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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÃMRA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.° 27
EM 24 DE JANEIRO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário.— Abertura da sessão. Leitura da acta. Correspondência.
Antes da ordem do dia — O Sr. Presidente declara que continua em discussão o parecer n.° 91 (emendas do Senado}.
O Sr. Aníbal Lúcio de Azevedo, que ficara com a palavra reservada da sessão anterior, conclui o seu discurso.
Seguem-se no uso da palavra os Srs. Alfredo de Sousa, Carlos de Vasconcelos e Costa Amorim.
A Câmara aprova, em seguida, as emendas do Senado.
O Sr. João Camoesas, em negócio urgente, manda para a Mesa um projecto de lei, para o qual requere a urgência e a dispensa do Regimento.
A Câmara aprova o requerimento do Sr. João Camoesas.
Lido na Mesa, o projecto de lei, usa da palavra o Sr. António Fonseca (Ministro do Comércio) requerendo que se aguarde a presença do Sr. Ministro das Finanças para ouvir a sua opinião sôbre o assunto. É aprovado.
O Sr. Tavares de Carvalho reclama a presença do Sr. Ministro da Agricultura.
O Sr. Almeida Ribeiro propõe um voto de homenagem aos republicanos que se bateram em Monsanto no dia 24 de Janeiro de 1919.
Usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva, Carlos de Vasconcelos, Cunha Leal e Agatão Lança que manda para a Mesa um projecto de lei, amnistiando os marinheiros incriminados no movimento revolucionário de 10 de Dezembro de 1923, para o qual pede a urgência.
Seguem-se no uso da palavra os Srs. Lino Neto e Álvaro de Castro (Presidente do Ministério) sendo considerado aprovado o voto proposto pelo Sr. Almeida Ribeiro.
O Sr. Presidente declara que, tendo já o «concordo» do Sr. Ministro das Finanças o projecto de lei do Sr. João Camoesas, continua em discussão o mesmo projecto.
A Câmara aprova em seguida o projecto do Sr. João Camoesas.
O Sr. Almeida Ribeiro requere que seja dividido em duas partes o requerimento do Sr. Agatão Lança.
Usam da palavra, sôbre o modo de votar, os Srs. Cunha Leal, Agatão Lança, Carvalho da Silva, Nuno Simões, novamente Cunha Leal, António Mala, Jaime de Sousa, Francisco Crus e Fausto de Figueiredo.
Usam da palavra para explicações os Srs. Carvalho da Silva, António Maia e Agatão Lança.
Usa da palavra para interrogar a Mesa o Sr. Vitorino Godinho, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
Usam da palavra sôbre o modo de votar os Srs. Ferreira de Mira Álvaro de Castro (Presidente do Ministério).
É aprovada a urgência do projecto apresentado pelo Sr. Agatão Lança.
Efectuada a contraprova, requerida com a invocação do § 2.º do artigo 116.º do Regimento, verifica-se terem aprovado os Srs. Deputados e rejeitado 28.
O Sr. Agatão Lança requere a votação nominal sôbre a segunda parte do seu requerimento. É aprovado.
Procedendo-se à votação nominal, disseram «aprovo» 38 Srs. Deputados e disseram «rejeito» 46. É rejeitado.
É aprovada a acta e concedida uma licença.
O Sr. Presidente faz uma comunicação à Câmara.
É admitida à discussão uma proposta de lei.
Ordem do dia.— O Sr. Álvaro de Castro (Presidente do Ministério) envia para a Mesa uma proposta de lei, para a qual pede a urgência e a dispensa do Regimento, abrindo um crédito para acorrer às despesas de viagem do Sr. Presidente da República ao Pôrto.
E concedida a urgência e a dispensa do Regimento.
Entrando em discussão, usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva, Moura Pinto, Sá Cardoso (Ministro do Interior), Vicente Ferreira e
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novamente os Srs. Carvalho da Silva e Ministro do Interior.
A Câmara aprova em seguida a generalidade da proposta.
São aprovados sem discussão os artigos 1.º e 2.° e, a requerimento do Sr. António Correia, dispensada, a última redacção da proposta.
Lê-se na Mesa uma nova proposta de lei apresentada pelo Sr. Presidente do Ministério, pedindo para ela a urgência e a dispensa do Regimento.
Submetido êste requerimento à votação, usam da palavra sôbre o modo de votar os Srs. Ferreira de Mira, Carvalho da Silva e Moura Pinto.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Vasco Borges faz algumas considerações sôbre as dragagens que se projecta fazer no Vale do Mondego.
Responde-lhe o Sr. Álvaro de Castro (Presidente do Ministério).
Em seguida, o Sr. Presidente encerara a sessão marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão, às 15 horas e 30 minutos.
Presentes à chamada, 48 Srs, Deputados.
Entraram durante a sessão 54 Srs. Deputados.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António de Mendonça.
António de Resende.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira.Lopes.
Francisco Cruz.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sousa.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Salema.
Joaquim José de Oliveira.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Pedro Ferreira.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Tomé de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto do Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Ângelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Correia.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
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Artur Virgínio do Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Delfim Costa.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Pina de Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mário de Magalhães Infante.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso Augusto da Costa.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva Castro.
António Abranches Ferrão.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Pereira Nobre.
David Augusto Rodrigues.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barres.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Marques Loureiro.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Dias Júnior
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Vergílio da Conceição Costa.
Às 15 horas e 10 minutos principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 48 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Leu-se a acta.
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Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofício
Da Caixa Geral de Depósitos, enviando 40 exemplares do orçamento da mesma Caixa para 1924-1925.
Oficie-se que são necessários mais exemplares a fim de se pode distribuir por todos os Srs. Deputados e enviar à comissão do Orçamento.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.
Continua em discussão o parecer n.° 91, o no uso da palavra o Sr. Lúcio de Azevedo.
O Sr. Aníbal Lúcio de Azevedo: — Sr. Presidente: eu ontem tive ocasião do demonstrar as razões que levaram o Sr. Sebastião Herédia a propor, em aditamento à base l.a do contrato com a Western Union, C°, um parágrafo único.
Os telegramas transmitidos por qualquer das secções do cabo ou cabos da concessionária, e destinados à América da Sul, só podem seguir ao seu destino pela via Cabo Verde.
Fiz a demonstração dêsse facto, alegando com toda a justiça que as razões fundamentais que determinaram o Sr. Sebastião Herédia a lazer essa proposta, com a qual esta Câmara concordou, aprovando-a, foram os preceitos da Convenção Telegráfica Internacional de 22 de Julho de 1855, e o regulamento do serviço telegráfico internacional de 11 de Junho de 1908, aprovado por decreto de 22 de Abril de 1909.
Demonstrei ainda, Sr. Presidente, que, presentemente, em qualquer telegrama transmitido pelos cabos das actuais concessionárias, com destino à América do Sul, comparticipa o Estado português nos recebimentos de duas taxas uma em Carcavelos ou Faial da importância de 7,5 centimos por palavra, e outra em S. Vicente de Cabo Verde, de 12,5 centimos, também por palavra, de forma que qualquer telegrama interessa ao Estado português, na importância de 20 centimos por palavra.
Disse ainda a V. Exa. e à Câmara que êsses 20 centimos eram referentes ao
franco-ouro, de harmonia com a Convenção Telegráfica Internacional e respectivo regulamento, e que, sendo a Administração Geral dos Correios e Telégrafos a entidade que recebe a parte correspondente à receita do Estado proveniente da exploração dos cabos submarinos, ela não podia, por virtude da Convenção Internacional a que me referi, e defesa dos interêsses do mesmo Estado, estabelecer outro padrão que não seja o franco-ouro, fixado pelo artigo 10.° da Convenção e regulada pelas bases n.ºs 24, 26 e 27 como passo a demonstrar.
Assim, no número 4 da base 24.ª Lê-se o seguinte:
As taxas que figuram no regulamento e nos quadros anexos são expressas em franco-ouro.
No n.° 1 da base 26.ª lê-se o seguinte: As modificações das taxas ou das bases de aplicação das tarifas que podem ser ajustadas entre os Estados interessados, em virtude do § 4.° do artigo 10.° e do artigo 17.° da Convenção, deverão ter por fim, e por efeito, não criar uma concorrência de taxas entre as vias existentes, mas sim do abrir ao público, com taxas iguais, tantas vias quanto possível, e as combinações necessárias serão reguladas de tal maneira que as taxas terminais das citações de origem e de destino se conservem iguais qualquer que seja a via seguida.
A base 27.ª, no seu n.° 3, diz também o seguinte:
Com o fim de assegurar a uniformidade da taxa prescrita na Convenção, os países da União que não têm o franco por unidade monetária fixam, para a perceção das taxas, um equivalente na sua moeda respectiva que se aproxime tanto quanto possível do valor do franco-ouro.
Admite ainda a Convenção que haja variações ou depreciações do valor das moedas dós vários países, e então diz que será a Administração Geral dos Correios e Telégrafos, quem regulariza e modifica essa correspondência ou equivalência.
É isto que se lê no n.° 5, a mesma base n.° 27.ª que diz o seguinte:
Quando o valor da moeda de um país sofrer variações por motivo de flutuações cambiais, o equivalente do franco indicado na tabela anterior, no caso de variação sensível, é modificado tomando para
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base o curso médio do câmbio do franco durante o trimestre procedente. Pertence à administração do país em causa modificar o equivalente, de harmonia com estas disposições, e indicar o dia a partir do qual as novas equivalências de taxas entram em vigor.
Vê se ainda, pelo exame dos contratos em vigor publicados no Diário do Govêrno, que o país, por intermédio da Administração Geral dos Correios e Telégrafos, comparticipa das receitas dos actuais concessionários, na razão de 20 centimos ouro por palavra, em todos os telegramas que são transmitidos para a América do Sul.
Pelo actual contrato em discussão, a que se refere o pertence ao n.° 91, estabelecendo uma taxa única de 7,5 centimos, apenas para cada palavra transmitida através do cabo para a América, verifica-se que há uma diferença desfavorável ao Tesouro português na importância de 12,5 centimos que pode ser aproveitado no estabelecimento de tarifas do concorrência.
Sob o ponto de vista técnico nada tenho a opor, frisando apenas que não existe nenhuma disposição que compense a diferença, que há-de forçosamente ser notável, se por acaso se substituir de futuro esta nova via através do Faial, para a América do Sul, pelo que presentemente segue a via S. Vicente de Cabo Verde.
Pelo que se refere à outras alterações introduzidas no Senado, para que constitua receita do município do Faial a importância de 2 centavos por palavra, nada tenho que objectar.
Ao terminar, apenas me cumpre esclarecer qual foi a minha atitude, que foi patrocinada pela maioria desta Câmara, a respeito do parágrafo único da base L, do contrato com a Western Union, proposto pelo Sr. Sebastião Herédia.
Em seguida às declarações do Sr. Luís da Costa Amorim.
Pelo que só refere às declarações feitas pelo Sr. Luís da Costa Amorim, na sua qualidade de relator do parecer n.° 91, por parte da Comissão dos Correios o Telégrafos, pretendendo demonstrar que não eram em francos-ouro as tarifas fixadas nos contratos anteriores, devo em abono da verdade, o apesar da minha muita consideração o estima pelo ilustre
Deputado, declarar à Câmara que S. Exa. labora num verdadeiro êrro.
E essa demonstração faço-a eu não com a citação de frases, ou afirmações de duvidosa interpretação, mas unicamente e claramente com a leitura das cláusulas dos contratos anteriores firmados entre o Estado Português e as companhias concessionárias como posso a ler:
§§ 5.° e 6.° da cláusula 32.ª do contrato celebrado em 29 do Julho do 1899 entro o Govêrno Português o a «Europe and Azores Telegraph C° Limited».
§ 5.° As taxas pertencentes à empresa serão cobradas do público nos termos da cláusula 16.ª, e o pagamento dos saldos correspondentes será feito em francos efectivos de ouro.
§ 6.° A soma das taxas internacionais que a empresa tiver de pagar às administrações estrangeiras, bem como as somas das recebidas das administrações estrangeiras pelo Govêrno Português em pagamento das taxas pertencentes à empresa, devem ser pagas em francos efectivos do ouro, em conformidade com o regulamento internacional do serviço telegráfico, ou pelo valor (do franco ao câmbio da praça de Lisboa.
§§ 1.° e 5.° da cláusula 9.ª do contrato celebrado em 10 de Novembro de 1899, entre o Govêrno Português e a «The Eastern Telegraph Company Limited».
§ 1.° O franco serve de unidade monetária na formação das contas.
§ 5.° O saldo resultante da liquidação das contas será pago em francos efectivos de ouro ou ao câmbio do dia da praça do Lisboa.
§ 5.° do artigo 20.° do contrato celebrado em 18 de Julho de 1906, entre o Govêrno Português e a «Eastern Telegraph C° Limited».
§ 5.° As taxas pertenceu tos às emprêsas serão cobradas do público nos termoo legais e o pagamento dos saldos correspondentes será feito em francos efectivos de ouro.
E já na vigência da República nos vemos estabelecidos os mesmos princípios o doutrina nos §§ 5.º e 6.º da cláusula 22.º do contrato celebrado em 2 de Outubro lê 1913, entre o Estado Português a «Enrope and Azores Telegraph Company Limited», como se verifica pela leitura do Diário do Govêrno n.° 291, de 13
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de Dezembro do mesmo ano, que passo a ler:
§ 5.° As taxas pertencentes à empresa serão cobradas do público nos termos da cláusula 12.ª, e o pagamento dos saldos correspondentes será feito em francos efectivos de ouro.
§ 6.° A soma das taxas internacionais, que a empresa tiver de pagar às administrações estrangeiras, bem como as somas recebidas das administrações estrangeiras pelo Govêrno Português em pagamento das taxas pertencentes à empresa, deviam ser pagas em francos efectivos de ouro em conformidade com o regulamento internacional do serviço telegráfico, ou pelo vigor do franco ao câmbio da praça de Lisboa.
Fica assim, Sr. Presidente, demonstrada exuberantemente a razão da minha atitude atinente a defender o prestígio da República pelo respeito o acatamento à letra dos tratados, e os seus legítimos interêsses.
Tenho dito.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Sr. Presidente: o caso que se está tratando é de certa gravidade; e os factos que ao redor têm sugerido revestem uma gravidade ainda maior.
A companhia americana pediu licença para amarrar o cabo no Faial.
Nesta Câmara foi autorizada essa concessão, podendo a Companhia enviar por via S. Vicente (Cabo Verde) todos os telegramas para a América do Sul
Eu tenho que defender os interêsses de Cabo Verde; mas também tenho que defender os interêsses do Estado.
Tem-se levantado grande campanha com a emenda do Senado. Fizeram-se acusações deturparam se os factos.
A companhia inglesa tinha um privilégio que acabou há 12 ou 14 anos.
Os telegramas por Cabo Verde pagam 12,5 centimos-ouro, mais 7,5 pelo Faial e mais 2 centimos quando os telegramas vêm para a metrópole.
Ora a soma disto é bem mais importante.
A minha atitude deve ser de intransigente oposição para defender os interêsses de Cabo Verde.
Mas surge um facto noto que me coloca numa situação difícil: a companhia
faz condições estabelecendo o cabo pelo Faial.
Eu quero defender os interêsses de Cabo Verde, que me parece já estão salvaguardados, e nestas condições só tenho a dizer que as duas companhias, ao que me consta, já chegaram a um acordo, o por êsse contrato especial os telegramas serão transmitidos via S. Vicente de Cabo Verde.
Tem a Câmara, portanto, de decidir entre as cláusulas impostas pela Câmara dos Deputados ou a sua eliminação feita pelo Senado.
Eu, Sr. Presidente, digo a V. Exa. que votarei a eliminação dessa cláusula, em primeiro lugar, porque — como já muito bem disse o Sr. Lúcio de Azevedo — a companhia americana, não se sujeitando às convenções internacionais, não pode exigir os benefícios que dessas convenções advêm para aqueles que as aceitarem; em segundo lugar, porque reconheço que os interêsses do Faial são dignos da maior defesa por parte da Câmara, motivo que impera no meu espírito para que a minha atitude seja a mais ponderada possível e a mais transigente.
O orador não reviu.
O Sr. Costa Amorim: — Sr. Presidente: como membro da comissão de correios e telégrafos, coube-me a honra de relatar a proposta do lei relativa ao contrato definitivo entre o Govêrno e a companhia americana.
O primitivo parecer dessa comissão foi de inteira aprovação ao contrato provisório que tinha sido celebrado entre o representante daquela companhia e a administração dos correios e telégrafos.
Quando se discutiu o assunto nesta casa do Parlamento, por circunstâncias decerto do conhecimento de todos, (as representações da companhia inglesa) o Sr. Sebastião Herédia lembrou se de, relativamente ao artigo 1.°, mandar para a Mesa um aditamento que constitui o § único agora em discussão, e com o que eu concordei imediatamente, tanto mais que até lhe dei a rainha colaboração.
E porquê?
Por uma razão muito simples. É porque eu tinha a opinião, que de resto, ainda hoje tenho, de que é muito melhor para os interessas do Estado que a com-
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panhia pague duas taxas em lugar de pagar uma só.
Estava a questão neste pé, até que a companhia americana interessada veio reclamar contra a doutrina do § único. O caso evidentemente mudara de figura, a meu ver.
Porquê?
Porque o óptimo para nós seria o pagamento das duas taxas. Mas era preciso que a companhia concordasse com isso. Desde o momento, porém, que essa companhia vem declarar que não concorda com o aditamento, e que, só êle lhe fôr imposto, ela se desinteressa do caso e desiste do fazer a amarração do cabo no Faial...
O Sr. Carlos de Vasconcelos (interrompendo): — A companhia tem absoluta necessidade de lançar o cabo, e a amarração só pode fazer-se no arquipélago dos Açores, por ser impossível lançar o cabo de Málaga a New-York.
O Orador: — podemos correr o risco do a companhia desistir do lançamento do cabo; e acabaremos, então, por não receber absolutamente nada.
Diz o Sr. Carlos de Vasconcelos que a companhia tem absoluta necessidade de fazer a amarração do cabo no Faial. Não é assim, Sr. Deputado. Eu tenho aqui um mapa muito interessante que mostra os diferentes cabos que reúnem o continente europeu com o americano, e que ponho à disposição dos meus ilustres colegas.
O orador rodeado de vários Srs. Deputados, dá explicações à vista do mapa,
Há muito tráfego que se faz por intermédio do cabo da Comercial Cab, e de outros cabos que ligam a Gran Bretanha cora a América do Norte, e em que Portugal não tem o mais pequeno interêsse, a não ser a laxa de trânsito que é a mesma que a Administração dos Correios e Telégrafos escolheu para a Union.
Quere a Câmara que o Govêrno Português imponha a uma companhia condições diversas daquelas que já estão estabelecidas para outras companhias?
O meu ponto de vista é muito simples: é o Estado Português poder ter interêsses no pagamento das taxas da companhia inglesa.
Se não fôr assim, o Estado Português
corre o risco de não receber nem dois nem mesmo um. Passa a não receber nada.
O Sr. Viriato da Fonseca: — É bom registar isto.
O Orador: - Independentemente disto êsse cabo não toca em território português. Naturalmente viria a passar aqui, e isto representaria um acréscimo de rendimento.
Receberia serviço de outros países da Europa e não só da Gran-Bretanha.
A Direcção Geral dos Correios e Telégrafos está absolutamente convencida do que do lançamento dêste novo cabo resulta nova receita. Estas companhias estão nas condições de fazer esta ligação com a América do Sul, ligando uma linha que toque no Faial.
Por ocasião da guerra, um dos cabos foi para França e outro para Inglaterra. Êste cabo ligou a Inglaterra, a França e a América.
Nas condições do novo cabo paga-se simplesmente a taxa no Faial.
Permita-me a Câmara que me refira especialmente a um parecer meu que foi bastante discutido.
Êsse parecer foi elaborado em 24 de Maio de 1923, há quási um ano, e era inteiramente verdadeiro na ocasião em que o fiz.
Interrupção do Sr. Carlos de Vasconcelos.
O Orador: — O assunto não é tam simples como V. Exa. o quere pôr. Começa-se a ver que a convenção tem acepipes para todos os paladares. Mas, podem fazer-se contratos particulares.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Em face dessa condição é que a Direcção Geral dos Correios e Telégrafos fez êsse contrato.
O Orador: — Quere V. Exa. ver os contratos em vigor? A convenção não se opõe a que os façam com a Companhia exploradora.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Não digo que o não possam fazer. Digo apenas que são lesivos dos interêsses da metrópole e da província de Cabo Verde,
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Pode fazer-se, portanto, a afirmação peremptória, como V. Exas. fizeram no relatório da comissão, de que as taxas são em francos-notas e não em ouro. São em francos-notas, conforme a convenção feita pela Direcção Geral dos Correios o Telégrafos com a Companhia inglesa.
O Orador: - Afirmei e sustento que o que disse é verdadeiro. A partir de Janeiro as taxas são pagas em ouro. Se assim não fôsse, para que entraria em negociações a Direcção Geral dos Correios e Telégrafos com as Companhias interessadas para os pagamentos serem feitos em francos-ouro?
Se o Govêrno Português ganhou com o facto do os pagamentos das taxas terminais serem feitos em ouro, muito mais ganharam as Companhias interessadas.
Porque estavam então essas Companhias a ser lesadas nos seus interêsses? Porque elas sabiam que o não podiam fazer por não terem aderido à convenção.
O Sr. Lúcio de Azevedo: — Em todos os contratos até hoje existentes não se
fala noutra moeda senão no franco-ouro.
O Orador: — Leia V. Exa. o n.° 3 do artigo 24.° da convenção, e convencer-se-há de que não é assim.
Devido às perturbações cambiais produzidas depois da guerra e à conseqüente desvalorização da moeda, estabeleceu-se o padrão franco-ouro por acordo entre as companhias e por sua vez com a Direcção dos Correios e Telégrafos que o não ultimou emquanto uma delas não acordou com as restantes.
Agora o que temos a fazer é dar a concessão à Companhia americana nas precisas condições que ela nos põe, porque o contrário será arriscar-nos a que ela não aceite a concessão.
Creio, Sr. Presidente, ter dito o bastante para dar à Câmara os esclarecimentos que a habilitem a emitir conscienciosamente o seu voto no assunto.
Tenho dito.
O Orador não reviu.
O Sr. Aníbal Lúcio de Azevedo: — Sr. Presidente: eu vou ser breve, porquanto a Câmara já deve estar suficientemente elucidada sôbre o assunto que se discute.
Apenas algumas considerações em resposta àquelas que acaba do fazer o ilustre Deputado Sr. Costa Amorim.
Se não posso de forma alguma concordar com o ponto do vista defendido por S. Exa. quanto ao franco-ouro, ainda menos com as razões invocadas por S. Exa.
O Sr. Costa Amorim: — V. Exa., em parte tem razão: o parecer em discussão não podia ser hoje elaborado nos termos em que o foi há um ano.
O Orador: — Examinando os contratos anteriores, quer o de 2 de Outubro de 1913, quer até o de 1899, verifico que a sua doutrina é precisamente a mesma que se contém no parecer em discussão.
O Sr. Costa Amorim: — Se assim é, porque é que as Companhias os não impuseram?
O Orador: — V. Exa. deve preguntar antes porque é que a administração dos Correios e Telégrafos não pediu o seu.
Se lermos o que diz a cláusula 22.ª do contrato já em vigência na República, o contrato de 10 de Novembro de 1899, e o artigo 32.° do contrato do 29 de Julho de 1899, verificaremos que todos os contratos se referem a francos-ouro. E quando tal disposição não figurasse, nos documentos contratuais, seria agora ocasião de a fixar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Seguidamente procede-se à votação, sendo aprovada a rejeição do Senado.
O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar à Câmara o projecto de lei que vou enviar para a Mesa, levando a assinatura de vários Srs. Deputados, considerando feriado nacional o dia 5 de Fevereiro de 1924, em homenagem ao poeta Luís do Camões.
A Câmara, aprovando êste projecto, pratica um acto do elevado significado moral o patriótico, pois que a efectivação da sua doutrina representa a cooperação do Parlamento na comemoração do 4.° centenário do nascimento do imortal poeta Luís do Camões.
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A simples citação do nome do autor de Os Lusíadas está acima do tudo quando eu poderia dizer para justificar êste projecto; e por isso limito-me a pedir para nêle a urgência e dispensa do Regimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foram concedidas a urgência e a dispensa do Regimento;
O Sr. Presidente: — Vai entrar em discussão.
Foi lido na Mesa.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (António da Fonseca): — Sr. Presidente: concordo em que seja considerado feriado-o dia 5 de Fevereiro, em comemoração do quatricentenário do nascimento do imortal autor de Os Lusíadas: Mas como a aprovação do projecto acarreta, embora não pareça, um aumento de despesas eu lembro a necessidade de sôbre o assunto ser ouvido o Sr. Ministro das Finanças, em conformidade com as disposições da lei-travão por cujo cumprimento todos nós vimos pugnando.
Estou certo de que S.Exa. não recusará o seu «concordo», e, neste caso, a Câmara não terá embargo algum para aprovar o projecto, respeitando-se as praxes de uma lei à qual não devemos faltar.
Proponho, pois, que se suspenda a discussão do projecto até à chegada do Sr. Ministro das Finanças a quem informarei do que se passa.
O orador não reviu.
Consultada a Câmara sôbre esta proposta foi deliberado aguardar-se a presença do Sr. Ministro das finanças.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente: há dias que venho pedindo a presença do Sr. Ministro da Agricultura; mas S. Exa. ainda aqui não compareceu.
Peço pois a V. Exa. que mande prevenir aquele Sr. Ministro de que eu desejo ouvir a sua opinião sôbre o magno assunto da carestia da vida, do qual tratarei logo que S. Exa. aqui venha, tencionando nessa mesma ocasião pedir-lhe alguns informes de que careça relativamente a importação de trigos o aumento de preço das farinhas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: faz hoje quatro anos que a República saiu vitoriosa do combato dado em Monsanto aos monárquicos.
Todos os republicanos recordarão com desvanecimento essa data, que, mercê da dedicação e coragem dos amigos das instituições e dos seus naturais defensores, marca a consolidação das mesmas instituições.
Não podemos calar, como preito da nossa homenagem, a gratidão que devemos àqueles heróis que na defesa do seu ideal souberam com denodo derramar o seu sangue e dar a sua vida.
Proponho, portanto, que na acta desta sessão se lance um voto de homenagem e de saudade pêlos que tombaram no campo da luta e de congratulação pelo triunfo alcançado sôbre aqueles que pretendiam derrubar o regime.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: sabe V. Exa., e a Câmara também,
que nunca tivemos palavras de agravo contra aqueles que pensam de forma contrária àquilo que representa o nosso ideal político e que, cada vez mais, constitui a nossa crença no bem da Pátria.
Agora, que consideramos indispensável a salvação do País; a união de todos os portugueses, muito menos as teríamos.
Assim, pois não poderíamos hesitar, em votar uma saudação que abrangesse todos os portugueses que lealmente e com honestas intenções se bateram em Monsanto, cada qual defendendo aquilo que em sua consciência considerava mais útil ao bem do seu País.
Nas condições em que o Sr. Almeida Ribeiro fez a proposta, nós não poderemos aprovar, sem que todavia isso signifique falta de respeito pelas crenças dos outros. É tam somente porque nós, convictamente monárquicos, não podemos esquecer aqueles que igualmente só bateram na defesa da nossa causa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Sr. Presidente: em nome do Grupo Parlamentar de Acção Republicana, associo-me ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Almeida Ribeiro.
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Esta data representa mais uma glória da República, lembrando o momento em que o povo afirmou mais uma vez a sua fé pela República.
Aos heróicos soldados que defenderam o regime, e a todos aqueles que combateram em nome do seu ideal num momento de desfalecimento, a todos a minha maior homenagem.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: em nome da minoria nacionalista, associo-me ao voto proposto pelo Sr. Almeida Ribeiro.
Viu-se a alma republicana nesse momento combater pelo regime que era o seu ideal.
Nós não podemos ficar indiferentes perante êsse grande acto de abnegação de um tam valoroso povo.
Não posso deixar de dizer que as minhas homenagens são especialmente para aqueles que batendo-se pela República, tombaram mas envolvo nas minhas homenagens todos os que se bateram sinceramente por um ideal.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Agatão Lança: — Sr. Presidente: faz hoje precisamente cinco anos que a República conseguiu triunfar mais uma vez, devido à dedicação dos republicanos, ao seu esfôrço, e ao valor e saber do exército e da marinha republicana e do povo republicano de Lisboa.
Sr. Presidente: propositadamente quis dizer «saber», dada a situação especial em que os monárquicos se encontravam para restaurar o regime deposto; porque se não houvesse uma boa tática, a República teria atravessado momentos dolorosos, porventura ainda mais do que os que passou nos dias que se seguiram ao dia 19 de Janeiro de 1919.
Sr. Presidente: faz hoje precisamente um ano que mandei para a Mesa uma moção, que não teve a honra de ser aprovada por toda a Câmara republicana; mas nem por isso eu me arrependo, pois a minha consciência ainda hoje, um ano depois, me diz que pensei bem e conforme a minha consciência de republicano e patriota.
A hora que nós atravessamos é melin-
drosa e a data que celebramos é uma data gloriosa para a República e para o coração de todos os republicanos.
Nessa hora de dor e de angústia, êsses homens bateram-se por um nobre ideal.
Apoiados.
Sr. Presidente: as minhas palavras nunca foram de ódio ou revindita.
Há um ano não tive o prazer de ver aprovada a minha moção; mas hoje espero que, por um sentimento de justiça e até de piedade, eu consiga o aplauso da Câmara.
Espero êsse voto para um projecto de amnistia, que vou ter a honra de mandar para a Mesa, para os marinheiros que se encontram nas masmorras de S. João da Barra, em virtude dos acontecimentos de 10 de Dezembro de 1923.
Não ignora a Câmara e o país a confusão dos espíritos, sôbre a maneira como êsse movimento nasceu, e as suas diversas características e sôbre os antecedentes dêsse movimento.
Sr. Presidente: houve oficiais superiores e subalternos que se foram entregar à prisão, por terem responsabilidade no movimento.
Não ignora V. Exa. que houve individualidades da classe civil, também de categoria, que se foram entregar à prisão, como sendo responsáveis dêsse movimento.
E o que vemos nós, Sr. Presidente?
O que vê o povo republicano?
O que vêem os marinheiros da República, com profundo desgosto?
O que vejo eu com a mágoa que perturba a minha consciência?
Que se mandaram em liberdade aqueles que sé inculcavam criminosos, não se vendo até hoje, cinqüenta dias decorridos, que se procurasse fazer um inquérito rigoroso pela pasta da Guerra, um inquérito rigoroso pela pasta do Interior, para prender todos aqueles que tivessem responsabilidades nesse movimento!
Não!
Tudo se limitou a agarrar os marinheiros do destroyer Douro, a maior parte dos quais tem, como único crime, o crime da presença, isto é, de estarem a bordo no dia em que pela escala de serviço tinham de lá estar.
Se a revolta tivesse sido um dia antes ou um dia depois não seriam os mesmos
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marinheiros que hoje se encontram em S. Julião da Barra, que lá estariam, mas outros.
Sr. Presidente: entendo que, sendo hoje uma data brilhante e de glória para a República, e como o Congresso da República mostrou a sua generosidade e a sua complacência para com os vencidos da revolta monárquica de Monsanto, eu entendo que não ficará mal à Câmara dos Deputados tentar hoje a reconciliação da família portuguesa, sôbre uma base de perdão a republicanos.
Quantas vezes — quási tantas como de anos tem a República de existência — se tem procurado reconciliar a família portuguesa, dando indultos, concedendo amnistias, lançando perdões aos inimigos da República.
Pois bem.
Eu creio que não é em vão que apelo, para a consciência da Câmara dos Deputados, a fim de, nesta hora, que é uma hora grande, se tentar pela minha iniciativa e d© um outro meu ilustre colega, que me deu a honra de subscrever o projecto, mais uma vez a reconciliação da família portuguesa, sôbre a base de um perdão concedido a puros republicanos.
Daqui a três dias vai celebrar-se na capital do norte o movimento feito pelos percursores da República: — vai solenizar-se a gloriosa data do 31 de Janeiro.
Foi, indiscutivelmente, êsse movimento que deu origem ao advento do nosso regime em Portugal.
Dizia um pensador e escritor francês que as ideas para triunfarem precisam da sanção da derrota; as ideas para triunfarem precisam de ser bebidas no sangue dos seus próprios defensores.
Pois foi a jornada de 31 de Janeiro a base do grande edifício republicano.
E eu não sei como haverá republicanos que se possam entregar a festas que tristeza não invadirá os espíritos daqueles homens que foram os precursores da República sabendo presos em S. Julião da Barra alguns dos companheiros dêsse tempo!
Não me esqueço de lembrar o nome do capitão de fragata João Manuel de Carvalho, essa alta e proeminente figura da República, que o Sr. João Chagas afirmou, numa carta publicada no Século, foi a primeira pessoa que encontrou
em Portugal a trabalhar a seu lado para o advento da República.
A mim, me disse o Sr. João Chagas que, antes de ter travado conhecimento com essa figura augusta da Democracia Portuguesa que foi Cândido dos Reis, antes de ter começado os trabalhos de preparação para a implantação do regime republicano, já João Manuel de Carvalho e Freitas Ribeiro, dois ilustres oficiais da marinha de guerra, trabalharam ao lado de João Chagas, Alves da Veiga e de tantos outros republicanos.
Escolhi propositadamente a data de hoje, a data da vitória da República em Monsanto, por estar certo de que todos os republicanos, pensando nas imensas revoltas que têm havido contra o regime, nas imensas insurreições havidas contra a segurança do Estado republicano, e pensando também na magnanimidade que tem havido da parte dos Governos e do Congresso da República, concedendo perdões e amnistias, se associariam de todo o coração à idea de soltar das prisões algumas das pessoas que mais trabalharam pela República e que estiveram em Monsanto e no Norte para a defender nobre e galhardamente.
Tenho, pois, a honra de mandar para a Mesa um projecto de lei, assinado também pelo Sr. Fausto de Figueiredo, concedendo a amnistia aos implicados no movimento de 10 de Dezembro.
Para êste projecto, requeiro desde já a urgência e, ao mesmo tempo, que êle entre em discussão amanhã, com ou sem parecer.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: a data de 31 de Janeiro marca um feito histórico em que intervieram portugueses.
A maioria católica cumpre sinceramente o dever de saudar todos aqueles que, por virtude de Monsanto e em volta de Monsanto, vibraram pela defesa de um ideal, pela defesa sagrada da Pátria.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério, Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: o Govêrno associa-se ao voto proposto pelo Sr. Almeida Ribeiro?
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comemorando a data do combate de Monsanto.
Com enorme sinceridade o Govêrno se associa a essa manifestação de sentimento e do aplauso prestada pela Câmara dos Deputados aos heróis de Monsanto, de sentimento pelos que morreram defendendo, a República, de aplauso por aqueles que se bateram nobremente pelo regime; e que ainda hoje, felizmente, são nossos companheiros de trabalho na defesa das instituições.
Associando-se, portanto, o Govêrno, por todos os seus membros, a êsse voto, deseja que os republicanos encontrem a fé dos que souberam nessa hora grave pôr os seus valorosos peitos em defesa da Pátria e da República.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Considero aprovado por unanimidade a proposta do Sr. Almeida Ribeiro.
Apoiados.
O Sr. Carvalho da Silva: — Por unanimidade, não, Sr. Presidente.
Àpartes.
O Sr. Presidente: — Já tem o «concordo» do Sr. Ministro das Finanças o projecto enviado pelo Sr. Camoesas. Continua, portanto, em discussão.
Foi aprovado, sem discussão.
O Sr. João Camoesas: — Requeiro a dispensa da última redacção.
Foi aprovado.
Fui, pôsto à votação o requerimento do Sr. Agatão Lança.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Requeiro que a votação se faça em duas partes: a da urgência e a da discussão amanhã.
O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: o requerimento do Sr. Agatão Lança não devia ser mesmo apresentado à Câmara, pois não posso compreender que haja alguém que venha pedir à Câmara que vote uma amnistia para criminosos dum delito que ainda não está investigado, e cujas responsabilidades ainda não estão apuradas.
É, na verdade, para estranhar a pres-
sa (Apoiados) com que se apresenta semelhante medida (Muitos apoiados), procurando dar como esquecido um crime que ainda não está determinado (Apoiados), e que ainda está sendo investigado pelas autoridades. Não averiguadas ainda as responsabilidades do facto incriminado, pode bem acontecer que essa amnistia seja repelida por aqueles que nenhumas culpas têm no delito que se pretende amnistiar.
Apoiados.
Eu não podia deixar de afirmar com altivez a minha opinião. O Partido Nacionalista não vota a amnistia, porque não quere ir incitar a novas revoluções.
O projecto não é oportuno.
Muitos apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Agatão Lança: — Pedi a palavra para, dizer ao Sr. Cunha Leal que S. Exa. não tem razão. O inquérito está a terminar. E havendo presos, marinheiros nas masmorras de S. Julião da Barra, outros responsáveis, até oficiais superiores e subalternos do exército, andam passeando sem ninguém os incomodar.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Nenhum de nós, dêste lado da Câmara, julga oportuno êste projecto. No momento em que se estão apurando responsabilidades é que se apresenta um projecto para amnistia, isto ó, para esquecimento dum delito que muitos não praticaram? É ilógico e pouco moral. Semelhante projecto é até contra a disciplina e a ordem.
Sr. Presidente: não sou contrário à amnistia, mas nos casos em que se deve dar.
Não pode estabelecer-se o princípio da necessidade duma amnistia aos partidários do regime, ao mesmo tempo que se nega o mesmo princípio a outros indivíduos que incorreram em igual delito, simplesmente porque são adversários dó regime.
Se a Câmara adoptar um tal critério, reconhece, implicitamente, que existem duas cousas distintas: uma que é República, outra que é ordem. E reconhece ainda que a República é incompatível com a ordem, visto que os delitos que a República quere castigar não são os aten-
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tados contra a ordem, mas sim contra a República.
Nestas condições, a minoria monárquica, dando o seu voto ao requerimento do Sr. Almeida Ribeiro, constata que de muito maior urgência que a amnistia proposta pelos Srs. Agatão Lança e Fausto de Figueiredo é aquela que deve ser concedida àqueles que há cinco anos estão impedidos de residir no seu país, muitos dos quais prestaram os mais relevantes serviços, que se impõem não só à consideração, mas até à gratidão de todos os portugueses.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Nuno Simões: — Sr. Presidente: há mês e meio, aproximadamente, que nesta casa do Parlamento alguns Deputados — entre os quais estava eu — instaram com o Govêrno de então no sentido de que fossem dadas à Câmara completos esclarecimentos acerca do movimento de 10 de Dezembro.
Nessa altura, em face das declarações do Presidente d,o Ministério, Sr. Ginestal Machado, e do Ministro da Guerra, Sr. Carmona, eu tive de dar-me por satisfeito, uma vez que S. Exas. invocaram razões de ordem pública que eu não podia nesse momento discutir.
Passou-se mês e meio, e ainda agora se não conhecem as responsabilidades dentro dêste movimento, não obstante os pedidos de inquérito que nesta Câmara têm sido feitos.
Parece, porém, que o Sr. Agatão Lança, que foi um dos que mais se salientaram, em pedir explicações e esclarecimentos ao Govêrno, se esqueceu já do seu desejo.
Eu é que não me esqueci; e por isso reclamo do Sr. Álvaro de Castro a averiguação completa dum acontecimento em que se encontram envolvidos os nomes de pessoas que lhe foram absolutamente estranhas.
O que se tem passado depois do 10 de Dezembro não é de moldo a prestigiar ninguém. E por mais generoso que seja o pensamento do ilustre Deputado, Sr. Aga-tão Lança, e por mais louvável que seja o seu espírito de classe, o certo é que só torna necessário esclarecer êsse episódio revolucionário...
O Sr. Agatão Lança: — Mas então que vão para a cadeia todas as pessoas que declararam ter tomado parte no movimento.
O Orador: — Falar em amnistias antes de ter apurado todas as responsabilidades dêsse movimento é condenarmo-nos a todos. E eu não me associo a um gesto que pode ter essa interpretação.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Só agora, há poucos momentos, tive ocasião de ler o projecto apresentado pelos Srs. Agatão Lança e Fausto de Figueiredo. Verifiquei, por essa leitura, que êle era ainda mais inaceitável do que à primeira vista poderia parecer.
Pede-se perpétuo silêncio sôbre os antecedentes do movimento de 10 de Dezembro. Então o meu direito de repelir o projecto de S. Exa. é muito maior, em face das insinuações que no Parlamento e fora dele se tem feito a entidades porventura interessadas em que a história dêsse movimento se abafe.
Eu recordo-me de que o Sr. Manuel de Carvalho entrevistado pelo Diário de Lisboa afirmou que havia muitas pessoas comprometidas e, mais tarde, que se o projecto da amnistia não fôsse aprovado uma manifestação de mais de 6:000 pessoas, realizada no Pôrto, impeliria o Sr. Presidente da República a promulgá-la.
Quero dizer, há de facto um grande interêsse em saudar os marinheiros que estão presos, e eu creio friamente que esta é a única intenção do Sr. Agatão Lança e Fausto do Figueiredo, mas o principal propósito é que não se averiguem os antecedentes da revolta de 10 do Dezembro.
Eu, em meu nome pessoal e no do Partido Nacionalista, repilo êsse premente porque queremos que se faça luz completa sôbre a questão.
Tem ainda o projecto apresentado um outro inconveniente muito grave, como muito bem acaba de dizer-me o Sr. Moura Pinto, o qual é a inibição de direito do defesa.
Nós não temos nada para nos defendermos. Os grandes jornais são contra
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nós, e as suspeitas que nos têm sido lançadas levam-me a dizer que num lado está o ramo e no outro se vende o vinho.
Eu tenho curiosidade de saber quem protege o Sr. João Manuel de Carvalho, e quem são as pessoas que levaram os marinheiros à situação em que se encontram.
Para terminar direi que, se tivéssemos lido com toda a atenção o projecto apresentado, não votaríamos sequer a sua admissão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: por princípio, sou contrário a tudo quanto seja amnistias, porque elas concorrem apenas para agravar a indisciplina que já hoje lavra no exército.
Sr. Presidente: uma amnistia neste caso, proposta pelo Srs. Agatão Lança e Fausto de Figueiredo, não poderia nunca merecer a minha aprovação, porque ela ia lançar um labéu pouco honroso sôbre aqueles que, embora presos, não praticaram delito algum.
No regulamento disciplinar, tanto do exército como da armada, há matéria mais que suficiente para pôr imediatamente em liberdade os marinheiros presos.
Fala-se muito, aqui e lá fora, em disciplina do exército, mas a verdade é que há pouca gente que saiba o que ela é.
Assim uma das bases fundamentais em que ela assenta é a seguinte:
Artigo 2.°, n.° 6.°, das disposições gerais do Regulamento disciplinar:
«Os chefes principalmente, e em geral todos os superiores, não esquecerão, em caso algum, que a atenção dos seus subordinados está sempre fixa sôbre os sons actos, e «que, por isso, o seu exemplo irrepreensível é o meio móis seguro de manter a disciplina, ficando, portanto, responsáveis pelas infracções praticadas pelos subordinados ou inferiores quando essas infracções tenham origem na falta de punição por parte dos mesmos chefes ou superiores, ou nas faltas por êstes cometidas, e não possam provar que empregaram todos os meios para prevenir ou evitar aquelas infracçõess.
Eu pregunto, Sr. Presidente, à Câmara e aos Srs. Ministros, se a falta dos subordinados não está plenamente justificada pelas faltas praticadas pelos superiores.
Se os marinheiros ainda estão na prisão é porque não se tem cumprido o regulamento disciplinar: é porque os Ministros e os militares não sabem o que é disciplina.
Sr. Presidente: o projecto de lei dos Srs. Agatão Lança e Fausto de Figueiredo não pode de forma nenhuma merecer a minha aprovação. Ele iria lançar sôbre todos aqueles que têm a sua falta perfeitamente justificada pela regra 6.ª, um labéu de criminosos que, estou certo, não aceitarão.
Sr. Presidente: vou terminar, repetindo mais uma vez que sou, em absoluto, contrário a tudo quanto é amnistias, e muito particularmente àquela que é apresentada pelos Srs. Agatão Lança e Fausto de Figueiredo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar, da maneira mais completa e decisiva, que dou, em meu nome pessoal, a mais completa adesão ao projecto de lei mandado para a Mesa pelos Srs. Agatão Lança e Fausto de Figueiredo, lamentando que a atmosfera da Câmara não seja propícia a que êle seja discutido imediatamente.
De facto, não faz sentido que sejam apenas os marinheiros da República, os únicos que tenham sido metidos na prisão, e que os seus cúmplices andem a passear.
Isto não faz sentido numa República que foi feita pelo povo e pelos marinheiros.
Sr. Presidente: eu também sou partidário daqueles que pretendem que se completem os inquéritos que sôbre esta questão se estão Jazendo.
Mas pregunto: onde estão os outros inquéritos?
Eu sei que está decorrendo um inquérito pelo Ministério da Marinha, mas onde estão os outros?
Porque é que prenderam apenas marinheiros?
Porque é que se castigaram praças e sargentos, sem um processo disciplinar?
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Sr. Presidente: é preciso que se façam os inquéritos, para que os cúmplices não andem a passear.
Para terminar, repito, dou o meu voto ao projecto que foi apresentado lamentando que a atmosfera da Câmara não seja de molde a permitir que êle se discuta imediatamente.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: pedi a palavra porque quero manifestar à Câmara o meu mais completo desacordo com o projecto que está em discussão. Tenho a fácil coragem de declarar que considero êste projecto imoral.
A prática, que há tempos a esta parte só vem seguindo, de deixar impunes os criminosos é que tem dado ensejo a que se multipliquem os actos condenáveis que quási diariamente vemos cometer.
É preciso que se comece a dar o justo castigo a todos aqueles indivíduos que não fazem senão alimentar a desordem e praticar actos que só podem ser considerados como tendentes a uma obra que classificarei simplesmente de destruidora.
No jornal Diário de Lisboa li uma entrevista dada pelo chefe do movimento. Dizia êste que muitos elementos comprometidos no movimento haviam faltado à sua palavra, e que no acto do julgamento declararia quem eram êsses elementos.
Porque não se há-de fazer o competente inquérito até final?
E preciso saber quem são os criminosos e quem são os inocentes.
Nesta altura não se compreende que se dó uma amnistia.
Basta de transigências com os promotores de revoluções sem grandeza e sem finalidade.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Fausto de Figueiredo: — A ninguém nesta casa encontro mais autoridade do que a que tenho para falar neste assunto. A ninguém dou o direito de julgar que a assinatura que pus no projecto em discussão obedeça a quaisquer intuitos reservados ou a falta de consideração pela minoria nacionalista onde tenho amigos que muito prezo e considero.
Mas se não pode estar no meu ânimo o ferir por qualquer forma as susceptibilidades do Partido Nacionalista, muito menos êsse propósito poderia existir em mim com referência a qualquer dos homens que pertenceram ao Govêrno presidido pelo Sr. Ginestal Machado, que é uma figura de alto relevo na República e ao qual todos nós devemos a maior consideração.
Se eu entendesse que o meu acto, assinando o projecto, podia ser tomado como desconsideração para com êsses homens, eu jamais o praticaria; juro pela minha honra.
Para a minha maneira de sentir e de pensar não está em causa nenhum dos homens que, infamemente, quiseram envolver nas responsabilidades da célebre desordem de 10 de Dezembro.
Sr. Presidente: a amnistia em questão impunha-se, porque aqueles que armam o braço dos que se arriscam às conseqüências das contendas em que os metem não aparecem para receberem o castigo dos seus maus actos.
Para reconhecer a necessidade da amnistia basta que nos lembremos de que apenas se encontram presos 25 marinheiros. Ora a revolução de 10 de Dezembro não seria feita com tam insignificante número de homens.
Entende a Câmara que não devem ter perdão os vinte e cinco marinheiros que foram arrastados por aqueles que não aparecem as sofrer as conseqüências do facto criminoso? Devem manter-se nesta situação iníqua, absurda e injusta? Não nego a ninguém autoridade para falar neste assunto; mas tenho-a eu também, porque não é a primeira vez que tenho interferência neste assunto de amnistia e porque entendo que, sendo dada em condições como as do projecto em discussão, ela serve para evitar a iniquidade.
Sr. Presidente: assinei com o ilustre Deputado Agatão Lança êste projecto, por entendermos ambos que nos devíamos manter em perpétuo silêncio, por estarmos convencidos, já o disse aqui mais de uma vez, de que não nos podemos referir a nenhuma das pessoas, pelas quais temos a mais alta consideração, que infamemente houve quem tentasse envolver nesta questão-
O fim que temos em vista é perdoar.
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Nestas condições a Câmara votará como entender. Mas não foi impelido por nenhum desejo de criar popularidade nem conquistas, simpatias ou louvores. Apenas estou convencido de que a Câmara, num lacto desta magnitude, andará bem aprovando o projecto. E eu entendi que andaria bem, subscrevendo-o.
O discurso será publicado na integra quando o orador haja revisto as notas taquigráficas.
O Sr. Carvalho da Silva: — V. Exa. sabe e sabe-o a Câmara que nós, apesar de adversários do regime, em questões de ordem pública não queremos nunca criar dificuldades ao Govêrno.
Nestas condições não é indiferente, para nós nos orientarmos, que o Sr. Presidente do Ministério, em nome do Govêrno diga à Câmara se reputa ou não conveniente o projecto (Apoiados), e se acha conveniente que amanhã, conforme foi requerido, se discuta o referido projecto de lei de amnistia.
Peço pois ao Sr. Presidente do Ministério a fineza de expor à Câmara qual a sua opinião sôbre o assunto, porque não é indiferente, repito, que numa questão desta natureza S. Exa. apresente a sua opinião à Câmara, para que ela se pronuncie.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Reconhece-se, segundo afirmação aqui feita, que êsses homens, castigados por um simples traço de pena, foram mal castigados.
O seu castigo não resultou de nenhum inquérito.
Então pregunto: se êsses homens foram mal castigados, se não cometeram delito nenhum, para que vir pedir a amnistia?
Vai o Parlamento amnistiar um crime não cometido?
Pois bem, se se entende que êsses marinheiros foram mal castigados, faça-se uma interpelação ao Sr. Ministro da Marinha; e o Sr. Ministro da Marinha não necessitará nenhum projecto de amnistia para fazer justiça a esses homens.
Disse o Sr. Fausto de Figueiredo que era preciso dar perdão a êsses marinheiros.
Mas se não está provado que cometessem crime, como quere dar-lhes perdão?
Não, não é preciso amnistia nenhuma.
No Regimento Disciplinar da Armada está o que V. Exa. quere.
Amnistiá-los é lançar-lhes um labéu que êles não merecem.
O caminho não é êsse.
Tenho dito.
O orador não reviu,
O Sr. Agatão Lança: — Duas palavras apenas.
Ouvi um ilustre Deputado, no calor da sua inflamada oratória, dizer que é imoral êste projecto.
Imoral é que continuem em liberdade os outros que têm responsabilidades e na prisão meia dúzia de indivíduos.
Isto é atentatório da ordem e fundamente do regime republicano.
Apoiados.
Disse o Sr. António Maia que os marinheiros não foram ainda castigados.
Mas devido às leis militares, êles continuam a apodrecer nas prisões sem que o Govêrno e a Câmara se importem com essa infâmia, sem que estejam na prisão outros indivíduos, quer da corporação militar, quer civil. Imoral é isto.
Isto é que é injusto e iníquo.
Apoiados.
Notou-se que no projecto se propunha o perpétuo silêncio.
Mas julgo que a própria amnistia contém êste perpétuo silêncio.
O inquérito não acabou.
Muitos deles não praticaram crime algum.
Outros que o praticaram, andam em plena liberdade.
Isto revolta-me como republicano.
O orador não reviu.
O Sr. Vitorino Godinho: — Há seguramente uma hora que a Câmara está para votar os requerimentos apresentados pelos Srs. Agatão Lança e Almeida Ribeiro.
Tenho muita consideração e respeito por toda a Câmara, mas quero protestar energicamente contra esta prática, que vem sendo seguida, de dar a palavra sôbre o modo de votar e para explicações, quan-
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do não há razão nenhuma para isso, representando isto apenas um abuso.
Apoiados.
Estamos a perder um tempo precioso.
Apoiados.
É preciso respeitar as disposições do Regimento; e, segundo elas, os requerimentos deviam já ter sido votados.
Contra isto lavro o meu protesto, e peço a V. Exa. Sr. Presidente, que, se tiver dúvidas sôbre a interpretação do Regimento, solicite da respectiva comissão do Regimento que dê qualquer parecer no sentido de se definirem situações desta natureza.
O que se fez aqui hoje, o que se tem feito há uns tempos a esta parte não me parece que seja de molde a prestigiar o Parlamento, e é com certeza um motivo de perturbações na marcha dos trabalhos parlamentares.
Sr. Presidente: chamo portanto a atenção de V. Exa. e da Câmara, porque estou confiado em que V. Exa. poderá contar com o concurso, de todos os parlamentares pára o auxiliarem nessa tarefa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — V Exa. tem muita razão.
A Mesa é a primeira a insurgir-se contra o sofisma de preceitos claros do Regimento; todavia estou aqui por empréstimo, e, quando aqui cheguei, já encontrei êste abuso.
Desde que tenho de dar a palavra sôbre o modo de votar, evidentemente tenho de pôr em pé de igualdade todos os Srs. Deputados que pedem a palavra.
Não posso neste lugar preterir direitos de ninguém.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Ferreira de Mira (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: ao iniciar o seu discurso, o Sr. Fausto de Figueiredo disse que ninguém mais do que S. Exa. tinha autoridade para falar sôbre o assunto nesta Câmara.
Ninguém tem mais autoridade que S. Exa., mas há aqui pessoas que têm pelo menos tanta como S. Exa.: são aquelas pessoas que, durante as discussões da Câmara e intervindo nelas, têm sempre o cuidado de moderar a sua paixão.
A Câmara decerto me presta a justiça que eu realmente sou dêsses.
É portanto desapaixonadamente que eu vou fazer algumas considerações, seguindo o exemplo dos meus ilustras colegas.
A discussão que se levantou em torno da proposta dos Srs. Agatão Lança e Fausto de Figueiredo, mostrou imediatamente, à quem veja as cousas de ânimo frio, que ela realmente era da maior inoportunidade, porque se trata de resolver sôbre acontecimentos passados há pouco mais de um mês, e não há exemplo de que tal se possa fazer, não só porque as responsabilidades de cada um não estão bem dirimidas, mas porque as paixões que intervieram nesses acontecimentos não estão ainda inteiramente apagadas.
Se outros motivos não houvesse, bastava a questão da proximidade, dos acontecimentos para que lhe não devesse ser tomada resolução sôbre tal assunto.
Sucede ainda que vindo êsses acontecimentos à discussão da Câmara, houve parlamentares desta casa que Aforam neles envolvidos. É natural que êles queiram ser ilibados de quaisquer responsabilidades que porventura lhes tenham assacado; e não se compreende que sejamos nós, seus colegas, que ponhamos tudo em completo silêncio. Quere dizer: dêste modo não se ilibam as responsabilidades de ninguém.
Mas, Sr. Presidente, há motivos mais graves pelos quais essa questão da amnistia não pode ser discutida agora. E um dêsses motivos funda-se em que só o Govêrno pode vir dizer-nos se há ou não há perigo em que haja um perpétuo esquecimento porque o Govêrno é que sabe se neste momento ainda se agitam ou não essas paixões políticas. Só o Govêrno tem na sua mão o conhecimento de tudo que se passa.
Pode o Govêrno dizer-nos: Não; neste momento ainda não ê útil nenhuma amnistia. E nenhum de nós pode dizer daqui: amnistie-se. Temos primeiramente de pedir ao Govêrno que nos diga o que sabe, o que lhe diz a sua polícia, o que lhe dizem as suas informações.
Uma amnistia é um acto político dum Govêrno. Uma amnistia pode ser útil e pode ser prejudicial conforme a agitação que exista, conforme as causas e conforme o sentido dessa agitação.
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Não se amnistia quem não fôr julgado. Se eu sou criminoso de 10 de Dezembro e se não fui até agora julgado por quem quer que seja eu não devo ter êsse castigo da amnistia. A amnistia é já de si um castigo, porque é a demonstração plena de culpabilidade.
Mas se eu fui das pessoas incriminadas pelos jornais, se fui preso mas que tenho certeza de vir a ser considerado inocente, após as investigações, pregunto: ^com que direito o Poder Executivo, ou seja quem fôr, vai lançar sôbre o meu nome, sôbre a minha vida, um labéu de amnistia? Hei-de ser sempre o criminoso perdoado.
Não se deve proceder para com ninguém dessa forma; desde que não se tenha a certeza que ela é criminosa.
Vê V. Exa. Sr. Presidente, que conforme a minha promessa e o meu costume falei desapaixonadamente.
Os Srs. Agatão Lança e Fausto de Figueiredo podem guardar para mais tarde, para ocasião oportuna, a sua proposta.
Os efeitos que poderiam tirar, efeitos do coração — compreende-se — esses tiraram-os já com a apresentação da sua proposta. Mas S. Exas. vêem bem e vê toda a Câmara que ela è inoportuna.
Convém investigar primeiro, julgar primeiro e amnistiar depois, se para tal houver razão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: como ainda não está em discussão o projecto não tenho de pronunciar-me em nome do Govêrno. Sôbre o requerimento que vai votar-se, o meu voto é pessoal. O Govêrno só tem de pronunciar-se, só tem de emitir a sua opinião, quando o projecto estiver em discussão,
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se o requerimento do Sr. Almeida Ribeiro para que seja dividido em duas partes o requerimento do Sr. Agatão Lança, isto è, votar-se primeiramente a urgência e, depois, se deve ou não discutir-se o projecto na sessão de amanhã.
Foi aprovado o requerimento do Sr. Almeida Ribeiro.
Posta à votação a primeira parte do requerimento do Sr. Agatão Lança foi aprovada.
O Sr. Moura Pinto: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° Fez-se a contraprova.
O Sr. Presidente: — Estão de pé 28 Srs. Deputados e sentados 54.
Está, portanto aprovada a urgência.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se a segunda parte do requerimento.
O Sr. Agatão Lança: — Requeiro votação nominal.
É aprovado.
Procede-se à votação.
O Sr. Presidente: — Disseram «aprovo»
38 Srs. Deputados e «rejeito» 46.
Está rejeitado.
Disseram «aprovo» os Srs.:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Jaime Júlio de Sousa.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
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Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Disseram «rejeito» os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Ângelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Correia.
António Lino Neto.
António Mendonça.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virginio de Brito Carvalho da Silva.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Francisco Cruz.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José da Conceição Camoesas.
João de Ornelas da Silva.
João Salema.
João de Sousa Uva.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Pedro Ferreira.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Tomé José de Barros Queiroz.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
É aprovada a acta sem discussão.
O Sr. Presidente: — Para a comissão de instrução superior a substituir o Sr. Alves dos Santos, falecido há dias, o Partido Nacionalista indica o Sr. Ferreira de Mira.
È também comunicada a constituição da «omissão de negócios estrangeiros, tendo escolhido para presidente e secretário, respectivamente, os Srs. Vasco Borges e Bartolomeu Severino.
Pedido de licença; Do Sr. João Baptista da Silva, 10 dias.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e falias.
É admitida à discussão a seguinte:
Proposta de lei
Do Sr. Ministro das Finanças, sujeitando a custas os processos contenciosos, relativos às contribuições e impostos julgados pelas comissões criadas pelo artigo 74.° da lei n.° 1:668.
Para a comissão de finanças.
Sr. Presidente: — Vai entrar-se na
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa duas propostas, pedindo para elas urgência e dispensa do Regimento.
Uma delas refere-se ao crédito que é necessário abrir para a viagem do Sr. Presidente da Republica ao Pôrto.
Peço que entre imediatamente em discussão, continuando amanhã antes da ordem do dia.
É lida na Mesa 6 admitida a proposta do Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças,
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É a seguinte:
Senhores Deputados. — Tendo sido convidado S. Exa. o Sr. Presidente da República para assistir à festa da comemoração da revolução de 31 de Janeiro de 1891, no Pôrto, tenho a honra de apresentar a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É aberto no Ministério das Finanças a favor do mesmo Ministério um crédito especial na importância de 10.000$ para ocorrer às despesas com a viagem ao Pôrto de S. Exa. o Sr. Presidente da República, importância que deverá ser inscrita no orçamento, do mesmo Ministério para o corrente ano económico no capítulo 25.° artigo 95.° sobre a rubrica «Despesas com a viagem de S. Exa. Sr. Presidente da República ao Porto»!
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, em 21 de Janeiro de 1924. —Álvaro de Castro — Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
É aprovado o requerimento do Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: começando por registar que uma votação que a Câmara acaba de fazer o que diz respeito a assuntos que se prendem com a ordem pública o Sr. Presidente do Ministério votou ao contrário do Sr., Ministro do Interior, por cuja pasta devem correr os assuntos de ordem pública, a que demonstra que o Sr. Presidente do Ministério não confia na acção do Sr. Ministro do Interior, passo a discutir a proposta que acaba de ser enviada para a Mesa.
Desejava bastante que o Sr. Presidente do Ministério desse mais algumas indicações à Câmara a respeito da sua proposta. Desejava saber se os 10.000$ são destinados exclusivamente às despesas com a viagem propriamente do Sr. Presidente da República e se neles não estão incluídos, não digo já as despesas com a divisão naval que vai ao Pôrto, não digo também os da companhia lírica que de igual modo ali vai de propósito, mas quaisquer outras.
Seria, também, interessante saber-se
quem paga essa companhia lírica, porque, evidentemente, alguém a há-de pagar.
Mas, Sr. Presidente, se os 10.000$ são destinados exclusivamente à viagem, do Sr. Presidente da República, isto é, à despesa de representação de S. Exa., nós entendemos que essa verba não deve ser votada, porque S. Exa. tem já para despesas de representação 60.000$ anuais, além dos 180.000$ que constituem a sua dotação. Mas há mais! O Sr. Presidente da, República, com a responsabilidade do
Govêrno, a quem a pedimos, está em circunstâncias de desrespeitar a Constituição no § único do seu artigo 45.°
O Sr. Presidente da República vive numa propriedade da República, contra a letra expressa da Constituição. Há, pois, um aumento de dotação que nenhuma lei permite.
O Sr. Alberto Xavier: — O palácio, onde o Sr. Presidente da República vive, está-lhe arrendado.
O Orador: — A não ser com uma acção de despejo violenta, como um 5 de Dezembro, isso pôde da lugar a que, terminado o seu mandato, o Sr. Presidente da República, agarrando-se à actual lei do inquilinato, se recuse a abandonar o seu palácio, originando-se uma larga complicação.
O Sr. Presidente da República não recebe só os 180.000$ de dotação e os 60.000$ para despesas de representação.
Em boa verdade, recebe mais outras verbas.
Trocam-se vários àpartes.
O Orador: — Em primeiro lugar, devo dizer que não tive nenhuma responsabilidade na administração monárquica o que aliás só me honraria; e, em segundo, nunca andei pelos comícios a gritar contra as despesas da casa real, etc. e a apregoar a excelência das democracias pelo preço por quê saiam para vir depois para aqui pregar aumentos constantes à dotação do Sr. Presidente da República, que, se olharmos a todas as despesas, já está muito superior a 800.000$ por ano, isto numa época de compressão de despesas.
Não damos, portanto, o nosso voto à proposta. O Sr. Presidente da República já tem nos 60.000$, única verba que pó-
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de receber à face da Constituição para despesas de representação. O Govêrno resolve saltar por cima da Constituição e nós havemos de pedir-lhe oportunamente contas para saber quem paga todas as despesas.
O Govêrno salta por cima da Constituição vindo apresentar-nos a abertura dêste crédito.
Oportunamente pediremos também contas ao Govêrno para sabor quem paga as despesas com a companhia de S. Carlos que vai ao Pôrto dar uma récita em honra do Sr. Presidente da República.
E como se ainda não bastasse a falta de atenção que dispensa aos negócios públicos o Govêrno, quando a divisa cambial está na casa do l permite ainda que venham companhias líricas estrangeiras ao País quando se impunha absolutamente para evitar a subida do ouro, uma das suas primeiras medidas fôsse o de evitar o luxo do enviar ao Pôrto uma companhia lírica a fim de dar uma récita, só pelo facto de lá ir o Sr. Presidente da República.
Contra êsse facto protestamos.
O Govêrno mais uma vez nos prova que aquele respeito à Constituição que a toda a hora nos vem apregoando não passa duma galantaria.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Moura Pinto: — Sr. Presidente: é-me desagradável ter de emitir voto no assunto; mas em nome dêste lado da Câmara, e, acima de tudo, em meu próprio nome eu ficaria mal comigo mesmo se não exprimisse a minha opinião acerca da proposta que foi enviada para a Mesa.
Eu não tomo a responsabilidade do caso ao Chefe do Estado. Tomo-a ao Govêrno porque o Govêrno é que devia fazer sciente, fôsse a quem fôsse, da inconveniência do trazer tal proposta ã discussão.
Não é por ser 10, 100, ou 1:000 contos que o caso tem de ser considerado. Elo tem de ser considerado em face dos princípios porque os países só vivem pela pureza de princípios em que só baseiam.
E não faz sentido que fôsse base principal, quási única da ruína dum regime, os créditos escandalosos para virmos agora num esquecimento que não honra a nossa memória trazê-lo outra vez, novo em folha, apenas com a circunstância das quantias serem ridiculamente deminutas.
Dez contos!
Mas o País sabe, ao mesmo tempo, que existem no Orçamento verbas destinadas a êste fim.
Fica-nos mal, fica mal à Câmara e ao País que com quantias tam mínimas o Chefe do Estado não faça o que com certeza era sou intuito fazer e só a generosidade do Govêrno não lho permitiu que fizesse: — o que em idênticas circunstancias fazia o Sr. António José de Almeida.
Não mo consta que S. Exa. fizesse viagens à custa do adiantamentos feitos pelo regime.
Se em boa verdade se quere implantar em Portugal um sistema republicano mais pomposo, mais adequado à admiração que o País tenha por certas pompas ou emfim recordar as pompas do passado, isso que se faça; mas então que reconheçamos francamente a vantagem de termos a República do pompas, onde a coroa seja qualquer cousa como um coco especial.
Emquanto isso se não fizer, emquanto a República fôr esta republicazinha pacata, ordeira, como queríamos nós que da fôsse, é necessário acatar os princípios por que ela se rege.
Sr. Presidente: devo dizer a V. Exa. que nos fica mal, que fica mal à Câmara e ao Govêrno, e não fica bem ao próprio Chefe do Estado a aceitação dessa verba de 10 contos.
S. Exa. é Presidente duma República que queremos que seja assim.
Por emquanto, sejam quais forem as aspirações que neste País começam a surgir de repúblicas de várias outras espécies, não está assente que essas sejam as melhores, ou, pelo menos, não está isso assente para nós.
Sr. Presidente: vê V. Exa. e vê a Câmara os inconvenientes da discussão do propostas desta natureza, pois que daqui da extrema direita já se começa a dizer que outras verbas se gastaram, que outras cousas terão de ser consideradas no Parlamento.
V. Exa. e a Câmara compreendem bem que o intuito da minoria monárquica é (e nesse ponto é legítimo, pôsto que não corresponde à verdade) confundir de tal
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maneira o regime que está com o regime passado...
O Sr. Carvalho da Silva: - Não há confusão possível.
O Orador: — Não há razão para considerarmos que haja direito a restaurar aquilo que por causa disto e tantas outras cousas não quisemos que continuasse.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso): — Sr. Presidente: a cidade do Pôrto dirigiu a S. Exa. o Sr. Presidente da República um convite para a visitar no dia 31 de Janeiro, convite análogo aos que já têm sido dirigidos a outros Presidentes da República que ali têm ido.
Quere-me parecer que não está no espírito da Câmara discutir a oportunidade da ida do Sr. Presidente da República ao Pôrto no dia em que se comemora o aniversário da primeira tentativa revolucionária para a implantação do regime, no dia 31 de Janeiro.
Creio que êste assunto não valerá a pena sequer discuti-lo.
Sobre êste assunto falaram os Srs. Carvalho da Silva e Moura Pinto. O Sr. Carvalho da Silva bordou várias considerações, dizendo que era inconstitucional o projecto que trouxemos à Câmara, e nessas considerações foi acompanhado pelo Sr. Moura Pinto.
Discordo em absoluto dessa maneira de ver.
É certo que a Constituição marca e determina que se dê ao Sr. Presidente da República determinada dotação.
Não há dúvida de que isso se cumpriu; mas eu não venho pedir à Câmara que aumente a dotação, nem venho dizer à Câmara que os 10 contos que o Govêrno entende necessários para transportes a fazer e pagar algumas pequenas despesa» se vão entregar ao Sr. Presidente da República. Não, tem do ser o próprio Govêrno que tem de pagar as despesas, e, desde que isso tem de se fazer, julgo ser uma medida moralizadora.
O Govêrno entende que, às claras, nitidamente, deve pôr o problema perante a Câmara. A dotação do Sr. Presidente da República é de 20 contos por mês isto
com o valor actual da nossa moeda — e o Sr. Carvalho da Silva, que ainda hoje é monárquico, deve lembrar-se de que os 20 contos que mensalmente tem como dotação o Sr. Presidente da República representam menos do que aquilo que por dia antigamente recebia o rei de Portugal, havendo a acrescentar que toda a sua família tinha também determinada dotação.
O Sr. Presidente da República recebe 20 contos, mas o que não pode ó, com essa importância, manter decorosamente a sua situação e ainda ocorrer a desposas extraordinárias, como uma viagem ao Pôrto.
E eu pasmo de que se estranhe que venha pedir ao Parlamento esta quantia mínima de 10.000$, além dos quais se não gastará nem mais um ceitil.
O Sr. Carvalho da Silva vai ficar admirado como eu, com 10.000$, levo uma companhia lírica ao Pôrto para dar um espectáculo em homenagem ao Sr. Presidente da República. Mas eu explico o milagre: é que a companhia lírica não é paga pelo Govêrno. Não temos nada com isso.
Não sei se essa companhia vai ao Pôrto, mas, se fôr, não será o Govêrno que a pagará, como também não terá o Govêrno de fazer despesas especiais com os navios que vão ao Pôrto. É absolutamente falso. Os navios já tinham de seguir para instrução de guardas-marinhas, e, indo outros para fiscalização, os que estão no norte vão no dia 31 prestar homenagem ao Sr. Presidente da República.
Nada mais se gastará, portanto, além dos 10:000(5 pedidos.
O Sr. Presidente da República vai de comboio para o Pôrto, e ali não fará despesas especiais. A que há a fazer é com a comitiva; e não se pode exigir que S. Exa. a pague do seu bolso, pois não sei bem se os 20.000$, que tem, chegarão para manter a sua situação- e S. Exa. mantêm-na sem exageros e sem luxo. Não é demais que o Parlamento vote um crédito mínimo de 10.000$. Isto representa um princípio de verdadeira economia, que é o de se gastar o estritamente necessário. E neste proceder do Govêrno é que eu entendo que consiste a pureza de princípios.
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Para o que há a gastar pede-se autorização, e não se gasta mais do que o que foi autorizado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Vicente Ferreira: — Sr. Presidente : não tenho que discutir a ida do Sr. Presidente da República ao Pôrto nesta ou noutra ocasião; mas não posso deixar passar em claro e sem o meu protesto que seja presente ao Parlamento, e possivelmente aprovada, a proposta de lei que o Sr. Presidente do Ministério mandou para a Mesa. Numa democracia pobre e modesta não se compreendem faustos.
O Sr. Presidente do Govêrno vem apregoando diariamente a necessidade de realizarmos economias, comprimindo energicamente as despesas até o ponto de eliminar do número dos funcionários públicos muitos dos indivíduos que a êle pertencem, e que, embora tenham direitos adquiridos, as necessidades do Tesouro obrigam a despedir.
Pois, simultaneamente, o Govêrno vem à Câmara com uma proposta de lei para se fazer uma despesa com a realização duma viagem, presidencial.
Acho extranho, tanto mais que não sei qual possa ser a aplicação que se dará a essa verba. Diz o Sr. Ministro do Interior que ô para transportes. Eu sei que, desde a proclamação da República, a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses põe sempre à disposição do Chefe do Estado um comboio especial para as suas viagens oficiais. Sei também que a cidade do Pôrto, com a nobre tradição de hospitalidade que a caracteriza, dá hospedagem a S. Exa. o Sr. Presidente da República. Parece, pois, que os 10 contos ficam para gratificações, permita-se-me o termo.
Não ao compreende que numa ocasião em que tanto só necessita economizar, ao Parlamento se peçam 10 contos para a gastarem em festas.
Não há necessidade nenhuma disso. Num regime democrático, as comemorações, ainda as mais solenes, nunca perdem do sou significado e brilho, por serem realizadas com a necessária modéstia.
Tenho dito.
O Orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: - Começo por registar que o Sr. Ministro do Interior nada disse sôbre o ponto que eu irisei há pouco, de o Sr. Presidente da Re-pública estar habitando em edifício do Estado, faltando-se à letra expressa do § único do artigo 35.° da Constituição.
Quanto a clareza de contas, lembro que ainda hoje estamos sem saber quanto custou a viagem do Sr. António José do Almeida, ao Brasil, na qualidade do Presidente da República. Onde está essa apregoada clareza de contas?
Disse o Sr. Ministro do Interior que o Sr. Presidente da República percebe apenas 20 contos por mós, o que não é nada — acrescentou ainda S. Exa. — mesmo que não se faça o confronto com aquilo que gastava a Casa Real.
Está S. Exa. enganado. O Sr. Presidente da República recebe essa quantia, fora as despesas de Estado e representação que são pagos pelo Estado, e que no tempo da monarquia saíam da própria dotação da Casa Real.
Além disso, como toda a Câmara o sabe e o Sr. Ministro do Comércio também, a Casa Real tinha a seu cargo uma quantidade extraordinária de despesas que hoje estão a cargo da Assistência Pública. Mais de metade da dotação da Casa Real era absorvida em obras de caridade. Quando só discutir o Orçamento, eu hei-de fazer o confronto, e o Sr. Ministro do Interior saberá então que não é menos exacta a minha afirmação.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso): — A forma como a discussão tem decorrido, obriga-me a ser conciso na resposta a dar aos Srs. Vicente Ferreira e Carvalho da Silva.
Ao Sr. Vicente Ferreira devo dizer que a verba pedida não pode ser mais modesta do que é. Onde é que S. Exa. vai descobrir esbanjamento numa viagem para a qual só pode unicamente dez contos? Não chego a perceber.
Tia, porém, um ponto em que S. Exa. tem razão. Foi efectivamente equívoco virem dizer que o crédito era destinado a transportes. Não é. Ainda desta vez, como tem sucedido doutras, a Companhia Portuguesa oferecem o combóio especial
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em que há-de viajar S. Exa. o Sr. Presidente da República. As despesas a efectuar não são precisamente com o Sr. Presidente da República, mas com as pessoas que o acompanham. E eu não sei se se chegará a despender a quantia pedida. Se ou pedi ao Parlamento a abertura dêste pequeno crédito, foi para não ficar na contingência de, a corta altura, não ter dinheiro para satisfazer determinadas despesas. Mais nada. Do resto, uma viagem, por pequena que seja, demanda incontestavelmente dinheiro, e não se poderá exigir que seja o Sr. Presidente da República quem há-de pagar toda e qualquer despesa. A fazer isso, seria melhor que o Sr. Presidente da República não fôsse ao Pôrto; mas isso seria, positivamente um desastre.
Concordo em que se devam fazer economias; mas há economias que são prejudiciais, como esta de evitar» que S. Exa. o Sr. Presidente da República fosse agora ao Pôrto pela primeira vez, pelo efeito moral que isso produzia.
Ao Sr. Carvalho da Silva direi, finalmente, quê o Sr. Presidente da República recebe apenas vinte contos mensais e paga à sua custa a renda do Palácio em que vive.
O Sr. Carvalho da Silva: — Qual é a renda?
O Orador: - Não sei qual é a importância, mas, embora pequena, é S. Exa. quem a paga.
Uma voz: — São três contos e duzentos!
O Sr» Carvalho da Silva: — Não é renda dêste tempo! Está muito baratinho!...
O Sr. Presidente: — Não há mais ninguém inscrito.
Vai votar-se.
Foi aprovada a proposta de lei na generalidade.
O Sr. Presidente: - Vai discutir-se na especialidade.
Foi aprovado, sem discussão, o artigo 1.°
Foi aprovado o artigo 2.º
O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.
Procedeu-se à contraprova e à Contagem.
O Sr. Presidente: — Estão sentados 62 Srs. Deputados e de pé 5.
Está aprovado.
O Sr. António Correia: — Peço a V. Exa., Sr. Presidente, só digne consultar, a Câmara sôbre se dispensa a última redacção.
Foi dispensada.
Leu-se na Mesa para ser admitida a segunda proposta do Sr. Presidente do Ministério para a qual requer e também urgência e dispensa do Regimento.
O Sr. Ferreira de Mira (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: tenho de falar sôbre o modo de votar, porque em minha opinião, e a Câmara verá só ela é boa, essa proposta não deve ser admitida nem com urgência, nem com dispensa do Regimento, nem sem dispensa do Regimento,
Nunca um Ministro, nunca um membro do Poder Executivo foi tam lógico na sua atitude como o Presidente do Ministério, pedindo neste momento para aquela proposta a dispensa do Regimento. Se ela envolve na verdade a dispensa do Regimento compreende-se que não tem que ir às comissões.
O que representa a proposta?
Representa simplesmente isto: é dispensado o Parlamento para metade dos seus actos. Ora se o Parlamento é cerceado em metade das suas funções claro é que não há que ir às comissões de estudo porque as comissões de estudo não poderão dizer outra cousa.
Esta proposta tem doas partes; logo no seu primeiro artigo, a primeira parte, trata da repetição de leis já existentes; mas a segunda parte, essa é ilegal à face da Constituição, porque sendo uma das principais funções do Parlamento, sendo a sua primacial função, o regular as despesas e as receitam, por essa proposta, levará o primeiro certo nessas funções de futuro só poderá tratar de receitas. O complemento dessa obra devia ser trazer outra proposta à Câmara pela qual o
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Parlamento também só desinteressasse das receitas. E assim fechar-se-ia, o Parlamento.
Nós estamos habituados a dar autorizações ao Poder Executivo mas autorizações referentes a pequenas cousas, e compreende-se que em pequenas cousas isso se laça até certo ponto; mas, nós não podemos delegar no Govêrno determinadas funções nossas como não podemos delegá-las em quem quer que seja.
Eu pregunto: para que há-de o Parlamento votar o orçamento de desposa se já sabe de antemão que êsse trabalho é perfeitamente inútil e que o Sr. Ministro das Finanças e o Govêrno poderão ou não executar o que aqui fôr deliberado?
Nestas condições, porque a proposta é nitidamente anticonstitucional - aprová-lo hei mais tarde com maior número de argumentos — creio que não deve ser admitida.
Para terminar, direi que êste lado da Câmara não votará, a urgência nem a dispensa do Regimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente : o Sr. Ferreira de Mira já disse o bastante para se saber que essa proposta não pode sequer ser admitida na Mesa, porque é absolutamente inconstitucional.
Sr. Presidente: em face do artigo 26.° da Constituição, não pode, de maneira nenhuma, sustentar-se que essa proposta não representa o mais fundo atentado contra a letra expressa da Constituição.
Daquele lado da Câmara está a representação dum Partido que tem feito não sei quantas revoluções em defesa da Constituição. Eu quero ver só êsse Partido vai hoje demonstrar àqueles que ingenuamente se tem batido em revoluções pela defesa da Constituição da República que tem andado a enganá-los.
Mas, Sr. Presidente, há mais. É que o Parlamento não pode conceder autorizações ao Poder Executivo senão nos termos marcados no artigo 26.° da Constituição, o não é êsse o caso a que se refere a proposta do Sr. Presidente do Ministério.
Esta proposta representa apenas uma ditadura; e, como muito bem disse o Sr. Ferreira de Mira, ela é também a dispensa do Parlamento,
A proposta em questão representa ainda a incompetência mais absoluta por parte do Govêrno, que não tem ideas nem planos e que não sabe que propostas há-de trazer à Câmara. Mas, se não sabe o que tem a fazer, abandono as cadeiras do Poder.
Ainda há dias S. Exa. apresentou aqui uma proposta, a lei do sêlo, que é uma verdadeira monstruosidade.
Nestas circunstâncias, este lado da Câmara entende que a proposta não pode ser aceita na Mesa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Moura Pinto: — Sr. Presidente: esta proposta é caracterizadamente inconstitucional em face do artigo 26.° da Constituição.
Não há nada em nenhum dos números do artigos 26.°, nada que autorize esta perturbação de poderes, que a proposta trazida pelo Govêrno representa.
Ela representa uma tam larga autorização, que não há motivo nenhum para que a seguir à sua aprovação se não feche imediatamente o Parlamento.
A que se propõe o Govêrno do Sr. Álvaro de Castro com esta proposta?
S. Exa. propõe-se a garantir a toda a Câmara que, realmente, tem medidas para acudir à grave crise nacional, mas que há um tropeço que não as deixa efectivar. Êsse tropeço é o Parlamento.
Eu sei que há dois pontos a que só pretende fugir.
S. Exa. ladeou a questão dos funcionários públicos e a questão dos militares.
S. Exa. vem com medidas de um tam largo alcance, que a maioria, certamente, não pode de um fôlego dar autorização; e tanto assim que houve dúvidas se o Sr. Ferreira de Mira tinha pedido a palavra antes ou depois.
Nunca, nem mesmo ao Sr. António Maria da Silva, no longo período em que governou, nem mesmo a S. Exa. a maioria deu tam grande autorização. Ainda ninguém pôde merecer êste favor, que vem a redondar na completa abdicação do Poder Legislativo.
Já por aí se diz tanta cousa escura! Há o direito de suspeitar que uma tal
proposta envolve segundo sentido e representa um perigo,
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Eu atrevo-me a chamar para isso a atenção da maioria.
Sr. Presidente: suponhamos que a maioria levava a sua generosidade até ao ponto de votar esta autorização, ficando assim o Poder Legislativo sob á alçada do Poder Executivo.
Então, melhor é ter coragem de dizer as cousas, como elas silo.
Todos os dias o conflito se acentua. Se se pretende levá-lo até ao ponto de demonstrar a inviabilidade parlamentar, tenham a coragem, não de apresentar uma proposta destas, mas a coragem do suscitar do Chefe do Estado a atenção para a acção dum Parlamento cuja obra está condenada.
Nesta proposta está a afirmação de que a obra governativa está em conflito com os costumes parlamentares, que o patriotismo do Govêrno precisa fica,r em conflito com o patriotismo da Câmara, e que os planos de salvação do Sr. Ministro das Finanças são tam grandes que nem a Câmara os pode compreender.
Mas eu chamo sinceramente a atenção da maioria para um caso mais grave que se pode dar para desventura dêste Pais.
Não é caso novo, nem nos parece que a atmosfera que o Govêrno cria nos ponha a coberto dêsse caso grave.
Suponha o Govêrno que a situação em que se julga muito firme, pelo apoio da maioria, se modificava.
Suponha que a maioria que está segura da sua acção parlamentar se modificava também.
V. Exas. sabem, porque é de há poucos anos, que dois parlamentos, ambos duma maneira inconstitucional, foram dissolvidos.
A forma importa pouco, o que importa é que foram dissolvidos por motivos de ordem pública.
Visto que são largos os processos de aventuras e dos aventureiros, pregunto ao Parlamento se vai dar ao Govêrno uma autorização tam monstruosa e inconstitucional, para amanhã aqueles que violenta, atrabiliária, e porventura criminosamente atentem contra a segurança do Estado e regime vão, ao abrigo desta autorização, inutilizar todas as leis, cometer todas as iniquidades, fazer todos os crimes.
Esta autorização seria a justificação
dos homens que, aceitando o critério de constitucionalidade duma proposta destas, quisessem justificar-se perante os olhos do estrangeiro.
O Poder Executivo teria assim nas mãos meios que o Legislativo não teria nunca conveniência em lhe dar, com uma imprevidência que seria vergonhosa para êle.
Apoiados.
Mas há a considerar o espírito constitucional da questão: não podemos dar aquilo que em nossas mãos não está.
Apoiados.
Não podemos, por maior que seja a boa vontade da maioria, por maior que seja a conveniência que a maioria suponha que haja nisso, abdicar constitucionalmente das nossas primitivas prerrogativas.
Havemos de nos manter dentro dela.
E fique o Govêrno seguro de que não será às primeiras que conseguirá arrancar a esta Câmara alguma cousa que é muitíssimo mais grave do que um precedente, porque é, nem mais, nem menos, a liquidação do Parlamento.
Vale a pena que esta questão seja discutida com calma, ponderação e o tempo suficiente para que os Deputados da maioria possam, ao menos uma vez, consultar a sua consciência e preguntar: mas, afinal, o que quere o homem com isto?
O Sr. Presidente: — Deu a hora de se passar ao período de antes de se encerrar a sessão.
O Orador: — Nesse caso fico com a palavra reservada para amanhã.
Vozes: — Não pode ser!
O Sr. Alberto Xavier: — Essa agora! Com a palavra reservada sôbre o modo de votar!
O orador não reviu.
O Sr. Vasco Borges: — Como não está presente o Sr. Ministro do Trabalho eu peço ao Sr. Presidente do Ministério o favor de transmitir as considerações que vou fazer.
Trata-se, Sr. Presidente, da pretensão duma Companhia inglesa de fazer uma
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dragagem de aluviões mineralizadas no valo do Mondego.
Isto significa que cata Companhia pretendo fazer do vale do Mondego o mesmo que foz do Vale do Zebro.
A população do vale do Mondego, porém, que já sabe qual é o resultado de tais dragagens, encontra-se disposta a opor-se, pela violência até, a que essas explorações se realizem.
Por esta razão e ainda porque tais dragagens prejudicam altamente a riqueza nacional, eu espero que o Sr. Ministro do Trabalho não dará à Companhia em questão a concessão que êle deseja.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: ouvi com toda a atenção as palavras do ilustre Deputado a quem estou respondendo e declaro a S. Exa. que comunicarei ao Sr. Ministro do Trabalho tudo quanto relatou.
Não me tendo sido possível falar sôbre o modo de votar, como há pouco o fizeram vários Srs. Deputados, pedi a palavra j)ara explicações, porque de facto eu explicações pretendo dar à Câmara sôbre o que pretende o Govêrno pela proposta que enviou para a Mesa. Quero dizer que não se trata de cousa nenhuma excepcional. A proposta em questão não-é mais do que a reedição das chamadas leis-travões.
Classificar esta proposta de inconstitucional é dizer uma cousa sem sentido.
O Sr. Morais Carvalho: — Mas se há as leis-travões para que uma reedição?
O Orador: — É uma reedição como doutrina.
Se o Govêrno pedisse esta autorização para usá-la com o Parlamento encerrado, compreendia-se que êste tivesse receio de a conceder. Mas com o Parlamento aberto que dúvidas pode, haver? Não tem o Parlamento, logo no dia seguinte à prática de qualquer acto, a possibilidade de tomar contas ao Poder Executivo o de o derrubar até se para tal houver motivo?
A Câmara dos Deputados gastou hoje quási todo o tempo digo-o sem envolver a menor espécie de censura — na discussão sôbre o modo de votar uns determinados requerimentos.
O Sr. Ministro da Guerra apresentou duas propostas de lei que produzem para o Estado uma economia aproximada de 10:600 contos. O Parlamento demorará naturalmente a pronuciar-se sôbre essas propostas dias e dias.
Todavia, uma das propostas refere-se às escolas do recrutas que estão já a funcionar, o se o Parlamento der o seu voto só daqui a dez dias, é já inútil a lei, porque a despesa estará feita.
Mas se o Govêrno tiver a proposta aprovada, pode em vinte e quatro horas suspender parte da lei que determina essa desposa e conseguir fazer no Orçamento uma diminuição de despesa de alguns milhares de contos,
Terminando, Sr. Presidente, repetirei que se trata de uma questão de ordem prática a que todos temos de atender.
Se o Poder Legislativo deu poderes iguais a outros Governos, não é extraordinário que os torne a conferir ao actual Govêrno para poder acudir à situação do Tesouro.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Amanhã, há sessão às 14 horas, sendo a ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia:
A de hoje menos o parecer n.° 91.
Ordem do dia:
A de hoje.
Está levantada a sessão.
Eram 19 horas e 40 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Projectos de lei
Dos Srs. Agatão Lança e Fausto de Figueiredo, concedendo amnistia geral para os actos de rebelião praticados em 10 de Dezembro de 1923.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Para o «Diário do Governo».
Do Sr. João Camoesas, e outros Srs. Deputados, considerando feriado naciona
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o dia 5 de Fevereiro de 1924, em homenagem ao poeta Luís de Camões.
Aprovada a urgência e dispensa do Regimento.
Aprovado.
Dispensada a última redacção.
Para o Senado.
Do Sr. Constâncio de Oliveira, permitindo a conversão em títulos dos empréstimos do Estado o produto da alienação dos bens imóveis de instituições de beneficência.
Para o «Diário do Governo».
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me sejam fornecidas para a comissão de guerra desta Câmara:
Cópia das sentenças em que foram condenados pelo Tribunal Militar de Lisboa os actuais primeiros sargentos de artilharia:
João Moniz de Sá Borges, José Paiva de Almeida, Eduardo Pereira Coutinho e do actualmente alferes do quadro auxiliar
dos serviços de artilharia, em serviço no ultramar, Alfredo Evangelista, todos ao tempo segundos sargentos de artilharia. - Cópia do parecer da comissão constituída pelo decreto n.° 0:172, que diz respeito a Eduardo Pereira Coutinho.- João Cortes dos tantos.
Expeça-se,
Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, e com toda a urgência, me seja fornecida cópia de todos os documentos trocados entre o Ministério das Finanças e a Companhia dos Tabacos, directamente ou por intermédio do Comissário do Govêrno junto dela, desde 27 de Dezembro de 1923 até hoje; e bem assim que se me envie cópia do despacho que mandou proceder ao exame à escrita da referida Companhia, igualmente me sendo enviada cópia de todas as comunicações feitas pelo aludido Comissário do Govêrno ao Ministro das Finanças desde 1 de Março 1923.—-Nuno Simões.
Expeça-se.
O REDACTOR—João Saraiva.