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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 31
EM 6 DE FEVEREIRO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. liberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário.— Abertura da sessão. Leitura da acta.
Correspondência.
Antes da ordem do dia.— O Sr. Ribeiro de Carvalho (Ministro da Guerra) apresenta uma proposta tendente à reorganização do exército.
Usa da palavra para interrogar a Mesa o Sr. Carvalho da Silva, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
O Sr. Presidente anuncia que vai discutir-se o parecer n.º 442.
Usa da palavra para interrogar a Mesa o Sr. António Mata.
Responde-lhe o Sr. Presidente.
O Sr. Carvalho da Silva volta a usar da palavra para interrogar a Mesa.
O Sr. António Fonseca (Ministro do Comércio) responde às considerações feitas pelo Sr. Carvalho da Silva e dá informações à Câmara sôbre o actual estado dos serviços telégrafo-postais.
É aprovada a acta.
São concedidas duas licenças.
A Câmara admite à discussão algumas proposições de lei.
Lê-se na Mesa uma nota de interpelação.
Ordem do dia.—(Continuação da discussão do parecer n.º 643 - amnistia aos marinheiros).
O Sr. Pedro Pita conclui as considerações que iniciara na sessão anterior.
Seguem-se no uso da palavra os Srs. Cunha Leal, Carvalho da Silva, Francisco Cruz, Pereira da Silva (Ministro da Marinha) e novamente o Sr. Francisco Cruz.
O Sr. Sá Cardoso (Ministro do Interior} manda para a Mesa uma proposta de lei, para a qual pede urgência.
É concedida.
O Sr. António Maia manda para a Mesa uma proposta de substituição, que é admitida.
O Sr. Almeida Ribeiro usa da palavra para interrogar a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
Segue-se no uso da palavra o Sr. Cancela de Abreu, que manda para a Mesa um artigo novo.
É admitido.
João de Ornelas da Silva
O Sr. Lino Neto faz algumas considerações sobre o parecer em discussão e envia para a Mesa uma proposta de substituição, que é admitida.
Seguem-se no uso da palavra os Srs. Nuno Simões, Almeida Ribeiro, Jaime de Sousa e Moura Pinto, que fica com a palavra reservada.
Antes de se encerrar a sessão.— O Sr. Morais de Carvalho chama a atenção do Sr. Ministro do Trabalho para ajusta reclamação do proprietário do edifício que foi transformado em hospital de tifosos no Pôrto.
Responde-lhe o Sr. Ministro do Trabalho (Lima Duque).
O Sr. Carvalho da Silva chama a atenção do Govêrno para os numerosos abusos que por todo o país se cometem com o exercício ilegal das farmácias.
Responde-lhe o Sr. Ministro do Trabalho.
O Sr. Américo Olavo chama a atenção do Sr. Ministro da Marinha para as declarações atribuídas, numa entrevista publicada num jornal de Lisboa, a um oficial de marinha.
Responde-lhe o Sr. Pereira da Silva (Ministro da Marinha).
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão, às 15 horas e 30 minutos.
Presentes à chamada, 43 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão os Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adolfo Augusto do Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Lelo Portela.
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Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Abranches Ferrão.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Pais da Silva Marques.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira do Castro Agatão Lança.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Delfim Costa.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Estêvão Águas.
João Pereira Bastos.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
José Domingues dos Santos.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Correia.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Domingos Leite Pereira.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Nuno Simões.
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
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Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Ginestal Machado.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Artur Brandão.
Augusto Pereira Nobre.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constancio de Oliveira.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José Luís Damas.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José Pedro Ferreira.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique do Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Às 16 horas e 10 minutos principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 43 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Ofícios
Do Senado, enviando uma proposta de lei que cria a freguesia da Lomba da Fazenda, concelho de Nordeste.
Para a comissão de administração pública.
Do Ministério da Guerra, enviando o requerimento do major de cavalaria n.° 10, Francisco Dias da Cruz Pôrto, pedindo promoção.
Para a comissão de guerra.
Do Ministério da Marinha, para inclusão no Orçamento de 1924-1925 de designadas verbas e com indicadas aplicações.
Para a comissão de Orçamento.
Do Ministério das Colónias, satisfazendo ao requerido pelo Sr. Nuno Simões e transmitido no ofício n.° 88.
Para a Secretaria.
Do mesmo, satisfazendo ao pedido no ofício n.° 87, para o Sr. Nuno Simões. Para a Secretaria.
Do Ministério da Agricultura, satisfazendo ao pedido no ofício n.° 80, para o Sr. Manuel de Sousa da Câmara.
Para a Secretaria.
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Do mesmo, satisfazendo ao pedido no ofício de 17 de Abril de 1922, para o Sr. João Luís Ricardo.
Para a Secretaria.
Da legação de Espanha, solicitando para se activar o parecer das comissões de guerra e de marinha, sôbre o projecto da ponte sôbre o Tejo.
A informar.
Telegramas
Dos alunos da Faculdade de Farmácia de Coimbra, protestando contra o projecto de lei sôbre praticantes da farmácia apresentado no Senado.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal de Fafe, protestando contra a extinção das escolas primárias superiores.
Para a Secretaria.
Do Centro João Chagas, de Bombarral, e das Câmaras Municipais de Viana do Castelo, Matozinhos e Moita, enviando condolências pela morte de Teófilo Braga.
Para a Secretaria.
Cartão
Do comandante e oficiais da guarda republicana de Lourenço Marques, desejando boas festas.
Para a Secretaria.
Representações
Das Câmaras Municipais de Braga, Barcelos, Esposende e Póvoa de Varzim, sobre o projecto de lei da concessão do caminho de ferro Póvoa, Viana, Barcelos e Braga.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal de Famalicão, protestando contra a extinção das Escolas Primárias Superiores.
Para a comissão de instrução primária.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de
Antes da ordem do dia
O Sr. Ministro da Guerra (Ribeiro de Carvalho):— Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de lei autorizando o Govêrno a
proceder à reorganização do exército de acordo com as bases que fazem parte da mesma proposta.
O assunto é da maior importância e por êste motivo julgo dever chamar para a, minha proposta a atenção da Câmara, e principalmente para aquelas das suas disposições que alteram mais profundamente-a actual organização.
Não desconhecem V. Exas. as radicais transformações que experimentaram os exércitos durante a última guerra, e portanto não ignoram quanto se torna necessário proceder quanto antes à reorganização do nosso exército, para que, em caso de guerra, êle possa contar com todos os elementos de que os exércitos modernos carecem.
Esta necessidade é tanto mais urgente-quanto é certo que já em 1914 a organização do exército não correspondia, a meu ver, as exigências da defesa nacional.
Sr. Presidente: a organização de 1911 representou, na ocasião em que foi decretada, um considerável progresso, visto que foi mais um passo dado para a efectivação do princípio da nação armada, com o seu natural corolário da redução do tempo de serviço nas fileiras e bem assim do número de oficiais dos quadros permanentes.
Essas suas bases são respeitadas na proposta que vou mandar para a Mesa.
Mas se é de justiça reconhecer-lhe essas vantagens, o que é certo é que ela enfermava dum espírito doutrinário demasiada estreito e que, sendo um decalque da organização militar suíça, era em grande-parte inadequada às condições peculiares do nosso país.
Sr. Presidente: além disso, essa organização, quaisquer que fossem os seus inconvenientes ou as suas vantagens, não foi nunca inteiramente executada.
Não vale a pena discutir agora se o poderia ter sido. O que é certo é que,, quando o nosso país entrou na guerra, foi preciso que o Sr. Ministro da Guerra, de então realizasse uma obra de improvisação, que alterou profundamente a legislação militar que até então vigorava.
Essa obra de improvisação, levada a efeito pelo Sr. Norton de Matos, é o maior título de glória da República sob o ponto do vista militar, e representa um esforço-verdadeiramente gigantesco.
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Por êste motivo, não podemos deixar de prestar justiça e de tributar a maior admiração ao homem enérgico e patriota que conseguiu levá-la a cabo, apesar da oposição da maioria do país.
Da vasta legislação de guerra resultou, porém, que a organização de 1911, já anteriormente alterada em vários pontos, sofreu grandes modificações, e de tal sorte as nossas instituições militares deixaram de 'constituir um todo harmónico.
Por todos êstes motivos, a necessidade da reorganização do exército fez-se sentir logo que terminou a guerra, e assim, pouco tempo depois, em 1919, o então Ministro da Guerra, Sr. Helder Ribeiro, nomeou uma comissão presidida pelo Sr. general Correia Barreto, para propor as remodelações a introduzir no nosso organismo militar.
Essa comissão, porém, foi dissolvida ©m 1920 pelo mesmo Sr. Helder Ribeiro, sem que tivesse apresentado quaisquer trabalhos.
Mais tarde o Ministro da Guerra Sr. Álvaro de Castro encarregou o estado maior do exército de proceder aos estudos indispensáveis nesse sentido, estudos que aquele organismo já iniciara.
O estado maior estudou primeiro qual a organização mais conveniente do exército de campanha, dada a nossa situação geográfica e internacional e as condições -estratégicas que dela derivam. Essa parte do seu trabalho foi aprovada pelo Sr. general Silveira, quando Ministro da Guerra. Depois estudou quais as bases em que devia assentar o exército em tempo de paz, atendendo à nossa situação interna, aos nossos recursos financeiros, etc.
E sôbre êsses estudos que se funda a proposta que tenho a honra de apresentar, pois concordo inteiramente com as suas bases, por corresponderem, quanto -a mim, às exigências da defesa nacional, e obedecerem aos ensinamentos provenientes da última guerra. Mas, Sr. Presidente, como a proposta encerra algumas alterações importantes à organização actual, eu vou, em breves palavras, explicar a V. Exa. e à Câmara os seus fundamentos.
A primeira importante modificação introduzida é respeitante à reorganização 4o Ministério da Guerra, porque o estado
maior, que até agora tem sido um organismo àparte do Ministério, passa a ser integrado nele constituindo duas direcções gerais.
Isto sucede assim em quási todos os países e nomeadamente nos grandes países militares e tem toda a vantagem, para dar unidade de acção à direcção superior do exército, a qual actualmente não existe.
Eu próprio, durante o pouco tempo que tenho estado no desempenho da pasta da Guerra, tenho verificado a conveniência de um contacto mais directo entre o estado maior e o Ministro, e o inconveniente de haver uma duplicação de certas atribuições, sobretudo na superintendência na instrução.
Sondo o estado maior o responsável pela preparação técnica do exército para a guerra e, portanto, pela instrução militar, existem dentro do Ministério repartições que no assunto interferem, de onde resulta uma duplicação de trabalho e, muitas vozes, divergências de critério que trazem os maiores inconvenientes.
Ao lado da 2.ª Direcção Geral do Ministério da Guerra é criada uma comissão superior de mobilização civil com o fim de preparar desde o tempo de paz o aproveitamento em tempo de guerra de todos os recursos nacionais.
Na verdade, para fazer face às exigências das operações é actualmente preciso recorrer à mobilização das energias nacionais de toda a ordem, designadamente no que diz respeito, às indústrias, porque essa preparação em tempo de paz é indispensável para durante a guerra satisfazer com vantagem ao consumo do material, ao seu desgaste contínuo, que se vai dando durante as operações, e para prover à sua substituição.
A essa comissão superior fica competindo o preparar a mobilização do todos os civis, a das indústrias, a dos recursos económicos, emfim a de todos os recursos do país, porque para todas as energias nacionais é hoje necessário apelar para a vitória, inclusive para as energias morais e psicológicas.
Todos sabem, com efeito, que durante a última guerra os factores psicológicos tiveram uma grande importância chegando até alguns países a criar um Ministério especial encarregado da propaganda»
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Outra modificação importante da minha proposta. As direcções das armas são restabelecidas, o que me parece de toda a vantagem, porque é preciso dar unidade à direcção da instrucção dentro das armas e conservar-lhes o seu espírito, o que é um dos estímulos para a disciplina e para o cumprimento do dever.
Outra alteração essencial à reforma de 1911 — a mais profunda das que proponho — diz respeito à divisão territorial do país. Segundo a divisão territorial actual, a cada grande circunscrição corresponde uma divisão do exército, Pela minha proposta essa correspondência deixa de existir.
Entendo que a divisão actual traria grandes dificuldades para a mobilização em caso de guerra. Basta atentar em que algumas dessas divisões actuais têm as sedes em regiões nas quais, dadas as linhas prováveis de invasão do país, seria impossível efectuar-se a mobilização. Pela organização que proponho as divisões territoriais ficam colocadas em circunstâncias de agruparem as unidades conforme as conveniências estratégicas de ocasião. É o critério seguido em França e outros grandes países.
Um dos maiores defeitos da actual organização é que o deminuto efectivo presente nos quadros permanentes das unidades não permite uma eficaz instrução dos quadros e dos especialistas. Não chegam os nossos recursos financeiros para aumentar os efectivos em todas as unidades que presentemente existem e nestas condições entendo que se deve reduzir o número das unidades, porque dessa forma o efectivo orçamental ficará concentrado em núcleos maiores, podendo dar-se, assim, um maior desenvolvimento à instrução dos quadros e dos especialistas, os quais têm um papel preponderante nas operações. Nos grandes países militares todos reconhecem esta necessidade.
Sendo alterada a organização territorial e sendo reduzido o número de unidades, a mobilização tem de ser feita de forma diferente. Conforme as necessidades da defesa se procederá ao agrupamento das unidades mobilizadas em cada região. A mobilização nas regiões militares poderá ser total ou só do pessoal.
Evitar-se-hão de tal sorte deslocações de material e transportes de tropas; que
muito embaraçariam a mobilização das divisões agora existentes.
Outra alteração profunda diz respeito à supressão das unidades de reserva, as quais durante a última guerra foram empregadas indistintamente ao lado das do activo.
Deu-se até o caso de os alemães terem empregado primeiro as unidades de reserva na ofensiva inicial da guerra.
Há outra alteração que também me parece necessário justificar: é a que diz. respeito à fusão dos quadros de artilharia de campanha o de artilharia a pó. Não há necessidade da separação dêsses quadros, pois por esta proposta os estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra, serão industrializados e o sou pessoal técnico poderá ser recrutado de entre os oficiais das várias armas que para isso se queiram habilitar.
Creio ter explicado quais os motivos das disposições principais que contêm as propostas que apresento à Câmara.
Estou convencido de que esta proposta e todas as outras que anteriormente apresentei, todas obedecendo ao mesmo pensamento de conjunto, correspondem às necessidades da defesa militar do país. Pode-se discordar delas, mas o que se não pode contestar é que elas constituem uma base séria para a discussão. Que se discutam com largueza sou o primeiro a desejá-lo, porque da discussão pode resultar o aperfeiçoamento de muitos dos seus detalhes. O que tenho direito de esperar é que elas mereçam a atenção da Câmara.
O meu ilustre colega Sr. António da Fonseca fez o ano passado, como Deputado, um estudo notável sôbre o orçamento do Ministério da Guerra, publicando uma série de artigos em que acabou por chegar à conclusão de que era. uma necessidade imperiosa seguir uma política militar firme, que, não só colocasse o exército acima das dissenções partidárias, como lhe dêsse a eficiência indispensável para que êle possa satisfazer as exigências da defesa nacional.
Parece-me absolutamente necessário que assim se proceda, porque, exigindo-se ao país, uma série de sacrifícios para a sua defesa, bom seria que o exercito correspondesse a êsses sacrifícios.
Quando em Inglaterra se discutiu a redução de unidades proposta pela Geddes
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Comission, o marechal Sir Henry Wilson, chefe do estado maior imperial britânico, disse que os exércitos deviam servir para impedir a guerra, e se o não pudessem fazer, então o sou papel seria vencer a guerra.
O que se não admitia-era que se tivesse um exército para perder a guerra.
Ora fazendo o país um sacrifício financeiro de mais do 200:000 contos por ano e fazendo-se, além disso, perder ao país a actividade de milhares de braços, nós temos um exército para perder a guerra.
Tem-se seguido uma política de rega-bofe nas cousas militares, política de que o parlamento tem tido culpa, caracterizado pelo assalto às promoções. É preciso que as cousas se modifiquem e que se acabe com processos políticos que nos conduzem ao exagerado número de 1613 oficiais a mais.
Expostas estas considerações, eu estou convencido de que a Câmara apreciará as minhas propostas com a possível rapidez.
É preciso organizar um exército que sirva realmente para a defesa nacional e que seja simultaneamente uma garantia de segurança externa e de ordem interna, e que crie no País as condições de tranqüilidade e de confiança indispensáveis para que a República realize a obra de progresso e de regeneração nacional para que foi implantada, de modo a corresponder aos sacrifícios daqueles que a fundaram e dos que a têm defendido sem nada para si lhe pedirem.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: — Vai entrar em discussão o parecer n.° 442.
O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: há muito tempo que nós, Deputados dêste lado da Câmara, estamos inibidos de aqui tratar, antes da ordem do dia, assuntos de grande interêsse nacional, que nos são impostos pelos nossos eleitores.
Eu desejava que V. Exa. me informasse se é legal êste regime de ditadura em que estamos vivendo.
O Sr. Presidente: — Eu limito-me a acatar as deliberações da Câmara.
De resto, só êste projecto é que prejudica o espaço de antes da ordem do dia.
O Sr. António Maia (para interrogar a Mesa}: — Sr. Presidente: eu peço a V. Exa. a fineza de me dizer se a lei-travão é ou não aplicável a êste projecto.
O Sr. Presidente: — A discussão dêste projecto já decorreu em duas sessões, sem que tivessem sido levantados reparos a êsse respeito; mas a Câmara resolverá se o projecto deve ou não ser considerado como ilegal.
O Sr. António Maia: — A lei n.° 954 diz claramente que nenhum Deputado pode apresentar qualquer projecto que traga aumento de despesa.
Portanto, creio que V. Exa. não tem senão que retirar êste projecto da discua-
O Sr. Presidente:.— Como disse a V. Exa., a Câmara resolverá, tanto mais que se trata da continuação duma discussão.
O Sr. António Maia: — Não pode ser! A lei-travão tem de ser cumprida!
O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: no Diário do Govêrno, hoje distribuído, encontra-se um decreto que manda sustar todas as ordens de pagamento relativas a quaisquer leis votadas no Parlamento, desde que não haja uma receita compensadora e eu desejava saber se êste projecto tem alguma receita que compense & despesa que acarreta. De contrário, êle não é exeqüível.
O Sr. Ministro do Comercio e Comunicações (António da Fonseca): — Sr. Presidente: eu poderia limitar-me a responder ao Sr. Carvalho da Silva que transmitirei as considerações de S. Exa. ao Sr. Ministro das Finanças, certo de que êste meu colega do Govêrno dará sôbre o assunto as mais cabais e amplas explicações, de molde a satisfazer não só o Sr. Carvalho da Silva, mas toda a Câmara.
O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — O que eu desejava era saber se o Govêrno executa ou não êste projecto, desde que êle seja convertido em lei.
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O Orador: — O Govêrno não pode declarar à Câmara que dará ou não cumprimento a uma determinada lei, sob pena de fazer uma ameaça à liberdade que o Parlamento tem de legislar à sua vontade.
Pode interpelar-se o Govêrno acerca actos que praticou, mas nunca acerca das suas intenções.
O Parlamento, na sua soberania, pode votar como entender.
O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — Mas V. Exa. não garante ao Parlamento que o Govêrno há-de cumprir as leis que aqui forem votadas.
O Orador: — Não quero, nem posso fazê-lo, pela simples razão de que a lei-travão obriga o Govêrno a suspender todos os diplomas quê forem contrários às suas disposições.
Se o Parlamento aprovar qualquer projecto de lei pelo qual o Poder Legislativo fique autorizado a suspender todas as leis desde õ de Outubro de 1910, o Govêrno aceitará essa indicação.
Eu creio que assim tudo se concerta.
O Sr. Carvalho da Silva: — O Govêrno é que não tem concerto!...
O Orador: — Salvo o devido respeito, eu creio que V. Exa. é que está um pouco desconcertado!
Risos.
Mas, Sr. Presidente, a questão é absolutamente simples; pois a verdade é que a lei estabelece que o Govêrno pode deixar de pôr em execução cortas e determinadas medidas que tragam aumento de despesa, fiem compensação de receitas.
O Govêrno tem o direito de fazer isto emquanto o Parlamento não revogar a lei que lhe concede essa autorização.
Nesta altura trocam-se vários apartes que não foi possível reproduzir.
O que eu posso garantir a V. Exa. 6s é que com a viagem do Sr. Presidente da República ao Pôrto se gastou muito menos do que dantes se gastava com qualquer viagem do rei D. Carlos a Vila Viçosa.
Esta é que é a verdade, não havendo mesmo comparações de nenhuma espécie.
Se ainda hoje, Sr. Presidente, existem
algumas irregularidades na República, elas devem-se de preferências aos funcionários que vieram do tempo do antigo regime.
Não pode, pois, haver nenhuma espécie de comparação; pois a verdade é que o regular e bom é a República e o indefensável é a monarquia.
Apoiados.
Sr. Presidente: aproveito a ocasião de estar com a palavra para explicar à Câmara o estado actual dos serviços dos correios e telégrafos.
V. Exas. viam certamente hoje, nos jornais, que eu, com o intuito de esclarecer todo o público português, tive ocasião de fazer uma conferência na Associação Comercial de Lisboa, perante representantes de todos os jornais de Lisboa, sôbre o assunto, tendo-lhes mostrado que não compreendia o movimento da greve contra o Govêrno, pois, a verdade é que o Govêrno estava trabalhando sôbre o assunto; e tanto assim, que a proposta que tive a honra de mandar para a Mesa, já com a assinatura do Sr. Ministro das Finanças, atende em parte as reclamações dos funcionários dos correios e telégrafos.
Vejo, Sr. Presidente, que a comissão de resistência, que não conheço, declarou aos jornais que não há nenhuma espécie de greve, parecendo-me até que esta situação actual representa um certo progresso sôbre a situação anterior.
Como entendo, Sr. Presidente, que o Parlamento tem a obrigação e o direito de conhecer toda a verdade dos factos, de mais a mais tratando-se de um assunto da mais alta importância, não posso deixar de ler à Câmara uma circular que essa própria comissão de resistência distribuiu pelo vário pessoal dos correios e telégrafos.
Essa circular, Sr. Presidente, que eu vou ler à Câmara diz o seguinte:
Circular n.° 2 — Aos chefes do grupo da posta — Cada um dos chefes por si deverá embaralhar o serviço como lhe seja possível, devendo deitar Lisboa para os cestos que se encontram debaixo das divisões para a 3.a Secção.
Devem também trocar o serviço dos distritos de modo a tornar difícil o serviço da divisão.
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Exceptuam-se porém desta ordem os jornais, seja qual fôr a sua política. Quando algum deles atacar a classe não devem de per si proceder, sem que a vossa comissão de resistência ordene.
Para cumprir e fazer cumprir.—A comissão de resistência do C. T.
Mercê de esfôrços, que não tem sido. feitos por mim porque os não tenho podido fazer, visto que do meu gabinete desapareceu inteiramente qualquer comissão de resistência ou administrativa dos correios e telégrafos, e até mesmo a primitiva comissão que me apresentou as reclamações da classe nunca mais a vi, apesar de a ter recebido sempre com a maior correcção, satisfazendo-lhe as reclamações até o ponto devo dizê-lo, para que o país o saiba — de lhe sugerir que para brevidade de resolução do assunto constituíssem os telégrafos-postais uma pequena comissão com carácter particular, concertada com o Sr. administrador geral e Conselho de Administração, por forma a que emquanto o Parlamento estivesse discutindo as suas bases essa comissão fôsse também trabalhando para eu ficar habilitado, no próprio dia em que as bases fossem publicadas, a fazer a publicação das reclamações, e eu creio que nenhum telégrafo-postal era capaz de ser mais urgente para a sua classe do que eu o fui (Apoiados); mas, dizia eu, mercê de esfôrços vários, notavelmente do Sr. administrador geral e do alguns funcionários superiores da Administração, a situação tende a modificar-se, porque são os próprios funcionários que sentem que lhes falta um ponto de apoio sério a justificar a grave complicação que, para a vida particular, para a vida económica e para a vida social, resulta do acto imprudente em que se lançaram.
Apoiados.
E exactamente porque sentem isso e porque voem que da parte do Govêrno, da parte do Estado, de um modo geral se tem procurado atender ao assunto, pois ninguém ignora que o ilustre Deputado, Sr. engenheiro Amorim, tem já elaborado o relatório da comissão de correios e telégrafos desta casa do Parlamento, tendo sido atendidas as reclamações na sua maior parte porque reconhecem isso e apesar de toda a boa vontade
demonstrada em primeiro lugar pela Administração Geral, por mim, em segundo, e pelo próprio Parlamento representado, neste caso, pela comissão de correios e telégrafos—apesar de tudo, os telégrafos-postais, sem se saber porquê nem contra quem, fazem uma greve ou uma espécie de greve, que é das mais graves que só poderia levar a efeito neste momento, por ir alterar profundamente todo o sistema das nossas relações interiores e exteriores.
Apoiados.
Estou, porém, convencido de que os telégrafos-postais, verificando que da parte do Parlamento e do Govêrno havia toda a boa vontade em atender na medida do possível e das condições financeiras do país a todas as reclamações justas, começaram a modificar a sua atitude e a procurar normalizar desde já os serviços telégrafo-postais. E, assim, é com o máximo prazer que ou saliento o espírito patriótico e acendradamente republicano da classe telégrafo-postal.
Apoiados.
Como Ministro do Comércio não posso deixar de louvar a atitude agora tomada pela classe, reconhecendo ela que a sua posição não ora positivamente a mais simpática para a Nação e a que se não coadunava com os seus próprios interêsses.
Êste facto habilita-me a pedir a V. Exa. e à Câmara não só para que a comissão apresente ràpidamente o seu trabalho, mas para que ' só inicie com a possível urgência o respectivo projecto. Faço êste pedido por constatar que foi a classe telégrafo-postal que resolveu espontaneamente mudar de atitude regressando à normalidade de serviços. Não seria eu, Ministro do Comércio, que resolveria um assunto sob pressão ou sob ameaça fôsse de quem fôsse. Os próprios telégrafo-postais serão os primeiros a reconhecer com êste pedido que faço à Câmara que da parte do Govêrno, assim como da parte do Parlamento, só há boa vontade em atender à sua situação, como, do resto, à de todos os outros serventuários do Estado, desde que façam as suas reclamações dentro da ordem, da disciplina e da legalidade e que tenham um fundo de justiça,
Apoiados.
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U se em qualquer outra hora seria intolerável uma greve, no presente momento seria quási um crime.
Muitos apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — V. Exa. podia-me dizer se os empregados telégrafo-postais têm isenção de franquia para a sua correspondência?
O Orador: — Não, senhor!
O Sr. António Maia: — É que eu recebi uma carta com uma circular dentro, trazendo o carimbo dos correios, mas sem estampilha!...
O Orador: — Naturalmente caiu...
O Sr. António Maia: - Não, que o carimbo está intacto!...
O Orador: — Talvez algum engano...
O Sr. Cunha Leal: — Em todo o caso se o não estiverem isentos, nós amnistiamo-los!...
É aprovada a acta.
Admissões
Foram admitidas à discussão as seguintes proposições de lei:
Propostas de lei
Dos Srs. Ministros das Finanças e Guerra, modificando a tabela n.° 4 do decreto n.° 6:570, alterado pela lei n.° 1:039, de 28 de Agosto de 1920, sôbre acumulações.
Para a comissão de guerra.
Dos Srs. Ministros de Guerra e Finanças, determinando que a taxa militar passe a ser do 25$ por ano.
Para a comissão de guerra.
Do Sr. Ministro da Guerra, mantendo os quadros especiais dos oficiais milicianos.
Para a comissão de guerra.
Do mesmo afastando do serviço os oficiais e sargentos que dêle tenham
sido desviados por circunstâncias de diversa natureza.
Para a comissão de guerra.
Do mesmo, criando uma comissão autónoma para administrar o fundo de aquisição de material de guerra.
Para a comissão de guerra.
Do mesmo, regulando a promoção dos oficiais do exército metropolitano. Para a comissão de guerra.
Projecto de lei
Do Sr. Baltasar Teixeira, autorizando a Associação de João de Deus a vender um terreno, que possui Santa Isabel, de Lisboa.
Para a comissão de administração pública.
Pedidos de licença
Do Sr. Paulo Menano, noventa dias. Concedido.
Do Sr. Sousa da Câmara, quinze dias. Concedido.
Nota de interpelação
Desejo interpelar o Sr. Ministro dos Estrangeiros sôbre a sua intervenção no caso de um chá, pertencente a súbditos estrangeiros, que foi leiloado pela Alfândega do Pôrto em 22 de Maio de 1920.— M. Sousa da Câmara.
Expeça-se.
ORDEM DO DIA.
Continuação da discussão do parecer n.° 643
O Sr. Pedro Pita: — Poucas palavras mais, para com elas terminar estas minhas considerações.
Procuro apenas concretizar as considerações já por mim feitas.
Há um facto de que só tive conhecimento depois da sessão em que foi discutida a amnistia. Para êle chamo a atenção de V. Exa. e da Câmara.
Constou-me que no inquérito a que se está procedendo, há indivíduos, embora de fraca categoria que fazem a afirmação de que essa revolução foi feita de acordo com o Govêrno de então, com acusação especial feita ao Sr. Cunha Leal
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então Ministro das Finanças, dizendo-se que o Ministro das Finanças de então tinha como delegado o Governador Civil Sr. António Videira, tendo eu como delegado o secretário dêsse senhor.
Limito-me a declarar a V. Exa. e à Câmara que isto é absolutamente falso. Mas não posso deixar de salientar o que há de grave nesta afirmação para o meu carácter e para o carácter do Sr. Cunha Leal.
Apoiados.
Não creio ainda que aqueles que são meus colegas nesta casa, com cuja camaradagem muito me honro, possam votar um projecto que, pondo ponto final nesta investigação, deixa sôbre a minha cabeça e sôbre a cabeça dos que comigo pertenceram a êsse Ministério a acusação de ter-se conspirado e termos sido os instigadores ou preparadores dessa revolução.
Insisto, Sr. Presidente, pela conclusão dêsse inquérito, que pode fazer-se rapidamente em alguns dias.
Apurem-se as responsabilidades, pois estou convencido de que alguns dos presos não têm responsabilidade.
Apoiados.
Apurem-se ràpidamente, e, depois, dê-se a amnistia se quiserem dá-la. Mas dêem-na àqueles que dela precisem.
Creio-ter acentuado bem que não tenho qualquer propósito de impedir que a amnistia seja dada àqueles que dela careçam.
Apenas pretendo que, a pretexto de se dar a amnistia aos que dela careçam, ela se não dê aos que não a querem nem dela carecem, aos que pelo seu procedimento e carácter são incapazes de ter praticado os actos de que são acusados.
Não quero terminar sem deixar feita uma afirmação: é que dentro desta sala não tenho colegas por quem tenha tam pouca consideração, que fôsse capaz de votar para êles uma amnistia nos termos em que esta foi apresentada.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: a propósito do projecto de amnistia apresentado pelos meus prezados amigos Srs. Agatão Lança e Fausto de Figueiredo, ficarei conhecendo os que dentro desta Câmara tem pêlos no coração e os
que são duma extrema sensibilidade de coração perante determinados elementos que saíram fora da ordem e que se entretiveram, certa noite, nesta pequena blague de disparar tiros que, por acaso, foram cravar-se no solo em uma localidade afastada de Lisboa. A esta simples rapaziada há a acrescentar a morte dum sargento, a pretexto de qualquer cousa, como um ataque à Presidência da República.
Para que se há-de fazer sofrer mais êstes rapazes que fizeram esta rapaziada?
Por que não os havemos de amnistiar, para que se diga que em Portugal, ao amnistiarem os rapazes que João de Carvalho, que foi Ministro da Marinha quando eu era Presidente do Ministério, e homem de carácter por quem tenho muita estima, levou a revoltarem-se?
Para que não incitá-los a continuarem? Digamos-lhes: «Rapazes! continuem ... Dessa vez foram infelizes; aí têm a amnistia; mas depois tudo ainda se remediará».
«O Parlamento, a um Govêrno que dominou uma revolução, não lhe aprovou uma moção de confiança. O Parlamento fez o que vocês não conseguiram nessa noite: deitou a terra o Ministério».
O Parlamento foi tam bom rapaz como o foram os cidadãos que estão presos.
O Govêrno de então reclamou do Parlamento o inquérito à sua obra. O Parlamento votou-lhe a sua desconfiança.
Foram disparados tiros de canhão, numa certa noite; mas êsses tiros não deram resultado algum.
Depois houve uma estranha solidariedade entre o Parlamento e os revoltosos.
Assim eu noto a mesma sensibilidade de coração entre os apresentantes do projecto, os que o votaram e os revoltosos de 10 de Dezembro.
E, àparte esta estranha conexão de sensibilidade, eu noto uma não menos estranha ligação de fins.
O fim era derrubar o Govêrno; e conseguiram-no, não com os tiros que foram disparados sôbre a cidade, mas com os votos nesta casa do Parlamento.
Por conseqüência, a lógica manda que os homens dos votos amnistiem os homens dos tiros. Se isto não é de boa doutrina republicana, é, pelo menos, de boa lógica republicana.
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Neste projecto apresentado pelo Sr. Agatão Lança, que ora veste a farda, para agradar à marinha, ora a despe para igualmente lhe agradar, não há, pois, falta de lógica, mas uma lógica absoluta.
E já que entramos neste caminho da lógica, importa marcar qual será a seqüência desta cadeia do fuzis que teve o seu primeiro elo na queda do Gabinete Ginestal Machado. Será, natural e logicamente, a dos amnistiados se voltarem contra os que os amnistiaram. Uns serão vítimas de assaltos a suas casas, outros assassinados e outros simplesmente apeados do mando político.
Eu tenho a subida honra de pertencer ao número daqueles que são mais odiados. Mas nem mesmo essa circunstância, que muito bem conheço, me impede de afirmar que eu votaria sem hesitações contra a concessão da presente amnistia ainda que o meu nome não estivesse em causa.
Não votei, até hoje qualquer amnistia; não as votarei. As amnistias dá-se em condições absolutamente excepcionais, quando há a certeza de que o castigo sofrido pode de qualquer forma justificar êsse acto de perdão e quando desapareço a possibilidade de reincidência no procedimento inculpado.
Ora nada me diz que tal reincidência não venha a dar-se. Eu sei que, nesta hora, se fala em novas revoltas e em novas conjuras de caserna. Quem quer que vote esta amnistia, no momento em que tal se propala, não passa dum cúmplice da desordem que, embora finja evita-la, pelos seus actos a provoca.
E, assim, quero orgulhosamente afirmar que mesmo que eu não estivesse em causa, eu, não votaria a amnistia. De resto, quem nestas cousas se mete e perde, tem de pagar; pagar é a única doutrina.
Não me revolto contra quem quer que seja, nem atiro pela boca fora sonoros palavrões contra os revoltosos infelizes. O que não posso, o que não quero, é amnistiá-los. Se eu um dia pelos mesmos motivos precisar duma amnistia, não ma dêem, porque não a agradecerei.
Sr. Presidente: a sociedade portuguesa vive entalada entre ódios opostos. Se eu não conhecesse a bravura heróica dessa alma generosa que é Agatão Lança, eu diria que êle procurava com o seu projecto colocar um pára-raios na cabeça.
Não procurou pô-lo, é certo, mas também é certo de que o tem com a sua atitude.
Foi preciso pôr em destaque a posição daqueles que votam contra a amnistia para, mais uma vez, os apontar aos olhos das multidões.
O Sr. Agatão Lança já um dia despiu a sua farda porque, em virtude de certos acontecimentos e por razões louváveis, entendeu que não a devia vestir emquanto não fossem apuradas as responsabilidades de certos factos passados durante êsses acontecimentos.
O Sr. Agatão Lança: — E cumpri.
O Orador: — Como cumpre sempre o que promete.
A sementeira de ódio que estamos lançando, pode amanhã, porventura, envolver de novo uma corporação em acontecimentos análogos aos de então.
Digo bem alto para que todos me ouçam: Não voto esta amnistia! Não a votaria mesmo que não estivesse em causa. Não voto amnistias porque as considero como incitamento à desordem e ao crime.
Apoiados.
Não tenho razões de ódio para adoptar um procedimento dêstes. Se pudesse abstrair das minhas responsabilidades, como Deputado e como político, eu, que não tenho ódio contra ninguém, eu que tive como colega no Govêrno a que presidi o Sr. João Manuel de Carvalho o que tive, então, ensejo de conhecer a excelência das suas qualidades pessoais, eu seria o primeiro a querer que fôsse dada a liberdade aos que estão presos.
Como homem público, tenho de resistir contra os impulsos do meu coração, para mo colocar na posição que me é imposta pelas minhas responsabilidades e que me obriga a dizer, recalcando todos os instintos de generosidade, que é preciso que os homens que fizeram o movimento revolucionário de 10 de Dezembro tenham o devido castigo para que outro 10 de Dezembro se não repita com tanta facilidade.
Não voto em circunstância nenhuma qualquer projecto de amnistia.
Dizem que estou em causa. Não sei, nem me importa sabê-lo!
As amnistias, repito, são um incita-
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mento à prática de novos actos revolucionários, feitos a maior parte das vezes sem objectivo e som finalidade. Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: a nossa atitude nesta Câmara, demonstra sobejamente que da nossa parte não há ódios contra adversários políticos.
Respeitamos todos aqueles que honesta e sinceramente se batem pelos seus ideais políticos.
Não é, portanto, o facto de a amnistia proposta nesta Câmara ser a favor de indivíduos que defendem um ideal diverso do nosso, que nos leva à atitude do sermos contrários à concessão dessa amnistia.
Em geral não somos contrários à concessão de amnistias; simplesmente nos pode interessar a sua oportunidade.
Se o movimento de 10 de Dezembro tivesse sido um movimento revolucionário, vencido e tivessem desarmado aqueles que nele tomaram parte, nós talvez não tivéssemos dúvida em votar uma amnistia para esses revolucionários. Se uma amnistia é sempre conveniente pela circunstância de restabelecer a harmonia entre os filhos do mesmo país, também pode ser inconveniente quando sé dê o caso de os revolucionários não terem desarmado.
Ora ainda hoje aqui foi dito que não é para surpreender que o movimento de 10 de Dezembro tenha sua verdadeira eclosão numa data muito próxima.
Nestas condições, a concessão de uma amnistia pode ser prejudicial à causa da ordem tam necessária no País.
Querendo a República ser considerada como um sistema político organizado, não compreendo que os seus homens possam considerar a amnistia para um delito revolucionário cometido em 10 de Dezembro, cousa diversa de uma amnistia a conceder a um delito de revolução que foi praticado numa data muito mais afastada.
O Parlamento ao votar êste projecto, vai ter ensejo do demonstrar que, realmente, o que pauta o procedimento dos Deputados republicanos é o respeito pela igualdade perante as leis, pouco importando tratar-se de monárquicos ou republicanos.
Dar aos republicanos o direito de fazerem revoluções e entender-se que só os monárquicos não têm o direito de se manifestarem, é o caso de a Kepública nH.o considerar um delito atentar contra a ordem.
E então, temos que concluir que a República é um regime para o qual a ordem não constitui factor digno de ser considerado.
Não compreendo como, apresentando um projecto de amnistia por um crime de revolução, os seus autores, sabendo que há muitos anos estão portugueses privados de residir no seu país, estabelecessem uma excepção, não propondo uma amnistia também para êles.
Tenho ouvido nos últimos dias citar os serviços que têm prestado à República os acusados dos acontecimentos de 10 de Dezembro contra os quais não tenho nenhum ódio; mas com muito orgulho digo. e tenho a honra de afirmar, que não sei por que não se há-de conceder a amnistia e ter em consideração também os serviços prestados ao país, honrando a sua história militar e defendendo a integridade da Pátria, por êsses a que me quero referir, entre os quais há um português dos mais ilustres e dignos e quê arriscou muitas vezes a sua vida nas colónias: — Henrique de Paiva Couceiro.
Pregunto se já se esqueceram os serviços por êle prestados em companhia de António Enes, cuja obra tantas vezes tenho visto louvar nesta Câmara.
Acaso os serviços dêsse grande português podem ser considerados inferiores aos que fizeram uma revolução republicana?
É indispensável que o Govêrno se pronuncie claramente sôbre factos desta ordem.
Apoiados.
Mas há mais:
Desta Câmara fazem parte homens que prestaram também serviços nas colónias; e eu presunto se algumas dessas pessoas pode contestar os serviços prestados por Paiva Couceiro, que pode ser o orgulho da Pátria que o tem por filho.
O Sr. Brito Camacho (interrompendo): — Quando a República queria oferecer o
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Govêrno de Angola a Paiva Couceiro, êle ia para a Galiza, como sabe.
O Orador: — Se Paiva Couceiro não aceitou o convite da Republica para ir para Angola, isso só prova a integridade do seu carácter, nos tempos em que já se olhava simplesmente ao interêsse. Entendeu Paiva Couceiro que, procedendo como procedeu,, melhor defendia os interêsses da Pátria.
Sr. Presidente: depois das palavras insuspeitas do Sr. Brito Camacho, a Câmara não pode hesitar em considerar que os serviços prestados por Paiva Couceiro são daqueles que devem ser considerados por todos e em todos os momentos.
Sr. Presidente: as razões alegadas no parecer favorável ao projecto do Sr. Agatão Lança, significam incontestavelmente que a comissão de legislação criminal desta Câmara não pode deixar de ser favorável a defender uma amnistia concedida aos grandes portugueses, entre êles Paiva Couceiro, que estão impedidos de viver no território da República.
Não quero tomar muito tempo à Câmara; mas não posso deixar de pôr em relevo estas circunstâncias para justificar um artigo novo que ao projecto vai ser apensionado, se êle fôr aprovado na generalidade, por parte dêste lado da Câmara.
Nunca os monárquicos portugueses, por qualquer sentimento de política mesquinha, se absterão de prestar ao seu país todos aqueles serviços que entendam dever prestar-lhe, como é dever de todos os portugueses.
Sr. Presidente: como na discussão na generalidade ainda há-de usar da palavra o meu querido amigo Sr. Cancela de Abreu, eu não quero cansar a atenção da Câmara, julgando, de resto, ter dito o bastante para que a Câmara saiba a nossa opinião e o significado que pode ter a sua votação acerca dos novos artigos propostos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: é sem revolta que vou ocupar-me dêste assunto, mas cheio de tédio o aborrecimento. Antes de iniciar as minhas considerações, aproveito o ensejo de ver pre-
sente o titular da pasta da Marinha, para lhe pedir o favor de dizer à Câmara, e, portanto, ao país, o que pensa S. Exa. sôbre êste momentoso assunto. Desta maneira, permita-me V. Exa., Sr. Presidente, que eu interrompa as minhas considerações para permitir ao Sr. Ministro da Marinha que me responda, esclarecendo a Câmara e o país.
O Sr. Ministro da Marinha (Pereira da Silva): — Sr. Presidente: não só pelo motivo de ter sido interpelado, como também pela circunstância de se tratar duma amnistia a militares da armada; é de meu dever dizer à Câmara o que penso sôbre o assunto em discussão.
Começo por dizer à Câmara que, sendo Ministro duma pasta militar e não tendo preparação política, só considerandos de ordem militar posso fazer. E, assim, devo informar a Câmara de que não há nenhum considerando de ordem militar que possa conduzir à amnistia. (Apoiados}. Só considerandos de ordem política podem conduzir a êsse facto. Peço por isso à Câmara me desculpe de não ter a maleabilidade intelectual suficiente para a acompanhar nos considerandos de ordem política que pretendem justificar a amnistia.
Mas eu entendo que, tendo sempre cultivado a lealdade como uma primeira virtude, não devo esconder-me nesta simples afirmação. Devo dizer tudo quanto tenha na minha consciência para dizer. Assim, devo dizer à Câmara que julgo que as amnistias só se aplicam a condenados, e não se justificam para presumidos delinquentes. Ora a actual situação dos interessados na amnistia é a de presumidos delinquentes.
Apoiados.
Mas ainda não devo ficar por aqui; devo dizer que mesmo pelo lado moral me parece que uma amnistia, aplicada sem se saber quem são os inocentes e os culpados, é duma certa gravidade, porque os inocentes naturalmente se julgarão atingidos na sua honra por terem sido perdoados, quando de perdão não precisam.
Apoiados.
Também devo dizer, apenas como opinião pessoal e uma intenção de carácter ponderativo, que entendo que, quer se trate de revoluções ou guerras civis,
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ou de quaisquer outras formas de luta, as conseqüências naturais são: para os vencedores todas as vantagens e direitos que resultara da vitória, e para os vencidos o sofrimento das conseqüências do seu revés, havendo que prestar tanto mais respeito a êstes quanto maior é a, altivez e o desassombro como sofrem as conseqüências dêsse revés. Mas pretender implantar em Portugal um sistema pelo qual os revolucionários quando fazem uma revolução, sendo vencidos, são perdoados, e sendo vencedores esmagam e dominam, parece-me mal. Tal sistema não pode convir à ordem social o bem do país, não concorrendo para manter a disciplina nas fôrças militares.
Apoiados.
Não posso ir mais longe nas minhas considerações. As de ordem política naturalmente sobrelevam estas; mas a Câmara sabe muito melhor do que eu ponderá-las.
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: agradeço, reconhecidíssimo, ao Sr. Ministro da Marinha as suas palavras, e faço-o como português, mal habituado a ver nesta pobre terra homens que tenham a coragem moral de S. Exa. As suas considerações definem um carácter, um homem de bem e um autêntico português e militar.
Nesta hora que passa, mais difícil se torna encontrar homens com a envergadura moral de S. Exa.
Dignificou S. Exa. o lugar que ocupa; e eu orgulho-me, como português, nesta hora de descrença, de ver que ainda há portugueses sabendo honrar o seu nome e o lugar que ocupam.
Mas quero pôr em confronto as declarações de S. Exa. com as do Sr. Presidente do Ministério. Que triste espectáculo que o Sr. Presidente do Ministério deu, procurando encobrir e tornar-se cúmplice dum acto de indisciplina, vindo por outro lado um seu colega de Gabinete demonstrar exactamente o contrário! Se eu me tinha enchido de tédio e aborrecimento, para não dizer de nojo, com as declarações, do Sr. Presidente do Ministério, fiquei plenamente satisfeito com as considerações do Sr. Ministro da Marinha.
Disse e muito bem o Sr. Ministro da Marinha que era necessário que a disci-
plina e a ordem se restabeleçam, e que aqueles que se lançam em aventuras revolucionárias não tenham tudo a ganhar, como se pretende, com o projecto em discussão.
Por esta forma, os vencidos nada perdem; e, se porventura ficam vencedores, só servem para tomar de assalto os empregos públicos para os quais não têm competência.
O Sr. Ministro da Marinha honrou-se dizendo o que disse; porque é necessário que acabe essa tragédia dos revolucionários civis.
Isto não pode continuar assim.
A atitude nobre do Sr. Ministro da Marinha veio trazer ao meu espírito, já há muito cheio de desânimo, um pouco de coragem que já me faltava.
Êste projecto de lei representa uma falta de respeito pela dignidade alheia, porque não permite o apuramento das responsabilidades, quando pode haver inocentes que não necessitam do perdão.
Custa a acreditar que o Sr. Presidente do Ministério tivesse afirmado que a amnistia era necessária.
O Sr. Carlos de Vasconcelos (interrompendo): — O Sr. Presidente do Ministério não afirmou que a amnistia era necessária, mas que, se a Câmara a julgar útil, êle não via inconveniente em que se concedesse.
O Orador: — É a mesma cousa. O Sr. Presidente do Ministério devia ser o primeiro a opor-se a que ela fôsse concedida, mostrando à Câmara os seus inconvenientes.
Eu quero falar ainda como testemunha presencial de alguns factos.
Todos conhecem a entrevista que o comandante Carvalho concedeu a um jornal de Lisboa, dizendo que no dia em que fôsse julgado diria quais foram os elementos que estavam comprometidos no movimento e faltaram.
Há jornais que se fizeram eco de uma infâmia, acusando o próprio Govêrno ou alguns dos seus membros de estarem ligados, ao movimento.
É isto que é necessário apurar, para honra de nós todos, para que não fique uma vaga suspeita ou alguma cousa da calúnia.
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Como testemunha dos factos que presenciei, vou contar o que vi, para que se faça luz e para que o País o saiba.
Sr. Presidente: saía eu da Câmara quando se ouviram os tiros; mas como já estou acostumado a essas manifestações, fui para casa jantar tranqüilamente. Dirigi-me depois ao quartel do Campolide onde encontrei o Govêrno no seu lugar, dando ordens terminantes para só reprimir o movimento.
Como V. Exa. sabe e sabe o País, era já bem de noite quando os tiros soaram.
Não foi fácil ao Govêrno saber e determinar cora rigor quem se tinha indisciplinado, quem tinha mais uma vez provocado a revolta, prejudicando assim os interêsses da Nação.
Cerca da uma e meia, o ilustre Presidente do Ministério, Sr. Dr. Ginestal Machado, telefonava para a Presidência da República — ouça bem a Câmara e ouça bem a imprensa para que o comunique ao País — cêrca da uma e meia, repito, o Sr. Presidente do Ministério telefonou para a Presidência da República comunicando ao Chefe do Estado que tinha na sua mão os elementos de ordem necessários para jugular o movimento e que àquela hora o supunha absolutamente dominado.
Pois, Sr. Presidente — cousa assombrosa!— dez minutos depois, estando reunido o Conselho de Ministros num gabinete ao lado, foi o Sr. Presidente do Ministério chamado ao telefone sendo-lhe comunicado da Polícia de Segurança do Estado haver conhecimento de que o Chefe do Estado tinha passado do automóvel em Alcântara, dirigindo-se ao Corpo de Marinheiros.
Isto, Sr. Presidente, dez minutos depois do Sr. Presidente do Ministério ter comunicado ao Chefe do Estado que considerava jugulado o movimento.
Passado algum tempo, o Chefe do Estado pede ainda autorização ao Sr. Presidente do Ministério para ir a bordo do Douro, barco que estava revoltado.
É realmente assombroso que o Sr. Presidente da República, depois de saber que estava tudo dominado, andasse a passear pela cidade como se isso fôsse a cousa mais natural, procurando ainda ir a bordo do Douro, não sei para quê.
Desafio quem quer que seja que desminta êstes factos.
Sr. Presidente: tudo isto veio a propósito do projecto em que se procura encobrir a verdade, em que se procura lançar lama sObre homens cujo carácter, cuja dignidade o espírito de sacrifício à causa da República e da Pátria estão acima de toda a suspeita.
Ah, Sr. Presidente, por muito que eu esteja costumado às cousas mais assombrosas, às cousas mais extravagantes, nenhuma me enojou tanto como êsse desenrolar de factos e do acontecimentos, cujo complemento é êste projecto que está em discussão o que para honra da Câmara não devia ter sido sequer admitido à discussão emquanto as responsabilidade» não estivessem apuradas.
Sr. Presidente: esta amnistia tem tantos inconvenientes que até vai de encontro, como uma censura, àqueles elementos que souberam dignamente obedecer a quem do direito.
Assim, muitos daqueles que depois de noites perdidas, sofrendo frio e os acasos da sorte, se bateram nobremente no seu pôsto acabarão por reconhecer que não merece a pena cumprir o seu dever, porque o cumprimento do dever parece mais um motivo para censura, do que para elogio. Penso a Câmara em tudo isso, porque é mester que pense.
Os instrumentos de ordem precisam ser auxiliados e fortalecidos; e não é com exemplos desta ordem que se conseguirá obter a obediência necessária a quem de direito.
O regime em que temos vivido não pode por forma alguma continuar, porque seria estabelecer como uma norma que os movimentos revolucionários seriam como que um modo de vida para conquistar um lugar para cujo desempenho muitas vezes não só tem autoridade moral. Acabe-se com isso; é urgente que assim se proceda.
De novo presto homenagem às palavras do Sr. Ministro da Marinha, que falou como um militar cumpridor e disciplina-dor e mais ainda como português que quero ver honrado e dignificado o lugar que ocupa, exactamente porque só julga com direito a ocupá-lo.
Sr. Presidente: casos desta ordem, como muito bem disseram os meus ilustres colegas Srs. Pedro Pita o Cunha Leal? não se resolvem com sentimentalis-
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mos piegas:—resolvem-se com inteligência, com cabeça.
Deixando nós que o crime fique impune só damos motivo e estímulo a novos crimes. Se assim se proceder, eu profetizo para dentro em breve uma nova revolução.
Segundo noticiaram os jornais, no Congresso Radical há pouco realizado na cidade do Pôrto ficou nomeada uma comissão para tratar de organizar uma nova revolução.
Veja V. Exa., Sr. Presidente, a que tudo isto nos pode conduzir.
Sr. Presidente: como eu desejo que o Parlamento produza alguma cousa de útil, e ainda para que a Câmara não torne a ser roubada em muitos dias de trabalho, e visto eu ainda profetizar que dentro em breve estaremos a contas com outro projecto de amnistia, peço licença à Câmara para mandar para a Mesa um artigo novo a adicionar ao projecto em discussão, amnistiando desde já todos os implicados nas futuras revoluções.
Só assim o problema seria resolvido de forma a trazer aos espíritos maior tranqüilidade, pela certeza da impunidade absoluta.
Terminando, Sr. Presidente, eu entendo que o Parlamento muito se honrará rejeitando o projecto em discussão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso): — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de lei, para a qual peço a urgência.
Trata-se de melhorar os vencimentos da polícia de segurança, que está lutando com dificuldades enormes, estando o País ameaçado de ficar sem polícia se de alguma maneira não ocorrermos às suas necessidades.
Juntamente com êste aumento dos vencimentos à polícia é criada a receita para satisfazer esta despesa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovada a urgência.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: sou absolutamente contrário à amnistia.
Não me move a mais pequena má vontade contra aqueles que fizeram a tenta-
tiva revolucionária de 10 de Dezembro; e, para o provar, eu mandarei para a Mesa um projecto de substituição, que é absolutamente lógico.
Se o Parlamento entende que há necessidade absoluta de que êsses marinheiros sejam postos em liberdade, dêm-lhes a liberdade, colocando-os na situação de aguardarem o julgamento; mas não se vote uma amnistia a quem não é senão presumido delinqüente.
Se o Parlamento vê que tem necessidade de pôr imediatamente na rua êsses marinheiros, então que haja a coragem de abertamente trazer ao Parlamento um projecto de lei permitindo que êles aguardem em liberdade o seu julgamento; porque é verdadeiramente um insulto dar a amnistia a quem dela não precisa.
Não me move, repito-o, qualquer espécie de má vontade contra êsses marinheiros, mas entendo que as cousas devem fazer-se com ponderação e critério.
Conceder a amnistia a quem não é delinquente constitui um insulto. Averigúem-se, primeiro, as responsabilidades, e, depois, proceda-se como o exigirem as necessidades políticas.
De resto, Sr. Presidente, com estas constantes amnistias estamos cavando cada vez mais fundo a anarquia e procedendo contra a segurança da ordem pública.
Não voto portanto esta proposta de amnistia, e marido para a Mesa um projecto para o qual requeiro a urgência e dispensa do Regimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O projecto é o seguinte:
Proposta de substituição
Artigo 1.° A todos os presumidos delitos de crime de rebelião, praticados em 10 de Dezembro de 1923, é permitido aguardar em liberdade o seu julgamento.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário. — António Maia.
Foi concedida a urgência e dispensa do Regimento, a êste projecto, que entrou em discussão conjuntamente com a proposta de amnistia.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: está em discussão um projecto do lei destinado a conceder a amnis-
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tia aos revolucionários de 10 de Dezembro do ano passado.
Os marinheiros portugueses têm tido já em várias ocasiões ensejo de constatar que os representantes da causa monárquica não têm contra êles a menor má vontade.
Ainda no ano passado, quando nesta casa do Parlamento se discutiu uma proposta de lei destinada a melhorar os vencimentos das praças de marinha portuguesa, eu tive a honra de falar em nome dêste lado da Câmara e de dizer, clara e abertamente, que estendia que aos bravos marinheiros portugueses devia ser concedida aquela remuneração indispensável ao seu sustento.
Eu tive então ensejo de dizer aqui que, se era certo que não podíamos esquecer que houve alguns marinheiros que tomaram parte na carnificina do 19 de Outubro, não esquecíamos também a forma nobre é generosa como os marinheiros portugueses se portaram quando escalaram a Serra de Monsanto e tomaram a atitude de defesa dos monárquicos que ali se encontravam.
Mas há mais.
Nós não ajuizámos do valor, da coragem o dos serviços dos marinheiros apenas porque êles escalaram Monsanto, porque êles combateram, no 5 de Outubro e no norte, contra os nossos correligionários.
Nós tivemos ocasião de apreciar ainda mais essas qualidades na maneira como êles combateram em África, em defesa da bandeira portuguesa.
Nós avaliamos da bravura dos marinheiros portugueses na heróica façanha de Carvalho Araújo, no mar, contra os alemães.
Nós admiramos o valor dos nossos marinheiros, não porque combateram no Rato e foram vencidos, não porque combateram em Monsanto e foram vencedores, mas porque ao lado de Azevedo Coutinho lutaram em África, envolvidos no, bandeira azul e branca.
Eis como nós apreciamos os marinheiros portugueses.
De maneira que o facto de não votarmos a amnistia não representa da nossa parte, nem podia representar, o menor ressentimento contra os marinheiros portugueses porque sejam republicanos ou porque sejam monárquicos.
A atitude dêste lado da Câmara foi definida claramente em palavras nobres e alevantadas por parte do meu ilustre amigo Sr. Carvalho da Silva.
E depois do ouvir as declarações do Sr. Ministro da Marinha, tam nobres e claras, feitas de maneira tam impressionante, que são podiam deixar de merecer o nosso louvor, nós não temos mais que abordar êste assunto, não precisamos fazer mais considerações, bastando-nos ao final usar do nosso voto em harmonia com a nossa maneira de pensar.
Não se procurem, estabelecer confrontos entre situações e factos que os não merecem, não se procure estabelecer paridade entre situações passadas em relação a amnistias dadas a monárquicos que não eram pretendidos delinqüentes, que estavam já condenados havia anos e que tinham sido postos em condições de poderem receber uma amnistia.
Disse, e muito bem, o Sr. Ministro da Marinha que a amnistia era para os condenados e que os marinheiros ainda o não estavam, que a amnistia podia ser até ofensiva para os próprios marinheiros que se reputassem inocentes.
Não se pode amnistiar quem não é culpado; e os tribunais ainda não apuraram a quem pertencem as culpas do movimento de 10 de Dezembro.
Posta a questão nestes termos, desejo referir-me de novo, como base do artigo que vou mandar para a Mesa, a um assunto já versado pelo ilustre sub-leader da minoria monárquica.
Por motivo do artigo 3.° da lei n.° 1:144, de 9 de Abril de 1921, foram expulsos de Portugal e encontram-se ainda homiziados nove portugueses, alguns deles sobejamente conhecidos e que de modo algum podem permanecer nem mais uma hora nesta situação, desde que o projecto de amnistia seja aprovado.
Pelo decreto de 23 de Abril daquele mesmo ano, foram interditados do residir no território da República Portuguesa, durante oito anos, alguns monárquicos portugueses.
Êstes indivíduos, à data em que foram proscritos, achavam-se já presos há dois anos e, tendo decorrido já três anos após esta expulsão, há cinco anos que estão expiando pena como conseqüência do movimento revolucionário do norte.
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Na sessão de 6 do Abril do ano passado tive a honra do mandar para a Mesa, assinado por todos os Deputados da minoria monárquica, um projecto que se destinava a conceder a amnistia a êstes nove proscritos, em comemoração do 9 de Abril que se seguia. Nas considerações feitas ao respectivo relatório fundamentámos largamente esse projecto, alegando não só sua constitucionalidade, mas também as razões de ordem moral, jurídica, que justificavam a sua aprovação.
Os delitos de Monsanto e do Norte foram amnistiados; mas, quanto aos nove proscritos, não só se não deu a amnistia, mas até a prisão de oito meses foi agravada para o desterro de oito anos. São desta fôrça as amnistias que por vezes se concedem aos monárquicos, e, sobretudo, a determinados monárquicos que, pela sua categoria social, pelo seu valor, pela sua valentia, põem em respeito os seus adversários ou contra quem se aproveita a oportunidade para exercer perseguições pessoais. Entre os nove proscritos há alguns quási desconhecidos e até, em relação a António Rodrigues, para se saber bem de quem se tratava, se mencionou que era o secretário de Solari Alegro. Toda a gente disse, e é um facto Constatado, que alguns dêstes indivíduos foram expulsos por imposição de certos políticos que ocupavam então as cadeiras do Poder. Ainda hoje se afirma que, se não é interrompida a proscrição de Paiva Couceiro e dos seus oito, companheiros, não é só por receio dêsses homens, mas também, porque certos estadistas da República pretendem, cevar sôbre êles o seu ódio. Não acredito que assim seja, pois não quero crer que haja homem cujo espírito de vingança seja tam mesquinho que se exerça sôbre indivíduos, alguns bem-desgraçados, que há tanto tempo se encontram expulsos para além das fronteiras portuguesas. Se alguns para essa expulsão contribuíram, decerto já estão arrependidos do que fizeram e dispostos a conformar-se com as decisões que a Câmara tome no sentido de pôr termo a esta situação.
Ninguém ignora que os indivíduos a que especialmente eu me quero, referir são os
Srs. Guimarães e Solari Alegro. Está, pois, à prova o desinteresse de certos homens.
Ao projecto que então mandei para a Mesa deu a comissão de legislação criminai parecer contrário; mas não se suponha que essa comissão se pronunciou sôbre a justiça e oportunidade da amnistia. A comissão, da qual foi relator o Sr. Carlos Pereira, limitou-se a apreciar a constitucionalidade da lei, a legalidade do procedimento do Govêrno ao decretar a expulsão, mas não fez a menor consideração sôbre a justiça, e oportunidade do projecto.
Sendo assim, como neste momento se não discute propriamente â constitucionalidade e a legalidade da lei n.° 1:144, nem se trata de apreciar se o Govêrno foi justo ou injusto ao expulsar êstes indivíduos, parece-me que o parecer da comissão de legislação criminal em nada pode influir no espírito da Câmara ao votar, o artigo novo que vou ter a honra de mandar para a Mesa.
Eu estou certo de que a Câmara reconhecerá que cinco anos é um período bastante para proscrição daqueles que foram vencidos e que hoje se encontram, longe das suas terras.
Estou certo de que a Câmara achará bastante a expiação para Paiva Couceiro e para aqueles que o acompanharam.
E certamente, não será o terror ou o espírito de mesquinha vingança que fará com que a Câmara negue o seu voto ao artigo novo que vou mandar para a Mesa e que peço para ser considerado na devida altura.
O orador não reviu.
Leu-se e foi admitido.
É o seguinte:
Artigo novo. Fica revogado o artigo 3.° e seus parágrafos da lei n.° 1:144, de 9 de Abril de 1921, e é declarado sem efeito, desde a data da publicação desta lei, o decreto de 23 de Abril de 1921, publicado em 29 do mesmo mês que interdita de residência no território do Continente, por espaço de oito anos determinados indivíduos. — Paulo Cancela de Abreu.
O Sr. Lino Neto: — Eu sou em princípio pelo perdão, pelo esquecimento, dos erros ou faltas que foram praticados, muito principalmente quando dessas faltas não tenha resultado dano.
O ilustre Deputado Sr. Agatão Lança começou por afirmar que a sua proposta
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de amnistia tinha por fim reconciliar a família portuguesa.
Nestas condições, peço licença, por parte da minoria católica, para enviar para a Mesa a seguinte proposta de substituição:
Ficam amnistiadas todas as pessoas de delitos de carácter político ou religioso dos quais não tenham Resultado prejuízos para terceiros, nas suas pessoas e bens.— Lino Neto — J. Dinis da Fonseca.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi lida na Mesa e admitida a proposta do Sr. Lino Neto.
O Sr. Nuno Simões: — Sr. Presidente: coerente com as afirmações que fiz nesta Câmara, quando se discutiram as razões do movimento de 10 de Dezembro e quando aqui foi apresentado o projecto do Sr. Agatão Lança, tenho que declarar que me parece absolutamente fora de propósito o projecto em discussão. E digo «fora de propósito», não porque me mova qualquer má vontade contra os que em 10 de Dezembro entenderam manifestar o seu desacordo com a marcha dos negócios públicos, mas porque se fizeram, aqui e lá fora, acusações de vária ordem, dando como autores e cúmplices do movimento pessoas altamente colocadas na política portuguesa.
Assim, parece-me inconveniente dar-se uma amnistia, sem primeiramente se averiguarem todas as responsabilidades.
Entendo, porém, que não há o direito de manter presos cidadãos, prolongando-se indefinidamente as averiguações, e sabendo-se que pessoas arguidas de terem tomado parte no movimento não se encontram presas.
Não podendo votar o projecto do Sr. Agatão Lança, votarei com prazer aquele que foi apresentado pelo Sr. António Maia, que visa a dar liberdade condicional às pessoas arguidas de terem entrado no movimento. Sobretudo, pretende-se com êsse projecto o completo esclarecimento da verdade sôbre o movimento.
Votando êsse projecto, tenho a certeza de que cumpro um dever de republicano; porque, Sr. Presidente, mal nos vai a todos se continuarmos a procurar prestigiar o Poder e a dignidade do Estado da
maneira que se está vendo que se pretende fazer.
Sr. Presidente: creio que a Câmara se honrará fazendo sentir ao Poder Executivo que é sua obrigação fazer terminar o mais ràpidamente possível o inquérito sôbre o 10 de Dezembro.
Sr. Presidente: o Sr. António Maia, trazendo à Câmara o seu projecto de lei, agora em discussão, conjuntamente com o dos Srs. Agatão Lança e Fausto de Figueiredo, prestou um serviço que temos de reconhecer; pois a verdade é que faz considerar à Câmara o respeito que deve ter pela liberdade dos cidadãos, e faz ponderar ao País que ao Poder Executivo cumpre ter aquele respeito que deve pela independência da Justiça.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: eu vou em breves palavras dizer à Câmara as razões porque voto contra o projecto que se discute.
Sr. Presidente: de um modo geral, eu penso que a função constitucional do Poder Legislativo, concedendo amnistias, só se justifica em casos graves, em que realmente a ordem social e a estabilidade própria da Nação possam ter de aproveitar.
Sr. Presidente: todos aqueles que são republicanos sentem que nestes 13 anos de República a ordem social e política tem sido perturbada devido aos movimentos revolucionários.
Sr. Presidente: se não fossem as amnistias a êsses movimentos revolucionários, talvez que alguns deles se tivessem evitado.
Apoiados.
Emquanto nós não tivermos tempo para nos esquecermos deles, votando amnistias, êsses movimentos cada vez hão-de ser mais.
Durante alguns anos eu conservei de memória o número de amnistias que aqui se concederam a propósito e a despropósito dos mais variados factos da nossa vida política e pública.
Êsse número, que agora não tenho já presente, é avultadíssimo.
Eu sei que a seguir à implantação dum regime não é razoável exigir-se aquela fixidez de proceder e de normas que pó-
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de ter um regime já estabelecido, com costumes já firmados e com uma vida tranqüila de anos.
Sei isso.
Mas, dando êsse desconto e contando já com a perturbação normal resultante de uma mudança de regime, nós exageramos imensamente no exercício da nossa faculdade de amnistiar.
Sobem com certeza a algumas dezenas as amnistias concedidas, e, dessas, creio bem que melhores dias tinham advindo à República se tivéssemos recusado pelo menos dois terços.
Sr. Presidente: o considerando inicial do projecto assenta sôbre um êrro certamente inspirado pelos melhores sentimentos e pela idea de uma justiça perfeita e completa das autoridades republicanas para com todos, mas em todo a caso um êrro.
Se as autoridades policiais, se os oficiais encarregados de investigarem a respeito de qualquer crime, dessem ouvidos às declarações que, voluntariamente, lhes vai fazer qualquer indivíduo — onde iria a segurança?
O Sr. Agatão Lança: — V. Exa. sabe a alta consideração que por si tenho como integérrimo juiz, mas os regulamentos militares estão em oposição à opinião de V. Exa.
Permito-me observar que em todos os regulamentos militares, quer portugueses, quer de outros países estão consignadas disposições que rondam levantar auto logo que o militar confessa o crime.
O Orador: — Não conheço os regulamentos militares a êsse respeito, nem mesmo os estudei. O que posso afirmar o que é princípio geral e corrente que a confissão do indivíduo não basta para ser condenado ou arguido de um facto.
E se todas as estações incumbidas de Investigar qualquer crime mandassem encarcerar todos os que aparecessem a confessar-se réus de qualquer crime, haveria, infelizmente, muita gente que aproveitaria isso como modo de vida para ter cama, mesa e habitação por conta do Estado.
Sei que à polícia se apresentaram indivíduos dizendo: «Nós é que somos os responsáveis».
O Sr. Agatão Lança: — Não foram só à polícia, foram também às autoridades militares; foram procurar o Ministro da Guerra, e de tudo isso não se levantou auto algum.
Houve até um oficial superior do exército que prendeu outro oficial, mandando-o depois para casa, e igualmente não se levantou auto dêsse facto.
O Orador: — Mas pelo facto de se ter procedido irregularmente, não se levantando auto contra A, B ou C, pode concluir-se daí que devemos amnistiar, como êsse A, B ou C, todos os demais que entraram no movimento?
Creio que nada justificaria um tal modo de proceder.
Se só alguns dos responsáveis por um acto criminoso estão presos, o que há a fazer é que a respeito da cumplicidade dos outros se investigue. Amnistiar é que não faz sentido.
Há efectivamente pessoas com responsabilidades, e a respeito das quais nada se apurou? Que se apure, que se investigue.
O Govêrno não cumpriu êsse dever? Chame-se a atenção do Govêrno para o cumprimento dêsse dever. Amnistiar, repito, é que não faz sentido.
Diz-se que muitos marinheiros que estão presos, metidos em, processo, prestaram grandes serviços à República, tanto na ocasião da sua implantação como na sua defesa em ocasiões críticas. Eu sou dos que entendem que o facto de defender a República não autoriza ninguém a cometer crimes contra a própria República, não habilita ninguém a tripudiar sôbre a ordem pública em preterição dos interêsses nacionais.
O Sr. Agatão Lança: — É para levar em conta.
O Orador: — Mas para levar em conta no julgamento.
Assim como não aceito o ponto de vista monárquico, de que pelo facto de Paiva Couceiro ter prestado grandes serviços em África se podia julgar no direito de investir contra a República e contra a Pátria, assim também não reconheço aos republicanos que prestaram serviços ao ré-
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gime o direito de perturbarem a ordem, de prejudicarem a República,
Àparte do Sr. Agatão Lança que não se ouviu.
O Orador: — Não há possibilidade de manter o critério de V. Exa., porque isso seria estabelecer a desordem permanente. Se cada um se arvora em juiz da justiça das cousas públicas não podemos viver.
O Sr. Agatão Lança (interrompendo): — Pelo critério de V. Exa. já a monarquia estava implantada entre nós. Se nós não tivéssemos lutado, quando os comandos das divisões e de várias unidades estavam entregues a monárquicos, naturalmente já todos nós, republicanos, estávamos na costa de África.
O Orador: — Mas eu não disse nada disso. O que eu afirmei é que se cada um só arvora em juiz das cousas públicas a desordem será permanente. Mas se a situação se torna de qualquer forma incomportável então a resistência é na verdade legítima. Mas êste caso não se deu em 10 do Dezembro.
O Sr. Agatão Lança (em àparte): — Até quando nós cumprimos ordens do Govêrno, de que V. Exa. era Ministro do Interior, nos chamaram revolucionários.
O Orador: — Não se pode chamar revolucionário a quem cumpre as ordens do Govêrno.
Mas, Sr. Presidente, há ainda duas outras razões que me levam a não votar a amnistia.
Uma delas é, em parte, um conceito a que há pouco se referiu o Sr. Cunha Leal.
Eu não quero que se diga ou se pense que eu ou o meu partido pretendemos cobrir com um voto responsabilidades que porventura possam ser de correligionários meus. Eu não sei quem preparou o movimento de 10 de Dezembro; mas, no emtanto, não quero que se possa afirmar que eu pretendo abafar responsabilidades vetando a amnistia.
Há ainda outra razão que, em parte, é a reedição do que aqui se disse.
Diz-se que um dos partidos fae nesta casa tem uma grande representação tinha
responsabilidades nesse movimento, afirmando-se até que alguns Ministros dêsse partido tinham nele colaborado.
Não quero agora saber os fundamentos dessa acusação; mas não me julgo com o direito de impedir o apuramento de todas as responsabilidades, e muito menos estorvar que êsse partido deixe de provar a sua inocência. Não me parece isso lógico num regime republicano e entre partidos republicanos.
Apoiados.
Essas provas, que eu julgo necessário produzir, só poderão ser produzidas em tribunal.
Eu, como republicano, não quero para-os outros o que não quereria para mim.
O acto político da amnistia impede que essas provas se façam, e não é justo que um acto de clemência abranja os culpados e castigue os inocentes.
Creio que esta doutrina é de aceitar.
Repito: é necessário que as provas se façam judicialmente para o apuramento de todas as responsabilidades.
Leve-se até o último extremo o apuramento dessas responsabilidades e aguarde-se o resultado do tribunal competente.
Apoiados.
Apure-se se, efectivamente, há algum partido da República que tenha responsabilidades.
Mas não demos margem a boatos e calúnias, para que alguma cousa possa ficar delas.
É uma cousa que convém a todos nós republicanos; não é só a um partido da República.
Não dou o meu assentimento ao projecto de amnistia, nem ao projecto do Sr.. António Maia.
Não compreendo uma amnistia senão quando um interêsse ponderoso a determine.
Não posso por isso aprovar o projecto do Sr. António Maia em que se estabelece a excepção para responsabilidades.
Desejaria como republicano que se não repetissem êstes factos, que não mais se: perturbasse a vida da República.
Não posso por isso dar o meu voto a. êsse projecto.
Por isso mesmo que não posso dar o voto a êste projecto, não o posso dar ao outro, pois não peço para os responsáveis um regime mais severo, assim como não-
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peço regime de excepção para os autores do facto ocorrido em 10 Dezembro.
Os autores dêsse facto não merecem admiração. Não posso adoptar para êstes procedimento mais benévolo do que para os criminosos ou delinqüentes comuns.
Basta tratar-se dum facto mais ou menos de natureza política para ter-se um procedimento especial? Não.
Não posso concordar com a amnistia; e também não concordo com o projecto do Sr. António Maia.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa (para explicações): — Sr. Presidente: depois das declarações feitas e pontos de vista expostos pelo Sr. Almeida Ribeiro, leader dêste lado da Câmara, julgo conveniente, para manter a posição que assumi desde a primeira hora nesta questão, fazer a declaração a V. Exa. de que mantenho as considerações que fiz, isto é, de que voto a amnistia, julgo-a indispensável e que ela é a única fórmula de fazer justiça e preparar o ambiente preciso para se fazer o inquérito aos acontecimentos de 10 de Dezembro.
Eu voto a amnistia tal com a propuseram os Srs. Agatão Lança e Fausto de Figueiredo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Moura Pinto: — Sr. Presidente: pedi a palavra porque entendo que neste debate, dada a minha situação de vogal da comissão do legislação criminal, não podia deixar de falar.
Quando às minhas mãos veio, não em reunião da comissão, mas avulso, o projecto de amnistia que está em discussão, eu assinei-o vencido.
Não o podia assinar de outra forma, não só recordando-me de que era Deputado da Nação e republicano, mas recordando-me ainda de que era juiz de direito.
Já vários Srs. Deputados, com mais brilho e inteligência, disseram qual o significado duma amnistia; mas para casos desta importância vale a pena falar, sem nenhuma espécie de paixão e com toda a serenidade, sôbre a que cada um pensa, a respeito do significado duma amnistia.
Uma amnistia é realmente um acto que
deve tender a congraçar governantes e governados, mas em movimentos excepcionais e quando, acima de tudo, se sinta que os movimentos que se produziram contra os governantes têm qualquer espécie de justificação — ou em actos de despotismo ou em actos de má ou imoral administração — enfim em qualquer cousa que podesse ter determinado a revolta duma minoria contra uma maioria.
A amnistia tem do ser fundamentalmente um pacto; ela tem de excluir muita o coração e tem de ser ditada pela inteligência e pelos altos interêsses do Estado.
É um acto de alta conveniência política, e nunca pode ser um acto destinado a favorecer uns contra outros.
A amnistia deve produzir vantagens para os que a recebem; mas deve, acima de tudo, produzir vantagens para os que a dão, considerando estas não como pessoas, mas como representantes duma alta função, que é a de governar.
Apoiados.
Ora à amnistia proposta para os autores do movimento sedicioso de 10 de Dezembro faltam todas estas características. Em boa verdade, êsse movimento revestiu apenas o aspecto de mais um entre tantos movimentos que normalmente na sociedade portuguesa tendem a trazer ao País uma maior soma de felicidade, mas tendo-se a impressão de que essa felicidade deve ser entendida no sentido dos que fazem os movimentos.
Arranjámos em Portugal uma larga e fecunda fama de salvadores; e tenho a impressão de que, a caminharmos de impunidade em impunidade, chegaremos a um tempo em que bastará reunir o número bastante para a classificação, segando o código penal, de sedição, para em boa verdade termos uma revolução platónica e um número de determinados salvadores.
Apartes.
Sr. Presidente: é facto que a revolução era contra o partido que estava no Poder, com o Parlamento aberto, dando conta o Govêrno dos seus actos a êsse Parlamento, sem ter uma maioria sua, sem que pudesse por isso dizer que estava praticando actos de ditadura, má administração ou de despotismo.
Digo isto, mas não tenho contra os revolucionários que fizeram essa revolução, nenhuma espécie de ódio.
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Essas revoluções fazem-se em Portugal, não porque haja uma tirania de um partido contra outro partido, mas porque elas são preparadas, têm dia e hora marcados para o espectáculo, não podendo ser adiadas.
O movimento tem de se fazer, porque, se não se faz, o grande estadista, que se propõe salvar o país, desiste.
O salvador de tudo isto impõe-se, tem de ser a revolução na terça-feira por exemplo, por que se não fôr, o salvador tem que ir na quarta feira para o Pôrto tratar dos seus negócios.
Risos.
Tem de ser por fôrça naquele dia, porque senão, só pode ser daí a dois meses, porque é necessário arranjar outro grande estadista salvador, porque o escolhido já não quero, e é, necessário outro grande estadista para compor outras medidas salvadoras, e arranjar outros elementos que entrem na revolução, porque alguns outros já não entram.
Compreende-se como é perturbador que os movimentos não rebentem tendo-se tudo arranjado, sabendo-se que o Govêrno não resiste, que êle tem por seu lado infantaria tal, e sabendo-se que o Governo julga que tem por si tal cavalaria, mas não tem.
Risos.
Sr. Presidente: só o 19 de Outubro de triste memória não tivesse provocado tantas crueldades, que nunca deviam esquecer, êstes movimentos deviam ser feitos por uma verba no Orçamento inscrita.
Se o Govêrno não vencesse, pagava o Estado; e, se vencesse pagava também sempre o Estado.
Risos.
E, Sr. Presidente, chegámos ao ponto de considerar indispensáveis as amnistias -aos implicados de todos os movimentos que se produzem, só porque êles não produziram morticínios.
Amnistias dadas em tais condições só servem para instigar a toda a sorte de violências.
Os movimentos políticos em Portugal são simpáticos ás maiorias quando são feitos contra as minorias e são simpáticos às minorias quando são feitos contra as maiorias.
E nestas alternativas, esquecidos do que devemos à Pátria, esquecidos do que
devemos à República, esquecidos do que devemos uns aos outros como homens de coração, procuramos apenas instrumentos mais poderosos que as nossas ideas para a todos os momentos agredirmos os nossos adversários políticos.
Convençamo-nos de que é realmente má a hora que vai passando; que ela é de tamanhas dificuldades, de tamanhos perigos e de tamanhos sobressaltos que é fácil concitar contra todos nós os males que nós desejamos apenas aos nossos adversários.
Sr. Presidente: esta amnistia tem todos êstes aspectos e tem acima de tudo o aspecto regalar de não ser esquecimento, de não ser realmente o apagar de ódios; porque ela apresenta-se, (não dizendo eu que essa seja a intenção dos Srs. Deputados que subscrevem o projecto), ela apresenta-se, não como amnistia a favor de quem quer que seja, mas como uma amnistia contra um determinado partido. Fez-se contra esse partido e acima de tudo contra os homens que então exerciam o Poder a mais insidiosa, a mais torpe, a mais desvergonhada campanha.
Disse-se, em jornais que tudo podem dizer na segurança de que não há onde responder, que a revolução tinha partido do Poder para fins inconfessáveis de política.
A amnistia no presente momento tem pois todo o aspecto de ser contra êsses homens e ser contra êsse agrupamento. E não se me venha dizer que o esquecimento que abrange o delito seria o mesmo esquecimento que abrangeria a discussão dos meios ou dos processos políticos de que se tenha servido o Govêrno atacado por essa revolução em face dos revolucionários; não se me venha dizer, porque não é exacto, que os homens que se sentaram naquelas cadeiras, pertencentes a êste lado da Câmara, não ficariam inibidos de poder defender-se, de poder provar que eram uma calúnia as torpes e insidiosas campanhas que se lhes faziam porque para a apreciação malévola dos actos dêsse Govêrno ficaria sempre ampla liberdade de imprensa ou seja, neste caso, ampla liberdade de enxovalho.
E quando alguém quisesse obter a prova, aquela que não estava na sua consciência, mas a que está nos processos, a que está nos documentos, a que está nas tes-
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temunhas, pretendendo defender-se, responder-se-ia, porque é assim que tem de se responder juridicamente: «não se pode mexer nisso, êsse crime está amnistiado».
Eu não sei de situação mais retorcidamente arranjada para deixar mal colocados os homens que com facilidade justificam os seu actos ou nem sequer terão necessidade de os justificar pelo decorrer normal dos processos. Eu não sei de situação mais paradoxal para deixar que homens continuem suas suspeições, dando contudo aos que cometeram o crime direitos superiores, vantagens superiores às que têm aqueles que dêsse crime foram vítimas.
Os argumentos que têm sido aduzidos, sob aspecto jurídico a favor da amnistia, sabem todos V. Exa. 8S, pelo menos os homens de leis, que são argumentos que não colhem. A circunstância de não terem sido presos todos os implicados no movimento significa apenas que se não tem procedido em harmonia com o que deter minam as leis na averiguação das responsabilidades.
Contra êsses homens não se tomou nenhum procedimento em matéria criminal.
Já o disse com brilho e proficiência o Sr. Almeida Ribeiro.
Mas devo dizer que nos crimes comuns é muito de suspeitar a entrega voluntária. E isso por si só não constitui prova contra quem se apresenta; o crime político representa hoje em Portugal uma nova profissão que tem muito alta vantagem : é uma espécie de raspão na pele que não magoa.
Acabam sempre êstes criminosos revolucionários pela coragem de ir-se apresentar à autoridade, fazendo a confissão política.
Para nada nos serve que se apresentem. Pode haver outro intuito: o despistar a autoridade, julgando-os verdadeiros criminosos, para que os realmente criminosos possam destruir o vestígio do crime ou fazer tamanha confusão em matéria de averiguação para se chegar à conclusão de que os conspiradores não existiram e é Govêrno é que fez a revolução.
Não ó, pois, de aceitar o argumento de que a autoridade não procede em relação a cidadãos que se apresentam voluntariamente como responsáveis duma revolução.
No dia em que êsses cidadãos só apresentavam às autoridades, era já o momento em que o Govêrno sentia que não tinha os meios suficientes com que constitucionalmente poderia governar; e temos, pois, de concluir que o Govêrno se encontrava nesse momento em condições de fraqueza tais que não podia continuar eficazmente a sua missão para manter a ordem.
E tanto assim é, Sr. Presidente, que os factos vieram comprovar o que acabo de expor à Câmara; pois a verdade é que a seguir a êsses acontecimentos deu-se a circunstância de o Govêrno ter de cair em, face de uma moção de desconfiança votada pela maioria da Câmara.
Sr. Presidente: abstenho-me de considerar hoje êsse acto político da Câmara, devo, no emtanto, declarar a V. Exa. e à Câmara que não compreendo que um Govêrno que se encontrava numa situação de demissionário, por virtude de um movimento revolucionário, seja idóneo para continuar a manter a ordem nos precisos-termos em que podemos considerar a ordem, isto é, no que diz respeito a esses actos políticos praticados por êsses revolucionários.
Isto, Sr. Presidente, é o que se não compreende; pois a verdade é que um Govêrno, p tira se encontrar nessas condições excepcionais, isto é, para poder manter a ordem, necessário era que inspirasse confiança ao País.
Assim, desde que o Govêrno se encontrava demissionário em virtude de uma campanha levantada no Parlamento, lógico era que não podia, nem devia, estar nas condições de manter a ordem.
Um Govêrno que estava nas condições daquele a que acabo de me referir, não estava em circunstâncias de poder manter a ordem, de mais a mais depois de se ter dado um movimento revolucionário; pois a verdade é que, dadas as circunstâncias que se deram, um favor nós devemos a êsses revolucionários de 10 de Dezembro, qual foi o de não terem dois dias depois renovado o acto que tinham esboçado contra o Govêrno de então.
Eu, Sr. Presidente, devo dizer em abono da verdade que não vejo fundamentos bastantes para a concessão de uma amnistia.
Não só pode justificar um acto de be-
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nevolência do Poder, quando, caído o Govêrno, contra o qual se produziu o movimento, nenhumas averiguações se afizeram, nenhum interêsse o Poder Executivo demonstrou pelo que se pode chamar a dignidade do Poder.
Da parte do actual Govêrno houve um esquecimento do que devia ao prestígio da função de governar.
Eu não quero atribuir a propósitos de deixar que medrasse contra os seus adversários a sementeira de calúnias que se estava fazendo; mas quero atribuir a propósitos de largos estudos em matéria administrativa que não permitem ao Govêrno zelar pela dignidade que devia ter, entretido como está em nos salvar por pequenas mas graduais compressões. Se se não fez êsse inquérito, porque se não faz?
O projecto de amnistia foi há já longos dias apresentado a esta Câmara. Se da parte do actual Govêrno houvesse a compreensão dos deveres de que há pouco falei, e houvesse respeito pelas palavras que já aqui foram proferidas por todos os lados da Câmara, a esta hora, pela pasta da Marinha, peia pasta da Guerra e pela pasta do Interior, já estava feito o inquérito preciso para podermos concluir da extensão que tiveram os acontecimentos, as desvantagens que resultariam da amnistia e até, porventura, se novos propósitos conspiratórios continuam andando a lavrar pelas ruas de Lisboa.
É certo que o Sr. Ministro da Marinha, zeloso da disciplina da corporação a que preside, declarou a esta Câmara, com uma nobreza que é preciso salientar, que sob o ponto de vista da disciplina a amnistia não era conveniente...
O Sr. Ministro da Marinha (Pereira da Silva): — O que eu disse foi efectivamente que só podia fazer considerações de ordem militar, e que a amnistia só podia ser concedida politicamente, sendo ao Parlamento que competia apreciá-lo.
O Orador: — Acabo de ouvir as declarações do Sr. Ministro da Marinha que são, pouco mais ou menos, o que eu julgava.
S. Exa. entende, como militar, que a concessão da amnistia é inconveniente para a disciplina, quer ela seja feita pelo
Legislativo, quer pelo Executivo; simplesmente S. Exa. entende, e entende bem, que superior ao Poder Executivo, para êsses efeitos, está realmente o Poder Legislativo. Mas isso não impedia que pela pasta de S. Exa., pela pasta da Guerra e pela pasta do Interior, se tivesse procedido às devidas averiguações.
O Sr. Presidente: — É a hora de se passar ao período do antes de se encerrar a sessão.
O Orador: — Nesse caso fico com a palavra reservada.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Morais Carvalho, que a pediu para antes de se encerrar a sessão.
O Sr. Morais Carvalho: - Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Ministro do Trabalho para um assunto que corre pela sua pasta e que aguarda solução há muito tempo.
Em 1918, quando grassou na cidade do Pôrto uma epidemia de tifo exantemático, foi requisitado pelo Estado o edifício daquela cidade, onde funcionava um instituto modelar de educação, para abrigar os tifosos. Pelo facto de o Estado haver requisitado êsse edifício, o seu proprietário julgou-se — e bem — no direito de haver do mesmo Estado uma idemnização. Essa indemnização foi fixada por uma comissão nomeada pelo Ministro do Trabalho de então, em 140 e tantos contos, segundo o que me informaram.
Depois o Ministro do Trabalho não sei se o mesmo que nomeou a comissão, se outro não concordou com a quantia fixada e baixou-a para o valor de sessenta e tantos contos, além de uma quantia que ao proprietário dêsse edifício, o ilustre professor da Faculdade de Medicina, do Pôrto, Sr. Oliveira Lima, já havia sido arbitrada.
Em 1921 aquele senhor foi chamado ao gabinete do Sr. Ministro do Trabalho que era, creio, o actual titular daquela, pasta, para se estabelecer um acordo.
Dessa entrevista resultou acordar-se numa deminuição do quantum da indem-
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Sessão de 6 de Fevereiro de 1924 27
nização fixada primitivamente. Mas terminou o ano de 1921, passou o ano de 1922, já passado vai o de 1923, e o assunto ainda não foi liquidado.
Já no outro dia requisitei pelo Ministério do Trabalho que me fôsse facultada cópia dos pareceres das comissões técnicas sôbre o assunto. O certo é que êsse requerimento, que, creio, foi deferido pelo Sr. Ministro do Trabalho, ainda não teve o seguimento natural. Nestas condições, e pedia ao Sr. Ministro do Trabalho o favor de me permitir que eu fôsse ao seu Ministério examinar o processo, e ao mesmo tempo muito agradeceria que S. Exa. me dêsse esclarecimentos sôbre êste caso que, não sei se por motivos políticos, se por motivos pessoais, não tem tido aquela solução que era de esperar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Trabalho (Lima Duque): — Sr. Presidente: conheço o assunto a que se referiu o Sr. Morais Carvalho. Foi pela segunda vez que estive neste Ministério que me foi presente uma reclamação; pedi o processo e vi que realmente uma comissão tinha achado justa a indemnização. Do processo também constava que o Sr. Oliveira Lima tinha direito a uma indemnização, havendo, porém, divergências quanto ao seu quantitativo, mas tendo-se depois chegado a um acordo, deminuindo um pouco êsse quantitativo. Foi assim que despachei para que o Estado não continuasse devedor ao Sr. Oliveira Lima, e fi-lo de acordo com o Sr. Ministro das Finanças de então, o Sr. Barros Queiroz. Mas seguiu-se passados alguns dias a revolução de 19 de Outubro, e então um dos Ministros meu sucessor mandou arquivar o processo. Não houve mais procedimento.
Parece-me que, havendo agora dois critérios contraditórios, só realmente o Parlamento poderá resolver a questão; mas em todo o caso vou dar ordem para ser facultado a V. Exa. o processo que, aliás, é muito volumoso, e só assim se explica que a sua cópia não tenha sido ainda fornecida a V. Exa.
V. Exa. pode ir verificá-lo quando quiser.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: de vários pontos do país me têm chegado reclamações acerca do funcionamento de farmácias em que farmacêuticos exercem ilegalmente essas funções por não terem as habilitações necessárias.
Gomo o Sr. Ministro do Trabalho é um médico distinto e sabe bem os graves inconvenientes que pode advir de semelhante circunstância, eu peço a S. Exa. que tome as providências urgentes que entender.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Trabalho (Lima Duque): — Sr. Presidente: ouvi com atenção as considerações produzidas pelo Sr. Carvalho da Silva.
Devo dizer a S. Exa. que amanhã vai à assinatura do Sr. Presidente da República um decreto em que essa questão é resolvida por forma que se me afigura absolutamente legal.
Na verdade, é lamentável que à testa de farmácias estejam indivíduos que não possuem a devida competência, dando lugar a casos lamentáveis como ultimamente, o de Coimbra.
Como disse, o decreto que vai sair è o preliminar de uma proposta de lei que tenciono apresentar, relativamente ao exercício de farmácia.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Américo Olavo: — Sr. Presidente: pedi a palavra, com a presença do Sr. Ministro da Marinha, porque S. Exa. é o chefe da corporação da armada.
Sr. Presidente: há poucos dias tive ocasião de ler num jornal da tarde expressões atribuídas a um oficial da armada, que merecem a mais severa sanção.
Parece-me que as pessoas que vivem dentro duma corporação, que é regida por preceitos da mais rigorosa disciplina, devem dar ao público a impressão de que conhecem a posição que ocupam adentro dêsses organismos.
Acontece que um oficial, que tem desempenhado várias funções públicas especiais, de nomeação dos Governos, se dirige a um dos Poderes do Estado, chamando-lhe o «rapazio de S. Bento que se entretém a atirar cascas de laranja aos Gover-
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28 Diário da Câmara dos Deputados
nos» com a agravante de que, segundo diz o referido oficial, no meio da «galhofa geral».
Ora, Sr. Presidente, por mim, devolvo a êste oficial as palavras que mandou escrever, e peço ao Sr. Ministro da Marinha que faça aplicar severamente os regulamentos militares.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Marinha (Pereira da Silva): — Sr. Presidente: devo informar o ilustre Deputado Sr. Américo Olavo de que não tinha conhecimento da entrevista a que S. Exa. se referiu. Se tal tivesse acontecido, teria procedido como me cumpria, visto que, como Ministro, tenho de zelar pelo prestígio da Câmara, não permitindo que nenhum oficial da minha corporação faça quaisquer considerações que possam ferir o prestígio do Congresso da República.
Apoiados.
Porém, como acabo de ter agora conhecimento dessa entrevista, vou proceder dentro dos limites das minhas atribuições, porque, repito, todos os oficiais da armada devem ter o máximo respeito pelo Congresso da República.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem dos trabalhos.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 55 minutos.
Documentos enviados para durante a sessão
Proposta de lei
Do Sr. Ministro da Guerra, autorizando o Govêrno a proceder à reorganização do exército, conforme designadas bases.
Para o «Diário do Governo».
Pareceres
Da comissão de guerra, sôbre o n.° 606-J que autoriza a fundição, no Arsenal do Exército, duma coroa denominada, a Coroa da Vitória Aliada» para o Monumento dos Restauradores.
Para a comissão de finanças.
Da mesma, sôbre o n.° 492-B, que autoriza o Govêrno a ceder o bronze para o busto do Dr. António Granja e a mandá-lo fundir no Arsenal.°do Exército.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de correios e telégrafos, sôbre o n.° 634-F, que autoriza o Govêrno a reorganizar os serviços dos correios e telégrafos.
Para a comissão de finanças.
Requerimento
Requisito, para me serem fornecidos pelo Ministério da Justiça, os números até hoje publicados do Boletim do Instituto de Criminologia.— A. de Almeida Ribeiro.
Expeça-se.
O REDACTOR—João Saraiva.