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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 23
EM 18 DE JANEIRO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Paulo da Costa Menano
Sumário. — Abertura da sessão. Leitura da acta. Correspondência.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Marques Loureiro, em nome da comissão de inquérito ao extinto Ministério dos Abastecimentos, faz algumas considerações que interessam aos Ministérios das Finanças, do Comércio e da Justiça e declara que dá por findas as funções da mesma comissão.
Responde-lhe o Sr. António da Fonseca (Ministro do Comércio).
O Sr. Presidente declara que vai continuar a discussão da proposta n.° 631.
Usa da palavra, sobre o artigo 1.°, o Sr. Jorge Nunes, que fica com a palavra reservada.
O Sr. António Maia requere que se volte à discussão da proposta n.° 631, depois de votados os projectos sôbre câmbios e imposto, do sêlo.
Usa da palavra, sôbre o modo de votar, o Sr. Almeida Ribeiro.
Usa da palavra para explicações o. Sr. Lelo Portela.
E aprovado o requerimento do Sr. António Maia.
É aprovada a acta e são concedidas duas licenças.
São admitidas à discussão algumas proposições de lei.
Lê-se na Mesa uma nota de interpelação do Sr. Pires Monteiro.
Ordem do dia — O Sr. Presidente participa à Câmara o falecimento do antigo Deputado Dr. José de Pádua, propondo que na acta se lance um voto de sentimento.
Associam-se a êste voto os Srs. Almeida Ribeiro, Carvalho da Silva, Pires Monteiro, Ministro do Comércio (António da Fonseca), Ferreira de Mira e Estêvão Águas.
É aprovado o voto de sentimento.
É posta à votação a generalidade da proposta de lei, autorizando o Govêrno a regulamentar os câmbios.
É aprovada em prova e contraprova.
Entrando em discussão na especialidade, usam da palavra sôbre o artigo 1.º os Srs. Jorge Nunes,
que manda para á Mesa uma proposta de substituição que é admitida, Almeida Ribeiro, que apresenta uma proposta de emenda, igualmente admitida pela Câmara, Jaime de Sousa, Carvalho da Silva, Sarros Queiroz, Américo Olavo, Jorge Nunes, Almeida Ribeiro, Paulo Cancela de Abreu, Carvalho da Silva e António da Fonseca (Ministro do Comércio).
O Sr. Carlos de Vasconcelos requere a prorrogação da sessão até se votar a proposta de lei.
É aprovado.
O Sr. Moura Pinto defende e manda para a Mesa um aditamento à proposta do Sr. Almeida Ribeiro.
É admitido.
O Sr. Ministro do Comércio (António da Fonseca) declara que aceita o aditamento proposto.
É aprovado o artigo 1.º com a respectiva emenda.
O Sr. Carvalho da Silva requere a contraprova e invoca o artigo 116° do Regimento.
Realizada a contraprova, confirmasse à aprovação.
A Câmara aprova em seguida a proposta de aditamento do Sr. Moura Pinto, tendo considerada prejudicada á proposta de substituição do Sr. Jorge Nunes.
É aprovado o artigo 2.°
O Sr. Carlos Vasconcelos requere a dispensa da leitura da última redacção.
É aprovado.
Antes de se encerrar a sessão. o Sr. João Camoesas chama a atenção do Sr. Ministro da Instrução (António Sérgio) para a necessidade de aumentar a dotação de alguns institutos de ensino.
Responde-lhe o Sr. António Sérgio (Ministro da Instrução).
O Sr. António Correia protesta contra a venda em hasta pública, em condições ilegais, de um edifício de Abrantes.
Responde-lhe o Sr. Presidente do Ministério (Álvaro de Castro).
O Sr. Presidente encerra em seguida a cessão, marcando a imediata com a respectiva ordem do dia.
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Abertura da sessão, às 15 horas e 35 minutos.
Presentes à chamada, 51 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 39 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Cândido Pereira.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Francisco Cruz.
Jaime Júlio de Sousa.
João de Ornelas da Silva.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho»
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel Ferreira da Rocha.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Correia.
António Lino Neto.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Pina de Morais Júnior.
José Domingues dos Santos.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Pedro Góis Pita.
Vasco Borges.
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Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Afonso Augusto da Costa.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Américo da Silva Castro.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Sarros.
Jorge Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
O Sr. Presidente: — (às 16 horas è 30 minutos): — Estão presentes 51 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Leu-se a acta e o seguinte:
Oficio
Do Ministério da Agricultura, satisfazendo ao requerimento do Sr. Manuel de Sousa da Câmara, transmitido em ofício n.° 34.
Para a Secretaria.
Telegramas
Da Câmara Municipal da Alfândega da Fé, protestando contra a extinção de 50 comarcas.
Para a Secretaria.
Do Sr. João Bacelar, participando não poder representar a Câmara, no funeral do Sr. Dr. Alves dos Santos, por motivo de doença.
Para a Secretaria.
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Representações
Da Câmara Municipal de Ponte de Sor, contra a extinção da sua comarca.
Para a Secretaria.
Da comissão executiva da Câmara de Albufeira, pelos habitantes do concelho, contra a supressão da sua comarca.
Para a Secretaria.
Para a comissão de administração pública.
Requerimento
Do aspirante a oficial, reformado, Sr. Francisco Guimarães Fisher, pedindo para lhe serem aplicadas as disposições da lei n.° 1:477.
Para a comissão de guerra.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia e tem a palavra o Sr. Marques Loureiro;
O Sr. Marques Loureiro: — Chegando-me hoje a palavra por parto da comissão de inquérito ao extinto Ministério de Abastecimentos, eu vou fazer algumas considerações, chamando para elas a atenção não só do Sr. Ministro das Finanças como do Sr. Ministro do Comércio.
Noto neste momento, Sr. Presidente, é com satisfação que o Diário do Govêrno de hoje publica um relatório da mesma comissão, o que até certo modo justifica algumas das considerações que tenho a fazer sôbre o assunto que com uma certa largueza é tratado nesse relatório.
Conhece V. Exa. e a Câmara que pela lei n.° 916 foi criada a comissão de inquérito ao extinto Ministério dos Abastecimentos e Transportes, a qual foi criada em determinadas condições, pelas quais o Congresso da República entendeu por bem entregar a uma certa comissão a averiguação de assuntos com mais largueza por julgar isso útil para o Estado, não reconhecendo qual quer outra entidade superior a essa comissão.
Pois, Sr. Presidente, à comissão de inquérito de que faço parte foram submetidos por várias vezes processos, os mais interessantes, entre os quais os referentes às casas Gomes Rau e Artur Selay, sôbre mercadorias que estavam a bordo dos navios alemães.
Tendo o assunto sido entregue ao Tribunal do Comércio, o Ministério das Finanças entendeu por bem ouvir a comissão parlamentar de inquérito a fim de saber se havia algum impedimento a êsse pagamento.
A comissão de inquérito, porém, teve aquela precaução que devia ter, não discutindo essa sentença, como não podia discutir, entendendo porém do seu dever chamar os representantes dessas firmas a fim de prestarem declarações a êsse respeito.
Conseguiu assim que essa firma espontaneamente se prestasse a abater na sua reclamação uma importância avultada.
Nessa conformidade deu o seu parecer; e com surpresa averiguou que a repartição de contabilidade, longe de se dar por convencida com êsse parecer, se permitiu fazer considerações que já não eram só desprimorosas para a comissão parlamentar de inquérito e, portanto, para o Parlamento, mas para o Poder Judicial.
Nessa conformidade, á comissão deu um novo parecer, salientando quanto era desprimoroso para a República que qualquer dos seus órgãos pusesse em dúvida uma sentença passada em julgado e estranhando que houvesse o atrevimento de se invocarem fundamentos para anular essa sentença.
Êsses fundamentos não existiam.
Pois é com satisfação que tenho de registar que, levantando o incidente perante o Sr. Ministro da Justiça, Sr. Abranches, Ferrão. S. Exa. absolutamente se conformou com o parecer que eu havia lavrado, por parte da comissão de inquérito.
Sôbre êsse mesmo parecer, foi ouvida a Procuradoria Geral da República, que, pela mesma forma, se manifestou indo mais longe que o Sr. Ministro da Justiço.
Emquanto S. Exa. disse que não sabia o valor que podia ter êsse facto apontado por parte da 2.a repartição da contabilidade pública, esta, contestando da novo, a Procuradoria Geral da,República a êsse respeito afirmou categoricamente o seguinte:
Leu.
Entretanto a repartição de contabilidade não se deu por vencida ainda desta vez; e, então, dirigiu à Procuradoria Geral da República, por um despacho do Ministro das Finanças, Sr. Velhinho Correia,
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uma consulta em virtude da qual a Procuradoria Geral da República se manifestou assim:
Leu.
Quere dizer: tendo conseguido que fôsse abatida a importância de 45.427$ a Procuradoria Geral da República, sôbre esta consulta, capciosamente feita, visto que é ilegal, em 31 de Dezembro pronunciou o seu despacho.
Registo esta circunstância com prazer, porquanto desde êste momento a comissão parlamentar de inquérito, pelo menos pela minha parte, terminou as suas funções.
A comissão parlamentar de inquérito que fez entrar nos cofres do Estado uma avultada quantia com prestígio do Estado, vendo que não são respeitadas as suas decisões, entende que nada mais tem a fazer.
A comissão, entretanto, lamenta que o Sr. Ministro, em 31 de Dezembro; tivesse escrito no seu despacho «concordo»!
Na comissão parlamentar estão representados todos os lados da Câmara, todos os partidos. Nela não tem havido a mais pequena divergência. Discutem, todos com aquela lealdade própria de pessoas que sabem o que devem uns aos outros.
Os seus pareceres têm sido aprovados por unanimidade. O seu propósito é defender os interêsses do Estado.
Desculpe a Câmara que eu demore mais alguns minutos.
O Sr. Ministro do Comércio formulou uma pregunta sôbre, um outro assunto que à comissão parlamentar de inquérito se afigura de certa importância para o Estado.
O Sr. Presidente:— Já passou o tempo que o Regimento concede ao Sr. Deputado para falar.
O Orador: — Precisava ainda continuar no uso da palavra.
Vozes: — Fale, fale.
O Sr. Presidente: — Pode V. Exa. continuar.
O Orador: — Em 21 de Maio de 1923, apesar de ser um abuso do Sr. Ministro
do Comércio, era enviado para a comissão parlamentar de inquérito um processo com alguns documentos muito interessantes.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Queiroz Vaz Guedes): — Peço a V. Exa. o favor de me informar da data dêsse parecer, ou dizer antes quem era o Ministro do Comércio.
O Orador: — Era o Sr. Queiroz Vaz Guedes. Em 2 de Maio de 1923.
Não sei a que pretexto êsse documento foi enviado à comissão de inquérito para dar parecer. Tratava-se do fornecimento de carvão pela casa Rugeroni. Era acompanhado da proposta apresentada ao então Ministro do Comércio, Sr. Queiroz Vaz Guedes.
Conhece-a Câmara, creio que suficientemente, o. assunto; porque lhe não é lícito deixar de ter por êle o interêsse que tem manifestado por todos os que são da sua alçada. Foi a comissão parlamentar do inquérito que averiguou o indevido pagamento de 8:400 libras, números redondos, à casa Rugeroni, como também averiguou que esta importância não havia sido entregue em qualquer ocasião à. casa Viviani, da qual a firma Rugeroni se diz representante.
Sabe também a Câmara que êste processo foi enviado ao respectivo tribunal criminal, tendo o representante da firma Rugeroni sido pronunciado e fendo agravado do despacho para a Relação de Lisboa, que confirmou àquele. Sabe ainda a Câmara que no Tribunal Comercial foi intentada uma acção contra o Estado por exigir mais do que 8:400 libras, sob o pretexto, que se me afigura absolutamente fútil, de que essa quantia tinha sido enviada à casa Viviani, quando é certo que esta casa declarou — confirmando as suas anteriores declarações — perante os nossos representantes em Londres, perante a justiça inglesa, que tal pagamento não havia sido feito.
Mas a firma Rugeroni & Rugeroni, aludindo a conversas verbais com o Sr. Queiroz Vaz Guedes — e eu cito o nome para esclarecer o assunto, lembrando o natural melindre do Sr. Ministro do Comércio, e porque as cartas invocam o nome do S. Exa., não tendo, portanto, o desejo
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de ferir ou magoar quem quer que seja, mas simplesmente de repor a verdade — pretende confundir a questão, produzindo afirmações que se contradizem abertamente com o que sustenta a casa Viviani no processo crime e até no processo intentado no Tribunal do Comércio.
De crer é que tivesse havido a preocupação de reduzir a termo as declarações da firma Rugeroni e de ponderar as propostas, desprestigiantes para o Estado, de perdoar 77:000 libras a uma casa e 50:000 a outra. É natural que o Sr. Ministro do Comércio possa elucidar a Câmara sôbre o que a tal respeito se tem feito.
O assunto não é tam insignificante como parece. Na minha qualidade de advogado digo que o truc de que se quere lançar não deixa de ter a marca bem nítida do profissional. As conferências que o Sr. Ministro do Comércio se prestou a ter com um criminoso reconhecido pelo tribunal são deveras para lamentar, porquanto S. Exa. devia prudentemente relegar para uma quarentena tal indivíduo, para não inocular o Estado com o seu contacto.
A referência a essas conferências ou servirá para mostrar que a comissão de inquérito laborava num êrro quanto à entidade que recebera as 8:400 libras, ou então tem o propósito — que me repugna admitir.— duma negociata de maior fornecimento de carvão que pudesse cobrir êsse tremendo prejuízo.
Estou certo de que o Sr. Ministro do Comércio não aceitaria essa proposta, na parte puramente comercial, sôbre a qual se absteve de pronunciar a comissão parlamentar de inquérito. Mas se êsse contrato se não realizou, não posso compreender a razão por que até agora ainda não veio a lume qualquer referência que esclarecesse os espíritos alarmados, que são todos aqueles que se preocupam pela defesa dos interêsses do Estado, e que, acima dos interêsses materiais, muito de ponderar em todas as circunstâncias, sabem pôr — e eu soube-o sempre — os interêsses morais.
Certamente que o Sr. Ministro do Comércio actual elucidará a Câmara e dará a certeza de que uns e outros dêsses interêsses são hoje bem defendidos — como o foram também ontem.
E já que estou no uso da palavra, permita-me V. Exa. e a Câmara que, para não roubar mais tempo e com lucro para todos, eu me refira a uma questão que corre pela pasta da Justiça e para a qual estou inscrito desde ontem para quando estiver presente o respectivo titular. Com receio de que S. Exa. cá não venha, abordo desde já o assunto.
Por virtude de um decreto de S. Exa. que manda reduzir as comarcas do País, lavra um grande alarme, um justificado pânico por todas as comarcas que foram criadas à custa de muitos sacrifícios, assustadas com o garrote que o Sr. Ministro da Justiça confiou ao Conselho Superior Judiciário.
Eu não supunha, Sr. Presidente, que essa função pudesse caber por qualquer maneira a êsse tam alto corpo, anexo ao Ministério da Justiça. Faço inteira justiça aos seus intuitos e propósitos, assim como à honestidade e escrúpulo com que procederá nesta emergência.
Mas a verdade é que na região que eu conheço muito de perto, porque é aquela onde vivo, onde trabalho e onde luto, estabeleceu-se alarme de tal natureza que não sei até onde êle chegará, podendo produzir-se uma séria deflagração com grave prejuízo para a ordem pública. A comarca de Vouzela que era antigamente de Lafões, foi desdobrada em duas S. Pedro do Sul e.Oliveira de Frades. A de S. Pedro, caminhando adiante da mãe, é hoje uma comarca de segunda classe, sendo a do Oliveira de Frades, de terceira.
O problema está pôsto em equação da seguinte maneira: ou sacrificar a mãe para que fiquem os filhos, ou sacrificar êstes para deixar viver a mãe. Mas é bom não esquecer o velho aforismo «morrer por morrer, morra meu pai que é mais velho»!
As comissões dos diferentes povos de S. Pedro do Sul, de.Oliveira de Frades e de Vouzela, estão numa luta constante.
Isto cansa, isto enerva, isto irrita e não sei até que ponto poderá chegar essa irritação.
Várias comissões têm procurado o Sr. Ministro da Justiça e é o próprio Ministro da Justiça que também não sabe responder e que diz que as comarcas não acabam, quando o decreto diz que vão aca-
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bar 50 comarcas. É preciso que não estejamos a dar êste triste espectáculo.
A minha comarca de Monchique fica a 55 quilómetros da mais próxima e só poderão evitar que a liquidem se vierem a Lisboa com elementos de pêso, como outros fazem, e em que os novos caciques mais aumentados que os antigos vêm aqui agarrando-se às abas da casaca de uns e de outros e assim conseguem o que desejam, e sem isso nada se obtém não por favor, mas mesmo por justiça que a todos é devida.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (António Fonseca): — Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. Marques Loureiro referiu-se a três casos distintos.
Um deles refere-se propriamente ao Sr. Ministro das Finanças.
O outro é caracteristicamente referente ao Sr. Ministro do Comércio; e um outro finalmente diz respeito ao Ministério da Justiça.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças responderá ao Sr. Marques Loureiro; mas eu já direi a S. Exa. que não houve intuito de menos considerar o despacho ministerial.
Agora devo dizer que a comissão de inquérito ao Ministério dos Abastecimentos não pode ir -de encontro às funções da Direcção Geral da Contabilidade.
O Sr. Marques Loureiro: — Eu não pensei nem disse semelhante cousa.
O Orador: — As funções da contabilidade são de informação; e o Sr. Ministro certamente não teve o propósito de melindrar a comissão de inquérito no Ministério dos Abastecimentos.
S. Exa. não pode acusar o Ministro de ser contrário à comissão de inquérito ao Ministério dos Abastecimentos.
Quanto ao caso propriamente do Ministério do Comércio, tenho apenas a informar a Câmara que os respectivos documentos forem encontrados por um dos meus secretários abandonados na gaveta da
minha secretária, o que me surpreendeu bastante.
Agora fique S. Exa. o Sr. Marques Loureiro certo de que êsses papéis que estavam esquecidos ou abandonados não terão andamento, nem seqüência.
Quanto ao outro caso — o das comarcas — direi finalmente que êle será tratado pelo Sr. Ministro das Justiça em resposta às considerações de S. Exa. podendo S..Ex.a ficar certo de que da parte do Sr. Ministro não houve intuitos políticos.
O Sr. Marques Loureiro: — Eu estou certo de que da parte do Sr. Ministro não houve êsses intuitos.
O Orador: — Folgo em que V. Exa. acredite que não foram êsses os intuitos do Sr. Ministro.
Sr. Presidente: o próprio decreto que extingue as comarcas é completamente elucidativo sôbre a impossibilidade material em que o Govêrno se encontra de ter qualquer espécie de influência política na mesma extinção.
S. Exa. falou na Comarca de Vouzela, como porventura outros Deputados falarão nas comarcas dos seus círculos.
Eu também podia falar pela minha comarca, donde, aliás, tenho recebido imensos telegramas, aos -quais respondi dizendo que o Conselho de Magistratura, que está fora dó toda a política, é que há-de fazer a extinção sem aplicar nisso quaisquer intuitos partidários. É também esta á resposta que o Sr. Marques Loureiro pode dar aos seus correligionários de Vouzela.
O Sr. Marques Loureiro: — Mas o Sr. Ministro da Justiça diz outra cousa.
O Orador: — Então o Sr. Ministro da Justiça esclarecerá a V. Exa.; mas; não me querendo antecipar a S. Exa., direi apenas que parece que S. Exa. pensa na criação de julgados, o que de resto tem vindo nas entrevistas que S. Exa. tem dado.
Parece que ninguém se pode alarmar!
O Sr. Jorge Nunes: — Ficamos todos tranqüilos com as declarações de V. Exa.!...
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O Orador: — V. Exa. se não fica tranqüilo é porque é já de si intranqüilo e desconfiado.
Risos.
Eu creio ter dito o bastante para sossegar o Sr. Marques Loureiro; mas S. Exa. há-de ter explicações satisfatórias da parte do meu colega da Justiça.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai continuar a discussão do parecer n.° 631. Está em discussão o artigo 1.°
O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: continuando as minhas considerações sôbre a proposta de lei do Sr. Ministro da Guerra, para a qual S. Exa. pediu urgência e dispensa do Regimento, devo observar a V. Exa. que, em reforço das observações que há pouco, fiz ao Sr. Ministro do Comércio, tenho cada vez mais razão para não apreciar os diplomas emanados do Govêrno pela sua letra, mas por aquilo que neles não vemos e que é por via de regra a sua condenação.
Há decretos que, segundo está apurado, são publicados com a melhor das intenções; mas tenho já a antecipada certeza de que não são concordes nem o critério do Parlamento que quere compressão de despesas, nem o dos Ministros que apresentam as suas medidas, com o dos organismos, cujos dirigentes, no sossêgo dos seus gabinetes e escudados no seu anonimato, pretendem apenas, fazer obra desconexa e injusta.
Aguardemos a obra do Conselho de Magistratura sôbre a extinção das comarcas; mas quási já tenho a certeza de que hão-de subsistir apenas as comarcas que tenham lâmpada acesa em Meca.
O. Sr. Almeida Ribeiro: — Mas o Conselho de Magistratura tem de se cingir ao critério do decreto.
O Sr. Moura Pinto: — É disso que nos queixamos!
O Orador: — É preciso distinguir. Não posso, nem devo, senão prestar homenagem ao carácter dos juizes; mas o que ponho em dúvida é que o seu critério seja o melhor para fazer uma divisão de comarcas.
O Partido Nacionalista não faz oposição às medidas do Govêrno para comprimirem de facto as despesas; mas essa economia resultante da extinção, das comarcas é pura fantasia.
Já conheço alguma cousa do que se projecta, e por isso já sei qual será o resultado dessa obra.
Será o meu regalo ouvir ainda alguns Deputados daquele lado da Câmara seguirem na minha esteira e apoiarem a minha atitude de agora.
Trata-se neste momento de moralizar os serviços públicos. Mas ao mesmo tempo que o Sr. Presidente do Ministério apregoa a necessidade de reduzir as despesas públicas e, reclama os seus decantados esfôrços nesse sentido, o Sr. Ministro da Guerra traz ao Parlamento uma proposta para abertura dum crédito que implica um agravamento dessas despesas demais de 5:000 contos.
Evidentemente nós não podemos negar ao Govêrno os meios necessários para pagar a quem deve; mas a verdade é que uma proposta destas, que não vem acompanhada do parecer das respectivas comissões, não trazendo relatório e sôbre a qual o Sr. Ministro das Finanças ainda não disse uma palavra, não pode ser apreciada de ânimo leve.
O Sr. Ministro das Finanças por mais de uma vez nos tem dito daquele lugar que é preciso fazer os máximos sacrifícios.
Pois, se assim, é, sejam todos chamados a sacrificar-se.
E não sei se o Sr. Ministro das Finanças com as suas palavras alarmantes, ontem aqui proferidas, não terá quaisquer objecções a fazer à proposta do seu colega da Guerra.
O que se diz sôbre o Campo de Tiro de Alcochete, leva-me a preguntar se não é um tiro em cheio, na tam apregoada redução das despesas públicas.
Concorda o Sr. Ministro das Finanças com o que aqui se diz?
Ou será esta uma forma indirecta de concorrer para a melhoria dos câmbios que ontem foram para uma divisa que pôs os cabelos em pé a toda a gente?
Trata-se de um reforço de verbas para despesas já efectuadas ou para despesas previstas e, porventura, dispensáveis?
Não sei.
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E pregunto se me não é dado supor, visto que a proposta nada nos diz, que nesta verba de soldos, ordenados gratificações e outros abonos individuais entre possivelmente alguma cousa que tenha ligação com as chamadas escolas de repetição.
É, não é?
Não sei.
No capítulo 1.°, artigo 7—A, há mais um reforço de 20 contos. Repito a minha pregunta de há pouco: trata-se duma despesa a pagar, ou duma despesa prevista e possivelmente desnecessária?
Não sei; continuo a não saber nada.
Sr. Presidente: não queira ninguém ver nas minhas palavras um propósito firme de embaraçar sequer a acção do Sr. Ministro da Guerra.
Tive o cuidado, quando apareceu a mensagem ministerial, de destacar do corpo governamental os Ministérios da Guerra e da Marinha.
Sob o ponto de vista político, que ninguém veja, portanto, o intuito de estorvar a acção dêsses Ministérios. Mas afirmei então que ora tamanha a necessidade de encarar o problema em conjunto que tudo quanto fôsse bolir no orçamento devia ser feito com o mais atento cuidado.
Sr. Presidente: não tenho o hábito de me deixar convencer pelas boas informações.
É indispensável que na, lei taxativamente se marque o caminho que cada um deve seguir.
E se posso depositar no Sr. Ministro da Guerra uma ilimitada confiança na sua capacidade directiva, a verdade o que não posso ver naqueles lugares senão o Govêrno.
Tive já ocasião de afirmar que as apregoadas medidas de compressão de despesas, de que o Govêrno fazia alarde, não passavam de poeira lançada aos olhos do público.
Nos dias de maior publicação dessas medidas, a imprensa entoava hinos, procurando confundir aqueles que tinham o arrojo de manifestar a sua incredulidade.
Os factos, porém, têm vindo dando razão aos incrédulos, provando que os ruidosos propósitos do Govêrno só podem ter uma efectivação longínqua; tam longínqua que quási se não alcança.
Se nós, cumprindo a lei, tivéssemos antes procedido à remodelação dos serviços públicos, faríamos uma obra lógica. Mas não; o Govêrno entendeu que devia, suprimir os serviços; mas, como não teve a coragem de ir até onde devia ir, não dispensou os funcionários o apenas lhes exigiu que não trabalhassem.
Porquê?
Porque o Govêrno queria apenas fazer uma obra de efeito que não de resultados.
Confiar no Govêrno, certos de que o seu patriotismo e a sua competência o não levarão a abusar das autorizações que lhe vamos dar, isso seria, positivamente, uma infantilidade.
Já ontem o Sr. Almeida Ribeiro fios apresentou uma proposta no sentido de conferir ao Poder Executivo todas as facilidades para êle poder provocar a melhoria, do câmbio.
São tantos os factores que influem na divisa cambial que, se não abrangermos a maior parte deles, a obra que se faça há-de falhar absolutamente.
O Sr. Presidente: — É a hora de se passar à. ordem do dia.
O Orador: —- Terei então de ficar com a palavra reservada.
Aqui está a ver-se a razão por que eu dizia, quando o Sr. Ministro da Guerra apresentou as suas propostas, o para elas pedia a urgência e a dispensa do Regimento, que não havia nada melhor do que seguir caminho direito. Se tem havido apenas o pedido de urgência, natural seria que já houvesse os pareceres das comissões e pudessem ser hoje votadas as propostas.
Assim, ainda mal começam a ser discutidas.
Peço que me fique reservada a palavra.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (Ribeiro de Carvalho): — Não me parece que houvesse essa rapidez que S. Exa. indica, na obtenção dos pareceres da comissão de guerra, visto que ela ainda não deu parecer sôbre uma proposta também de reforço de verba, que aqui foi apresentada
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em 20 de Outubro último pelo então Sr. Ministro da Guerra António Maria da Silva.
O orador não reviu.
O Sr. Jorge Nunes: — Essa falta não é da nossa culpa. Todos nós desejaríamos que os pareceres nos fossem apresentados urgentemente. Não há interêsse em demorar as discussões dos assuntos,que são submetidos ao nosso exame. O que há é a necessidade de nos podermos pronunciar nas votações com verdadeiro conhecimento das matérias que sejam postas à aprovação da Câmara.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Requeiro que V. Exa. consulte a Câmara sôbre se ela consente que a discussão que se acaba de interromper continue hoje, se possível fôr, logo a seguir à resolução que a Câmara tome sôbre a questão cambial e sôbre o imposto do solo.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Parece-me que o requerimento do Sr. António Maia vem prejudicar o seguimento dos trabalhos na ordem do dia, visto que o Sr. Presidente do Ministério já anunciou que a seguir à questão do imposto de sêlo apresentaria a sua proposta sôbre actualização de contribuições.
O Sr. António Maia: — Mas o que eu requeri é para se executar, se fôr possível, na sessão de hoje.
O Orador: — Então bem!
O Sr. Lelo Portela: — Tendo eu a honra de fazer parte da comissão de guerra, tomo a liberdade de, em meu nome pessoal, declarar que aquela comissão já deu o seu parecer sôbre a proposta a que há pouco se referiu S. Exa. o Sr. Ministro da Guerra, dizendo que ela ainda não tivera dado o seu parecer. Faço esta declaração em homenagem à justiça e à verdade.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Seguidamente é submetido à votação da Câmara o requerimento apresentado pelo Sr. António Maia.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a acta.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Ninguém pede a palavra, considera-se aprovada.
Pedidos de licença
Do Sr. Pires Monteiro, 8 dias.
Do Sr. João Pereira Bastos, 20 dias.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Admissões
Foram admitidas à discussão as seguintes proposições de lei:
Propostas de lei
Do Sr. Ministro do Interior, autorizando a nomeação de comissões administrativas, em designados casos.
Para a comissão de administração pública.
Dos Srs, Ministros das Finanças, Interior, Estrangeiros e Colónias, autorizando o Govêrno a reorganizar os serviços de emigração.
Para a comissão de administração pública.
Projecto de lei
Do Sr. Carlos Pereira, autorizando o Govêrno a codificar a legislação vigente, sôbre a condição, melhoramento é transformação das classes trabalhadoras e à previdência social.
Para a comissão do trabalho.
Foi lida na Mesa e expedida uma nota de interpelação ao Sr. Ministro da Guerra, assinada pelo Sr. Pires Monteiro.
É a seguinte:
Nota de interpelação
Desejo interpelar o Sr. Ministro da Guerra sôbre a anunciada extinção de quatro divisões do exército e algumas unidades regimentais, considerando as conseqüências previstas para a,defesa nacional, redução dos quadros e orçamento do respectivo Ministério.
Sala das Sessões, 18 de Janeiro de 1924.— Henrique Pires Monteiro.
Expeça-se.
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ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Comunico à Câmara o falecimento do Sr. Dr. José de Pádua.
S. Exa. foi Deputado às Constituintes, como velho republicano muito dedicado à causa da República e aos interêsses do País.
Foi também um médico muito distinto que soube sempre honrar a sua missão. A todos quantos o conheciam a sua morte deve causar desgosto; o por isso proponho que na acta desta sessão se lance um voto de sentimento pela perda de tam ilustre cidadão.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Fui companheiro do Dr. José de Pádua nos trabalhos desta Câmara.
Êle mereceu sempre toda a consideração dos seus colegas. E, assim, foi com profundo pesar que tive conhecimento da sua morte. Embora afastado ultimamente das lides do Parlamento, êle não deixara de continuar a interessar-se, como bom patriota que era, pela marcha da República e pelos assuntos que reclamavam a atenção do País.
Sentimos a sua perda; e, portanto, em meu nome e no dos Deputados do Partido Republicano Português, associo-me magoadamente ao voto de sentimento que V. Exa. acaba de propor.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Comovidamente me associo, em meu nome e em nome da minoria monárquica, ao voto de sentimento que V. Exa. propõe à Câmara pelo pensamento do Sr. Dr. José de Pádua.
Fui seu amigo pessoal, e tive ensejo de reconhecer que José de Pádua possuía um belo carácter e largas faculdades de trabalho que o impunham à consideração de todos e até à estima dos seus adversários políticos. Pelo que foi em vida, bem mereço a sua memória a homenagem que a Câmara lhe está rendendo.
O orador não reviu.
O Sr. Pires Monteiro: — Em nome do Grupo Parlamentar da Acção Republicana, associo-me ao voto de sentimento que
V. Exa., Sr. Presidente, acaba de propor pela morte do Sr. Dr. José de Pádua.
José de Pádua foi um bom republicano e um distinto médico.
Neste momento em que tam necessários são os homens de energia e de boas intenções, no número dos quais podíamos incluir o ilustre, extinto, mais ainda deveremos prantear a sua morte.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (António Fonseca): — Pedi a palavra para, em nome do Govêrno de que tenho a honra de fazer parte, me associar sentidamente ao voto de pesar que a Câmara vai lançar na acta desta sessão, por proposta de V. Exa.
O orador não reviu.
O Sr. Ferreira de Mira: — Sr. Presidente: em nome da minoria nacionalista, declaro que êste lado da Câmara se associa com a maior mágoa às manifestações da Câmara, todas de saudade e pesar pela morte do Dr. José de Pádua.
O orador não reviu.
O Sr. Estêvão Águas: — Uso da palavra para em meu nome, como conterrâneo e antigo condiscípulo do Dr. José de Pádua, juntar aos votos de sentimento já aqui emitidos, os meus também.
O extinto foi um belo cidadão, um grande republicano, e um distinto médico.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Em vista das manifestações de toda a Câmara, considero aprovado por unanimidade o voto de sentimento que propus.
Vai votar-se na generalidade a proposto de lei que autoriza o Govêrno a regulamentar o comércio de cambiais.
Procede-se à votação.
O Sr. Presidente : — Está aprovada.
O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
Seguidamente procede-se à contraprova, fazendo-se a contagem dos que aprovam, e dos que rejeitam.
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O Sr. Presidente: — Estão de pé os Srs. Deputados e sentados 46.
Está aprovada.
Passa-se à discussão na especialidade.
Vai ler-se o artigo 1.°
Leu-se na Mesa.
O Sr. Presidente: — Está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Jorge Nunes.
O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: começando as minhas considerações depois da leitura do artigo 1.° em discussão, devo reconhecer que êste artigo constitui um verdadeiro tratado de finanças e de economia.
Todavia o Sr. Almeida Ribeiro entende que isto é uma cousa fácil de votar.
No dizer de S. Exa., o assunto é daqueles que podem ser votados a olhos fechados.
Trabalhemos honrada e proficientemente, e assim inspiremos confiança que não só impressione o país, como o estrangeiro.
Sr. Presidente: o que se tem procurado sempre é ocultar um propósito que há nesta proposta.
Para que conservar o Parlamento aberto?
Porque não acabar com esta ficção?
Então se vamos dizer ao Govêrno que é sua exclusiva atribuição tratar dos problemas financeiros, para que conservamos aberta esta casa e nos arrogamos direitos que a todo o momento alienamos?
Não, Sr. Presidente.
Eu compreendo que se diga ao Govêrno que tome por si as devidas providências, mas apenas nas suas relações de venda e aquisição de cambiais.
Compreendo que se diga ao Govêrno — e eu muito desejaria que a proposta do Sr. Almeida Ribeiro o frisasse que consinta que ao menos pelo espaço de três meses, o Banco de Portugal faça exclusivamente as operações sôbre cambiais.
O Sr. Nuno Simões: — V. Exa. não ignora que, há dois dias, para aquisição de guias-ouro, que só podem ser passadas pelo Banco de Portugal, a secção respectiva estava fechada até as 3 horas.
É talvez dessa e doutras atitudes que resulta o pânico que se tem estabelecido.
O Banco do Portugal é, sem dúvida, um dos responsáveis pela crise que vimos atravessando.
O Sr. Afonso de Melo (em aparte): — Já não é a primeira vez que o pânico se estabelece, por o Banco de Portugal fechar a horas impróprias.
O Orador: — Sr. Presidente: nós devemos apreciar estas questões com a maior paciência.
Quando o Ministro de então, Sr. Portugal Durão, apresentou nesta Câmara o seu projecto maravilhoso, abrindo um empréstimo de 3 milhões de libras, e quando depois o Sr. Lima Basto, outra esperança radiosa da República, brindou o país com o seu decreto sôbre comércio de cambiais, eu tive ocasião de dizer — e então êsse grito levantaram muitos Deputados — que essas medidas eram inertes e contraproducentes.
Sr. Presidente: se qualquer destas entidades, Banco de Portugal, Caixa Geral de Depósitos ou Inspecção de Câmbios, tivesse como uma das suas atribuições o comércio de câmbios, estou convencido de que, antes dos três meses a que me referi, a Câmara levantar-se-ia em pêso, para revogar essa medida.
Mas querem V. Exas. saber qual é o tal critério do Sr. Almeida Ribeiro?
Eu chamo a atenção de V. Exas. para êsses algarismos, a que há pouco ia a referir-me, quando o Sr. Presidente me cortou a palavra.
Vamos à proposta das comarcas.
O Sr. Almeida Ribeiro (interrompendo): — Mas o que têm as comarcas com a questão cambial?
O Orador: — Eu vou dizer a V. Exa.
É ou não verdade, Sr. Almeida Ribeiro, que o equilíbrio orçamental só se pode atingir por duas formas: aumento de receitas e deminuição de despesas?
Eu não conheço outro elixir.
No programa do Govêrno do Sr. Álvaro de Castro, figura a compressão das despesas; mas o que é verdade é que essa providência já faliu.
E, no emtanto, ela é uma das que V. Exa., inclui na sua proposta.
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Com as comarcas dá-se o seguinte:
São 50 comarcas, porque quando o Sr. Ministro da Justiça meteu a mão no saco, tirou 50 holas, não obedecendo esta redução a qualquer critério. Tem que se •encontrar 50, ainda que, na casa dos 20, se verifique que êsse critério é inconveniente e arbitrário.
Mas agora vamos à tal apregoada economia.
Importa ela em 1:506 contos por ano.
Já o Sr. Ministro da Guerra aqui veiu pedir — não sei para quê, nem com que utilidade — só de uma vez 5:994 contos, não para comodidade dos povos mas para vexar e violentar os povos.
O Govêrno do Sr. Álvaro de Castro entende que medidas desta natureza trazem uma economia; mas não é verdade, como vou demonstrar.
Apoiados.
O Govêrno tem a maioria do Partido Democrático ao seu lado para o apoiar calorosamente.
Estamos em face de uma redução de 90 contos, num déficit que excede 1:000 contos por dia.
Por um lado o Estado encontra, todos os dias, uma receita aproximada de 1:000 contos; e por outro lado uma despesa que excede 2:000.
O Sr. Ministro das Finanças entende que por medidas desta natureza com o auxílio e colaboração do Sr. Ministro da Justiça, que faz uma economia de 90 contos, pode ter o reconhecimento do país.
V. Exas. vão ver como por êsses decretos a justiça perde. E onde não há justiça os interêsses do Estado não são devidamente acautelados.
Há inventários e muitos processos que desaparecem desde que a justiça não esteja perto da porta. Está calculado que 20 por cento dêsses processos estão nessas condições.
Pois a economia é aproximadamente de 1:506 contos ficando reduzida.
O Sr. João Camoesas: — Em cada casa um juiz.
O Sr. Américo Olavo: — Neste momento o que V. Exa. está a dizer interessa apenas aos especuladores. Para êsses fica o campo aberto para fazerem o que têm feito até agora.
O Orador: — Já sou antigo nesta Câmara, e estou farto de ouvir os estafados tropos dos comícios. Não me impressionam, não me incomodam, não me convencem. Sigo na mesma esteira, sem me preocupar com êsses apartes, que até me dão um certo repouso ao espírito quando vêm de homens inteligentes.
Ficam por essa tal medida adidos oito juizes da Relação e quatorze auditores, ficam como adidos mais juizes e delegados.
De modo que ficam a ganhar nesta situação. Na melhor das hipóteses a economia mensal é de 50 contos.
O Sr. Vitorino Godinho: — Acrescente V. Exa. a isso os prejuízos causados pelas tempestades nos Açôres.
O Orador: — Molhe V. Exa. a vela.
Eu presto um mau serviço ao país dizendo que esta obra é injusta; o, sobretudo, que é atentatório duma boa prática administrativa exigir sacrifícios para obter uma economia de 50 contos?
Disse e repito: o Govêrno não pode ser permanentemente do Partido Democrático, nem o país uma roça de que êle seja o único senhor.
Apoiados.
Por isso o Partido Nacionalista, quando ocupar as cadeiras do Poder, uma cousa tem a fazer: tornar nulas, revogar estas medidas.
Apoiados.
Faço esta declaração para conhecimento do país.
Apartes vários.
São-me indiferentes absolutamente os comentários da Câmara, que julga que é bem mais interessante discutir a proposta Almeida Ribeiro.
Apartes, sussurro.
O Orador: — Êste lado da Câmara não pode votar estas medidas porque elas envolvem uma autorização tam lata ao Govêrno, que, se houvesse lógica na nossa atitude, havia apenas uma cousa a fazer: cumprimentar muito afectuosamente os seus membros e sair por aquela porta. Nada há a fazer nesta Câmara.
Uma voz: — Isso é o que êles queriam.
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O Orador: — Estou convencido de que é improfícua, contraproducente, toda a obra do Govêrno.
O critério do Sr. Almeida Ribeiro rejeito-o absolutamente, e para tranquilidade da minha consciência mando para a Mesa esta proposta:
Substituição
É autorizado o Govêrno a modificar a legislação em vigor sôbre o exercício da indústria bancária e do comércio de cambiais, no sentido de adoptar todos as providências, relativas à limitação, condições e fiscalização dêsse exercício, que possam impedir a desvalorização da moeda nacional.— Jorge Nunes.
O Orador: — Isto é que é uma situação clara.
O Govêrno entrou no regime da vara larga; mas não se diga que o Sr. Álvaro Se Castro vai fazer uma ditadura.
O orador não reviu.
Foi lida e admitida a proposta do Sr. Jorge Nunes.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: comquanto sejam exemplos edificantes os exemplos que os parlamentares nacionalistas possam dai; nos debates parlamentares, eu, com mágoa, abstenho-me de os seguir. Não quero, portanto, referir-me agora à supressão das comarcas.
Sr. Presidente: ontem, numa atitude de, pavor, a Câmara, conhecendo o estado da situação cambial, manifestou-se no sentido de ser necessário dar ao Govêrno fôrça para encentrar resoluções enérgicas e usar de actos decisivos, tomando quaisquer providências.
Apartes.
Diz-se que o meu projecto, sendo aprovado, equivaleria a encerrar o Parlamento, deixando como único delegado dos Poderes do Estado o Ministério. Não é assim.
O Parlamento, ainda que se dêsse ao Govêrno todos os poderes que o meu projecto possa conter, não deixava de ter a acção necessária que se contém na Constituição para benefício do País. E mesmo que o meu projecto dêsse ao Govêrno poder para legislar sôbre tudo, ainda ficaria para o Congresso a função de fiscalizar.
Essa função era própria das Câmaras; mas não era só essa a função a que ficavam limitadas as suas funções, porque o meu projecto é só para actuar em medidas referentes à situação dos câmbios, e há muitas cousas na administração do Estado que não são susceptíveis de se relacionarem com os câmbios.
Mas para evitar preocupações a alguns Srs. Deputados que se manifestaram contra o meu projecto, eu, sem querer diminuir a acção indispensável e enérgica que é necessária tomar, vou mandar para a Mesa uma proposta de emenda ao meu projecto, acrescentando a palavra «directamente». Assim se limita de maneira sensível o âmbito da autorização, sem prejudicar a energia e eficácia necessárias para o Govêrno actuar.
Por agora nada mais direi, reservando-me para de novo voltar ao debate, se o entender necessário.
Tenho dito.
O orador não reviu.
A proposta é a seguinte:
Proponho que no projecto de lei em discussão, no seu artigo 1.°, se intercale
A palavra «directamente» entre as palavras «julgue» e «úteis». - Almeida Ribeiro.
Foi admitido.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: em primeiro lugar permita-me V. Exa. que me congratule com V. Exa. e com a Câmara por não ser a atmosfera que hoje se respira nesta casa tam pesada como ontem no decorrer do debate, não só porque a melhoria do câmbio se manifestou valorizando o escudo, mas por ser conhecida já uma das causas da depressão cambial dos últimos dias.
Sabe-se agora que havia uma verdadeira caça às cambiais porque havia a pagar no estrangeiro encomendas no valor de 150:000 libras.
Uma tal cifra, quando já se luta com. dificuldades, é uma verdadeira determinante da baixa e dó pânico.
Já referiram os jornais — e tenho sôbre o caso informações que julgo verdadeiras — que alguns Srs. Deputados da oposição tem o ponto de vista formal de contrariarem o projecto do Sr. Almeida. Ribeiro.
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A meu ver, Sr. Presidente, nós não estamos adentro desta Câmara isoladamente com o intuito de resolver o problema cambial, pois a verdade é que êle há-de ser resolvido lá fora.
Ainda hoje, Sr. Presidente, um dos jornais da manhã, dos mais lidos, preconizava a opinião expendida ontem nesta Câmara, isto é, de o Estado tomar conta de todo o movimento cambial da praça de Lisboa.
Eu, Sr. Presidente, devo dizer em abono da verdade que acho essa doutrina verdadeiramente impraticável entre nós; pois, se é certo que em algumas nações realmente se fez isso, não menos certo é que se prepararam primeiro os elementos financeiros necessários para êsse fim.
Assim, Sr. Presidente, por exemplo, na Áustria fez-se isso; porém, não só por set tratar de uma potência das principais, como por se ter garantido 80 por cento por meio de um empréstimo externo, êsse facto produziu uma melhoria cambial naquela nação, o mesmo tendo feito a Polónia que conseguiu os mesmos resultados.
Porém, entre nós, creio bem que os resultados não serão os mesmos, podendo mesmo dizer que hão-de ser negativos, como, por exemplo, foram negativos na Alemanha.
Considero, porém, como já disse, Sr. Presidente, impraticável, muito principalmente nas circunstâncias actuais, o Estado encarregar-se de todo o movimento cambial do País.
Eu vejo por exemplo, Sr. Presidente, — e para o facto chamo a especial atenção da Câmara — qual é a opinião expendida pela Associação Comercial de Lisboa sôbre o assunto.
Vê-se que são as Associações Comerciais e Industriais que pedem ao Govêrno imediatas providências para atacar de frente o problema da expeculação cambial.
Para conseguir a aspiração do Govêrno é que a maioria o apoia nesta proposta.
Não se trata senão de facilitar o Poder Executivo na realização das medidas indispensáveis para acabar com o fenómeno que periodicamente se produz.
Esta questão tem uma grande gravidade, e eu chamo a atenção de V. Exa. para as providências do Govêrno francês
no sentido de resolver e problema que é semelhante ao nosso.
Devo chamar também a atenção do Govêrno, não só para os pequenos especuladores, mas para os grandes especuladores.
Sr. Presidente: desde o ano de 1920 que começou a acentuar-se o agravamento do câmbio.
Depois da incorporação da Agência Financial do Rio de Janeiro dentro do Banco Português do Brasil é que começou a acentuar-se o fenómeno.
Êsse facto produziu-se em 1919, e a divisa cambial, que nessa ocasião estava na casa dos 30, passou no ano imediato para a casa dos 13.
Todos os interessados no movimento cambial entre Portugal e Brasil fizeram uma espécie de conjura para o ataque e desvalorização do escudo.
De tal forma, que no ano seguinte a divisa cambial baixou para a casa dos 6, baixando ainda para 1, auxiliada pelas sucessivas perturbações que se têm produzido neste País.
Sr. Presidente: quando, chamo a atenção do Govêrno, e especialmente do Sr. Ministro das Finanças, para a especulação, refiro-me aos que exercem essa missão em larga escala.
Nestas circunstâncias, o Govêrno tem todos os elementos para bem utilizar a proposta dá Sr. Almeida Ribeiro.
Aproveito pois o ensejo para declarar que concordo em absoluto com as emendas que S. Exa. apresentou depois.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: apresentou-se o Govêrno à Câmara como sendo o mais permanente defensor da Constituição; e nós estamos a ver dia a dia, hora a hora, as provas de que êsse Govêrno não passa de um Govêrno ditador.
Mas se duvidas houvesse, se realmente não se quero colocar nas mãos do Govêrno uma arma para exclusivamente legislar sôbre comércio de cambiais, bastaria o facto de o Sr. Almeida Ribeiro não se ter levantado, para, em nome da maioria, declarar que aceitava a proposta do Sr. Jorge Nunes, para que todas as dúvidas desaparecessem.
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S. Exa., em vez de declarar que aprovava a proposta, limitou-se a mandar para a Mesa uma emenda, pela qual se intercala a palavra «directamente» entre as seguintes: «julgue» e «úteis».
Não está presente o Sr. Ministro das Finanças, mas creio que o Sr. Ministro do Comércio se declarou habilitado a tratar do assunto.
Era muito interessante que S. Exa. dissesse à Câmara, em nome.do Govêrno, qual o uso que o Govêrno pensa fazer desta autorização, quais as medidas que o Govêrno julga dever promulgar sôbre o assunto e, ainda, se o Govêrno pensa, por exemplo, em se servir dela para legislar sôbre importações, sôbre pautas aduaneiras e sôbre outros tantos assuntos que respeitam à situação cambial do País. - Já ontem tive ensejo de dizer nesta Câmara que não é com decretos que a situação cambial se resolve; pelo contrário, a intervenção do Estado ia só perturbar o comércio cambial.
Ainda hoje, antes da ordem do dia, quando o Sr. Deputado António Maia apresentou um requerimento para que se discutisse um projecto da iniciativa do Sr. Ministro da Guerra, ouvi dizer ao ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro que também havia de vir a esta Câmara um projecto apresentado pelo Sr. Presidente do Ministério relativo à actualização dos impostos, dando o Sr. Almeida Ribeiro a entender que a Câmara deverá votar-lhe a urgência e dispensa do Regimento — donde eu concluo que o Govêrno pensa em fazer ditadura em matéria do impostos.
Contra êsse facto apresento, desde já, em nome dêste lado da Câmara, o meu protesto, declarando a V. Exa. que empregaremos todos os meios que o Regimento nos permite para evitar essa ditadura sôbre matéria de impostos que um Govêrno e um partido das esquerdas querem fazer, por não terem a coragem — para não contrariarem a clientela política — de propor unicamente aquelas medidas que são indispensáveis para a salvação do País, reduzindo ao mínimo as despesas públicas como a opinião do País exige.
Já o Sr. Jaime de Sousa há pouco se regozijava com a ligeira melhoria cambial que se verificou de ontem para hoje, se porventura o problema dos câmbios com a cotação de 1 11/16 e com a libra-cheque a 142$ fôsse uma cousa que pudesse tranquilizar alguém.
Para que serve continuar neste regime em que temos vivido, de faltar à verdade ao País?
De que serve contentarem-se que não seja de um dia para o outro que se dê a grande catástrofe que nos há-de afundar a, nós todos?
E para que sustentar esta morte lenta a que a República nos vai sujeitando?
O que é preciso é encarar de frente o problema nacional.
É indispensável, antes de mais nada, que se reduzam as despesas públicas e se procure baratear a vida em termos razoáveis, o que qualquer Govêrno pode conseguir desde que não tenha a incompetência dos que têm ocupado as cadeiras do Poder.
Citou o Sr. Jaime de Sousa o exemplo da França.
É costume copiar lá de fora tudo quanto é mau. Mas ao Sr. Jaime de Sousa eu direi que ninguém deve fazer afirmações de cor, sem estudar primeiramente os assuntos.
A maior parte dos impostos em França é hoje, apesar de se tratar de um País atingido duramente pela guerra e que está pagando o encargo da sua dívida, o que não sucede connosco, porque a nossa intervenção na guerra não tem comparação com a daquele país — a maior parte dos impostos, dizia, são similares dos que os que a Câmara já aqui votou.
Olhar o problema financeiro, lançando exclusivamente impostos sôbre o País, não serve senão para agravar, mais e mais, a situação cambial e o problema da ordem.
As questões devem atacar-se nos seus fundamentos, para se conseguir alguma cousa de útil.
A medida que se discute, além de inconstitucional, não representa mais do que um mero paliativo com que se, pretende enganar o País e contra o qual nós protestamos.
Os Governos da República devem cumprir o dever de fazerem uma redução inexorável nas despesas públicas.
Não o fazendo, assume tremendas responsabilidades. Mas na hora de liquidação de responsabilidades, que pode ser que
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não venha longe, hão-de V. Exas. arrepender-se do mal que têm feito e continuam a fazer ao País.
Tenho dito.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Barros Queiroz: — Sr. Presidente : o Sr. Almeida Ribeiro quis concluir das considerações feitas pelo meu ilustre colega, Sr. Jorge Nunes, que êste lado da Câmara tinha modificado a sua atitude de ontem para hoje. Foi S. Exa. injusto.
Ontem, como hoje, êste lado da Câmara está disposto a votar qualquer providência que habilite o Govêrno a reprimir qualquer especulação cambial e a tomar providências tendentes à melhoria cambial dentro da preparação dos órgãos que executam essa função; mas não está disposto hoje, como não estava ontem, a votar qualquer providência que, a propósito ou a despropósito de câmbios, seja tendente a dar uma autorização imediata aos Governos para tomarem providências do qualquer natureza. E a proposta do Sr. Almeida Ribeiro não é conducente a outra cousa, porque autoriza o Govêrno a tomar providências regularizando o comércio de cambiais, mas autoriza também o Govêrno a tomar as providências necessárias para melhorar a situação cambial. Ora as providências, que podem ser consideradas como tendentes à melhoria cambial, são muitas e de vária ordem. Ontem, nesta Câmara, eu afirmei que um dos modos de estabilizar a moeda era equilibrar o Orçamento.
O Sr. Presidente do Ministério, respondendo, afirmou que pensava do mesmo modo. Podemos, pois, concluir que o Govêrno entende como meio útil, necessário e directo para melhorar a situação cambial o equilíbrio orçamental e, nestas condições, decreta todas as providencias, criando os novos impostos que entender. Por modo nenhum a Câmara pode dar autorizações dessa natureza. Não há nenhuma razão de ordem moral ou política que determine tal atitude. Não faço a injustiça de atribuir ao Sr. Almeida Ribeiro o propósito de dar uma tal autorização, mas das palavras que estão no texto da proposta pode concluir-se, e conclui-se sem grande esfôrço, que o Govêrno pode tomar todas as providências,
incluindo a criação de novos impostos. E tanto assim é que o próprio autor da proposta vem com uma emenda, dizendo que essas medidas são as que o Govêrno julgue directamente conducentes à melhoria cambial. Mas, se é o Govêrno que julga quais são as providências directamente conducentes à melhoria, é o Govêrno que se torna juiz de entender que as medidas a adoptar sejam as do lançamento de novos impostos sem conhecimento da Câmara. Ainda a emenda enferma do mesmo mal da proposta e de um mal que pode ser perigoso e altamente inconveniente para a República, pondo nas mãos do Poder Executivo uma autorização que é a negação do próprio sistema parlamentar.
Não há dêste lado da Câmara nenhum propósito de contrariar a adopção de medidas tendentes a melhorar os câmbios, nem a reprimir as especulações, mas sim o de não deixar que a Câmara adopte providências que julga inconvenientes e inconstitucionais.
E a prova de que dêste lado da Câmara se não pensa em impedir qualquer providência está em que por elo foi apresentada uma proposta de substituição, embora a quási totalidade dos parlamentares do Partido Nacionalista esteja convencida da inutilidade de providência de natureza violenta contra certos actos de comércio bancário. Apesar desta convicção, queremos mostrar à Câmara e ao País que não procuramos fazer o jôgo dos especuladores ou impedir que o Govêrno fique munido das armas necessárias para lhes fazer face. Não votamos, porém, a proposta nem a emenda, porque são tendentes a habilitar o Govêrno com os poderes necessários para reprimir os crimes dos especuladores, para regular o comércio de câmbios, o exercício da indústria bancária, mas sim a permitir a mais larga ditadura, o que se não fará com o nosso aplauso.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Américo Olavo: — Sr. Presidente: estava ontem a Câmara no propósito de habilitar o Govêrno com as medidas indispensáveis para reprimir rápida e implacàvelmente todos os especuladores.
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Com grande surpresa, porém, assisto hoje a uma larga discussão que se presta muito bem à interpretação de que se procura apenas arranjar medidas dilatórias para a votação daquela autorização de que o Govêrno tem necessidade para agir ràpidamente.
Trocam-se vários apartes.
O Orador: — Não me refiro ao Sr. Barros Queiroz, nem me podia referir, visto que S. Exa. 8 se limitou a falar sôbre o assunto.
O grupo parlamentar da Acção Republicana votaria sem nenhuma hesitação a proposta inicial do Sr. Almeida Ribeiro; e votá-la-ia porque estava absolutamente seguro de que o Govêrno do Sr. Álvaro de Castro era por completo incapaz de adoptar quaisquer medidas que não se acham rigorosamente dentro das disposições dessa proposta.
O único receio de maior importância que aqui se aventou foi o de que o Govêrno pudesse usar da autorização parlamentar para decretar em matéria de impostos.
Foi, porém, o Sr. Presidente do Ministério a primeira pessoa a apelar para o Parlamento, a fim de que votasse ràpidamente a proposta sôbre o imposto do sêlo e as demais medidas tributárias necessárias para fazer face ao déficit orçamental. S. Exa. foi a primeira pessoa a fazer a demonstração de que não quere nenhumas medidas sôbre impostos que não sejam votadas pelo Parlamento. Não tem, no emtanto, o Grupo Parlamentar da Acção Republicana qualquer dificuldade a opor à restrição hoje apresentada pelo Sr. Almeida Ribeiro. O que me parece é que não estamos em ocasião própria para muitas palavras e para que os Srs. Deputados monárquicos tenham o dever de combater a proposta de autorização.
S. Exa. sustentou que quanto pior se conduzir o Govêrno da República mais seguramente caminham para os seus ideais e, por conseqüência, o que mais lhes deve convir é que o Govêrno proceda em inteira liberdade.
Um aparte.
O Orador: — A proposta do Sr. Almeida Ribeiro é que nós votamos, pois não
era natural que, para aprovar uma proposta saída da oposição fôssemos rejeitar a que foi apresentada por um membro da maioria que apoia o Govêrno.
Sr. Presidente: o momento, como já disse, não é para política, é para factos; e, assim, o Grupo de Acção Republicana vota a emenda enviada para a Mesa pelo ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro, como igualmente estará disposta a votar a proposta inicial.
Tenho dito.
Ô orador não reviu.
O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: serei muito breve. Não teria pedido a palavra se não fôsse uma frase directamente dirigida a mim pelo ilustre Deputado Sr. Américo Olavo.
Disse S. Exa. que o Grupo de Acção Republicana não vota a minha proposta porque ela é no fundo igual à do Sr. Almeida Ribeiro, quando na verdade assim, não é.
O Govêrno, Sr. Presidente, está animado dos melhores desejos; porém, eu devo dizer que de boas intenções está o inferno cheio, e assim eu devo citar à Câmara um exemplo:
Em 1914, quando Presidente do Ministério o Sr. Afonso Costa, o Parlamento votou uma proposta que, não sendo igual à do Sr. Almeida Ribeiro, vinha a dar precisamente na mesma, isto é, o Governo ficava autorizado a tomar todas as medidas que julgasse por convenientes à economia e às finanças públicas, autorização essa que foi largamente aproveitada depois pelo Govêrno de Sidónio Pais.
Cito êste facto à Câmara para ela ver bem que o mesmo poderá acontecer amanhã com a proposta do Sr. Almeida Ribeiro e, assim, se bem que o Govêrno esteja animado dos melhores desejos, eu devo dizer em abono da verdade que não estou disposto a dar o meu voto a essa proposta.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: - Sr. Presidente: pela muita consideração que tenho pelo ilustre Deputado Sr. Barros Queiroz, eu vou proferir algumas palavras em resposta a S. Exa.
Estou inteiramente de acordo com as-
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considerações feitas por S. Exa., assim como concordo com as afirmações do Sr. Presidente do Ministério de que o equilíbrio orçamental e o aumento de receitas influem sôbre a situação cambial. Estou de acordo com essa afirmação; porém com o que não estou de acordo é com a afirmação feita de que estas medidas actuem directamente sôbre a situação cambial.
Essas duas categorias de medidas são realmente duma importância capital em matéria cambial, mas não são elas que directamente actuam sôbre a situação.
Sr. Presidente: disse o ilustre Deputado Sr. Barros Queiroz, acerca da minha proposta, que não é o Govêrno quem julga, mas sim o Parlamento. Sem dúvida.
Então o facto de se dizer na minha proposta que o Govêrno fica autorizado a tomar as medidas que reputar úteis significa porventura que o Poder Legislativo, que esta Câmara especialmente fica desapossada daquela prerrogativa constitucional de fazer leis ? É uma disposição legal que a minha proposta não tem por fim alterar, nem se torna preciso ressalvá-la, porque é da Constituição.
Também se referiu o Sr. Barros Queiroz à ineficácia de medidas coercivas. Já ontem, a propósito da ineficácia de meios violentos, eu afirmei que com violências mão só corrigem defeitos económicos.
Quanto a medidas coercivas não tenho a mesma opinião de S. Exa.
No que seja tendente a restringir o exercício da indústria relativa a câmbios, o Estado pode tomar as medidas que quiser, que nada conseguirá.
Tudo que tenda a impedir o livre exercício da liberdade económica dos cidadãos, qualquer resolução, que se tome nesse sentido, é inútil e prejudicial.
Se estou portanto inteiramente de acordo com S. Exa. quando afirma que medidas violentas são de recusar, o mesmo não posso dizer quando S. Exa. afirmou que podemos pôr de parte medidas coercivas.
Quanto ao argumento do Sr. Jorge Nunes para condenar a minha proposta por se prestar a abusos, direi que Sidónio Pais hão abusou de poderes que lhe houvessem sido conferidos. Êle é que se arrogou poderes talvez com o apoio de S. Exa. e dos seus correligionários.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: não há ameaças sejam de quem forem, não há insinuações, não há acusações falsas, provenham elas de onde provierem, que por instantes sequer nos desviem do caminho que traçámos à nossa conduta ao entrar nesta casa do Parlamento.
Escusam, portanto, os republicanos históricos, como o Sr. Américo Olavo, como os republicanos de fresca data e que amanhã serão outra vez monárquicos uma vez proclamada a monarquia, de pretender dar-nos lições ou obrigar-nos a pensar pelas suas cabeças, visto que perdem inteiramente o seu tempo.
Não tinha tenção de usar da palavra se não fossem as afirmações do Sr. Américo Olavo.
Faço-o propositadamente, não para responder a S. Exa., mas para demonstrar a V. Exa. e à Câmara que, não nos atemorizam acusações nem insinuações. Desde que aqui tomámos lugar temos demonstrado que os nossos processos de combate e de propaganda são bem diferentes dos que foram, usados pelos republicanos no tempo da monarquia. Muito nos honramos com isso, sendo êsse, para nós, o maior título de glória da nossa acção parlamentar.
Não usamos de cartas roubadas ou de documentos que venham à nossa mão, pois que, de contrário, muito mais aqui teríamos que dizer. Se seguíssemos a doutrina do «quanto pior melhor», acreditem que com outras pessoas se teriam de haver. Ainda ontem aqui demonstrei que as mais enérgicas acusações aos Governos da República não partiram destas bancadas, mas da maioria, pela boca dos Srs, Carlos Pereira e Tôrres Garcia, e dos independentes, pela boca do Sr. Fausto de Figueiredo.
E agora pregunto ao Sr. Carlos de Vasconcelos, que tam indignado se mostrou contra os especuladores, porque não se indignou contra os seus correligionários que podiam ter favorecido a especulação. Podemos bem com as nossas responsabilidades e não nos importa que nos acusem de fazer o jôgo seja de quem fôr.
Quem faz o jôgo dos especuladores é o Govêrno e, em especial, o Sr. Ministro das Finanças que, como grande autoridade financeira, vem dizer ao Parlamento
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que para resolver a crise dos câmbios, basta que lhe votemos a lei do sêlo, como só fôsse selando tudo e todos que se tornasse possível resolver a crise de Portugal.
Parece troça, Sr. Presidente; e eu pregunto se os financeiros da República são todos da fôrça do Sr. Álvaro de Castro e se não há por aí quem saiba mais alguma cousa de assuntos financeiros, visto que S. Exa. demonstrou ontem que não sabia literalmente nada dêsses assuntos. Ficou com a pasta das Finanças porque não encontrou quem a quisesse na maioria ou na Acção Republicana.
Eu pregunto ainda quem é que faz especulação - se é quem desassombradamente indica o verdadeiro caminho a seguir, se é o Govêrno que vem dizer que, antes de acabar com a pouca vergonha dos Transportes Marítimos, é preciso aumentar as receitas do Estado. Disse-o pela boca do Sr. António da Fonseca e pela do Sr. Álvaro de Castro.
Sr. Presidente: a proposta do Sr. Almeida Ribeiro é inconstitucional. S. Exa. sabe-o muito bem e, apesar de magistrado, o seu facciosismo político levou-o, não já a dizer-se contrário, mas a recolher-se num prudente silêncio, porque bem sabe que a sua autoridade de magistrado era lesada sustentando ideas contrárias à letra da lei.
O artigo 26.° da Constituição é expresso dizendo quais os casos em que o Parlamento pode dar autorizações ao Govêrno.
Só quem não sabe ler, só quem procede apaixonadamente como em tudo procede o Partido Democrático, é que não conclui que a proposta é inconstitucional. E eu pregunto agora quem é que tem mais autoridade — se o Sr. Cunha Leal, encarando a questão do frente, se Os Deputados da maioria, deitando poeira aos olhos do País e estabelecendo uma ditadura bem mais grave do que qualquer outra e que vem a ser a ditadura do Govêrno com a responsabilidade do Parlamento.
Há mais. Vai dar-se uma autorização, inconstitucional.
O Govêrno vai usar dela mais de uma vez e, em todo o caso; o artigo 27.° da Constituição declara expressamente que autorizações dadas pelo Parlamento ao Govêrno só podem ser usadas por uma vez.
Quem faz ditadura?
Quem tem mais responsabilidades são os que não possuem a coragem de enfrentar o problema ou os que, como o Sr. Cunha Leal, vêm dizer claramente e sem sofismas o que é preciso fazer?
Pregunto ao Sr. Américo Olavo porque é que, dizendo-se que a proposta do Sr. Almeida Ribeiro não é mais do que a proposta do Sr. Jorge Nunes no seu sentido e interpretação, porque é que para evitarem que a discussão se protele não dizem que aceitam a proposta de substituição do Sr. Jorge Nunes?
Então há ou não intuitos reservados votando a proposta do Sr. Almeida Ribeiro? Porque é que não votam a proposta do Sr. Jorge Nunes? Quem é que está a especular? Quem é que está á protelar, a discussão?
O Sr. Jorge Nunes propõe que o Govêrno fique autorizado a regular o comércio de câmbios e a promulgar todas as medidas relativas ao exercício do comércio de câmbios — é isto em resumo o que propõe o Sr. Jorge Nunes — e o Sr. Almeida Ribeiro declara que o espírito da sua proposta é no mesmo sentido;
Porque é então que o Sr. Almeida Ribeiro não declara que vota a emenda do Sr. Jorge Nunes?
Isto faz-me compreender que da parte do Govêrno e da maioria há intuitos reservados, intuitos que é necessário que sé esclareçam para evitar no futuro erradas interpretações.
Peço ao Sr. Ministro do Comércio, que suponho ter procuração do Sr. Ministro das Finanças num caso desta gravidade, para dizer à Câmara sem subterfúgios, sem sofismas, em que sentido é que o Govêrno interpreta a proposta do Sr. Almeida Ribeiro, isto é, se entende que essa proposta diz respeito unicamente ao comércio de câmbios ou se pode ir até ao ponto de criar novos impostos que realmente podem influir no comércio de câmbios.
A resposta do Sr. Ministro do Comércio é indispensável, porque vai traduzir a opinião do Govêrno, amarrando-o assim à sua responsabilidade e acção.
Se o Govêrno exceder aquilo que o Sr. Ministro do Comércio declarou, teremos autoridade para o atacar.
De outro modo, não.
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O Sr. Almeida Ribeiro sabe muito bem escrever, sabendo o sentido das palavras que escreve. E se não escreveu outras palavras foi porque houve intuitos reservados.
S. Exa. sabe escrever português e sabe escrever claro, quando quere escrever claro; más escreve escuro e, portanto, há intuitos reservados.
É preciso que o País seja esclarecido para saber para onde vamos.
Isto é que se chama especular, Sr. Américo Olavo.
Não julguem V. Exas. que os argumentos de «apoiados» e «não apoiados» afastam qualquer questão do seu verdadeiro pó.
Se V. Exas. estão desapaixonados neste assunto, aceitem a proposta d!o .Sr. Jorge Nunes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: apenas uma dúzia de palavras,que seria bom que o Sr. Américo Olavo pudesse ouvir.
Não tinha tenção de usar novamente da palavra; mas o Sr. Américo Olavo declarou que os Deputados monárquicos desejavam o «quanto pior, melhor», e que os Deputados da oposição estavam a protelar o debate.
Ao meu amigo pessoal Sr. Américo Olavo devo responder. E. começo por responder a S. Exa. com um facto concreto que muito gostaria que S. Exa. pudesse contestar.
Tratando-se ontem nesta Câmara dum assunto grave, como êste que estamos discutindo, um ilustre Deputado da maioria, Sr. Tavares de Carvalho, requereu que a sessão fôsse prorrogada, sem interrupção até se acabar de discutir e votar o assunto.
Pois quando chegámos à hora pouco mais ou menos de se encerrar a sessão estavam na sala trinta e tantos Srs. Deputados o que levou o Sr. Presidente, para que publicamente o País não visse que a maioria da Câmara não se interessava com um assunto desta ordem e saía da sala sem o querer tratar — o que não sucedeu á oposição — a fazer com que o assunto não fôsse votado ontem.
Peço ao Sr. Américo Olavo o favor de dizer se quem tem a culpa do assunto não estar já votado é a maioria ou a oposição.
O Sr. Américo Olavo: — Se V. Exa. não estivesse a falar já estava votado.
O Orador: - Quem faltou ontem com o número?
O Sr. Américo Olavo: — Já respondi à pregunta de V. Exa.
O Orador: — Os Srs. Deputados que se foram embora, não permitindo que se votasse o assunto, tiveram ou não a culpa?
Sou efectivamente amigo pessoal de S. Exa. para não querer mantê-lo por mais, tempo nessa situação de não poder responder a estas preguntas.
Já S. Exa., o Sr. Américo Olavo, vê que quem teve a culpa de o assunto não ser ontem votado foi a maioria da Câmara saindo da sala, como do resto já tinha feito noutro dia, quando se discutia a proposta de empréstimo de que depende o futuro da província de Moçambique.
Não venha, portanto, S. Exa. fazer acusações à oposição, porque quem tem a culpa é a maioria.
Não dizemos «quanto pior, melhor»; e a prova tem-na S. Exa. num facto passado há pouco tempo nesta Câmara. Uma apreciação feita nesta Câmara pelo Sr. Tôrres Garcia acerca de determinado assunto foi de tal ordem que se quiséssemos, o «quanto pior, melhor», e tivéssemos querido salientar essa afirmação de S. Exa. e eu não sei o que se teria passado na praça de Lisboa.
Respondido também êste ponto, vamos ao terceiro, que é aquele em que S. Exa. diz que não há inconveniente em se votar a proposta do Sr. Almeida Ribeiro em vez da do Sr. Jorge Nunes.
Vou dizer que há o máximo inconveniente, porque sôbre autorizações parlamentares nós temos dois factos recentíssimos.
Um deles foi uma simples alínea votada na proposta do regime cerealífero e que nós tínhamos a certeza que servia para acabar com o pão político. O outro facto foi o relativo ao convénio com o Banco de Portugal, que, por uma má in-
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terpretação, se julgou em vigor — o que deu em resultado a publicação de muitos milhares de notas falsas.
Já vê S. Exa. que se os Governos sem autorizações claras fazem isso, o que fará com autorizações tam latas e claras como aquelas que se lhes querem dar agora.
Julgo ter rebatido os argumentos apresentados pelo Sr. Américo Olavo, meu amigo pessoal e que lamento ver na situação em que se agora encontra.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Q Sr. Ministro do Comércio è Comunicações (António Fonseca): — Sr. Presidente: a circunstância de o Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças ter de acompanhar no Senado a discussão da Declaração Ministerial faz com, que seja eu quem tenha de acompanhar nesta Câmara a discussão actual e, por conseqüência, de responder - aos vários Srs. Deputados que sôbre o assunto usem dá palavra.
Vou ser o mais lacónico possível porque julgo que a discussão na especialidade duma proposta que tem só um artigo não tem razão de ser.
Começo por não entender as razões que teve o Partido Nacionalista para fazer à proposta do Sr. Almeida Ribeiro uma formidável oposição.
E não compreendo, porque me recordo muito bem de que quando se constituiu o Govêrno do Sr. António Maria da Silva foi o. próprio Partido Nacionalista quem tomou a iniciativa de oferecer ao Govêrno como um brinde uma autorização semelhante àquela do Sr. Almeida-Ribeiro. Recordo-me até que como membro do Partido Reconstituinte e falando por acaso em seu nome, contrariei a proposta do Sr. Cunha Leal, a que me estou referindo, com o fundamento de que as autorizações só devem votar em casos muito excepcionais e quando os Governos manifestem que as desejam. Não era o caso de então e por isso recusei o meu voto a essa proposta.
Surpreende-me, portanto, que hoje, em que as circunstâncias são completamente diversas, dado que a situação cambial é mais grave e tende a agravar-se — não digo que não partisse de lá a autoriza-
ção — se lhe faça uma tam enérgica oposição.
Sr. Presidente: disse ontem V. Exa. que não foi o Govêrno que tomou a iniciativa desta proposta.
Esta proposta foi trazida à Câmara por um Deputado, que, cônscio da gravidade da situação, entendeu que na realidade é preciso que o Govêrno esteja armado com os meios necessários para praticar os actos que, porventura, se tornem indispensáveis no sentido de deminuir os graves inconvenientes que resultam duma constante e vasta depreciação cambial.
Mas precisamos inteiramente de no» entendermos acerca dum ponto: é que não vale a pena dar ao Govêrno uma autorização que pela sua insuficiência nada. permitisse ao Govêrno fazer pela melhoria cambial; mas deve dar-se-lhe um instrumento útil.
Por isso não basta dar ao Govêrno o que consta da proposta do Sr. Jorge Nunes.
O que quere dizer aquela proposta?
Quere dizer que S. Exa. parte da base de que todas as medidas que hajam, porventura, de publicar-se no sentido duma melhoria cambial só têm eficácia no que respeita ao exercício da indústria bancária e ao comércio cambial.
O Sr. Jorge Nunes: — Entendo que o Govêrno neste momento só carece de autorização para providenciar directamente na acção do câmbio; simplesmente no que diz respeito a medidas bancárias e comércio.
O Sr. Almeida Ribeiro veio dizer que outros intuitos não tinha com a sua proposta, e V. Exa. parece que está dizendo não poder ò Govêrno limitar-se a isto.
O Orador: — O que afirmo é o seguinte r o propósito do Sr. Jorge Nunes parte evidentemente dêste princípio: S. Exa., como republicano que é e bom patriota, não quererá dar ao Govêrno uma cousa que lhe não servisse de nada.
Só há uma maneira de intervir eficazmente nos câmbios: é regular o exercício da indústria e o comércio de câmbios.
O Sr. Jorge Nunes: — V. Exa. engana-se. Não é essa a minha convicção. A proposta dó Sr. Almeida Ribeiro, duma
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forma -concreta, é isso. Tudo que daí resulte é contraproducente.
O Orador: — Não tenho absolutamente nada com o que se passa entre V. Exas. Tenho só que apreciar as cousas como elas se apresentam.
Apresenta-se uma substituição; e o que se conclui dela é que o seu autor, em concordância com o ilustre Deputado, todavia implicitamente, entende que há necessidade das medidas eficazes; e estas são porventura as que menor influência possam ter na questão cambial.
A proposta do Sr. Jorge Nunes seria um instrumento insuficiente.
E a minha opinião.
Nesta altura trocam-se vários apartes entre o orador e diferentes Srs. Deputados, que não foi possível reproduzir.
O Orador: — O que eu digo a V. Exas. é que essa proposta, que não foi apresentada pelo Govêrno, representa para êle uma grande responsabilidade, e assim eu sou de opinião que ou o Parlamento lhe dá uma autorização larga para êle poder resolver convenientemente o assunto, ou então o melhor será não lhe dar nada.
Esta, Sr. Presidente, é a minha opinião. E creio francamente que estou dentro da lógica, pois a verdade é que desde que o Parlamento não esteja disposto a dar-lhe uma autorização larga para o Govêrno tomar as medidas que julgar por convenientes, o melhor será não lhe dar nada.
De resto, Sr. Presidente, o que eu posso garantir à Câmara é que o Govêrno não pensa de maneira alguma, com essa autorização, em modificar a legislação tributária; pois, se o quisesse fazer, traria à Câmara uma medida especial para êsse fim.
Pode a Câmara estar tranquila sôbre o assunto, pois a verdade é que se o Govêrno amanhã entender que há necessidade em modificar a legislação tributária do país não deixará de trazer à Câmara uma medida especial para êsse fim.
Já vê, portanto, a Câmara que o Govêrno, desde que seja aprovada a emenda apresentada pelo ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro, não modificará por qualquer forma a legislação tributária do país.
Eu, Sr. Presidente, devo dizer, em abono da verdade, que entendo que uma das medidas mais directas que podem influir grandemente na melhoria cambial é o aumentar-se a nossa exportação e deminuir-se o mais possível a importação.
Pregunto se a proposta do Sr. Jorge Nunes na realidade habilitaria o Govêrno para êsse fim, quando ela é para êsse fim insuficiente.
Apartes.
O Sr. Carvalho da Silva preguntou qual o uso que o Govêrno queria dar a esta autorização.
Tenho de pedir desculpa a S. Exa. de o não dizer, não porque não possa, mas porque o não desejo. E vou dizer porquê.
No dia em que dissesse que se iriam tomar tais. e tais disposições, encontrar-se-ia logo quem procurasse meios de tornar inúteis essas resoluções.
Porque, é que os Governos têm trazido ao Parlamento só pedidos de autorizações sôbre o assunto?
Porque se não têm apresentado propostas concretas e tudo se tem feito à sombra de autorizações?
Porque, se tudo não fôsse feito com todo o segredo e cautela, a maior parte do efeito que se queria conseguir acabava.
Não se pode dizer que se vai fazer isto ou aquilo, porque os resultados pretendidos ficariam prejudicados.
Em Portugal há muita gente para quem os interêsses gerais são sensíveis, mas só nas horas vagas, e quando não prejudiquem os seus próprios interêsses.
Dizer, pois, o que S. Exa. deseja não era prático, nem útil.
Se eu fôsse Ministro das Finanças, e V. Exa. quisesse que lho dissesse, como bom patriota que é, embora não seja republicano, eu o diria a V. Exa. particularmente, ou numa sessão secreta. Mas, em pleno Parlamento não se pode dizer porque quando aqui se fala é para o país.
Ápartes.
O que me parece, portanto, que se deve fazer, como termo de conciliação, e para que não se julgue que o Govêrno quere sair fora do âmbito da autorização ou impor aumentos tributários, é aprovar a emenda apresentada pelo Sr. Almeida Ribeiro, que eu declaro aceitar.
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Assim, o Sr. Carvalho da Silva e outros Srs. Deputados ficam tranqüilos; assim como o Govêrno, que nunca tencionou usar dessa medida para outro fim.
Mas, se ainda há outras cousas que o Parlamento deseja incluir nesta restrição, faça-se a devida restrição.
Evidentemente quando se autoriza, um Govêrno a fazer uma certa medida, supõe-se que não há desconfiança política, quando se trata de republicanos, porque não poderia ser assim com monárquicos.
Trata-se de responsabilidades; e assim nenhum homem de Govêrno seria capaz do servir-se desta autorização para à sombra dela fazer uma ditadura disfarçada.
Apartes.
As autorizações que V. Exas. nos votaram, garanto-o absolutamente, não serão senão para promulgar as medidas indispensáveis para melhorar a situação cambial e que se possa dizer que têm uma acção directa nos câmbios.
O Sr. Carvalho da Silva: — V. Exa. sustenta que a autorização devo ser mais lata que a do Sr. Jorge Nunes. Eu não digo que não; o que pregunto é se uma autorização dada nos termos do Sr. Almeida Ribeiro é ou não contra o artigo 26.° da Constituição.
O Orador: — Agora desloca-se a questão para um outro ponto, e assim eu creio poder tirar a conclusão de que o primeiro ponto está ganho.
Apoiados.
É facto que o artigo 26.° da Constituição estabelece certas e determinadas cousas, mas já está absolutamente demonstrado por toda uma série de medidas e disposições, por uma longa jurisprudência e longa prática, que as autorizações que o Poder Executivo pode receber do Legislativo não são as únicas do artigo 26.°, e não se pode dizer que o Parlamento não tenha durante tantos anos feito uma rigorosa interpretação da Constituição.
Apoiados.
O Sr. Carvalho da Silva: — Ainda V. Exa. outro dia como Deputado, e perante uma medida idêntica, sustentou que ela era inconstitucional.
O Orador: — Pode haver autorizações inconstitucionais,- mas não quere dizer que todas as diferentes daquelas que marca o artigo 26.° da Constituição sejam inconstitucionais. Ppr exemplo, ò Govêrno pode ser autorizado a remodelar os quadros do exército, e a não ser essa autorização permanente, não é inconstitucional.
O Sr. Carvalho da Silva: — Ainda me lembro do entusiasmo com que V. Exa. defendeu uma questão prévia apresentada pelo Sr. Pedro Pita, quando se tratava duma autorização para a reorganização dos serviços públicos.
O Orador: — Perdão: sustentei que era inconstitucional, mas nos termos em que era proposta.
Isso é muito importante. E na realidade todos os escrúpulos de natureza constitucional dos monárquicos, o que muito os honra, são uma prova de que começam a ter um certo amor à Constituição da República.
Isso fica-lhes muito bem, e só tenho do os felicitar.
Sr. Presidente: são também de respeitar os escrúpulos legalistas do Partido Nacionalista, desejando que sejam feitas certas restrições.
Concordo com elas, uma das quais é a de que o Govêrno não poderá modificar a legislação tributária.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos de Vasconcelos (para um requerimento): — Requeiro a V. Exa. se digne consultar a Câmara sôbre se consente em que a sessão seja prorrogada até liquidação do assunto em debate.
Foi aprovado.
O Sr. Moura Pinto: — O orador começa declarando que não quere tomar muito tempo à Câmara, porque não está disposto a ouvir mais uma vez a conhecida palavra «especulação» e ainda porque o Partido Nacionalista não pretende impedir que ao Govêrno sejam dadas as necessárias, medidas para encarar de frente a questão cambial.
Contado, há que acautelar-mo-nos, não só dêste Govêrno, mas de qualquer outro visto que, entre nós, os Governos se sucedem constantemente.
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E bem certa a velha frase de que os corvos têm a cor dos olhos com que a gente os vê. E assim, êle, orador, quere apenas mostrar a diferença de tratamento usado entre êste Govêrno e o Sr. Barros Queiroz, pela maioria que então era minoria, para o que lê à Câmara uma das autorizações que foram concedidas ao Govêrno do Sr. Barros Queiroz.
Então, entende aquele lado da Câmara que o Sr. Barros Queiroz e o seu Govêrno, armado dêste insignificante instrumento, podia fazer face à questão cambial. Agora já o caso não é assim. É preciso pôr mais alguma cousa; e quando o Sr. Jorge Nunes apresentou uma moção que dava ao Govêrno mais concessões, disse-se: é preciso, é preciso mais.
Disse-se ainda que o Govêrno protestou não usar arbitrariamente da autorização que lhe foi dada. Mas é necessário ter muita cautela, e êle, orador, está convencido de que a maioria vai associar-se a êste seu ponto de vista.
É certo que o Sr. Ministro do Comércio, com eloquência e sobretudo com sinceridade, a que devo prestar justiça, declarou que esta autorização não. será usada pelo Govêrno em matéria tributária. Mas não há nada perdido; a Câmara está de acordo com o Sr. Ministro do Comércio. E assim manda para a Mesa um aditamento à proposta do Sr. Almeida Ribeiro.
O discurso será publicado na integra quando o orador, haja devolvido as notas taquigráficas.
Leu-se na Mesa e foi admitida a proposta de aditamento do Sr. Moura Pinto.
É a seguinte:
Proponho que se acrescente as seguintes palavras:
«Não podendo o Govêrno dentro dessa autorização decretar quaisquer medidas sôbre matéria de contribuição e impostos».— Alberto de Moura Pinto.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (António da Fonseca): — Sr. Presidente nós termos da declaração que acabei de fazer à Câmara, aceito inteiramente essa proposta. Acho-a mesmo excelente.
É aprovada a emenda do Sr. Almeida Ribeiro e aprovado o artigo, salvo a emenda.
O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova.
Feita a contraprova, verificou-se estarem de pé 23 Srs. Deputados e sentados 46, sendo portanto aprovado.
Foi aprovado o aditamento do Sr. Moura Pinto.
Fica prejudicada a substituição do Sr. Jorge Nunes.
É aprovado o artigo 2.°
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Requeiro a contraprova.
Aprovado.
O Sr. João Camoesas: — Chamo a atenção do Sr. Ministro da Instrução para o facto da falta de pagamento aos empregados dos institutos scientíficos, que carecem dos recursos necessários para funcionarem.
Encontram-se alguns na situação de não terem sequer os recursos necessários, como o Instituto de Anatomia Patológica, para autopsias, nem pessoal para a limpeza do laboratório. Os próprios médicos, que ali trabalham gratuitamente, fazem a sustentação da limpeza.
Se estivéssemos na pasta da Instrução teríamos trazido, dentro da verba orçamental, um pedido para que êsses institutos pudessem continuar a viver e a que função.
Estou convencido de que é possível remediar, êstes inconvenientes, porque não creio que possa ser negado o voto a uma proposta neste sentido, absolutamente essencial para o País.
Se estivesse presente o Sr. Ministro da Marinha, eu chamaria a atenção de S. Exa. para a situação da absoluta injustiça que foi criada a certa classe da armada, prejudicada no meio da sua carreira, situação de tal modo violenta e absurda, que não pode deixar de ser encarada sem protesto.
Acresce que, segundo as minhas informações, o Ministro da Marinha não teria duvida em mandar reintegrar muitas das pessoas pertencentes a essa classe, desde que houvesse oficiais quê se responsabilizassem pela não intervenção dessas pessoas em movimentos de carácter revolucionário.
Afigura-se-me que o Ministro, da Marinha não pode assumir tal atitude porquanto
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o fiador único da conduta dêsses indivíduos só pode estar no regulamento disciplinar.
Como se não encontra o Sr. Ministro da Marinha, eu não quero alongar a minhas considerações; e termino, por isso, pedindo ao Sr. Presidente do Ministério para transmitir a S. Exa. a minha reclamação, na certeza de que, se ela não fôr atendida, voltarei novamente ao assunto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução (António Sérgio): — Pedi a palavra para dizer ao ilustre Deputado que acaba do falar que estou inteiramente de acordo com as suas considerações sôbre os institutos, e que já era meu propósito fazer com que êles sejam dotados com os elementos indispensáveis para a efectivação da sua obra scientífica.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: — Sr. Presidente : pedi a palavra, não para ouvir da boca do Sr. Ministro das Finanças a promessa de boas providências, mas simplesmente para protestar contra o procedimento havido por parte de certas entidades oficiais contra um estabelecimento de caridade de Abrantes.
O ano passado foi a preço uma propriedade pertencente a uma criatura falecida, em Abrantes, e que a Misericórdia dessa cidade destinou a hospital.
Com espanto geral, essa propriedade, foi à praça e vendida pela insignificante quantia de 200 escudos quando pela matriz lhe é atribuído o valor de 10:000 escudos.
Nestas condições, a Misericórdia de Abrantes não protesta apenas contra a venda dessa propriedade por uma tam irrisória quantia, mas também e principalmente contra a maneira por que essa venda se realizou,isto é, contra o facto de se não terem cumprido as disposições de lei relativas à venda de bens destinados a instituições de caridade.
Nem sequer à Misericórdia de Abrantes foi fornecida a lista onde vinham as propriedades a vender, nem se fixaram os editais para a dita venda.
Sr. Presidente: contra aqueles que pro-
cederam de modo a esquecer as dificuldades em que vivem os estabelecimentos pios, como aquela Misericórdia, eu lavro o meu protesto. Não peço providências ao Sr. Ministro das Finanças, porque o caso irá para os tribunais competentes; mas desejo que se fique sabendo que houve criaturas que ajudaram a roubar aquele estabelecimento por êsse modo.
Muito desejaria que o Sr. Ministro das Finanças mandasse saber por pessoa competente por que razão assim se procedeu, dando lugar a que a referida venda não fôsse conhecida de toda a gente, como devia ser.
Fica feito o meu caloroso protesto contra aqueles que neste momento esquecem o carinho que é necessário dar às casas de caridade, visto que elas não podem só viver à custa do Estado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: não conhecia o facto a que se referiu o Sr. António Correia, e vou proceder como S. Exa. deseja.
Àpartes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é no dia 21, à hora regulamentar, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia:
A de hoje.
Ordem do dia:
A de hoje menos o projecto de lei n.º 632.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 45 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Requerimento
Requeiro em nome da comissão de guerra, que me seja fornecido, pelo Ministério da Guerra:
Cópia da folha de matricula do ex-coronel de infantaria, António de Almeida Santos;
Página 27
Sessão de 18 de Janeiro de 1924 27
Cópia do despacho que o demitiu do exército;
Cópia da sentença do Tribunal Militar Especial do Pôrto, que o puniu.-- José Cortês dos Santos.
Expeça-se.
Propostas de lei
Do Sr. Ministro do Trabalho, revogando os decretos n.os 4.159 e 4.544, de 26 de Abril de 1918 e 19 de Junho do mesmo ano.
Para o «Diário do Governo».
Do Sr. Ministro do Trabalho, substituindo o artigo 97.° e seus parágrafos do
decreto n.° 5.640, de 10 de Maio do 1919.
Para o «Diário do Governo».
Parecer
Da comissão de legislação civil o comercial, sôbre o projecto n.° 606-J, que autoriza o Govêrno a mandar proceder a designadas obras para abastecimento de água à cidade de Lisboa.
Para a comissão de obras públicas.
Comissão de guerra:
Substituir o Sr. Pereira Bastos, durante a licença, pelo Sr. Américo Olavo.
Para a Secretaria.
O REDACTOR—João Saraiva.