer.
Não vou agora discutir de novo êste assunto; e se entrei no debate foi motivado por duas moções que foram apresentadas.
Não votámos a primeira parte da moção do Sr. Nuno Simões, porque a eleição de cinco membros não dá garantia alguma, a quem cumpre êsse trabalho e ao Poder Executivo.
A Câmara tomará sôbre êste ponto a resolução que entender, mas eu declaro, desde já, em nome da minoria monárquica, que nenhum dos seus membros fará parte dessa comissão.
Apoiados.
Sr. Presidente: a segunda conclusão visa a convidar o Govêrno a executar o regulamento sôbre fiscalização das sociedades anónimas, a cumprir as sanções do contrato de 1906 e a proceder contra os agentes de fiscalização junto da companhia que não cumprirem o seu dever.
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Votaremos esta conclusão porque ela não significa outra, cousa senão uma moção de desconfiança ao Govêrno.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — O Govêrno não considera isso uma moção de desconfiança. Considera essa conclusão como um elemento mais para o Executivo exercer uma acção eficaz.
O Orador: — A conclusão a que me refiro lembra ao Govêrno que cumpra o seu dever, o que equivale a dizer que o Govêrno tem descurado a sua missão.
É uma moção de desconfiança.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Isso não se pode entender com êste Govêrno, porque êle já tinha feito os actos necessários antes mesmo de vir à Câmara.
O Orador: — O Sr. Ferreira da Rocha significou-me o desejo de ainda hoje proferir algumas -palavras sôbre o assunto, para o que gostaria que eu lhe deixasse alguns minutos livres antes da hora de só encerrar a sessão.
Assim vou terminar por agora, reservando-me o direito de voltar a usar da palavra.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem o Sr. Presidente do Ministério fez a revisão das suas interrupções.
O Sr. Ferreira da Rocha: — Em presença das palavras do Sr. Ministro das Finanças, requeiro que me seja permitido manter os considerandos da minha moção, e retirar a parte que a seguir a êles precede a declaração de se passar à ordem do dia.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — O requerimento de V. Exa. fica sObre a Mesa para ser votado amanhã.
A próxima sessão é amanhã, com â mesma ordem de trabalhos.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Constituição de comissão Orçamento:
Presidente o Sr. Abílio Marçal.
Secretário o Sr. Tavares Ferreira.
Substituição
Comissão do orçamento:
Substituir o Sr. António Paiva Gomes pelo Sr. Amadeu de Vasconcelos.
Substituir o Sr. Mariano Martins pelo Sr. Jaime de Sousa.
Para a Secretaria,
Projectos de lei
Do Sr. Carlos Pereira, autorizando o Govêrno a codificar toda a legislação vigente, respeitante à condição, melhoramentos o transformação das classes trabalhadoras e à Previdência Social.
Para o «Diário do Governo».
Do mesmo, criando uma caixa dos oficiais de justiça, para aposentação dos mesmos, com administração autónoma.
Para o «Diário do Governo».
Do Sr. Ministro do Interior, autorizando o Govêrno a nomear comissões administrativas, em designados casos.
Para o «Diário do Governo».
Nota de interpelação
Desejo interpelar S. Exa. o Sr. Ministro da Agricultura sôbre as medidas até hoje tomadas para enfrentar o constante aumento do custo da vida, pelo seu Ministério, e em especial pelo Comissariado dos Abastecimentos. — Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Expeça-se.
Requerimentos
Requeiro que a proposta de lei n.° 331 seja enviada para a promulgação nos termos do artigo 32.° da Constituição.
Sala das Sessões, 15 de Janeiro de 1924. — Armando Âgatâo Lança.
Junte-se ao processo e informe-se a repartição.
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Requeiro que pelo Ministério do Trabalho, Direcção Geral do Saúde, me seja fornecida, com urgência, cópia do parecer da comissão técnica e dos daquela Direcção Geral, um e outros respeitantes à requisição e utilização do respectivo processo de indemnização.
Sala das Sessões, 15 de Janeiro de 1924. — Morais Carvalho.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.