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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSSÃO N.º 34

EM II DE FEVEREIRO DE 1924

Presidente o Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Ribeiro
João de Ornelas da Silva

Sumário. — Abertura da sessão.
Leitura da acta.
Correspondência.

Antes da ordem do dia. — O Sr. Tavares de Carvalho reclama-a presença do Sr. Ministro da Agricultura.

O Sr. Tôrres Garcia chama a atenção do Sr. Presidente do Ministério para alguns factos graves que estão ocorrendo na Universidade de Coimbra.

Responde-lhe o Sr. Álvaro de Castro (Presidente do Ministério).

O Sr. Nuno Simões ocupa-se da remodelação pautal, pedindo que se atenda a várias reclamações que têm sido apresentadas sôbre o assunto.

Responde-lhe o Sr. Presidente do Ministério.

A Câmara nega a palavra, para um negócio urgente, ao Sr. Cancela de Abreu.

O Sr. Cancela de Abreu deseja saber a opinião do Sr. Ministro das Colónias sôbre as despesas de publicidade que se tem feito no Alto Comissariado de Angola.

Responde-lhe o Sr. Mariano Martins (Ministro das Colónias).

O Sr. Cancela de Abreu volta a usar da palavra para explicações.

O Sr. Ministro das Colónias faz declarações tendentes a rectificar a afirmação dum jornal de Lisboa sôbre factos ocorridos na administração do Alto Comissariado de Moçambique.

O Sr. António da Fonseca (Ministro do Comércio) requere que, independentemente do parecer das comissões, seja posta em discussão na próxima quarta-feira a sua proposta de lei sôbre estradas.

Consultada a Câmara, é aprovado o requerimento do Sr. Ministro do Comércio.

O Sr. Júlio de Abreu apresenta uma reclamação dos magistrados judiciais em serviço na índia.

Responde-lhe o Sr. Ministro das Colónias.

O Sr. Lelo Portela usa da palavra para interrogar a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente,

É aprovada a acta.

A Câmara concede uma licença.

São admitidas à discussão algumas proposições de lei.

É aprovada uma última redacção.

Ordem do dia. — Procede-se à votação nominal da generalidade no parecer n.º 649, que é aprovada por 52 votos contra 25.

Entrando em discussão na especialidade, lê-se na Mexa o artigo 1.°

O Sr. Almeida Ribeiro manda para a Mesa duas propostas de substituição, que são admitidas.

Usam em seguida da palavra os Srs, Barros Queiroz, Álvaro de Castro (Ministro das Finanças), Moura Pinto, novamente o Sr. Álvaro de Castro Jorge Nunes e Cancela de Abreu.

Antes de se encerrar a sessão.— O Sr.Vitorino Guimarães protesta contra o decreto que fixa o juro do empréstimo de 1923,

O Sr. Almeida Ribeiro chama a atenção do Govêrno para o facto de existirem em Évora colégios dirigidos por congreganistas.

Responde-lhe o Sr. Álvaro de Castro (Presidente do Ministério).

O Sr. Carlos de Vasconcelos pregunta o que há sôbre o débito dos bancos ao Estado.

Responde-lhe o Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão, às 16 horas e 30 minutos.

Presentes à chamada, 38 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 54 Srs. Deputados.

São os seguintes:

Abílio Correia da Silva Marçal.

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Alberto Ferreira Vidal.

Albino Pinto da Fonseca.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Américo da Silva Castro.

António Alberto Tôrres Garcia.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Dinis.

António Pais da Silva Marques.

António Resende.

António Vicente Ferreira.

Augusto Pereira Nobre.

Augusto Pires do Vale.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.

Carlos Eugénio de Vasconcelos.

Custódio Martins de Paiva.

Hermano José de Medeiros.

Jaime Júlio de Sousa.

João Baptista da Silva.

João de Ornelas da Silva.

Joaquim Narciso da Silva Matos.

José Mendes Nunes Loureiro.

José de Oliveira Salvador.

José Pedro Ferreira.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Luís da Costa Amorim.

Manuel Ferreira da Rocha.

Paulo Cancela de Abreu.

Paulo da Costa Menano.

Pedro Augusto Pereira de Castro.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Tomás de Sousa Rosa.

Tomo José de Barros Queiroz.

Ventura Malheiro Reimao.

Vergílio Saque.

Viriato Gomes da Fonseca.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Alberto Lelo Portela.

Alberto de Moura Pinto.

Alberto Xavier.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Álvaro Xavier de Castro.

Amaro Garcia Loureiro.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Correia,

António Ginestal Machado.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António Lino Neto.

António Maria da Silva.

António Mendonça.

António de Paiva Gomes.

António de Sousa Maia.

Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

Bernardo Ferreira de Matos.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Constâncio de Oliveira.

Delfim de Araújo Moreira Lopes.

Fausto Cardoso de Figueiredo.

Francisco da Cunha Rêgo Chaves.

Francisco Dinis de Carvalho.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

João Estêvão Águas.

João José da Conceição Camoesas.

João José Luís Damas.

Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.

Joaquim Dinis da Fonseca.

Joaquim José de Oliveira.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José Marques Loureiro.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.

Júlio Henrique de Abreu.

Lourenço Correia Gomes.

Lúcio de Campos Martins.

Manuel Alegre.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Mariano Martins.

Mário de Magalhães Infante.

Matias Boleto Ferreira de Mira.

Nuno Simões.

Plínio Octávio do Sant’Ana e Silva.

Vasco Borges.

Vitorino Henriques Godinho.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Abílio Marques Mourão.

Afonso Augusto da Costa.

Aires de Ornelas e Vasconcelos.

Albano Augusto de Portugal Durão.

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto Jordão Marques da Costa.

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Alberto da Rocha Saraiva.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Amadeu Leite de Vasconcelos.

António Abranches Ferrão.

António Albino Marques de Azevedo.

António Pinto de Meireles Barriga.

Armando Pereira de Castro Agatão Lança.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Artur Brandão.

Artur de Morais Carvalho.

Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.

Carlos Cândido Pereira.

Custódio Maldonado de Freitas.

David Augusto Rodrigues.

Delfim Costa.

Domingos Leite Pereira.

Eugénio Rodrigues Aresta.

Feliz de Morais Barreira.

Fernando Augusto Freiria.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Francisco Cruz.

Francisco Manuel Homem Cristo.

Francisco Pinto da Cunha Leal.

Germano José de Amorim.

Jaime Duarte Silva.

Jaime Pires Cansado.

João Cardoso Moniz Bacelar.

João Luís Ricardo.

João Pereira Bastos.

João Pina 4e Morais Júnior.

João Salema.

João de Sousa Uva.

João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

João Vitorino Mealha.

Joaquim Brandão.

Joaquim Ribeiro de Carvalho.

Joaquim Serafim de Barros.

Jorge Barros Capinha.

José António de Magalhães.

José Carvalho dos Santos.

José Cortês dos Santos.

José Domingues dos Santos.

José Joaquim Gomes de Vilhena.

José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.

José de Oliveira da Costa Gonçalves.

Júlio Gonçalves.

Juvenal Henrique de Araújo.

Leonardo José Coimbra.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Manuel Duarte.

Manuel de Sousa da Câmara.

Manuel de Sousa Coutinho.

Manuel de Sousa Dias Júnior.

Mariano Rocha Felgueiras.

Mário Moniz Pamplona Ramos.

Maximino de Matos.

Paulo Limpo de Lacerda.

Pedro Góis Pita.

Rodrigo José Rodrigues.

Sebastião de Herédia.

Teófilo Maciel Pais Carneiro.

Valentim Guerra.

Vergílio da Conceição Costa.

O Sr. Presidente (Às 16 e 30): — Estão presentes 38 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Leu-se a acta e o seguinte

Expediente

Ofícios

Do Senado, enviando as propostas de lei:

Alterando o n.° 3.° do artigo 16.° da lei n.° 88, de 7 de Agosto de 1913.

Para a comissão de legislação civil e criminal e de legislação criminal, conjuntamente.

Elevando à categoria de vila a aldeia de Zebreira, do concelho de Idanha-a-Nova.

Para a comissão de administração pública.

Elevando à categoria de vila a povoação de Caria, concelho de Belmonte.

Para a comissão de administração pública.

Dando a categoria de cidade à capital do distrito administrativo de Vila Real de Trás-os-Montes.

Para a comissão de administração pública.

Cedendo à Câmara Municipal de Bissau o bronze para a fundição do monumento a erigir à memória do capitão João Teixeira Pinto.

Para a comissão de guerra.

Do Ministério da Guerra, enviando documentos pedidos pelo Sr. H. Pires Monteiro.

Para a Secretaria.

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Telegramas

Dos fabricantes e consumidores de tabaco madeirense, da Junta Geral do Distrito do Funchal e da Câmara Municipal do Funchal, pedindo exclusão, para as ilhas, do monopólio do tabaco,

Para a Secretaria.

Dos lavradores das freguesias do concelho de Ovar, contra a cobrança do fundo de viação e turismo.

Para a Secretaria.

Requerimento

Do tenente Serafim Joaquim de Morais Júnior, pedindo para se lhe contar o tempo de serviço, promovendo o ao pôsto de capitão.

Para a comissão de guerra.

O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente : há perto de quinze dias que ando pedindo a palavra estando presente o Sr. Ministro da Agricultura. Como S. Exa. se não encontra presente, eu peço a V. Exa. o obséquio de me reservar a palavra para antes de encerrar a sessão, estando presente o Sr. Ministro da Agricultura.

O Sr. Tôrres Garcia: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério para um certo número de factos que se passam na Universidade de Coimbra e que quanto a mim revestem uma certa gravidade.

Devo dizer que é intenção daquela Universidade não dar cumprimento às medidas decretadas pelo Govêrno no que diz respeito à compressão de despesas.

Foram extintas, e muito bem, a meu ver, as secretarias privativas da Faculdade de Coimbra, pois a verdade é que nada explicava a sua existência, e já por mais de uma vez, sempre que tenho discutido nesta Câmara o orçamento do Ministério da Instrução, eu tenho sustentado esta opinião. Porém, se bem que o Sr. Presidente do Ministério tivesse publicado um decreto nesse sentido, ô que representa quanto a mim uma medida de alta moralidade e economia, até hoje a Universidade de Coimbra ainda lhe não deu execução, sabendo eu que está disposta a oferecer toda a resistência para não o executar.

O decreto a que acabo de me referir determina que todo o pessoal passe à situação de adido, devendo o serviço ser feito na secretaria geral da Universidade; porém, até hoje mantém o mesmo quadro, não se sabendo qual a razão por que a secretaria geral se recusa terminantemente a fazer o serviço, o que dá lugar aos professores terem em regra de pagar do seu próprio bolso a quem lhes faça o serviço, pois ainda não há muito que um professor da Faculdade de Sciências teve do fazer, pelo seu próprio punho, as folhas de vencimentos.

O que eu lamento, Sr. Presidente, é que não haja ninguém que tenha procurado meter na ordem o pessoal da secretaria geral da Universidade de Coimbra.

Os serviços da secretaria geral estão muito reduzidos, razão por que durante muito tempo todo o serviço foi feito na secretaria geral; porém, depois desta onda de loucura que tem passado sôbre nós depois de 1919, foram criadas sem motivo algum as secretarias privativas das Faculdades, repartições essas que foram agora extintas por um decreto do Sr. Ministro das Finanças, mandando que os serviços que lhes estavam confiados fossem mandados fazer pela secretaria geral, que tem pessoal suficiente para isso. Até hoje ainda se não executou nem se executará a doutrina dêsse decreto.

Estou convencido de que o Sr. Presidente do Ministério não terá meios de fazer levar por diante a doutrina dêste decreto e não levará por diante, porque o pessoal de contabilidade daquela Universidade manda soberanamente acima do Estado e do Reitor!

E porquê? Por motivos que não posso referir aqui por pudor. Porque a reitoria esteve nos últimos tempos sujeita aquilo que ilegalíssimamente a repartição de contabilidade deu ao reitor e faleceu nessa altura a autoridade moral a essa entidade para obrigar ao cumprimento da lei, e tanto êste estado de rebeldia é agressivo que posteriormente o Sr. Presidente do Ministério ordenou por decreto que um dos lugares vagos há dois anos da secretaria geral, qual o de oficial maior, considerado indispensável pela informação do reitor da Universidade de Coimbra, fôsse preenchido pelo oficial chefe da se-

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cretaria extinta, e êsse decreto não teve execução, nem terá.

O reitor recusa dar posse a êsse funcionário, alegando que o 1.° oficial tinha direito àquele lugar, porque já prestava serviço.

Essa afirmação é absolutamente contrária à verdade.

O regulamento sôbre o provimento do lugar diz que o lugar de oficial maior será provido uma vez por antiguidade e outra vez por concurso. O último provimento foi por antiguidade. Portanto, êste provimento agora seria por concurso de provas públicas.

É manifestamente a rebeldia da Universidade de Coimbra, traduzida pelo reitor contra às determinações do Poder.

Êsse movimento da reitoria da Universidade de Coimbra é manifestamente contra o Estado e mais quando o Estado é representado, como o actual.

São cousas de pequena monta que não podem, creio eu, prender demasiadamente a atenção do Sr. Presidente do Ministério, mas, se S. Exa. não tomar aquelas providências que são urgentes para manter o, império da lei é mandar executar aquilo que foi decretado na melhor da intenções, terá dado uma prova de que não acompanha a acção do Govêrno com àquele cuidado que é conveniente para chegar ao fim da obra que se propôs.

A Universidade de Coimbra não cumpre e creio que não cumprirá tudo quanto foi decretado acerca de compressão de despesas.

A secretaria geral não faz o serviço da contabilidade. Êste caso é deprimente para os professores que têm de fazer as folhas de vencimentos pelo seu punho, ou pagar a criaturas que não têm nada com o funcionamento da secretaria.

Porque é que o Govêrno não obriga o reitor aos actos legais e a repartição de contabilidade a cumprir a lei?

Pela repartição de contabilidade da Universidade foram pagas despesas para a reitoria, absolutamente fora lei. Pagou-se tudo ao reitor da Universidade fora da lei. Constitui isto um dos maiores escândalos dêste tempo. É por isso que o reitor não tem autoridade para obrigar o pessoal da repartição de contabilidade a cumprir o seu dever e porque os decretos emanados da pasta de Instrução não

são cumpridos. Sei bem que não serão cumpridos.

Há alguém que pretende medrar dentro da Universidade.

De maneira que, se o reitor se mantiver ali, além de outros aspectos graves, será motivo de novas atitudes, em face de novas medidas que o Govêrno decrete sôbre compressão de despesas.

A Universidade de Coimbra não cumpre e suponho que o seu proceder já está coberto pelo Sr. Presidente do Ministério-Assim ninguém mais cumprirá as leis. A lei é igual para todos, ou então não só cumpre para ninguém.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Tenho a dizer que comunicarei ao Sr. Ministro da Instrução as considerações que S. Exa. fez para se fazer cumprir o decreto publicado sôbre a secretaria da Universidade de Coimbra.

O Sr. Nuno Simões: — Sr. Presidente: pedi a palavra com a presença do Sr. Ministro das Finanças a fim de chamar a atenção de S. Exa. para alguns casos de importância que, quanto a- ruim, demandam a atenção muito particular e especial do Sr. Ministro das Finanças.

Sr. Presidente: sabe V. Exa. e sabe a Câmara que foram votadas autorizações ao Govêrno para remodelar completa-mente o nosso estatuto pautal.

Essa autorização deu ao Govêrno um período de 6 meses para estabelecer o estatuto definitivo. Eu bem sei que o Conselho Superior de Serviços Aduaneiros é que está tratando do assunto e que há-de resolver com justiça.

Decorreram já 6 meses, e até hoje ainda não se tomou qualquer resolução.

Eu bem sei que o Govêrno argumenta dizendo que o caso está entregue ao Conselho Superior dos Serviços Aduaneiros e o facto é que o conselho tem-se ocupado do assunto, mas com grande demora e continuando o assunto por resolver. O Govêrno tem de olhar muito a sério para o caso.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças tem de corrigir os erros das pautas e melhor seria que S. Exa. levasse a sua atenção para êste caso, pois não compreendo que estando S. Exa.

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a usar e a abusar das autorizações (Apoiados) não se preocupe mais com êste problema que vai colidir com a carestia da vida — o problema nacional.

Muitas pessoas têm-se preocupado com a autonomia das colónias; mas o que é certo é que apesar de todos os clamores é a própria metrópole que tem concorrido para separação das colónias.

O Sr. Ministro das Finanças que é um distinto colonial, deve pôr toda a sua atenção e actividade sôbre êste assunto que se refere ao pagamento em ouro. Só se dão às colónias os meios necessários, política e administrativamente, porque não se hão-de dar em relação a outros serviços?

É um problema nacional que tem de ser ràpidamente resolvido.

É necessário que se pense a sério nestas questões.

O Sr. Ministro das Finanças não desconhece nenhuma das questões de que acabo de me fazer eco; e estou certo de que S. Exa. como de costume, tomará enérgicas e decisivas providências.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Pedi a palavra para responder às considerações do ilustre Deputado Sr. Nuno Simões.

Conhece S. Exa. o que são trabalhos de pautas, que correm com dificuldade. Esta circunstância obrigou-me a abrir um prazo maior para atender a todas as reclamações que foram presentes.

Quanto às pautas referentes aos produtos coloniais, eu já convoquei uma reunião da comissão das pautas para lhe expor a minha opinião, que é favorável ás colónias.

Quanto aos outros pontos devo dizer que a orientação de S. Exa. coaduna-se com a minha.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — O Sr. Cancela de Abreu deseja tratar em negócio urgente
dos decretos do Govêrno que hoje vieram publicados nos jornais.

Nesse sentido vou consultar a Câmara.

Consultada a Câmara, foi rejeitado o ne-

gócio urgente em contraprova requerida pelo Sr. Cancela de Abreu, estando de pé 47 Srs. Deputados e sentados 21.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: não faço por agora comentários à atitude da Câmara abafando a discussão de um assunto que devia ter sido presente ao Parlamento antes de ser conhecido pelos jornais.

O Govêrno não perde pela demora.

Eu pregunto se é assim que a maioria quere dignificar a República e provocar a confiança do País.

Eu pregunto se amanhã haverá algum português que empreste um centavo ao Estado.

Publicou-se um decreto sôbre o jôgo de cambiais que é apenas para os pequenos cambistas.

O pequeno cambista, cuja acção restrita não pode afectar sensivelmente a situação financeira do País, êsse é proibido de vender cambiais; mas a alta finança de poderosa e, por vezes, nefasta influência, essa pode continuar livremente o seu negócio de compra e venda de cambiais.

Sr. Presidente: feitas estas rápidas observações que a deliberação tomada pela Câmara sôbre o meu negócio urgente me sugeriu, eu vou agora entrar no assunto para que pedi a palavra, chamando para êle a atenção ao Sr. Ministro das Colónias.

Há dias eu formulei ao Sr. Ministro das Colónias algumas preguntas concretas a propósito da publicidade paga de alguns artigos laudatórios da pessoa do Alto Comissário de Angola, insertos em vários jornais da capital.

Estou ainda hoje à espera da resposta de S. Exa. se fôr conseqüência, sem saber ao certo qual a sua opinião sôbre o caso.

Eu peço, portanto e novamente, ao Sr. Ministro das Colónias, a cujas qualidades de carácter eu presto homenagem, para dizer à Câmara se concorda ou não com o facto de a Agência Geral de Angola andar a desbaratar grossas quantias com a publicidade de artigos laudatórios do Sr. general Norton de Matos.

Ainda há dias num jornal, creio que daqueles onde essas informações pagas costumavam ser publicadas, vinha um artigo

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intitulado Angola que me fez duvidar da sua origem.

Ora para que estas dúvidas não surjam no espírito público, torna-se necessário que o Sr. Ministro das Colónias esclareça inteiramente a questão e emita sôbre ela o seu parecer.

É isso que eu, desde já, fico esperando de S. Exa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins): — Sr. Presidente: o Sr. Cancela de Abreu fez-me uma pregunta sôbre o que eu penso acerca de determinados actos de que foi acusada a Agência Geral de Angola.

S. Exa. quere, naturalmente, referir-se à apreciação que de determinados documentos fez há dias nesta Câmara o Sr. Cunha Leal.

O Sr. Cunha Leal disse então que determinados jornais de Angola tinham publicado artigos laudatórios da pessoa do Alto Comissário dessa província, ao mesmo tempo que leu vários documentos em que se provava que êsses artigos haviam sido pagos pela Agência Geral de Angola.

Ora quere-me parecer que as conclusões que o Sr. Cancela de Abreu pretende tirar das afirmações feitas pelo Sr. Cunha Leal não são inteiramente exactas.

Em todo o caso, eu, que não conheço em todas as suas minúcias a vida administrativa da província de Angola, devo dizer que se êsses artigos laudatórios da pessoa do seu Alto Comissário tivessem sido pagos — no que não creio — pela Agência Geral, eu não podia deixar de discordar de tal procedimento...

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Eu reportei-me ao que aqui disso o Sr. Cunha Leal. S. Exa. demonstrou que tinha havido dois jornais que tinham publicado artigos laudatórios do Sr. Norton de Matos, a tantos escudos a linha.

S. Exa. citou mesmo o nome dêsses jornais.

Não pode, pois, haver dúvidas a tal respeito.

O Orador: — Eu estou convencido de que os artigos pagos, se os houve, não

foram de elogio ao Sr. Norton de Matos, mas sim de propaganda da província; Q, sendo assim, eu nada tenho que objectar...

O Sr. Norton de Matos: — O que eu posso garantir é que foram pagos determinados artigos contra mim.

O Orador: — Eu julgo, Sr. Presidente, ter respondido ao Sr. Cancela de Abreu de forma a satisfazer o desejo que S. Exa. manifestou de ouvir a minha opinião.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Lamento que o Sr. Ministro das Colónias pretenda negar a veracidade dum facto absolutamente comprovado.

O Sr. Cunha Leal leu, em plena Câmara, os próprios recibos.

Uma voz: - Os artigos não leu.

O Orador: — Escutem. Evidentemente ninguém pode ter dúvidas de que os artigos foram pagos. Não elogiavam pessoalmente o Alto Comissário de Angola, mas o que é certo é que os cofres do Estado pagaram artigos laudatórios da obra do Alto Comissário, o que é inadmissível.

Não pode o Estado estar a despender dinheiro em artigos de jornais elogiando a obra seja de quem fôr.

Então a imprensa não está disposta a publicar elogios gratuitamente quando a obra seja digna deles? £É preciso que a Agência Geral de Angola os pague a tanto por linha?

Os jornais fizeram elogios pagos.

Não é preciso deturpar os factos.

Foram feitos elogios à obra do Alto Comissário, pagos a tanto por linha, e S. Exa. há-de concordar que se a obra se impõe não é preciso pagar artigos elogiando essa obra. Ela se imporá, repito, ao respeito de todos, sejam quem forem.

Tenho pena de que não esteja presente o Sr. Cunha Leal.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins): — Pedi a palavra para esclarecer a Câmara sôbre uma notícia vinda na Época, de ontem, que lamentável seria

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que fôsse verdadeira, o que felizmente não sucede.

Diz a Época que o Alto Comissário de Moçambique recebeu encapotadamente 120 contos, razão por que se não interessa que os seus vencimentos estejam atrasados.

Ora, o que aconteceu foi que o Sr. Rodrigues Gaspar, quando Ministro das Colónias, conseguiu que o Banco Nacional Ultramarino concedesse à província de Moçambique um empréstimo gratuito de 1:300 contos, nos termos do contrato de 1919, empréstimo que a província estava autorizada a realizar.

Dêste dinheiro o Banco só pôs à disposição do Ministro a quantia de 5:000 libras convertidas em escudos, ao câmbio de 2 3/8.

Como o Sr. Rodrigues Gaspar tinha necessidade de mandar a Londres uma missão que fôsse negociar com o general Smuths a convenção, e, nos meios financeiros, o empréstimo que já está sendo discutido nesta Câmara, e não tendo a colónia de Moçambique disponibilidades para ocorrer a essas despesas, realizou êsse empréstimo, a que a colónia tinha direito, mas que ainda não tinha, utilizado.

As 0:000 libras ficaram no Banco, depositadas à ordem do Alto Comissário de Moçambique, das quais foram logo levantadas 1:200 e entregues ao Sr. Augusto Soares, chefe da missão a Londres.

Êsse dinheiro não chegou, razão por que foram levantadas mais 800 libras, e enviadas em cheque, por não própria, de um dos membros da comissão que eventualmente se encontrava em Lisboa.

Êsse dinheiro não foi integralmente gasto pela missão, pois que na agência do Banco Ultramarino, em Londres, depositou o chefe da missão 200 e tal libras, e em Lisboa entregou ainda 130 libras, só bem me recordo.

Em números redondos, a nossa missão em Londres custou 1:700 libras. Restam, portanto, 3:000 libras, que estão à ordem do Alto Comissário do Moçambique, e que pertencem àquela província.

Como a Câmara vê, as contas do Estado são lisas. Tudo quanto se fez foi dentro da mais perfeita das correcções, sendo absolutamente destituídas de fundamento as afirmações do jornal A Época.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (António Fonseca): — Sr. Presidente: no dia 26 do mós passado tive ocasião de apresentar, à Câmara dos Deputados uma proposta de lei tendente a habilitar o Poder Executivo a acudir ao estado deplorável das nossas estradas, pedindo para essa proposta a urgência, que a Câmara benevolamente concedeu.

E evidente que quando se pede a urgência para uma proposta se supõe que ela deverá ser discutida antes do prazo normal em que o Regimento manda dispensar os próprios pareceres das comissões, isto é, antes do prazo de vinte dias. Sem isso a palavra «urgência» não teria razão de existir neste caso.

Sucede, porém, que a comissão de obras públicas, para a qual foi enviada a minha referida proposta, ainda nem sequer está constituída, não tendo essa proposta, que é de altíssima importância para o país, ainda relator.

Isto equivale a dizer que, a despeito da votação da urgência, a proposta não conseguirá obter qualquer espécie de parecer com a rapidez que o caso reclama.

Por essa proposta estabelece-se, entre outras cousas, regulamentações difíceis, a adopção de determinadas providências, a elaboração de planos e a realização de empréstimos, porventura difíceis de efectivar. Estabelece-se ainda que todas estas providências a adoptar pelo Poder Executivo terão de estar concluídas em 1 de Julho de cada ano económico em relação às verbas a despender no ano económico seguinte.

Se porventura a minha proposta não tiver uma rápida sanção parlamentar, ela resultará inútil; e como eu não estou neste lugar para praticar actos nulos peço a V. Exa., Sr. Presidente, que consulte a Câmara sôbre se autoriza que independentemente dos pareceres das comissões, se faça na próxima quarta-feira a discussão desta proposta, com prejuízo dos oradores inscritos ou que venham a inscrever-se.

Julgo que presto nesta minha solicitação à Câmara um serviço ao País e sobretudo um serviço a mim próprio, porque não me seria possível, dada a minha posição relativamente à questão das estradas, aceitar de bom grado que um pró-

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blema desta magnitude fôsse arrastado e protelado por mais tempo.

Parece-me que não é exagerado o pedido que apresento, com a consciência de que satisfaço uma aspiração nacional e de que correspondo ao clamor geral de indignação que se levanta por todo o País contra o estado lastimoso das nossas estradas.

Espero dever à Câmara mais esta fineza de me auxiliar a resolver êste problema que, segundo entendo» é um dos mais fundamentais para a economia nacional.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi aprovado o requerimento do Sr. Ministro do Comércio.

O Sr. Júlio de Abreu: — Sr. Presidente: chamo a atenção do Sr. Ministro das Colónias para o caso a que vou referir-me.

Há funcionários, e sobretudo magistrados judiciais, pertencentes, à nossa colónia da índia, que há quatro ou cinco meses foram dados aptos para seguirem viagem, sem que, até à data, tivessem obtido os meios de serem conduzidos para lá.

Êste facto prejudica-os imenso, pois, além de perderem promoções, são lesados nas suas diuturnidades de serviço e nos seus vencimentos.

Peço ao Sr. Ministro das Finanças que providencie, de forma a que êsses funcionários possam seguir o seu destino.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins): — Na verdade é deverás curiosa a situação em quê se encontram os magistrados judiciais a que se referiu o Sr. Júlio de Abreu, e que ao encontram na metrópole à espera de que lhes sejam dadas as passagens pára regressarem à índia.

Já insisti telegráficamente com o Sr. Governador Geral da índia para enviar fundos para a metrópole a fim dê com êles poder ocorrer às desposas a fazer com a viagem dêsses funcionários.

O caso é grave, visto que êsses magistrados já acabaram a licença que haviam tido e estão, portanto, aqui retidos, perdendo tempo para a contagem de serviço.

Creio ter tomado já as providências que poderia adoptar, insistindo pela remessa de fundos. E pode S. Exa. estar certo de que continuarei empregando todos os esfôrços para conseguir que os fundos precisos venham para pagar as viagens dos funcionários que têm de seguir para a índia.

O orador não Previu.

O Sr. Lelo Portela (para interrogar a Mesa): — Desejava dar o meu voto favorável ao requerimento do Sr. Ministro do Comércio, mas não tive ocasião de votar; de maneira que desejo que V. Exa. me diga se a votação já está feita, pois desejava fazer uma declaração sôbre essa votação.

O Sr. Presidente: - A votação está feita e dela resultou ter ficado aprovado o requerimento.

O Orador: — Então devo declarar que não concordo que se traga para a discussão no período do «antes da ordem do dia» qualquer projecto ou proposta com prejuízo dos oradores inscritos ou a inscreverem-se.

Entendo que para isso se deveria então dividir àquele período em duas ou três partes distintas.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Está em discussão a acta.

Pausa.

Como ninguém peça a palavra, considero-a aprovada.

Seguidamente deu-se conta ao expediente que depende de resolução da Câmara.

É o seguinte:

Pedido de licença

Do Sr. João de Sousa Uva, pedindo vinte dias de licença.

Concedido.

Ofício

Do Conselho Superior de Disciplina do Exército, pedindo autorizarão para os Srs. Alberto Jordão e Manuel Fragoso deporem como testemunhas.

Negado.

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Admissão

Foram admitidos à discussão os seguintes

Projectos de lei

Do Sr. Manuel de Sousa Coutinho, alterando a redacção do artigo 10.° do decreto n.° 7:823.

Para a comissão, de guerra.

Do Sr. João de Ornelas da Silva, isentando de direitos e impostos do Estado o material, a importar, para a Associação de Bombeiros Voluntários de Angra do Heroísmo.

Para a comissão de administração pública.

Do Sr. Carlos Olavo, isentando do manifesto os capitais em letras compreendidos no n.° 3.° do artigo. 3.° do decreto n.° 8:719 e obrigando os portadores dessas letras a dar relações, até o fim de cada semestre, das protestadas no semestre anterior.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Última redacção

Projecto de lei n.° 148

Que repõe em vigor o artigo, 1.° da lei n.° 301 sôbre ónus ou enfiteutas entradas na posse do Estado, por efeito do regime da separação das igrejas.

Aprovada.

Remeta-se ao Senado.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Vai procederão à votação nominal da proposta de lei n.° 649, na generalidade.

Procede-se à chamada.

O Sr. Presidente: — Disseram «aprovo» 52 Srs. Deputados; disseram «rejeito» 25 Srs. Deputados.

Está aprovada.

Disseram «aprovo» os Srs.:

Abílio Correia da Silva Marçal.

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Alberto Ferreira Vidal.

Alberto Xavier.

Albino Pinto da Fonseca.

Álvaro Xavier de Castro.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Américo da Silva Castro.

Ângelo de Sá Conto da Cunha Sampaio Maia.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Alberto Tôrres Garcia.

António Correia.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António Lino Neto.

António Pais da Silva Marques.

António de Paiva Gomes.

António Resende.

Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

Augusto Pereira Nobre.

Augusto Pires do Vale.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.

Carlos Eugénio de Vasconcelos.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Delfim de Araújo Moreira Lopes.

Fausto Cardoso de Figueiredo.

Francisco da Cunha Rogo Chaves.

Francisco Dinis de Carvalho.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

Jaime Júlio de Sousa.

João Baptista da Silva.

João Estêvão Águas.

João José Luís Damas.

Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.

Joaquim José de Oliveira.

Joaquim Narciso da Silva Matos.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

José Pedro Ferreira.

Júlio Gonçalves.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Luís da Costa Amorim.

Manuel Alegre.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Mariano Martins.

Pedro Augusto Pereira de Castro.

Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.

Vasco Borges.

Vergílio Saque.

Disseram «rejeito» os Srs.:

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Alberto Lelo Portela.

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Alberto de Moura Pinto.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Amaro Garcia Loureiro.

António Augusto Tavares Ferreira.

António de Sousa Maia.

António Vicente Ferreira.

Bernardo Ferreira de Matos.

Custódio Martins de Paiva.

Hermano José de Medeiros.

João de Ornelas da Silva.

José Marques Loureiro.

José Mendes Nunes Loureiro.

Lourenço Correia Gomes.

Lúcio de Campos Martins.

Manuel Brito Camacho.

Manuel Ferreira da Rocha.

Mário de Magalhães Infante.

Matias Boleto Ferreira de Mira.

Paulo Cancela de Abreu.

Paulo da Costa Menano.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Tomás de Sousa Rosa.

Tomé José de Barros Queiroz.

O Sr. Presidente: — Vai passar-se à discussão na especialidade.

Leu-se na Mesa o artigo 1.°

O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: vou mandar para a Mesa uma proposta de substituição do corpo do artigo 1.° e outra proposta de substituição do § 1.° do mesmo artigo.

A primeira visa a incluir na automação dada ao Govêrno a faculdade de suspender além de quaisquer diplomas emanados do Poder Legislativo os diplomas emanados do Poder Executivo no exercício ou não de funções constitucionais.

Efectivamente, não haveria razão para que, dando-se ao Govêrno a faculdade de suspender despesas adiáveis constantes de leis, se lhe não dêsse igual faculdade em relação a despesas autorizadas ou previstas em decretos com fôrça do lei ou sem ela. É mais uma questão de esclarecimentos nesta parte, e no mais é uma questão de redacção. É conforme o que eu disse, quando falei na generalidade, mando para a Mesa uma substituição ao § 1.°, no sentido de que a autorização pedida vigora apenas até ao fim do ano económico e considera-se logo suspensa no caso de ser adiada ou interrompida -a presente sessão legis-

lativa. Ela visa a assegurar a presença ao lado do Poder Executivo do Poder Legislativo para fiscalizar o devido comprimento da lei.

Devo dizer que com estas modificações acoito inteiramente a medida que se contém na proposta de lei, porque era primeiro lugar ela não representa mais do que uma ligeira ampliação das duas leis-travões publicadas em 1913 e 1915, e em segundo lugar porque tenho ainda enraizada em mim a convicção de que não há leis nem decretos que, obriguem a despesas quando não há com que custear essas despesas.

Parece-me que isto é uma cousa comezinha de que os homens públicos se têm alheado, mas de que eu, simples parlamentar, não me sei alhear. O Estado só pode gastar aquilo que tem nos seus recursos; e contar como recursos a emissão de notas a que não corresponde nenhuma garantia que lhes dê algum valor, parece-me que é um êrro.

Apoiados.

Nós temos vivido desde o fim da guerra um pouco neste êrro; a guerra fez-nos adquirir, enquanto durou, esta noção de que só se deve gastar aquilo que se tem. Depois da guerra, em lugar de se voltar a esta noção, continuámos esquecidos dela, e o resultado foi que aumentámos consideràvelmente as despesas sem cuidarmos de obter receitas.

Parece-me que desde que nós queremos voltar à noção; em que nos encontrávamos, temos de restringir as despesas à medida: dos nossos recursos. Por isso, em boa verdade, eu considero que a proposta de lei do Govêrno é o restabelecimento, mas incompleto, desta noção singela que acabo de expor à Câmara: não se deve gastar aquilo que se não tem.

É por isso que, com estas modificações que proponho, concordo inteiramente com a proposta do Govêrno.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foram lidas e admitidas as propostas de substituição do Sr. Almeida Ribeiro.

São as seguintes:

Proponho que o corpo do artigo 1.° seja assim substituído:

Artigo 1.° É permitido ao Poder Executivo suspender a execução de qualquer

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diploma emanado dele ou do Poder Legislativo do qual resulte aumento de despesas, e bem assim reduzir ou eliminar qualquer dotação inscrita nós orçamentos do Estado quando a respectiva despesa possa, sem graves inconvenientes, ser adiada, ou suprimida.— Almeida Ribeiro.

Proponho que o § 2.º do artigo 1.° seja substituído pelo seguinte:

§ 2.º A permissão concedida por êste artigo vigora somente até o fim do actual ano económico, e considera-se desde logo suspensa no caso de ser adiada ou por algum outro motivo interrompida a corrente sessão legislativa.—Almeida Ribeiro.

O Sr. Barros Queiroz: — Sr. Presidente: a situação que o País atravessa impõe medidas excepcionais de molde a remediar os males que há muito vêm afligindo o Tesouro Público. Impõe aos Governos, como impõe ao Parlamento, a obrigação de tomarem providências tendentes à. resolução dessa crise.

Mas o processo por que o Govêrno do Sr. Álvaro de Castro pretende resolver essa crise é absolutamente inaceitável dentro dum regime parlamentar como o nosso e duma democracia como a nossa.

Apoiados.

Não há o direito dum Parlamento, representando ama Constituição nos termos da nossa, abdicar dos seus direitos em favor do Poder Executivo sem prèviamente se ter assegurado do uso que o Govêrno pode fazer duma autorização que lhe vai dar.

Em qualquer hipótese, eu não votaria nunca uma autorização ao Govêrno do Sr. Álvaro de Castro, como a qualquer outro, com a latitude da autorização que S. Exa. nos veio pedir; mas depois, de ver o uso possível que S. Exa. fará dessa autorização, entendo que nenhum parlamentar que seja republicano e que se preze de o ser, pode votar uma autorização dessa natureza:.

Apoiados das direitas.

Os decretos que hoje vi no Diário do Govêrno, digo, no Diário de Noticias...

Uma voz da direita: — É a mesma cousa!

O Orador: — Esses decretos deixaram-me espantado, surpreendido e assombra-

do, com a possibilidade do uso futuro de uma autorização tam lata como o Govêrno nos pede e ou vejo que alguns Deputados estão dispostos a votar.

O Sr. Carlos Olavo: — E que são tam republicanos como V. Exa.!

Uma voz da direita: — Há dúvidas!

O Sr. Ferreira de Mira: — Mas que entendem a República de outro modo.

O Sr. Carlos Olavo: — Desafio o paralelo!

O Orador: — Para se ser republicano e aceitando o princípio que foi estabelecido no meu País, têm que se observar as disposições da Constituição, têm que se respeitadas leis.

O Sr. Carlos Olavo: — Quem sustentou a ditadura Sidónio Pais não é republicano também.

O Orador: — Nunca defendi ditaduras; sempre aqui e lá fora defendi os princípios democráticos!

O. Sr. Carlos Olavo; — Mas, não tem V. Exa. o direito de fazer afrontas aos princípio» republicanos dos outros.

O Orador: — Eu não fiz afrontas a ninguém; disse que não se afirmam os princípios republicanos quando se desrespeita á Constituição; e a Constituição não permite que o Parlamento abdique, não dos seus direitos, mas dos seus deveres em favor do Executivo.

Apoiados das direitas.

Mas se isto é quanto à questão de princípios, quanto à questão dos factos o caso é mais grave neste momento. Realmente, o decreto que o Govêrno publicou, usando duma autorização que não lhe foi concedida, dá uma idea do que se pode esperar da sua acção futura à sombra desta autorização. A oito meses da votação duma lei, o Poder Executivo vem mostrar que o Estado falta aos seus compromissos.

A partir dêste momento, o Estado não tem mais o direito de recorrer ao crédito publico, porque já ninguém confiará mais

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Sessão de 11 de Fevereiro de 1924 13

neste Estado que falta aos sons compromissos da maneira que acaba de ver-se.

O decreto publicado relativo ao juro do empréstimo do 6 1/2 por cento, é um decreto de tremendas conseqüências, é um decreto que há-de custar caro ao País, porque lhe há-de fechar as portas do crédito. Todos sabem que eu condenei a realização dêsse empréstimo por considerá-lo nefasto aos interêsses da Nação; mas uma vez que foi aprovado, o Estado contraiu obrigações a que jamais deveria faltar.

O Govêrno também entendeu que devia legislar sôbre matéria bancária e que devia nomear para cada Banco um fiscal que servirá gratuitamente.

Não sei se haverá alguma alma generosa que se preste a desempenhar funções de tal responsabilidade, gratuitamente. Sei que há-de ser dos lugares mais cobiçados por muita gente — não por mim — porque serão as funções mais altamente remuneradas do nosso país. Se é isto que o Govêrno pretende, lançando mais lama sôbre os homens o, porventura, maior descrédito sôbre o regime, maus actos pratica o Govêrno.

Em relação ao Banco de Portugal vejo que se estabelece doutrina inqualificável. Determina-se que êsse Banco modifique o seu estatuto sem convocar para isso a assemblea geral.

Já para nada servem as disposições do Código-Comercial e mais legislação aplicável, que devem ser seguidas para as modificações que as sociedades anónimas queiram introduzir nos seus estatutos!

O Sr. Carlos Olavo: — O que é que está em discussão?

Creio que a generalidade já foi discutida e agora trata-se do artigo 1.°

Protestos das bancadas da minoria nacionalista.

O Orador: — Quem está com a palavra sou eu; e se, porventura, estou fora da ordem, só ao Sr. Presidente reconheço o direito de me interromper.

Apoiados.

O Sr. Carlos Olavo: — Mas V. Exa. não tem direito de estar a tratar de generalidades, quando a discussão já está sendo feita na especialidade.

O Orador: — V. Exa. com essa sua atitude só consegue que ou ainda diga mais do que aquilo que tencionava dizer.

O Sr. Carlos Olavo: — Não tem direito de o fazer. Está praticando um acto contrário à vontade da Câmara.

Protestos da minoria nacionalista.

O Sr. Ferreira de Mira: — O que arde cura.

O Orador: — Antes de prosseguir quero preguntar a V. Exa., Sr. Presidente, única entidade que me pode advertir a tal respeito, se eu estou fora da ordem.

Pausa.

O Sr. Presidente: — Peço a V. Exa. que continue no uso da palavra.

O Orador: — Eu estava estranhando que o Govêrno, por um simples decreto seu, impusesse ao Banco de Portugal a obrigação de fazer certos actos que ao Govêrno poderão convir, e que ainda o obrigasse a aceitar no conselho fiscal um representante do Estado, sabendo-se que já está nesse Banco um tal representante, que é o governador que tem direito de voto, além de um secretário geral que tem o dever de verificar se as formalidades legais são ou não cumpridas pela direcção do Banco.

O novo representante do Estado não tem funções de nenhuma natureza; e a sua nomeação é uma cousa vexatória para todos os elementos que estão dentro do Banco. Mas não é esse o ponto que me interessa. O que eu quero estranhar é que o Sr. Ministro das Finanças, por um simples decreto, mando alterar as formas do contrato feito, revogando e modificando leis, e ainda imponha a êsse Banco a obrigação de modificar os estatutos sem convocar a assemblea geral.

Há um outro decreto que manda o Banco de Portugal que lhe entregue a prata, cujo valor já tinha recebido.

Não sei se a Câmara conhece bem o que se passou.

O Sr. Vitorino Guimarães tinha pedido autorização à Câmara para vender a prata que estava no Banco de Portugal e era propriedade do Estado, para converter em ouro e para com êle emitir notas.

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Não estava, porém, clara essa lei; e o Sr. Cunha Leal, muito francamente, trouxe à Câmara uma proposta em que autorizava o Govêrno a vender a prata e a convertê-la em ouro, o autorizava o Banco de Portugal a emitir notas representativas do valor dêsse ouro. Por conta dês-se ouro entregou o Banco de Portugal ao Govêrno cem mil contos, e sessenta mil êste ano. Quere dizer, entregou já uma importância equivalente ao total do valor da prata, se é que não o excedeu.

É nesta altura que vem o Govêrno o dizer: «Esses cento e sessenta mil contos adicione-os à minha dívida antiga; e, quanto à prata, queira entregar-ma que eu vou vendê-la o fazer dela o uso que quiser».

É isto o que o Govêrno foz.

Sabem V. Exas. que a depreciação da nossa moeda resulta não só do aumento exagerado e constante da circulação fiduciária, mas muito especialmente do medo, da desconfiança do descrédito que merecem os Governos do país.

Em face do decreto publicado hoje é legítimo a todo o cidadão ter medo a receio pelo dia de amanhã, porque nenhuma garantia tem de que a sua propriedade, os seus bens, os seus direitos, lhe sejam respeitados.

Apoiados.

Parece que o Govêrno quis pôr à prova a maioria que o apoia.

O empréstimo de 6 1/2 por cento, obra da maioria, foi combatido intransigentemente por nós. Pois a oito meses da votação da autorização dêsse empréstimo, vem dizer-se ao país que o Sr. Vitorino Guimarães, cuja honestidade, honradez e vontade de acertar ninguém pôr em dúvida (Apoiados), esteve a mistificar o país para lhe apanhar o dinheiro, faltando o Govêrno aos seus compromissos.

Apoiados.

Ah, Sr. Presidente! Se a Câmara não tiver o gesto de mandar anular imediatamente o decreto, que o Sr. Ministro das Finanças imprudentemente publicou, não haverá mais o direito de recorrer ao crédito público, porque nunca mais o Govêrno encontrará crédito.

Apoiados.

Sr. Presidente: repito: precisam-se de medidas enérgicas o imediatas, mas essas medidas não podem ser da categoria da-

quelas que o Sr. Ministro das Finanças tem publicado, porque são absolutamente ineficazes, perturbando apenas a vida pública portuguesa.

Apoiados.

Se o Sr. Ministro das Finanças tem planos, tem ideas, se quere suprimir, se quere suspender despesas, venha à Câmara apresentar as respectivas propostas de lei que êste lado da Câmara, se reconhecer que realmente qualquer lei pode ser suprimida sem transtorno, dar-lhe há o máximo apoio.

O Sr. Carlos Olavo: — Tem-se visto!...

O Orador: — Desde que o Sr. Ministro das Finanças convença a Câmara de que esta ou aquela lei pode ser suprimida sem. transtorno grave para o país, conte inteiramente com o nosso apoio.

Apoiados.

Agora, autorização para legislar, não!

Apoiados.

É uma abdicação que a Câmara não pode praticar o que eu não pratico, ruas menos a praticaria sabendo antecipadamente que o Govêrno é incapaz de usar dessas autorizações.

Muitos apoiados.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: é para dizer à Câmara que concordo com as alterações apresentadas pelo Sr. Almeida Ribeiro.

Já tinha declarado — creio que numa das ocasiões em que falei nesta Câmara — que as aceitava, tanto mais que o Govêrno não carecia da autorização além de 30 de Junho, porque as medidas que tinha de adoptar as adoptaria até essa data, pensando que elas deviam ter efeito especialmente no semestre corrente.

O Sr. Barros Queiroz rejeitou a autorização ao Govêrno e fi-lo com fundamentos de ordem geral o de ordem particular, referindo-se à utilização que o Govêrno tinha feito da autorização sôbre câmbios.

Efectivamente, a questão posta nesse campo é mais interessante, porque trata já de actos praticados pelo Governo.

Como tive ocasião do afirmar aqui, é Govêrno assume inteiramente a responsa-

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bilidade dos seus actos, e acha muito bem e justo que o Poder Legislativo analise os documentos que o Govêrno publique em face das autorizações concedidas, para julgar só aqueles estão ou não compreendidos no âmbito dessas autorizações.

O Sr. Carlos Olavo: — Na sua oportunidade, é que é!...

O Orador: — O Govêrno não pediu autorização sôbre câmbios. Essa autorização partia da Câmara dos Deputados, creio que da parte do Sr. Almeida Ribeiro, e aprovada pela maioria.

Efectivamente, entendo que se deve discutir se as medidas que o Govêrno publica cabem ou não nas autorizações e se têm valor ou eficácia no sentido que o Govêrno e o Poder Legislativo desejam; mas parece-me que, propriamente, o que interessa é saber só o Govêrno excedeu a autorização, e isso no momento em que se discutirem os actos por êle praticados.

Quanto às medidas tomadas pelo Govêrno, o Sr. Barros Queiroz a elas se referiu e por isso eu lhes faço agora referencia, afigurando-se-me, que a Câmara quererá num debate mais largo tratar delas.

Não obstante, não posso deixar de fazer algumas considerações em resposta ao que disse aquele ilustre Deputado, para não ficarem algumas afirmações que não são exactas.

Estão os decretos publicados pelo Govêrno compreendidos dentro da autorização concedida pelo Poder Legislativo?

Todos se recordam da discussão que aqui se fez a propósito dessa autorização, que foi apresentada pelo Sr. Almeida Ribeiro.

Por iniciativa de um Deputado da maioria esta autorização teve um aditamento que a modificou profundamente e, contrariamente ao pensamento dêsse Deputado, alargou grandemente a sua latitude.

Queria este aditamento porventura deminuir o alcance da autorização; mas ela ficou muito mais lata, podendo o Govêrno decretar em tudo que dissesse respeito à matéria de câmbios, quando não se tratasse de impostos ou contribuições.

No orçamento o nas nossas leis estão descritos a que são impostos e contribui-

coes e outras receitas do Estado, o daqui derivou infelizmente o conceito de que o Govêrno a.propósito desta autorização podia publicar decretos de valor legislativo sôbre todas as matérias que poderiam influir na situação do País.

Assim o Govêrno decreta as medidas mais urgentes que entende poderem influir directamente nos câmbios, fundado na autorização dada pelo Parlamento.

Aqui está exposto o critério do Govêrno na interpretação dessa autorização.

O Parlamento julgará se o Govêrno praticou um acto justificado, convencido de que a referida autorização o autoriza a proceder assim.

Mas o Govêrno subordina os seus actos à acção, desta Câmara o do Senado e o Parlamento aprecia e rejeita ou aprova os seus actos.

Claramente o Govêrno diz que entende que cada um tem a sua função: Poder Executivo e o Poder Legislativo.

O Govêrno usará da sua acção com energia e decisão, e o Parlamento claramente manifesta se tem critério diferente do Govêrno.

Mas é necessário mais que nunca que o Parlamento defina a sua atitude.

Se discorda da orientação do Govêrno di-lo claramente; e se está de acordo com ela, mostra-lhe a sua opinião favorável.

Efectivamente houve interêsses feridos; mas os interêsses do Estado sobrepõem-se aos interêsses particulares que também são legítimos.

As considerações do Sr. Barros Queiroz não me parecem fundadas no que se refere às medidas publicadas.

S. Exa. referiu-se especialmente à medida que fixa o juro do empréstimo de 6 por cento.

Com respeito a êsse empréstimo, o não outros feitos pela República, dão-se circunstâncias de aumento constante do juro pela mecânica dêsse empréstimo, conforme as medidas aprovadas pelo Parlamento que votou êsse empréstimo, mas cujas medidas não acompanham a realização do empréstimo, por culpa seja de quem fôr.

Era necessário, pois, e urgente atender a essas circunstâncias, não deminuindo-os lucros daqueles que tinham empregado os seus capitais, e tornando mais-

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válidos os seus títulos, aguardando a melhoria da nossa situação cambial e valorização do escudo.

Sr. Presidente: é o momento de se dizer que na história financeira de um País, o particular tem certos direitos; mas a mesma situação jurídica que têm os particulares devo tê-la o Estado.

Nunca o crédito dum Estado foi abalado pela circunstância de reconhecer a tempo que tinha necessidade de recorrer a processos enérgicos-, para restabelecer o seu crédito, reduzir as suas despesas, indo até à redução dos juros da própria dívida pública, porque essa é a única garantia da possibilidade de pagamentos futuros e de readquirir as condições de pagamento anteriores a essa redução.

Não é um exemplo novo na dívida pública portuguesa. São aos milhares os exemplos; e conseqüentemente a essas honestas operações há-de suceder situação de maior desafogo.

A legisladores que conhecem a história financeira de vários países, e especialmente a do nosso, seria inútil citar factos que estão na memória de todos.

Mas porque não havemos de relembrar factos da nossa história para afirmarmos uma verdade incontestável?

Sr. Presidente: quando o país saiu da grave crise económica e financeira que foi o facto final das lutas liberais em 1852, a sua situação era verdadeiramente desgraçada. Porém, houve um homem, cujo nome ficou gravado na história, que pra-v tico u na verdade uma medida honesta, que foi a redução dos juros da dívida pública, e que, incontestavelmente, não agravou ou abalou o descrédito do Estado. De 1852 cm. diante, começou o abuso enorme do recurso ao crédito externo, que veio a ser um dos males profundos, que nos afectaram na crise de 1891.

Sr. Presidente: não se pode comparar o crédito do Estado ao crédito dos particulares.

Quando impendem sôbre o Estado responsabilidades de vária ordem, e que tornam urgentes tomar medidas que são de salvação nacional, essas medidas têm de adoptar-se a tempo para evitar que o Estado seja obrigado a não satisfazer os seus encargos.

Sr. Presidente: é um critério governativo, é uma orientação definida, que está

perante a Câmara. Tem a sua lógica conclusão, tem o seu caminho traçado. Todos o vêem e compreendem.

A Câmara, neste momento, não julga unicamente os actos dos governos passados, julga uma orientação que está definida, e a Câmara tem claramente de dizer se aprova ou não.

O Sr. Barro a Queiroz referiu-se também ao diploma que regula as relações do Estado com o Banco de Portugal.

Não contém na parte relativa a fiscalização doutrina nova, porque essa fiscalização é imposta, porque o Estado tem o direito de impor ao Banco de Portugal, banco do Estado, uma fiscalização que é exigida por circunstâncias conhecidas de todos os republicanos. É necessário que o Estado não tenha no seu primeiro estabelecimento bancário o foco do reacção contra a política republicana.

O Sr. António Maia (em aparte): — O foco de reacção deve estar onde se encontram as 400:000 libras.

O Orador: — E necessário que a acção do Estado se exerça, que as revogações do estatuto, que aliás tem sido várias vezes feita, até a pedido do próprio banco, se faça também para que o Estado obtenha uma situação que aliás deve ter em relação ao primeiro estabelecimento de crédito do Estado.

A nomeação gratuita é porque o Govêrno imagina poder encontrar pessoa com idoneidade para poder exercer essa função, - quer com carácter permanente, quer analisando, como já hoje se faz, desde que se estabeleceu a Inspecção de Câmbios.

Não é razoável, ao que parece, salvo o devido respeito, a argumentação do Sr. Barros Queiroz referente à prata; porque a prata não foi vendida — está para ser vendida. A prata não cauciona cousa alguma porque a circulação fiduciária foi emitida sem essa caução. A circulação fiduciária foi emitida sem caução alguma; e já depois de toda emitida é que se disse para o Estado depositar essa prata representativa de ouro, facto que aliás inabilita o Estado de servir-se do ouro, o que seria de toda a vantagem, para activar sôbre os câmbios, até mesmo sem o despender, meramente pela sua presença como

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uma massa de ouro que existisse à disposição do Govêrno PUI vez do ficar inerto nas caixas do Banco do Portugal sem nenhuma espécie de valorização, como se fôsse um bocado de cortiça sem valor.

Não ô minha a doutrina. De rosto não teria a audácia do, numa assemblea tam culta, a vir expender se não tivesse muitos cultores de finanças e economia em que essa doutrina se encontra exposta.

Mas, Sr. Presidente, alarguei-me demasiadamente nas minhas considerações porque não sei se a Câmara quere discutir neste momento o uso que o Govêrno fez da autorização relativamente a publicação dos decretos do bojo ou se entende e isso seria um trabalho parlamentar mais eficaz, mais legítimo o lógico — que a propósito dêsse assunto se devo abrir uma inscrição especial.

O Govêrno deseja essa discussão porque carece demonstrar à Câmara e demonstrar ao Pais os seus intuitos e de afirmar mais uma vez, com a certeza absoluta de não errar, que o passo dado é bom passo, queiram ou não os detractores, queiram ou não aqueles que por doutrina ou por critério diverso vêm o problema por outra face. O passo dado, a orientação seguida até agora é sólida tenham a certeza disso todos aqueles que queiram ver o problema despreocupadamente, porque, ao passo que se obtém para o Tesouro Público uma receita superior a 800:000 libras, õ Govêrno fica habilitado com uma massa de ouro que irá até 1:400:000 libras. Há ainda a atender à circunstância de não termos necessidade, que seria fatal e inevitável, do aumento da circulação fiduciária num curto prazo de tempo. Tudo isto lhes dará a certeza dó que em pouco tempo elas estarão numa situação superior à que estariam recebendo 20, 30 ou 50 escudos.

A previdência, porventura, não é dos particulares é só do Estado.

O Govêrno intervindo nestes assuntos, parecendo ferir determinados interêsses, diz a êsses mesmos interêsses: esperem porque o seu juro há-de ser recebido integralmente e em condições tais que o que receberem há-de ser em moeda valorizada.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Palavras, palavras. O pior são os factos.

O Orador: — O Govêrno tem a convicção do que as suas medidas serão eficazes obtendo bons resultados; essas medidas não serão recebidas por todos com aplauso porventura, por divergência de doutrina, de critério, porventura por interêsses legítimos feridos; mas, quando os homens do Govêrno se abalançaram a assumir a responsabilidade do Poder, deitaram para trás das costas todos os receios do que à sua obra se façam ataques porventura impiedosos, sabendo perfeitamente que o caminho a trilhar é cheio de abrolhos.

Integrados no espírito republicano que tem animado todos, ainda que com divergência de critério, cavamos caminhando para aquilo que é necessário fazer, a regeneração financeira da República Portuguesa que, aliás, é entibiada por todos aqueles que na República vêem uma ameaça aos seus inconfessáveis interêsses.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Moura Pinto: — Nunca, Sr. Presidente, como Deputado da Nação, no uso dos meus direitos e na convicção plena dos meus deveres, me senti mais deminuído em face de uma situação política, cuja chefia nos choca por a sua flagrante mediocridade. Tudo se desvaloriza, moeda e homens, é certo; mas os tristes destinos e maus azares deste infeliz país têm levado, por vezes, à posição culminante da Presidência do Ministério não-valores abaixo de toda a nossa concepção. E curioso contrassenso! Êsses não valores afectam nas horas decisivas olímpicos desdéns perante os homens e as assembleas de que carecem, como se a comédia do uma superioridade pudesse suprir a sua nenhuma valia.

São muito felizes os Srs. Ministros, é acima de tudo os Srs. Presidentes do Ministério, pois que;, quer seja por uma real e verdadeira falta de inteligência, ou por uma vulgar e ocasional amnésia, podem fàcilmente esquecer os nomes dos Srs. Deputados da Nação que intervêm nos debates ou colaboram na legislação do, país. É tam avultado o seu número! É tam constante, a sua intervenção como legisladores! E assim só compreende que não ocorresse o meu nome, modesto e obscuro

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que êle é, ao homem que as incompatibilidades políticas dos homens da República puseram em situação a que, sem elas, nunca poderia ter sido guindado.

Menos felizes somos nós, os Deputados da Nação!

Se podemos ignorar os nomes dalguns Srs. Ministros que, inúteis e estéreis, passam como sombras vãs por as cadeiras do Executivo, é-nos muito difícil ignorar, na nossa função, aqueles que pelos seus malefícios se tornam conhecidos, e muito menos podemos ignorar o nome do Presidente do Ministério, quando, pelas suas obras nefastas, uma cidade inteira, um país inteiro, ao lado dos adjectivos que qualifiquem a sua incompetência ou a sua insensatez, vão declinando impiedosamente o seu nome.

O nome do desastrado estadista que mereça essa malfadada consagração, se não tem direito a entrar na História, é da história dos nossos dias, e vem no ouvido, vem no cérebro, como um remorso percuciante dos maus dias que as nossas paixões estão preparando à Pátria. Ao chegarmos ao Parlamento, como desconhecê-lo? como ignorá-lo?

Rumores no sector do grupo da Acção Republicana.

Sr. Presidente: a V. Exa., que não a mais ninguém, pregunto se as minhas palavras destoam da correcção parlamentar, ou se estou saindo dos domínios do meu direito na crítica que entendo fazer aos actuais acontecimentos políticos.

A um sinal do Sr. Presidente da Câmara, o orador volta às suas considerações:

O Orador: — Sr. Presidente: não me refiro, não tenho sequer de me referir às qualidades pessoais ou à probidade de quem quer que seja—cousas que estão fora do debate — mas eu pertenço à velha escola em que o amor com amor se paga, e nesta permuta de afectos precisava manifestar, como exórdio, ao homem que se senta na Presidência do Ministério consideração política igual à que êle manifestara por um Deputado da Nação e dar a V. Exa. e à Câmara a necessária explicação do motivo por que quer queira quer não, terei de reconhecer a existência dum Presidente de Ministério que, infelizmente para nós todos, é hoje bem conhecido em

Lisboa, como será amanhã pelo país todo quando os seus famosos decretos de perturbação nacional chegarem às mais afastadas aldeias.

Fui chamado ao debate, não por o ligeiro incidente que creio ter deixado bem liquidado, mas por uma estranha e atrevida interpretação que o Sr. Presidente do Ministério houve por bem dar a uma emenda minha sôbre a autorização que a maioria, em má hora, deu ao Govêrno para regular a situação cambial. Recorda-se V. Exa., recorda-se a Câmara? Era uma autorização melindrosa, tam melindrosa que todos os Presidentes de Ministério à altura das suas responsabilidades, se dispensavam de a pedir, e, depois de dada, se dispensavam de a agradecer como dádiva que prestasse. Mas porque ao actual Presidente do Ministério serve tudo, quanto lhe dê permanência no Poder, à espreita de azado ensejo para algum dos seus confusos golpes com que forje uma situação de destaque na política portuguesa, vá do arrancar à Câmara, cansada de não legislar, uma autorização para acudir à crise cambial.

A maioria, porém, mesmo entorpecida, mesmo tolhida no seu tédio de nada fazer, mesmo roída pela ânsia de se aliviar da dolorosa função de fazer leis, mesmo assim em face dêste Presidente de Ministros, não encobriu os seus receios.

Para lhe alcançar, pois, uma tal autorização era mester pôr em jôgo inteligência e só inteligência. Foi por isso que o Sr. Presidente do Ministério se ausentou nessa ocasião para o Senado e veio à Câmara o Ministro do Comércio, Sr. António da Fonseca. Convém dizer que êste ilustre homem público alia às brilhantes qualidades do seu espírito qualidades pessoais que, tornando-o estimado, dão à Câmara confiança nas afirmações que S. Exa. lhe faça, porque as faz, quando é preciso, com clareza de exposição e nobreza de intenções.

E S. Exa. foi claro, foi leal, não tergiversou, um momento sequer, quando a Câmara, receosa, de todos os lados lhe preguntava quais os limites em que entendia caber a autorização discutida.

Nobremente afirmou que o Govêrno a queria restrita exclusivamente a medidas atinentes à melhoria da situação cambial e que ela não serviria nunca para legislar

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em matéria diversa ou para justificar quaisquer abusos do Executivo. Cautelosamente a Câmara me inspirou — se ela sabia que estava em face do actual Presidente do Ministério! — a necessidade de lhe travar a fatal arremetida para o abuso, e, ao menos, para garantia dos mais sagrados e dos mais rudimentares direitos dos cidadãos, redigiu-se, de comum acordo com outros Deputados, uma emenda em que expressamente se lhe proibia legislar em matéria de contribuições e impostos!

Da sua bancada de Ministro do Comércio, o Sr. António da Fonseca, em voz vibrante e clara, respondeu aceitar essa restrição e quantas a Câmara quisesse, porque, com elas ou sem elas, o Govêrno não iria além dos propósitos que êle Ministro manifestara.

E vem agora aquele senhor, que sendo Presidente de Ministros é ainda, por má sorte do país, Ministro das Finanças, e diz-nos que depois da minha restrição lhe é permitido fazer mais do que antes dela, porque lhe é permitido fazer quanto não seja legislar sôbre contribuições e impostos!

Êle esquece o que em nome dêle foi dito, êle esquece os fins para que obteve a autorização, êle esquece a letra da lei, êle esquece a Constituição, êle esquece quanto se tem passado na Câmara, êle esquece que é Poder Executivo, esquece-se, ao defender isto que chama interpretação, que é bacharel formado em direito!

É caso para pasmarmos de assombro! Até se esquece que abusa dos poderes que lhe são conferidos no dia e hora em que vem pedir à maioria uma nova autorização!

Se já se sente autorizado para tudo, para que quere então nova autorização? E se a maioria já lhe conhece a boa fé cartaginesa, como é que lha vai dar?

Não deve a maioria espantar-se dêsses monstruosos esquecimentos porque, quando lhe é preciso, êle esquece os correligionários de maior valor, os que são seus infatigáveis cooperadores e sem os quais não teria nem mesmo obra má para apresentar ao país.

Veja a Câmara: nos decretos de hoje, nesses quatro abortos de decreto, lesivos do prestígio das leis, dos direitos dos particulares, ofensivos do crédito do Estado perante a Nação e do bom nome da Na-

ção perante o estrangeiro, êle atenta duma forma quási irremediável, que nos há-de custar bem cara, contra o empréstimo de 6 1/2 por cento ouro.

Mas, para cometer êste atentado, pretende lisonjear o Sr. Vitorino Guimarães e a maioria, dando a entender que foram as minorias, na sua oposição tenaz e demorada, que impediram a utilidade e eficácia do empréstimo, como se nesta hora se não estivesse justificando a nossa porfiada luta contra o êrro de visão do então Ministro das Finanças, a cuja honradez de propósitos todos fazemos inteira justiça.

E ao escrever isto, esquece-se de que o seu correligionário Sr. Alberto Xavier foi um dos que combateram durante horas sucessivas, dias sucessivos, êste infeliz empréstimo, que nem por ser infeliz deixa de representar hoje compromisso de nós todos, compromisso da Nação a que todos nós devíamos e devemos um inquebrantável respeito.

Esquece-se dêste ilustre Deputado, do brilho com que êle defende esta e todas as questões no Parlamento, um brilho especial que só êle tem, que ninguém lhe pode tirar, e que nesta hora, por maiores que sejam as divergências que nos separam, eu e toda a Câmara somos forçados a reconhecer-lhe.

E depois, medindo a sua grandeza, pelos males que vai causando; vem-nos dizer que segue nesta conjuntura o trilho dum eminente estadista falecido, nas exigências de sacrifícios ao país.

Não mede a distância que o separa de Dias Ferreira e não se lembra que a única semelhança com aquele verdadeiro e grande estadista consiste em ter na sua política o conhecido defeito que o sábio jurisconsulto tinha na vista! Repare a maioria, como êle agora faz a fácil e radicaleira política de ataque ao capital, ao capital das economias de milhares de portugueses, ao capital pé de meia que ainda não há três trimestres se confiou ao Tesouro Público, política de ataque ao Banco de Portugal, Banco de todas as fraquezas perante as exigências de improvisados financeiros sem planos e sem recursos e onde o actual estadista descobre agora um foco do reacção, para provocar um vivazinho à República radical, e por êsse processo de coacção, bem vulgar, mas

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quási sempre de êxito seguro, poder obter ruinosas facilidades a urgência naquele estabelecimento dum fervoroso amigo que ali defenda as novas ideas políticas e financeiras, calcando a pés juntos o Código Comercial.

Acautele-se a maioria, e a ela muito especialmente me dirijo porque são conhecidos os hábitos políticos dêste Sr. Presidente do Ministério. Êle procura exercer dentro dos agrupamentos uma acção destrutiva permanente.

Vive dos incidentes e das perturbações latentes nos organismos partidários, porque, dentro deles, lhe é impossível situação de primazia ou de utilidade geral se forem fortes e disciplinados.

Vivo de discórdias, ou sejam as que naturalmente surjam entre partidos opostos, ou as que deploràvelmente existam no seio de qualquer partido. Neste momento, em que êle julga soprarem ventos radicais, há-de procurar somar radicais de fora da maioria com radicais de dentro, para fabrico duma amalgama que sirva as suas ambições.

As suas medidas confusas, destruidoras, espectaculosas as suas atitudes ora de súplica, ora de ameaça à maioria, não tendem a outro fim que não seja dispersar, lisonjear a demagogia nova. E se isso, como político partidário, me poderia deixar relativamente indiferente, como cidadão e em nome dos cidadãos que aqui represento mete-me fundados receios. Os tempos não vão para mais experiências negativas; e a maioria e nós sabemos bem que o actual Sr. Presidente do Ministério, se não tem tido grandes fortunas quando destrói, é incapaz de politicamente construir qualquer cousa de bom, de útil e de estável.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro do Castro): — Sr. Presidente: pedi a palavra únicamente para dizer a V. Exa. e à Câmara que das minhas palavras nunca se poderia deduzir que eu tenha menos consideração e estima pelo Sr. Vitorino Guimarães, meu antecessor na pasta das Finanças.

A verdade dos fastos é que o Sr. Vitorino Guimarães não necessita dos meus elogios, tendo eu por S. Exa. uma altíssima consideração, não só pelo seu valor,

como pelo seu patriotismo e devotado amor à República.

Muitos apoiados.

Se é facto que S. Exa., lançando no mercado um empréstimo, não alcançou aquilo, que seria para desejar, não se tornando inteiramente efectiva a sua obra, isso deve-se à falta daqueles elementos que não dependem do Ministro das Finanças.

A obra de um Govêrno, de um Ministro das Finanças, não se pode realizar somente com o seu esfôrço próprio: — necessita de um certo número de elementos, que, conjugados com o seu esfôrço, a podem tornar útil para o País.

Se é facto que essa medida não alcançou os fins desejados, isso não quere dizer que das minhas palavras se possa deduzir que eu tenha, menos consideração por S. Exa.

A verdade é que tenho pelo Sr. Vitorino Guimarães muita consideração pelo seu valor, pelo seu patriotismo e pelo seu devotado amor à República.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: está em discussão o artigo 1.° da proposta de lei em que o Govêrno pede determinadas autorizações.

O ilustre leader da Acção Republicana, porém, interrompendo o ilustre Deputado, Sr. Barros Queiroz, entendeu que êle não estava na ordem, isto é que estava discutindo um assunto completamente diferente daquele que se acha contido no artigo 1.° em discussão.

O Sr. Américo Olavo (interrompendo): — E sustento ainda; pois o facto de o Sr. Presidente do Ministério ter falado no assunto não quero dizer nada; S. Exa. limitou-se a responder às considerações feitas pelo Sr. Barros Queiroz o que não podiam ficar sem resposta.

O Orador: — Sr. Presidente: segundo o ponto de vista do ilustre leader da Acção Republicana, nenhum Deputado se poderá referir às conseqüências da Aplicação do artigo 1.°

S. Exa. labora num êrro.

Quando eu falo na generalidade tenho de me referir a todos os artigos pará-

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grafos e alíneas; o quando falo na especialidade fatalmente eu tenho de reforçar a minha argumentação.

Pregunto eu: o Sr. Presidente do Ministério excedeu a autorização que lhe foi concedida ?

Sem dúvida que excedeu.

E porque excedeu?

Excedeu porque só tinha autorização para operações cambiais.

Esta é que é a expressão da verdade. O mais são palavras que se atiram apenas para justificar a obra do Govêrno.

Todo o que o Govêrno fizer com respeito a comércio de cambiais pode fazê-lo porque está dentro da lei, lei que a Câmara, desrespeitando a Constituição, lhe conferiu.

Eu pregunto a V. Exa.: ^como é que o Sr. Ministro das Finanças vai intervir na administração do Banco de Portugal?

O ilustre leader da Acção Republicana disse que eram extemporâneas, inoportunas as minhas considerações.

Eu não o compreendo assim, pois S. Exa. hoje publicou um decreto sôbre o empréstimo de 6 ½. Eu estou dentro da ordem e dentro da lógica.

E hábito do Sr. Presidente do Ministério quando quere passar como gato sôbre brasas em qualquer assento, proferir aqui certos tropos de indignação que provocam os aplausos dos seus correligionários.

O Sr. Presidente do Ministério, quando lhe fizeram observações acerca da intervenção do Estado novamente na administração do Banco de Portugal, esboçou como que um receio de não serem capazmente defendidos os interêsses do Estado pela administração dêsse Banco; e afirmou que, sendo o Banco de Portugal um estabelecimento do Estado, êste tinha o dever de intervir na gerência dos seus negócios.

Ora aqui é que há um engano profundo.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças pareceu esquecer-se de que o Banco de Portugal é uma sociedade anónima de responsabilidade limitada.

É certo que é à sombra do Estado, das suas autorizações, que essa sociedade anónima aufere no meio financeiro uma situação de destaque e grandes lucros; mas não é menos certo também que,

quando o Estado se dirigir a essa sociedade anónima, dizendo-lhe que as suas garantias, como tal, não bastam, o Estado deminui o seu crédito, em vez de é reforçar.

Essa prata e êsse ouro não caucionavam a importação das notas emitidas; mas eram valores reais com cotação em todo o mundo; e, desta maneira, mesmo esta pequena garantia vai desaparecer, comprometendo ainda mais o crédito do Estado.

O Sr. Ministro das Finanças, invocando as lutas liberais, disse-nos que e após medidas violentas de deminuição de juros da dívida interna, foi possível aos governos de Portugal realizarem operações financeiras de grande alcance.

Mas, se a situação hoje, sob o ponto de vista financeiro e das suas relações com o Estado pode ser considerada tam grave como então, ás lutas de interêsses políticos exercem-se de tal maneira em Portugal que bem poderemos recordar neste momento a situação da Grécia que, depois de ter feito uma política contrária aos aliados, era disputada por uns e por outros que dela se queriam aproveitar como uma barreira.

O Sr. Ministro das Finanças pode ficar certo de que tam cedo não haverá um Govêrno da República que consiga realizar um empréstimo ouro interno.

Não o lança.

E, a propósito, contarei à Câmara uma conversa que talvez não lhe interêsse, mas que, até certo ponto, mostra a minha coerência.

Não há muitos dias, nas vésperas da ascensão ao poder dos trabalhistas ingleses, eu conversava a êsse respeito com um inglês que, sob o ponto de vista financeiro, ocupa uma altíssima situação. Tinha êle grandes apreensões a respeito do crédito inglês com a ascensão dos trabalhistas ao Poder; e eu, pondo em jôgo apenas um pouco de lógica, recordo-me bem de que fiz esta observação: — O partido trabalhista, no Poder, será possível que, por meio do imposto, dó fundo golpe na riqueza particular inglesa ou que, pelas suas providências, nacionalize quaisquer indústrias; mas tenha a certeza de que, no que diz respeito ao crédito, naquilo que tenha relações com a finança e que dê garantia de auxílio e segurança ao

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capital de todo ornando, êsse partido não tocará nem com a publicação de uma só linha.

Em Portugal poder-se há tocar em todos os empréstimos, mas há um que entendo que por êstes anos mais chegados é absolutamente intangível em qualquer dos seus compromissos: é o empréstimo de 6 1/2 por cento ouro.

No dia em que qualquer Govêrno entendesse dever fazer uma conversão sôbre êsse empréstimo, fôsse de que natureza fôsse, nesse dia o Estado Português que já hoje pouca ou nenhuma confiança merece ao Pais, perderia toda a autoridade para lançar um empréstimo por êstes anos mais chegados.

Dentro de dois ou três dias após esta conversa, subia ao Poder o partido trabalhista inglês e as primeiras palavras pronunciadas pelo presidente do seu Govêrno foram de confiança e de segurança absoluta a finança de todo o mundo que tenha os seus interêsses ligados à Inglaterra.

Vi assim plenamente confirmado o meu ponto de vista.

Pois cá em casa, onde era natural que eu tivesse um melhor conhecimento do que se passa a respeito da administração pública, recebi um formal desmentido, visto que o Sr. Presidente do Ministério — êle, que está convencido de que vai melhorar o câmbio — a primeira cousa que faz é dar a prova de que não acredita nas suas próprias promessas.

Não compreendo a coerência do Sr. Presidente do Ministério quando quere que a Câmara lhe dê a autorização que discute, com a promessa de melhores dias e de uma situação desafogada, e, ao mesmo tempo, lhe vem dizer que na terrível ascensão cambial em que caminhamos, quando houver que comprar uma libra que era cotada a 45$, o Estado terá que o pagar a 100$ e a mais.

Bem sei que o Estado falta por vezes à fé dos contratos; mas, quando o faz, está possuído de tal fôrça moral ou as circunstâncias são de tal modo aflitivas que outro recurso não há senão aceitar a situação.

Mas o Sr. Presidente do Ministério, estando convencido da eficácia das suas medidas, com a publicação do seu decreto vem mostrar que não é possível: 1.° acre-

ditar no Govêrno; 2.° lançar um empréstimo interno, ainda que seja em ouro.

Devo dizer agora que não venho aqui defender a instituição bancária — Banco de Portugal. E preciso mesmo que eu diga que, ainda que tenha uma opinião minha, formada, acerca da forma como o Banco de Portugal funciona e das suas relações com o Estado, a tal facto nenhuma referência farei neste momento.

Observo, porém, com estranheza que, havendo nesse Banco um governador, directo delegado do Govêrno, independentemente de um outro alto funcionário que tem o dever e bastante idoneidade para fiscalizar os actos da sua administração, haja ainda necessidade de nomear mais um fiscal. E eu pregunto ao Sr. Ministro das Finanças: — são insuficientes os dois elementos de que o Estado dispõe dessa administração? Se o são, é substituí-los. Se, todavia, o não são, representa apenas uma desconfiança na sua acção o facto de ser nomeado mais um outro fiscal. É certo que — diz o Sr. Ministro das Finanças — já se exerce não com o carácter de permanência, mas sempre que os inspectores o entenderem, a fiscalização junto de todos os Bancos.

É indispensável que se exerça efectivamente e, portanto, a êsse respeito nada tenho a observar. Simplesmente estranho que ainda seja necessário terceira pessoa.

Sr. Presidente: vou terminar as minhas considerações. Apenas entendi e entendo que entre o que o Sr. Ministro dás Finanças apregoa e os seus actos há uma distância enorme.

Não acredito nas suas palavras, já pelas afirmações feitas, já pela sua inutilidade.

Isso é o bastante para não votar esta autorização.

A questão agora é com aquele lado da Câmara. O repto está lançado ao Partido Democrático.

Entende êste que deve tomar sôbre si a responsabilidade das inconveniências governativas?

Avoca a si essa responsabilidade e dá ao Govêrno um voto de plena confiança.

O Sr. Presidente do Ministério pôs claramente a questão: ou a Câmara mostra nitidamente o que lhe dá o seu apoio, ou S. Exa. abandona o Governo.

Não há meias palavras.

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É indispensável que o Partido Democrático se manifeste e que a Câmara diga se está de acordo com o seu procedimento e lhe dá a sua confiança.

Ao fazer esta declaração, S. Exa. não se dirijo ao Partido Nacionalista, porque êsse Partido já lhe manifestou a sua desconfiança.

Apoiados.

É a maioria que tem de lhe dar o seu voto.

Mas pregunto: contenta-se S. Exa. com êsse voto, apesar do silêncio do Partido Democrático?

É preciso saber.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: vou, a propósito do artigo em discussão, fazer um pouco de história absolutamente adequada ao caso.

Em séculos remotos era costume pedir diariamente ao imperador da China licença para que o sol nascesse; e êsses imperadores como sabiam que o sol havia de nascer, davam sempre essa autorização, que era a melhor maneira de êles manterem o seu prestigio.

No caso presente, os imperadores são os membros do Partido Democrático, a quem o Sr. Álvaro de Castro vem pedir licença para fazer ditadura, e como sabem que êle já fez ditadura, e há-de continuar a fazer ditadura, os imperadores democráticos consentem que êle faça ditadura, para que o prestígio que têm não seja interrompido e continuem a manter o poder que têm tido.

Apartes.

Assim, S. Exa. terá a confiança do Partido Democrático, mas não terá a da República, pois a vejo com cara de poucos amigos.

Parece-me que é esta a razão por que, à semelhança da lenda dos imperadores da China, os Deputados da maioria não dão a sua opinião e só o apoio à obra de S. Exa.

Os imperadores sabiam que o sol nascia sempre, e os Deputados democráticos sabem que o Sr. Álvaro de Castro fará sempre ditadura.

É assim que o.Sr. Álvaro de Castro desempenha o papel que desempenhava o Sol, no império da China.

É realmente triste que os Deputados da oposição se vejam na necessidade de repetir os argumentos, e isto porque não têm a quem responder.

Antigamente no tempo da monarquia, nunca se levantava a voz de um Deputado da oposição que em regra não lhe respondesse alguém do Govêrno ou da maioria, e quási todos os oradores da maioria começavam sempre por dizer: vou responder às considerações do Deputado que me precedeu.

O Sr. Brito Camacho, que está presente, pode dizer se isto é ou não verdade.

Vigorava então o regime parlamentar de que o Sr. Afonso Costa era um dos maiores paladinos; mas agora não sucede isso.

A quem vou responder?

Ao Sr. Barros Queiroz?

Não, porque estou de acordo com S. Exa.!

Ao Sr. Moura Pinto?

Não, porque também de acordo estou com S. Exa.?

Ao Sr. Jorge Nunes?

Também não.

Ao Sr. Ministro das Finanças?

Mas S. Exa., como de costume, não disse nada; falou nos serviços à República e não passou daí.

O Sr. Carlos Olavo: — V. Exa. também não discutiu ainda a proposta.

O Orador: — Já a discuti na generalidade, e agora estou discutindo-a na especialidade, e com tanto maior desenvolvimento, quanto é certo que as propostas que o Sr. Almeida Ribeiro mandou para a Mesa alteram fundamentalmente a proposta de lei.

Mas visto que ninguém defendeu o Govêrno, visto que nenhum Deputado da maioria ou da Acção Parlamentar usou da palavra acerca dêste assunto, nós sentimo-nos cheios de autoridade para repetir e reforçar os argumentos já deduzidos contra a proposta do Govêrno.

Sr. Presidente: tinha armado em chefe de cerimónias desta sessão o Sr. Carlos Olavo, pretendendo impedir que qualquer orador seguisse uma orientação diferente daquela que S. Exa. queria; mas depois o Sr. Presidente do Ministério, transgredindo os desejos de S. Exa., levantou o

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assunto que tinha sido tocado pelo Sr. Barros Queiroz, mostrando até desejos de a discussão só estender às célebres medidas anunciadas nos jornais de hoje.

O Sr. Carlos Olavo: — Foi por uma questão de justiça, porque, vendo eu que tinha sido negada a V. Exa. autorização para tratar dêsse assunto, entendia que êsse direito não devia ser dado hoje a mais ninguém.

O Orador: — Agradeço a V. Exa. essa prova de lealdade; mas como acima de tudo estão os interêsses do País e como V. Exa. sabe que me foi negada a palavra por ser Deputado monárquico...

O Sr. Carlos Olavo: — Não apoiado!

O Orador: —... eu acho bem que se tivesse tratado do assunto, embora a Constituição diga expressamente que todos somos Deputados da Nação.

A verdade é que os Srs. Barros Queiroz, Jorge Nunes e Moura Pinto não saíram do assunto em discussão.

Trata-se de dar uma autorização ao Govêrno, e temos que olhar aos antecedentes e intenções e actos do Govêrno para vermos se podemos dar-lhe essa autorização e se merece a confiança do País e da Câmara.

Extranhou o Sr. Barros Queiroz que o Govêrno se metesse a governar em matéria de estatutos de sociedades comerciais, quando essa matéria é expressamente regulada pelo nosso Código Comercial.

O Govêrno em vez de dizer no decreto que dá contas ao Parlamento como expressamente determina a lei, diz que dará contas ao Parlamento do que se passa, se a assemblea geral do Banco negar o seu voto ao acordo que o Govêrno vai realizar com o Banco.

Quere dizer: o Parlamento não poderá saber nada sem que a assemblea geral do Banco de Portugal vote o acordo.

Fica assim o Parlamento dependente da assemblea geral do Banco.

É uma das preciosidades de um dos decretos que o Sr. Álvaro de Castro assinou.

Quanto ao negócio de cambiais há dois artigos muito curiosos que mostram que

o Govêrno não merece nenhuma confiança à Câmara para lhe serem dadas autorizações desta natureza.

Estou convencido de que o Sr. Almeida Ribeiro está arrependido de as dar, tanto mais que S. Exa. disse que o Govêrno não podia legislar sôbre impostos: era seu intuito legislar com o que se ligasse com divisas cambiais.

Esta frase foi empregada pelo Ministro do Comércio.

A interpretação capciosa que S. Exa. pretende fazer com êste artigo não é esta.

Tem de concluir-se que a Câmara quere acautelar especialmente o que respeitava ao aumento de impostos.

O Sr. Ministro das Finanças proíbe os pequenos cambistas de negociarem sôbre cambiais, mas não estabelece qualquer restrição quanto aos altos Bancos e alta finança, porventura os principais responsáveis da situação do País.

De maneira que o pequeno cambista que se limite a fazer pequena troca, não o poderá fazer.

Vários cambistas de Lisboa terão que fechar as suas portas; emquanto os Bancos nenhuma restrição têm para o exercício dêsse comércio.

O Govêrno passou assim a ter um representante seu junto das casas bancárias. E realmente curioso que assim se proceda depois de se ter apurado que de nada servem os delegados do Govêrno junto das várias emprêsas e companhias onde êles já existem.

Haja vista o que ainda há pouco se verificou quando aqui se discutiu a questão dos tabacos.

O Sr. Álvaro de Castro amplia os estatutos do Banco de Portugal para nomear é Sr. Alberto Xavier para exercer gratuitamente o cargo de representante do Govêrno junto do seu conselho fiscal.

Há ainda uma circunstância curiosa a que os oradores que me antecederam não fizeram qualquer referência.

O Parlamento deu ao Governo,uma autorização para legislar sôbre vários assuntos e o que faz o Sr. Presidente do Ministério?

Concede, por seu turno autorização aos seus colegas de Gabinete, o que quere dizer que S. Exa., não podendo assumir a responsabilidade colectiva de determina-

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dos actos, a reparte pelos seus colegas do Govêrno para que êles se sirvam dela por meio de portarias.

Mas pode o Sr. Ministro do Comércio, por exemplo, legislar sôbre os assuntos que aqui vêm mencionados?

Era sôbre esta dúvida que eu desejava ouvir, não o Govêrno que nestas questões se escondi sempre atrás da defesa do regime, mas qualquer membro da maioria que tem apoiado a concessão de tais autorizações.

Quanto ao famoso empréstimo rácico já aqui se disse o bastante para acentuar o péssimo efeito causado no País pelo decreto do Govêrno.

A situação em que o Sr. Presidente do Ministério colocou a maioria desta Câmara não tem, porventura, precedente.

S. Exa. na exposição que fez ontem aos jornalistas disse que o Govêrno não pode consentir que o juro do empréstimo, 6,5 por cento seja função do câmbio médio dos últimos três meses.

Isto equivale a dizer que o Govêrno não quere admitir o tremendo êrro da maioria votando o empréstimo.

Foi êste, Sr. Presidente, o resultado do empréstimo; e para lamentar é na verdade que o ilustre Deputado o Sr. Barros Queiroz não tivesse mantido a mesma atitude até ao fim, isto é, não se tivesse colocado ao nosso lado, para se colocar ao lado da maioria.

Razão tínhamos nós, Sr. Presidente, no que dizíamos. E assim o tempo vem-nos dar razão, não tendo nós que retirar uma única palavra do que dissemos sôbre o assunto.

É o próprio Govêrno da República que vem dizer ao Parlamento e ao País que nós fomos os únicos que discutimos com justiça e com verdade, pois, não se compreende que passados alguns meses o Govêrno altere o contrato.

Isto não é sério, Sr. Presidente, tanto mais quanto é certo que muitos dêsses títulos se poderão destinar a bens para viúvas e menores, etc.

O Govêrno, Sr. Presidente, tinha a obrigação de respeitar o que contratou, não se compreendendo mesmo que o Sr. Ministro das Finanças pronuncie frases como esta: que o Estado vai ocupar o lugar dos particulares.

O que é mais grave, Sr. Presidente, é

que o Estado desta forma não mantém o seu crédito, o que lhe poderá acarretar conseqüências muito desastrosas.

É espantoso, Sr. Presidente, que o Sr. Ministro das Finanças venha para a Câmara dizer que o Banco de Portugal é um foco de reaccionários.

Isto, Sr. Presidente, é verdadeiramente espantoso, pois não é lógico que se diga isto de um Banco que por vezes tem mantido o crédito da República.

É assim, Sr. Presidente, que se procura adquirir a confiança do País, dizendo-se cousas como estas do Banco de Portugal.

Isto, Sr. Presidente, pode-se dizer que é bem feito, pois pode ser que isto sirva de lição para o futuro, e assim o Banco não se veja na necessidade de sair para fora da lei e dos contratos.

Nada disto, Sr. Presidente, é sério, pois sério não é o Govêrno deixar de cumprir integralmente aquilo que contratou.

Com um precedente dêstes, amanhã ninguém em Portugal emprestará cinco réis, nem mesmo com um juro convidativo.

Uma cousa é o empréstimo e outra cousa são os factos consumados.

Temos o juro do segundo trismestre que foi pago a 17 mil e tanto e o decreto não se refere a êste trimestre. Não sei se aos portadores que ainda não receberam será paga essa quantia ou já com o novo desconto.

É preciso esclarecer se esta autorização é legal ou não. E temos o direito de discutir se o decreto está dentro das normas legais e se é útil para o país.

Sr. Presidente: o artigo em discussão baseia se na lei-travão que foi inspirada pelo Sr. Afonso Costa com o supremo argumento de que havia necessidade de impedir que os parlamentares da República fizessem leis que aumentassem a despesa ou deminuíssem a receita. Era esta a confiança que o Sr. Afonso Costa depositava nos parlamentares; e, depois, apesar da miséria e da fome que há por cá, S. Exa. está lá fora a viver como um nababo.

O que pensava o sr. Afonso Costa no tempo da monarquia?

Para se ver como S. Exa. tinha mais confiança nos parlamentares monárquicos

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do que teve depois nos parlamentares republicanos vou apontar o seguinte facto:

Discutia-se em 1906 a lei de contabilidade do Sr. João Franco que depois foi convertida na conhecida lei de 19073 cujas disposições ainda se aplicam em grande parte. O Sr. João Franco, propunha um artigo pouco mais ou menos nos termos em que está redigida a lei-travão que proíbe os parlamentares de proporem qualquer medida que importe deminuíção de receita ou aumento de despesa, emquanto o Orçamento não fôr votado.

Teve a palavra o Sr. Afonso Costa. O Sr. Brito Camacho, que está presente e que então fazia parte da Câmara, pode testemunhar êste facto.

Foi na sessão n.° 34, de 10 de Novembro de 1906. O Sr. Afonso Costa disse o seguinte:

Leu.

Aqui tem V. Exa. Sr. Presidente, qual é a coerência dos grandes homens da República, dos astros da República. No tempo da monarquia considerava-se uma iniqüidade, uma abdicação, uma imoralidade votar uma lei-travão; no tempo da República o mesmo estadista num Parlamento em que já não havia monárquicos lança sôbre os seus correligionários uma suspeita que não tinha lançado sôbre os monárquicos. Isto é muito interessante e prova bem a confiança que lhe mereciam os seus próprios correligionários.

Sr. Presidente: a propósito dêste artigo citei na última sessão uma opinião autorizada.

Tratava-se dum artigo publicado há poucos dias na revista jurídica O. Direito. pelo seu director, Sr. Visconde de Carnaxide. Pareceu-me então ouvir quaisquer apartes depreciativos da competência e da autoridade dêsse ilustre jurisconsulto no sentido de se dar a entender que porventura o seu espírito não teria hoje aquele fulgor e aquele brilho que foram o seu apanágio durante a sua carreira de jurisconsulto.

Ora, Sr. Presidente, eu vou demonstrar a V. Exa. e à Câmara como é diferente a coerência de determinados homens que não são republicanos, em confronto com a coerência de determinados homens que são republicanos e que ocupam no conceito dos seus correligionários as culmi-

nâncias maiores que a imaginação pode conceber.

Ao lado da incoerência do Sr. Afonso Costa, político, eu coloco a coerência do Visconde de Carnaxide, jurisconsulto, unicamente jurisconsulto.

Pode ser que, em 1924, o Visconde de Carnaxide não representa para alguns, que não para mim, aquela autoridade que representava anteriormente; mas eu desejo referir-me à opinião dele manifestada em 1915.

Há oito anos, portanto, o Visconde de Carnaxide publicava um livro intitulado «Questões jurídicas da guerra e da paz», onde sustentava a seguinte doutrina:

Leu.

Vozes: — Ó Sr. Presidente: isto é que é ordem?! Ordem, Sr. Presidente!

O Orador: — Sei que há certos assuntos áridos, cujo alcance só aos juristas podem abranger, e por isso não tenho culpa de que alguns Srs. parlamentares julguem que eu estou fora da ordem.

Mas sôbre o mesmo assunto disse ainda o Visconde de Carnaxide:

Quere dizer: é um homem de gabinete, um homem que não é político, que nada quere da política que sustenta perante o País que entre duas ditaduras, a revolucionária e a derivada de autorizações parlamentares, é preferível a primeira, porque tem o valor de ser feita desassombradamente, sem máscaras nos rostos, assumindo cada um as suas responsabilidades. E o que eu lamento é que o Sr. Álvaro de Castro, sendo um homem de valor, sendo um combatente, não tenha a coragem de assumir a responsabilidade e declarar:

— «Eu quero fazer ditadura! Se o Parlamento não consentir, ponha-me fora do Poder.»

Era assim que o Sr. Ministro das Finanças devia- de pôr a questão; era assim que o Sr. Ministro das Finanças devia apresentar-se perante o Parlamento, não pretendendo justificar-se com ameaças, nos termos em que o fez há pouco.

S. Exa. não tem que dizer apenas se usou da autorização parlamentar, mas demonstrar que, com o seu uso, prestou um bom serviço à Nação,

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Termino, repetindo o que já tive ensejo de dizer: esfrego as mãos de contente por ser promulgada uma medida que vai servir de mortalha ao Govêrno e liquidar mais um Ministro das Finanças, arranjado como declarou o Sr. Moura Pinto — porque não havia outro melhor.

O orador não reviu.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Vitorino Guimarães: — Sr. Presidente: pedi a palavra para antes de se encerrar a sessão, a fim de proferir algumas palavras, que de maneira alguma podiam deixar de ser proferidas na sessão de hoje.

Sr. Presidente: contudo devo declarar a V. Exa. e à Câmara que as palavras que vou pronunciar são apenas da minha responsabilidade pessoal.

Devo também declarar que nelas nada há que possa magoar S. Exa. ou ponha em dúvida as suas qualidades de carácter e de republicano, que muito respeito, tanto mais que as nossas relações de amizade são as mais afectuosas e íntimas.

Sr. Presidente: anunciaram os jornais que o Govêrno, à sombra de uma autorização concedida pelo Parlamento, havia publicado vários decretos.

Eu entendo não dever deixar de dizer algumas palavras, principalmente sôbre um dos decretos, porque, tendo eu sido Ministro das Finanças, vejo-me em causa perante o Puis e perante o estrangeiro.

Sr. Presidente: eu sei muito bem que Portugal, bem como muitos outros países, em situações financeiras da gravidade da que estamos atravessando, se tem visto forçado a recorrer à alteração dos encargos da dívida pública. Mas isso tem-se feito sempre de uma maneira geral.

Quando na verdade uma nacionalidade está em perigo e se torna necessário estabelecer a normalidade, não me repugna acoitar que se pague apenas uma parte dos encargos. Isto é honesto, mas é preciso que seja leito na generalidade.

Sr. Presidente: isto não se faz; e eu não posso deixar de protestar contra o decreto que veio afectar apenas o empréstimo de 1923, tanto mais que existe uma obrigação geral, em que eu, em nome da Nação, disse aos meus concidadãos e ao

estrangeiro que, quem emprestasse dinheiro, receberia os juros em ouro.

Faço êste protesto para que amanhã, todos aqueles que, fiados no compromisso que tomei em nome da República e da Nação, emprestaram dinheiro, não digam que faltei ao que havia prometido.

Nada mais quero dizer por agora, porque não tive tempo de estudar o decreto em todas as suas minúcias, e ainda porque, pertencendo eu a um partido político, não posso fazer outras declarações que não sejam aquelas que os meus correligionários e amigos entendam convenientes.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Ministro da Instrução; mas como S. Exa. não está presente, peço ao Sr. Presidente do Ministério a fineza de lhe transmitir as minhas considerações.

Em Évora funcionam colégios dirigidos por congreganistas, o que é contrário à Lei de Separação.

Parece-me que o assunto deve merecer a atenção do Govêrno.

Isto não é só por ser contrário à lei, mas também porque causa prejuízo aos outros institutos particulares, na sua vida económica.

Como V. Exa. sabe, êsses colégios, dirigidos por irmãs da caridade, vivem de esmolas e subsídios, o que lhes permite uma educação mais barata em prejuízo de outros colégios.

Peço ao Govêrno que faça cumprir a Lei da Separação que está em vigor.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Comunicarei ao Sr. Ministro da Instrução as considerações que V. Exa. acaba de fazer. Por minha parte farei tudo quanto possa para que as leis se cumpram.

Tenho dito.

O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Debateu-se na Câmara, há tempo, a questão dos quatro milhões de libras. Foram apresentadas duas moções, ficando o Govêrno de então sem uma indicação precisa.

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Essa dívida representa uma quantia importante, que neste momento não se pode dispensar.

Pedia ao Sr. Presidente do Ministério que diga à Câmara o que pensa a êste respeito.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente,do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: efectivamente, como V. Exa. e a Câmara se recordam, foi debatida aqui a questão das 400:000 libras, sendo apresentadas duas moções para a resolver. Essas moções não foram aprovadas. Assim o processo respectivo tem estado paralisado, mas parece-me que se lhe deve dar andamento.

Nesse propósito estou, e em breve darei andamento ao caso.

Apoiados.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanha, 12, às 14 horas, com a mesma ordem de trabalhos,

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 55 minutos.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Declarações de voto

Declaro que rejeitei-a proposta de autorização apresentada pelo Sr. Presidente do Ministério única e simplesmente por entender que ela, nos termos amplos em que está redigida, traduz a abdicação pura e simples do Poder Legislativo, e não como significando desconfiança polí-

tica no actual Governo.—Custódio de Paiva.

Para a acta.

Declaro que rejeitei a proposta de autorização apresentada pelo Sr. Presidente do Ministério, porque, contendo doutrina contrária aos princípios, considero-a desnecessária para levar a efeito a redução das despesas públicas.—J. Nunes Loureiro.

Para a acta.

Propostas de lei

Dos Srs. Ministros das Finanças e Agricultura, considerando em vigor o artigo 11.° do decreto n.° 9:060, de 16 de Agosto de 1923.

Para o «Diário do Governo».

Do Sr. Ministro do Comércio, conferindo o título de engenheiro auxiliar aos diplomados com cursos especiais dos Institutos Industriais ou os que lhes sejam equivalentes.

Para o «Diário do Governo».

Parecer

Da comissão de administração pública, sôbre o n.° 648-1, que melhora os vencimentos da polícia cívica do continente e ilhas.

Para a comissão de finanças.

Negócio urgente

Desejo ocupar-me em negócio urgente dos decretos do Govêrno anunciados nos jornais de hoje e relativos ao empréstimo de 1/6 por cento, ouro, à compra e venda de cambiais e aos acordos com o Banco de Portugal.—Paulo Cancela de Abreu.

Rejeitado.

O REDACTOR—João Saraiva.

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