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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 35

EM 12 DE FEVEREIRO DE 1924

Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal

Secretários Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva

Sumário.—Abertura da sessão. Leitura da acta. Correspondência.

Antes da ordem do dia.—O Sr. Hermano de Medeiros reclama a presença do Sr. Ministro do Trabalho.

O Sr. Lino Neto, lembrando que passa hoje o aniversário da coroação do Papa Pio XI, propõe que se lance na acta um voto de congratulação por êste facto.

Associam-se a êste voto os Srs. Carlos Olavo, Aires de Ornelas, Ginestal Machado e Abílio Marçal, sendo em seguida aprovado o voto proposto.

O Sr. Sousa Coutinho requere que seja discutido o parecer n.° 612, antes da ordem do dia da próxima sessão. É aprovado.

O Sr. Cancela de Abreu deseja saber o que há sôbre a greve dos correios e telégrafos, chamando também a atenção do Sr. Ministro do Comércio para outros assuntos.

Responde-lhe o Sr. António da Fonseca (Ministro do Comércio}.

A Câmara aprova as emendas do Senado ao parecer n.º 513.

Posta em discussão a acta, o Sr. Cancela de Abreu usa da palavra.

É aprovada a acta.

Ordem do dia.— (continuação da discussão na especialidade do parecer n.º 649). Não se achando ninguém inscrito sôbre o artigo 1.º, é êste aprovado.

Procedendo-te à contraprova, verifica-se ter sido rejeitado por 57 votos contra 3.

Lida na Mesa a proposta de substituição apresentada pelo Sr. Almeida Ribeiro, o Sr. Cancela de Abreu requere a votação nominal.

Aprovado êste requerimento, procede-se à chamada, dizendo «aprovo» 40 Srs. Deputados, e «rejeito» 21.

É aprovado o § 1.º

É rejeitado o § 2.° e aprovada a proposta de substituição do Sr. Almeida Ribeiro.

O Sr. Almeida Ribeiro envia para a Mesa um artigo novo, que é admitido.
Usam da palavra os Srs. Álvaro de Castro (Presidente do Ministério), Almeida Ribeiro, Cunha Leal, Fausto de Figueiredo, Norton de Matos, Álvaro de Castro (Presidente do Ministério) e Cunha Leal, que fica com a palavra reservada.

Antes de se encerrar a sessão.—O Sr. Sá Pereira estranha que se tivesse enviado uma circular aos bispos a propósito do manifesto dos trigos.

Responde-lhe o Sr. Azevedo Gomes (Ministro da Agricultura).

Volta a usar da palavra o Sr. Sá Pereira.

O Sr. Nuno Simões usa da palavra para explicações

O Sr. Carlos de Vasconcelos pede a comparência do Sr. Ministro da Agricultura na próxima sessão.

O Sr. Pauto Cancela de Abreu usa da palavra para explicações.

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão às 15 horas e 39 minutos.

Presentes à chamada 43 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 49 Sr. Deputados.

Presentes à chamada:

Abílio Correia da Silva Marçal.

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.

Alberto Ferreira Vidal.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Amaro Garcia Loureiro.

António Alberto Tôrres Garcia.

António Augusto Tavares Ferreira.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

António Correia.

António Dias.

António Ginestal Machado.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António Lino Neto.

António Pais da Silva Marques.

Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

Augusto Pires do Vale.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.

Carlos Eugénio de Vasconcelos.

David Augusto Rodrigues.

Delfim de Araújo Moreira Lopes.

Hermano José de Medeiros.

Jaime Júlio de Sousa.

João de Ornelas da Silva.

Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.

Joaquim Narciso da Silva Matos.

José Carvalho dos Santos.

José Mendes Nunes Loureiro.

José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.

Lúcio de Campos Martins.

Luís António da Silva Tavares da Carvalho.

Luís da Costa Amorim.

Manuel Alegre.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel Ferreira da Rocha.

Manuel de Sousa Coutinho.

Paulo Cancela de Abreu.

Paulo da Costa Menano.

Pedro Góis Pita.

Pedro Januário do Valo Sá Pereira.

Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.

Tomás de Sousa Rosa.

Viriato Gomes da Fonseca.

Vitorino Henriques Godinho.

Deputados que entraram durante a sessão:

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Aires de Ornelas e Vasconcelos.

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Alberto Lelo Portela.

Alberto de Moura Pinto.

Alfredo Ernesto d Sá Cardoso.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Álvaro Xavier de Castro.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Maria da Silva.

António de Mendonça.

António de Paiva Gomes.

Bernardo Ferreira de Matos.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Constâncio de Oliveira.

Custódio Maldonado de Freitas.

Custódio Martins de Paiva

Delfim Costa.

Fausto Cardoso de Figueiredo.

Francisco Dinis de Carvalho.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Francisco Pinto da Cunha Leal.

Jaime Pires Cansado.

João José da Conceição Camoesas.

João José Luís Damas.

João Luís Ricardo.

João Pereira Bastos.

Joaquim Dinis da Fonseca.

Joaquim José de Oliveira.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José Cortês dos Santos.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

José Pedro Ferreira.

Júlio Henrique de Abreu.

Lourenço Correia Gomes.

Manuel Duarte.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Marcos Cirílo Lopes Leitão.

Mariano Martins.

Mário de Magalhães Infante.

Matias Boleto Ferreira de Mira.

Nuno Simões.

Tomé José de Barros Queiroz.

Vasco Borges.

Vergílio Saque.

Srs. Deputados que compareceram à sessão:

Abílio Marques Mouzão.

Afonso Augusto da Costa.

Albano Augusto de Portugal Durão.

Alberto da Rocha Saraiva.

Alberto Xavier.

Albino Pinto da Fonseca.

Amadeu Leite de Vasconcelos.

Américo da Silva Castro.

António Abranches Ferrão.

António Albino Marques de Azevedo.

António Pinto Meireles Barriga.

António Resende.

António de Sousa Maia.

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António Vicente Ferreira.

Armando Pereira de Castro Agatão Lança.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Artur Brandão.

Artur de Morais Carvalho.

Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.

Augusto Pereira Nobre.

Carlos Cândido Pereira.

Domingos Leite Pereira.

Eugénio Rodrigues Aresta.

Feliz de Morais Barreira.

Fernando Augusto Freiria.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Francisco Cruz.

Francisco da Cunha Rêgo Chaves.

Francisco Manuel Homem Cristo.

Germano José de Amorim.

Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

Jaime Duarte Silva.

João Baptista da Silva.

João Cardoso Moniz Bacelar.

João Estêvão Águas.

João Pina de Morais Júnior.

João Salema.

João do Sousa Uva.

João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

João Vitorino Mealha.

Joaquim Brandão.

Joaquim Ribeiro de Carvalho.

Joaquim Serafim de Barros.

Jorge Barros Capinha.

José António de Magalhães.

José Domingos dos Santos.

José Joaquim Gomes de Vilhena.

José Marques Loureiro.

José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.

José de Oliveira da Costa Gonçalves.

José de Oliveira Salvador.

Júlio Gonçalves.

Juvenal Henrique de Araújo.

Leonardo José Coimbra.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Manuel de Sousa da Câmara.

Manuel de Sousa Dias Júnior.

Mariano Rocha Felgueiras.

Mário Moniz Pamplona Ramos.

Maximino de Matos.

Paulo Limpo de Lacerda.

Pedro Augusto Pereira de Castro.

Rodrigo José Rodrigues.

Sebastião de Herédia.

Teófilo Maciel Pais Carneiro.

Valentim Guerra.

Ventura Malheiro Reimão.

Vergílio da Conceição Costa.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Pelas 15 horas e 30 minutos, com a presença de 43 Srs. Deputados, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta e o seguinte

Expediente

Telegrama

Da Associação Comercial do Funchal, pedindo para as Ilhas ficarem excluídas do monopólio dos tabacos.

Para a Secretaria.

O Sr. Lino Neto: — No dia de hoje, em todas a nações, é celebrado o 2.° aniversário da coroação de Sua Santidade o Papa Pio XI, chefe supremo da igreja católica. Representa esse facto alguma cousa de notável e de importante na civilização espiritual da humanidade. Creio, pois, ir ao encontro dos sentimentos e disposições desta Câmara, propondo que um voto de congratulação por tal aniversário seja lançado na acta e que dele se dê comunicação ao Soberano Pontífice, por intermédio do seu núncio apostólico em Lisboa.

Trata-se de um alto poder com o qual a República Portuguesa tem excelentes relações oficiais.

Mas, homenageando-o, não cumprimos só um dever de cortesia, significamos também que êste pequeno povo do Ocidente, que em tempos idos sé fez grande, dilatando a fé e o império, tem ainda, nesta época de geral mercantilismo e ganância, idealidade bastante para sobrepor a tudo, em consideração, os valores morais que vêm movendo o mundo.
São de apreciar, é certo, as potências que se fizeram e sustentam à custa de portentosas esquadras, de poderosos exércitos, ou de formidáveis fortalezas. Mas são muito mais de apreciar as potências que simplesmente se fizeram e sustentam à custa da conquista das almas; e a igreja católica é a primeira potência organizada de espiritualidade que há vinte séculos se mantém, inabalável e firme através de todas as vicissitudes o cataclismos sociais.

O voto que propomos à Câmara é um

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justificado culto do preferência à vida do espírito sôbre a fôrça bruta; é um devido reconhecimento da hegemonia da civilização moral sôbre a civilização material; é a revelação das reservas de idealismo que ainda se guardam e crepitam na velha alma portuguesa.

Nesse voto vai imenso de consideração por nós mesmos. É que a igreja, por mais que se queira pensar o contrário, é alguma cousa de Portugal. Na sua constituição e essência entram a maior parte dos nossos concidadãos; e, por mim, devo dizer que um dos meus maiores desvanecimentos é ser filho dessa alma-mater de todos os tempos e de todos os lugares.

Muitos dos mártires da igreja são mártires portugueses; muitos dos seus santos são santos nossos; muitos dos que traduzem o seu pensamento e acção são homens da nossa teria.

E, se observarmos com mais cuidado, iremos até ao ponto de ver que a igreja é um dos mais fortes apoios de expansão e segurança da nossa soberania nacional. O Padroado do Oriente, por exemplo, é a limitação pela igreja da soberania de outros Estados em favor de Portugal.

Além disto, forçoso é reconhecer, outrossim, que o predomínio da Latinidade sôbre o mundo se exerce na sua maior parte pela igreja; e nós somos, fundamentalmente, um povo latino.

Justificadíssima é, pois, a proposta que acabo de apresentar à Câmara.

Honrar o Sumo Pontífice Romano é levantarmo-nos a nós mesmos, porque êle é também a expressão da vontade de quási seis milhões de portugueses. Honrar a Santa Sé é servir a própria Pátria, porque é dignificar a Fé, de onde partiu o fogo que iluminou toda a nossa história o põe ainda claridades nos nossos horizontes. Honrar a igreja, em suma, é glorificar â civilização universal, porque contudo o que há de grande na humanidade, diga-se o que se disser, nasceu e amparou-se com a igreja; com a igreja, sim, fonte de belezas sem fim, de vida sem termo, e de glórias sem mancha; com a igreja, sim, ponto de cruzamento das rotas de todos os astros que de algum modo tem lançado luz em almas; com a igreja, sim, única bóia atirada do Infinito para segurar o homem a caminho da Eternidade!

O Sr. Carlos Olavo: — Em nome do Grupo de Acção Republicana, associo-me
ao voto que acaba de ser proposto pelo Sr. Lino Neto, leader da minoria católica.

Sr. Presidente: a República é um regime de tolerância e fraternidade. E portanto, admitindo todas as crenças, não pode esquecer que a maioria dos portugueses é católica.

Apoiados.

Não posso esquecer que o Sumo Pontífice em todas as comunicações que tem feito recomenda o máximo respeito o acatamento pela República.

Apoiados.

Por estas razões associo-me ao voto proposto pelo Sr. Lino Neto.

O orador não reviu.

O Sr. Aires de Ornelas: — É com todasas veras da minha alma que me associo ao voto proposto pelo Sr. Lino Neto.

Tom para nós, monárquicos, a igreja católica um significado especial, pois todos nós, monárquicos, professamos essa religião.

A igreja católica é uma fôrça moral que muito tem valido nesta descalabro social.

Por todas estas razões, repito, associo-me gostosamente ao voto proposto pelo Sr. Lino Neto.

O orador não reviu.

O Sr. Ginestal Machado: — Sr. Presidente: associo-me ao voto de congratulação que acaba do ser apresentado.

O Partido Nacionalista, aqui representado, vota a proposta feita pelo ilustre leader católico e meu prosado amigo Sr. Lino Neto; o a Câmara, votando a proposta do Sr. Lino Neto, cumpre um dever de alta cortesia.

Como V. Exa. sabe, a República tem um seu representante junto do Vaticano.

Junto da República Portuguesa está um representante do Sumo Pontífice.

Cumprimos um dever de alta cortesia internacional; e julgo eu que a Câmara cumpre também um dever de cortesia nacional.

O número de católicos em Portugal, diga-se o que se quiser, é ainda a grande maioria da Nação; e esta Câmara é uma Câmara da Nação, onde devem estar, representadas todas as correntes de opinião-

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que se devem determinar sem nenhum sectarismo.

Bem faz pois ela em ser sempre cortês com aquilo que para a maioria dos portugueses representa de facto e de direito um alto e incontestável poder.

Cumpre-me pois associar-me com entusiasmo à proposta feita pelo Sr. Lino Neto. A Igreja, personificada no seu mais alto representante, continua n, ser um dos mais elevados baluartes do mundo.

Não podemos esquecer que algumas centenas de milhões de homens reconhecem ainda que existe em Roma verdade incontroversa.

Se realmente algumas centenas de milhões, de todas as raças, de diferentes educações e de instruções as mais variadas, assim pensam, é porque realmente em Roma deve existir alguma verdade.

Existem lá pelo menos aquelas doutrinas, radicadas com raízes mais fortes, da moral europeia, daquela moral que todos os homens crentes e não crentes, quando querem ser homens de bem, timbram em seguir e reconhecer como uma fôrça espiritual.

Repito: entendo que a Câmara bem faz em prestar esta homenagem de cortesia.

Não podemos esquecer que o Sumo Pontífice é uma figura pessoal, de grande
valor, da mais alta categoria mental.

Viveu durante a sua vida — que não é muito longa, mas curta — entre livros; e, apesar disso, não perdeu o senso das realidades da sua missão.

Na Polónia, em situação grave, deu provas extraordinárias de um tato político elevadíssimo, a ponto de garantir pela sua posição, e mais ainda pelo seu proceder, uma fôrça incontestável, numa ocasião difícil, em que ali se defendia a civilização do ocidente.

Por tudo isto a Câmara bem faz em se associar ao voto proposto pelo Sr. Lino Neto.

O orador não reviu.

O Sr. Abílio Marçal: — Em nome da maioria, associo-me ao voto proposto pelo Sr. Lino Neto.

O Sr. Presidente: — Em virtude da manifestação da Câmara, considero aprovado o voto de congratulação proposto pelo Sr. Lino Neto.

O Sr. Sousa Coutinho: — Pedi a palavra para requerer a V. Exa. que seja inscrito antes da ordem do dia na sessão dó amanhã o parecer n.° 612, que interessa a duas províncias do sul.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Anunciei há meses uma interpelação ao Sr. Ministro do Comércio, acerca da emissão dos selos comemorativos da viagem aérea e da Exposição do Rio de Janeiro.

Desejo que S. Exa. se dê por habilitado a responder-me e que V. Exa. marque o dia para essa interpelação se realizar.

Aproveito a ocasião de estar no uso da palavra para dizer ao Sr. Ministro do Comércio que será interessante narrar afamara o que há acerca da greve dos empregados telégrafo-postais.

Êste lado da Câmara não se tem querido manifestar, para que se não dissesse que ela estava ao lado de quaisquer interêsses.

Mas são passados longos dias, sem que a greve passiva da parte do pessoal telé-grafo-postal tinha sido solucionada.

Evidentemente que o país está sofrendo gravíssimos prejuízos com essa greve, prejuízos de ordem material incalculáveis e prejuízos de ordem moral — o que é impossível manter-se por mais tempo.

Li hoje nos jornais que a greve estava solucionada e que o pessoal tinha resolvido retomar o trabalho.

Uma voz: — Mas houve greve?

O Orador: — Em face das declarações que tenho lido, das que foram ontem feitas pelo Sr. Ministro do Comércio e da notícia em contrário de que a situação continuava no mesmo pó, e das informações que tenho de que os telégrafos-pos-tais tinham afirmado ao Sr. Ministro do Comércio a necessidade urgente de apresentação dum projecto para solução do assunto e entretanto poriam o serviço em ordem, em face destas desencontradas notas pedia ao Sr. Ministro do Comércio o favor de dizer à Câmara o que há de concreto e positivo quanto às declarações por S. Exa. feitas, e dos intuitos do Govêrno relativamente a êsse assunto.

Repito, que se dêste lado da Câmara não nos ocupámos dêste importante assunto, foi para que se não atribuísse aos

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monárquicos intuitos políticos, querendo assim arredar a política de assuntos desta natureza que interessam grandemente à economia do país.

Aproveito estar com a palavra para, pela segunda vez, instar pela remessa de documentos que tenho pedido há muito tempo e que me não têm sido enviados.

Há quási dois anos que pedi documentos pelos Ministérios das Finanças e Estrangeiros, relativos a vários assuntos de alta importância.

Há muitos meses que pedi por outros Ministérios outros documentos: — o relativo ao relatório do Sr. Dr. Afonso Costa sôbre a missão que S. Exa. e desempenhou lá fora em nome do Govêrno, e quanto aos vencimentos e mais partes dos adidos em missão intelectual ao estrangeiro e exposição do Rio de Janeiro.

E agora me recordo vir muito a propósito o assunto quanto às famosas despesas feitas pelo Govêrno e nomeadamente pelo Ministério das Finanças em propaganda, grande propaganda espalhafatosa do famoso empréstimo da raça, hoje com o nome consagrado de empréstimo rácico.

Estão-se sentindo os efeitos dessa alta medida do Govêrno democrático.

É ocasião do instar por que me seja remetida a nota que pedi há muitos meses da despesa enormíssima dêste empréstimo, que acaba de ser torpedeado pela maneira a mais escandalosa que se pode imaginar.

Apoiados.

Ouvi dizer aqui que o ponto principal é o de confiança.

Diz-se que o Govêrno procura obter a confiança do país; mas para a obter abusa dessa confiança, porque é um abuso de confiança o que se fez, e não é com abusos de confiança que se pode melhorar a situação do país.

Abusou-se da confiança do país, fazendo a propaganda espantosa do empréstimo, propaganda som precedentes.

Ao pobre jurista português tirou-se-lhe o dinheiro do bolso para as despesas republicanas; e depois disse-se-lhe: «Agora que tenho o dinheiro, corto-lhe o juro: não tem direito de receber senão o capital».

Isto vem a propósito dos documentos pedidos relativos à propaganda do empréstimo que custaram dezenas-e dezenas de contos.

É preciso ver, fazendo a conta às dês pesas de propaganda, aos juros dêsse empréstimo e aos demais encargos, se porventura êles atingem a importância de 180:000 contos que foi o produto em escudos da famosa operação.

Sr. Presidente: como não posso alongar as minhas considerações, peço a V. Exa. para preguntar ao Sr. Ministro do Comércio se já se considera habilitado a responder à interpelação que enviei para a Mesa.

Tenho dito.

O discurso será publicado na Integra? quando o orador haja revisto as notas taquigráficas.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (António da Fonseca): — Sr. Presidente: em resposta às considerações, que acaba de fazer o Sr. Cancela de Abreu, devo dizer, em primeiro lugar que se ainda me não dei por habilitado a responder à interpelação anunciada por S. Exa. foi simplesmente porque dela não tinha conhecimento, visto que a respectiva nota foi enviada para a Mesa antes de eu ocupar esta cadeira.

Agora que dela tenho conhecimento, apresso-me a declarar ao ilustre deputado que estou inteiramente habilitado a responder desde já à referida interpelação.

Tem-se feito em torno do assunto dessa, interpelação uma série de suposições absolutamente infundadas que muito convém desfazer, esclarecendo por completo a questão. Muito, folgarei, por isso, em ter de a versar aqui em resposta à interpelação do Sr. Cancela de Abreu.

Quanto aos documentos por S. Exa. pedidos aos Ministérios, das Finanças e dos Estrangeiros eu transmitirei aos meus colegas dessas pastas o desejo de S. Exa.

Finalmente referiu-se S. Exa. à questão telégrafo-postal. A questão telégrafo-postal pode considerar-se hoje solucionada.

Tive ontem ocasião de receber por três vezes uma comissão delegada da classe que, enfim, me apresentou, aquilo que ela reputava como a mais fundamental das suas reclamações.

Discuti o assunto com essa comissão e tive ensejo, de ponderar-lhe os gravíssimos inconvenientes que para todas as actividades sociais resultavam da demora

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da expedição do correio, do desvio propositado da correspondência e, ainda, do atraso da correspondência telegráfica.

Verifiquei que os delegados dessa classe eram realmente os primeiros a reconhecer êsses gravíssimos inconvenientes e ouvi da sua boca a afirmação de que só forçados pelas circunstâncias haviam tomado a atitude que tomaram.

Então, pediram-me que intercedesse, junto da Câmara para que fôsse discutida com a maior brevidade a proposta que eu tive a honra de submeter à sua apreciação.

Respondi a essa comissão que não me considerava habilitado a pedir à Câmara qualquer cousa nesse sentido sem previamente poder assegurar a normalização de todos os serviços telégrafo-postais, visto que eu não supunha o Parlamento capaz de resolver o assunto sob a ameaça duma greve, ou duma paralisação de serviços.

Apoiados.

A comissão delegada da classe telégrafo-postal fez comigo uma combinação. E eu permito-me chamar a atenção da Câmara para o seguinte facto que é realmente curioso.

As notícias vindas a público sôbre a natureza dos compromissos assumidos por mim são numa parte absolutamente desconformes à verdade. Assim, por exemplo, um jornal da manhã diz o seguinte:

«Uma comissão delegada do pessoal dos correios e telégrafos, composta dos Srs. Moisés Feijão, Francisco Martins, Amílcar.Monteiro e Albino Madeira, teve ontem à noite uma larga conferência com o Sr. Ministro do Comércio, da qual resultou o seguinte compromisso mútuo:

O pessoal maior e menor compromete-se a pôr em dia todo o serviço, devendo o Sr. Ministro do Comércio visitar na quinta-feira as dependências dos correios e telégrafos a fim de verificar se tal se fez, tomando o compromisso de satisfazer as reclamações do pessoal e de pôr em prática as bases firmadas na conferência.

O Sr. Dr. António da Fonseca dará hoje conta ao Parlamento do que se passou na aludida conferência.

O Sr. Ministro do Comércio prometeu ainda publicar o mais ràpidamente possí-

vel o diploma referente a categorias e fixação de vencimentos.

Ora eu não podia ter tomado o compromisso de satisfazer as reclamações, da classe telégrafo-postal, sobretudo por uma razão simples e comezinha: porque não conhecia essas reclamações. E não ó, decerto, fácil a qualquer Ministro satisfazer reclamações sem as conhecer.

O que se passou entre mim e a comissão delegada dessa classe vem expresso; numa nota que foi fornecida à imprensa por essa mesma comissão, nota que tendo-sido concertada comigo pode ser tida como uma nota oficiosa do Ministério do> Comércio. Essa nota diz o seguinte:

«A comissão delegada das classes dos correios e telégrafos avistou-se ontem com o Sr. Ministro do Comércio para tratar de solucionar ràpidamente as questões que> interessam às mesmas classes. Concordando com as ponderações apresentada® pelo Sr. Ministro e reconhecendo a sua boa vontade em solucionar a questão e satisfazer as reclamações apresentadas, a comissão deliberou aconselhar os seus camaradas a retomar a máxima intensidade de trabalho, à fim de se vencer o atraso^ dos serviços dentro de curtos dias. O Sr. Ministro prometeu interessar-se pela classe e pedir ao Parlamento que, logo após a normalização dos serviços, converta em lei, com a maior urgência, a proposta e as bases apresentadas com as alterações propostas pela classe e já aceitas pelas comissões da Câmara dos Deputados e bem assim com a alteração que na conferência, de ontem lhe foi apresentada.

O Sr. Ministro prometeu ainda publicar o mais ràpidamente possível o diploma referente a categorias e fixação de vencimentos.

Parece-me, portanto, poder afirmar à Câmara que dentro de curtos dias, mercê da boa vontade que encontrei ria classe telégrafo-postal, eu terei ocasião de verificar por mim próprio que os serviços telégrafo-postais se encontram absolutamente em dia, podendo, então, pedir à Câmara que se ocupe da questão.

Tais são, Sr. Presidente, as considerações que, a propósito da questão telégrafo-postal, eu tenho a fazer em resposta ao

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Sr. Cancela de Abreu, a quem agradeço o ensejo que me proporcionou de as produzir.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Vão discutir-se as emendas do Senado ao parecer n.° 513. São as seguintes:

Artigo 1.° Aprovado.

Base 1.ª Aprovada.

Base 2.ª Aprovada.

Base 3.ª Intercalar entre as palavras «sociedade» e «constituída» a palavra «portuguesa».

Base 4.ª Aprovada.

Base 5.ª Aprovada.

Artigo 2.° Acrescentadas no final do artigo as seguintes palavras «e constituídos por capitais portugueses».

Artigo 3.º Aprovado.

Palácio do Congresso da República, em 21 de Dezembro de 1923. — António Xavier Correia Barreto—Luis Inocêncio Ramos Pereira.

O Sr. Presidente: — Vai entrar-se na ordem do dia.

Está em discussão a acta.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Paulo Cancela de Abreu, sôbre a acta.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — A propósito do que se passou ontem na sessão, um jornal da noite, A Capital, faz uma afirmação inteiramente falsa.

Eu não tive qualquer incumbência dos Deputados nacionalistas. Devo fazer esta declaração pôr lealdade para com V. Exas.

Costumo proceder orientado pela minha cabeça; e embora ontem me encontrasse, por motivo de fôrça maior, sozinho nestas bancadas, o que disso foi da minha iniciativa e responsabilidade. É certo que muitas vezes as oposições têm um campo neutro em que se podem encontrar em defesa de determinados pontos de vista, mas há outros onde essa comunhão não resulta de qualquer combinação prévia.

Eu procedo pela minha iniciativa como o Partido Nacionalista procede pela sua.

É absolutamente falso o que diz A Capital.

Nem o Partido Nacionalista precisa delegar em qualquer pessoa a missão de tratar qualquer assunto.

Apoiados.

O orador não reviu.

É aprovada a acta.

Entra em discussão o artigo 1.° da proposta sôbre autorizações.

O Sr. Presidente: — Não está presente o Sr. Nunes Loureiro, a quem cabia a palavra.

Vai proceder-se à votação do artigo 1.°

Leu-se o artigo 1.° da proposta, sendo aprovado.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

Feita a contraprova verificou-se estarem de pé os Srs. Deputados e sentados 3, sendo portanto rejeitado.

É lida na Mesa a proposta de substituição ao artigo 1.°, apresentada pelo Sr. Almeida Ribeiro.

É a seguinte:

Proposta

Proponho que o corpo do artigo 1.° seja assim substituído:

Artigo 1.° É permitido ao Poder Executivo suspender a execução de qualquer diploma, emanado, dele ou do Poder Legislativo, do qual resulte aumento de despesa, e bem assim reduzir ou eliminar qualquer dotação inscrita nos orçamentos do Estado, quando a respectiva despesa possa, sem graves inconvenientes, ser adiada ou suprimida.—Almeida Ribeiro.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro votação nominal.

É aprovada.

Procede-se à votação nominal tendo dito «aprovo» 40 Srs. Deputados, e «rejeito» 21.

Foram os seguintes:

Disseram «aprovo»:

Abílio Correia da Silva Marçal.

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

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Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto Ferreira Vidal.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Álvaro Xavier de Castro.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Alberto Tôrres Gracia.

António Correia.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António Lino Neto.

António Pais da Silva Marques.

Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

Augusto Pires do Vale.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Carlos Eugénio de Vasconcelos.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Custódio Martins de Paiva.

Delfim de Araújo Moreira Lopes.

Delfim Costa.

Francisco Dinis do Carvalho.

Jaime Júlio de Sousa.

João Luís Ricardo.

Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.

Joaquim Dinis da Fonseca.

Joaquim José de Oliveira.

Joaquim Narciso da Silva Matos.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

José Pedro Ferreira.

Luís António da Silva Tavares do Carvalho.

Luís da Costa Amorim.

Manuel Alegre.

Manuel de Sousa Coutinho.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Mariano Martins.

Plínio Octavio de Sant'Ana e Silva.

Vasco Borges.

Vergílio Saque.

Viriato Gomes da Fonseca.

Disseram «rejeito»:

Aires de Ornelas e Vasconcelos.

Alberto de Moura Pinto.

Amaro Garcia Loureiro.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Ginestal Machado.

David Augusto Rodrigues.

Hermano José de Medeiros.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José Carvalho dos Santos.

José Cortes dos Santos.

José Mendes Nunes Loureiro.

José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.

Lúcio de Campos Martins.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel Ferreira da Rocha.

Mário de Magalhães Infante.

Paulo Cancela de Abreu.

Paulo da Costa Menano.

Pedro Góis Pita.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Tomás de Sousa Rosa.

É lido o parágrafo 1.º

Aprovado.

É lido o parágrafo 2.° da proposta de lei.

Rejeitado.

É lida a substituição do parágrafo 2.° proposta pelo Sr. Almeida Ribeiro.

Aprovada.

É a Seguinte:

Proposta

Proponho que o § 2.° do artigo 1.° seja substituído pelo seguinte parágrafo 2.° A permissão concedida por êste artigo vigora somente até o fim do actual ano económico, e considera-se desde logo suspensa no caso de ser adiada ou por algum outro motivo interrompida a corrente sessão legislativa.—Almeida Ribeiro.

O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: vou mandar para a Mesa um artigo novo que submeto à consideração da Câmara.

O artigo visa a evitar qualquer novo aumento da circulação fiduciária.

Apoiados.

Assim, não se emitindo mais notas, não engrossando mais o número de notas que temos em circulação, queremos obstar a uma maior depreciação dos nossos valores monetários.

Considero que esta proibição absoluta de emissão de novas notas é alguma cousa de eficaz: é a maneira de evitar uma maior desvalorização dos nossos valores monetários. Eu creio que tudo quanto se atribui à especulação se deve mais à emissão constante de notas em que temos vívido e custeamos os encargos da nossa administração geral há uns anos a esta parte do que a qualquer outra causa.

A exploração, segundo o meu modo de ver pessoal, não é uma causa, mas sobretudo um efeito da desvalorização que

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nós mesmos temos causado pela nossa, administração pública.

Se esta emissão de notas tivesse como contrapartida valores em ouro, cuja existência fôsse real, como as reservas dos Bancos, então estaria garantida a circulação fiduciária.

Quaisquer medidas restritivas do comércio bancário ou do comércio de importação e exportação, que se publiquem, serão apenas paliativos que não evitarão a queda cada vez mais acentuada da cotação do mercado, em quanto continuarmos a emitir semanalmente alguns milhares de contos em notas.

É para evitar a continuação desta ruinosa, prática que eu mando para a Mesa a minha proposta, que não atribui às autorizações votadas um efeito imediato. Há pagamentos a fazer e encargos contraídos; e assim estabeleço o prazo de 30 dias para o Sr. Ministro das Finanças viver com os recursos do Tesouro sem emissão de notas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Lê-se na Mesa o artigo novo do Sr. Almeida Ribeiro.

É o seguinte:

Proponho que ao projecto em discussão se acrescente o seguinte artigo novo:

Artigo. Fica proibido o aumento, por qualquer motivo ou pretexto, da circulação de notas do Banco de Portugal, logo que tenham decorrido trinta dias contados da data da publicação desta lei.

§ único. A transgressão dêste artigo é crime público, e todos que por qualquer motivo ou pretexto forem seus agentes incorrem na pena do artigo 231.° do Código Penal, sem prejuízo do disposto nos artigos 100.° a 106.° do mesmo Código. — Almeida Ribeiro.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: aceito o artigo novo proposto pelo Sr. Almeida Ribeiro, não só no sentido que resulta aliás das leis — pois a circulação fiduciária só pode ser aumentada com o voto do Parlamento,— mas também no sentido de que o Govêrno dentro das autorizações actualmente existentes procurará fazer -uma política de maneira a que a circulação ju-

duciária legal chegue até que novas receitas sejam criadas e cobradas pelo Estado.

O artigo novo proposto pelo Sr. Almeida Ribeiro importa à Câmara a obrigação de aprovar ràpidamente a proposta que está em discussão na ordem do dia, de maneira a que efectivamente não seja necessário aumentar a circulação fiduciária.

Eu vi que alguns Sr s. Deputados, ao ouvirem ler a proposta apresentada pelo Sr. Almeida Ribeiro, suscitaram dúvidas sôbre se a aprovação dela concederia ao Govêrno uma ilimitada autorização para dentro do trinta dias aumentar a circulação de notas indefinidamente.

Ora não tendo sido nesse sentido que o Sr. Almeida Ribeiro apresentou a sua proposta, eu acoito qualquer modificação que desvie a interpretação que alguns Srs. Deputados entendem poder dar-se a esta proposta, fixando-se taxativamente que a circulação não poderá ser aumentada além das autorizações existentes.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: o artigo que mandei para a Mesa não acrescenta em nada as autorizações que o Govêrno tem para aumentar a circulação fiduciária. O meu artigo faz com que todas as autorizações caduquem ao fim de 30 dias.

Marquei o prazo de 30 dias, porque entendo que dentro dêste espaço de tempo terá de fazer a compressão das despesas, baixando estas ao nivel das receitas.

Foi êste o meu pensamento. Não estabeleço nenhuma autorização nova.

Eu não quero de maneira nenhuma dificultar a vida do Estado. Se o Sr. Ministro das Finanças, que tem na sua mão elementos do informação que eu não tenho, entende que a minha proposta não corresponde às necessidades, o que S. Exa. poderá ter precisão de continuar para além dos 30 dias a usar das autorizações actualmente subsistentes para emitir mais notas, nesse caso a minha proposta não é aceitável.

Creio que assim fica suficientemente esclarecido o meu pensamento.

Tenho dito.

O orador não reviu.

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O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: em primeiro lugar, tenho de me referir a um incidente ocorrido entre os Srs. Cancela do Abreu, Ministro das Colónias e Norton de Matos, antes de iniciar as minhas considerações a propósito do artigo novo proposto pelo Sr. Almeida Ribeiro.

Mas como se trata de afirmações muito claras e toda a gente está falando, ouso pedir a V. Exa., Sr. Presidente, a atenção da Câmara para o que vou dizer.

O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara.

O Orador: — O Sr. Cancela de Abreu afirmou, e com justa razão, que eu tinha dito que elogios — não à obra dos altos comissários, não àquilo que poderia ser a vida de Angola, não àquilo que poderia ser a ressurreição do uma província — tinham sido pagos com os dinheiros de Angola. O Sr. Cancela de Abreu não fez mais que afirmar uma verdade, verdade insofismável, que eu me proponho demonstrar aqui no dia e na hora em que o Sr. Ministro das Colónias assim o desejar.

O Sr. Ministro das Colónias afirmou que reputaria censurável se tal se fizesse e que não acreditava que isso assim fôsse.

S. Exa. acreditou simplesmente que à vida de Angola e à obra porventura do Alto Comissário se tivessem feito elogios, mas que se não tivesse pago aquilo que eu posso considerar como o elogio puro e simples do Alto Comissário o desejo de o manter lá e a propaganda a favor dele.

O Sr. Ministro das Colónias, contraditou o Sr. Cancela de Abreu porque não conhecia os factos.

Foram pagos artigos exclusivamente para louvar a alta personalidade do Sr. Alto Comissário de Angola exclusivamente para isso. Supôs o Sr. Ministro das Colónias que eu tinha feito apenas aproximação de datas de recibos relativos a outros artigos publicados o que foram pagos. Não. Os recibos que eu li aqui mencionavam os artigos que se pagaram, artigos êsses que estão em meu poder e são exclusivamente de puro elogio ao Sr. Alto Comissário de Angola.

E, assim, eu quero dizer ao Sr. Ministro das Colónias que S. Exa., por êrro de informação - e S. Exa. sabe bem todo o

respeito que eu tenho pela sua individualidade moral que se não confunde com estas pequenas tricas está enganado a respeito dó conceito que faz sôbre o pagamento dos tais artigos. Quero dizer a S. Exa. que o Sr. Cancela de Abreu tinha razão e S. Exa. é que a não tinha. E quero mais dizer ao Sr. Ministro das Colónias que tendo o Sr. general Norton de Matos informado que outros artigos houve que tinham sido pagos e que possuía documentos a êsse respeito lamentando o Sr. general Norton de Matos que todas as pessoas que intervieram neste assunto, não se encontrassem, por uma obra diabólica ou do acaso, na Saia da Câmara dos Deputados, quero eu dizer a S. Exa. que até o fim desta semana procurarei orientar a minha vida no sentido de não faltar um único dia mais à sessão, esporando da parto do Sr. Ministro das Colónias, como da parte do Sr. general Norton de Matos, nosso ilustre colega na Câmara dos Deputados, o favor de se entenderem sôbre o dia em que eu devo aqui trazer as provas do que afirmei, e para que o Sr. general Norton de Matos, que deve entender-se muito bem com o Alto Comissário de Angola, nesse dia traga aqui também todas as provas daquilo que porventura afirmou.

Já estamos a demorar demasiadamente um assunto que interessa à própria vida e honra da República. E, portanto, bom que os dois senhores se entendam para que esta contenda tenha um dia a sua conclusão lógica e natural, para que os factos sejam aqui apresentados com toda a clareza, expondo cada um os seus argumentos, as suas provas, e para que se não diga que nós, por obra do acaso ou propositadamente, nos não encontramos nunca aqui reunidos.

O Sr. Norton de Matos: — V. Exa. dá-me licença que o interrompa?

O Orador: — Às suas ordens...

O Sr. Norton de Matos: — Eu desejava dizer a V. Exa. e à Câmara que estou absolutamente pronto para entrar em qualquer discussão, mas dentro do Regimento da Câmara, sôbre os actos do Alto Comissário de Angola o sôbre o regime dos Altos Comissariados em Angola. E quanto

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mais depressa melhor. O que eu não sou é para cousas que me coloquem fora da minha posição de Deputado. Trate-se já hoje do assunto, nesta hora mesmo, quando a Câmara o decidir, que eu estou pronto a entrar na discussão.

Declaro, porém, que só o farei dentro do Regimento.

De outra maneira, não!

Se não entrei na questão quando o Sr. Paulo Cancela de Abreu a ela se referiu, foi pelo facto do que não entro em cousas que diminuem o prestígio do Parlamento.

Apoiados.

Estou em face de documentos roubados, de documentos subtraídos a processos por uma quadrilha de ladrões que andam a rebuscar os arquivos da província de Angola!

Já mandei instaurar os processos. Dei ao Sr. Ministro as explicações que devia dar como funcionário.

Nada mais tenho a dizer agora sôbre êste assunto. Quanto aos outros assuntos estou à disposição da Câmara, de todos os meus ilustres colegas, para dizer o que devo dizer o mostrar bem alto que o Sr. Cunha Leal não tem razão no que afirmou.

S. Exa. é um apaixonado, e está-se revoltando contra factos que nunca se deram!

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Peço a palavra para explicações.

O Orador: — Ouvi com toda a atenção as declarações feitas pelo Sr. Norton de Matos e tenho a dizer que...

Vozes da esquerda: — Não pode ser! Está fora da ordem! Está fora da ordem!

O Sr. Norton de Matos: — Eu só entrarei na questão dentro do Regimento!

Apoiados.

Fora disso, nunca! Muitos apoiados.

O Orador: — Permiti ao general Sr. Norton de Matos que me interrompesse há pouco, mas agora não dei licença para S. Exa. me interromper...

O Sr. Nuno Simões: — V. Exa. está tratando do um assunto fora do Regimento!

Apoiados.

Diga V. Exa. o que tem a dizer quando se realizar a interpelação que já anunciou ao Sr. Ministro das Colónias!

Muitos apoiados.

O Orador (dirigindo-se para o Sr. Nuno Simões): — Se V. Exa. me quere dizer alguma cousa, só com minha licença; lá fora, quando entender...

O Sr. Nuno Simões: — Essas palavras são desnecessárias, porque V. Exa. é Deputado como eu!

O Sr. Norton de Matos: — Parece que o Parlamento só serve para tratar questões mesquinhas!

Apoiados.

Já disse, e repito, que só entrarei no assunto dentro do Regimento.

Apoiados.

O Orador: — Deixem expandir os Srs. Norton do Matos e Nuno Simões! Peço à Câmara êsse favor...

Cruzam-se àpartes.

O Sr. Presidente: — Sr. Cunha Leal: V. Exa. dá-me licença?

V. Exa. acaba de comunicar à Câmara que deseja ocupar-se do assunto ainda esta semana. Creio que já foi anunciada uma interpelação sôbre o assunto. Nessa altura, quando fôr dada para ordem do dia essa interpelação, terá V. Exa. ensejo de dizer tudo quanto entender. O que não pode é enxertar-se no projecto das autorizações outro assunto.

Muitos apoiados da esquerda.

Eu pela muita consideração que tenho por V. Exa. permiti que se referisse ao assunto; mas se soubesse que se demorava tanto não o consentiria.

Assim, convido V. Exa. a entrar na ordem.

O Orador: — V. Exa. permite que responda ás considerações que acaba de fazer?

Sinal de assentimento do Sr. Presidente.

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O Orador: — Ontem na minha ausência foi esta questão levantada. O Sr. Norton de Matos lastimou que nunca nos encontrássemos juntos nesta casa.

Foi essa circunstância que me obrigou a repelir no mesmo local aquela espécie de pequena e vaga insinuaçãozinha que me havia sido feita.

Quis apenas declarar que estou aqui sempre às ordens de quem quer que seja Deputado e representante da Nação tam exaltado como eu.

Há muito tempo que anunciei uma interpelação sôbre o assunto. Já mostrei desejos que ela se realizasse; e não é por minha culpa que ela não se tem efectuado.

Mas não se venha dizer que estou fora da ordem, depois de estarem fora da ordem todos aqueles que na minha ausência levantaram a questão. E não venham certos Deputados falar em ladrões; porque mais ladrões do que os que roubam documentos são aqueles que roubam a Nação.

Àpartes.

Posto isto, vou continuar as considerações que tenho a fazer.

Sr. Presidente: o Sr. Almeida Ribeiro apresentou um aditamento de um artigo novo em que diz o seguinte:

«Fica proibido o aumento, por qualquer motivo ou pretexto, da circulação de notas do Banco de Portugal, logo que tenham decorrido trinta dias contados da data da publicação desta lei».

Sr. Presidente: êste artigo é ingénuo e inofensivo.

A resposta que deu o Sr. Presidente do Ministério mostra que S. Exa. não concordou com o artigo.

Eu se tivesse tido a coragem de publicar os decretos que S. Exa. publicou, não teria dúvida nenhuma em aceitar o artigo novo do Sr. Almeida Ribeiro.

Creio que o Sr. Presidente do Ministério teria tido um ligeiro calafrio quando ouviu ler o respectivo parágrafo único que fala das penas do artigo 23.° do Código Penal, receando que essas penas lhe fossem aplicadas. Mas não tem razão para isso.

Todos sabemos que por autorização legal o Govêrno pode aumentar a circulação fiduciária até certo limite; mas

ninguém ignora que até o fim do mês estarão esgotados êsses aumentos de circulação.

Todos sabemos que o Govêrno terá de completar o limite máximo de circulação.

Nestas condições, nós preguntamos a nós próprios porque razão poderia o Sr. Presidente do Ministério recusar o seu aplauso ao artigo novo do Sr. Almeida Ribeiro e porque foi que S. Exa. o propôs.

O Govêrno não incorrerá nas ditas penas do Código Penal, nada tendo por isso a recear do artigo novo do Sr. Almeida Ribeiro.

O Govêrno declarou já que era necessário ver qual era a sua situação em face do artigo do Sr. Almeida Ribeiro. O Govêrno, tendo publicado quatro decretos que fizeram pôr em movimento a sociedade portuguesa, faz-me lembrar um caso contado por Camilo Castelo Branco nas «Scenas da Foz».

Conta Camilo que alguém, tendo abusado de certa donzela, estava prestes a ser pai, pois que a donzela ia ser mãe. Decidido a reparar o seu acto e a perfilhar a criança, a certa altura, estando a família reunida, apareceu a parteira trazendo nos braços uma criança preta.

O caso pode-se aplicar ao que se está passando.

Deu-se autorização ao Govêrno para legislar sôbre cambiais; e quando todos estavam à espera de um decreto sôbre a matéria, aparece, afinal, um decreto preto, como no caso de Camilo Castelo Branco.

Ora, nesta sorte de preto, há dois decretos de dois artigos que importam pôr em relevo, para que V. Exas. compreendam o nenhum alcance que tem o artigo novo proposto pelo Sr. Almeida Ribeiro.

O primeiro artigo que eu quero citar, é o artigo 1.° do decreto que altera o regime de depósitos e cauções no Banco de Portugal e que faz regressar à posse do Estado 1.400:000 libras, que, pelos modos, já não pertencem ao Estado.

Neste artigo, da autoria do Sr. Almeida Ribeiro, nosso respeitável colega, cujas opiniões são sempre ouvidas por todos nós com toda a consideração, preceitua uma cousa que é de nenhum efeito perante o alcance do artigo 1.° do primeiro dos decretos que vem transcrito nos jornais.

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É preciso meditar bem no alcance destas palavras.

Todos V. Exas. sabem que a propósito 'da lei que determinou o célebre empréstimo rácico, estabeleceram-se certas doutrinas e certas regras à sombra das quais o Sr. Velhinho Correia fez esta cousa tremenda de emitir notas, notas e sempre notas, que nós depois tivemos de regularizar.

Importa, portanto, ver com todo o cuidado aquilo que está sendo publicado pelo Govêrno para conjugar com a proposta apresentada pelo Sr. Almeida Ribeiro.

Permitam-me ainda, para fixar bem a doutrina desta alínea, que torne a chamar para ela a atenção da Câmara.

Em que é que consiste esta tam célebre convenção de 29 de Dezembro de 1922, a que a mesma alínea se refere?

Consiste no seguinte: tendo havido uma lei que autorizou o Govêrno a ficar senhor de uma parte das cambiais provenientes do movimento de exportação da nossa balança comercial, o julgando-se o Govêrno sem recursos próprios para comprar essas cambiais, que naturalmente têm de ser pagas em escudos, fez com o Banco de Portugal uma convenção. À medida que essas cambiais dessem entrada no banco seriam entregues ao Govêrno, que pagaria em escudos ao banco.

Sucedeu, porém, que o Banco do Portugal não possuía igualmente escudos e, então, esta convenção, interpretando determinado material contratual, permitiu que o Govêrno e o banco chegassem a êste acordo:

O banco emitia notas até a quantia necessária para a aquisição de cambiais provenientes da exportação, e assim originaram uma conta corrente estranha entre o Govêrno e o banco.

O Banco de Portugal, aumentando a circulação em notas, inscrevia-as como débito do Tesouro; e, por sua vez, o Estado depositaria cambiais como garantia dessa nova variedade de suprimentos feitos ao Estado.

Mas êste, que tinha necessidades em ouro inferiores às cambiais que ia adquirindo, a certa altura entendeu dever devolvê-las à praça, interferindo no movimento dos nossos câmbios, determinando ao Banco que entregasse determinada

quantidade de libras à outra entidade, e abatesse da conta do Tesouro o quantum em escudos equivalente às libras.

Compreendem V. Exas. que havia uma meia garantia. Depositadas as libras, serviam apenas para caucionar empréstimos em escudos saídos dum aumento de circulação fiduciária; mas logo que as libras fossem levantadas — e o Govêrno podia levantá-las quando entendesse — imediatamente da conta do débito deviam desaparecer aquelas parcelas que correspondessem à parte das libras levantadas.

Dir-me-hão que nó movimento da conta correspondente ao contrato de 29 de Dezembro de 1922 ainda existia a falta de liberdade do Estado para movimentar a quantia saída.

Ora essa falta de liberdade só reside numa cousa — e que é Estado não poder levantar as libras sem primeiro as pagar. Se o câmbio está a 130$, e o Estado quiser levantar 10 libras, tem de entregar 1.300$.

Mas imaginemos que a Direcção Geral da Fazenda Pública, representada pelo nosso querido amigo Sr. Alberto Xavier, quere dispor das libras. Pode fazê-lo, mas com a condição de as pagar, visto que, dentro do espírito do contrato, elas representam uma caução.

Ninguém sôbre um valor móvel, como é a libra, empresta quantia equivalente ao valor da própria libra. Ninguém sôbre uma libra que está a 130$ empresta 130$ exactos, porque se amanhã a libra voltar para 122$ a caução torna-se insuficiente. E aquilo que se dava e se dá dentro da convenção de 29 de Dezembro de 1922. Até hoje não se fizeram sentir os inconvenientes da insuficiência dessa caução, até hoje não só fizeram sentir os inconvenientes de porventura se depositar sôbre uma libra o seu valor exacto, porque até agora se tem dado infelizmente a circunstância de a libra se ter cada vez mais valorizado em relação ao Estado; mas no dia em que se der um regresso passará a verificar-se que a referida convenção é insuficiente, porque permitindo emprestar, por um aumento de circulação fiduciária, ao Govêrno quantias em escudos equivalentes ao valor exacto da libra, no dia em que a libra se valorizar a caução torna-se insuficiente.

Mas àparte êste inconveniente, que ne-

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nhum é para o efeito da mobilidade dos valores de que o Estado dispõe, o que é certo é que o Estado não tem nenhumas dificuldades — eu fui Ministro das Finanças e nunca as senti! — em mobilizar as suas libras por uma circunstância: é que quando mobilizar essas libras tem de entregar os escudos correspondentes. Agora vejam V. Exas. como devemos interpretar o n.° 1.° da alínea que venho interpretando. Eu creio que V. Exas. não leram ainda esta «sorte em preto» do Sr. Ministro das Finanças.

Chamo a atenção do Sr. Almeida Ribeiro para aquilo que estou dizendo, porque quando S. Exa. escreveu a sua emenda fê-lo para — acredito — evitar um mal muito grande. Mas repare nisto: se o decreto diz que o Estado pode dispor livremente das cambiais, naturalmente quere dizer que pode pegar nelas e dispor delas, sem as pagar.

Pois agora juntem V. Exas. esta disposição com uma outra, que uma habilidade tam maquiavélica que eu não posso deixar de supor que não tenha vindo do Oriente, fértil em quimeras, naturalmente urdiu: é o artigo 8.° dum outro decreto que não tem nada com êste.

O que é que, portanto, conjugando êstes dois artigos, eu posso tirar como conclusão? O primeiro artigo diz: «Movimentação livre dos depósitos ouro constituídos nos termos da convenção de 39 de Dezembro de 1922», e como, repito, a única cousa que coaretava a faculdade de mobilizar era a de pagar, eu tenho do interpretar essa artigo como uma disposição para se poder dispor dêsse ouro sem o pagar. Mas como nos termos doutras leis, como a de exportações, novas cambiais vão parar ao Banco de Portugal, e como o Estado pode, por êste decreto, dispor delas livremente, vejam V. Exas. até onde poderá ir a conta corrente do Estado com o Banco de Portugal (Apoiados}. E como, se isto fôsse publicado nas notas semanais do Banco, poderia alarmar a vida pública, e como o Sr. Álvaro de Castro, deitando contas à sua vida, não espera estar no Govêrno depois do fim do ano, o Govêrno só consente que em 31 de Dezembro de 1924 nós saibamos o estado da conta corrente com o Banco de Portugal.

Nestas condições, pregunto ao Sr. Al-

meida Ribeiro se não está tendo pena da sua própria ingenuidade quando quere cortar ao Govêrno o direito de não poder aumentar a circulação fiduciária depois de um mês da publicação da lei, se êle pode dispor duma autorização com que pode fazer tudo, apenas nos reservando o direito de apresentar a conta corrente com o Banco de Portugal em 31 de Dezembro de 1924.

Aqueles que ainda têm um certo respeito pelo lugar que ocupam e admitem a possibilidade de ser expulsos dêsse lugar pela fôrça dos factos e que comparem essa situação com aquela que lhes pretendem criar, situação de imbecilidade, de vergonha e de opróbrio pessoal, situação em que todo o aventureiro que tenha dinheiro para poder pagar os seus louvores próprios pode vir a chamar-se um grande homem, quando nós compararmos isto com aquilo que poderia ser uma vida vivida fora da Constituição, mas fora dêstes processos, só temos a ver que se perdeu o respeito pelas ideas e até pelas pessoas.

Dir-me-hão: está tudo certo; mas para se realizar um acordo entre um Govêrno e um Banco há necessidade do estarem de acordo o Govêrno e o Banco.

Porventura modificações assim feitas à Convenção de 29 de Dezembro de 1922 cairão pela base.

Sr. Presidente: eu compreendo a expropriação por utilidade pública quando o Estado necessita fazer uma estrada e que no caminho seja necessário obrigar um proprietário a ceder uma parte da sua propriedade, mas nunca restringindo o direito de propriedade!

Compreendia a expropriação do Banco de Portugal por utilidade pública; mas dizer que não tOm validade as suas resoluções, acho isso extraordinário.

Mais extraordinário acho ainda que homens como o Sr. Almeida Ribeiro, guarda sempre vigilante dos princípios, possam consentir, sem o seu protesto, tal facto.

Não estou defendendo o Banco do Portugal e até julgo conveniente — como o achou o Rr. Ministro das Finanças — que num organismo velho se injecte sangue novo do republicanismo histórico, como, por exemplo, o Sr. Barbosa de Magalhães.

Risos.

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Mas arranjar um acôrdo era que não há harmonia das partes que acordam é mais do que puro bolchevismo, porque chega a ser expropriação sem garantias.

Ainda compreendia que o Sr. Presidente do Ministério sozinho tomasse a responsabilidade dêste gravíssimo caso; mas arrastar consigo a responsabilidade do Parlamento é que não pode ser.

Se o Govêrno quero ficar livre para fazer tudo quanto entenda, justo será pre-guntar:

Para que estamos nós aqui?

Dizia-se antigamente que era um crime pagar os déficits com aumentos de circulação fiduciária.

Suponhamos que é assim.

Mas nunca povo nenhum pensou em vender as suas reservas de ouro e prata para pagar o déficit da sua balança económica.

Todos os povos estão agarrados a essas reservas, como cada um de nós pode estar agarrado àqueles objectos de ouro e prata que herdou dos seus maiores.

Pois o actual Ministro das Finanças de Portugal entende que deve pagar o déficit com o produto na venda do ouro e prata!

No meio dêste pavor, vem o Sr. Almeida Ribeiro, ingénua e sentimentalmente, apresentar-nos o seu artigo novo.

Parece que não sabemos que tendo havido em determinada época um aumento de circulação fiduciária, isso aqui se negou até à última.

Negava-se sem respeito pela verdade dos números, negava-se descaradamente, permita-se-me o termo.

Não podemos pois deixar de nos entristecer pelo facto de vermos que homens do valor mental e moral do,Sr. Almeida Ribeiro ainda querem emprestar 1 centavo da sua inteligência à continuação de uma mistificação.

Já aqui se disse que era bom abrir um debate especial sôbre os decretos do Sr. Presidente do Ministério.

E foi S. Exa. quem disse isso.

Eu concordo com a sua opinião.

É preciso que êsse debate se faça antes de terminada a discussão da proposta de autorizações.

Sr. Presidente: a situação não se resolve pelo processo de atirar decretos à cara do próximo, como quem atira pedradas.

Para caminhar com segurança é necessário não ofender a consciência jurídica da Nação.

O que se fez com o juro do empréstimo de 6,5 por cento é um êrro tremendo.

Apoiados.

É a falência!

E o golpe de morte no crédito do Estado!

É a bancarrota por partes!

A responsabilidade dêsse êrro deixamo-la intacta a êste Govêrno.

Não tenho nenhum propósito político de ferir o Sr. Presidente do Ministério.

Respeito-o como republicano, mas chego a duvidar de que tudo quanto faz o faça por convicção; chego-me a convencer de que tudo quanto faz o faz apenas por uma paixão.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Fausto de Figueiredo: — Tenho a responsabilidade de ter apoiado com o meu voto os actos do Govêrno presidido pelo Sr. Álvaro de Castro, pois tenho a responsabilidade de ter votado as autorizações conferidas pelo Parlamento ao Govêrno presidido por S. Exa.

Que ninguém veja nas minhas palavras a mais leve sombra de crítica às afirmações produzidas por todos aqueles que nesta Câmara se têm pronunciado sôbre o assunto, em discussão. Todos, absolutamente todos, chegaram à conclusão a que eu já cheguei: que não é possível discutir com rapidez, com conhecimento de causa e com urgência os assuntos aqui trazidos e que são absolutamente indispensáveis à vida do país.

Sr. Presidente: não me arrependo de ter dado o meu voto à proposta apresentada pelo Govêrno para se lhe darem autorizações no sentido de obviar ràpidamente a êste incidente máximo da situação cambial agravado todos os dias em condições as mais terríveis.

Não pertenço a nenhum partido, não tenho que dar satisfações dos meus actos senão a mim próprio; procedo com liberdade de acção, com uma isenção que se compadece comigo próprio o que nem sempre acontece a todos os homens por maior

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que seja o seu valor, por mais altamente colocados que êles estejam, porque, na verdade, têm a responsabilidade política 4os partidos a que pertencem.

Definida, portanto, a minha opinião e a minha orientação em matéria de autorizações dadas ao Govêrno que inspirem confiança àqueles que lhas dão, repito, não me arrependo de ter dado o meu voto -à proposta apresentada à Câmara para que o Govêrno presidido pelo Sr. Álvaro de Castro pudesse tratar ràpidamente da questão cambial.

De facto o Sr. Álvaro de Castro foi muito mais longe do que era de supor, e do que, a meu ver, era necessário.

Neste ponto não estou de acordo com o Sr. Álvaro de Castro. E já que toda a gente discutiu, a propósito da especialidade desta proposta, outros assuntos que se ligam com ela, não será demais que eu use do mesmo processo.

Sr. Presidente: o Sr. Álvaro de Castro praticou um êrro que não serve de maneira alguma nem as finanças do Estado nem o crédito do Estado, colocando êsse mesmo Estado na situação de desconfiança absoluta sem nenhuma vantagem de ordem material.

Já aqui se disse que a redução do juro do empréstimo de 6 1/2 Por cento ouro tinha sido um acto do Govêrno absolutamente impolítico. O Sr. Álvaro de Castro, dando esta machadada no crédito do Estado, sem sensíveis vantagens de ordem material, praticou um êrro que é de emendar, praticou um êrro que não pode nem deve subsistir.

Foi dito aqui ontem no final da sessão pelo autor do projecto que serviu de base a êsse empréstimo, o Sr. Vitorino Guimarães, que o Sr. Álvaro de Castro, Presidente do Govêrno, e Ministro das Finanças, à custa duns magros centavos ou milhares de escudos foi praticar um acto que há-de ter a sua repercussão em todo o crédito do Estado.

Efectivamente S. Exa. não tinha nem tem o direito de o fazer. Não é por essa forma que S. Exa. conseguirá melhorar a situação cambial. Pelo contrário, deve agravar essa mesma situação.

Não só trata dum empréstimo cujo pagamento seja em escudos; trata-se dum empréstimo ouro cujo juro é de 6 1/2 por cento, não se sabendo quem são os porta-

dores de títulos respeitantes a êsse empréstimo. Desde que se tratava dum empréstimo ouro, tanto podem êsses títulos ser pertença de nacionais como de estrangeiros.

O Sr. Álvaro de Castro com êste seu acto não prestou, a meu ver, um serviço ao Estado nem às finanças públicas.

Por outro lado, Sr. Presidente, O Sr. Álvaro de Castro a propósito das relações do Estado com o Banco de Portugal, instituição que eu respeito e pela qual não morro de amores, foi muito além daquilo que era conveniente em matéria de legislação não respeitando aquilo que está devidamente consignado em códigos que ainda não,foram modificados.

O Sr. Álvaro de Castro a propósito do Banco de Portugal pretende colocar como representante do Estado junto do Banco de Portugal, embora de funções gratuitas, mais um fiscal, um verdadeiro vogal do Conselho Fiscal. Ora S. Exa. sabe que isto é absolutamente atentatório não só dos Estatutos dessa instituição mas ainda absolutamente atentatório do Código Comercial.

Mas, quais são as vantagens, pregunto eu — e eu sou daqueles que prestam justiça e homenagem às intenções do Sr. Ministro das Finanças — quais são na verdade os resultados práticos, as vantagens que para o Estado podem advir? Não as vejo, sinceramente; e gostaria bem de saber que motivos poderosos levaram o Sr. Ministro das Finanças a praticar êste acto.

O Sr. Ministro das Finanças sabe perfeitamente que não pode nem deve levar por diante uma idea como esta.

Não sei a razão por que o Sr. Ministro das Finanças legislou desta maneira, nem porque se saltou por cima de uma instituição que deve merecer o respeito de todos nós.

Por outro lado, o Sr. Ministro das Finanças, num louvável intuito, chamou a si 1.400:000 libras e a prata de reserva, importâncias que inegavelmente são pertença do Estado, mas o que é certo é que essa importância servia de caução e estabelecia a confiança.

Parece-me que o Sr. Álvaro de Castro não tinha o direito de o fazer,

Porque não nos diz S. Exa. o destino que vai dar a êsses valores?

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Eu votei as autorizações há pouco dadas a S. Exa., mas nunca pensei que S. Exa. fôsse tam longe.

Eu afirmo à Câmara que não está no meu espírito essa autorização!

Eu bem sei que os governos têm assuntos muito importantes e urgentes que não se compadecem das demoras que no Parlamento há para discutir outros não menos importantes; mas quando essas autorizações são necessárias é preciso que o Govêrno nos diga o uso que delas vai fazer!

Vozes: — Muito bem.

O discurso será publicado na integra quando o orador haja revisto as notas taquigráficas.

O Sr. Norton de Matos: — Eu peço ao Sr. Presidente do Ministério, visto não estar presente o Sr. Ministro das Colónias, que se dê por habilitado a responder à interpelação para eu poder dizer da minha justiça e poder mostrar que tenho procedido sempre como homem honrado e cumprido o meu de ver.

Apoiados.

Entrando no assunto em discussão, eu direi que não posso deixar de dar o meu apoio à proposta do Sr. Almeida Ribeiro.

Acho também que o Govêrno não pode aumentar a circulação fiduciária nem que seja um escudo.

Nós sabemos que o actual Ministro das Finanças não abusará dessas autorizações; mas não sabemos o que poderiam fazer outros ministros.
O que o Govêrno precisa principalmente é cobrar as receitas.

Não se paga em alguns casos nada absolutamente, e em outros paga-se a importância mínima.

Foge-se por todas as maneiras do comprimento da lei.

Mas tudo, compressão de despesas, aumento de receitas, fiscalização da arrecadação das receitas será letra morta se continuarmos a aumentar a circulação fiduciária.

Portanto, todas as leis, seja da natureza da que apresentou o Sr. Almeida Ribeiro, ou doutra ainda mais importante, indicando um limite do qual se não possa passar, além do decreto que V. Exa. publicou, ficam como uma medida inútil.

É isto que tenho a dizer, dando o meu apoio à proposta do Sr. Almeida Ribeiro.

Não posso agora dizer tudo quanto devia dizer; mas fica marcado um passo neste caminho.

O discurso será publicado na integra quando o orador haja revisto as notas taquigráficas.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Devo dizer que a responsabilidade das medidas do Govêrno é particularmente do Ministro das Finanças, que as tinha estudado e elaborado com os seus colaboradores oficiais.

A responsabilidade completa dessas medidas pertence ao Ministro das Finanças.

O Sr. Cunha Leal referiu-se, a propósito do artigo apresentado pelo Sr. Almeida Ribeiro, aos decretos do Govêrno no sentido, creio, de demonstrar que à sombra do artigo 1.°, referente ao Banco de Portugal, o Govêrno poderá aumentar indefinidamente a circulação fiduciária, porque a modificação de convenção o permite fazer duma maneira estranha.

NA verdade criticou o intuito do Governo de pretender modificar a convenção.

Expôs o Sr. Cunha Leal o seu ponto de vista contrário.

É absolutamente necessária a existência dum fundo ouro para garantia de circulação; não é necessário à mecânica, porque, como todos sabem, nem toda a, circulação é garantida dessa maneira.

E, realmente, um ponto interessante - o discutir, mas não - se me podem atribuir propósitos que não estão na mente do Ministro das Finanças.

Ora, Sr. Presidente, se há medida que eu ache essencial, e esta; não para salvar a responsabilidade do Ministro das Finanças, que, aliás, como toda a Câmara sabe, dispõe de todos os fundos ouro do Estado, mas o que é importante e capital é que o Estado não publique notas da situação-ouro.

Qual é o Banco que anuncia ao público e ao Estado a sua situação-ouro?

Uma voz: — Têm obrigação de publicar os seus balancetes.

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O Orador: — Ainda que êsses balancetes fossem suficientemente claros e escritos de forma a que o público os percebesse, o Estado, em regra, não tem interêsse por êsses papéis; mas, quem tem interêsse pelos papéis do Estado são os banqueiros.

As únicas entidades que aproveitam com essa situação são os banqueiros.

O facto é que do conhecimento por parte da praça da situação ouro do Estado, que aliás é fácil de conhecer com êstes papéis a pequeno prazo, não resulta nenhuma vantagem para o Estado.

Tudo aquilo, pois, que foi o limite do conhecimento oficial dessa situação é essencial fazer-se.

A medida referente ao ouro ou à venda da prata está inteiramente justificada pelas condições em que êsse depósito ouro há-de ser feito, visto que foi estabelecido que êsse depósito ouro ou essa prata fôsse caucionar uma situação já existente. Devo dizer que êsse depósito ainda não está feito, que êsse ouro ainda não está vendido, embora esteja autorizada a sua venda.

Apartes.

O que é certo é que a doutrina daqueles que defendem a necessidade do caucionamento da circulação fiduciária por determinada massa de ouro não tem razão de ser nem cabimento neste caso, porque o aumento da circulação fiduciária, quer seja com caução, ou sem nenhuma espécie de caução, já produziu todos os males que tinha a produzir;

Eu não me refiro a situações futuras, porque o Govêrno já declarou que não aumentará a circulação fiduciária.

Apartes.

Interrupção do Sr. Cunha Leal que não foi ouvida.

O Orador: — A matéria que eu estabeleço é bem clara; não tenho de entrar em combinações com qualquer outra entidade.

Eu, respondendo às considerações do Sr. Cunha Leal relativas a não votar a autorização pedida, respondo também ao Sr. Fausto de Figueiredo. E não lhe posso dar outra explicação.

Digo que a autorização que se votar tem uma interpretação muito restrita.

A autorização a votar pela Câmara dá

a faculdade do reduzir as despesas, alterando disposições legais, quando seja necessário alterá-las.

Não tem nenhuma espécie de limitação porque a Câmara lha não pôs. Todas as despesas que o Govêrno sinta vantagem em eliminar, serão eliminadas, porque a isso fica devidamente autorizado.

Estas autorizações não carecem, pois, de maior explicação por parte do Govêrno, para se saber qual o alcance dos decretos que venha a publicar à sua sombra.

Creio que a doutrina dos decretos já publicados, até mesmo a daquele que mais impugnado foi, é boa.

O próprio Sr. Vitorino Guimarães, protestando contra êsse decreto — protesto -aliás absolutamente legítimo e justificado dada a posição de S. Exa. em face dêsse decreto — não protestou contra a sua doutrina, que S, Exa. não deixou de aplaudir, mas simplesmente contra o facto de ela ter sido aplicada apenas em relação a uma lei e não a todas.

Quanto às considerações feitas pelo Sr. Fausto de Figueiredo sObre o Banco de Portugal e a situação do Govêrno perante êle, eu só tenho a dizer que o Govêrno não tem outro propósito que não seja o de bem servir o Estado...

O Sr. Fausto de Figueiredo (interrompendo}: — O que eu desejava era que S. Exa. me dissesse quais são as vantagens que advêm para o Estado da alteração da legislação existente. Creio, que só pode resultar, uma desordem nos serviços.

O Orador: — Até esta hora não tenho notícia de desordem nenhuma.

O Sr. Fausto de Figueiredo: — É a desordem nos espíritos!...

O Orador: — Só se existe no espírita de V. Exa. A desordem está sempre mais dentro dos nossos espíritos que fora deles.

Agradeço ao Sr. Fausto de Figueiredo as suas considerações a propósito da votação da autorização ao Govêrno,

Igualmente agradeço ao Sr. Norton de Matos; e pode S. Exa. estar certo de que comunicarei as suas. palavras ao Sr. Ministro das Colónias, a fim de êste meu.

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colega brevemente poder responder à interpelação a S. Exa.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O discurso será publicado na Integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Ministério, em resposta às considerações que eu tive a honra de fazer nesta casa do Parlamento, apresentou argumentos que merece a pena serem analisados.

Eu não quis fazer a discussão do decreto publicado recentemente pelo Govêrno, porque isso me levaria muito longe.

Aludi apenas à circunstância de ser inútil a medida apresentada pelo Sr. Almeida Ribeiro.

O Sr. Ministro das Finanças, rebatendo os meus argumentos não fez mais que confirmá-los. A circulação fiduciária existente hoje divide-se em duas partes: uma fixa, outra movel. A parte fixa é aquela que resulta da aplicação dos diferentes contratos feitos entrego Govêrno e o Banco de Portugal, e que desde o contrato de Abril de 1918 até o contrato recente de Dezembro de 1923, são inúmeros. Além disso, criou-se a circulação móvel. Quem a criou foi a convenção de 29 de Dezembro de 1922. Não vou eu discutir a legalidade dessa convenção, desde que uma lei de Dezembro de 1923 aprovada pelo Parlamento, de qualquer forma estabeleceu a sua legalidade, em contradição com a doutrina que a Procuradoria da República e que o Sr. Dr. Alberto Xavier, Director Geral da Fazenda Pública, tinham entabulado. Mas o que é facto é que esta circulação móvel tinha limites definidos pelo valor dos débitos, ouro, que o Estado ia constituindo péla compra dos cambiais provenientes da exportação. Não se poderia vender uma libra, sem imediatamente essa circulação móvel ser reduzida das quantias que proviessem da venda das libras. Assim, a mecânica dessa operação até agora seguida é a seguinte:

A Inspecção de Câmbios determinava a diferentes entidades que vendessem libras; essas entidades efectuaram as suas

vendas, e, vinte e quatro horas depois, depositavam escudos correspondentes a essas libras. Outras vezes era o próprio Banco de Portugal que era encarregado de efectuar as vendas, e, da mesma forma, quando as efectuava reduzia a circulação fiduciária das quantias correspondentes a essas vendas.

Que maior liberdade de movimento se podia fazer?

Se a própria Direcção Geral da Fazenda Pública porventura julgasse que deveria dispor de fundos, ouro, para efectuar qualquer operação na praça, sem que a Inspecção de Câmbios disso tomasse conhecimento, bastava que para tanto o Ministro das Finanças autorizasse a Direcção Geral da Fazenda Pública. Compraria as libras ao Banco de Portugal e pagá-las-ia em escudos.

A única liberdade, mais, que só podia pedir para êste movimento, só podia ser esta: que as libras se requisitem e se não-paguem imediatamente.

E o que é que o Sr. Ministro das Finanças, em resposta às minhas considerações, veio dizer?

Que eu tinha absolutamente razão. Veio dizer que os ministros do Estado eram prejudicados pela circunstância de o levantamento do debate, ouro, constituído à custa das exportações ter de ser seguido imediatamente pelo depósito dos escudos. Logo, o que o Sr. Ministro das Finanças quere é exactamente aquilo que o meu raciocínio dizia que S. Exa. queria: levantar o depósito, ouro, e não o pagar imediatamente, mas sim quando muito bem o entender.

Nestas condições vêem V. Exas. Que a parte móvel da circulação fiduciária passa a ser ilimitada. Basta para isso que o Banco de Portugal continue aumentando a circulação para pagar as cambiais de exportação e que o Estado vá requisitando essas cambiais e as não pague imediatamente. Teria assim o Estado uma conta que seria igual, pelo menos, à soma dos cambiais existentes numa certa data, por exemplo: até o dia 31 de Dezembro.

Todavia, para termos essa conta, é preciso quê ainda admitamos: primeiro, que poucos dias após 31 de Dezembro se publique a sentença do Banco de Portugal.

Mas, desde que o Estado se reserva o direito de levantar êsse escudo e não fixar

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o preço para a sua entrega, quere dizer que a circulação fiduciária pode ser aumentada indefinidamente. A parte móvel pode ser de um ou dois milhões de contos ou aquilo que o Ministro quiser.

E em certas conveniências elásticas de alguns Ministros, que se entregam ao desporto curioso do fantasiar nas leis aquilo que lá não está e de fazerem dos artigos delas verdadeiras cabriolas — como a de um curioso Ministro das Finanças, que sem lei aumentou - a circulação fiduciária — ela pode ir até onde se quiser, desde que um graduado político influa junto dêsse Ministro, e faça aquilo que já se passou durante duas semanas do ano de 1923, em que se aumentou a circulação em 56:000 contos, para proteger certa instituição bancária, protegida por determinado político.

A situação, portanto, é nitidamente aquela que expus à Câmara.

É claro que o Sr. Ministro das Finanças me há-de responder com o argumento de que não fará isso. Mas, infelizmente, os Ministros das Finanças, mesmo quando têm o calor, a energia o a sans façon do Sr. Presidente do Ministério, não são eternos, e as suas palavras não obrigam os seus sucessores. E a propósito devo recordar que, quando no tempo do Sr. Vitorino Guimarães se aumentou a circulação fiduciária em determinada quantia, S. Exa., em resposta ao Sr. Barros Queiroz, fixou doutrina que os seus sucessores não respeitaram.

Dêste modo, as boas instruções do Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças não podem servir para nada, porque ninguém tem a certeza de que o Partido Democrático não contagia amanhã o Sr. Presidente do Ministério com a gripe pneumónica, da qual S. Exa. faleça politicamente.

Vê, portanto, a Câmara que eu não exagero as minhas afirmações referente-mente ao artigo 1.° do primeiro decreto e ao artigo 8.° do penúltimo.

O Sr. Presidente do Ministério, em resposta a outro dos meus argumentos, quis estabelecer também uma estranha e peregrina doutrina. Disse S. Exa.: de que me servo vender uma prata que vale £ 1.400:000, depositar as cambiais em qualquer banco de Londres, vencendo um juro módico e constituindo com isso

uma garantia para a circulação fiduciária? Nessa altura o Sr. Presidente do Ministério disse que a circulação fiduciária passa a estar dividida em várias categorias, sendo a primeira aquela que tem como garantia o consolidado de 3 por cento, a segunda a que tem como garantia o empréstimo de 6 1/2 por cento, ouro e a terceira a que tem como garantia as cambiais provenientes da venda da prata.

No seu relatório o Sr. Presidente do Ministério cometeu um êrro. Não foi no decreto de Dezembro de 1923 que se estabeleceu a doutrina de se poderem caucionar certos suprimentos feitos ilegalmente por Ministros de consciência fácil com os títulos de 6 1/2 por cento, ouro.

A obrigatoriedade de tal caução foi estabelecida no tempo do Sr. Vitorino Guimarães como Ministro das Finanças. Foi então que se estabeleceu que, a pouco e pouco, à medida que a Junta de Crédito Público pudesse, se iria substituindo o consolidado de 3 por cento pelo valor do empréstimo de 6 por cento.

O pensamento era fazer desaparecer a pouco e pouco o consolidado do 3 por cento em todas as obrigações do Estado, como nas entidades — as misericórdias, por exemplo — que são obrigadas a converter os seus fundos no consolidado de 3 por cento; ora criar uma única caução de 6 1/2 por cento, ouro. Isso, porém, nada tem com o caso. Pelo mesmo fácil raciocínio do Sr. Presidente do Ministério, seria bom mandar pôr em circulação as cambiais provenientes da venda ou até o próprio ouro pela cotação que tivesse.

Porque se não faz isso? Não é — e a tal respeito estou eu de acordo com o Sr. Presidente do Ministério — porque isso aumente a garantia actual da nota, mas porque admite a preparação de uma nota estável, porque é necessário juntar elementos que permitam uma futura conversão da nota.

Mas nós, Sr. Presidente, como um fidalgo arruinado, estamos a vender as pratas da casa, estamos a alienar as pratas da família para pagar os nossos erros financeiros. E êste um acto cuja glória, entre todos os estadistas da Europa, fica reservada ao Sr. Presidente do Ministério,

Poderá S. Exa. a equilibrar a sua situação durante um certo período, pagando o-

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déficit com as cambiais, mas o que não faz é responder pelo negrume do futuro que nos espera.

Eu não tenho a certeza de que o Sr. Presidente do Ministério tenha uma grande estabilidade; e não sei se será lícito criar tam grande dificuldades, ao seu sucessor!

O Sr. Portugal Durão, quando Ministro das Finanças, negociou um acordo com o Banco de Portugal que lhe permitiu o aumento de 20:000 contos de circulação fiduciária por cada 70:000 que fossem concedidos ao Estado. A Câmara aprovou-o. Mas toda a gente viu que, quando Aqui veio pedir-se que se aplicasse ao Banco de Portugal o mesmo regime - que se aplicava à prata do Estado — o que devo dizer', agora que não sou Ministro das Finanças, é absolutamente - justo — isso foi recusado pela Câmara. Assim eu, que conheço muito bem o espírito da Câmara — para amigos mãos rotas, e para adversários tudo passado por uma fieira! — fiz uma cousa muito simples: demonstrei a minha verdade, e foi tanta a minha convicção que fiquei com a certeza de que a assemblea geral do Banco de Portugal, no desejo certamente de bem servir o país, me daria completa satisfação.

Mas V. Exa., Sr. Presidente do Ministério, que pode dispor de uma maioria, com a qual pode fazer tudo, desde a inundação pelais éguas do mar do próprio Parlamento, até ao esmagamento, da mesma maioria, fazendo cair lá de cima os andaimes que lá estão, fez uma cousa que eu não fiz: eu sujeitei-me a uma recusa da assemblea geral do Banco de Portugal e V. Exa. impõe-lhe determinadas disposições, saltando até por cima da sua lei estatutária.

Apoiados.

O Sr. Presidente: — Deu a hora de se encerrar a sessão. V. Exa. deseja terminar o seu discurso, ou quere ficar com a palavra reservada?

O Orador - Fico com a palavra reservada.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Sá Pereira: — É para dizer que, se estivesse presente na ocasião em que foi proposto um voto de saudação ao Papa, não me teria associado a êle. Direi também ao Sr. Ministro da Agricultura que é de estranhar que S. Exa., em vez de se dirigir às autoridades que tem ao seu dispor, governadores civis e administradores do concelho, tivesse enviado uma circular aos bispos para que exercessem a sua influência a fim de contribuírem para facilitar o problema do abastecimento junto dos habitantes das dioceses.

Deploro êstes actos; que dão a impressão no País de que estamos vivendo numa situação perfeitamente reaccionária.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Agricultura: — Desejo responder ao Sr. Sá Pereira, dizendo que quando tomei posse dêste Ministério, e me propus tratar do problema do abastecimento, chamei o lavrador ao manifesto do trigo, o que tinha de ser feito por indicação das autoridades administrativas. E para isso oficiei ao Sr. Ministro do Interior para que fossem dadas instruções aos governadores civis, administradores do concelho nesse sentido, e ao Sr. Ministro da Instrução para ser pedido aos inspectores primários do País para fazerem ver a êsses povos, que era do seu interêsse êsse manifesto.

Dentro dos mesmos princípios foi pedido aos bispos das diferentes dioceses que têm influência junto das classes para sôbre êsse manifesto exercerem também a sua propaganda.

Se mais tivesse a quem dirigir-me não deixaria de o fazer.

Exagero a minha função: chamar todos os poderes a colaborarem numa obra útil.

Um bispo, por ser bispo, não deixa, de ser português.

Apoiados.

Êles honram as dioceses a que pertencem, porque mo vieram dizer que confiavam na atitude do Ministro da Agricultura, no seu espírito patriótico, e que estavam prontos a colaborar.

Eu não procederei doutra maneira custe o que custar.

O orador não reviu.

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O Sr. Sá Pereira: — Entendo que S. Exa. procedeu muito bem, menos no que se refere aos bispos.

Como Deputado entendo dever lavrar o meu protesto, porque não admito que criaturas que estão na situação dos bispos dentro do País sejam chamadas a colaborar neste assunto.

O orador não reviu.

O Sr. Nuno Simões: — Pedi a palavra para me referir ao incidente ocorrido com o Sr. Cunha Leal, e por entender que devo a V. Exa. e à Câmara uma explicação.

Disse que o Sr. Cunha Leal estava fora do Regimento e mantenho inteiramente, essa afirmação.

Mal informado, o Sr. Cunha Leal disse que o incidente tinha sido versado na ordem do dia.

V. Exa., Sr. Presidente, sabe que assim não foi.

O Sr. Cunha Leal, que teve urgência de sair da Câmara, disso também que estava disposto a dar-me explicações na Câmara, e lá fora.

Para mim, a política é a luta da inteligência e não de músculos.

Essas lutas de inteligência dispensam êsse uso de músculos.

A minha correcção dispensa-me de usar deles, como também o Sr. Cunha Leal não necessita usá-los, porque são dispensáveis nesta casa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Sr. Presidente: mandei para a Mesa uma nota de interpelação sôbre assunto que corre pela pasta da Agricultura.

Não estando presente o Sr. Ministro da Agricultura não me posso referir ao assunto; mas como tenho urgência de o tratar, não posso esperar que S. Exa. se dê por habilitado, e, por isso, peço a comparência de S. Exa. antes da ordem do dia para mo ocupar da questão.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: como não está presente o Sr. Cunha Leal, na presença de quem dese-

java tratar o assunto a que me quero referir, e como já está também anunciada uma interpelação sôbre a questão, eu, sem querer apreciar o incidente hoje levantado a respeito de Angola, reservo-me para então me pronunciar, usando da palavra nesse debate.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, 13, às 14 horas, com a seguinte ordem do trabalhos:

Antes da ordem do dia (com prejuízo dos oradores que se inscrevam):

Parecer n.° 442, que repõe em vigor os artigos 10.° e 11.° da lei n.° 410.

Parecer n.° 642-C, empréstimo para a construção de estradas.

(Sem prejuízo dos oradores que se inscrevam):

Parecer n.° 451, crédito para avaliações prediais.

Parecer n.° 551, obras no porto de Faro e Olhão.

Parecer n.° 560, sôbre a petição do capitão picado e Salvador da Costa.

Parecer n.° 612, que autoriza as juntas gerais de Faro, Beja e Évora a cobrarem um imposto adicional.

Ordem do dia:

A que estava marcada.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Projectos de lei

Do Sr. Tôrres Garcia, autorizando a Misericórdia de Tentúgal a vender designados prédios.

Para o «Diário do Governo».

Do Sr. Manuel de Sousa Coutinho, criando uma assemblea eleitoral na freguesia de Cachopo, concelho de Tavira.

Para o «Diário do Governo».

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Proposta de lei

Dos Srs. Ministros das Finanças e Marinha, extinguindo o imposto da taxa pro- gressiva sôbre o rendimento das artes da pesca a que se refere a lei n.° 1:135.

Para o «Diário do Governo».

Constituição da comissão

Obras públicas e minas:

Presidente o Sr. Plínio Silva.

Secretário o Sr. Torres Garcia.

Para a Secretaria.

O REDACTOR — João Saraiva.

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