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REPUBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.° 73
EM 30 DE ABRIL DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Abertura da sessão. Leitura da acta. Correspondência.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Américo Olavo (Ministro da Guerra), responde às considerações feitas na sessão anterior por alguns Srs. Deputados acerca das condições em que se está realizando o «raid aéreo de Lisboa-Macau por aviadores portugueses, e manda para a Mesa uma proposta de lei sôbre o assunto.
Usa da palavra, para explicações, o Sr. António Maio, terminando por pedir a urgência a dispensa do Regimento para a proposta do Sr. Ministro da Guerra.
Os Srs. Plínio Silva, Cancela de Abreu, Lelo Portela, Carlos Pereira, António Correia e Ministro da Guerra usam da palavra para explicações.
Aprovado o requerimento do Sr. António Maia, entra em discussão a proposta do Sr. Ministro da Guerra.
Usam da palavra os Srs. Jaime de Sousa e Cancela de Abreu, sendo aprovada em seguida a generalidade da proposta.
Entrando em discussão ò artigo 1.°, o Sr. António Correia envia para a Mesa uma proposta da emenda, que é admitida e em seguida aprovada.
É aprovado o Artigo 1.°, salva a emenda.
É aprovado, sem discussão, o artigo 2.º e dispensada a leitura da última redacção, a requerimento do Sr. António Maia.
O Sr. Presidente declara que continua a discussão do parecer n.° 663 (emolumentos judiciais).
Procede-se à votação dos artigos novos apresentados pelo Sr. Almeida Ribeiro numa sessão anterior, tendo usado da palavra o Sr. António Resende, que envia para a Mesa uma proposta de emenda a um dos artigos novos, e os Srs. Marques Loureiro, Almeida Ribeiro, e novamente os Srs. Marques Loureiro e Almeida Ribeiro.
É aprovada, a acta.
É concedida uma autorização.
Efectuada a contraprova, requerida pelo Sr. Cancela de Abreu, com a invocação do artigo 116.º do Regimento, § 2.°, verifica-se ter sido concedida por 55 votos contra 2.
Usa da palavra, para interrogar a Mesa, o Sr. Carvalho da Silva, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
É rejeitada a palavra para um negócio urgente, ao Sr. Carlos Pereira, tendo usado da palavra, sôbre o modo de votar, os Srs. Carvalho da Silva é Carlos Pereira.
Efectuada a contraprova, a Câmara concede a palavra ao Sr. Carlos Pereira, que se ocupa das acusações feitas pela Companhia União Fabril ao Sr. Ministro da Agricultura.
Responde-lhe o Sr. Joaquim Ribeiro (Ministro da Agricultura).
O Sr. Nuno Simões (Ministro do Comércio), responde a algumas considerações feitas pelo Sr. Carlos Pereira no seu discurso.
Usam da palavra, para explicações, os Srs. Almeida Ribeiro, Carvalho da Silva, Carlos Pereira e Vitorino Guimarães.
Volta a usar da palavra o Sr. Carlos Pereira.
Ordem do dia.— O Sr. Presidente declara que continua o debate sôbre a interpelação do Sr.Vitorino Guimarães ao Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Álvaro de Castro (Presidente do Ministério e Ministro das Finanças), que ficara com a palavra reservada, conclui as suas considerações.
O Sr. Carvalho da Silva, que usa da palavra sôbre a ordem envia para a Mesa a sua moção, ficando ainda com a palavra reservada.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Cancela de Abreu deseja saber o que há de verdade nas noticias dos jornais sôbre a ida do Sr. Presidente da República aos Açores.
Responde-lhe o Sr. Ministro da Marinha.
O Sr. Carvalho da Silva ocupa-se da greve dos padeiros, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Agricultura.
O Sr. António Correia ocupa-te do conflito havido entre a empresa do «Diário de Noticias» e os seus redactores.
Responde-lhe o Sr. Ministro do Interior.
O Sr. Carlos Pereira ocupa-se do mesmo assunto.
Sôbre o mesmo incidente falam ainda os Sr. Sá Pereira, Presidente do Ministério, Vasco Borges e novamente o Sr. Presidente do Ministério.
Em seguida o Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.
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Abertura da sessão às 15 horas e 14 minutos.
Presentes à chamada 39 Srs. Deputadas.
São os seguintes:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Alberto Ferreira Vidal.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Ernesto Carneiro Franco.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João de Ornelas da Silva.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sonsa Rosa.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António de Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Correia.
António Maria da Silva.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constando de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Jaime Júlio de Sousa.
João Baptista da Silva.
João Pereira Bastos.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Alegre.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Martins.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto de Moura Pinto.
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Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Américo da Silva Castro.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António de Mendonça.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Pereira Nobre.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Davi d Augusto Rodrigues.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Ás 14 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 6 Srs. Deputados.
Não há número.
A segunda chamada é às 15 horas.
Estão suspensos os trabalhos da Mesa.
As 15 horas principiou a fazer-se a segunda chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 39 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Foi lida a acta e deu-se conta do seguinte
Expediente
Oficies
Do Ministério das Finanças, para inclusão de designadas quantias e com determinados destinos, no capítulo e artigo destinado a anos económicos findos, da proposta orçamental para 1924-1925.
Para a comissão do Orçamento.
Do secretário geral do Congresso Nacional de Natação, convidando o Sr. Presidente desta Câmara e mais parlamentares a assistir no dia 2 de Maio próximo, pelas 18 horas, na Sociedade de Geogra-
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fia, à sessão inaugural do mesmo Congresso.
Para a Secretaria.
Das Câmaras Municipais de Alenquer e Reguengos, pedindo a aprovação imediata da proposta sôbre estradas.
Para a Secretaria.
Telegramas
De chauffeurs, cocheiros e condutores de carroças de Mangualde, reclamando a revogação do aumento das multas.
Dos empregados de comércio de Montemor-o-Novo, protestando contra a lei n.° 1:368.
Da comissão executiva da Câmara Municipal de Cascais, pedindo a aprovação da proposta de lei sôbre estradas.
Para a Secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Sr. Presidente: não compareci ontem nesta casa do Parlamento porque motivos urgentes de serviço no Ministério da Guerra ali me retiveram. Creio que a minha falta foi notada e deu aso a que se tratasse da viagem dos nossos aviadores a Macau.
Estranhei o facto de, tanto o Sr. Paulo Cancela do Abreu como o Sr. António Maia, terem afirmado que o Govêrno não tinha dado a devida assistência aos aviadores. Quando entrei no Ministério da Guerra encontrei o pedido dos aviadores, para se ausentarem do país. Concedi o que me pediam; mais nada.
É fácil dizer mal; mas o que é certo é que o Governo não podia dar assistência a quem não lha solicitou. No emtanto o Govêrno, tendo em conta os serviços já prestados pelos aviadores, resolveu apresentar um projecto de lei promovendo ao pôsto imediato, por distinção, os dois aviadores e o mecânico que os acompanha.
Quanto a êste, como não faz parte dos quadros do exército, houve a principio a idea, do lhe dar uma pensão por uma só vez; mas, pelas informações que tenho a seu respeito e não esquecendo que é
um sargento ajudante, portanto em contacto constante com os oficiais da sua arma o Govêrno propõe também, por distinção, a sua promoção a alferes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Repito o mantenho as considerações que fiz ontem: nenhum membro do Govêrno assistiu à partida dos aviadores.
Interrupção do Sr. Ministro da Guerra que não se ouviu.
O Orador: — Ninguém acreditava que Brito Pais e Sarmento de Beires fossem capazes do fazer o que já fizeram. Só agora, depois de se confirmar o seu valor, é que se diz que se lhe deve prestar auxílio.
Disse o Sr. Ministro da Guerra que só depois de os ilustres aviadores terem realizado o seu feito é que se lhes podia dar assistência.
Só depois de terem chegado ao Cairo, depois de terem atravessado quatro desertos e o mar, num avião de terra, é que se vem dizer que têm direito a auxílio. Mas, antes de Gago Coutinho e Sacadura Cabral terem partido para o raid ao Brasil, já o Sr. Ministro da Marinha havia obtido auxílios, desviando para êsse efeito algumas verbas, para depois vir ao Parlamento pedir a necessária autorização ou sanção.
Com que direito está o Sr. Ministro da Guerra a deslocar tropas da província?
Como isto causará despesas, S. Exa. fatalmente há-de vir pedir ao Parlamento dinheiro para pagar a essas tropas.
E porquê? Porque necessàriamente precisa disso, porque se trata da manutenção da ordem pública.
Ora o Govêrno não precisava de esperar que o Parlamento abrisse para mandar dizer a êsses aviadores que o Govêrno lhes dispensaria o auxílio preciso. O comandante da 1.ª divisão não esperou por cousa alguma para mandar as felicitações aos aviadores.
Más ainda há mais. No próprio Govêrno não se pensa da mesma maneira sôbre êste assunto. Assim, o Sr. Ministro da Marinha mandou o seu ajudante à direcção da Aeronáutica Militar felicitá-la
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pelo leito dos ilustres aviadores; mas não me consta que os outros Ministros tenham feito o mesmo.
Não tenho então razão para falar? Evidentemente que a tenho para afirmar que o Sr. Ministro da Guerra não dispensa à aviação militar aquele carinho e assistência que era natural que lhe prestasse.
Se a aviação militar não tem feito nada é porque não encontra nas regiões oficiais a protecção e carinho devidos, o que não sucede em nenhum país.
Concordo em absoluto com a proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro da Guerra, promovendo por distinção aos postos imediatos os dois ilustres oficiais aviadores. Esses dois oficiais já até hoje percorreram o dôbro da distância que haviam percorrido os gloriosos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral, quando êstes foram promovidos. Gago Coutinho e Sacadura Cabral tinham voado 5:000 quilómetros quando chegaram aos Rochedos, e foram então promovidos; e os aviadores Brito Pais e Sarmento de Beires já percorreram 7:000 quilómetros. Portanto, já fizeram mais alguma cousa do que Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
Por conseguinte, antes de se ver o que dava a viagem de Sacadura Cabral e Gago Coutinho, prestou-se-lhes auxílio?
O Estado enviou dois navios para os auxiliar na viagem, e sabe-se qual a despesa que faz um navio de guerra, cujas despesas eram pagas em ouro.
Então porque é que o Sr. Ministro da Guerra não podia ter feito a mesma cousa para com os oficiais aviadores, sem esperar que êles chegassem ao Cairo?
Não quero alongar-me em considerações sôbre êste assunto, e aproveito o ensejo de estar no uso da palavra para pedir a V. Exa. que na ocasião oportuna, consulto a Câmara sôbre a urgência o dispensa do Regimento para a proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro da Guerra.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Plínio Silva: — Não posso deixar de manifestar o meu regozijo pela proposta de lei apresentada à Câmara pelo Sr. Ministro da Guerra no sentido das palavras que eu havia ontem pronunciado.
Folgo que o Sr. Ministro da Guerra tivesse tomado essa iniciativa.
Assim se prova que o assunto está merecendo o devido interêsse da parte do Govêrno.
Creio bem que não valerá a pena estar a agitar a questão de se saber se o Govêrno, e muito especialmente o Sr. Ministro da Guerra dispensou aquele carinho que devia aos aviadores que promovera o raid a Macau.
O assunto é de tal natureza delicado que certas apreciações que façamos irão ferir a modéstia de Brito Pais e Sarmento Beires.
Sei muito bem o que êles pensam a propósito dos seus intuitos.
Tendo relações de amizade com Sarmento Beires, que foi meu camarada e companheiro desde longos anos, sei bem o que êle e o seu glorioso camarada pensavam a respeito do seu objectivo, e qual a forma como tentavam levá-lo a efeito.
Conhecendo bem o objectivo dêsses dois gloriosos rapazes, entendo que o que se disser aqui irá ferir os seus escrúpulos.
Estou convencido de que o Sr. Ministro da Guerra, pelo seu passado de oficial valente e brioso, tendo durante o período da guerra colaborado estreitamente com os seus camaradas, há-de dedicar todo o interêsse a êste assunto.
Entendo pois que o Parlamento deve acabar com estas discussões, confiando que o Sr. Américo Olavo, ilustre Ministro da Guerra, fará tudo quanto possa para auxiliar o raid a Macau.
Sr. Presidente: dou o meu voto à proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Ministro da Guerra, se bem que ela não corresponda até certo ponto ao fim que eu ontem aqui manifestei.
A verdade é que o meu desejo seria que ao sargento ajudante Gouveia fossem, dados dois postos de acesso, por julgar até interpretar neste ponto o sentimento dos aviadores, com os quais tive várias conversas sôbre o assunto.
Não insisto no meu ponto de vista, Sr. Presidente, se bem que entenda que êle seria de todo o ponto justo, tanto mais quanto é certo que o sargento Gouveia tem recusado outros lugares mais rendo? sós, para se conservar no seu pôsto.
A minha proposta, Sr. Presidente, era
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feita nesse sentido, isto é, tinha por fina conceder ao sargento Gouveia dois postos de acesso, não só, repito, por julgar isso de todo o ponto justo, como por entender que dessa forma interpretaria bem o sentir dêsses dois grandes aviadores, assim como o de todos os que pertencem à aviação.
Não insisto, repito, Sr. Presidente, no meu ponto de vista, conformando-me com o critério que o Sr. Ministro da Guerra queira adoptar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: devo dizer em abono da verdade que não compreendo até certo ponto a argumentação apresentada pelo Sr. Ministro da Guerra sôbre o assunto, pois a verdade é que se não compreende que se diga que as circunstâncias do Tesouro são aflitivas, sendo necessário reduzir as despesas relativamente ao glorioso raid que se está realizando, e o mesmo argumento só não tivesse apresentado quando os nossos soldados foram a Madrid jogar o foot-ball, com os soldados espanhóis, acompanhados de cinco oficiais e de um adido militar português, com o que se gastou também muito dinheiro, e a meu ver inutilmente.
O Govêrno, ao que se vê, liga mais importância ao jôgo de foot-ball do que ao raid que se está realizando.
Disse ontem aqui, Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Instrução, que relativamente ao jôgo de foot-ball havia compromissos de ordem internacional; porém, eu creio que ainda assim não haveria uma necessidade absoluta de mandar lá uma comissão composta dê cinco oficiais e um adido militar português.
O Sr. Plínio Silva: — O que não há é o direito de fazer política com uma questão dessas.
O Orador: — O que é um facto é que os reparos que eu estou fazendo igualmente foram feitos por outros oradores, alguns dos quais da própria maioria, e o Sr. Ministro, dá Guerra não se insurgiu contra o facto.
Sr. Presidente: está sôbre a Mesa um projecto de lei por mim aqui apresentado
relativamente às despesas necessárias a fazer para complemento do raid Lisboa-Macau; porém, ainda não vi que o Govêrno se tivesse manifestado acerca dele.
Seria bastante interessante que o Sr. Ministro da Guerra dissesse à Câmara o que pensa relativamente a êle, a fim de a Câmara se poder orientar sôbre o assunto.
Devo dizer, desde já, a V. Exa. e à Câmara, que o meu projecto não tem o propósito de prejudicar por qualquer forma eu inutilizar a subscrição que se está fazendo, ou que venha a fazer-se. O meu desejo é unicamente prever a hipótese de que êsse raid se não possa levar a cabo por falta de recursos, ficando assim o Govêrno autorizado a despender as importâncias que forem necessárias.
Estou absolutamente convencido, Sr. Presidente, de que o Govêrno não terá necessidade de despender qualquer quantia; porém, o meu desejo e o meu objectivo é que o Govêrno fique autorizado a fazer essa desposa, caso ela seja necessária para complemento dêsse raid.
Repito: o meu projecto não tem por fim prejudicar a subscrição que se está fazendo, ou venha a fazer, mas sinceramente prever a eventualidade de poder haver falta de dinheiro, razão por que eu desejaria bastante ouvir a opinião dó Sr. Ministro da Guerra sôbre o assunto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lelo Portela: — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar em meu nome, e no do partido a que tenho a honra de pertencer, que damos o nosso voto à proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Ministro da Guerra, e bem assim para fazer algumas considerações relativamente a umas palavras proferidas pelo Sr. Ministro.
Disse S. Exa. s que estava pronto a dar qualquer auxílio aos oficiais aviadores, depois de êstes terem dado provas.
Não se compreende, na verdade, Sr. Presidente, esta doutrina apresentada pelo Sr. Ministro da Guerra.
O Sr. Ministro da Guerra não pode considerar os dois distintos aviadores como simples particulares, mas sim como dois oficiais que são do exército português.
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Creio, Sr. Presidente, que com as afirmações que acabo de fazer a questão fica perfeitamente colocada.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: com as afirmações que se estão produzindo aqui dentro a propósito da atitude do Govêrno, em relação ao raia Lisboa-Macau, estamos a deslustrar o procedimento do povo português, que num gesto de beleza e patriotismo sabe dar aos heróicos aviadores a assistência moral e material de que êles carecem.
Muitos apoiados.
De tudo se lança mão para fazer a mais baixa política em volta de um empreendimento que a não comporta.
Apoiados.
É na ânsia de atacar os Govêrnos e a República vai-se até o ponto de vexar a nossa inteligência, fazendo-se em certa imprensa, em vistosas parangonas, as mais inconcebíveis acusações aos Ministros, ao Govêrno e ao Parlamento.
E invoca-se, para fazer salientar a pretendida falta de assistência aos heróicos aviadores, o facto de o Govêrno ter ainda há pouco mandado a Espanha, a tomar parte num desafio de foot-ball, alguns oficiais e praças do exército, como se o Govêrno pudesse ter deixado de o fazer, tratando-se dê mais a mais da disputa duma taça actualmente em poder dos portugueses. (Apoiados), como só não existissem entre as nações deveres de cortesia a que se não pode fugir!
Apoiados.
Sr. Presidente: basta de apreciações e de críticas que nem sempre conseguem encobrir os propósitos de ruim política que as dita. O empreendimento a que lançaram ombros os gloriosos aviadores que marcham sôbre Macau pertence já à Nação; deixemos que ela se manifeste.
Muitos apoiados.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: — Sr. Presidente: em nome do Grupo de Acção Republicana associo-me às palavras do Sr. Mi-
nistro da Guerra, a cuja proposta eu dou inteiramente o meu voto.
Quem tivesse dúvidas acerca da atitude da minoria monárquica desta casa do Parlamento deve estar neste momento elucidado sôbre os motivos que a levaram a assumir a atitude que assumiu em relação a um facto que se não compadecia de qualquer forma com chantages políticas.
Da parte da minoria monárquica nade, mais verificamos do que o propósito de fazer política no sentido torpe da palavra.
Os seus desejos, porém, não surtirão efeito.
De resto a atitude nobre do titular da pasta da Guerra veio demonstrar clara o
categoricamente que ao Govêrno não era indiferente o empreendimento dos nossos
aviadores.
Só por uma obcecação política se poderá explicar que pessoas inteligentes se esqueçam do que à frente dos negócios da Guerra se encontra um valoroso oficial do nosso exército, que ostenta no seu peito a Torre e Espada e a Cruz de Guerra ganhas no campo da batalha, incapaz de deixar de reconhecer o grande sacrifício feito pelos seus camaradas que empreenderam o grande raid que acrescentará mais uma brilhante página à grandiosa história militar portuguesa.
É necessário que a maioria e minorias republicanas mostrem à minoria monárquica que em assuntos como êste de que tratamos não é lícito que se levante a mais pequena campanha política.
Sr. Presidente: as declarações do Govêrno são terminantes. Sob o ponto de vista moral, os nossos aviadores têm o carinho dos nossos corações e a admiração das nossas almas, que se traduz no entusiasmo com que ambicionamos um Portugal maior.
Sob o pronto de vista financeiro, já foi declarado pelo Govêrno que, se fôr necessário, em momento oportuno não negará a sua assistência aos aviadores que estão concorrendo para o nosso engrandecimento. Tenho dito.
O orador no o reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Sr. Presidente: não vale a pena-
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alongar êste incidente, pois que nada de útil resultaria de tal facto.
Vou ser breve, pois, na resposta a dar aos ilustres Deputados que usaram da palavra.
Aos Srs. António Maia e Lelo Portela cumpre-me dizer que o Govêrno julga ter cumprido o seu dever, logo no início do raid, como julga cumprir também neste momento o seu dever apresentando ao Parlamento a proposta de lei que eu tive a honra de enviar para a Mesa, promovendo ao pôsto imediato por distinção os ilustres aviadores.
Ao Sr. Plínio Silva devo objectar que sendo a promoção por distinção, ao pôsto imediato, a mais alta homenagem que se pode prestar aos militares valorosos, não me era lícito, como chefe do exército, patrocinar a promoção dos aviadores para além de um pôsto.
Já aqui manifestei o meu maior apreço pelo mecânico Gouveia; mas não posso fazer outra cousa senão seguir as regras militares.
Quanto ao Sr. Cancela de Abreu, deixe-me V. Exa., Sr.. Presidente, que eu lamente que a propósito do raid a Macau S. Exa. procurasse fazer uma especulação política.
A propósito, lembro a velha história, que todos conhecemos, do velho, do rapaz e do burro.
Se o Govêrno tivesse de início do raid pôsto o dinheiro do Estado à disposição dos aviadores, logo se levantariam aqui as vozes dos que mal querem ao Govêrno, para dizerem que a situação do Tesouro não permitia tais despesas. Inclusivamente, o Sr. Cancela de Abreu teria ensejo de dizer mais uma vez que a República era um regime perdulário.
Mas o Govêrno, sujeito à necessidade de comprimir as despesas, não deu dinheiro nenhum.
Então alguém aqui só levanta para dizer:
«É extraordinário, inconcebível mesmo, que o Governo não dê auxílio aos aviadores!».
É precisamente a história do velho, do rapaz e do burro.
Qualquer que fôsse a atitude do Govêrno, o Sr. Cancela de Abreu não deixaria de censurá-la.
Pregunta S, Exa. se o Govêrno apoia a sua proposta.
Eu pregunto então: qual será a quantia necessária para subsidiar o raid?
Não se sabe.
Estão correndo várias subscrições públicas e não se sabe ainda quanto darão.
O Govêrno só poderá intervir no momento em que se constate a falta a que tenha de ocorrer.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Seguidamente foi aprovada a urgência e dispensa do Regimento para a proposta do Sr. Ministro da Guerra, que foi depois lida na Mesa, entrando em discussão.
É a seguinte:
Considerando que a viagem Lisboa-Macau que vem sendo realizada pelos capitães pilotos aviadores de engenharia José Manuel Sarmento de Beires e de infantaria António Jacinto da Silva Brito Pais e sargento ajudante graduado, mecânico, Manuel António Gouveia demonstra a continuidade dos empreendimentos históricos que glorificam a nacionalidade portuguesa;
Considerando que, a par de uma invulgar coragem e saber metódico evidenciado pelos dois aviadores e seu mecânico, perpetuam alevantadamente as gloriosas tradições de uma raça;
Considerando ainda que o seu gesto audaz e nobilitante, quer na preparação quer na realização dessa viagem, impõe-os à admiração do mundo culto, tornando-os merecedores de uma alta recompensa da Pátria agradecida:
Temos a honra de submeter à. vossa apreciação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° São promovidos, por distinção, ao pôsto imediato, a contar de 7 do corrente mós e ano, os capitães pilotos aviadores, de engenharia, José Manuel Sarmento de Beires, e de infantaria, António Jacinto da Silva Brito Pais e sargento-ajudante graduado, mecânico, Manuel António Gouveia, ficando os dois primeiros supranumerários nos respectivos quadros.
Art. 2.° Fica revogada, a legislação em contrário.
Lisboa, 29 de Abril de 1924.— O Ministro da Guerra, Américo Olavo.
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O. Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: gostosamente declaro que dou o meu voto à, proposta em discussão.
Já ontem expus, nesta Câmara, o meu sentir acerca do raid Lisboa-Macau.
Assim, Sr. Presidente, eu devo dizer em abono da verdade, que as considerações que estou fazendo relativamente a êsses dois oficiais, que estão voando sôbre a terra, são idênticas àquelas que aqui fiz relativamente;aos dois oficiais que primitivamente voaram sôbre o mar. A verdade è que tanto uns como os outros, somente, tiveram em vista o engrandecimento da Pátria, o que os torna dignos da nossa estima e admiração. Tanto o Govêrno, Sr. Presidente, como todos ,nós nos interessamos tanto pelo bom resultado da empresa dêstes dois oficiais do exército que estão voando sobre a terra, como nos interessámos pelo bom resultado da dos dois oficiais da marinha que voaram sôbre o mar.
Assim, Sr. Presidente, eu creio que o desejo de nós todos será que a proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Ministro da Guerra seja aprovada tanto na generalidade como na especialidade, por aclamação.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar em meu nome pessoal, e no da minoria monárquica, que tenho a honra de representar nesta Câmara, que damos o nosso voto à proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Ministro da Guerra.
Sr. Presidente: - Permita-me V. Exa. e a Câmara que eu saliente uma palavra aqui proferida pelo ilustre Deputado Sr. António Correia, talvez, por se encontrar isolado dentro do grupo em nome do qual falou, pois a verdade é que S. Exa. pronunciou a palavra «torpeza».
S. Exa. que na verdade falou em torpezas políticas, lá o sabe e terá as suas razões.
Eu, Sr. Presidente, vou dizer em abono da verdade que tenho muita pena de que se tenha levantado esta tempestade contra mim, tanto mais quanto é certo que idênticos reparos aqui foram feitos pelos ilustres Deputados Srs. Hermano de Medeiros, António Maia e Jaime de Sousa.
Estava muito calado no meu lugar sem pretender intervir neste assunto, o encontrei desencadeada contra mim uma tempestade.
Parece-me que ontem a Câmara ficou mal disposta; e hoje entendeu que devia descarregar essa má disposição contra mim.
É também interessante a defesa do Sr. Ministro da Guerra a propósito do projecto que mandei para a Mesa. Não pode aprová-lo, por isso que não tem verba. O meu projecto não indica verba; de maneira que, se S.Exa. não tem outro,argumento, êste não pode ser, aceito pelo País.
É simplesmente política, unicamente política, o que, está fazendo o Sr. Ministro da Guerra e o Govêrno, porque só não aprovam o projecto por êle ter partido da minoria monárquica.
Não se diz se o projecto serve ou não.
Não se indica no projecto a verba, e eu estou convencido de que não será preciso fazê-lo.
Mas êste raid não teve o Apoio moral e material necessários, para que os aviadores não tivessem de pedir dinheiro como agora sucedeu ao chegarem ao Cairo.
Não fiz política. Quem fez política foi o Sr. Ministro da Guerra e foi o Sr. Plínio Silva com os seus ataques tempestuosos a mim que me encontrava no meu lugar muito sossegado.
Não concorda o Sr. Ministro com o meu projecto porque nele se não indicam as verbas necessárias. O meu intento foi chamar a atenção do Govêrno e do Parlamento para qualquer, eventualidade que pudesse dar-se.
Dou o meu voto à proposta do Sr. Ministro da Guerra.
O orador não reviu.
Foi aprovada a proposta sa generalidade.
Leu-se na Mesa o artigo.
O Sr. António Correia: — Mando para a Mesa a seguinte proposta de emenda.
Substituir a expressão: «a contar de 7 do corrente mês e ano», por «a contar de 7 de Abril do corrente ano».
Câmara dos Deputados, 30 de Abril de 1924.— António Correia.
Foi lida e admitida e entrou em discussão.
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O Sr. Presidente: — Não há mais ninguém inscrito. Vai votar-se o artigo 1.° É aprovada a emenda.
É aprovado o artigo 1.° sôbre a emenda.
É aprovado o artigo 2.°
O Sr. António Mala: — Requeiro dispensa da leitura da última redacção.
Aprovado.
O Sr. Presidente: — Continua em discussão o parecer n.º 663 que autoriza o Govêrno a rever o decreto sobre-tabela de emolumentos judiciários.
Estão sôbre a Mesa propostas de artigos novos.
Leram-se e foram aprovados os artigos novos mandados para a Mesa pelo Sr. Almeida Ribeiro.
São os seguintes:
Proponho os seguintes artigos novos: Artigo O Supremo Tribunal de Justiça é composto de 17 juizes, de entre os quais são nomeados o presidente e o vice-presidente, competindo a êste último substituir aquele na sua falta ou impedimento, sem todavia deixar de julgar os feitos em que tiver pôsto o visto.
§ único. Na falta ou impedimento simultâneo do presidente e do vice-presidente fará as suas vezes o juiz mais antigo, como determina o artigo 22.° da Novíssima Reforma Judiciária.
Artigo O quadro do pessoal da Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça é composto por: um secretário director geral; um primeiro oficial, subdirector; um contador tesoureiro; dois segundos oficiais; quatro terceiros oficiais; um oficial arquivista; um ajudante; um primeiro meirinho; um segundo meirinho; dois correios; dois serventes, um dos quais por turno desempenhará o serviço de porteiro.
§ 1.° O actual porteiro passa a denominar-se contador tesoureiro; os actuais contínuos, o mais antigo passa a denominar-se oficial arquivista, e o mais moderno ajudante; o actual meirinho passa á ser primeiro meirinho, e o escrivão de meirinho passa, a ser segundo meirinho; todos com as actuais atribuições e sem dependência de nova nomeação.
§ 2.° Ao oficial arquivista compete o vencimento do terceiro oficial; ao ajudan-
te o vencimento anual de 480$ de categoria e 120& de exercício; a cada um dos meirinhos o de 400$ de categoria e 100$ de exercício.
§ 3.° Os emolumentos de que tratam os artigos 4.° e 5.° da tabela de emolumentos judiciais em vigor serão mensalmente divididos em três partes iguais: uma para o secretário director geral; outra para o primeiro oficial e para o contador tesoureiro, - subdividindo-se por êles na proporção dos seus ordenados; e outra para OB segundos oficiais, oficial arquivista e ajudante, subdividindo-se por partes na proporção até agora em vigor.
§ 4.° Aos actuais meirinhos e escrivão do meirinho são mantidos os vencimentos e mais vantagens que agora lhes competem.
Artigo São revogados os artigos 26.° e 28.° do decreto de 31 de Dezembro de 1910, publicado pelo Ministro da Justiça. Continua porém em vigor o § único daquele primeiro artigo. — Almeida Ribeiro — Álvaro de Castro.
Admitida.
O Sr. António Resende: — Mando para a Mesa uma proposta de alteração do artigo que acaba de ser lido.
É a seguinte:
Proponho que a Relação de Coimbra seja composta de nove juizes. — António Resende.
É admitida e aprovada.
É aprovado o artigo sôbre a emenda.
O Sr. Alberto Jordão: — Aqui não se ouviu, a emenda que foi aprovada.
Não tenho culpa de que se não pudesse ouvir.
O Sr. Presidente: — Foi lida na Mesa e ninguém reclamou na ocasião.
O Sr. Marques Loureiro: — Sr. Presidente: é lamentável que se esteja a discutir assunto de tanta magnitude, como Q que consta do artigo novo que acaba de ser lido, como alçapão que se abre debaixo dos nossos pés.
Preconiza-se que não possa ser emitida a opinião perante o País; acerca dum julgamento em que cada um deve ter a sua opinião e expô-la perante o País, dizendo que foi vencido.
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Que a responsabilidade fique só a quem quiser sancionar uma tal maneira de ver.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: não julguei que um advogado distinto, como o que acaba de falar, atacasse a minha proposta que não visa senão a prestigiar os tribunais.
Não têm sido raros infelizmente nos nossos tribunais os casos em que os júris recebem pedidos para que façam declarações que de algum modo determinem o veridictum do juiz.
Àpartes.
Mas a acção dos tribunais não basta, é necessário mais alguma cousa para que êles não percam no conceito público Aquele prestígio quê deve ter a Justiça, para que seja, o que deve ser.
Hoje, depois de por vezes proferido o veridictum e lavrada a sentença do juiz, e quando dos autos nada consta do que foi representado ao juiz, e nenhuma intervenção tenha sido pedida pelos Jurados, podem ser trazidos para os jornais, comentários ao processo que podem deminuir o prestígio daqueles que o devem conservar.
Àpartes.
Mas não é só dos jurados que se trata: é também dos juizes dos tribunais colectivos.
Nesses tribunais tratam-se cousas de interêsses, morais consideráveis e de interêsses materiais igualmente consideráveis, e muitas vezes juizes e jurados não chegam a acordo e os julgamentos ficam adiados muitos dias até que a justiça possa actuar de determinado modo.
Àpartes.
Estou convencido do que o Sr. Deputado que acaba de falar, e que fez reparos à minha proposta, e não concorda com ela, entende contudo que a acção dos juizes se deve exercer livre de qualquer coacção, seja de que ordem fOr.
Já hoje a doutrina da minha proposta é corrente, sendo secretos certos actos, que não podem ser divulgados por ninguém.
Trata-se pois somente da parte penal para execução dessa doutrina.
Não terá ela aplicação; e tanto melhor se assim fôr.
Mas o que é necessário é firmar uma
situação e atribuir aos que têm de exercer essas funções uma situação que é de absoluta liberdade em relação, a qualquer cidadão.
Estou convencido de que não é prejudicada nenhuma causa justa, para o bom serviço da Justiça.
Foi o que me determinou; e disso estou ainda, convencido, não obstante as razões aduzidas pelo Sr. Marques Loureiro que julgo improcedentes.
O orador não reviu.
O Sr. Marques Loureiro: — Sr. Presidente: pouco tempo ocuparei.
É apenas para dizer que o Sr. Almeida Ribeiro não faz senão justiça ao reconhecer que eu não poderia ter outro propósito senão concorrer para que não fôsse reduzido o prestígio da magistratura, - Sou advogado apenas, nada mais; e tenho pela magistratura o alto respeito que ela merece.
Discordamos dos meios de prestigiar a magistratura.
Emquanto entendo que para prestígio da magistratura se deve deixar a cada um o poder manifestar o seu voto e poder explicá-lo, V. Exa. entende que é preciso evitar que o explique.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Desejei apenas evitar, não que o voto se explique, mas que se venha revelar o que se passa.
O Orador: - Ainda nesse ponto estamos de acordo. O nosso desacordo está em que seja evitado que se possa expor em público o que se pronunciou neste ou naquele sentido».
O juiz não pode declarar qual foi o seu voto e tem de cobrir com a sua responsabilidade uma tremenda injustiça que se poderá ter praticado.
Se isto significa consideração pelos juizes, bom é; mas eu Insisto no meu modo de ver.
O que eu entendo é que se deve dar toda a consideração à magistratura.
E isto não se faz pôr meio de uma emenda, como se pretendo fazer.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Devo dizer ora primeiro lugar que não se trata de
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uma emenda feita à pressa, e em segundo lugar que estou convencido de que S. Exa. não leu. Não se proíbe ao magistrado que declare o seu voto, mas o que não poderá fazer e publicar o seu voto quando não tenha o assentamento dos outros votantes, porque êste poderia ser prejudicial à justiça.
É isto que visa o projecto que não desprestigia ninguém.
Tenho dito.
O orador não reviu.
ORDEM DO DIA
Foi aprovada a acta.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se uma, autorização o ataque os Srs. Cunha Leal, Vasco Borges de Carvalho da Silva possam comparecer no 2.° juízo de instrução, criminal, a fim de deporem.
O Sr. Presidente: - Está aprovado.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Requeiro á contraprova, e invoco o § 2.° do artigo 116.º do Regimento.
Procedeu-se à contraprova.
O Sr. Presidente: - Estão de pé 2 Srs. Deputados e sentados 55.
Está aprovado.
O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): - Peço a V. Exa. que me informe sôbre se já foi publicado no Diário do Govêrno o projecto do Sr. Vitorino Guimarães, pois consta-me pelos jornais que S. Exa. o deseja retirar Talvez a informação não seja certa; mas como S. Exa. está presente êle informará a Câmara.
O Sr. Presidente: - Já foi para a Imprensa.
O Sr. Carlos Pereira deseja tratar em negócio urgente das acusações feitas ao Sr. Ministro da Agricultara no relatório da Companhia União Fabril.
O Sr. Presidente: - Vai votasse o requerimento do Sr. Carlos Pereira.
Foi rejeitado.
O Sr. Alberto Jordão: - Reqneiro a contraprova.
Repetida a votação, foi aprovado.
O Sr. Carlos Pereira: - Sr. Presidente: pareecu-me que o ilustre leader do Partido Democrático não estava de acordo em que eu aqui tratasse do caso a que me referi dá Companhia União Fabril, e do que se encontra escrito no seu relatório,, que é um documento oficial.
O Sr. Almeida Ribeiro: (interrompendo): - Não diga! V. Exa. uma tal cousa.
Àpartes.
O Orador: - Êsse relatório publica-se no Diário do Govêrno por uma disposição legal; e por isso digo que é oficial.
Àpartes.
Êsse relatório diz que um Ministro da República publicou um decreto para criação de determinado fundo que favorecia os interêsses de determinada companhia, e que êsse Ministro, que era o da Agricultura, favorecia os amigos e pessoas de sua simpatia na distribuição de fosfatos. Acrescenta ainda que tudo se fazia com aprazimento dêsse Ministro que protegia os negócios e entendimentos, dessas criaturas, faltando só dizer que os compartilhava.
Sr. Presidente: o caso é grave em si e bastante para que um Deputado faça em negócio urgente as devidas preguntas a êsse respeito, tornando possível a necessária defesa e acabando com uma complacência que os Srs. Ministros têm tido, mas que a não teve, o Govêrno Francês para com o Sr. Alfredo da Silva,'que há poucos dias pôs na fronteira.
Não sabemos os motivos por que a Companhia União Fabril chama. imbecis a certas entidades; mas o que é certo é que nesse relatório vêm causas extraordinárias, dizendo que o Sr. Ministro da Agricultura só proibiu a exportação de sementes oleaginosas.
Àpartes.
Desejo também fazer uma pregunta ao Sr. Ministro do Comércio, pois que S. Exa. è visado num jornal da capital por ter praticado actos que têm um aspecto político a considerar.
Afirma-se que, o Sr. Ministro do Comércio vai galardoar, funcionários dos Caminhos de Ferro do Estado, reintegrando-os nos seus lugares, quando é certo que foram julgados por conspiradores.
Parece-me que não é possível que S.
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Exa. reintegrasse ninguém: estavam todos já reintegrados pelo Conselho de Administração respectivo.
Mas, Sr. Presidente, pôsto de lado êste aspecto, falta saber como é que se acusa um Ministro da República do ceder locomotivas, quási de graça, a corta emprêsa ferroviária o também falta saber por que razão o Conselho de Administração não acatou os despachos do Ministro.
Desejava que o Sr. Ministro do Comércio me respondesse a estes pontos, porque tem um aspecto administrativo em que S. Exa. é sangrentamente visado e em termos que me puseram logo de sobreaviso para não mo restar dúvidas de que o Sr. Ministro procedera como devia.
Quanto à parte política, S. Exa. não é atingido, porque, é um republicano de sempre e é alguém no meio republicano e que neste Govêrno tem demonstrado zelo e competência.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Agricultura (Joaquim Ribeiro): — Tenho recebido nesta Câmara grande consideração dos meus correligionários, e, por isso, é que eu estranho a forma como êste assunto foi pôsto à votação e a recusa de certas pessoas que eu tenho distinguido com a minha estima.
As campanhas contra os homens públicos só mo incomodam quando atacam a sua honra; e esta é das que mais me ferem por insinuar-se, que, acabando com o pão político, tive em mim favorecer a Moagem.
As campanhas surgem do vários lados e por várias formas; porém, eu devo dizer que não sou homem que me arreceio dos ataques que me fazem, pois a verdade é que quem não deve, não tomo.
Também não tenho rabos de palha — desculpem-me V. Exa. a frase que na verdade é pouco parlamentar.
Fazem-se, Sr. Presidente, referências a uma célebre empresa agrícola. Ora ou vou dizer a V. Exa. em que consisto essa emprêsa agrícola, do que fui um dos iniciadores.
Como V. Exas. sabem, ou sou um dos directores da Federação dos Sindicatos Agrícolas. Quando entrei para lá estava essa empresa em formação.
Como membro dessa instituição, com muito prazer tratei de a organizar, para o que se fez a competente escritura, tendo eu entrado para essa emprêsa com o capital dê cinco contos.
Devo porém dizer que nunca pratiquei o mínimo acto de administração, tendo as medidas por mim tomadas acerca de adubos sido feitas com o único intuito de ajudar a lavoura nacional e mais nada.
Nunca, Sr. Presidente, ajudei a Moagem ou qualquer outra entidade.
Devo dizer a V. Exas. que os primeiros ataques mo foram dirigidos por um jornal monárquico, o qual — devo dizê-lo em abono da verdade — vendo depois que êles não tinham o menor fundamento, nobremente cessou êsses ataques, o que na verdade se não deu com um jornal republicano, que depois disso me começou a atacar pelos mesmos motivos.
Agora, Sr. Presidente, faz-me no seu relatório idênticos ataques a Companhia União Fabril - êsse potentado que hoje está nas mãos de um mau português (Muitos apoiados), mau português que num País que não fôsse o nosso já teria sido fuzilado, pois, a verdade é que tem sido um verdadeiro inimigo da Pátria. Haja vista o que êle fez, quando da declaração de guerra, e quando foi expulso de Portugal o Ministro alemão.
Êsse mau português foi à estação para se despedir dele e entregar à esposa um ramo de flores.
Êsse mau português que se chama Alfredo da Silva, depois do uma acção anti-patriótica feita ao sou País, acaba de ser expulso da França em virtude das especulações cambiais em que se meteu, e expulso será de toda a parte onde só encontre, devido à sua maneira de proceder, visto que êle só se preocupa com os seus interêsses e dos de meia dúzia de aventureiros que o rodeiam e são também, como êle, maus portugueses.
Num decreto publicado em 1918 conseguiu êsse homem tabelar as oleaginosas e proibir a sua exportação. Ficou assim senhor absoluto dêsse mercado; e, como era proprietário da única fábrica que as manipulava, os seus produtos acompanharam sempre a divisa cambial...
O Sr. Velhinho Correia: — Em determinado período da vida da República toda
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a legislação relativa a oleaginosas foi feita pelo próprio punho do Sr. Alfredo da Silva.
O Orador: — Chegou o momento de eu ser chamado a tomar conta da pasta da Agricultura, e um dos meus primeiros cuidados foi pôr cobro à situação que se tinha criado. Para êsse efeito publiquei determinada portaria. E então que surge a formidável campanha levantada contra os sindicatos agrícolas e contra os seus dirigentes que, aliás, exercem os seus cargos sem qualquer espécie de remuneração.
Doeu-se o Sr. Alfredo da Silva com a minha deliberação; o, por isso, êsse homem, expulso de toda a parte como criatura nefasta, não hesitou em afirmar que eu, Ministro da Agricultura, estava feito com os sindicatos agrícolas.
Sr. Presidente: fez bem o ilustre Deputado Sr. Carlos Pereira em levantar aqui uma questão de que eu tanto me desejava ocupar.
Tenho a minha consciência absolutamente tranqüila, porque fiz aquilo que me cumpria, chamando a atenção do Sr. ministro da Justiça para a atitude insultuosa dum homem com cuja honorabilidade de processos eu não quero nem posso ter o mais ligeiro confronto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Vozes: — Muito bem.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Nuno Simões): — Quis o Sr. Carlos Pereira ocupar-se dura assunto que está servindo neste momento para uma pequena campanha contra o Ministro do Comércio, assunto que diz respeito a um incidente ocorrido na administração dos Caminhos de Forro do Estado.
Nessa questão cumpro, como sempre, o meu dever, tendo apenas em atenção os interêsses do Estado.
No dia em que o administrador geral dos Caminhos de Ferro do Estado se negou a cumprir despachos meus e me pediu a demissão, eu aceitei-lha, como me cumpria; e aceiteia-a sem prejuízo do procedimento que possa haver para com um funcionário que se recusa a cumprir ordens superiores.
Cumpri unicamente o meu dever.
Sendo-me pedido pelo Sr. Carlos Pereira que informasse a Câmara de como os factos se haviam passado, tenho o maior prazer em declarar que estou absolutamente convencido de que mais uma vez o prestígio do Poder não sofreu qualquer quebra; por mais que isso custe a quem quer que seja, o prestígio do Poder mais uma vez se afirmou.
Sou acusado de ter protegido dois funcionários que em determinada ocasião estiveram sujeitos a um processo que estava por resolver há cinco anos, por culpa que não é minha.
No requerimento em que pedia a sua demissão o Sr. administrador geral dos Caminhos de Ferro procurou justificaras razões por que não dava cumprimento aos meus despachos, baseando-se na autonomia dos serviços a seu cargo. Todos sabem o que está sendo o princípio das autonomias.
Apoiados.
Todos conhecem os excessos que têm sido praticados à sombra das autonomias.
Tenho sempre em atenção os direitos dos outros, porque nunca me esqueço das minhas obrigações. Desejo que os outros não deixem de ter em atenção as suas obrigações, para que saibam respeitar os meus direitos.
Foram-me sujeitos dois requerimentos de dois funcionários ferroviários afastados do serviço em 1919. Um deles tem quarenta e dois anos de serviço e variadíssimos louvores; o outro tem vinte e tantos anos de serviço. Entendo que, segundo o decreto que regulariza o assunto, me competia resolver o caso relativo a êsses dois funcionários. Então resolvi-o sem ter de dar satisfações à Administração dos Caminhos de Ferro.
Sr. Presidente: como me cumpria, tendo em atenção os interêsses do Estado, e tendo em atenção que êsses funcionários tinham uma larga folha de serviços, alguns dos quais à República, como tive ensejo de constatar, e tendo ainda em atenção que o decreto a que fiz referência mandava dar a aposentação, eu resolvi aposentá-los, ordenando que o pagamento fôsse feito a partir da data do despacho.
Sr. Presidente: para completa elucida-
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cão da Câmara, vou ler os meus despachos, de que costumo sempre assumir inteira e completa responsabilidade, devendo afirmar que não estou habituado a receber lições de republicanismo de ninguém.
Os despachos são os seguintes:
Leu.
São êstes os despachos que deram motivo à campanha política que se procurou mover contra o Ministro do Comércio, que cumpriu o seu dever.
Não preciso de justificar os meus actos, como os de ninguém; mas, se tal fôsse necessário, leria à Câmara um acórdão assinado pela pessoa que há pouco me pediu a demissão de administrador geral dos Caminhos de Ferro, em que ela, como Ministro, entendeu dever invadir as atribuições do conselho de administração.
Sr. Presidente: a mais dois assuntos se referiu o Sr. Carlos Pereira. Um, relativo a uma questão de cedência de locomotivas; outro, ao plano de mudança das oficinas do Barreiro para Pinhal Novo.
Sr. Presidente: é um caso singular êste de os funcionários entenderem que a autonomia lhes dá direito a fazerem dentro das suas atribuições aquilo que querem, tendo como orientação única o arbítrio, sem sequer respeitarem a mais elementar correcção para com as outras pessoas, ainda mesmo quando tenham razão no que reclamam.
Em determinado momento foi solicitado pela Direcção Geral dos Caminhos de Perro, dependente do Ministério do Comércio, a minha atenção para um pedido formulado pela Companhia do Vale do Vouga, no sentido de lhe serem cedidas duas locomotivas, daquelas que a Direcção dos Caminhos de Ferro foi autorizada a encomendar por conta das reparações, en nature, mas cuja importância até o presente ainda não foi paga.
O director geral dos Caminhos de Ferro informou êsse pedido e propunha que a amortização do material fixo e circulante se fizesse de determinada forma. Entendi que devia tratar do assunto, visto que dele resultava um benefício importante para o tráfego daquela região, e lancei três despachos que têm vindo a servir de pretexto para a campanha que se tem procurado fazer.
Êsses despachos são os seguintes:
Leu.
Nenhuma das informações dizia que a administração dos caminhos do ferro tinha tratado do assunto, e eu entendi que àquela direcção não dizia respeito esta questão, visto tratar-se de material que havia sido adquirido por conta das reparações e não tinha sido ainda pago, o que o Govêrno está procurando fazer neste momento.
Mas, Sr. Presidente, como êste assunto tenha sido já tratado em conselho de Ministros, entendi que novamente ali o devia levar, depois do que lancei o seguinte despacho que passo a ler:
Leu.
Porém, os interessados entendendo que não era conveniente mudar o tipo das locomotivas, representaram novamente, a fim de que a cedência fôsse temporária.
Expus novamente a questão ao Conselho de Ministros, que me autorizou a lançar o seguinte despacho:
Leu.
Aqui têm V. Exas. a irregularidade administrativa que o Ministro do Comércio cometeu.
Sr. Presidente: ainda a uma terceira questão e Sr. Carlos Pereira se referiu.
No Govêrno do Sr. António Maria da Silva, o Conselho autorizou a remodelação das oficinas gerais do Barreiro.
Subitamente, surgem reclamações quanto à mudança dessas oficinas para o Pinhal Novo; e porque se tratava de uma obra de alguns milhares de contos e porque o plano tinha sido aprovado em Conselho de Ministros, entendo que só em Conselho de Ministros também êsse plano poderia ser modificado.
Assim, mandei suspender as deliberações tomadas pelo Conselho de Administração, mesmo para que não se dessem os erros que o próprio Conselho de Administração reconheceu.
O despacho que a tal respeito fiz dizia o seguinte:
Leu.
Aqui tem a Câmara o outro crime que praticou o Ministro do Comércio, o êrro administrativo de que sou acusado e que o Govêrno, solidarizando-se comigo, sancionou.
É curioso constatar que o Conselho de Administração chamou à mudança para o
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Pinhal Novo uma simples mudança do local, considerando de mínima importância as obras a realizar, as modificações ao plano que podiam motivar o pedido do indemnização da casa construtora e o dinheiro a gastar.
Mas, apesar disso, a própria administração dos caminhos do ferro falou o m corrigir um êrro anterior, dizendo:
Leu.
Quere dizer: primeiro que eu, efectivamente, tivesse tido dúvida e escrúpulos sôbre a mudança das oficinas para o Pinhal Novo, foi o próprio Conselho de Administração que teve essas dúvidas e êsses escrúpulos, e aliás com muita razão.
Da simples leitura do contrato verifica-se que desde o princípio até o fim se fala das oficinas no Barreiro.
Eu leio a Câmara os artigos 1.° e 5.° do contrato:
Leu.
Fala-se claramente numa remodelação e reconstrução das oficinas do Barreiro.
Por mais que pareça ao Conselho de Administração dos Caminhos de Ferro — que tam fácil foi nos comentários acres e insólitos ao Ministro, apresentando um protesto em termos inconvenientes, absolutamente contrários ao Regulamento Disciplinar dos funcionários públicos que eu não tinha o direito de intervir no assunto, a verdade é que eu entendo que não tinha só o direito de o fazer, mas obrigação estrita disso. E invoco a situação de qualquer de V. Exas. que estivesse no meu lugar.
Sr. Presidente: o Conselho de Administração entendeu ainda que eu não tinha o direito, no meu despacho, de ofender a sua autonomia, e disse que não tinha nada com o Conselho de Obras Públicas.
Esqueceu-se a Administração dos Caminhos de Ferro de que ao Conselho de Obras Públicas compete dar parecer nestes casos, sobretudo tratando-se de uma despesa de 50:000 contos.
Declarou mais o Conselho de Administração que não tinha que dar satisfações do seu procedimento ao Poder Executivo.
Mas então para que servo o Poder Executivo?
É só para assumir responsabilidades?
Analisando os próprios antecedentes da questão, nós encontramos a seguinte in-
formação dada ao Ministro do Comércio dessa época, Sr. Lima Basto, pela comissão administrativa.
Leu.
E o Sr. Lima Basto, nos considerandos da sua proposta, diz:
Leu.
Quero dizer: o crime do que sou acusado não é afinal senão o de defender os pontos de vista dos Ministros meus antecessores.
Exposto assim o assunto ràpidamente à Câmara, eu quero ainda dizer que me cumpria não só aceitar a demissão do Sr. administrador geral — que está substituído já por um velho e ilustre republicam) e distinto engenheiro — mas instaurar ao Conselho de Administração um processo disciplinar pela forma como se permitiu classificar o meu procedimento, chamando-lhe ilegal, prejudicial aos interêsses do País e ofensivo da moralidade da administração pública.
Creio que cumpri agora, como procuro cumprir sempre, inteiramente o meu dever.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O orador não reviu,
O Sr. Almeida Ribeiro (para explicações): — Sr. Presidente: pedi a palavra para explicações quando o Sr. Ministro da Agricultura se lamentava de que pessoas a quem sempre dispensou a sua consideração tivessem, na votação do assunto urgente que o Sr. Carlos Pereira se propusera tratar, manifestado a sua divergência sôbre a sua discussão imediata. Se fui o visado, devo declarar a V. Exa. que não mo arrependo do que fiz. Não menosprezo, nem podia menosprezar, a honra de nenhum dos Ministros referidos no enunciado do negócio urgente. Entendo que a honra dos Ministros, designadamente a do Sr. Ministro da Agricultura, está acima do relatório de qualquer sociedade anónima; mas entendo, também, que não é esta Câmara propriamente o tribunal competente para fazer punir quaisquer abusos, quaisquer injúrias, quaisquer difamações, mesmo contra um membro do Govêrno, quando sejam praticados num relatório pago como qualquer comunicado inserto nos jornais.
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Foi esta a razão por que votei contra, mas, repito, com isto não quis significar nenhum menosprezo pela honra de qualquer dos Srs. Ministros. De resto, podia tratar-se dêste assunto antes da ordem do dia.
Um àparte do Sr. Carlos Pereira.
O Orador: — Estando na ordem do dia um assunto da maior importância que urge liquidar, porque se lhe têm de suceder outros igualmente importantes para o País, não achei, realmente, que houvesse razão suficientemente justificativa para que a ordem do dia se perturbasse a fim de ser tratado o assunto urgente proposto.
Devo ainda dizer que o Sr. Carlos Pereira, referindo-se a umas palavras minhas, me classificou como seu leader. Agradeço a honra que esta frase traduz, mas eu não sou o leader de S. Exa. Não tenho competências para o ser, nem desejaria sê-lo. S. Exa. procede como entende e eu também, cada um de nós no uso dos sons direitos de Deputado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva (para explicações): — Sr. Presidente: também pedi a palavra quando o Sr. Ministro da Agricultura se lamentava de que algumas pessoas não tivessem aprovado que o Sr. Carlos Pereira tratasse imediatamente do seu negócio urgente.
Sabe o Sr. Ministro da Agricultura que quando discordo dos actos de qualquer Ministro, não costumo de nenhuma maneira hesitar em dizê-lo abertamente.
Tenho discordado de muitos actos de S. Exa., especialmente no que se refere à questão do pão, e com a franqueza que me caracteriza o tenho dito abertamente; no emtanto, tenho sempre declarado que faço justiça às intenções de S. Exa.
Se só desejava que o assunto fôsse tratado imediatamente, dever-se-ia ter requerido antes da ordem, do dia, visto que na ordem se achava um assunto que, se não diz respeito à honra de um homem, diz respeito ao crédito da Nação, e que de modo algum se poderia preterir.
Foi êste unicamente o meu modo de ver ao fazer-se a votação; e o Sr. Ministro da Agricultura não pode supor nas minhas palavras e na minha atitude qual-
quer cousa que obedecesse a outro propósito.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira (para explicações): — Sr. Presidente: não me permitiram os meus nervos que eu tivesse acatado a ordem dos dois carrilhões da Presidência, que queriam que me contentasse pura e simplesmente com a votação da Câmara.
Devia tê-lo feito; mas cada um tem o impulso natural do seu sangue, e eu nesse momento não fui capaz de assim proceder.
Os carrilhões tocaram, mas eu disse o bastante para se ficar sabendo a que visava o meu negócio urgente: visava a saber em que posição de honra ficavam determinados Ministros da República, pois que aqui, mais do que em qualquer outra parte, é que as contas de honorabilidade do Ministro no exercício das suas funções se pedem e se tomam. Só as explicações do Sr. Ministro da Agricultura não tivessem satisfeito a Câmara daqui o remeteríamos para o Poder Judicial; e, se tal devesse ser feito, aqui o aniquilaríamos politicamente. Felizmente, não só dá nenhuma dessas hipóteses e a Câmara ficou satisfeita com as explicações de S. Exa. que desceu à sua vida privada para se justificar das insinuações contidas no relatório da Companhia União Fabril.
Reincidindo no êrro de ontem, apresentei hoje novamente a proposta do negócio urgente porque senti que, ficando em suspenso aquelas palavras que tinham sido ditas ao som dós carrilhões da Presidência, podiam agravar as pessoas em causa. Outros não pensaram assim; mas eu felicito-me por ter tido ocasião de proporcionar a um Ministro da República, que é um antigo republicano, o ensejo de se defender.
E que prazer eu tenho, Sr. Presidente, em que, através da crise que atravessamos, se veja que os republicanos de sempre ainda conseguem salvar-se, o que não quere dizer que muitos republicanos da última hora não sejam de toda a consideração.
Quero ainda agradecer ao Sr. Ministro. do Comércio as explicações que quis dar
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à Câmara e felicitar S. Exa., pois muitas vezes aqui tenho gritado que é preciso que naquelas cadeiras se sentem homens que mandem, para que o Executivo não esteja à mercê de quem quer que seja,
Vejo que o Sr. Ministro do Comércio, aceitando demissões que lhe foram pedidas, ressalvou como Ministro do Comércio as sanções disciplinares porventura a aplicar a quem, adentro de determinadas autonomias, pretendeu fugir delas. E felicito-o, também, por ver que na cedência das locomotivas ao Caminho de Ferro de Vale do Vouga se houve com a necessária prudência. Felicito, também, o Sr. Ministro do Comércio, no que se refere às oficinas do Barreiro, por S. Exa. ter aparecido como um travão aos erros que se cometeram, aos erros que no papel toda a gente julga do fácil remédio.
Seria até interessante, antes de se pôr em equação o problema das oficinas, apreciar aquele que é a origem de todos os outros.
Efectivamente nós vemos que os caminhos de ferro pretendem distrair-se do fim principal da sua função, que é o transporte, para se arvorarem em construtores.
Agradeço ao Sr. Ministro, do Comércio as explicações de S. Exa. mesmo pelo que se refere à parte política, porque, pertencendo eu a um agrupamento político, muitas vezes recalco sentimentos que são legítimos, pensando apenas que sou republicano e que devo contribuir para a unidade do Partido que é a maior fôrça da República, do Partido onde entrei sem favores de ninguém, onde estou há muito tempo sem favores de ninguém, ainda antes da República ser uma realidade no nosso País, ao qual tenho sempre dado o melhor da minha dedicação, sem nunca lhe pedir cousa alguma.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Vitorino Guimarães: — Sr. Presidente: o Sr. Ministro da Agricultura, quando principiou a usar da palavra, estranhou que fôsse alguém que com êle tem mais estreitas relações quem tivesse votado contra o requerimento apresentado pelo Sr. Carlos Pereira.
Sr. Presidente: fui eu uma das pessoas abrangidas pela estranheza de S. Exa. Efectivamente, S. Exa. sabe bem a consideração e respeita que eu tenho pelas suas qualidades de republicano, de político e de homem de bem na verdadeira acepção da palavra, e sabe também a profunda amizade que há muitos anos nos liga, para que nunca pudesse ver na minha atitude qualquer cousa que o pudesse magoar.
O mesmo se dá em relação ao Sr. Ministro do Comércio, podendo aplicar a S. Exa. o que acabo de dizer com.respeito ao Sr. Ministro da Agricultura, porque não podem ser mais sinceramente amistosas as nossas relações.
No emtanto, um facto houve que determinou a minha atitude.
É que também eu tenho o direito de sentir-me um pouco.
Porque, embora não seja dos preceitos, regulamentares, é, todavia, da correcção usada nesta Câmara, que estando em debate uma interpelação da qual eu fui iniciador, houvesse uma atenção para comigo quando se quisesse intercalar outros assuntos na discussão.
Estranhei, portanto, o sucedido; e foi essa a causa da forma como votei o requerimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira (para explicações): — Sr. Presidente: encontrando-me nesta Câmara desde a abertura da sessão, pedi logo a palavra no começo dos trabalhos, para ver se conseguia antes da ordem dó dia, tratar dêste assunto.
Quis o acaso que explicações de vária natureza viessem preencher todo o espaço do antes da ordem do dia; e foi essa a razão porque apresento uma proposta de negócio urgente.
Êsse meu acto certamente vai ser censurado nas reuniões do meu grupo; mas a ninguém assiste o direito de pôr em dúvida a sinceridade dos meus intuitos.
Sr. Presidente: explicada a minha atitude, eu aguardo as sanções que o grupo político a que pertenço entenda dever aplicar-me.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Presidente: — Vai continuar a discussão da interpelação do Sr. Vitorino Guimarães ao Sr. Ministro das Finanças.
Continua no uso da palavra o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro do Castro): Sr. Presidente: para concluir ràpidamente as minhas considerações regressarei um pouco às minhas palavras anteriores, para dar uma explicação a propósito duma conversa que, posteriormente ao debate, tive com o Sr. Barros Queiroz, porque parece-me ficar tanto no espírito de S. Exa. como no espírito da Câmara que o facto do Govêrno dizer quê não vendia libras importava a negação ao mercado de qualquer valor das cambiais.
Não fui suficientemente claro.
Mandei organizar uns mapas e uns gráficos, que não estão ainda prontos, relativamente ao movimento cambial, tendo,, porém, já alguns elementos para falar em relação ao movimento mensal respeitante, é claro, a factos passados porque a factos actuais não posso nem devo fazer nenhuma espécie do considerações.
Por êsses mapas mensais (e por enquanto tenho-os só dêsde Julho de 1923), verifica se a forma como o Govêrno devolve ao mercado o ouro que recebe das cambiais. Essa devolução faz-se ou pela venda diária ao balcão no Banco de Portugal e na Caixa Geral de Depósitos, por intermédio da Bolsa ou directamente aos importadores.
Foi sempre assim que se fez. Há também uma intervenção que é feita pelo Ministro das Finanças, intervenção directa na Bolsa, com o intuito de modificar a situação cambial.
Era a esta intervenção que eu me referia quando dizia que ela agora não se dava, porque não tinha vantagem a modificação previamente da divisa cambial. Efectivamente, quem lê os números resultantes da forma como se faz o lançamento das cambiais no mercado verifica uma cousa curiosa e interessante: — é que, por exemplo de Julho de 1922 a Março de 1924, o lançamento do libras no mercado vai sucessivamente aumentando de 419:000 libras até 720:000 libras, dando-se ao mesmo tempo o agravamento sucessivo ao câmbio.
Parece, portanto, que a intervenção normal dos meios vulgares, sem a intervenção directa, para modificação da divisa cambial, estão pois daquele factor que energicamente actua no câmbio de maneira a desvalorizá-lo.
A afirmação que eu fiz de que efectivamente a não intervenção directa no mercado das cambiais por parte do Govêrno dava a conhecer que a situação não se tinha agravado, e que havia outras condições que certamente nos levava à conclusão de que estávamos numa situação mais favorável, é ainda comprovada pela própria estatística; porque, apesar da devolução de libras no mercado ser menos, a divisa cambial não se agrava. Certamente isso deriva de outros factores que intervêm na questão cambial duma maneira mais positiva do que muita gente imagina,
O maior desafogo de Tesouraria, o próprio aumento de receitas é para a todo o tempo podermos utilizar-nos dele, e com eficácia.
O Sr. Vitorino Guimarães, se não estou em êrro, não podendo fazer esta afirmação com dados estatísticos, creio que teve ocasião de deter na sua mão qualquer cousa como 600:000 libras. Se nesse período se deu efectivamente uma fraca e demorada desvalorização do escudo foi devido certamente ao facto do Ministro das Finanças ter em seu poder uma massa de ouro suficiente para poder actuar.
Como se verificou, a melhoria resultante do lançamento dêsse ouro no mercado foi insignificante.
O que me parece poder definir-se é que efectivamente se espera uma situação melhor.
O mercado a prazo define a meu ver a confiança ou desconfiança da praça em relação ao futuro.
Se aqueles que fazem o mercado a prazo se aproximam do preço do prazo a contado, é evidente que a praça tem confiança em situação melhor.
O que é que se dá actualmente?
Dá-se que o mercado a prazo tem a sua cotação muito baixa e nalguns dias igual á cotação de contado.
Evidentemente, isto não revela senão um acto de confiança.
É claro que isto pode ser desagradável.
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a quaisquer pessoas; mas eu entendo que quem pensa daquela forma pensa bem, porque efectivamente os factos revelam que a situação tende a melhorar e deve melhorar até pelo aumento de cobrança de receitas do Estado que só tem traduzido numa valorização muito apreciável.
Evidentemente que a maior colheita de receitas relativamente aos meses já decorridos comparada com a dos meses do ano económico, transacto é devida não só à passagem de contribuições já começadas a executar em anos anteriores e quê necessàriamente têm um acréscimo natural, mas ainda à acção do Ministro das Finanças que activamente tem procurado fazer com que as cobranças se façam em condições do maior êxito para o Tesouro.
Apesar da desorganização das repartições de finanças, a importância das receitas cobradas até Fevereiro do corrente ano económico comparada com a cobrança efectuada no ano anterior, tem um aumento bastante considerável, talvez na importância de 73:000 contos, tomando em linha de conta apenas as antigas taxas e não aquelas que o Parlamento há pouco votou.
Devo ainda acrescentar que, nas contribuições a que fiz referência, não estão incluídas as receitas alfandegárias e tantas outras, porque, nesse caso, a receita elevar-se há a cêrca de 206:000 contos.
Sr. Presidente: eu quero afirmar à Câmara que a obra do Govêrno tem sido no sentido de equilibrar o Orçamento, o qual tem duas verbas importantíssimas, que são a verba em escudos e a verba em ouro. Foi por êste motivo que ò Govêrno entendeu dever actualizar determinados emolumentos, como, por exemplo, os consulares, que são em ouro, e é em receitas desta natureza que importa actuar.
Quem compulsar o Orçamento verificará que as receitas em ouro ao câmbio de 141$50, são de 28:000 contos, e que as despesas, também em ouro, são de 66:000 contos.
Devo dizer que a acção do Govêrno tem-se exercido no sentido de elevar as receitas em ouro de maneira a anular a influência da desvalorização do nosso escudo.
É tam importante ela foi, que tendo o Orçamento sido apresentado com um de-
ficit de 333:000 contos, êle já está em 371:000 por virtude da desvalorização da nossa moeda.
Este é um dos pontos para que chamo a atenção da Câmara, porque o considero de importância capital.
Sr. Presidente: já que falei em Orçamento, permita-me V. Exa. que diga que não é desinteressante votar uma verba que em tempos foi aqui apresentada pelo Sr. Portugal Durão. E isto com vista ao Sr. Carvalho da Silva.
Interrupção do Sr. Carvalho da Silva.
Fazendo o apanhado dêsses números, verifica-se que no Orçamento actual, com as rectificações feitas posteriormente, as receitas estão avaliadas em 6.000:000 de libras e as despesas em 8.900:000 libras.
Se observarmos o Orçamento de 1913-1914, vê-se que as receitas são 12.000:000 de libras e a desposa 12.000:000 de libras, isto é, o Orçamento equilibrado, o que já não sucede em 1915-1916.
Notam-se dois factos muito interessantes: primeiro que as despesas pela acção do Ministro das Finanças e do Parlamento desceram de 12.000:000 de libras a 10.000:000; segundo, que as receitas que eram de 9.000:000 de libras, apesar da acção do Parlamento é da acção dos Ministros, não conseguiram ir senão a 9.000:000 de libras.
Isto não vem senão provar a afirmação, de há muito-feita, de que há serviços excessivamente dotados e há funcionários regaladamente pagos.
É ilógico que tendo o Orçamento de 1913-1914 uma despesa de 12.000:000 de libras, o Orçamento que havemos de discutir não tenha a mesma importância como despesa; é absolutamente absurdo, porque apesar das economias feitas essas deduções só se poderia dar num excesso de despesas criadas além de 1914.
Estamos efectivamente: em face de uma cousa que aliás tem sido contestada por todos os Ministros e por todos os contribuintes que não se paga ao Tesouro Público aquilo que se deve pagar.
E é fácil demonstrá-lo.
O exame de qualquer dás contribuições e da forma como as taxas são lançadas, demonstra de uma maneira bem patente quam diferente é o critério adoptado em relação a outros países, mesmo de moeda porque as percentagens
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quási não representam senão 50 por cento daquilo que se cobra e se exige.
E por isso que as taxas entre nós são consideradas elevadas, comparativamente com outros países em que as taxas serão menores, mas a cobrança é exacta.
Se V. Exas. quiserem analisar um trabalho publicado por uma personalidade inglesa, de que me não recorda o nome, livro muito conhecido e que está traduzido em francês, nele encontrarão a apreciação da produtividade dos impostos em diversos países.
Não vem lá indicado Portugal, mas vêm consignadas a Itália e a França, verificando-se que a Itália se aproxima de nós porque as percentagens são elevadíssimas e a cobrança em relação a essas percentações é insignificante.
Para concluir as minhas considerações a este respeito, direi que nesta hora o plano ainda é o mesmo: criação de receitas e a melhor cobrança delas, para que seja possível aumentar os réditos do Estado.
Sr. Presidente: a propósito do empréstimo de 6,5 por cento, já tive ocasião, em resposta ao Sr. Vitorino Guimarães, de expor as razões que levaram o Govêrno, especialmente o Ministro das Finanças, a adoptar a medida que adoptou.
Não vi que o Sr. Barros Queiroz produzisse argumentos diferentes dos que foram produzidos pelo Sr. Vitorino Guimarães.
Como já tive ocasião do dizer, perante os interêsses do Estado muitas vezes os interêsses particulares cedem.
Embora a fé dos contratos tenha todo o valor não deixa por vezes de ser protegida por actos, tanto do Poder Executivo, como do Poder Legislativo.
A situação contratual garantida pelas leis e pelos Códigos deixa muitas vezes de ser respeitada, como por exemplo a que diz respeito às relações entre senhorios e inquilinos, que foi destruída por uma penada do Poder Executivo, não tendo aliás levantado celeuma.
E contudo quebraram-se os contratos, quebrou-se a garantia que o Estado tinha dado aos contratantes, em procura naturalmente de interêsses superiores que o Estado considerou, e que foram de tam alta consideração que a Assemblea Legislativa não os apreciou, considerando-os antes como matéria necessária.
É assim é que está prosseguindo a discussão no Senado dum diploma que mais não é que o acrescentamento de garantias que todos supõem ser necessário introduzir numa legislação.
A Câmara, que é soberana, analisará largamente o assunto, e decerto o resolverá da maneira mais adequada aos interêsses do Estado e aos interêsses da colectividade.
Por mim, por aquilo que até hoje posso reconhecer como feito, não tenho senão a louvar-me intimamente, embora êste louvor seja meramente meu, não podendo contar com o do Sr. Barros Queiroz; mas eu honro-me de o ter praticado; e, até hoje, àparte os ataques que tenho sofrido no Parlamento, ainda não recebi senão aplausos até de portadores de volumosas quantias dôsse empréstimo que achavam a medida aceitável, e alguns dêles até a acharam justa.
Mas, repito, o Parlamento resolverá no seu alto critério, tomando uma decisão que decerto será a mais perfeita, em conformidade com os interêsses do Estado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: tendo pedido a palavra sôbre a ordem, começo por enviar para a Mesa a moção que os preceitos regimentais me mandam apresentar.
Sr. Presidente: tive o cuidado de não incluir na minha moção quaisquer afirmações que, representando o sentir dêste lado da Câmara, não pudessem estar de acordo com o pensamento da maioria desta casa do Parlamento.
A maioria desta casa do Parlamento vai ter ensejo de dizer ao País se, concedendo ao Govêrno a autorização constante da lei n.° 1:545, tinha ou não em vista dar ao Sr. Presidente do Ministério a autorização precisa para êle reduzir os juros dós títulos do novo fundo consolidado de 6,5 por cento.
A maioria vai, portanto, ter ensejo de dizer ao País se, quando há sete meses apelava para todos os portugueses para que subscrevessem para o novo empréstimo, tinha em vista que poucos meses depois fossem reduzidos os juros, faltando-se assim aos compromissos tomados com os portadores dos títulos.
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Presto assim um serviço à maioria parlamentar que tomou um compromisso para com o País, e que vai conceder ao Govêrno autorização para faltar a êsse compromisso.
Existem razões para os termos da minha moção.
Não posso deixar de me referir ao que vejo hoje nó jornal O Século que diz que o Sr. Vitorino Guimarães pensa em retirar o seu projecto e que S. Exa. o faz para não levantar dificuldades, embora isso seja tardiamente.
O Sr. Vitorino Guimarães (interrompendo): — Se V. Exa. mo dá licença, eu digo que não pensei, não penso, e julgo não pensarei em retirar o meu projecto.
O Orador: — Folgo muito com a declaração de S. Exa.; mas O Século já dizia que falava em nome da maioria, pois que a maioria estava de acordo com essa resolução.
Sr. Presidente: dito isto, vou referir-me ao discurso do Sr. Vitorino Guimarães, pois que é necessário analisar as responsabilidades de todos num caso desta ordem.
Começou S. Exa. por frisar que êste Parlamento, tendo votado o empréstimo, o que não era indiferente, tinha portanto que manter as características do empréstimo.
Era um empréstimo em ouro e o Sr. Ministro das Finanças transformou-o em escudos.
Os juros eram em ouro e foram também transformados em escudos.
Nós, dêste lado da Câmara, combatemos êsse empréstimo, acompanhados pela minoria nacionalista, que, a certa altura, se voltou contra nós, que queríamos evitar que se votasse de afogadilho uma medida desta ordem.
Disse o Sr. Vitorino Guimarães que, em determinado país, tinham sido necessários sete anos para se ver o resultado de uma determinada medida, e que em Portugal, passados sete meses, tinha já sido alterada a sua obra.
Na verdade sete meses foi o bastante para ver os resultados da obra de S. Exa.
Um dos argumentos por nós apresentado era que o Estado para resolver a situação financeira precisava lançar mão de
duas medidas: uma, a redução das despesas, e a outra era a atracção do capital para fortalecer a confiança indispensável.
Dizíamos nós também que era um êrro o juro muito grande, porque se tornaria impossível o pagamento e o crédito externo ficaria abalado, porque, se dentro do País o Estado só poderia obter dinheiro a tam exorbitante juro, o que não seria se tivesse que recorrer ao crédito externo?
Dissemos nós também que essa operação podia ser substituída por uma conversão da dívida interna numa dívida consolidada.
Se nós analisarmos o estado da dívida fluctuante nós vemos que os números nos estão a dar inteira razão.
Na nota ultimamente publicada encontram a dívida em 275:000 contos a vencer um juro de 10 por cento.
Esta operação só por si basta para definir o que tem sido a administração republicana e a obra do Govêrno do Sr. António Maria da Silva.
Para receber 19:000 contos paga o Estado 32:500 de juros, anualmente.
Não conheço desastre mais completo do que êste a que nos conduziu a obra financeira do Sr. Vitorino Guimarães. Um autêntico desastre, quer material, como acabo de demonstrar à Câmara, quer moral pela quebra de compromissos a que o Estado se havia obrigado para com os seus credores, quebra de compromissos que, reflectindo-se interna e externamente de uma maneira verdadeiramente nefasta, acabou por aniquilar o resto de crédito que, porventura, o país ainda pudesse ter.
Dissemos, nós, dêste lado da Câmara, que uma das conseqüências do empréstimo de 6,5 por cento seria, fatalmente, a elevação, dum modo geral, da taxa de juro»
Os factos vieram comprovar inteiramente a verdade do nosso, aliás fácil, vaticínio. E assim êsse empréstimo tornou-se desastroso não só para o Estado, mas ainda para a situação económica do país, constituindo mais um factor do encarecimento da vida.
Além disso êste empréstimo que foi lançado para ocorrer à situação aflitiva do Tesouro veio destruir toda a fortuna particular do país. E se é certo que apri-
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meira preocupação dum Govêrno deve ser a de aumentar a matéria colectável, a verdade é que o famoso empréstimo de 6,5 por cento não veio senão deminuir e consideràvelmente a matéria colectável de que o Estado poderia socorrer-se.
Não teve, portanto, uma única vantagem o chamado empréstimo rácico a que já agora poderia chamar-se, certamente com muito mais propriedade, o empréstimo de má raça.
Verificando q janto êle foi contrário aos interêsses não só do Estado mas de economia geral do pais, não posso deixar de dizer que o Sr. Vitorino Guimarães teve o cuidado no seu discurso de dizer que o que mais o fazia revoltar era a singularidade da medida. Quero dizer S. Exa. que, se porventura não fôsse acompanhada essa medida de uma redução dos juros da dívida externa ou da dívida do Estado, não teria solução de continuidade. E então ocorro preguntar:
Como é que um Partido em cujo nome S. Exa. decerto falou, que tem maioria parlamentar, que tem sentado nas cadeiras do Poder um Govêrno que não só, como S. Exa. disse, está a alienar os restos do património nacional, mas mais do que isso, que tem a situação do Tesouro que o impossibilitava de pagar aos credores o que deve pagar, como é que êsse partido, essa maioria parlamentar pode permitir que continue nas cadeiras do Poder êsse mesmo Govêrno, que não procura, acima de tudo, reduzir as despesas do Estado para ter autoridade de dizer aos credores do Estado que lhes não pode pagar?
S. Exa. reconhecendo que essa situação moral do Estado era verdadeiramente desastrosa, não abre campanha contra êsse Govêrno! Reconhece que êle de nenhuma maneira pode fazer obra nacional, é absolutamente incompatível com a honra nossa e dignidade da Nação.
Sr. Presidente: disse o Sr. Vitorino Guimarães, logo do início, que quando a medida foi promulgada, pensou em levantar aqui a questão. Não o fez porque pertence a um partido que prometeu apoio a um Govêrno.
Cousa extraordinária é esta! Então apoios a Governos dão-se por prazo determinado ou conforme a acção dêsse Govêrno merece ou não êsse apoio?
O princípio defendido por S. Exa., ou antes, a explicação que S. Exa. procura encontrar para a situação que tem mantido durante tantos meses depois da comissão do empréstimo...
O Sr. Presidente: — E a hora de passar-se ao período de antes de se encerrar a sessão.
V. Exa. deseja ficar com a palavra reservada?
O Orador: — Agradeço a V. Exa. A Ficarei.
O orador não reviu.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: depois do desmentido formal do Sr. Presidente do Ministério, feito nesta casa, das palavras não tam formais, antes pouco precisas, do Sr. Ministro da Marinha no Senado, a verdade é que voltou à imprensa, com insistência demasiada e sem que qualquer desmentido oficial se fizesse, a notícia da projectada viagem do Sr. Presidente da República aos Açores e Madeira.
Ao mesmo tempo, vi também na imprensa sem que houvesse também qualquer desmentido — a notícia do que o aviso õ de Outubro estava sofrendo importantes e caras reparações, destinadas a aumentar o seu luxo e conforto, com o fim — dizem uns — de o transformar em iate presidencial, com o fim — dizem outros - de o aprontarem para a referida viagem do Sr. Presidente da República aos Açores o Madeira.
Diz-se também que o Sr. governador civil da Horta, cuja chamada a Lisboa tanta estranheza causou ao Sr. Carlos Pereira, era devida — não que S.Exa. o dissesse, mas é o que se diz — à necessidade de o Govêrno tratar com êle da viagem do Sr. Presidente da República aos Açores.
Esta repetição da notícia, a insistência dela divulgada nos jornais republicanos, fez trazer ao espírito público a convicção do que, realmente, o Sr. Teixeira Gomes, Presidente da República, deseja e está no propósito de realizar essa viagem, o que necessàriamente trará despesas que o Tesouro Público não pode comportar.
Já se estão fazendo despesas para o conforto do aviso ô de Outubro, sendo
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certo que tais melhoramentos eram desnecessários porque o navio não os necessita, e representam uma conta calada.
Peço ao Sr. Ministro da Marinha, a quem presto a minha homenagem, porque S. Exa. tem dado provas duma correcção digna de registo, o favor de me dizer se é verdade que o Sr. Presidente da República pensa, 9 o Govêrno concorda, na anunciada viagem de S. Exa. aos Açores e Madeira, e se é 'verdade que o aviso ô de Outubro está sofrendo importantes reparações para êsse fim.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Marinha (Pereira da Silva): — Respondendo às preguntas do Sr. Paulo Cancela de Abreu direi, quanto ao aviso ô de Outubro, que êle está sendo aprontado simplesmente para o serviço topográfico da costa, e terá .de sair na primeira quinzena do mês de Maio para êsse serviço.
Não tenho nem tive nenhuma indicação de que o Sr. Presidente da República pretende fazer qualquer viagem, nem êste assunto foi tratado em Conselho de Ministros.
O que é certo é que tal assunto não foi discutido nem recebi instruções que lhe digam respeito. O navio tem estado a fazer importantes reparações e fabricos necessários para o desempenho da comissão de serviço que, como já disse à Câmara, vai ser realizada.
Estava num estado que não era conveniente para o conforto de qualquer viagem, e também para o próprio navio que carecia de reparações importantes.
Eis o motivo porque essas obras se intensificaram e o pessoal de bordo interpretou, talvez mal, as intenções dessas obras.
Assim se propalou uma opinião, que não é exacta.
Não se está aprontando para viagem do Sr. Presidente da República.
O navio está-se aprontando para sair na primeira quinzena, do mês de Maio, para desempenhar as suas funções.
Não tenho nenhuma indicação para que, qualquer barco se apronte para uma viagem presidencial.
É o que posso informar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: a situação criada pela greve dos padeiros pode conduzir-nos a sérios casos de alteração da ordem pública. De facto, é muito grave que a população de Lisboa esteja privada de pão, que é um alimento-principal.
Como Deputado por Lisboa não posso deixar de referir-me ao assunto, pois não quero trair o meu mandato.
Desejo que o Sr. Ministro da Agricultura me diga porque é que o Govêrno, tendo conhecimento há poucos dias de que ia dar-se esta greve, não tomou as providências necessárias para se evitar a falta de pão.
Se algumas medidas tomou foram insuficientes, como os factos o comprovam.
Ante a ausência de medidas eficazes, eu lavro o meu protesto, pedindo ao Govêrno que adopte as medidas precisas para que o pão não continue faltando.
Sr. Presidente: esta situação é grave; e eu não desejo acirrar a questão. Mas, se sou contrário a qualquer alteração de ordem, não quero todavia deixar de me ocupar dêste assunto, para dizer que o Govêrno tem graves responsabilidades no que se está passando com a população de Lisboa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Agricultura (Joaquim Ribeiro): — Sr. Presidente: em primeiro lugar, desejo afirmar que o Govêrno tomou todas as medidas.
A greve não foi só em Lisboa, mas estendeu-se a vários pontos do País, o que impediu o Govêrno de fabricar o, pão em quantidade necessária.
Devo acrescentar que dia a dia, o número de rações fabricadas têm aumentado, bem como o número de padarias ocupadas.
Sr. Presidente: apesar de outras, classes se terem também declarado em greve, o Govêrno tem tomado as devidas providências e mais algumas ainda tenciona tomar, mesmo para que se averigue quais as origens e fins do movimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: — Sr. Presidente: parecerá à primeira vista que as,
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considerações que vou fazer, e para as quais chamo a atenção dos Srs. Presidente do Ministério e Ministro do Interior, não serão da competência do Parlamento nem do Govêrno. Mas, tratando-se de um assunto da mais alta importância e gravidade que pode pôr em cheque a República, ficaria mal com a minha consciência se não elucidasse a Câmara de factos que estão narrados no jornal A Tarde.
Embora essa crítica fôsse do domínio público a sua afirmação feita publicamente torna-a mais grave.
A notícia em questão é a seguinte:
Leu.
Pelo que a Câmara acaba de ouvir não são descabidas as preguntas que eu faço ao Govêrno sôbre só êle tem de se manter indiferente em face dêste conflito, pois com êste conflito a República pode ainda passar horas amargas e pode até perigar.
Esta questão é grave e afigura-se-me que o Govêrno, pelo amor que tem às instituições republicanas, não pode ser indiferente a êste conflito.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso): — Ouvi com atenção as considerações feitas pelo Sr. António Correia; mas não posso acompanhar S. Exa. nos seus desejos.
S. Exa., como Deputado, pode e tem o direito de levantar qualquer questão; mas o Govêrno não pode intervir num conflito entre uma empresa e os seus funcionários.
O público já está elucidado; êle que resolva como entender.
O público que já hoje leu a carta dos redactores do Diário de Notícias é que pode julgar.
O Govêrno é que não pode intervir no assunto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: as minhas considerações referem-se precisamente ao mesmo facto apontado pelo Sr. António Correia.
Sr. Presidente: sei que não é permitido ao Govêrno invadir aquilo que se chama propriedade literária; no emtanto o caso
e com uma empresa jornalística que tem o seu pessoal.
É portanto uma questão operária, não ficando pois mal ao Govêrno entrar no caso.
Não basta estarmos lutando com a greve dos padeiros e outras, tendo o Govêrno que atender à ordem pública.
Vê-se ainda um jornal importante ser também um elemento de perturbação. O Govêrno deve procurar promover a harmonia nessa empresa.
Mas fora dêste aspecto da questão, ainda há outro a atender; pois pelo que se diz na referida carta, nesse jornal é exercida a censura, não se permitindo a publicação de certos artigos, o que pode afectar os interêsses da Nação.
Isto pode influir na orientação de ordem, sossêgo e confiança, que todos devem estar, convencidos disso — é necessário que existam na República.
Tudo ali é censurado; e, então, essa faculdade deixa de ter o aspecto de um; direito, para ser um abuso de alguém que quere alimentar a insânia de muitos desvairados.
O Govêrno deve intervir, e não é necessário que eu lhe indique os meios de o fazer.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Sá Pereira: — Sr. Presidente pedi a palavra para me ocupar do mesmo facto que foi discutido pelo meu colega e amigo, Sr. António Correia, e pelo Sr. Carlos Pereira.
Não podia deixar de o fazer, porque fui alarmado lendo o jornal A lorde, que insere uma carta que vem perturbar a nossa sociedade, e que se refere a amigos meus pessoais, por quem tenho a maior consideração.
Essa carta mostra que êles estão dispostos aos maiores sacrifícios para firmarem 41 sua honra, o que prova que, acima» de tudo, são cidadãos honrados e que não> se prestam a servir os interêsses da Moagem.
Apartes.
Ainda que não fôsse por mais nada, eu entendo que devia prestar a minha homenagem a homens que tenho na mais alta conta, pelo seu carácter e inteligência.
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Mas, fazendo tudo isto, há alguma cousa mais grave, e por isso o Govêrno não pode dizer que o caso lhe é indiferente: é que se trata dum conflito entre uma empresa jornalística e os servidores dessa empresa.
Apoiados.
O caso é mais lato. Os Srs. Ministro do Interior e Presidente do Ministério ainda não leram tudo quanto se contém nessa carta. Nessa carta diz-se que se pretende publicar artigos que podem acarretar para a nacionalidade portuguesa graves responsabilidades de natureza política.
O que significa isto? Então a Moagem, que já nos rouba com o pão que nos fornece, então a Moagem, que nos envenena, não satisfeita com isto, quere ser a dona do país, depois de se apoderar dos jornais?
Então a Moagem, por meio dos seus jornais, quere ter no Poder, Govêrnos da sua feição que se amoldem a favor dos seus interêsses?
Apoiados.
Protesto contra isto.
Muitos apoiados.
Há mais: estou informado de que, como censor dêsse jornal, se pretende pôr um homem que é inimigo das instituições — que é um jesuíta.
Portanto, êstes casos são para averiguar, e o Govêrno não pode declarar que lhe são indiferentes.
Apoiados.
O Sr. Carvalho, da Silva: — A Câmara sabe bem quantas vezes tenho levantado? essa questão, para Verberar êsses factos que agora vêm a público,
Sabe-se bem que nós não consideramos monárquico absolutamente ninguém que não seja merecedor disso. No tempo da monarquia nunca V. Exa. ouviu dizer a um Ministro, num banquete, que o director de qualquer jornal era merecedor da gratidão de todos os republicanos, pelos serviços prestados ao regime.
O Orador: — V. Exa. não ouviu o que eu disse.
É bom não envenenar as palavras que profiro.
Não digo que os monárquicos queiram servir interêsses ilegítimos.
O Govêrno não terá absolutamente nada com o facto escandaloso que surgiu entre a empresa do Diário de Noticias e os seus redactores; mas os homens que escrevem num. jornal merecem toda a nossa simpatia, respeito e consideração.
Apoiados.
Sendo o Sr. Ministro do Interior responsável pela ordem pública, pregunto se o Govêrno já averiguou se a Moagem tem ou não responsabilidade na greve, que está fazendo com que o povo de Lisboa se debata na fome, acontecendo o mesmo em Coimbra e no Pôrto.
Então o Govêrno não tem de intervir perante aqueles que estão fomentando a desordena pública e insinuam que estão provocando revoluções para poderem mais à vontade meter as garras aduncas nos cofres públicos?
O Govêrno não pode ficar indiferente perante êstes factos.
Apoiados.
O Govêrno não pode deixar de intervir perante aqueles que querem desorientar a opinião pública.
Apoiados.
O Govêrno não pode ficar indiferente perante os que querem converter a sociedade portuguesa num campo aberto à reacção e aos manejos dos inimigos do regime.
Não censuro o Govêrno, mas aproveito o ensejo para dizer à Moagem que está atirando: achas para a fogueira, e que se a situação da sociedade portuguesa se complicar, se o Governo tiver de ser substituído, o será por um Govêrno menos receoso e mais audacioso, para fazer a requisição de certas emprêsas jornalísticas que oferecem verdadeiro perigo público.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério (Álvaro de Castro): — O Sr. Ministro do Interior já explicou a situação do Govêrno.
As leis actuais não consentem ao Govêrno intervir num conflito dessa natureza.
Se efectivamente os redactores que entraram em greve ou em luta com a Empresa se tivessem dirigido ao Govêrno por qualquer maneira, como, aliás, outras entidades muitas vezes em greve ou em luta com os seus patrões se lhe dirigem
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a fim de pedirem a sua intervenção, o Govêrno tê-lo-ia feito.
O Govêrno não tem neste momento, repito, lei alguma que o autorize a intervir neste conflito no sentido exposto pelo Sr. Sá Pereira.
O Sr. Sá Pereira: — Mas no que respeita à ordem pública pode intervir.
O Orador: — Vejo realmente que a Empresa sujeitava os redactores que se encontravam dentro do Diário de Noticias a uma determinada censura. É uma forma de organizar um jornal, censurar os artigos a publicar; mas do que não resta dúvida é que se trata duma censura de interesse particular.
O Sr. Sá Pereira: — E o interêsse público?
O Orador: — O Govêrno não disse que deixava de cuidar dele e como tem, na verdade, meios para actuar, se fôr necessário, não deixará de o fazer.
No caso concreto em que nos encontramos, que é uma greve de fabricantes de pão, constata-se o seguinte facto: efectivamente tem-se espalhado e propalado que determinadas emprêsas procuram fomentar a greve. Por emquanto o Govêrno não tem elementos seguros para dizer quem fomenta a greve.
O Sr. Tavares de Carvalho: — V. Exa. tem conhecimento de que os moageiros já se meteram nos seus automóveis e estão a caminho do estrangeiro?
O Orador: — Não tenho conhecimento disso. O que sei é que ainda ontem estive telefonando para alguns directores dessas empresas estivo eu próprio em algumas padarias e verifiquei que alguns estavam cá. Mas vamos por partes.
Há falta de pão em Lisboa em virtude de não haver quem o fabrique; e quem não fabrica o pão são as padarias, independentes que nada têm com essas entidades: são padarias a quem o Govêrno tem dado todo o sou apoio, toda a possibilidade de trabalhar, guardando-as militarmente, não tendo isso dado resultado porque os padeiros que servem nessas padarias não tem querido fabricar pão.
A acção do Govêrno não tem deixado de se exercer junto dessas emprêsas afim do se conseguir o fabrico do pão.
A Empresa de Alimentação de Santo Amaro, tendo a sua fábrica ainda incompleta, fabricou nos dias de ontem e de anteontem qualquer cousa como 70:000 ou 80:000 pães.
A Companhia Aliança sofreu um desarranjo nas suas máquinas que se está averiguando se foi resultado de qualquer acto de sabotage. E não há mais nenhuma.
O Govêrno não tem neste momento elementos para dizer à Câmara que a greve seja um movimento derivado de quaisquer intuitos de ordem política, agitada por quem quer que seja'; é um fenómeno que por vozes se dá em determinados serviços.
Se o Govêrno, porventura, reconhecer que é um perigo para a República, para o estado social em que aos encontramos, o Govêrno tem de fazer o que precisa fazer: enfrentar sem hesitar um momento, ver se as entidades que estão à frente da Empresa são pessoas de categoria moral.
Então não hesitará, repito, um momento.
O Parlamento deverá estabelecer uma legislação a êsse respeito. Não é preciso chegar-se à conclusão de que determinada empresa assim proceda.
Cada jornal tem a sua feição própria e particular.
No caso particular de que se trata, é preciso provar que a empresa que constitui o Diário de Notícias ataca a República nos seus fundamentos.
Se há nação onde haja a liberdade de dizer tudo é Portugal.
Não podemos deixar de reconhecer que essa liberdade existe completa; mas que também são consentidos os ataques ao próprio regime que defendemos...
O Sr. Carvalho da Silva: — Não é favor nenhum; é uma disposição da Constituição.
O Orador: — Não estamos em faço de factos duma gravidade extrema. São graves, sim, porque revestem a circunstância de revolta e agitação que só dá na cidade de Lisboa.
Estamos num momento difícil para a República.
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A República tem todas as condições de vida. Se alguém se manifestar contra as condições sociais existentes, o Govêrno actuará inexoravelmente, na certeza de atingir os que efectivamente mereçam castigo.
O orador não reviu.
O Sr. Vasco Borges: — Com efeito esta questão reveste um aspecto de ordem privada e ainda outro que não pode deixar de politicamente impressionar todos.
O aspecto de ordem privada manifestou-se num conflito resultante da maneira como a empresa particular entende que deve dirigir a vida interna da sua casa.
Mas há o outro aspecto, que não pode deixar de impressionar a todos nós, Deputados, a todos quantos intervêm na vida política portuguesa.
Há os que procuram servir-se da imprensa para fins inconfessáveis.
O conflito é entre os jornalistas e entre os leitores.
Há elementos que pretendem servir ilegitimamente os seus interêsses. Querem
Que toda a imprensa esteja ao seu serviço.
Êste aspecto da questão teria, certamente, menos gravidade num pais em que houvesse uma opinião pública consciente capaz de assimilar ou repudiar o que nessa imprensa se dissesse; mas num país como o nosso, em que a opinião pública é aquilo que os jornais querem que seja, esse aspecto reveste uma importância capital para a República e para a Nação.
Muitos apoiados.
Bom foi que esta questão tivesse sido aqui levantada para que o País saiba em que termos de inconfessabilidade se redigem muitos dos jornais de Lisboa. O que a empresa do jornal o Diário de Noticias se propunha fazer era produzir, encapotadamente, o bom e o mau tempo dentro da República (Apoiados) e era por isso que se ponha o corpo de redactores dêsse jornal em completa incomunicabilidade.
Sr. Presidente: afirmo-o com absoluta sinceridade e convicção: prefiro mil vezes os ataques, por mais violentos que sejam, dos adversários da República do que o apoio e a adulação daqueles que à sua sombra procuram locupletar-se com os
dinheiros do Estado e que nenhuma dúvida põem em o atraiçoar, desde que isso
melhor possa servir aos seus interêsses.
Apoiados.
Eu sei que não está nas atribuições do Govêrno intervir desde já. Uma cousa, porém, há que êle pode começar a pôr em prática desde êste momento não confiar o seu prestígio aos elogios que lhe possam ser feitos por essa imprensa...
O Sr. Presidente, do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Nunca tive relações com essa imprensa, nem com qualquer outra. O Govêrno não precisa de elogios dela porque tendo, feito sempre uma obra profundamente, republicana, o aplauso de todos os republicanos lhe basta.
O Orador: — O Govêrno tem de defender o País dessas entidades, como dos piores inimigos do Estado. A propósito da atitude dos redactores do Diário de Notícias, o Sr. Presidente do Ministério empregou a palavra «greve». Ora, como não se trata de uma greve, eu discordo de S. Exa. e peço-lhe que rectifique essa palavra, que não é aqui cabida.
Concluindo, endereço as minhas homenagens à atitude patriótica que os redactores do Diário de Noticias assumiram perante os potentados que queriam escravizar a sua acção.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente dó Ministério e Ministro das finanças (Álvaro de Castro): — Cumpre-me declarar que não tive nenhum intuito desprimoroso para com os jornalistas, empregando a palavra «greve».
Tenho mesmo entre êles alguns amigos-pessoais.
Acho que fazem bem, lutando pela liberdade de pensamento.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, com uma ordem dos trabalhos.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas.
O REDACTOR—João Saraiva.