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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.° 24
EM 21 DE JANEIRO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Abre a sessão com a presença de 46 Srs. Deputados.
É lida a acta, que adiante é aprovada com número regimental.
Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Almeida Ribeiro trata, dos portes do correio para as colónias e para o estrangeiro e do edifício das encomendas postais. Responde o Sr. Ministro do Comércio (António Fonseca}.
O Sr. Lelo Portela protesta contra a campanha de certa imprensa em desfavor do batalhão de sapadores de caminhos de ferro. Responde o Sr. Ministro da Guerra (Ribeiro de Carvalho).
Volta a usar do palavra o Sr. Lelo Portela, agradecendo, e o mesmo faz o Sr. Ministro dando mais esclarecimentos.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu pede a comparência do Sr. Ministro das Colónias para a sessão imediata.
O Sr. Presidente do Ministério (Álvaro de Castro) manda para a Mesa uma proposta de lei sôbre as taxas do sêlo, para que pede a urgência e a dispensa do Regimento.
Usa da palavra sôbre o modo de votar o Sr. Carvalho da Silva.
O requerimento é aprovado e a proposta entra em discussão.
Usa da palavra o Sr. Carlos Pereira.
O Sr. Cunha Leal insta para que se realize a sua interpelação acerca do regime dos Altos Comissários, respondendo o Sr. Mariano Martins (Ministro das Colónias).
Continua a discussão da proposta de lei.
Usam da palavra os Srs. Morais de Carvalho, Carvalho da Silva, Fausto de Figueiredo e Barros Queiroz, que apresenta uma proposta de substituição, que é admitida, Paulo Cancela de Abreu e Mareies Loureiro, que apresenta um aditamento, e Presidente do Ministério, que se manifesta sôbre as propostas apresentadas.
Esgotada a inscrição, é posta em votação a generalidade.
É aprovada, mas o Sr. Morais de Carvalho requere a contraprova, invocando o artigo 38.° do Regimento, confirmando-se a aprovação.
São admitidas as propostas apresentadas pelos Srs. Marques Loureiro e Presidente do Ministério.
É aprovada a generalidade.
Passando-se à especialidade, o Sr. Presidente do Ministério requer e, e é aprovada, prioridade para a proposta do Sr. Barros Queiroz.
Usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva e Paulo Cancela de Abreu.
O debate fica pendente.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Carvalho da Silva trata dos adiantamentos ao funcionalismo, respondendo o Presidente do Ministério.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão.— Última redacção — Um parecer - Um requerimento.
Abertura da sessão 09 15 horas e 37 minutos.
Presentes à chamada 46 Srs, Deputados.
Entraram durante a sessão 43 Srs. Deputados,
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão.
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto do Oliveira Coutinho,
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Lelo Portela.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sonsa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
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2 Diário da Câmara dos Deputados
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira de Castro Ágata Lança.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cruz.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Viriato Gomes da Fonseca.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abílio Marques Mourão.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Francisco Dinis de Carvalho.
Hermano José de Medeiros.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Américo da Silva Castro.
António de Abranches Ferrão.
António Alberto Torres Garcia.
António Ginestal Machado.
António Mendonça.
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António Pais da Silva Marques.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheira dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso»
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.
Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 46 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 35 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Carta
Do Sr. António Pais, agradecendo o voto de sentimento pela morte de sua sogra.
Para a Secretaria.
Ofícios
Do Senado, comunicando ter enviado à Presidência da República, para promulgação, as propostas de lei:
1.ª Que altera o artigo 2107.° do Código Civil.
2.ª Que aplica aos oficiais o sargentos milicianos que tomaram parte no movimento de Santarém e nas operações contra os monárquicos em Monsanto e no Norte as disposições do decreto n.° 7:823, de 23 de Novembro de 1921.
3.ª Que autoriza o Govêrno a ceder o bronze e a mandar fundir a estátua de Antero de Quental.
4.ª Que aplica a doutrina da lei n.° 1:158 de 30 de Abril do 1921 ao sargento reformado António Bernardo da Fonseca Baptista.
5.ª Que permite o provimento de lugares de guardas-mores de saúde e facultativos municipais das ilhas dos Açores aos módicos da extinta Escola Medica do Funchal.
6.ª Que cria a freguesia das Calhetas, concelho da Ribeira Grande.
7.ª Que cria uma assemblea eleitoral no Faial da Terra, concelho da Povoação.
Para a Secretaria.
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4 Diário da Câmara dos Deputados
Do Ministério da Guerra, comunicando o adiamento para 1925 da encorporação no 1.° grupo das companhias de saúde, do Sr. Mário Moniz Pamplona Ramos.
Para a Secretaria.
Telegrama
Da direcção da Associação de Classe dos Armazenistas de Mercearia do Pôrto, aprovando as indicações do Sr. Fausto de Figueiredo para entrega da compra e venda de cambiais à Caixa Geral de Depósitos.
Parti a Secretaria,
Antes da ordem do dia
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: chamo a atenção do Sr. Ministro do Comércio para as breves considerações que vou lazer.
Disseram os jornais, e eu já tive ocasião do verificar na estação central dos correios do Lisboa a veracidade dessa notícia, que desde o princípio dêste mês foram elevados os portos do correspondência para as colónias e estrangeiro.
Eu não me proponho criticar a elevação, e suponho que ela foi absolutamente justificada, dada a deminuição crescente do valor da nossa moeda, e dada a carestia sempre crescente dos serviços postais de todo o mundo.
Todavia, para o que desejo chamar a atenção do Sr. Ministro do Comércio é para a conveniência do se ordenar, o que de resto se tem feito sempre, a publicação da nota dos aumentos no Diário do Govêrno, e, porventura, em outros lugares, para conhecimento dos interessados.
Há pela cidade bastantes marcos postais, mas a verdade é que me vejo impossibilitado, para êste fim, de me servir deles, visto que em nenhum se encontra afixada a tabela, e, se quiser estampilhar a minha correspondência, sou forçado, bem como quási toda a gente, a informar-me, previamente, numa estação postal qual a importância da franquia.
Sr. Presidente: êste meu pedido não me parece nada revolucionário, tanto mais que, quando há tempos foi aumentada a franquia para Espanha e para as colónias, a nota de elevação de taxas foi publicada no Diário do Govêrno,
É êste um pedido de todo o ponto justo, e espero que o Sr. Ministro do Comércio o tomará na devida consideração.
Para um outro assunto, eu desejo ainda chamar a atenção de S. Exa.
Parece-me que em Novembro passado foram publicados no Diário do Govêrno uns documentos, donde se conclui que aquele pardieiro, que há anos a esta parte constitui o resto do edifício onde estiveram as encomendas postais, está servindo de pretexto para se pagar mensalmente a um engenheiro, a um arquitecto, a um tesoureiro-pagador, e não sei ainda se a mais alguém.
Acresce mais que neste pardieiro não se fez obra nenhuma, e actualmente discute-se ainda qual o projecto da obra a realizar ali: se se deve aproveitar ou demolir as abóbadas, ou se devem aproveitar-se ou demolir as colunas, etc.
Sr. Presidente: que se pague a engenheiros para estudar o projecto, ainda se admite, caso os serviços do Estado não comportem aquele trabalho; mas que se esteja a pagar a um tesoureiro-pagador e creio que a um amanuense, parece-me demais.
Eu suponho que isto está sancionado por despachos ministeriais, mas como se trata de um caso extraordinário, anormal, parece-me que êle não é de manter, e que o processo deve ser revisto pelo Sr. Ministro do Comércio, que, certamente vai providenciar como julgar melhor.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (António Fonseca): — Ouvi com a maior atenção as considerações do Sr. Almeida Ribeiro, o relativamente ao aumento das taxas postais vou dar as necessárias instruções para que o aumento tenha a maior publicidade possível, a fim de os interessados terem dele prefeito conhecimento.
Quanto propriamente aos abonos que podem estar a ser feitos com o pessoal, técnico ou não, no antigo edifício das encomendas postais, devo dizer que neste momento não conheço essa questão; contudo, vou informar-me, e procurarei por as cousas no são.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Lelo Portela: — Sr. Presidente: sendo esta a primeira vez que nesta Câmara tenho a honra de me dirigir ao Sr. Ministro da Guerra, quero declarar que vejo em S. Exa. não um político, mas unicamente um militar brioso, que está ali para defender o prestígio e dignidade do exército, e trabalhar para o seu engrandecimento.
Por conseqüência, não posso esquecer-me que na pessoa do Sr. Ministro da Guerra está um soldado que, como eu, combateu pelas mesmas ideas e nos mesmos campos. É por êste motivo, que me liga a S. Exa. uma grande solidariedade.
Estou convencido, de que o Sr. Ministro da Guerra não deixará do dar àquela corporação militar, que mais brilhantemente trabalhou para o prestígio e bom nome do exército português, todo o prestígio que ela merece.
Quero referir-me à campanha insidiosa e sistematicamente feita por determinada imprensa contra uma unidade que nos campos de batalha, em França, combateu para o bom nome e prestígio do exército e da Pátria, aquela que foi uma das primeiras que se encheu do brio e de glória. Refiro-me ao batalhão de sapadores de caminhos de ferro.
Este batalhão, quando chegou de França, foi recebido em Portugal com aquele carinho que a sua atitude lho dera direito e continuou a exercer uma acção profícua, uma acção primacial na manutenção da ordem pública.
Desejo chamar a atenção da Câmara para a acção disciplinar e de ordem que êste batalhão exerce na sociedade portuguesa e nos momentos mais críticos que tem havido.
Todos os Governos da República sentem bom êste facto, porque, sem distinção absoluta de cores políticas, encontraram sempre nesta unidade o melhor auxílio para a defesa da ordem, e garantia e prestígio das instituições republicanas.
Todos sabem que nos momentos mais difíceis de perturbação, quando há movimentos subversivos, quando há greves, o batalhão de sapadores de caminhos de forro exerce uma acção do ordem.
Por três ou quatro vezes por ocasião de greves a sua intervenção tem conseguido normalizar as comunicações, prestando os mais altos serviços á Pátria.
Todos sabem a acção que êste batalhão teve após o movimento do 19 de Outubro, em que foi a mais sólida garantia com que o Govêrno de então pode contar para a defesa da ordem pública. Quere dizer, êste batalhão, esta corporação militar é por assim dizer a espinha dorsal da ordem e o núcleo em volta do qual se juntam todos aqueles que pretendem manter o estado social em que vivemos.
Deu-se o movimento de 10 de Dezembro, o após êle vemos desenhar-se uma campanha em determinada imprensa, uma campanha que tem por fim atingir o chefe prestigioso, o comandante dessa unidade; uma campanha caracterizada e nitidamente política, campanha que pretende implicitamente desorganizar uma corporação disciplinada.
Esta campanha, dirigida contra o graúdo, brioso e digno militar que é o comandante da unidade referida, terminou em face de uma carta que êsse chefe publicou em determinado jornal, declarando que; se essa campanha continuasse, se as acusações que lhe faziam continuassem, êle ver-se-ía na necessidade de trazer a público revelações de determinados factos que podiam comprometer criaturas que a inspiravam, e vimos que em face dessa carta o dessas declarações a campanha terminou.
Terminou a campanha contra o homem, mas não terminou a campanha contra a unidade, que é a garantia da ordem.
Essa campanha continuou, pois, contra a corporação, procurando atingir todos os seus elementos na sua honra pessoal, campanha caluniosa,
Vejo-me na necessidade do fazer a história do que foram os incidentes que só seguiram, a essa campanha.
O jornal que sistematicamente a promove, num determinado número publicou uma notícia, em que acusava os seus elementos constitutivos de serem presumíveis autores do um furto de canos de chumbo.
Êste jornal pôs a noticia em formos tais, que era uma calúnia dirigida contra todos os membros dessa unidade, o que fez com que os seus elementos, homens dignos, de honra, pretendessem desagravar-se, dentro das normas estabelecidas em todos os códigos do honra.
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6 Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Carlos Pereira: - E foram para os tribunais?
O Orador: - Acima das leis militares estão as leis de honra, e as leis de honra devem ser cumpridas por todos.
O que fizeram os elementos dessa corporação?
Delegaram num camarada o encargo de, acompanhado por dois colegas, ir à redacção dêsse jornal preguntar quem é que se responsabilizava pela calúnia.
Nesse jornal ninguém tomou a responsabilidade dessa calúnia, e portanto os três delegados, dentro das normas dos códigos de honra para se desafrontarem — os dois outros para servirem de padrinhos—desfilas si ficaram os indivíduos dêsse jornal.
Mas neste momento um incidente acaba de surgir.
Quando se debatia uma pendência de honra entre militares, que se sentiam agravados por determinados indivíduos que os haviam caluniado, uma autoridade superior interveio, impedindo que essa pendência fôsse por diante.
Eu pregunto ao Sr. Ministro da Guerra se é lícito que alguém venha interpor-se nesta altura aos agravos de uma corporação, quando se não interpôs na ocasião em que sistemática e insidiosamente se pretendia lançar sôbre essa mesma corporação a lama da política. Era nessa ocasião, e não agora, que as autoridades superiores deviam ter intervindo, tanto mais que se tratava de uma pendência de honra pessoal.
O Sr. Carlos Pereira (interrompendo): — O que eu gostava, de saber era o que tinham ficado a fazer lá fora os três soldados!...
O Orador: — Se S. Exa. quere, eu explico. Os três soldados foram com os três oficiais para, no caso de haver alguém que confirmasse a notícia, mostrarem os emblemas da corporação.
O Sr. Carlos Pereira: — Agradeço a informação.
O Orador: — Eu tenho, pois, que constatar a inércia das autoridades superiores em face de uma campanha política que pretendia absolutamente rebaixar uma unidade briosa, e de só querer intervir na ocasião que se tratava de uma pendência de honra.
O Sr. Presidente: — Previno S. Exa. de que decorreu o tempo regimental de que podia dispOr.
Vozes: — Fale, fale.
O Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Câmara, pode S. Exa. prosseguir.
O Orador: — Agradeço a V. Exa. e à Câmara a atenção que acabam de me dispensar, permitindo-me que termino as minhas considerações sôbre um caso que merece não só a atenção da Câmara, mas de todos aqueles que pretendem manter o estado actual da sociedade portuguesa.
Continuando, desejava que o Sr. Ministro da Guerra mo dissesse o que entende por liberdade de imprensa.
Ninguém mais do que eu defende a liberdade de imprensa, mas liberdade de imprensa não quere dizer liberdade de insulto, liberdade de enxovalho, pois são insultos e enxovalhos as referências que certa imprensa dirige a quem lhe não é afecto.
Espero que o Sr. Ministro da Guerra — a quem, como afirmei ao principiar as minhas considerações, não atribuo intenções políticas — explique à Câmara qual o motivo por que as autoridades superiores não intervieram no momento oportuno em defesa de uma unidade militar que se pretendeu politicamente enlamear, e só intervieram quando alguns dos seus elementos a queriam desagravar.
Tenho dito.
Apoiados.
Vozes: — Muito bem.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, neste» termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Carlos Pereira não fez a revisão dos seus «àpartes».
O Sr. Ministro da Guerra (Ribeiro de Carvalho): - Sr. Presidente: começou o Sr. Lelo Portela por dizer que não se
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dirigia ao Ministro político, mas ao Ministro soldado que ocupa presentemente a pasta da Guerra, e acrescentou o mesmo ilustre Deputado que contava que eu, como militar, saberia sempre desagravar o exército e não consentir que se ataque quem mais lustre lhe tem dado e mais tem contribuído para o seu prestígio. Sou dos primeiros a reconhecer — e tenho o maior prazer em o afirmar perante o Parlamento — os serviços relevantes prestados à Pátria e à Republica pelo batalhão de sapadores dos caminhos de ferro. Os seus serviços em campanha mereceram do Govêrno ser galardoados com a condecoração da Torre e Espada conferida à sua bandeira. Permito-me, mesmo, recordar neste momento que fui eu um dos membros da comissão de recompensas que teve a honra de votar aquela condecoração.
Na manutenção da ordem pública são sobejamente conhecidos e reconhecidos por todos, os serviços prestados por êsse batalhão, e por mais de uma vez os Governos da República têm tido ensejo de os recompensar.
Ainda, ultimamente, o Sr. general Carmona publicou um louvor a essa unidade, em Ordem do Exército, e, assim, ninguém pode dizer que os Governos da República não têm dado ao batalhão de sapadores dos caminhos de ferro a consideração que lhe é merecida, não só pelos altos serviços prestados, mas pelo notável espírito de corpo e perfeita disciplina que tem mostrado.
Apoiados,
Ninguém, por conseguinte, mais do que eu, lamenta os ataques que essa unidade tem sofrido, ataques tanto mais de lamentar quanto é certo que a discussão na imprensa de assuntos desta natureza só concorre para o desprestígio do exército.
Embora a imprensa se ocupe de cousas militares dentro daquele direito que a lei lhe confere, e sem querer pôr em dúvida o patriotismo com que ela dirige as suas observações a determinados procedimentos do exército e a supostas intervenções que êste possa ter tido em acontecimentos políticos que apaixonassem a opinião, o certo é que os artigos, por não serem quási nunca baseados em informa-
ções verdadeiras, têm repercussão inconveniente na disciplina militar.
Apoiados.
Com a mesma franqueza, devo dizer que se condeno a discussão relativa ao exército feita na imprensa, condeno também que ela se faça dentro do Parlamento por ser uma assemblea política apaixonada, o que inibe que essa discussão se laça com a serenidade que seria mester.
Uma certa parte da imprensa e da opinião tem atribuído a determinadas personalidades militares intervenção em acontecimentos políticos recentes que eu, como Ministro da Guerra, ignoro. Não tenho motivos alguns para supor—pelo menos pelos factos de que tenho conhecimento oficial desde que ocupo esta pasta — que qualquer oficial sob as minhas ordens tenha faltado ao seu dever e às leis militares. Nada me consta também quanto a actos atentatórios da disciplina cometidos pelo batalhão de sapadores dos caminhos de ferro; pelo contrário, só tenho conhecimento dos bons serviços que tem prestado ao País.
O resultado das averiguações que se estão fazendo deve merecer inteira confiança, porque elas estão entregues a um oficial de reconhecida independência, e justiça íntegra há-de ser feita sem parti pris de qualquer espécie. Só depois de obter êsse resultado, é que eu poderei tomar qualquer procedimento.
Ao Sr. Lelo Portela, devo, porém, dizer que não houve intuito por parte das autoridades, superiores de impedir que o batalhão de sapadores dos caminhos de ferro se desagravasse de qualquer afronta. Não.
Houve apenas, por parte de quem exerce o comando superior, o cumprimento do dever de proceder as indispensáveis averiguações para que tudo se esclarecesse.
Devo dizer ao Sr. Lelo Portela que não me parece admissível a sua opinião de que os ataques a qualquer unidade militar representem ultrajes à honra pessoal dos seus oficiais, que êstes tenham de desagravar pessoalmente. Êsses ataques atingem colectivamente todo o exército e portanto êsse desagravo compete apenas a uma pessoa ao chefe do exército.
Apoiados.
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V. Exa. começou por dizer que esporava que eu saberia defender o exército dos ataques que lhe sejam dirigidos.
Todos sabem — e de todos os lados da Câmara me tem sido feita essa justiça — que não tenho neste lugar outra preocupação senão, efectivamente, a de prestigiar o exército.
Espero pois que a Câmara confie em mim.
E devo repetir que considero sobremaneira inconveniente que assuntos dêstes tenham aqui dentro larga discussão porque, repito, sendo a Câmara uma assemblea política, não pode ocupar-se deles com imparcialidade.
Tenho dito.
O Sr. Lelo Portela: — Cumpre-me agradecer ao Sr. Ministro da Guerra as explicações que se dignou dar-me: mas não concordo com S. Exa., pois não acho boa essa maneira de entender para prestigiar o exército, e além de que S. Exa. não respondeu às minhas preguntas concretas.
Espero que S. Exa. me dê a honra de responder a essas minhas preguntas.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (Ribeiro de Carvalho): — Eu responderei concretamente às preguntas do V. Exa.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: pelo que vejo, o Sr. Ministro das Colónias não pode responder já ao assunto a que me referi, o que diz respeito a publicidade feita em alguns jornais pelo Comissariado de Angola. Peço portanto a V. Exa. n a fineza de significar ao Sr. Ministro o desejo que eu tenho de que S. Exa. compareça amanhã antes da ordem do dia para eu tratar dêste assunto.
O Sr. Presidente: — Mas isso não é interrogar a Mesa!
O Orador: — Como não tinha outro meio de me dirigir a V. Exa. ...
O Orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Satisfarei o pedido de V. Exa.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro do Castro): — Pedi a palavra, Sr. Presidente, para, com prejuízo do meu anterior requerimento, mandar para a Mesa uma proposta de alteração das tabelas da lei do solo, para a qual peço urgência o dispensa do Regimento.
Foi lida na Mesa.
É a seguinte:
Proposta
Artigo 1.° É o Govêrno autorizado a elevar as taxas fixas do imposto do sêlo constantes da tabela anexa à carta de lei de 24 do Maio de 1902, multiplicando-as pelo factor 20.
§ único. Exceptuam-se os selos dos recibos dos juros dos empréstimos em escudos da dívida pública fundada.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das sessões da Câmara dos Deputados, Janeiro de 1924. — Álvaro de Castro.
O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar}: — Sr. Presidente: começo por estranhar que, tendo o Sr. Ministro das Finanças, na última sessão, como seguro, para resolver a questão cambial, a aprovação do parecer n.° 544, venha, 24 horas depois, dizer que se tinha esquecido do principal. Isto mostra que o Govêrno do que S. Exa. é Presidente não tem um plano nem uma orientação definida!
O Sr. Presidente (interrompendo): — As considerações de V. Exa. não têm cabimento nesta ocasião.
O Orador: — Não é possível que para uma proposta desta importância se dispense o parecer da comissão de finanças e, nestes termos, entendo que a Câmara poderá votar a urgência, mas não a dispensa do Regimento. Neste sentido vota a minoria monárquica.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se o requerimento do Sr. Presidente do Ministério.
Procedeu-se à votação.
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O Sr. Presidente: — Está aprovado.
O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do art. 116.° do Regimento.
Procedeu-se à contraprova e à contagem.
O Sr. Presidente: — Estão de pé 19 Srs. Deputados o sentados 48.
Está aprovado o requerimento do Sr. Presidente do Ministério.
Foi lido na Mesa e entrou em discussão na generalidade.
O Sr. Carlos Pereira: — A proposta em discussão enferma, a meu ver, de uma falta que a pode tornar perigosa na execução prática, porque se há taxas fixas que suportam a multiplicação por 20, outras há que a não suportam.
Por exemplo, teríamos uma folha do papel selado a custar 2$!
Na altura em que se pede a execução da justiça, o Estado torna-a tam onerosa, que não é possível atingi-la. A justiça deve ser gratuita, e por esta forma torna-se uma fonte de receita.
Muita gente julga que a carestia dos processos é para pagar aos agentes de justiça, mas pelo que se vê enganam-se, pois é uma fonte de receita para o Estado.
Não posso concordar com o critério simplista da proposta em discussão, porque seria o reconhecimento de que em Portugal se torna impossível pedir justiça.
Tal não passará sem o meu protesto.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Cunha Leal (para interrogar a Mesa): — Há dias mandei para a Mesa uma nota de interpelação acerca do regime dos Altos Comissários, e desejava saber se o Sr. Ministro das Colónias já se deu por habilitado para responder. Acharia extraordinário que S. Exa. ainda não respondesse.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - A Mesa ainda não recebeu comunicação alguma do Sr. Mi
nistro das Colónias acêrca da interpelação de V. Exa.
O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins): — Devo informar o ilustre Deputado que já recebi a sua nota do interpelação, e que ainda a ela não respondi porque esperava que se ultimasse a discussão do empréstimo de Moçambique para a estudar convenientemente, tanto mais que, sendo a nota simples na aparência, compreendo assuntos muito importantes que eu desejo esclarecer.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): — Se V. Exa. desejar que eu indique os pontos a que me irei referir, estou ás ordens de V. Exa.
O Orador: — Agradeço a V. Exa. o pode ficar certo que logo que possa irei estudar o assunto, e, quando me julgue habilitado, informarei a Mesa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: é verdadeiramente extraordinário que que estando dada para ordem do dia a discussão duma proposta que visa a remodelar por completo a tabela do imposto de sêlo, proposta que tem já o parecer das respectivas comissões desta Câmara, e para a qual o Sr. Ministro das Finanças na última sessão havia requerido urgência e dispensa do Regimento, invocando a necessidade da sua aprovação como elemento indispensável para refrear a especulação cambial, é extraordinário, dizia eu, que o Sr. Ministro das Finanças, que é também Presidente do Ministério, venha agora, com uma nova proposta que nós desconhecemos, porque nos surge de repente, pôr de parte uma outra para cuja apreciação já estávamos preparados...
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro do Castro): — A proposta sôbre a remodelação do imposto de sêlo que estava marcada para ordem do dia, não é posta de parte: continua em discussão.
O Orador: — Diz-me o Sr. Presidente do Ministério que a proposta que figura
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na ordem do dia não fica posta de parte. Mas então só ela não fica posta de parte é-me lícito preguntar, para que serve uma discussão como esta: para alterar a legislação em vigor apenas durante 15 ou 20 dias, que tantos poderiam ser os necessários pára discutir, aprovar e converter era lei a proposta de remodelação do imposto de selo?
É para isto que o Sr. Ministro das Finanças se arrisca a lançar novas perturbações na nossa legislação, perturbações cujos resultados S. Exa. será, possivelmente, o primeiro a não perfilhar?
Esta nova proposta foi apresentada há, quando muito, 5 minutos. Eu não tive, por isso, tempo para consultar todos os artigos da tabela de 1902 que lho serviu de base.
Alguns consultei, porém, e apesar de poucos foram os suficientes para me convencerem do que uma tal proposta nem sequer deveria ter sido admitida à discussão.
Apoiados.
Aplicando o princípio da multiplicação por 20 do imposto estabelecido na lei de 1902, nós vamos encontrar disparates como êste uma apólice de seguros do 5$ que pagava um sêlo de $40 passaria a pagar um sêlo de 8$!
Isto é, mais do que o valor da apólice.
Eu faço ao Sr. Ministro das Finanças a fácil justiça de o supor incapaz de perfilhar um tal resultado; o que não posso é deixar de lhe fazer a acusação de ter trazido ao Parlamento, furtando-a ao estudo das suas comissões, uma tal monstruosidade.
Apoiados.
Sr. Presidente: eu compreendo perfeitamente que a antiga tabela de sêlo precisa da ser modificada.
Mas essa modificação, como todas as modificações de leis, necessitam de ser feitas com a máxima ponderação. E porque assim é, não se compreende que o Sr. Ministro das Finanças que, pari, mais, é um homem de leis, venha ao Parlamento pedir; para um assunto de tanta importância e gravidade como êste, a urgência o a dispensa do Regimento.
S. Exa. deveria ter estudado, antes de apresentar a proposta em discussão, com todo o cuidado e ponderação, a lei de 1902.
Agora vir com esta sans façon trazer ao Parlamento uma proposta de lei como aquela que S. Exa. depositou há pouco na Mesa desta casa do Parlamento, para a qual pediu urgência o dispensa do Regimento, não se compreendo.
Vir apresentar uma proposta de lei nestes termos, multiplicando por 20 todas as taxas da tabela de 1902, sem atender às condições variáveis dum ou doutro caso, às conseqüências verdadeiramente inadmissíveis, como já tive ocasião de demonstrar, isso não se compreende, repito.
Propostas desta natureza não se trazem ao Parlamento desacompanhadas de conhecimentos especiais da matéria.
Se então o Sr. Ministro das Finanças quere equilibrar o Orçamento, para sair da situação aflitiva da administração financeira do Estado, de forma tam simples como S. Exa. supõe, a questão financeira não existiria.
Bastaria aplicar a todas as taxas um multiplicador qualquer; e não só compreenderia como em Portugal e em toda a parte se não tivesse já remediado a crise financeira, que é, segundo a opinião de toda a gente, a de mais difícil resolução.
Em nome dêste lado da Câmara, lavro o meu mais veemente protesto (Apoiados) contra esta forma de legislar.
Se o Sr. Ministro das Finanças pretende impor à Câmara uma obra assim, ela terá resultados não só improfícuos, mas até em certos pontos, impraticáveis.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Carvalho da Silva: — Vi ontem nos jornais que o Sr. Presidente do Ministério resolvera lembrar aos parlamentares a necessidade do não demorarem as discussões, a necessidade de deixar passar com facilidade todas as propostas que o Govêrno aqui trouxesse à Câmara, e já ontem nessa imprensa ou jornais de grande circulação, que se intitulam órgãos do povo, mas que são propriedade da moagem, já ontem se queria criar a opinião de que fossem considerados traidores aqueles Deputados que fizessem oposição às medidas do Govêrno,
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Não nos importamos nós, dêste lado da Câmara, com o que diga essa imprensa, compenetrados como estamos do nosso dever.
Importamo-nos sim com a nossa consciência acima de tudo, com o que reputamos ser o cumprimento do dever de representantes da Nação.
Era fácil o admissível nesta casa do Parlamento, quando ainda não havia uma minoria monárquica, fazer passar com a maior facilidade a multiplicarão das taxas de sêlo e outras por um coeficiente arranjado ad hoc, e ai viriam os resultados as conseqüências que já tive ocasião de citar, quando pela primeira vez tomei assento nesta Câmara, acerca da contribuição predial o rústica.
Provei então a maneira como se legislava o se arrancavam impostos ao contribuinte.
Foi isto que provou nesta Câmara a minoria monárquica, chamando a atenção da Câmara para essa flagrante injustiça, para que tal extorsão feita ao contribuinte fôsse do conhecimento da Câmara, que pelos modos se não interessava pelo assunto.
Pela mesma forma por que nos orgulhamos de termos sido nós, Deputados monárquicos, que aqui levantamos a nossa voz contra êste prolongado banquete a que o País vem assistindo, e que vem pagando.
Orgulhamo-nos, de ser também hoje quem se põe em oposição a esta proposta, declarando duma maneira a mais terminante que não nos associamos a convites dessa ordem feitos pelo Govêrno.
Apoiados.
Havemos de fazer a oposição que pudermos, toda que soubermos lazer a medidas como é esta que o Govêrno -acaba de trazer ao Parlamento, demonstrando assim que o Govêrno em matéria financeira não tem plano algum que se considere de utilidade.
Apoiados.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — O que lhes convém é que os assuntos não sejam estudados.
O Orador: — Como pode actualizar-se o imposto do sêlo, a incidir sôbre uma multiplicidade de actos, sem a mais leve indicação?
O Sr. Presidente do Ministério chega ao Parlamento e diz: «Multiplicação por 20 em todos os selos por igual».
Isto é verdadeiramente espantoso! Nunca aconteceu em nenhum Parlamento do mundo.
E quem faz isto é o Sr. Presidente do Ministério, que há quatro dias reputava como salvação do país uma medida que faria descer a libra talvez a 4$50, por meio da aprovação do parecer n.° 584!
S. Exa. não tinha sequer lido o parecer n.° 584; é a conclusão a que se chega.
Apoiados.
Não pensou sequer também nas conseqüências da aplicação desta monstruosa lei que hoje vem apresentar-nos.
Quantas vozes nós, ao passarmos pelo govêrno civil ou pelo Tribunal da Boa Hora, vemos uma desgraçada, uma pobre mulher, que tem de fazer um requerimento para qualquer cousa indispensável, como, por exemplo, para demonstrar a sua pobreza. Quere S. Exa. o Sr. Presidente do Ministério que se diga a essas desgraçadas criaturas: paguem para aqui 2$ por meia folha do papel selado?
Isto é verdadeiramente espantoso; isto não cabe na cabeça do quem tenha pensado cinco minutos neste assunto.
O Sr. Carlos Pereira disse que hoje justiça, neste país, já ninguém pode pedir, porque o processo mais elementar fica por uma importância incomportável.
Ainda há dias um pequeno proprietário teve ocasião de me contar que uma acção de despejo duma casa, cuja renda era de 8$, lhe estava já em 800$!
Como é que a Câmara quero que se agrave mais ainda êste imposto de sêlo?
Se formos ver o rendimento do imposto de sêlo no actual Orçamento encontramos uma verba de 81:000 contos de receita; mas isto não pode ser feito à toa.
Já o meu ilustre amigo Sr. Morais Carvalho mostrou quanto isto é importante, no estudo que lhe foi possível fazer nos escassos três minutos que teve para ver a proposta.
Como se compreende que um assunto desta importância venha aqui sem um relatório, apenas com quatro linhas?
Não há uma única palavra justificativa, o que dá a entender que o Govêrno sabia que o Parlamento lho votaria êste aos olhos fechados.
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O Sr. Paulo Cancela de Abreu (em aparte): — Julgou que o País se fiava na sciência deles!
O Orador: - Peço a V. Exa. s, Sr. Presidente, que me forneça a proposta para eu poder analisá-la.
Pausa.
Eu estou a ver o Sr. Presidente do Ministério chamar a criada, depois do almoço, e dizer-lhe:
« — Ó Maria, dá cá um papel para eu lazer a lei do sêlo!»
E, entre duas goladas de café, fez isto, talvez com a colaboração da sua criada!
«Aqui está a lei do sêlo».
(Agita a proposta).
Nem está assinada!
Trocam-se àpartes.
{Veja a Câmara se isto é uma lei de sêlo!
Nesta meia folha de papel está relatório, está lei o tudo.
Chega a parecer brincadeira.
Era tal a precipitação que S. Exa. tinha, depois de tomar o seu caie, que até se esqueceu do assinar.
Naturalmente bateram à porta, a criada foi abrir o S. Exa. não teve tempo de acabar a proposta.
É assim que se legisla na República da nossa terra!
Apoiados.
Já mostrei o que sucedeu com o coeficiente a aplicar à contribuição sôbre a propriedade rústica, que foi apresentado à toa.
Nós vamos ouvir a explicação que o Sr. Presidente do Ministério vai prestar sôbre a aplicação da lei, para mostrar que não é uma cousa feita à toa e quanto é justo o coeficiente aplicado.
Bem sei que o Sr. Ministro das Finanças está numa época de compressão de despesas, pois que até vai vender a tipografia do Ministério das Finanças, como medida de grande alcance, e já mandou vender quatro automóveis, também como medida de largo alcance financeiro.
São estas as medidas do grande estadista que está à frente dos negócios públicos, o meu amigo Sr. Álvaro do Castro, e lamento ter de apreciar a sua obra nos termos em que o estou fazendo. Mas S. Exa. a isso me obriga.
Melhor seria que S. Exa. olhasse realmente para as despesas que se podem eliminar neste momento, em vez de estar a tratar do efeito das notas que manda para a imprensa de grande circulação, notas que nada representam para a economia pública.
Também S. Exa. adoptou uma norma de querer mostrar à opinião que são pouco discutidas as suas propostas.
Esta que foi apresentada hoje não pode ter discussão, porque consta apenas dê meia folha de papel, o assim S. Exa. até no papel quere fazer economia no seu Ministério.
Isto é uma bandeirinba do seu Ministério; S. Exa. devia arranjar um mastro e pregar nele esta obra do seu Govêrno.
Sr. Presidente: esta proposta tem dois artigos que necessitam de uma larga discussão na especialidade, e pôr isso não a discuto agora largamente.
Mas há um ponto que eu quero apreciar na generalidade.
S. Exa. quero actualizar as taxas multiplicando por vinte, mas esqueceu se do actualizar as tabelas, e daí resulta o que apontou o Sr. Morais Carvalho, meu ilustre amigo, no exemplo que apresentou.
Sr; Presidente: queixa-se o Govêrno e a República que não haja confiança por parte do País na administração que os seus estadistas fazem.
Que confiança pode haver quando os Governos legislam desta forma em matéria de impostos?
Também não posso deixar de analisar outra circunstancia, e é que nem sequer o requerimento de urgência e dispensa do Regimento feito pelo Sr. Presidente do Ministério foi combatido pela minoria nacionalista.
A minoria nacionalista está de acordo com a proposta, pois que não vi ainda ninguém combatê-la.
Àpartes.
Vê-se que a atitude do Partido Nacionalista está completamente mudada de há três dias a esta parte.
Em se tratando de impostos, a minoria nacionalista dá sempre o seu apoio a qualquer documento, como também não vi que nesta Câmara qualquer Deputado republicano pedisse a palavra contra, a não ser o Sr. Carlos Pereira, que apenas disse que isto que se discute não podia ser aprovado.
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Peço ao Sr. Presidente do Ministério que ponha um sêlo sôbre as conversas parlamentares, que dará resultado.
Eu desejaria ainda fazer mais considerações em presença da desconsideração do Sr. Presidente do Ministério, mas seguramente a minoria nacionalista vai combater esta proposta.
V. Exa., Sr. Presidente, podia elucidar-me sôbre se está algum Deputado inscrito.
O Sr. Presidente: — Está inscrito o Sr. Fausto de Figueiredo.
O Orador: — A minoria nacionalista não deixa de combater esta proposta.
O Sr. Barros Queiroz: — Nós falamos sôbre a especialidade.
O Orador: - Então suspendo as minhas considerações.
O orador não reviu.
O Sr. Fausto de Figueiredo: — Não há dúvida de que é indispensável actualizar as tabelas do sêlo.
Eu compreendo que os Deputados da minoria monárquica venham dizer, e com razão, que há longos anos isto caminha por uma forma anárquica. Neste ponto os meus colegas ô amigos têm carradas de razão.
O Sr. Carvalho da Silva: — Nós temos sempre carradas de razão.
O Orador: — Nem sempre.
O Sr. Carvalho da Silva: — Temos comboios de razão.
O Sr. Sá Pereira: — Não apoiado.
O Orador: — O Estado tem obrigação de actualizar os seus impostos; devia até multiplicar por 30, pois por 30 já aumentou a libra, o alfaiate, o sapateiro, etc.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — O Estado tem actualizado nos gastos.
O Orador: — É facto que o imposto do sêlo precisa ser reformado. Na comissão
de finanças, onde se examinaram as já celebres propostas do Sr. Velhinho Correia, entendeu-se que o melhor era discutir amplamente essas propostas.
Portanto, Sr. Presidente, por todas estas razões, não podia deixar do dar o meu voto à proposta apresentada pelo Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças, considerando, todavia, que S. Exa. vai um pouco além do que devia, multiplicando por 20 aquilo que em sêlo se paga hoje.
Mas aceito a proposta nos termos em que é apresentada, sem estudo nem sciência de maior, porque se trata nada mais, nada menos do que manter uma situação actualizada em relação a uma moeda que está desvalorizada 30 vezes.
O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — V. Exa. dá-me licença?
O sêlo já está em parte actualizado, porque estando a moeda desvalorizada a importância dos recibos é já muito superior.
O Orador: — Se vamos entrar em detalhe estou convencido de que nem duas ou três sessões chegariam para discutir êste assunto.
Trocam-se apartes entre vários Srs. Deputados.
Sr. Presidente: aproveito o ensejo para chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças para um caso que de alguma maneira tem relação com o assunto que se discute, e que já, oficiosamente, foi tratado por mim.
Por infelicidade minha, exerça hoje o cargo de Provedor da Assistência Pública, e, como V. Exas. sabem, em matéria de sêlo tem-se feito tudo quanto têm vindo à mente dos homens que têm, ocupado as cadeiras do Govêrno.
Assim, criou-se determinado imposto de sêlo para a Assistência, e que devendo render aproximadamente 3:000 contos, deu o ano passado apenas 693 contos.
Eu chamo a atenção do Sr. Ministro das Finanças para êste facto, para que não se mantenha esta situação, que reputo de vergonhosa.
Assim, poço a S. Exa. que, sem vaidade por mim, quando fixar a regulamentação da sua proposta inscreva êste princípio moral e legítimo de, pelo menos em
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matéria de avenças, o Provedor da Assistência ser ouvido, pois há restaurantes, hotéis o casas de pasto que não pagam nada, o outros que pagam importâncias mínimas, ao passo que ao consumidor é exigida a importância que o Estado impõe.
Sr. Presidente: eu faço êste pedido não por vaidade por mim, mas em nome de 4:000 velhos, velhas o crianças que a Assistência tem de cuidar e alimentar.
Para um outro ponto quero ainda chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério o Ministro das Finanças, apesar de a questão a que me vou referir dizer talvez respeito à pasta do Trabalho, assunto este de que já oficialmente mo ocupei.
Refiro-me, Sr. Presidente, ao solo postal que no dia 1 de Janeiro de cada ano é obrigatório e" cujo produto reverte para a Assistência.
& Sabem V. Exas. o que no dia 31 do Dezembro último me disseram pelo telefone dos Correios o Telégrafos?
«Previno você que a Casa da Moeda não tem selos da Assistência para vender amanhã ao público».
Ora eu reputo isto um crime, porque foram dezenas de milhares de escudos que deixaram de entrar nos cofres do Estado, e V. Exa. Sr. Ministro das Finanças, não - pode deixar de ser inexorável para o culpado de tal facto, tratando-se de um verdadeiro crime, contra o qual eu protesto veementemente.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taguigráficas que lhe foram enviadas.
Os «apartes» não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Barros Queiroz: — Sr. Presidente: felicito-me por ver que o Govêrno adoptou a orientação que lhe foi sugerida por êste lado da Câmara.
Pretende o Sr. Ministro das Finanças fazer votar uma proposta de lei do sêlo como se só votasse uma taxa para aplicar a uma multa, sem reparar que os assuntos a que ela diz respeito são de tal modo complexos o contendem de tal maneira com a vida nacional, que não seria demais dois ou três meses para discutir essa proposta.
Assim, S. Exa. entendeu que devia substituir a proposta por uma outra que actualiza as actuais tabelas o começar desde já a cobrar novos impostos.
Felicito-me por ver que o Sr. Ministro das Finanças não fez um capricho da sua proposta, e pretendeu apenas ser prático.
Simplesmente S. Exa. trouxe, -porém, uma proposta que não está estudada nem tem as bases necessárias para assegurar a regular aplicação do solo, porque pretende multiplicar por 20 as taxas de sêlo, não se lembrando que ela incide sôbre recibos, letras de cambio, valor de inventários, etc.; não se lembrando que sendo êsses valores já de si desvalorizados, o conseqüentemente aumentada a taxa, não pode ser multiplicada pelo coeficiente que S. Exa. apresenta.
A proposta apresentada pelo Sr. Presidente do Ministério não pode merecer a aprovação da Câmara, porque não é aplicável quanto a alguns pontos.
Realmente, nos termos da lei do solo, estão multiplicados por 5 alguns números.
Evidentemente é insuficiente para a complexidade da nossa vida. Mas não é possível saltar de repente de 5 para 20.
E hábito das oposições fazerem uma obra destruidora, sem propósitos construtivos. Pois a minoria nacionalista, que não dá nenhuma espécie do apoio político a êste Govêrno, porque êle não o merece (Apoiados), quere mostrar, no emtanto, ao País e ao Govêrno, que embora sou adversário político, praticará aqueles actos que reputa necessários e justos para a vida nacional,
Por isso mando para a Mesa uma substituição à proposta do Sr. Ministro das Finanças, para que de algum modo desfaça as escolhas de momento.
Sr. Presidente: poucas palavras direi, mas as suficientes para explicar as modificações que se pretendem introduzir quanto aos selos de recibo, letras, apólices de seguros, de todas aquelas taxas de solo que são função de valor, por isso que estão alterados os valores em que incidem êsses selos.
Uma letra, que em 1914 valia um conto, é hoje substituída nessa transacção comercial pelo valor correspondente dos
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produtos que valem um conto, em geral por 24, 25 e 26.
De forma que o solo a aplicar sôbre a letra, em conseqüência de uma transacção do soma igual, já está multiplicado por 20 ou 21.
Por isso não se percebe que se possa multiplicar o sêlo que vai incidir sôbre essa mesma letra.
Apoiados.
O mesmo raciocínio serve para os selos dos recibos, e aqueles casos em que incidem impostos.
Julgo assim, duma maneira especial, prestar um serviço ao País, prestando um serviço efectivo à maneira do cobrar êsses impostos de solo, o que é, justo, legítimo o necessário.
Tenho dito.
O orador não reviu.
A proposta será publicada quando sôbre ela se tomar uma resolução.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: devo dizer a V. Exa. e à Câmara que tenho pena que não chegue a ser discutida esta deliciosa obra da lei do sêlo, que deve ter custado bastante dinheiro e que contém matéria vasta e jocosa piara entreter o Parlamento.
Apoiados.
Há nesse projecto apresentado pela comissão de finanças, e de que foi relator o Sr. Velhinho Correia, cousas muito interessantes, como as que se contêm no n.º 22.
Ora, Sr. Presidente, como todos somos, criados de V. Exa., esta verba podia ser uma boa fonte de receita e só êsse imposto equilibraria o Orçamento.
É pena que o Sr. Presidente do Ministério tenha impedido com a sua proposta a discussão desta obra do Sr. Velhinho Correia, porque a sua discussão seria muito interessante.
Seria também curioso apreciar o que se refere a artigos de luxo, em que são abrangidos os guarda-chuvas.
Para melhor conhecimento, eu leio à Câmara.
Delicie-se a Câmara com a sua leitura.
Isto é muito interessante, vai selar também os livros de escrita dos advogados, que o segredo profissional proíbe de mostrar, mesmo à própria acção fiscal!
Mas isso fica para depois, se a proposta fôr discutida.
O Sr. Ministro das Finanças, sem ofensa o digo, ainda não sabe quanto a proposta vai render.
O orçamento do 1922-1923 prevê pela legislação vigente 20:000 contos, e o Sr. Velhinho Correia calcula o aumento da sua proposta em 90:000 contos.
S. Exa. quere selar tudo, até os assentos dos automóveis.
Não me parece que o aumento possa ser êsse.
Mas sendo assim, não compreendo como o Sr. Ministro das Finanças vem afirmar que o primeiro passo a dar para o problema dos câmbios é a proposta que estamos discutindo.
Apartes.
O orçamento para 1924-1925 prevê mais 13:500 contos da receita do sêlo.
Mas façamos o cálculo aplicando a tabela de 1902 e veja-se a diferença que apresento.
E claro que não é com esta verba que o Sr. Ministro das Finanças pensa equilibrar o Orçamento e resolver o problema cambial.
Por outro lado, esta verba não pode ser tomada como receita única indicativa da receita da lei do sêlo, visto que a própria desvalorização da moeda importa por si uma valorização do sêlo a aplicar nas transações. De forma que não podemos calcular essa verba na importância de 38:000 contos, mas numa quantia que poderá ir até 40:000 ou 50:000 contos.
Mas tudo isto, ainda assim fica muito aquém das previsões do Govêrno, e que nem em face da tabela do Sr. Velhinho Correia pode sequer aproximar-se dessa quantia.
De maneira que em qualquer circunstância nunca o Govêrno poderá ir tirar pela lei do solo uma receita suficiente para poder interferir no equilíbrio orçamental.
Era interessante, e eu projectava fazê-lo se se discutisse a outra tabela, fazer um pouco a história pregressa do imposto do sêlo em Portugal, mas, para que o Sr. Ministro das Finanças laça idea de que se trata realmente duma matéria tributária digna dum estudo cuidado, basta dizer a S. Exa. o seguinte: é que depois que foi publicada a tabela do sêlo de 190 2, para
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tornar possível a sua aplicação, para regular a sua aplicação o regular muitas das suas disposições, foram publicados, até 1920, 67 diplomas, dos quais 31 são decretos, 35 portarias, havendo até um ofício. É devo dizer que nenhum dêsses diplomas se destina a criar verbas novas, a estabelecer nova matéria de incidência do imposto do solo, mas somente a esclarecer a legislação em vigor, a não ser um decreto de Sidónio Pais, de 25 de Abril de 1918, que elevou a 50 por cento as taxas fiscais do imposto do sêlo, em relação à tabela de 24 de Maio de 1902.
Isto prova quanto o assunto é complexo e quanto havia necessidade dê, em vez de se votar a proposta do Sr. Ministro das Finanças, em vez de se votar a proposta de substituição do Sr. Barros Queiroz, da comissão de finanças, não com pastelões indigestos desta natureza, que mais vêm embaraçar o assunto, mas com um estudo cuidadoso e sucinto da tabela, procurar melhorá-la.
Havia, porventura, outras matérias de incidência a introduzir na tabela e que se não compreende que não estejam lá. Os bilhetes de identidade, por exemplo, e não me refiro já aos revolucionários civis, que só êsses dariam uma grande receita.
Sr. Presidente: é também interessante, para que a Câmara saiba o que vota, fazer um confronto entre o projecto de lei da comissão de finanças desta Câmara, que estava para ser discutido e de que foi relator o. Sr. Velhinho Correia, e a tabela de 1Q02 actualizada nos termos propostos pelo Sr. Ministro das Finanças.
Êsse, confronto dará à Câmara a demonstração de que se é certo que o projecto, do Sr. Velhinho Correia em muitas verbas acarretava um imposto de taxa superior àquela que propõe agora o Sr. Ministro das Finanças, noutras também importava um aumento, inferior. Haja vista o que se passa com o papel selado.
Êste papel, que pela tabela de 1902 estava sujeito, à taxa de um tostão, passa pela proposta do Sr. Ministro das Finanças a pagar dois escudos, o que quere dizer que, por exemplo, numa causa do valor de 400 escudos, que já paga a taxa máxima, basta que o processo tenha 200 folhas para só em papel selado se esgotar a verba da causa.
Mas, ao passo que o Sr. Ministro das Finanças quere para o papel selado dois escudos, o Sr. Velhinho Correia pedia apenas 1$20.
Portanto, o Sr. Ministro das Finanças quere elevar a taxa do imposto de papel selado, que mais influência tem nos tribunais e nas repartições públicas, a um preço exorbitante.
Nos requerimentos dirigidos, a qualquer entidade oficial, pedindo uma certidão qualquer, não se pode admitir que a taxa do papel selado seja de 2$. Acho que a votar-se qualquer aumento, êste nunca deverá ultrapassar o valor de 1$, conforme é proposto pelo Sr. Barros Queiroz, na emenda que enviou para a Mesa.
Mas não é só em relação à taxa do papel selado que há grandes diferenças entre o projecto do Sr. Velhinho Correia e a proposta em discussão.
Nas escrituras a taxa de 1^50 multiplicada pelo factor 12 dava 18$. Era pois pelo projecto do Sr. Velhinho Correia fixada em 18$ a taxa de escrituras.
O Sr. Ministro das Finanças propõe a multiplicação da taxa de 1902 por 20, o que dá verba superior.
A comissão introduziu na tabela judicial, que tem o caracter de regulamento, o artigo 28.°, criando a cédula pessoal.
Permitiu-se assim estabelecer, sem que isso estivesse, autorizado por qualquer diploma legal, a, chamada cédula pessoal.
Será interessante saber-se como a comissão julga que se possa apurar o rendimento de cada indivíduo para o efeito de aplicar a taxa de Vá por cento. Confesso que apesar das minhas receitas gerem exíguas e pouco variadas, dificilmente conseguiria determinar no fim de cada ano os meus rendimentos líquidos.
Temos pois que para certidões o sêlo era de $10 para cada meia folha. Multiplicado por 12 dá 1$20. Pela tabela ministerial dá 2$.
O orador faz referências aos aumentos da matricula no Tribunal do Comércio, estatutos de associações de classe, habilitações literárias e scientificas, e acrescenta:
Muitos mais exemplos poderia citar, para verificarmos que a proposta em discussão traz um agravamento de taxas muito superior ao que resultaria da proposta
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da comissão que estava para ser discutida.
Produziu-me uma grande admiração o discurso do Sr. Barros Queiroz acerca desta matéria. Costumo escutar com muito respeito as opiniões expendidas por S. Exa., costumo aprender sempre que S. Exa. se pronuncia em assuntos desta natureza, por isso devo dizer que sempre supus que S. Exa. fizesse a peremptória declaração do que o Partido Nacionalista não votaria qualquer agravamento de taxa a multiplicar por dois, três ou por vinte, sem que mais uma vez se cumprisse o seu programa, sem que mais uma vez o Govêrno satisfizesse as suas reclamações, aliás muito bem reproduzidas por S. Exa. no Congresso do seu Partido, emfim que não se criassem impostos fossem de que natureza fossem, sem que houvesse um eficaz redução nas despesas publicas.
Nestes termos, repito, causou-me estranheza a declaração do Sr. Barros Queiroz e a colaboração que S. Exa. ofereceu ao Govêrno, enviando para a Mesa uma proposta de substituição no sentido de ser mais atenuado o coeficiente a aplicar no imposto de sêlo.
Portanto, Sr. Presidente, temos hoje que estar em desacordo com a opinião emitida pelo Sr. Barros Queiroz, não só porque não admitimos o critério do mal o menor, mas também porque nos queremos manter coerentes com as afirmações feitas por êste lado da Câmara, de não votarmos qualquer aumento de impostos por mais. atenuados, por mais justos que sejam, sem que o Govêrno efectue uma larga redução das despesas públicas, no sentido sempre preconizado pelo Sr. Barros Queiroz.
Há um caso sintomático para o qual chamo a atenção dos ilustres Deputados da maioria.
Um dia, supondo que o Sr. Jaime de Sousa requereu que no dia seguinte entrasse em discussão, antes da ordem do dia, com prejuízo dos oradores inscritos, a proposta de liquidação dos Transportes Marítimos do Estado, interveio o Sr. Ministro do Comércio e disse: «requeiro que entre imediatamente em discussão».
Chegou-se depois ao acordo de que se discutisse essa proposta no dia seguinte na ordem do dia, mas, no dia seguinte,
antes da ordem do dia, o Sr. Carlos Pereira requereu que entrasse imediatamente em discussão a proposta relativa aos Transportes Marítimos, o como nessa ocasião eu dissesse que era mais conveniente que essa proposta fôsse discutida na ordem do dia, o Sr. Ministro do Comércio respondeu «não, porque na ordem do dia há um assunto mais importante do que êsse a discutir, que é o imposto de sêlo. Quere dizer é o Govêrno por intermédio do Sr. Ministro do Comércio que vem dizer que primeiro que tudo é necessário aumentar as receitas e que depois se acabará com a roubalheira.
De forma que nesse dia a discussão dos Transportes Marítimos do Estado, por causa do imposto do solo e de outras circunstâncias de que não fomos culpados, foi posta do lado para se discutir a criação de mais receitas, isto é, aumentar os impostos para se satisfazer aquilo que se some na voragem dêsses escândalos, e para demonstrar mais uma vez que a República quere dinheiro não para aumentar as suas receitas mas para o esbanjar como tem esbanjado até aqui.
De maneira que se não houvesse o propósito da nossa parte de nos opormos por todos os meios ao aumento dos impostos, bastava êsse exemplo que o Govêrno nos deu para mostrar à Câmara que os seus propósitos não são diferentes dos Governos anteriores, e que por parte dós Governos da República há por assim dizer uma criminosa cumplicidade no sentido de facilitar por todos os modos que continuem por mais tempo os escândalos dos Transportes Marítimos.
Sr. Presidente: por isso eu disse a V. Exa. e à Câmara que mais uma vez se demonstrava que há entendimentos entre os partidos, incluindo aqueles que se dizem conservadores, e que têm no seu seio pessoas de elevada categoria moral e de grande ponderação sempre revelada, mas que nós somos os únicos que temos sabido manter uma linha de coerência na discussão dos diferentes problemas que aqui se debatem.
Isto, Sr. Presidente, veio a propósito do que ouvi dizer, em nome do Partido Nacionalista, ao Sr. Barros Queiroz.
Essa atitude do Partido Nacionalista tem um significado maior que à primeira vista possa parecer.
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Se o Govêrno vem hoje brandamente, em duas linhas, quási sem uma palavra de justificação, pedir urgência e dispensa do Regimento para uma medida desta natureza, e encontra da parte dos partidos de oposição que militam no campo republicano esta atitude, amanhã o mesmo Govêrno, aquecido por esta atmosfera, animado por esta atitude, virá com nova proposta, em menos linhas ainda, mais simples e mais concludente nas suas disposições, pedir a elevação a 20 da taxa de contribuição de registo, a 30 da taxa de contribuição predial, a elevação àquilo que entenda do famoso imposto das transacções, cuja aplicação tem dado os resultados mais fantásticos e do qual nos deveremos ocupar mais detalhadamente. Basta dizer que êsse imposto está servindo de magnífica arma não só para escândalos e roubalheiras de toda a ordem, por parte de certos agentes fiscais, mas ainda como arma política contra todos que não militam no partido dos secretários de finanças ou dos membros das comissões nomeadas para fazer a distribuição da quarta parte de cada um, com a agravante de não haver recurso das decisões dessas comissões democráticas.
Para que V. Exas. vejam a verdade das minhas afirmações vou, apontar o seguinte caso:
Um sapateiro instalado no coração da cidade de Lisboa tem, em média, arbitrado pela comissão de correligionários, o rendimento líquido de três contos; pois em Loures ou em Carnide há um pobre sapateiro de escada, que não é republicano, e que já foi colectado no imposto de transacções com o rendimento líquido de 12 contos.
Mas há mais.
Há em Carnide uma fábrica de cola e no mesmo lugar há um pobre serralheiro, que vive num casebre imundo, que conserta carros, carroças e quaisquer outros transportes de que se utilizam os vizinhos; pois êsse homem foi colectado por 40 contos, ao passo que a fábrica do cola foi colectada por muito menos, E porquê?
Porque o serralheiro é monárquico e a fábrica é de graduados republicanos,
Mas tudo isto são contos largos que hão-de ser tratados aqui, e que hão-de convencer o Govêrno de que é necessário dar ao contribuinte o direito de recorrer.
Tudo isto, Sr. Presidente, veio a propósito da atitude de as oposições monárquicas ou republicanas não poderem deixar de, neste assunto de impostos, se manterem na mais absoluta intransigência, exigindo ao Govêrno propostas de lei concretas e definidas pelas quais não haja pontes de saída como sucedeu na lei n.° 1:368, em que num dos seus artigos se autorizou e Govêrno a pôr em prática essa lei que tem dado logar a abusos desta natureza e a que é preciso pôr termo, abusos que chegam até o ponto de se não poder recorrer, quando há duplicação de colecta ou indevida inclusão no imposto de transacções.
Sr. Presidente: já V. Exa. vê que o assunto em discussão, apesar da simplicidade com que o Govêrno o apresentou, merece um largo debate, um cuidadoso estudo, e eu confesso a V. Exa. e à Câmara que mesmo que julgasse em minha consciência que o Govêrno merecia que ò autorizássemos a aumentar o imposto de sêlo, eu não me julgava hoje habilitado a dizer até que pontos essa autorização devia ir, dado o seu número de factores a tomar em consideração.
Basta dizer a V. Exas. que quanto a recibos, pela tabela de 1902, pagavam de 1$000 réis até 10$000 réis a importância de 10 réis; multiplicando por 20 êste factor, é recibo de 1$000 réis a 10$000 réis, logo que se exija sêlo, passa a pagar 200 réis.
Eu pregunto se é lícito um imposto desta natureza?
O Sr. Presidente do Ministério dirá: mas quem é que hoje cobra importâncias desta natureza?
Posso apontar o caso do inquilinato urbano em que há ainda muitas rendas inferiores a 10$000 réis por mês.
E êsses indivíduos que recebem de renda dez tostões por mês são obrigados a pagar dois tostões de sêlo, recebendo apenas líquido oito tostões. Quere dizer, exactamente aqueles a quem faz falta a mais pequena quantia são os que mais vão sofrer as conseqüências da lei.
Já foram apontados outros exemplos por êste lado da Câmara, mas eu permito-me referir mais alguns para mostrar a razão que nos assiste.
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Os autos e termos judiciais que, pela lei de 1902, pagavam relativamente pouco, passam agora para 22$000 réis, sendo dois de papel selado, fora ainda os selos forenses. Unia convenção ante-nupcial, pela qual se pagava 46000 réis, vão passar para 806000 réis! Ás patentes dos oficiais do Exército e da Armada vão pagar uma taxa enorme. Assim, a carta de patente de um general, ou de um almirante, do 100$000 réis passa para dois contos; de general do brigada ou contra-almirante, de 70$000 passa para 1:400$000 réis; de coronel, tenente-coronel, major, capitão de mar e guerra, capitão de fragata e capitão-tenente, que pagavam 456000 réis, passam a pagar 900$000 réis; de capitão e primeiro tenente, de 256000 réis passa para 500$000 réis; de tenente o alferes, que pagava 15$000 réis, vai pagar réis 300$000. Quere dizer, alguns dos oficiais do Exército e da Armada vão pagar só pela carta de patente, verba muito superior aos seus vencimentos totais, incluindo a subvenção.
Os escritos particulares de confissão de dívida, que pagavam antigamente apenas 100 réis, vão passar a pagar 4$000 réis, Agora, as licenças para deitar foguetes é que eu acho barato, pois o Sr. Ministro das Finanças podia pedir em vez de 4$000 réis. 4:000$000 de réis, para assim conseguirmos um pouco de tranquilidade e sossêgo em quanto dormimos!
Os livros das Conservatórias, que eram taxados a 200 réis cada meia folha, passam para 4$000 réis; os livros de contas-correntes dos solicitadores, de 100 réis, passam para 26000 réis; os processos forenses do valor de 400$000 réis para cima, que pagavam 100 réis, passam a pagar além do sêlo e do papel selado 4$000 réis. Imaginem quanto não vai custar um processo que contenha duzentas folhas!
As procurações de administração, que pagavam 56000 réis, vão pagar agora 1006000 réis! Isto é uma cousa estupenda. Pessoas há pouco remediadas que possuem apenas uma pequena geira de terra e que por lutarem com dificuldades resolvem emigrar para o Brasil ou para África, passando procuração a um parente para lhe olhar por aquilo. Um desgraçado dêstes quási sem eira nem beira, tem de pagar, só pelo sêlo da procuração, fora emolumentos do notário e papel selado, a importância de 100$000 réis.
Outros exemplos ou poderia apontar, mas os que referi mostram bem que há verbas que é manifestamente impossível aumentar, embora haja efectivamente outras que podem ser aumentadas, como, por exemplo, o papel selado para dez tostões cada meia folha, acabando-se com a prática do obrigar o contribuinte a pagar o preço do custo do papel.
O Sr. Ministro das Finanças, com o apoio da esquerda republicana, pretende fazer em alguns instantes aquilo que não se pôde fazer desde 1902. Até a altura da lei n.° 193, que eleva ao dôbro as taxas, foram publicados cento e cinqüenta e sete diplomas para esclarecer, ampliar e interpretar muitas das disposições da tabela.
As dificuldades e dúvidas que surgiram a quando da aplicação da tabela última renascerão agora com o novo diploma. A não ser o decreto de 25 de Abril, de Sidónio Pais, e o decreto n.° 7:772, do Sr. Barros Queiroz, todos os outros diplomas, como sejam 31 decretos e 30 portarias, são destinados a esclarecer a tabela do 1902.
Pois, apesar disso, o Govêrno julga o assunto da mais completa simplicidade.
Sr. Presidente: reservando-me para, na especialidade, ou ainda na generalidade, me pronunciar acerca das observações que o Sr. Ministro das Finanças entenda expor sôbre o assunto, dou por findas as minhas considerações, salientando mais uma vez que não podemos dar o nosso voto a esta proposta, não só devido aos termos em que foi apresentada à Câmara, mas, também? porque não devemos dar aumentos de receita a qualquer Govêrno republicano, especialmente emquanto se não fizer uma redução do desposas a sério, eficaz o definitiva o não por paliativos, por decretos que importam às vezes economias muito duvidosas, e que, em grande parto, vão afectar serviços que, em vez do deminuídos, precisam justamente ser desenvolvidos e aperfeiçoados.
Como exemplo, aponto o famoso decreto da supressão das comarcas, que o Sr. Ministro da Justiça lançou para o Diário do Govêrno sem ter tido para com o Parlamento a consideração do lho expor o «eu ponto de vista dizendo-lhe
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que elementos de informarão tinha para julgar e apreciar a sua economia.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Marques Loureiro: — Sr. Presidente: serei muito breve, não só porque a urgência da proposta assim o exige, mas ainda porque é natural a ansiedade da Câmara em ouvir do Sr. Presidente do Ministério as declarações que certamente vai fazer.
Há pouco, o meu ilustre correligionário Sr. Barros Queiroz apresentou uma proposta de substituição à proposta ministerial que, dando satisfação de certo modo às legítimas exigências do Tesouro, não abrange — afigura-se-me — um aspecto que não deixa de ser importante, e que é, de uma maneira especial, o que se refere a processos forenses.
Nos processos forenses, por virtude da tabela dos emolumentos e salários judiciais, apresentada à Câmara em 21 de Outubro de 1922, incide sôbre o papel sedado a percentagem estipulada no artigo 109.°, e ainda, por virtude do artigo 105.°, incido uma outra que 6 fixada no artigo 100.° em relação aos funcionários do juízo. É o artigo 105.°
Desgraçadamente nós temos um mau sestro, que é de todos os portugueses, que vem a ser o da falta de método em tudo que fazemos, tudo baralhando e confundindo, de modo que todos aqueles que temos de lidar com as leis, nos termos anedóticos a ^que se referia um lente de Coimbra, andamos sempre sem saber qual a lei em vigor sôbre determinado assunto; e isso não se dá apenas com advogados modestos em toda a extensão da palavra, como eu (Não apoiados), que não tem sempre presentes todas as cousas, mas até com alguns que dedicam a sua muita actividade e a sua larga inteligência apenas a cousas forenses, como já hoje aqui tive ocasião de observar.
Nesta tabela, em que ninguém se lembraria de introduzir disposições sôbre sêlo, há o que acabo de expor e que manifesta e expressamente se refere a sêlo. Mas temos mais o artigo 109.°
Quero isto dizer que a parto que vem a juízo com o seu requerimento, com o seu articulado, com os seus documentos escritos em papel selado da taxa fixada por lei, no final, ao ser lançada a conta, tem, além de outra adição já feita pelo artigo 105.°, mais a taxa do artigo 109.° Quere dizer, logo de princípio tem 20 por cento, ou sejam 50 por cento desta taxa.
Agora fixada num escudo — regra geral, visto que há excepções — a taxa para os processos forenses judiciais, se sôbre ela tiverem de incidir estas alcavalas, subirá a mais de 1$50. Isto é um imposto que não pode de maneira nenhuma sobrecarregar os processos forenses; bastam-lhes outras percentagens e tantas outras cousas.
Eu sei que não estava no espírito do Sr. Barros Queiroz esta idea, tanto que foi S. Exa. o primeiro a pedir-me, quando lhe expus o caso, que mandasse um aditamento nesse sentido para a Mesa.
S. Exa. há pouco afirmou que temos do fazer alguma cousa que seja justa, equitativa e que, contribuindo para o propósito que o Govêrno tem, nos honre a nós que, absolutamente em oposição ao Govêrno, queremos no emtanto viver de cabeça erguida, cumprindo inteiramente o nosso dever.
Apoiados.
E nesse propósito que vou mandar para a Mesa o meu aditamento.
A proposta será publicada quando sôbre ela se tomar uma resolução.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: a proposta de lei que eu trouxe à Câmara tem uma redacção diferente daquela que propôs o Sr. Barros Queiroz, e foram-lhe feitas críticas porque se entendeu que certas taxas que estão na lei do sêlo não têm carácter fixo. Efectivamente a terminologia de taxas fixas não se encontra na lei, e, numa lei orçamental, creio que da autoria do Sr. Barros Queiroz, apareceu uma outra maneira de classificar essas verbas. Portanto, concordo com os argumentos apresentados nesse sentido.
Eu ouvi as considerações do todos os ilustres Deputados que intervieram no de bate, as quais, na maior parte, tenderam a demonstrar que as taxas por mim podidas eram excessivas.
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Ora eu não as considero excessivas e por conseqüência, desde que partimos de bases diferentes, quero crer que todos temos razão nos argumentos apresentados.
Mas no espírito de obter receitas para o Estado, e o mais ràpidamente possível, eu aceito a substituição apresentada pelo Sr. Barros Queiroz, desde que numa parte S. Exa. me permita fazer-lhe uma alteração, que é quanto ao factor 4, que me parece pouco, passando para 5.
Desta maneira, creio que ficam satisfeitos os desejos dos vários Srs. Deputados, e principalmente do Sr. Paulo Cancela, que foi o mais vivo combatente do aumento das taxas.
Com a aceitação da proposta do Sr. Barros Queiroz e a minha concordância às razões expostas pelo Sr. Marques Loureiro, eu creio que ficamos todos mais ou menos de acordo.
Animado do propósito de nunca ter a preocupação de lazer prevalecer os meus pontos de vista, eu desejo apenas ser sempre norteado por aqueles princípios que possam conduzir a bom fim qualquer medida por mim apresentada porquanto o meu único objectivo é de bem servir o Estado. Mais nada.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É aprovada a proposta na generalidade,
O Sr. Morais Carvalho: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° Procede-se à contraprova.
O Sr. Presidente: — Estão sentados 54 Srs. Deputados e de pé 3.
Está aprovado.
Lêem-se e são admitidas a proposta de aditamento do Sr. Marques Loureiro e a proposta de emenda do Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Requeiro a prioridade para a proposta do Sr. Barros Queiroz.
O Sr. Carvalho da Silva: — Começo por registar que nesta Câmara, só a minoria monárquica julga inoportuno o agravamento dos impostos, e que a minoria nacionalista, mau grado as resoluções do
seu Congresso, entende que tal agravamento pode ser realizado sem que antes se tenha feito qualquer tentativa duma séria e rigorosa compressão das despesas públicas.
Não posso deixar de registar que a proposta em discussão não é do Govêrno; é uma proposta do Sr. Tomo de Barros .Queiroz; é conseqüentemente uma proposta que pertence ao Partido Nacionalista.
Assim vemos que o Sr. Álvaro de Castro se está congraçando com o Partido Nacionalista, do qual há pouco saiu.
Constata-se que o Sr. Presidente do Ministério não é teimoso. Tem essa qualidade. Veio aqui com o seu cálculo para obter uma receita de 120:000.000$, mas não hesita em aceitar o plano do Sr. Barros Queiroz, que dá apenas uma receita de 20:000.000$. Que importa a bagatela de 100:000.000$ que é a diferença?!
O que importa isso, para os princípios de um homem de Estado! Isso é nada, mormente nas circunstâncias em que se encontra o País.
Não queremos fazer valer serviços, mas a verdade é que, nós nesta sessão, conseguimos meter no bolso dos contribuintes a soma de 100:000.000$.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: com uma sinceridade digna de louvor, o, Sr. Presidente do Ministério vem dar-nos razão, mas como não gosta de dar por completo o braço a torcer, diz que, todavia, não considera exageradas as verbas de sêlo.
Ora eu pregunto a S. Exa. se não acharia exagerado que, quando daqui a pouco fôr promovido a general, lhe exijam para sêlo, pela nova patente, 2.000$.
Eu pregunto ao Sr. Ministro das Finanças, que de momento ocupa o pôsto de major, se S. Exa. tendo de ser promovido a êsse pôsto, não achava exagerado pagar de sêlo de patente 900$, e assim é que S. Exa. dirá se tínhamos ou não razão nas considerações que fizemos.
O que haveria talvez a fazer mais acertado era autorizar o Govêrno a elevar as taxas fixas do imposto do sêlo até ao coeficiente 15 e então o Govêrno, vendo a tabela, quebraria certas arestas, e assim um
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pobre general, não daqueles que aqui promovemos às revoadas ruas aqueles velhotes que seguiram a sua carreira, que de major passassem a tenente-coronel, de tenente-coronel a coronel e depois a, general, não se veriam forçados nessa altura a pagar o solo, que fica sendo de 1.500$ pela nova tabela.
Acho que o Parlamento faria bem em autorizar o Govêrno, não a multiplicar a tabela por um coeficiente fixo, mas por um coeficiente móvel, que poderia, nalgumas circunstâncias, ir até 20, porque há pequenas verbas que não seria muito que sofressem o aumento de 20.
Sr. Presidente: o meu ilustre amigo e correligionário Sr.-a Carvalho da Silva já salientou perante V. Exa. e a Câmara a vantagem que derivou de nós intervirmos neste debato, vantagem que fez com que alguns Srs. Deputados dedicassem a êste assunto um pouco da atenção que êle merece, servindo até para que vários Srs. Deputados se reunissem em conselho o estudassem o assunto, de maneira que, além da vantagem directa de nós com a argumentação cerrada, convincente, não brilhante da minha parte, convencermos o Sr. Ministro da injustiça da sua proposta, demos ainda tempo a que o Sr. Barros Queiroz tivesse tido a felicidade de formular uma proposta de substituição, com a qual se mostrou de acOrdo o Sr. Ministro das Finanças. - Sr. Presidente: concordo também com as considerações do Sr. Marques Loureiro, devendo dizer que se não me -referi à tabela de 1902 foi porque não quis protelar a discussão, porque essa tabela presta-se a larguíssima crítica, demonstrando de uma maneira cabal e terminante que é verdadeiramente extraordinário que o Parlamento ainda se não tivesse pronunciado acerca dessa matéria.
Sr. Presidente: não é tanto o que o Estado cobra de percentagens e adicionais sôbre os vários selos que figuram nos processos, especialmente a fabulosíssima percentagem do Estado nos emolumentos dos juizes e dos delegados, percentagem essa que é de 50 por cento e que não tem limite, visto que limite não tOm êsses emolumentos.
Sr. Presidente: faz parte do um dos grupos parlamentares que apoiam o actual Govêrno o ilustre Deputado Sr. Sampaio
Maia, que o ano passado proferiu nesta Câmara palavras justas e de absoluta condenação contra essa tabela. Estou certo, por isso, de que S. Exa. vai aproveitar a oportunidade do ter no Poder um Govêrno da sua simpatia, para reclamar a discussão imediata do parecer que diz respeito à tabela judicial que está já distribuída, porque é escandalosa a percentagem obtida pelo Estado ao abrigo do artigo 100.° dessa tabela.
E seria realmente interessante que se fizesse uma revisão das percentagens e emolumentos, que têm de reverter para o Estado cai grande número de serviços administrativos, mas principalmente nos do justiça, para então se ver se êles são justos e equitativos, porque o imposto tolerado, o imposto que o contribuinte recebe sem grande encargo é o imposto que o Estado cobra com mais facilidade.
Apoiados.
Sr. Presidente: o que se dá quanto ao sêlo de recibo dá-se quanto ao próprio sêlo do papel selado e quanto às letras de câmbio porque, se hoje grande número de transacções comerciais se fazem por intermédio da letra de câmbio, amanhã, se o solo fôr posado, muitas pessoas deixarão de transaccionar por êsse meio; e aí tem o Estado uma deminuição das receitas que julgava obter por êsse meio. E isso sucede em referência a outras verbas, e principalmente quanto aos títulos particulares. O Sr. Ministro das Finanças sabe bem que há títulos particulares que hoje se realizam principalmente na província, mas que amanhã deixarão de se realizar se o imposto de sêlo fôr muito grande. De forma que eu calculo que a deminuição da receita avaliada pelo Sr. Ministro das Finanças será de um têrço pelo menos.
Mas para V. Exas. verem a maneira leal como estou a argumentar, direi que até entendia que o Estado podia ficar com a faculdade de elevar até 20 a taxa de imposto, para assim haver um critério de justiça absoluta, porque aumentaria proporcionalmente as diferentes verbas.
Mas, Sr. Presidente, visto que alguma cousa lucrámos com o que dissemos, e a hora vai adiantada, e o Sr. Ministro das Finanças já nos deu a boa notícia de que vamos perder alguns meses na discussão deste precioso volume de 81 páginas, dou
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por findas as minhas considerações, reservando-me para depois discutir o que há de interessante neste curioso documento da comissão de finanças, relatado por uma das mais altas entidades do Partido Democrático o que já ascendeu às cadeiras do Poder e delas saiu nas condições que todos conhecemos.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes ter-mós, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente: — Está encerrada a discussão. Vai passar-se ao período de
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: por uma lei de 1892, se a memória me não falha, o funcionalismo pode pedir adiantamentos sôbre os seus vencimentos até a importância de 15 por cento da verba fixa dêsses vencimentos, sendo o dinheiro fornecido pela Caixa Geral de Depósitos.
Era então uma quantia que, na verdade, podia ser estabelecida, visto que a verba fixa dos vencimentos era quási igual à sua totalidade. Actualmente, porém, muitos funcionários lutam com dificuldades, e os 15 por cento incidem ainda sôbre a verba fixa, que é muito deminuta em relação ao que recebem com as respectivas subvenções.
Chamo, pois, a atenção do Sr. Ministro das Finanças para êste assunto, visto que, sendo S. Exa. partidário de actualizações, deve também actualizar a base sôbre a qual deve incidir a percentagem para os adiantamentos.
Tenho dito
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: acho justas as observações do Sr. Carvalho da Silva, sendo certo que a lei em vigor só pode ser alterada por
uma outra lei, e logo que se ache votada a actualização dos impostos o Govêrno pensará em remediar esta desigualdade, não só sôbre adiantamentos pela Caixa Geral de Depósitos, mas ainda outras desigualdades que, na verdade, existem.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente : — A próxima sessão é amanhã, às 14 horas, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia: A mesma.
Ordem do dia:
A mesma e a proposta de lei n.° 634, sôbre as taxas de sêlo. Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Última redacção
Do projecto de lei n.° 632, que autoriza o Govêrno a regulamentar o comércio de cambiais.
Dispensada a leitura da última redacção,
Remeta-se ao Senado.
Parecer
Da comissão de administração pública, sôbre o n.° 606-D, que autoriza a Junta de Freguesia de Alpendurada e Matos, concelho de Marco de Canaveses, a vender os baldios julgados dispensáveis.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Requerimento
Requeiro que, pelo Ministério da Justiça, me seja enviada com toda a urgência nota detalhada, por comarcas, da receita do Estado em todos os respectivos serviços e processos judiciais, a partir da promulgação da tabela judicial actualmente em vigor.—Paulo Cancela de Abreu.
Expeca-se.
O REDACTOR— Sérgio de Castro.