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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 44
EM 26 DE FEVEREIRO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Hermano José de Medeiros
Sumário. — Abre a sessão com a presença de 42 Srs. Deputados.
É lida a acta, que adiante se aprova com número regimental.
Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Pedro Ferreira aprecia o novo regulamento do hospital das Caldas da Rainha.
O Sr. Presidente do Ministério requere, e é aprovado, que se discutam as emendas do Senado à, lei do sêlo.
Continua a discussão do parecer n.° 442.
Usam da palavra os Srs. Pires Monteiro e Carlos Pereira.
Termina a discussão, com emendas.
É dispensada a leitura de última redacção, e a propósito da votação do parecer, o Sr. Presidente do Ministério (Álvaro de Castro), faz considerações de ordem financeira e dá informações sôbre a greve dos funcionários públicos.
São discutidas, sendo aprovadas umas e rejeitadas outras, as emendas do Senado ao parecer n.º 634, que autoriza ò Govêrno a elevar as taxas fixas da lei do sêlo.
O Sr. Ministro do Comércio (António Fonseca), manda para a Meça, uma proposta de lei referente a estradas, requerendo quê ela se discuta imediatamente, sem prejuízo da ordem do dia.
É aprovado.
O Sr. Ministro da Justiça (José Domingues dos Santos), manda para a Mesa três propostas de lei, pedindo a urgência para uma delas, que é concedida.
É aprovado um requerimento do Sr. Américo Olavo, para que na sessão imediata, e antes da ordem do dia, se discuta a proposta de lei referente aos vencimentos da policia.
Usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva e Hermano de Medeiros.
Ordem do dia. — Continuação da interpelação do Sr. Cunha Leal ao Sr. Ministro das Colónias sôbre o Alto Comissário de Angola.
Usa da palavra o Sr. Deputado interpelante,
em resposta ao Sr. Norton de Matos, concluindo o seu discurso.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Carvalho da Silva troca explicações com o Sr. Ministro da Justiça acerca da questão de inquilinato.
O Sr. Carlos Pereira manifesta o desejo de tratar com o Sr. Ministro do Trabalho (Lima Duque), de assuntos relativos ao hospital das Caldas da Rainha.
O Sr. António Correia trata de uma tentativa de agressão contra a sua pessoa por parte de um juiz de direito.
Responde o Sr. Ministro da Justiça.
Encerrou-se a sessão; mareando-se a imediata para o dia seguinte.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão.— Propostas de lei.
Um requerimento.
Abertura da sessão, às 15 horas e 40 minutos.
Presentes à chamada, 42 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 52 Srs. Deputados.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
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Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António de Resende.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Francisco Coelho dó Amaral Reis.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Joaquim Serafim de Barros.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Pedro Ferreira.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa da Câmara.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Tomás de Sousa Rosa.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
Armando Pereira de Castro Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Domingos Leite Pereira.
Jaime Júlio de Sousa.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
Júlio Henrique de Abreu.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mariano Martins.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.
Tomé de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Vergília da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
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Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa,
Américo da Silva Castro.
António Albino Marque» de Azevedo.
António Dias.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Augusto Pires do Vale.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
David Augusto Rodrigues.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Luís Ricardo.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Pelas 15 horas e 40 minutos, com a presença de 42 Srs. Deputados, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta e o seguinte
Expediente
Ofícios
Do Senado, comunicando ter sido designado o dia 21, pelas 15 horas e 30 minutos, para a sessão do Congresso com a respectiva ordem do dia.
Alterações à proposta de lei que autoriza a elevar o imposto do sêlo.
Rejeição da proposta que suprime os exames de 2.a classe nos liceus. Alterações à proposta que cria a Junta Autónoma do porto comercial de Lagos.
Alterações à proposta que permite, na pesca da baleia, o uso de certo canhão.
Alterações à proposta sôbre colocação nas escadas dos prédios de caixas de receptáculos de correspondência.
Para a Secretaria.
Do Ministério da Justiça, enviando documentos para satisfação do pedido do Sr. Cancela de Abreu, transmitido no ofício n.° 121.
Para a Secretaria.
Do presidente do 2.° Congresso da Imprensa Latina, ratificando os agradecimentos pela moção com que a Câmara dos Deputados o saudou.
Para a Secretaria.
Requerimento
De Roque João Adelino de Miranda, ex-segundo sargento de caçadores n.° 2, pedindo a sua reintegração.
Para a comissão de guerra.
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Telegrama
Dos agentes de navegação, protestando contra as emendas do Senado à nova lei do sêlo.
Para a Secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Pedro Ferreira: — Sr. Presidente: tinha pedido a palavra para tratar de um escândalo praticado numa das repartições do Ministério da Agricultura, em que foram extorquidos a um particular alguns milhares de escudos; mas como não está presente o Sr. Ministro, aproveito a ocasião para falar do outro assunto.
Sr. Presidente: o meu prezado amigo e colega nesta casa do Parlamento, o Sr. Carlos Pereira, Deputado pelo círculo que eu também tenho a honra de representar, estigmatizou ontem, com o calor e,energia que costuma pôr sempre nos assuntos de que trata, o regulamento do Hospital das Caldas da Bainha, ultimamente publicado.
S. Exa., que é indiscutivelmente um dos mais brilhantes ornamentos desta casa do Parlamento, costuma sempre tratar todos os assuntos com, proficiência e cuidado estudo. Porém neste assunto mostrou que estava em branco completam ente; e eu vou demonstrar, isso à Câmara.
O Hospital D. Leonor, das Caldas, da Rainha, compõe-se, de duas partes distintas: uma que diz respeito ao hospital fundado pela Rainha D.Leonor, e o Hospital de Santo Isidoro, legado por Isidoro Carvalho.
A segunda parte é a industrial, composta do balneário, parque, mata, etc.
Esta parte é difícil de administrar e está a par de outros estabelecimentos congéneres no País e no estrangeiro. A separação das duas secções impunha-se, portanto, e o Sr. Ministro do Trabalho procedeu bem e em conformidade com a lei n.° 827, que autoriza o arrendamento da segunda secção arrendamento que será feito a contento da maioria dos habitantes das Caldas da Rainha e dos que frequentam aquelas termas.
Outra disposição que S. Exa combateu foi a autorização dada ao inspector clínico para poder ausentar-se das Caldas emquanto o hospital estivesse fechado.
Ora eu não compreendo para que sirva lá o inspector estando o hospital fechado.
Há um outro médico, que tem a seu cargo a clínica do hospital de Santo Isidoro; êsse é que tem de estar naquela, localidade durante todo o ano. O inspector clínico não tem funções oficiais nas Caldas da Rainha desde Novembro a Maio do ano seguinte. Obrigá-lo a estar ali durante êsse período é uma verdadeira violência.
Se o Sr. Carlos Pereira tem entranhado do amor a êstes assuntos que se prendem com as Caldas da Rainha, eu não tenho por êles menos amor, pois que dizem respeito à terra onde nasci e a que estou ligado por grandes afinidades.
Sr. Presidente: posso afirmar a V. Exa. e à Câmara que do novo regulamento do Hospital D. Leonor só vantagens resultam para o Estado, para aquele estabelecimento e para as Caldas da Rainha.
O Sr. Presidente do Ministério (Álvaro de Castro): — Requeiro que entrem em discussão, depois do parecer n.° 442, as emendas do Senado à lei do sêlo.
Foi aprovado.
Continua a discussão do parecer n.º 442.
O Sr. Pires Monteiro: — Eu julgo que a Câmara não pode deixar de aprovar uma substituição ao artigo 1.° dessa proposta.
É preciso dar possibilidades, aos sargentos de se habilitarem a poderem entrar na Escola Militar e Escola Central de Sargentos.
Quando a proposta de substituição fôr admitida, a Câmara, dir-me há se necessita de quaisquer esclarecimentos tendentes a mostrar o critério a que obedeceu.
Termino, pois mandando para a Mesa a proposta.
Foi lida na Mesa e admitida a proposta de substituição do Sr. António Maio.
Foi lida na Mesa a proposta de substituição do Sr. Pires Monteiro.
Foi admitida.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: Parece-me digna de ser aprovada a proposta do substituição apresentada pelo ilustre Deputado, Sr. Pires Monteiro; mas há qualquer cousa ainda à acrescentar a
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essa proposta no sentido de se fazer inteira justiça.
Havendo sargentos-ajudantes a quem foi dispensado o curso da Escola Central de Sargentos, não era natural, nem lógico, que agora se lhe fôsse exigir essa condição à promoção, tanto mais que a dispensa de freqüência que lhe foi concedida motivou até o encerramento da Escola.
Demais, nem o curso é condição a tomar em consideração para a promoção dos sargentos-ajudantes a alferes, mas apenas para a promoção dos primeiros sargentos a sargentos ajudantes. E para que não surjam dúvidas no ânimo da Câmara, posso dizer que há até uma circular do Ministério da Guerra que fixou doutrina nesse sentido.
Como os benefícios da lei devem aproveitar não só aqueles que têm o curso, mas àqueles que foram dispensados de o freqüentar, mando para a Mesa um aditamento à proposta de substituição apresentada pelo Sr. Pires Monteiro.
O orador não reviu.
A proposta, lida na Mesa, foi admitida.
O Sr. Américo Olavo: — Ouvi ler o aditamento apresentado pelo Sr. Carlos Pereira e verifiquei que êle visa a sancionar uma dispensa da freqüência do curso da Escola Central de Sargentos aos sargentos-ajudantes para a sua promoção a oficiais.
Desejo fazer a declaração de que sou absolutamente contrário à dispensa de qualquer formalidade, seja ela qual fôr. O Sr. major Ribeiro de Carvalho, que foi Ministro da Guerra, trouxe a esta Câmara- várias propostas - de lei onde consigna a prestação de provas, para oficiais superiores o que delas tinham sido dispensados.
Durante a guerra, houve necessidade de dispensar vários oficiais da prestação de provas para o acesso aos postos superiores, o que, de resto, constava do decreto de 25 de Maio de 1911, com a condição de, uma vez acabada a gnerra, êsses oficiais prestarem provas. Como, porém, houvesse.oficiais que atingiram os postos de major o tenente-coronel, uma medida emanada do Ministério da Guerra dispensou-os da prestação dessas provas.
O Sr. major Ribeiro de Carvalho tem a intenção de resolver êsse assunto for-
çando toda a gente a prestar provas. Eu estou inteiramente de acordo com a disposição contida na proposta do Sr. major Ribeiro de Carvalho, e entendo que esta Câmara por modo nenhum deve sancionar qualquer dispensa de prestação de provas, para que os indivíduos mostrem a sua capacidade.
Tenho dito.
O. orador não reviu.
O Sr. Correia Gomes: — Requeiro a prioridade para a votação da proposta apresentada pelo Sr. Pires Monteiro.
Procedeu-se à votação.
O Sr. Presidente: — Está aprovado.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Requeiro a contraprova, e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.
Procedeu-se à contagem para a contraprova.
O Sr. Presidente: — Estão de pé 4 Srs. Deputados e sentados 42. Não há número. Vai fazer-se a chamada.
Procedeu-se à chamada.
O Sr. Presidente: — Disseram «aprovo» 56 Srs. Deputados e «rejeito» 4.
Está aprovado.
Foi, seguidamente, aprovada a proposta de substituição apresentada pelo Sr. Pires Monteiro.
O Sr. Presidente: — A proposta do Sr. António Maia não pode ser votada, porque vai contra as disposições da lei-travão.
Vai votar-se o aditamento apresentado pelo Sr. Carlos Pereira.
Procedeu-se à votação.
O Sr. Presidente: — Está rejeitado.
O Sr. Carlos Pereira: — Requeiro a contraprova.
Procede-se à contraprova.
O Sr. Presidente: — Estão de pé 22 Srs. Deputados e sentados 37.
Está aprovado.
O Sr. Américo Olavo: — Mas está mal aprovado, Sr. Presidente!...
Vozes: — Não apoiado! É justo!
Foi aprovado o artigo 2.°
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O Sr. Correia Gomes: — Requeiro a dispensa da leitura da última redacção.
Foi dispensada.
Documentação referente ao parecer n.° 442 que repõe em vigor os artigos 10.° e 11.° da lei n.° 415, de 10 de Setembro de 1915.
Proposta de emenda
Para eliminar as palavras «e desde a» até ao fim.—António Maia. Prejudicada.
Propostas de substituição
Artigo 4.° Os sargentos-ajudantes habilitados com o curso da Escola Central de Sargentos e satisfazendo às restantes condições da legislação vigente serão promovidos nos termos dos artigos 10.° e 11.° da lei n.°415, de 10 de Setembro de 1915, anulando-se o decreto n.° 5:586, de 10 de Maio de 1910, desde que produziu os seus efeitos.
§ único. Fica o Govêrno autorizado a reorganizar as escolas de recrutamento de oficiais, de maneira a permitir a admissão ao concurso de ingresso na Escola Militar rios primeiros sargentos habilitados com o curso da Escola Central de Sargentos que por essa reorganização não sejam destinados aos quadros auxiliares convenientemente remodelados atendendo às necessidades do exército e sem aumento de despesa.
Fevereiro de 1924. — Henrique Pires Monteiro.
Aprovada.
Para a comissão de redacção.
Proponho em substituição da proposta de lei n.º 408-A que seja elevado a 50 anos o limite de idade para promoção a oficial dos sargentos-ajudantes e primeiros sargentos do exército.
25 de Janeiro de 1924.—David Rodrigues.
Prejudicada.
Proposta de aditamento
Artigo 1.° Aditar às palavras: Os sargentos-ajudantes habilitados com o curso da Escola Central de Sargentos, as seguintes: «e os que dela foram dispensados».—Carlos Pereira.
Aprovada.
Para a comissão de redacção.
Artigo novo
É restabelecida a lei n.° 1:239, de 24 de Fevereiro de 1922, ficando assim nula a lei n.° 1:250, de 6 de Abril de 1922.— António Maia.
Não foi admitida, nos termos do artigo 1.° da lei n.° 904, de 22 de Março de 1920.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: não pedi a palavra a propósito de qualquer dos artigos da proposta de lei que se acabou de votar porque, na verdade, concordava com êles, tecnicamente, e, assim, manifesto a minha inteira concordância com os pontos de vista da parte da Câmara que votou a proposta e as alterações. Contudo, chamo a atenção da Câmara para a situação, que aliás conhece, em que financeiramente o País se encontra.
Ainda hoje tive ocasião, ao assumir, interinamente, a pasta da Guerra e aproveito o ensejo para fazer esta comunicação à Câmara: mandei realizar um trabalho, que me deve ser entregue depois de amanhã, para restringir o número das escolas de recrutas, com o que espero ainda conseguir uma economia de 8:000 contos.
Na hora actual, urge fazer as máximas diminuições de despesa, sem, é claro, causar perturbação nos serviços.
Aproveito, também, a ocasião para comunicar à Câmara o que se passou a respeito do funcionalismo. Mercê da atitude que a Câmara tomou nesta emergência, os serviços entraram já na sua completa normalização.
Os funcionários entraram ao serviço, e já começaram a trabalhar, tendo comunicado aos seus superiores hierárquicos que os serviços que estavam paralisados por motivo da greve passiva de uma parte do funcionalismo, dentro em pouco estarão completamente normalizados, mantendo êles, no emtanto, as suas anteriores reclamações.
Entendo ser esta perfeitamente justa, estando as suas reclamações entregues a uma comissão para as estudar, as quais, claro está, não podem ser resolvidas, conforme já tive ocasião de dizer, em quanto o Parlamento não votar as leis necessárias para aumentar as receitas.
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Se bem que as reclamações sejam absolutamente justas, elas não poderão ser atendíveis sem que o Parlamento vote as receitas necessárias para fazer face às mesmas, pois a verdade é que o Govêrno, dada a situação em que se encontra o Tesouro, e em face da lei-travão,não pode resolver o assunto, assim como não poderá dar cumprimento a qual quer projecto de lei que o Parlamento vote e que represente aumento de despesa para o Estado.
Entendi do meu dever fazer esta declaração ao Parlamento, tanto mais quanto é certo que a Câmara acaba de votar um projecto, que depois de convertido em lei traz um aumento de despesa para o Estado, aumento êsse, repito, que o Govêrno não poderá suportar em quanto o Parlamento não lhe fornecer os meios necessários para o fazer.
O Govêrno espera e deseja atender as reclamações do funcionalismo, tanto militar como civil; porém, não se poderá fazer sem que o Parlamento lhe dê os meios necessários para isso.
Tratando-se de leis que importem aumento de despesa para o Estado, só a Câmara poderá autorizar o Govêrno a criar as receitas necessárias para lhe fazer face.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vão ler-se as emendas do Senado à proposta de lei do imposto de sêlo.
Parecer n.° 634.
Foram lidas e seguidamente aprovadas sem discussão, assim como alguns números novos introduzidos pelo Senado.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se um número novo introduzido pelo Senado, o qual tem por fim agravar em 6 por cento as taxas de importação.
Foi lido e pôsto seguidamente em discussão.
O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: a comissão de finanças desta Câmara emitiu o seu parecer quanto às emendas introduzidas pelo Senado à nova lei do sêlo, sendo de opinião que todas essas emendas deviam ser rejeitadas, por isso que estava pendente na ordem do dia nesta Câmara um novo projecto de lei de
sêlo, que foi relatado pelo Sr. Velhinho Correia, e que assim as alterações propostas pelo Senado melhor poderiam ser apreciadas quando da discussão dêsse novo projecto da lei do sêlo.
Mas contrariamente ao parecer da sua comissão, entendeu esta Câmara, em relação aos artigos que V. Exa. até agora tem pôsto em discussão, que mereciam ser aprovados, e assim foram de facto aprovados.
Mas estou convencido que a Câmara dos Deputados, ao apreciar o artigo novo que se refere às passagens por vias terrestres, fluviais e marítimas, não deixará de se conformar, e com justiça, com ò parecer da comissão, visto tratar-se de uma proposta que representa uma violência, que fará afastar do nosso porto todo o movimento de estrangeiros, pois basta dizer que pela emenda do Senado se fixa a verba de um imposto de 26 por cento sôbre os bilhetes de passagens, que com outras alcavalas tornará proibitivo o porto de Lisboa aos estrangeiros.
Nestas condições, êste lado da Câmara não pode votar a emenda vinda do Senado e espera que a Câmara também não a aprovará.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas,
O Sr. Presidente: — Vai votar-se a emenda do Senado.
Foi rejeitada.
Em seguida foram aprovadas as emendas vindas do Senado, aos n.ºs 8.° e 9.°
Foi rejeitada em contraprova requerida pelo Sr. Almeida Ribeiro a emenda ao n.° 10.°, que tinha sido aprovada.
Foram aprovados os artigos 2.° e 5.° do projecto aprovado na Câmara dos Deputados e rejeitadas as emendas do Senado.
Foram rejeitadas as emendas do Senado ao § 8.° e ao 9.°
Foi aprovado o artigo 4° (novo), vindo do Senado.
É aprovado o artigo 5.° (novo).
E aprovado o artigo 6.° do Senado.
É rejeitado o artigo 7.°
É aprovado o artigo 8.°
É aprovado o artigo 9.°
É rejeitado o artigo 10.°
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O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (António Fonseca): — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa a proposta de lei transferindo, do Ministério do Comércio e Comunicações o fundo de protecção à marinha e portos.
Sr. Presidente: não ignora V. Exa. a situação em que se encontram, as estradas do País.
Para fazer face a essa situação, está em ordem do dia uma proposta de lei.
Dá-se a circunstância de não poder ser aplicada ao problema da construção a verba respectiva no próximo ano económico.
A parte relativa à protecção à marinha mercante, e destinada à assistência, não existe.
Entendi dever fazer a transferência para a Direcção Geral das Estradas.
Não ignora V. Exa. o estado das estradas, repito.
Chega a ser uma vergonha.
Apoiados.
É uma vergonha o estado geral das estradas, vergonha nacional.
Mas o estado das estradas distritais, do chamado triângulo do turismo, representa mais: representa uma vergonha internacional, porque estas estradas são freqüentadas por estrangeiros, alguns dos quais chegam ao meio do caminho e voltam.
O Sr. Brito Camacho: — Quando podem voltar para trás.
O Orador: — Às vezes não podem fazê-lo, é certo.
Vão pelo caminho de ferro.
Julgo urgentíssimo que na próxima primavera, em Abril talvez, comecem os trabalhos.
Peço portanto a V. Exa. consulte a Câmara sôbre se consente que esta proposta seja discutida imediatamente, com Dispensa do Regimento e urgência, sem prejuízo da ordem do dia.
É aprovado.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (José Domingues dos Santos): — Sr. Presidente: mando para a Mesa umas propostas de lei.
Uma delas respeita à situação do funcionalismo dos tribunais, modificando-se a tabela de 1886.
Todos se queixam de que em Portugal, a vida está cara; o que é uma verdade.
Na classe dos funcionários, há alguns que estão na miséria: são os funcionários judiciais, que trabalham com a tabela de 1886, isto quando a vida está mais cara vinte vezes.
Peço para esta proposta de lei a urgência.
Outra diz respeito a serviços de protecção a menores delinqüentes.
Êstes, menores encontram-se desprovidos de qualquer protecção.
A protecção que se exerce pela Tutoria só pode ser dada a menores delinqüentes do sexo masculino.
Os menores do sexo feminino só podem ser protegidos em promiscuidade.
Não proponho aumento de despesa, porquê aproveito as receitas do meu Ministério.
Outra é relativa aos inspectores.
Não é de pequena importância, esta proposta, como poderá parecer à primeira vista.
É necessário, porque é fácil encontrar entre os magistrados quem faça as inspecções das comarcas.
O orador não reviu.
O Sr. Américo Olavo: — Requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se consente que amanhã entre em discussão, a seguir à proposta apresentada pelo Sr. Ministro do Comércio a que diz respeito à melhoria à polícia.
O Sr. Carvalho da Silva: — Declaro em nome dêste lado da Câmara que, por excepção, damos o nosso voto ao requerimento apresentado pelo Sr. Américo Olavo, porque é indispensável atender à situação da polícia.
Trata-se de uma corporação que está constantemente ameaçada.
É preciso atender à situação da polícia pelos relevantes serviços que presta à sociedade.
É preciso que seja paga como deve ser.
Por isso, e excepcionalmente, damos a nossa aprovação ao requerimento do Sr. Américo Olavo; mas não votaremos outro requerimento nesse sentido, porque estamos inibidos de tratar todos os dias de questões importantes, só o podendo fa-
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zer no período de antes de se encerrar a sessão, tempo insuficiente para serem tratados assuntos importantes.
Essa proposta está anunciada já, contra o que haveremos de protestar, porque representa mais um agravo, uma violência maior do que todas que se têm feito.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Concordo, Sr. Presidente, em que é necessário discutir o projecto a que se refere o Sr. Américo de Olavo, mas não posso deixar de fazer reparos ao facto de estarmos sempre a ser privados do tempo para tratar de quaisquer assuntos antes da ordem do dia constantemente.
Posto isto, fica feito o meu protesto contra tal facto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Posto à votação o requerimento do Sr. Américo Olavo, foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ordem do dia.
OKDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se na ordem do dia. Continuação da interpelação do Sr. Cunha Leal.
Tom a palavra o Sr. Cunha Leal.
O Sr. Cunha- Leal: — Sr. Presidente: antes de mais nada, e para varrer de uma vez para sempre as meias insinuações contidas nas meias palavras sôbre as minhas intenções ao fazer a interpelação ao Sr. Ministro das Colónias, sobretudo no que respeita à administração da província de Angola, eu quero fazer a seguinte declaração muito terminante. Nenhum outro motivo me determinou a fazer a interpelação, a não ser o desejo de pôr termo, na administração de Angola, a desperdícios, a desbaratos de dinheiros, a actos de concussão ou peculato, que poderiam levar aquela província à ruína. Nenhuma outra intenção me determinou.
Eu sei que Angola é uma das nossas mais ricas colónias, e que ela representa qualquer cousa de grande para a eco-
nomia da Metrópole. Todavia o meu desejo é que, por motivo de desbarates e de concussão, ela, que pode constituir um elemento subsidiário para a nossa prosperidade, não venha arrastar-nos no meio da sua infelicidade, tornando maior a nossa própria.
Não sei que resultados práticos possa colhêr desta interpelação. Não quero saber se os Ministros das Colónias — o actual e os futuros — continuarão a terno Alto Comissário de Angola a mesma confiança que até hoje têm tido. Não quero saber se o Sr. Norton do Matos voltará ou não para aquela província. O que quero apenas frisar bem é que, na hipótese de S. Exa. para lá voltar, há-de fazê-lo em condições diferentes daquelas em que até agora ali tem estado. Até agora não tem havido a devida fiscalização; S. Exa. tem dominado despòticamante, tem disposto dos dinheiros públicos sem fiscalização alguma, tem feito a expulsão de pessoas que lhe não agradam, tem inventado revoltas, como a de Catete, para satisfazer intuitos de momento. Porém, o que quero afirmar é que, se o Sr. Norton de Matos voltar para a província de Angola, encontrará da parte da Metrópole aquela justa fiscalização aos seus actos, de forma a evitar a protecção a clientelas, como hei-de demonstrar através as minhas considerações.
Há muitas pessoas que têm pensado que o Alto Comissário não desejava esta interpelação; todavia eu tenho fundadas razões para supor o contrário.
Em A Província de Angola, jornal de Loanda, foi no dia 30 de Agosto de 1923 publicada uma entrevista de S. Exa. em que se dizia o seguinte:
Leu.
Nestas condições, o primeiro a desejar esta interpelação foi o Sr. Alto Comissário de Angola. Eu não fiz outra cousa senão ir ao encontro dos desejos de S. Exa., e fi-lo propositadamente, proporcionando-lhe a ocasião para fazer a sua defesa.
Sr. Presidente: à minha interpelação responderam o Sr. Ministro das Colónias e o Sr. Norton de Matos.
O Sr. Ministro das Colónias pouco disse, alegando ignorância da maior parte dos factos que eu tinha apresentado. Mostrou vagamente não concordar com a
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maneira como na legislação actual era estabelecida a fiscalização aos actos dos Altos Comissários.
Porventura, fez vislumbrar a idea de aclarar a legislação actual remodelando as cartas orgânicas, mas, propriamente sôbre os factos relativos à administração do Alto Comissário, S. Exa. nada disse. Relegou a defesa para Q próprio interessado.
Mas eu especo que depois de ouvidas as considerações do Sr. Norton de Matos e as do Deputado interpelante, possa dizer-nos qual a sua apreciação pessoal sôbre o debate que aqui se travou.
De resto, é esta a obrigação de S. Exa. e eu conheço-o como um militar distinto e brioso, e estou certo de que não faltará ao cumprimento dêste dever.
O Sr. Norton de Matos, segundo dizem os jornais, respondeu amplamente às minhas considerações, mas eu só lamento que as qualidades de inteligência e energia de S. Exa. não tivessem sido suficientes para me convencer, a mim, que conheço Intimamente os casos que aqui trouxe.
S. Exa. começou por desdobrar a sua personalidade em duas: Deputado e Alto Comissário, e deixou transparecer uma ligeira zanga com o Sr. Ministro das Colónias, a propósito de uma Aclaração que Ministério das Colónias tinha feito para S. Exa. se justificar.
Assim, S. Exa. que principiara por dizer que já falar como Deputado, falou quási sempre como Alto Comissário, esquecendo-se da dualidade que neste momento incidia sôbre a sua própria personalidade.
Mas enfim estas pequenas, ficelles e êstes desdobramentos não me aquentam nem me arrefentam, porque sou uma pessoa simples que, para o caso, tanto se importa que tenha falado o Alto Comissário de Angola, como o Deputado Sr. Norton de Matos,
O que me importa é a justificação que aqui foi feita dos actos dêsse Alto Comissário.
É essa justificação que eu vou analizar com a minúcia bastante para ficarem bem esclarecidas as posições do Sr. Norton de Matos e do Deputado interpelante.
O Alto Comissário de Angpla, além de gastar as receitas ordinárias da província,
despendeu mais verbas que êle próprio apontou, e que são 44:000 contos, provenientes de um empréstimo contraído com o Banco Nacional Ultramarino, 16:000 contos provenientes de uma operação realizada com a Caixa Geral de Depósitos, e 160:000 libras e uma quantia que é difícil de discriminar no certo e que figura nas contas de gerência de 1921-1922 como sendo de cêrca de 389:000 libras, resultantes de um empréstimo realizado com a Companhia dos Diamantes.
Se formos fazer o cálculo dessas importâncias, encontramos os seguintes números:
Leu.
Mas eu pregunto: todo êste dinheiro foi gasto, como a lei expressamente determina, em obras de fomento e colonização?
Não quis o Sr. Norton de Matos entrar no exame detalhado do seu activo.
Mas eu sustento que o que há em Angola não corresponde a tais dispêndios e que nem todas as verbas foram gastas dentro da lei.
O Sr. Norton de Matos diz que sim; mas por entre as suas afirmações S. Exa. nega-se a si próprio.
Nega-se quando declara que não havia mandado abrir concursos porque entendera não os mandar abrir.
Nega-se quando através de toda a sua exposição êle marca bem a sua posição de ditador, saltando, por cima de todos ps obstáculos, saltando até ppr cima da própria lei, fazendo fornecimentos directos e criando clientelas por intermédio dêsses mesmos fornecimentos.
Fez depois o Sr. Norton de Matos a afirmação de que em Angola se fazia a fiscalização dos dinheiros públicos.
Uma tal afirmação significa apenas falta de respeito pela inteligência dos outros.
Veja a Câmara o seguinte ofício da secretaria, que consta do relatório que foi analizado por mim:
Leu.
Fala a êste propósito, o Sr. Norton de Matos, em cabalas e em resistência passiva.
Mas quem constitui o Conselho de Finanças era Angola?
O auditor fiscal e dois juizes da Relação.
Porventura foram essas pessoas que le-
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vantaram contra o Alto Comissário essa tal resistência passiva?
Falou ainda o Sr. Norton de Matos em opinião pública de Angola.
Opinião publica em Angola?
Mas que espécie de fantasia é esta invocada pelo Sr. Norton de Matos?
Na colónia de Angola existem apenas funcionários que têm a sua opinião subordinada à vontade despótica do Alto Comissário; comerciantes que embora muito dignos e honestos não podem deixar de ter a sua opinião condicionada aos desejos do Alto Comissariado, dado que é êle o seu principal consumidor; e, finalmente, agricultores cuja opinião não pode estar fundamentalmente em desacordo com o seu fornecedor de mão de obra.
É esta a opinião pública de Angola?
Mas há mais: quando o Sr. Alto Comissário chegou a Angola, havia os seguintes jornais:
Leu.
Dois dêsses jornais eram órgãos nativistas.
Aproveitando a revolução de Catete, o Sr. Norton de Matos suprimiu-os.
Um dos outros jornais foi pouco depois suspenso e o outro transformado em órgão oficioso do Govêrno.
É nesta imprensa que se reflete o sentir da opinião pública?
Por exemplo, no distrito de Huíla havia um jornal cujos redactores foram deportados.
Por aqui podem V. Exas. ver o respeito que o Sr. general Norton de Matos tinha pela opinião pública, e como S. Exa. se desfazia daqueles que lhe eram hostis!
Quem lhe era desafecto tinha o espectro da deportação para outro distrito ou para outra colónia.
Respeito pela opinião pública!
Onde existe êsse respeito, Sr. Presidente?
Pois é ou não é verdade que os estatutos coloniais proíbem a deportação de indivíduos que não sejam estrangeiros?
Então eu pregunto a V. Exa. se é ou não verdade que um tal Oliveira foi preso, metido numa prisão e depois deportado para a Metrópole?
É ou não verdade que êsse indivíduo, passado tempo, querendo regressar à colónia — não para Loanda — mas chegan-
do ali, de novo foi preso e remetido para a Metrópole?
Não foi apenas a êste que tal aconteceu, mas a muitos, como foram Guilherme Lino, Francisco Alves, Joaquim Malquenha e outros.
Não foram deportados os operários que não se conformaram com a alteração dos contratos que tinham sido feitos pela Agência Geral de Angola?
O Govêrno de Angola pretendeu modificar êsses contratos, obrigando os contratados a aceitar novas cláusulas; mas como não quisessem tal, o que lhes sucedeu, depois do seu protesto?
Tiveram como resposta a deportação para a Metrópole.
É assim, Srs. Deputados, que o Sr. general Norton de Matos respeita os direitos individuais!
O que foi a revolta de Catete?
O Sr. Norton de Matos, foi antes de Alto Comissário, governador de Angola, e dessa vez acarinhou o movimento nativista e recebeu do jornal nativista A Liga Angolense inequívocas provas de carinho, pois foi fundada sob a sua égide.
Mas quando regressou à província como Alto Comissário, encontrou dois jornais nativistas que criticavam a sua acção, e então S. Exa., que não gostava dessas críticas, publicou os decretos n.ºs 40 e 41.°
O que fez o Alto Comissário?
Mandou prender êsses indivíduos e conservou-os presos durante vinte e cinco dias na fortaleza de S. Miguel, sem lhes notificar o motivo da sua prisão.
Não se limitou a tê-los presos: chegou a expulsar da colónia um tal Espírito Santo, que tinha sido eleito vogal do Conselho Legislativo, sem que o Sr. Alto Comissário se preocupasse nem com os direitos de cidadão, nem com os do funcionário.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (interrompendo): — Há até um acórdão do Conselho Colonial, em que se estabelece a doutrina de que os Altos Comissários não podem expulsar da colónia senão os cidadãos estrangeiros.
O Orador: — Mas V. Exa. não acha que quando os acórdãos do Conselho Colonial não são agradáveis ao Sr. Alto. Comissá-
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rio não se publicam no Boletim da província?
A certa altura da sua resposta à minha interpelação, o Sr. Norton de Matos protestou contra a afirmação que eu havia feito nestes seguintes termos:
Leu.
S. Exa. em resposta a isto que eu disse declarou:
Leu.
Eu não me afastei da verdade.
O Sr. Norton do Matos é que está esquecido dos factos passados. Mas eu vou recordá-los, e para isso passarei a ler uma parte do relatório que precede o decreto que o Sr. Norton de Matos, mandou de Paris ao Sr. Ministro das Colónias, instituindo os Altos Comissários.
Verifica-se pelo artigo 8.° que o pensamento do Sr. general Norton de Matos ao redigir êste decreto era dar aos Altos Comissários plenos poderes executivos e legislativos, sendo os legislativos exercidos em Conselho.
O Conselho Legislativo reduzia-se a uma instituição de consulta. Não teria funções deliberativas como tem actualmente.
Mais tarde o Parlamento votou o regime que actualmente vigora, não se conformando com tam largos poderes dados aos Altos Comissários. Então o Sr. Norton de Matos escreveu uma carta ao Sr. Ferreira da Rocha, na qual fazia sentir o seu propósito de não aceitar o elevado cargo de Alto Comissário, visto não serem concedidos a essa entidade os amplos poderes que S. Exa. entendia necessários para governar.
Foi por esta circunstância que eu afirmei que o Conselho Legislativo incomodava S. Exa.
Pretendendo contrariar o que fora por mim afirmado, o Sr. Norton de Matos invocou a circunstância de ter sido êle quem instalou o Conselho Legislativo.
Assim foi, mas tê-lo porque a isso era obrigado por lei, e ao menos a propósito dêsse acto essencial não se sentiu com fôrça para desatender a lei.
Todavia, a pouco e pouco, o Sr. general Norton de Matos foi fazendo com que êsse Conselho perdesse a sua fundamental característica, qual era a de ser um corpo constituído por elementos vindos de uma eleição. Assim é que S. Exa. foi
preenchendo as vagas que se iam dando, com indivíduos nomeados.
Por meios indirectos o Sr. Norton de Matos conseguiu tudo concentrar nas suas mãos, tornando o Conselho Legislativo uma dependência sua, visto que era êle quem nomeava os respectivos membros. Concentrou todos os poderes que desde a primeira hora reputou necessário possuir para se supor dono absoluto da província.
Eu não esqueci os factos passados. Por isso fiz a afirmação que S. Exa. pretendeu desfazer. O Sr. general Norton de Matos é que esqueceu êsses factos para defender o Alto Comissário de Angola.
Respeitantemente ao que eu aqui referi, com relação ao serviço de propaganda e publicidade, o Sr. general Norton de Matos viu-se na necessidade de confirmar que efectivamente se haviam dado irregularidades, e mesmo excessos e abusos. São palavras de S. Exa. que eu próprio anotei à medida que S. Exa. foi proferindo. Porém, o Sr. general Norton de Matos corregiu-os.
É pois corroborada pelo Sr. Norton de Matos a minha afirmativa.
Continua o Sr. general Norton de Matos a dizer que não há contas secretas de pagamentos de propaganda e publicidade.
Para deminuir a importância da minha revelação, informou que a cifra gasta nos três anos a que eu me reportei estava aquém das que fora por mim citada. Ela orça apenas por 117 contos, números redondos! Ora isto não pode ser exacto! Não quere S. Exa. decerto, porque é pessoa que não mente, faltar à verdade, mas faltam a ela os seus informadores, como deixarei demonstrado. E neste ponto há o bastante para fazer com que o Sr. Ministro das Colónias ordene um inquérito à contabilidade da Agência de Angola, pois S. Exa. tem coragem para tudo, na convicção de que é absolutamente necessário procederia tal inquérito.
Os documentos que trouxe aqui, e que ponho à disposição de quem queira consultá-los, referem-se apenas ao ano económico de 1921-1922. Só por êstes documentos, e não tenho a pretensão de supor que tenho na minha mão todos que existem, se verifica ter sido gasta a soma de 104.719$40.
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Portanto, só neste ano aparece uma diferença para menos, uma importância de 12 contos, números redondos, entre a verba indicada por mim e a que íoi citada pelo Sr. Norton de Matos.
Acredita alguém que a despesa de propaganda e publicidade, durante os outros anos, tenha sido unicamente da importância de 12 contos? E note-se que há a contar com a verba gasta na aquisição do tal Anuário de Angola, que, segundo me consta, foi feita na agencia num total de mil exemplares, e ainda com o subsídio dado à Revista de Angola.
Uni dêstes documentos têm a nota de serem confidenciais; outros não a tem. Em geral êstes são de muito menor importância do que os primeiros.
Um que se refere ao mês de Janeiro de 1922 — êste não tem a nota de confidencial.
Eu tenho aqui um recibo assinado pelo administrador de O Século na importância de 3 contos, recibo que não está inscrito nesta verba. O que prova isto?
Porque não se inscreveu nesta verba? Isto prova que há duas contabilidades: uma secreta e outra que o não é!
Apoiados.
Tem o Sr. Alto Comissário conhecimento disto? Se não tem, mande proceder, porque é vilmente enganado!
Na conta secreta devem entrar todos os documentos que tenham o carimbo de «conta secreta», ou então «que tem de ser presente ao Sr. Alto Comissário», e todos os outros documentos é que são escriturados na contabilidade oficial. Só assim se explica que toda a despesa com imprensa e propaganda importasse apenas em 12 contos!
Apoiados.
Não faço nenhuma acusação ao encarregado dos serviços de contabilidade da Agência Geral de Angola, que eu não sei quem é, embora recebesse dele um telegrama em que só mostrava muito magoado com as minhas considerações.
Não o acuso porque pode fazer a escrita só com os documentos que devem nela figurar e haver um saco azul, porque eu sustento que há contas secretas e confidenciais que se ocultam.
O Sr. Norton de Matos (interrompendo): — Se existem, não? tenho conheci-
mento delas, mas estou convencido que não existem!
O que eu tenho presente é uma conta de cinco contos, que foi inscrita em Janeiro, mas eu vou informar-me.
O Orador: — Eu não estou a acusar ninguém, mas a manifestar factos que, como Deputado, não posso ocultar ao País.
Não há forma nenhuma de impedir que se vote a minha moção, porque quando a mandei para a Mesa eu sabia que tinha de ser votada.
O Sr. Amaral Reis (àparte).— Essa agora então a gente está aqui às ordens do Sr. Cunha Leal?
O Orador: — Não quero ter tam ilustres servidores, mas em minha consciência eu creio que depois de se ter provado que existiam irregularidades, nenhum Sr. Deputado poderá recusar o seu voto à minha moção.
O Sr. Norton de Matos (interrompendo): — Se houve irregularidades, eu reprimi-as.
É crime o que fiz? As desposas com jornais no primeiro ano foi de 70 contos, o depois foi menos; e desde que eu cheguei à Metrópole não se gastou mais nada com jornais.
É isto um crime? Eu falo com to ia a lealdade.
O Orador: — E eu com toda a sinceridade.
V. Exa. não teria por mim o respeito que me é devido se eu ocultasse determinados factos!
Vou agora referir-me ao caso do África.
Existe na minha posse uma minuta em papel do Alto Comissariado — creio que com a letra, do Alto Comissário — que tem grande semelhança com o artigo publicado na revista África.
Tenho aqui a tradução e o original.
Duas hipóteses eram possíveis para êste caso.
Ou o texto inglês era a tradução do português — hipótese que eu formulei — ou o texto português era a tradução do
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inglês — hipótese apresentada pelo Sr. Ministro das Colónias.
Eu tenho aqui à disposição de V. Exas. o original e a tradução.
Eu mantenho-me na opinião contrária à do Sr. Ministro das Colónias.
Porquê? Em primeiro lugar, se eu sei inglês, leio e não escrevo; se não sei inglês, encarrego alguém que faça a tradução e não será, portanto, escrita pelo meu punho. Em segundo lugar o confronto dos períodos dos dois textos não dá a conclusão de que o português seja a tradução do texto definitivo inglês, antes faz pensar que na tradução do português para o inglês se fizeram, correcções.
Devo declarar com toda a franqueza que se eu trouxe aqui êste caso foi porque me parece que o Sr. Norton de Matos, — é o que vejo através de todos os seus Discursos e de todas as suas entrevistas aos jornais — assinala à província de Angola um papel diferente daquele que lhe assinala o meu pensamento. Não quere S. Exa. subordinar um pouco que seja os interêsses de Angola aos da Metrópole. Transforma Angola, colónia, com população quási toda flutuante, em qualquer cousa idêntica a um dos domínios ingleses.
A palavra «domínio» aparece sempre nas suas declarações.
Parte da minuta que eu li diz assim:
Leu.
Isto afirmado por um qualquer Lusitanicus, não mereceria grandes reparos, se bem que eu talvez não escrevesse isto para um jornal estrangeiro; mas escrito pelo Alto Comissário só poderá motivar uma absoluta reprovação.
Eu reprovo êsse período, não pelo período em si, mas pela pessoa de quem vem.
Acho absolutamente estranho um semelhante caso. Não fui imprudente em trazê-lo aqui, pois é preciso dizer-se bem alto que a província de Angola é dos portugueses! Ela tem sido feita e regada com sangue de portugueses que lá têm trabalhado, lutando com as agruras do clima -que não é sempre bom.
Quero significar que Angola é muito nossa, e que por nós devem ser convenientemente explorados os seus recursos!
Ainda é muito cedo para se pensar num Brasil, nação, estabelecido em Angola.
Marcar em Angola, iniludìvelmente, a garra da Metrópole 'é um dever nosso!
Não se trata de um domínio!
Apoiados.
Ora a circunstância de eu me ter servido dêsse documento oficial, que outra cousa não é o relatório do auditor fiscal a que S. Exa. disse eu me havia agarrado, só prova o escrúpulo com que me dirijo.
Êste documento é, creio, de Junho de 1922.
Desse relatório recebeu o Sr. Norton de Matos uma cópia, logo no primeiro correio que lhe chegou após a sua apresentação aqui, em Lisboa, ao Sr. Ministro das Colónias.
Tam pouco se importa o Sr. Norton de Inatos com a apreciação que o Sr. Ministro das Colónias possa fazer da sua obra, que estando êsse relatório, como S. Exa. afirmou, cheio de exageros contra a verdade, não teve o cuidado de mandar um ofício para o Ministério com o devido desmentido ao que de falso se continha nesse documento.
A circunstância de se ter calado, dá de alguma forma autenticidade ao documento referido.
Mas disse o Sr. Norton de Matos que o auditor fiscal nunca lhe fez notar as irregularidade, que vem apontar depois de S. Exa. estar na Metrópole.
Em primeiro Alugar ressalta desta declaração a idea do que se passa entre o senhor e os seus escravos. Êstes, na presença do seu senhor, sentem-se incapazes de levantar, sequer, a cabeça, mas, uma vez apanhados longe, e em certa independência, insultam-no e nada se importam de dizer daquele perante quem ainda há pouco tremiam.
A verdade é que no aludido relatório se encontram freqüentes advertências.
Mas em nada importaram essas advertências. Vejamos.
Quem devia fazer o relatório do orçamento? O auditor fiscal. Mas o incumbido disso foi o secretário de finanças.
Fez muito bem o auditor fiscal, que a certa altura parou nos seus trabalhos, porque reconheceu que êles eram inúteis.
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Os ouvidos do Alto Comissário eram surdos, e felizmente que o Alto Comissário encontrou um financeiro de maior idade, porque senão acontecia-lhe o mesmo que sucedeu ao engenheiro Pauleira.
Vou citar mais um facto. Todos nós conhecemos um ilustre magistrado, um dos mais ilustres que têm passado pela colónia, e que, interpretando a lei, levava por cada preto recrutado 1.500$. Pois o Alto Comissário entendeu que não estava bem; mas veio um acórdão do Conselho Colonial que deu razão ao funcionário.
Tudo se fez à pressa, sem se olhar às condições económicas da colónia.
Não foi uma rajada de imparcialidade; foi um sonho de grandezas que uma noite de insónia sugeriu ao Sr. Norton de Matos.
A verdade é que as razões invocadas por S. Exa. não conseguiram destruir; a verdade é que o pessoal contratado foi atirado para Angola positivamente à toa; que lá chegou sem ter que lhe dissesse para onde devia ir e o serviço que lhe incumbia, e que ao fim de muito tempo, o depois de muitos funcionários contratados terem sido obrigados a regressar à Metrópole, é que se conseguiu levar êsse pessoal a trabalhar. Isto, se não revela incompetência, revela pelo menos desvairamento administrativo. Fez muito bem em p acentuar o auditor fiscal no seu relatório.
Não negou igualmente o Sr. Norton de Matos o pagamento das ajudas ide custo em ouro e todas as demais despesas que eu considerei excessivas, que tiveram de se efectuar em virtude da viagem ao Congo Belga, como não pegou também a ida do Carvalho Araújo, realizada expressamente para a condução do Alto Comissário. Não negou sequer o Sr. Norton de Matos o facto de nem ao menos se ter feito o cálculo dos encargos que das despesas com carvão e ajudas de custo advinham para a Metrópole,
O Sr. Norton de Matos preferiu não tocar nestes pontos com aquele detalhe com que eu o fiz, esquecendo-se até de apontar à Câmara quais os problemas de vital interêsse para Angola que foram abordados nesses vinte dias de permanência no Congo Belga. O Sr. Norton de Matos limitou-se a dizer que tais despesas não representavam um desperdícios nem mes-
mo as que diziam respeito aos dez automóveis ao seu serviço, uma vez que as funções do seu cargo o obrigavam a andar constantemente dum lado para o outro.
Tudo isto estaria bem se se tratasse duma colónia rica, mas não se justifica tratando-se duma colónia pobre.
Nós precisamos fazer em Angola uma obra administrativa regrada.
Infelizmente, para essa província e para todos nós, a obra do Sr. Norton de Matos, longe de ser regrada, tem sido perdulária.
Depois o Sr. Norton de Matos, confessando ter praticado muitas irregularidades, pretendeu justificar a sua circular de 1 de Maio de 1921. Não podemos levar a mal a sua confissão, mas a verdade é que se essas irregularidades se não tivessem cometido não teria havido necessidade de estabelecer um princípio tam subversivo e contrário às boas regras da hermenêutica financeira.
E nenhuma necessidade havia, de as cometer, a não ser para mostrar bem patentemente o espírito despótico do Alto Comissário.
Referindo-se à viagem do Sr. António José de Almeida à colónia, o Sr. Norton de Matos não se atreveu a negar um só dos factos que apresentei. Quando o Sr. Ministro das Colónias determinar a inspecção à província de Angola, S. Exa. terá ocasião de fazer os apuramentos necessários a tal respeito e de constatar a razão das minhas afirmações.
Quanto ao célebre caso dos concursos, o Sr. Norton de Matos também não negou as minhas afirmações. S. Exa. procurou acobertar-se com motivos de carácter internacional para não justificar a não realização dêsses contratos por concurso, e declarou que eles- não eram secretos, visto que existiam os chamados livros de contratos.
Mas, se assim é, porque não se sujeite u às leis e porque os não mandou ao «visto» do conselho do finanças?
£ Quais teriam sido as razões por que se entregou sem concurso a uma casa de especialidades — tam boa ou tam má que o comércio se viu obrigado a queixar-se ao Alto Comissário, tal era a morosidade dos seus trabalhos — a construção das variantes do caminho de ferro de Loanda?
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E como se pode assim impedir que as suspeitas recaiam sôbre alguns funcionários que dispensaram êsses concursos, quando êles deviam ser os primeiros a exigi-los?
Também me referi a um contrato feito com um tal grego e provei que se perderam uns 13:000 e tal contos.
O Sr. Norton de Matos (interrompendo) — Eu não respondi a êsse facto porque não posso ter tudo de cabeça, mas mandei chamar o engenheiro Sr. Pinto Teixeira, que está na Metrópole, que me declarou que tinha aberto quatro concursos, aos quais concorreu q grego para a construção do caminho de ferro de Lubango.
Nos três primeiros não fez a adjudicação, e só ao quarto é que ela foi feita ao grego, único concorrente, fazendo-se-lhe o fornecimento de serviçais, como é costume.
O Orador: — Deu S. Exa. a explicação oficial; ora vamos analisá-la. Se o primeiro concurso ficou deserto, £ porque se não abriu o segundo concurso com uma base de licitação aproximada da última? £ Porque não se procedeu assim nos restantes? Emfim, a justificação dada pode servir muito bem, mas a mim é que ela não serve.
Vou agora referir-me aos contratos Sousa Machado. Êste senhor publicou num jornal qualquer uma carta em que refutava as minhas afirmações, à mistura com muitas insinuações. Nessa carta aludia-se primeiro ao caso dos 1:000 contos.
O governo de Angola contratou um empréstimo de 6:000 contos com a Caixa Geral de Depósitos. Recebeu 3:000 contos por uma vez, e quando eu era Ministro das Finanças recebi um ofício pedindo mais 3:000 contos; mas como o Ministro das Finanças não podia fazer isso sem a intervenção do Ministro das Colónias, logo que êste me solicitou a autorização, eu não hesitei um segundo.
O Sr. Norton de Matos (interrompendo): — Devo declarar a V. Exa. que não tenho nada com essa carta a que V. Exa. se referiu.
O Sr. Roberto da Fonseca enviou-me um telegrama, dizendo que V. Exa. tinha tomado em toda a consideração o pedido e facilitaria tudo desde que se cumprissem, certas formalidades. Naturalmente são essas as formalidades a que V. Exa. faz referência.
O Orador: — De facto eu, não poderia proceder doutra maneira. É esta a primeira acusação do Sr. Machado, acrescentando que por não ter ido o dinheiro a tempo até viu uma menina a chorar!
Risos.
A segunda acusação consistia no seguinte. O Sr. Sousa Machado declara: i eu nunca iria a concurso; só forneci directamente, eu tenho dado muito dinheiro ao Estado!
Um dia o Govêrno Geral de Angola fez um fornecimento directo, que importou em alguns milhares de dotlars e entre o Sr. Sousa Machado e a Junta do Comércio passou-se o seguinte: ao próprio fornecedor se disse que adquirisse as respectivas cambiais quando entendesse.
O Sr. Sousa Machado cobriu-se como entendeu melhor.
E um convite à especulação sem risco algum.
Na Metrópole tem-se feito muita cousa em matéria, financeira, mas ainda não se chegou a ponto de se comprar qualquer mercadoria para ser paga em moeda estrangeira, dizendo-se ao próprio fornecedor para comprar as cambiais quando melhor entendesse.
Se mercê dêstes casos o Sr. Sousa Machado não está rico, é porque, salvo o devido respeito, procedeu como se fôsse redondamente parto.
Risos.
Ao que parece êste senhor é um verdadeiro benemérito, e então merecerá que lhe erijamos uma estátua.
O que êle faz são verdadeiros milagres. Só um inquérito às contas da Agência os poderá desvendar.
Mas o que o Sr. Sousa Machado não conseguiu foi destruir as acusações feitas pelo Sr. Pombeiro.
Já as li. Estão documentadas.
O Sr. Pombeiro demonstrou que houve favoritismo em determinadas aquisições feitas sem concurso.
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Vou pedir ao órgão do meu partido, na imprensa, que publique toda essa documentação, para que todos vejam que o Sr. Pombeiro estava na razão protestando contra o regime das aquisições directas.
Não é o despacho do Sr. Norton de Matos que inutiliza as afirmações, daquele senhor.
Quanto às contas da Agência, devo repetir que acredito que o chefe da contabilidade apenas está senhor duma parte dos segredos da Agência, e que nessas condições o escrito é feito dentro da lei.
Disse o Sr. Norton de Matos que as contas têm seguido para Angola. Dizendo apenas isto, S. Exa. esquece-se de que a Agência está obrigada a enviar também essas contas ao Tribunal competente que as tem de aprovar.
Não se fez assim e, portanto, eu não fiz, constatando o facto, nenhuma acusação infundada.
Também não fiz nenhuma acusação infundada, quando declarei que a Junta de Crédito Público, e instituída em Angola, não funcionava. E certo. Declarei que ela devia publicar trimestralmente o balancete dos seus fundos. Disse que a Secretaria de Finanças devia publicar, mensalmente, os mapas das receitas cobradas e a cobrar.
Creio que S. Exa. está mal informado, porque eu sei de comerciantes que receberam pagamentos em bilhetes do tesouro, embora fossem depois resgatados.
Diz o Sr. Norton do Matos, referindo-se à Agência Geral de Angola, o seguinte : disse-se que o Ministério das Colónias não tinha reconhecido a Agência Geral de Angola. Não posso deixar passar sem reparo o verbo «reconhecer».
Ora, eu não tenho culpa nenhuma de não ter encontrado no meu dicionário outra palavra para traduzir o facto, mas como é que V. Exas. chamariam a esta circunstância do Ministério das Colónias não aceitar correspondência oficial da Agência Geral de Angola? Eu a êste estado de paz armada chamei o «não reconhecimento» da existência oficial da Agência Geral!
Se o reconhecimento deve ou não ser feito, isso é com o Sr. Ministro das Colónias, mas, quanto ao verbo «reconhecer», êsse está certo.
O Sr. Norton de Matos (interrompendo): — Eu afirmei que não tinha emitido bilhetes de tesouro; o que se emitiu foram os chamados títulos de concessão de despesa do Estado.
O Orador: — O Sr. general Norton de Matos contraditou as minhas afirmações quanto ao luxo e dispêndio do palácio de Loanda, dizendo que era um casarão sem estilo, sem gosto exterior e sem comodidades, e que só se tornou em pôsto habitado quando da visita àquela colónia do príncipe D. Luís Filipe. Mas esqueceu-se de dizer que foi já no seu tempo que maiores melhoramentos se fizeram nesse palácio, e de resto é notório que S. Exa. em, matéria de despesas e comodidades não conhece limites. Também S. Exa. se esqueceu de dizer que mandou o engenheiro Lemos traçar a planta do jardim do palácio do Lobito, a que S. Exa. chamou chalet. Mais ainda, como o Alto Comissário, quando precorre a província tem de se demorar nos distritos, entendeu que em cada um devia haver um palácio. Por exemplo: para ir a Humpata mandou arranjar uma casa.
O Sr. Norton de Matos (interrompendo): —Foi uma casa desmontável!
O Orador: — V. Exa. mandou primeiro modificar um casebre, e em seguida é que ocupou a casa desmontável. Depois desta mobilada, mandou fazer outro palácio que está ainda nas fundações. Resumindo: o que V. Exas. vêem é quanto custam as instalações do Govêrno de Angola. Tudo isto estaria certo numa província rica, mas o Sr. Norton de Matos foi governar uma província pobre.
É todo êste sudário o fomento de Angola: gastaram-se milhares de contos em instalações e automóveis. Não é isto um luxo demasiado neste tempo de miséria?
Apoiados.
Em seguida referiu-se S. Exa. à transferência da aviação de Humpata para Huambo, dizendo que foram razões .de ordem técnica que aconselharam essa transferência.
É possível que assim fôsse, mas eu conheço bem a planície de Humpata e, não sendo aviador, sei que é um esplêndido campo para vôos.
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£para que é esta pressa na transferência do depósito de degradados de Loanda para Cabo Verde?
Para que se vão gastar tantas dezenas de contos? Parece que são inesgotáveis os recursos da colónia. Não seria mais prudente uma política de economia? Parece-me que sim, mas já o mesmo não pensa o Sr. Norton de Matos nem pensa a Câmara dos Deputados.
Referiu-se ainda S. Exa. às minhas considerações acerca do Congresso de Medicina Tropical. Não estarão certos os meus números, mas são verdadeiras as afirmações que eu fiz, porque não sei o número de dias que se demora o vapor transporte na província, mas fazendo um cálculo de probabilidade, devia ter-se demorado uns cinqüenta dias.
Ora 70 dias a 30 contos por dia dá 2:100 contos.
Veja a Câmara como eu andava fora da realidade ao indicar a verba de 4:000 contos.
Diz o Sr. Norton de Matos: e os benefícios colhidos?
Eu não contesto que se tenham colhido largos benefícios, como não contestaria os largos benefícios que para Portugal adviriam só a Europa viesse ver o estado das nossas estradas, dos nossos caminhos de ferro e das nossas misericórdias.
Simplesmente o que eu contesto é que o dispêndio de tais visitas compense os benefícios colhidos. O Sr. Norton de Matos, todavia, dá êsses 4:000 contos por muito bem empregados. É natural adentro do seu critério de ostentações e de grandezas.
Achou o Sr. Norton de Matos que a Agência estava mal instalada, não obstante possuir dez ou doze casas; e então comprou-se por 970 contos uma outra casa em que for*^ feitas as mais luxosas obras, cujas verbas eu já tive ocasião de apresentar devidamente fundamentadas.
O Sr. Norton de Matos respondeu a isto que todas essas Despesas obedeciam a uma necessidade.
Também nós tínhamos necessidade de vestir e calçar os soldados chamados às fileiras, de consertar as estradas e de melhorar os caminhos de ferro.
Todavia, os soldados andam rotos e descalços, as estradas estão intransitáveis
e os caminhos de ferro são o que nós sabemos.
Apoiados.
Abordou depois o Sr. Norton de Matos a questão dos orçamentos de Angola.
Disse que êles não eram bons, que o não satisfaziam, o que se devia naturalmente atribuir à falta de pessoal. S. Exa. disse mais que havia dois orçamentos, um global e outro discriminado, e que todas as apreciações deviam ser feitas em relação ao primeiro e não ao segundo.
Tudo quanto a tal respeito posso dizer é o seguinte:
As previsões relativas às receitas e que o Sr. Norton de Matos diz terem correspondido a factos reais, não as posso eu controlar.
Em todo o caso devo dizer que compreendo alguns dos aumentos de receita apontados.
Sabe a Câmara que de tal forma tem sido exagerado o aumento de tarifas de caminho de ferro que no Lubango, por exemplo, já ressuscitou o Arelho carro bôer por mais económico.
O que eu não posso de forma alguma compreender é a concepção que o Sr. Norton de Matos faz do orçamento das despesas.
Disse S. Exa. em resposta aos números que apontei que as verbas para subvenções e subsídios eventuais seriam insuficientes se todos os lugares dos quadros estivessem preenchidos.
Mas como não estão, os números não devem ser êsses. O curioso é que S. Exa. não se expressou da mesma forma em relação aos vencimentos de categoria e de exercícios.
De resto, todas as verbas votadas são insuficientes; mas, emfim, V. Exas., que já leram os números que eu tive ocasião de publicar. Comparem as minhas afirmações com as do Sr. Norton de Matos, e tirem as conclusões que entenderem.
O Sr. Alto Comissário fez um empréstimo interno de 144:000 contos e um externo de 16:500 contos, que converteu em empréstimo interno.
Vendo as contas da gerência verifico que as verbas pagas nesse ano não são superiores a 13.000$.
Nesse ano pagou-se apenas 7.667$, e eu pregunto ao Sr. Norton de Matos: 4 como é que se pagaram 270:000 libras
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No estrangeiro, considerando como estrangeiro o que se pagou na Metrópole?
Porque é que essa verba não vem na conta de despesas extraordinárias?
Isto significa que entre o produto dos empréstimos e as verbas pagas por conta das despesas extraordinárias há uma diferença de 10.000$; mas o Sr. Norton de Matos quando compara as receitas com as despesas engloba tudo, e chega assim a um superavit.
O Sr. Norton de Matos apresentou um resumo da conta dos exercícios de 1921-1922.
S. Exa. pôs a vida da colónia às claras, mas vamos ao relatório e encontramos os seguintes dados:
Leu.
S. Exa. para se defender das acusações que lhe foram feitas, diz apenas o seguinte: Isto é uma questão armada pelo Banco Nacional Ultramarino, que é um estado dentro do Estado!
Eu tenho de pôr a questão nestes termos: se o Banco Nacional Ultramarino está fora da lei, eu convido o Sr. Norton de Matos a produzir todas as providências para o meter dentro da ordem.
Esta é a única solução prática.
Terá S. Exa. o apoio de toda a Câmara para fazer essa política, que possa acabar com. essa situação.
Peça, nesse sentido, as medidas que entenda por necessárias; mas não nos confunda com o Banco Nacional Ultramarino, com o qual nada temos.
Estou certo de que S. Exa. quis apenas tirar efeitos.
É preciso que se tenha em vista que ninguém pode fazer compras excessivas no estrangeiro sem possuir os recursos indispensáveis com que possa ocorrer aos respectivos pagamentos.
A extraordinária ânsia que o Sr. Norton de Matos tem tido em efectuar compras, sem olhar aos recursos disponíveis, tem dado o resultado da desvalorização da nota de Angola.
Por último o Sr. Norton de Matos declarou que se entrara em Angola no regime de economias, indicando-nos já uma economia de 20:000 contos!
Foram criadas por S. Exa., como comunicou apressadamente para a Metrópole, cinco comarcas.
Pediu para a Metrópole que,se arran-
jassem os respectivos magistrados. Creio que mandou até a Metrópole um magistrado com o encargo de os arranjar.
Alguns foram.
Posteriormente, porém, verificou-se que não havia casas para a instalação das sedes dessas comarcas, e então suprimiram-se essas comarcas, como também comunicou para cá.
As verbas respectivas dão um total de 160 contos.
Por outro lado extinguiu os serviços urbanos.
Estamos, pois, muito longe dos apregoados 20:000 contos de economias.
No emtanto já não é mau que S. Ex.a entenda por necessário fazer a compressão de despesas.
Vejo no Diário de Notícias que S. Exa. teria dito num seu discurso:
Leu.
Eu sei, porque já li algures, que S. Exa. de si próprio forma um tam justo conceito, pois que até num banquete público, teria dito que julgando se, com direito à veneração dos portugueses, exigia essa mesma veneração! O Sr. Norton de Matos está, por ventura, muito alto como as estrelas, e nós somos vermes que não temos direito de olhar para S. Exa., mas eu entendo que, como português, tenho, pelo menos, o direito de analisar a obra de qualquer homem público do meu País.
Não considero ninguém um ídolo, mas mesmo os ídolos devem ser eliminados, para vermos se têm ou não pés de barro.
Não contesto o valor de S. Exa., nem me importo saber qual a quantidade do seu valor.
Só me importa apurar como é que o Sr. Norton de Matos usou do seu valor no desempenho do seu cargo de Alto Comissário de Angola.
Quanto a mim, estou na convicção de que no Govêrno da província de Angola pôs apenas aquelas qualidades que mais a poderiam prejudicar.
O Sr. Norton de Matos espalhou dinheiro à toa, sem obediência às leis.
Deixou que se fizesse aquisições directas, quando só deveriam ser efectuadas por meio do concurso.
Deixou que se criasse à sua volta uma clientela que tem sugado a província, a ponto de poderem os seus elementos dis-
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por de dinheiro para nos insultarem jornais, da Metrópole.
Não há dúvida que S. Exa. é um homem de grande energia, mas em Angola só soube pô-la ao serviço de um feroz despotismo, perseguindo pretos e brancos, todos emfim que não se curvassem, como escravos, ante o seu poder.
Demitiu funcionários, expulsou cidadãos, inventou revoltas, estragou muito dinheiro. Sem querer, porque S. Exa. é pessoa honrada, deixou que se criasse dentro da administração de Angola uma atmosfera de corrupção.
Contra tudo isso me revolto!
Dê-lhe o Sr. Ministro das Colónias toda a confiança que quiser, aprove ou rejeite o Parlamento a minha moção, mas lembrem-se todos que, sendo necessário fazer-se o apuramento de toda a verdade, está em jôgo o interêsse do País e da República com o bom ou mau uso que cada um faça da liberdade do seu voto.
Vozes: — Muito bem! Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado pelos Srs. Deputados da minoria, nacionalista.
Não reviu o seu discurso que será publicado na integra, com o preenchimento das «leituras», o que só S. Exa. poderá fazer, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr: Presidente: — Vai passar-se ao período de
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Presidente: — Vai ler-se um ofício do Senado. É lido na Mesa.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: começando por agradecer ao Sr. Ministro da Justiça o favor de esperar até esta hora, desejo que S. Exa., em poucas palavras, me diga o que pensa acerca da questão do inquilinato.
Sabe S. Exa. que essa é uma das mais graves questões que correm pela sua pasta, dadas as circunstâncias difíceis com que todos hoje lutam para alugar uma casa acessível às suas posses, e sabe também S. Exa. que, ao mesmo tempo que isto acontece, há um extraordinário número de
inquilinos que cometem abusos, traspassando as casas e sublocando-as por preços fabulosos, obtendo mais lucros que os senhorios, - bem como há um certo número dêstes que pratica abusos de toda a espécie.
Porém, a par disto, a maior parte dos proprietários urbanos encontra-se numa situação insustentável, porque as rendas que colhem são irrisórias, visto que, ao passo que todos têm actualizado os seus rendimentos, êles estão reduzidos ao aumento de 2,5' numa moeda depreciada 30 vezes.
A situação, portanto, merece providências, tanto mais porque ela interessa ás próprias finanças do Estado, pois que esta podia receber maiores importâncias.
Nestas condições, e porque entendo que é necessário melhorar a situação dos senhorios honestos que cumprem as leis, e situação dos inquilinos vítimas de expoliacões, devo dizer que quanto às finanças do Estado o caso está muito simplificado, porque não só as associações comerciais e industriais, como as de proprietários, concordam com o aumento das rendas respeitantes ao inquilinato comercial.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (José Domingues dos Santos): — Sr. Presidente: não é certamente nesta hora, de fim de sessão que poderei dizer ao Sr. Carvalho da Silva em detalhe o que penso sôbre o problema do inquilinato. Êle é um dos mais complexos e urgentes para tratar; mas dum modo geral devo dizer que se não trouxe ao Parlamento uma proposta de lei sôbre o assunto, não foi porque o não tenha estudado, mas porque no Senado está pendente uma proposta já estudada pelas comissões.
Aguardo, pois, que no Senado o caso se discuta para o acompanhar com todo o interêsse.
Sei, evidentemente, que a situação de muitos senhorios é má; sei que os inquilinos podem pagar mais do que estão pagando.
Mas há um outro problema que é necessário encarar, o de garantir a habitação a todo o inquilino. Na verdade está a usar-se hoje de sistemas de despejo por maneira que não prestigia de forma
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alguma a justiça, trazendo um grande descrédito para as leis e para os tribunais e um sério prejuízo para toda a gente.
Creio que êste é um assunto que deve ser tratado pela Câmara com a maior atenção.
No Senado conto em que essa discussão se inicia na próxima sexta-feira; logo que lá se conclua a discussão da proposta que ali está pendente, farei com que o assunto venha para a 0âmara dos Deputados, a fim de que seja discutido com mais urgência do que lá teria tido.
Há evidentemente necessidade de elaborar uma lei completa de inquilinato, mas, por agora, contentemo-nos com a proposta que está no Senado, que com ligeiras modificações deve satisfazer em parte as reclamações apresentadas.
,O Sr. Carvalho da Silva:—Desejava que V. Exa. me dissese se alguma cousa que essa proposta contém é ou não destinada a proteger os interêsses dos proprietários.
O Orador: — Segundo a minha maneira de pensar há senhorios honestos e desonestos, mas, tenho a impressão de que uma grande parte dos inquilinos é quem prejudica mais os próprios inquilinos. Êsse aspecto é necessário encará-lo, e creio que no Senado êle tem sido estudado convenientemente.
Em suma, concluída a discussão no Senado esforçar-me hei para que nesta Câmara êsse assunto seja discutido o mais ràpidamente possível.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Peço ao Sr. Ministro da Justiça que se encontra presente o favor de transmitirão seu colega do Trabalho, representante no Govêrno do Sr. Cunha Leal.
Uma voz: — Não é assim.
O Orador: — Creio que êste boato tem os seus foros de verdade.
Sei que o Sr. Ministro do Trabalho, esteve ontem nó edifício do Congresso, e apesar de saber que se tinha apelidado
de inconstitucional e imoral um decreto por S. Exa. publicado, não compareceu nesta Câmara.
Mantenho, pois, as afirmações que fiz»
O Sr. Ministro do Trabalho não pode cortar as portas do Hospital D. Leonor das Caldas da Rainha como entende e quer. Não. A lei que publicou sôbre êsse assunto não lhe permite cortar essas portas maiores ou menores, como entenda; essa lei indica-lhe como devem ser talhadas essas portas. Isto pelo que diz respeito à parte constitucional.
Quanto à parte de favor, queria dizer ao Sr. Ministro do Trabalho que, se entende dever fazer favores, que os faça do seu próprio bolso.
Essa cousa de dizer á um funcionário, que tem obrigação de prestar serviço no hospital, que se pode ir embora durante cinco meses, não pode ser.
Espero que o Sr. Ministro da Justiça transmita estas considerações ao seu colega, e que êle, esquecendo-se um pouco de que é representante do Sr. Cunha Leal, que afirmou propósitos de ditatura, mas sem querer fazer favores por conta do Estado, se apresente aqui a dar conta dos actos que praticou.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: — Sr. Presidente: quando ontem nesta Câmara tratei do conflito da Exploração do Pôrto de Lisboa na presença do Sr. Ministro do Comércio, para mostrar o papel que o Sr. juiz sindicante tem- desempenhado, disse que êle tem sido faccioso e parcial, não honrando nada com a sua conduta a magistratura portuguesa. Li até um atestado à Câmara, em que êsse senhor declarava que os indivíduos sindicados, durante a sindicância, nada tinham feito que merecesse reparos, mas como era o próprio juiz que depois propunha que êles fossem demitidos, acrescentei quê êle não honrava a magistratura portuguesa com esta dualidade de opiniões. - Não retiro estas palavras, em quanto S. Exa. não explicar o motivo porque diz uma vez uma cousa e depois outra:
Mas hoje na Câmara recebi um bilhete de visita dêsse Sr. juiz, procurando-me.
Por que se tratava de uma pessoa com uma situação na sociedade um juiz de
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direito de primeira instância, como êle diz, fui .ao encontro de S. Exa. Mas com espanto verifiquei que êle. ao ver-me chegar à porta do edifício, e preguntando-me se era o Deputado António Correia, ao que lhe respondi afirmativamente, me convidou a sair.
Disse-lhe que em minha casa não recebia ordens, mas que as dava.
Ele, então, assumiu uma atitude de aberta hostilidade e desrespeito, não por mim, pessoalmente, mas para o Deputado e dentro do Congresso.
Respondi-lhe que aqui dentro tratava do assunto apenas como Deputado, mas que lá fora encontraria o cidadão António Correia.
Então êsse juiz imediatamente puxou de uma bengala, e ter-me-ia agredido se não fôsse a intervenção rápida dos contínuos que evitaram um conflito maior.
Se se tratasse de qualquer criatura que não fôsse juiz, e que se sentisse vexado por palavra que eu pronunciasse nesta Câmara, nada diria, nem mesmo consideraria o Parlamento ofendido; mas tratando-se de um juiz de direito, que vem ao Parlamento com uma bengala, iludindo a vigilância dos guardas, não posso deixar de levantar o meu protesto, não pela agressão que poderia ter sofrido, mas por mais esta atitude de coacção que se pretende exercer sôbre os representantes da Nação.
Apoiados.
E faço-o com tanta mais autoridade, quanto é certo que quando o Deputado
Sr. Homem Cristo foi agredido, neste edifício, eu protestei com toda a energia.
Sr. Presidente: contra o atentado feito ao Parlamento lavro o meu protesto, e tratando-se de um juiz de direito chamo a atenção do Sr. Ministro da Justiça para que lhe aplique as sanções que, são devidas em casos desta natureza. É necessário que S. Exa. chame êsse funcionário à responsabilidade do seu acto, e que para prestígio da magistratura êle seja afastado de vez da conezia que tem estado disfrutando.
Tenho dito,
O orador não reviu.
Q Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (José Domingues dos Santos): — Sr. Pre-
sidente: o caso que acaba de, ser narrado pelo Sr. António Correia tem de ter, evidentemente, as suas conseqüências.
É indispensável, agora mais do que nunca, proteger os homens que se sentam nesta casa do Parlamento. Se o respeito pela opinião de quem quer que aqui se encontre é devido a toda a gente, deve sabê-lo bem melhor um magistrado, que deve dar o exemplo de acatamento às leis.
Desde que o facto se encontra consumado, resta-me lamentar o sucedido, endereçando ao Sr. António Correia os protestos da minha consideração e solidariedade e ao mesmo tempo afirmar a S. Exa. que êsse juiz terá o correctivo necessário para um caso dessa natureza. De resto, isso já está dentro das tradições parlamentares desde que principiou em voga o critério de se agravar Deputados no seu direito de dizer aqui o que entendam. Não pode ser nem será sem o meu mais veemente protesto.
Pode ter S. Exa. a certeza de que êsse magistrado, que tam depressa esqueceu os seus deveres, terá o correctivo que a lei marca para casos dessa natureza.
Serei absolutamente inexorável no cumprimento da lei.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, 27, às 14 horas, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia (com prejuízo dos oradores que se inscrevam):
Proposta de lei n.° 658, que transfere designadas verbas do orçamento do Ministério do Comércio, em vigor para o actual ano económico.
Parecer n.° 651, que altera o artigo 1.° da lei n.° 1:356, de 15 de Setembro de 1922,
(Sem prejuízo dos oradores que se inscrevam):
A que estava marcada.
Ordem do dia:
A Que estava marcada. Está encerrada a sessão. Eram 20 horas.
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Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Requerimento
Requeiro que, pelo Ministério das Finanças me seja fornecida uma nota urgente da importância total do-«imposto sôbre transacções cobrado em 1923, relativo às emprêsas e sociedades mineiras.
26 de Fevereiro de 1924.—Aníbal Lúcio de Azevedo.
Expesa-se.
Propostas de lei
Dos Srs. Ministros das Finanças e Comércio, transferindo no orçamento dêste Ministério designadas verbas do capítulo 12.°-A, para o capítulo 4.°
Aprovada a urgência e dispensa do Regimento sem prejuízo da ordem do dia.
Para o «Diário do Governo».
Do Sr. Ministro da Justiça, remodelando o artigo 9.° do decreto n.° 7:725,
de Outubro de 1921, sôbre nomeação dos inspectores dos Serviços Judiciários.
Aprovada a urgência.
Para as comissões de legislação civil e comercial e de legislação criminal, conjuntamente.
Para o «Diário do Governo».
Do mesmo, reorganizando os serviços de Protecção à Infância. Aprovada a urgência. Para a comissão de legislação criminal. Para o «Diário do Governo».
Do mesmo, autorizando o Govêrno a rever o decreto n.° 8:436, de 21 de Outubro de 1922, que constitui a Tabela dos Emolumentos Judiciários.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de legislação civil e comercial e de legislação criminal, conjuntamente.
Para o «Diário do Governo».
O REDACTOR—Sérgio de Castro.