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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 8O
EM 9 DE MAIO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João Vitorino Mealha
Sumário.— Aberta a sessão com a presença de 41 Srs. Deputados, lê-se a acta da sessão anterior e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Tavares de Carvalho ocupa-se da questão das estradas e pede providências, tratando também de outros assuntos.
O Sr. Ministro do Comércio (Nuno Simões) responde ao orador.
Entra em discussão o projecto n.° 617 que cria uma nova época de exames para os alunos de direito, em determinadas condições.
Sôbre a generalidade, usam da palavra os Srs. Paulo Cancela de Abreu, António Correia, Ministro da Instrução (Helder Ribeiro), Pedro Pita e Hermano de Medeiros e, de novo, o Sr. Ministro da Instrução.
O projecto é aprovado na generalidade.
Na especialidade, é aprovada uma proposta de substituição, apresentada pelo Sr. Pedro Pita, ao artigo 1.°
É aprovada -uma proposta, de eliminação do artigo 2.°, apresentada pelo Sr. António Correia.
É aprovado o.artigo 3.°
É dispensada a leitura da última redacção.
È aprovada a urgência a dispensa do Regimento para um projecto de lei do Sr. Tavares de Carvalho.
É aprovado o projecto sem discussão.
O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins) comunica à Câmara as providências que tomou em face das acusações que contra o Ministério das Colónias formulou na imprensa o general o Sr. Gomes da Costa.
O Sr. Tôrres Garcia reclama contra f actos ocorridos na Universidade de Coimbra e que considera contrários à neutralidade do Estado e ao prestigio da República.
O Sr. Ministro da Instrução (Helder Ribeiro) promete nomear para a reitoria da Universidade de Coimbra alguém que impeça os inconvenientes apontados pelo Sr. Tôrres Garcia.
O Sr. Lelo Portela, tem a palavra para explicações relativas às declarações do Sr. Ministro das Colónias.
É aprovado em contraprova um requerimento do Sr. Tôrres Garcia para que entre em discussão o parecer n.° 654, na sessão imediata.
É aprovada a urgência para uma proposta do Sr. Ministro da Instrução (Helder Ribeiro).
O Sr. João Camoesas requere a urgência e dispensa do Regimento para um projecto de lei apresentado por êle na sessão anterior.
Sôbre o modo de votar usa da palavra o Sr. Jorge Nunes.
O Sr. Jaime de Sousa requere que se consulte a Câmara sôbre se consente que se vote, separadamente, a urgência e a dispensa requeridas pelo Sr. João Camoesas.
Aprovado.
É aprovada a urgência.
É rejeitada a urgência, em prova e contraprova.
O Sr. Jaime de Sousa requere para tratar, em negócio urgente, do Congresso Colonial.
Os Srs. Jorge Nunes e Jaime de Sousa têm a palavra para interrogar a Mesa.
O Sr. Jorge Nunes tem a palavra para explicações.
Responde-lhe o Sr. Presidente.
É aprovado o requerimento do Sr. Jaime de Sousa.
O Sr. Jaime de Sousa propõe uma saudação ao Congresso Colonial.
Associam-se ao voto proposto, e que é aprovado, os Srs. Cancela de Abreu, Jorge Nunes, António Correia, Lino Neto e Presidente do Ministério (Álvaro de Castro).
Ordem do dia. — Prossegue o debate sôbre a interpelação Vitorino Guimarães.
Usam da palavra os Srs. Jorge Nunes e Carlos Pereira que apresentam moções.
Sôbre a votação da admissão da moção do Sr. Carlos Pereira, o Sr. António Maia requere a contraprova, que confirma a aprovação.
Usam da palavra sôbre a matéria da ordem os Srs. Carvalho da Silva e António Faria da Silva.
Antes de se encerrar a sessão. — O Joaquim Brandão defende a manutenção do de Setúbal, com a categoria de central.
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Responde-lhe o Sr. Ministro da Instrução (Helder Ribeiro).
O Sr. Paulo Cancela, de Abreu ocupa-se da greve dos transportes.
Responde-lhe o Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso).
O Sr. Dinis da Fonseca dirige alguma prepunta sôbre liberdade de consciência ao Sr. Ministro da Instrução, que lhe responde.
O Sr. Portugal Durão, ocupa-se do manifesto do Comissariado dos Abastecimentos, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Agricultura.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.
Abertura da sessão, às 16 horas e 20 minutos.
Presentes à chamada 41 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Lelo Portela.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva
António Resende.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale»
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Cândido Pereira.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Salema.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira Salvador.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nano Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Vergílio Saque.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto de Moura Pinto.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António de Sousa Maia.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Delfim Costa.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco da Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
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José Carvalho dos Santos,
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel Ferreira da Rocha.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Pedro Góis Pita.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vasco Borges,
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Não compareceram os Srs.:
Abílio Correia da Silva.
Afonso Augusto 4a Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Américo da Silva Castro.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Mendonça.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Lança.
Augusto Pereira Nobre.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista de Silva.
João Estêvão Águas.
João Luís Ricardo.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vás.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Aberto Pinheiro dos Santos.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vitorino Henriques Godinho.
Às 15 horas principiou, a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 41 Srs. Deputados. Está aberta a sessão, Vai ler-se a acta. Eram 15 horas e Leu-se a acta. Deu-se conta do seguinte.
Ofícios
Do Ministério da Agricultura, satisfazendo ao requerido pelo Sr. Jorge Nunes e transmitido em ofício n,° 207.
Para a Secretaria.
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Da Câmara Municipal de Faro, pedindo a rápida discussão do projecto de lei sôbre estradas.
Para a Secretaria.
Da Associação dos Trabalhadores Rurais, pedindo amnistia para os presos por questões sociais.
Para a Secretaria.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de
Antes da ordem do dia
O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente: o Sr. Ministro do Trabalho, talvez por falta de tempo, não respondeu às preguntas que ontem lhe fiz acerca do caso do Lazareto.
Nesta conformidade aguardo que S. Exa. me preste as informações que solicitei.
Como está presente o Sr. Ministro do Comércio, chamo a atenção de S. Exa. para o estado em que se encontram as estradas.
Nesta Câmara está presente um projecto sôbre estradas, e, por êsse motivo, peço ao Sr. Ministro do Comércio que envide todos os seus esfôrços no sentido de êle entrar em discussão o mais ràpidamente possível.
No meu círculo as estradas estão intransitáveis, e a tal ponto que os proprietários de carros estão dispostos a concorrer com o duplo das contribuições.
Aproveito o ensejo para chamar ainda a atenção do Sr. Ministro do Comércio para o estado em que se encontram as carruagens dos caminhos de ferro do Minho e Douro e Sul e Sueste, e para enviar para a Mesa uma rectificação ao artigo 1.° da lei n.° 1470, pedindo para ela a urgência e dispensa do Regimento, pedido que V. Exa. submeterá à Câmara quando houver número.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comercio e Comunicações (Nuno Simões): — Sr. Presidente: o Govêrno, apesar de não encontrar em sua consciência motivo para, de qualquer modo, receber acusações e censuras, embora nem acusações nem censuras lhe dirigisse o Sr. Tavares de Carvalho, en-
tende que é útil que Deputados da maioria, com a persistência do Sr. Tavares de Carvalho, continuem a ocupar-se de problemas da magnitude daqueles que S. Exa. versou.
Nestas circunstâncias, só tenho que me felicitar por ver que todos os lados da
Câmara se unem aos clamores que de toda a parte chegam, para que se vote a proposta relativa a estradas.
Ninguém dentro desta Câmara tem mais desejo que eu de que essa proposta se discuta e vote.
Nas viagens que há pouco fiz pelo País tive ocasião de verificar e analisar o estado em que as estradas se encontram e de receber reclamações, as mais justas, acerca desta questão.
Quanto aos caminhos de ferro, devo dizer que êsse problema se acha mais ou menos ligado à questão das reparações, e o Govêrno está estudando o assunto, a fim de que êle possa ser resolvido a contento de V. Exa., que é, repito, o meu.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara.
O Sr. João Salema fez ontem um requerimento para que entrasse em discussão o parecer n.° 617, que cria uma segunda época de exames na Faculdade de Direito.
Vou pôr êste requerimento à votação.
Foi aprovado.
Foi lido na Mesa o
Parecer n.° 617
Senhores Deputados.— Considerando que a lei n.° 1:370, de 21 de Setembro de 1922, regulamentada pelo decreto n.° 8:578, de 8 de Janeiro de 1923, deixou apenas aos alunos das Faculdades de Direito, matriculados sob e novo regime, uma só época normal de exames em Julho;
Considerando que êsse facto coloca os referidos alunos num regime de excepção, porquanto a lei n.° 1:369, de 21 de Setembro de 1922, concedeu uma segunda época a todos os estabelecimentos de ensino secundário: Colégio Militar, Escola Central de Sargentos, escolas industriais e comerciais, Escola Colonial, estabelecimentos de ensino agrícola médio, Escola
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de Correios e Telégrafos, escolas normais primárias, escolas normais superiores e do admissão aos liceus, estando essa regalia também consignada no artigo 94.° dos Estatutos Universitários, no que se refere aos cursos superiores;
Considerando que a reforma anterior faculta aos examinandos nada menos de três épocas, tendo ainda os poderes públicos criado por duas vezes épocas extraordinárias ;
Considerando que é de toda a justiça que se coloquem os alunos, atingidos pela nova reforma das Faculdades de Direito, num pé de igualdade com todos os alunos do ensino secundário e superior, tanto mais que se encontram num apertado regime de freqüência, o que nada desvirtua o espírito da lei n.° 1:370;
Considerando que, por motivo de doença súbita ou manifesto mal estar, um aluno é obrigado a interromper o exame, caso êste que por não previsto pela lei n.° 1:370 implica a perda do ano;
Considerando que no difícil período da vida, que atravessamos, a perda de um ano importa um prejuízo enorme e irremediável;
Considerando que o número de alunos, que perderam o ano ou ficaram reprovados nos cursos do 1.° ano de 1922-1923 e entre êles alguns que haviam sido dispensados das provas escritas, em harmonia com a lei, tam seguras provas haviam dado do seu esfôrço é de «mais de dois terços» do número dos alunos matriculados nos referidos cursos das Faculdades de Direito de Coimbra e Lisboa;
Considerando que a realização da referida época de exames não acarreta encargos para o Estado, nem prejudica o regular funcionamento das aulas, desde que aos serviços escolares seja dada a orientação que em casos idênticos tem sido adoptada;
Considerando que nada justifica, portanto, as disposições estatuídas na base 3.a da lei n.° 1:370, de 21 do Setembro de 1922, regulamentada pelo decreto n.° 8:578, de 8 de Janeiro de 1923:
Tenho a honra de submeter à apreciação da Exa. ma Câmara o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É estabelecida uma segunda época de exames, em Outubro, para os
estudantes das Faculdades de Direito abrangidos pela reforma das mesmas Faculdades de 21 do Setembro de 1922, que tenham desistido na primeira época, ou nesta tenham sido reprovados, e ainda para aqueles que não tenham requerido exame dentro do prazo fixado para a primeira época e nela tenham satisfeito todos os requisitos legais ou por qualquer motivo não tenham concluído as provas de exames na época de Julho.
Art.: 2.° Excepcionalmente realizar-se há no próximo, mês de Março uma segunda época de exames para todos os alunos do 1.° ano, que no ano lectivo de 1922-1923, tenham ficado reprovados ou por qualquer razão não tenham concluído as suas provas.
§ 1.° Aos alunos abrangidos pelo presente artigo será facultada a matrícula condicional no 2.° ano e garantida do 1.° pela freqüência do ano lectivo de 1922-1923.
§ 2.° A organização e o funcionamento dos referidos exames far-se há em harmonia com as disposições estatuídas na nova reforma das Faculdades de Direito.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões, 26 do Novembro de 1923. — O Deputado, Alberto Ferreira Vidal.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: acho irregular e contra as praxes parlamentares que se discuta um assunto desta natureza sem que esteja presente o Sr. Ministro da Instrução. Parece--me que é indispensável que S. Exa. se pronuncie, a fim de que a Câmara possa orientar o seu voto.
Êste lado da Câmara tem toda a simpatia pelos estudantes e o melhor desejo de lhes ser agradável.
Todavia, como coloca acima de tudo os princípios, não pode dar o seu voto ao projecto em discussão.
É certo que em outras escolas existem duas épocas de exames, e só na Faculdade de Direito tal concessão não existe, mas então torna-se necessário alterar a legislação que regula esta matéria.
Eu sei que a Faculdade de Direito alega como razão principal da sua oposição os inconvenientes que isso traz para os serviços da Faculdade, e nós, pela razão
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que há pouco expus, não podemos dar o nosso voto ao projecto em discussão, sem que isto represente qualquer má vontade contra os estudantes.
Deixamos, pois, à responsabilidade da Câmara o voto que emitir.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: — Sr. Presidente: o projecto de lei em discussão merece á consideração de toda a Câmara. Não se compreende que seja a Faculdade dê Direito â única escola do país em que os alunos não têm duas épocas de exames: em Julho e na época extraordinária.
A Câmara concedeu uma segunda época de exames em Outubro para todos os estabelecimentos de ensino, escolas universitárias, industriais, comerciais e secundárias, ô por isso não seria justo que a Faculdade de Direito não tivesse também uma segunda época de exames. Por conseqüência, parece-me que a excepção para Os alunos da Faculdade de Direito não deve continuar.
V. Exa. sabe quanto custa hoje um ano num Curso superior. De maneira que, verificada a anomalia no presente estatuto universitário da Faculdade de Direito, torna-se urgente estabelecer uma segunda época de exames em Outubro.
As considerações do Sr. Cancela de Abreu não têm, pois, razão de ser.
É justo que os alunos da Faculdade de Direito se coloquem no mesmo pé de igualdade que os alunos das outras escolas do país.
Neste assunto a minha opinião é idêntica à que já tive a honra de manifestar na sessão passada. Fui sempre daqueles que falaram contra a concessão de uma época extraordinária de exames. No caso de que se trata, a concessão de uma nova época extraordinária de exames em Outubro para os alunos de Direito representa uma medida de equidade.
Nesta conformidade, devo dizer que aprovo o projecto de lei em discussão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: o argumento apresentado para a concessão de uma segunda época de exames para Os estudantes da Faculdade de Direito é
que já existe essa época de exames para todas as outras escolas. Portanto, o projecto de lei vem acabar com a situação de desigualdade em que se encontram os alunos da Faculdade de Direito, em face dos seus colegas de outras escolas.
A redacção do projecto de lei vem em termos que não sei se a concessão é idêntica à que têm as outras escolas. Ora, como é justo que os alunos da Faculdade de Direito tenham uma concessão idêntica à dos outros alunos, mando para a Mesa uma substituição ao artigo 1.°
É a seguinte:
Proponho a substituição do artigo do projecto pelo seguinte.
Artigo... Aos estudantes das Faculdades de Direito é concedida uma segunda época de exames, nas mesmas condições em que já a têm os estudantes das outras Faculdades.— Pedro Pita.
O Sr. Hermano de Medeiros: - Sr. Presidente: desejo saber se o Sr. Ministro da Instrução consultou a Faculdade de Direito sôbre o pedido da segunda época de exames, e qual foi o voto da Faculdade.
O Parlamento não deve querer perturbar o trabalho das Faculdades, legislando sem seu conhecimento.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da instrução Pública (Helder Ribeiro): — Sr. Presidente não tenho de consultar a Faculdade de Direito, porquê O projecto de lei não é da minha autoria. Devo apenas expor neste assunto a minha opinião pessoal, que é favorável a uma segunda época de exames, desde que esta se verifique em Outubro e não noutra altura do ano.
O orador não reviu.
Leu-se Q artigo 1.° e a substituição do Sr. Pedro Pita.
Foram admitidos.
O Sr. Pedro Pita: — Requeiro a prioridade para a minha substituição.
Foi aprovado.
O Sr. António Correia: — Requeiro a contraprova.
Foi aprovado.
Leu-se o artigo 2.°
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O Sr. António Correia: — Mando para a Mesa uma proposta de eliminação.
É a seguinte:
Proponho a eliminação do artigo 2.° do projecto.— António Correia. Foi admitida e aprovada. Foi aprovado o artigo 3.°
O Sr. António Correia: — Requeiro a dispensa da leitura da última redacção.
Foi aprovado.
Foi aprovada a urgência e dispensa do Regimento para o projecto de lei n.° 710, do Sr. Tavares de Carvalho, que substitui por outras designadas palavras do artigo 1.° da lei n.° 1:470, de 28 de Agosto de 1923.
Foi aprovado o projecto.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Requeiro dispensa da leitura da última redacção.
Foi aprovado.
O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins): — Sr. Presidente: como V. Exa. sabem, o general Sr. Gomes da Costa foi encarregado pelo Govêrno de uma missão em Macau e na índia.
S. Exa. chegado ontem a Lisboa concedeu ao Diário de Lisboa uma entre vista em que chama idiotas aos funcionários do Ministério das Colónias e os acusa de venais.
Os funcionários do Ministério das Colónias não podem ficar sob semelhante afronta.
Vou mandai procedei a Um inquérito por um juiz do ultramar, perante o qual o general Sr. Gomos da Costa tem de concretizar e individualizar as suas acusações.
O Sr. Hermano de Medeiros: - V. Exa. sabe ao certo, só o general Sr. Gomes da Costa proferiu as expressões que lhe atribuem?
Numerosos àpartes.
O Orador: — O que é lamentável é que haja Deputados que menos dignamente procedam...
Muitos àpartes.
Protestos.
O Sr. Lelo Portela: — O Sr. Ministro tem de retirar as palavras que proferiu.
Vozes: - Ordem, ordem.
Àpartes.
O Orador: — Sr. Presidente: parece-me que no calor da discussão proferi, palavras que das bancadas nacionalistas julgaram injuriosas. Não foi intuito meu agravar ninguém.
O Sr. tôrres Garcia: - Que é preciso castigar!
Àpartes.
O orador: — Será castigado, na devida altura, quem tiver delinqüido.
Àpartes.
Uma voz: — V. Exa. sabe ao certo se o Sr. Gomes da Costa proferiu as palavras que lhe são atribuídas?
Muitas vezes os jornais interpretam ou exprimem com um sentido diverso aquilo que ouvem...
O Orador: — Se não fôsse verdade o que veio a lume no Diário de Lisboa, S. Exa. já teria feito o desmentido nos jornais da manhã.
Àpartes.
Vou mandar fazer o inquérito e S. Exa. terá então ensejo de se justificar. Só o não fizer, será punido como difamador.
Protesto, perante a Câmara, contra as palavras do Sr. Gomes da Costa é repito, indignado, as suas acusações.
O orador não reviu.
O Sr. Tôrres Garcia: — Aproveito o estar no uso da palavra para mandar para a Mesa um requerimento, pára que entre em discussão ria próxima segunda-feira, antes da ordem do dia, o parecer n.° 654, referente ao tamanho de ferro do Vale do Cávado.
Na última sessão antes das férias da Páscoa fiz referência à maneira como estava procedendo a Universidade de Coimbra, que mais parece um estabelecimento católico do que um estabelecimento do Estado.
Hoje venho munido de factos para provar que a Universidade de Coimbra está fora das leis.
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Antes, porém, de os apontar à Câmara, devo fazer mais urna vez a declaração formal de que não movem a minha atitude propósitos de facciosismo político, religioso ou simplesmente pessoal.
Nada disso.
O meu desejo é, apenas, de ver as Universidades do meu País elevadas àquela posição em que elas devem permanentemente estar, num regime democrático como o nosso, que precisa ainda de fazer uso de todos os instrumentos para se radicar de vez no espírito do povo.
Mas o que vemos nós? Vemos que êsses organismos que vivem à casta do Estado se permitem procedimentos que muito bem podem, em determinado momento, comprometer a vida da Nação.
Ainda hoje são cheias de actualidade as - cartas de Ribeiro Sanches, precioso volume que existe na estante de todos aqueles que se interessam pelas questões de ensino.
Efectivamente, é preciso que tenhamos as suas palavras presentes no nosso espírito para não cairmos na mesma desgraçada situação que êle nos aponta por entre a sua mais desassombrada condenação, e que poderia ser nesta conjuntura deplorável para a República e para o País.
Sr. Presidente: o mais alto grau académico que as faculdades concedem em Portugal, é o de doutor. Êsse grau é conferido após a apresentação duma tese de doutoramento e é, na faculdade de medicina, obrigatória para os indivíduos que desejam exercer a profissão, de médico.
No mês passado foi julgada com 18 valores uma tese intitulada «Lourdes e a Medicina» que logo na primeira página contém as palavras nihil obstat, firmadas por um cónego censor, e imprimatur, com a assinatura do Sr. Bispo de Coimbra.
Quere dizer: o autor da tese antepõe ao juízo da Faculdade o placet das autoridades eclesiásticas!
E isto é possível num país que possui uma Constituição que estabelece o ensino neutro em matéria religiosa!
Muitos apoiados.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — O autor da tese em questão escreveu aquilo que quis e estava no seu direito.
O Orador: — Não estava tal, porque o regulamento da Faculdade de Medicina estabelece que as teses versarão apenas assuntos de medicina...
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Isso é que é liberdade!
Sussurro.
Trocam-se àpartes.
O Orador: — Nunca, nem mesmo no tempo da monarquia se aceitou na Universidade uma tese com tal assunto e tal s orientação.
Do que lemos no texto da tese, conclui-se que cinco anos de longo e trabalhoso curso não chegaram ac doutorando para encontrar matéria para escrever a mesma tese, mas três dias que esteve em Lourdes foram suficientes para fazer um trabalho que pôde ser classificado como tal...
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Tanto os milagres de Lourdes interessam à medicina que ainda há bem poucos dias o Sr. Ferreira de Mira publicou no Diário de Notícias alguns artigos interessantes a tal respeito.
O Orador: — E como o regulamento da Faculdade de Medicina determina que a tese seja um trabalho original, o doutorando limitou-se a transcrever na íntegra, sem qualquer parcela de investigação ou de crítica, os escritos de alguns módicos empregados no santuário de Lourdes.
As conclusões finais não são as que devem tirar-se num trabalho que tem de ser apreciado, como tese, por uma faculdade de medicina.
Muitos apoiados.
Sr. Presidente, acabo de demonstrar à Câmara, com êste caso, que a Universidade de Coimbra saiu para fora das leis e dos princípios que norteiam o regime em que vivemos.
O meio da Universidade de Coimbra é de tal ordem que, havendo numa das faculdades um professor, antigo republicano e liberal, o Sr. Angelo da Fonseca, que há dois anos foi atingido por uma sindicância feita aos hospitais, e que o deixaria porventura, mal colocado, para conseguir a solidariedade dos seus cole-
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gás, se converteu ao catolicismo fez confissão geral, vai hoje todos os dias à missa e comunga duas vezos por semana.
Pouco me importa, Sr. Presidente, que os Srs. professores comunguem, se confessem ou vão à missa todos os dias, porém, o que não faz sentido é que estejam procedendo de forma que só desrespeitem as leis e se ofenda a neutralidade do ensino. Lembremo-nos do que se fez, ainda não há muito tempo, na Universidade de Coimbra, relativamente ao pessoal menor que estava na situação de adido, o qual, foi todo colocado, à excepção dos indivíduos que eram republicanos.
Isto foi feito propositadamente e com o conhecimento do Sr. Ministro da Instrução, não me constando que até hoje se tenham tomado quaisquer providências sôbre o assunto e não me admirando eu que êstes casos se dêm, tanto mais quanto é certo que a Universidade de Coimbra tem à sua frente como reitor uma criatura que apenas possui um pequeno curso, pois que é um simples farmacêutico de segunda classe.
Mas não fica por aqui, Sr. Presidente, a atitude estranha da Universidade de Coimbra. O Sr. Ministro da Instrução, quando da sua ida àquela cidade, e visitando a Universidade, foi ali recebido apenas pelo guarda mor. No mesmo estabelecimento de ensino se procedeu contrariamente às ordens do Sr. Ministro da Instrução relativas à comemoração do dia 9 de Abril, comemoração essa que foi feita em todas as escolas do País monos na Universidade de Coimbra.
Quando do cortejo de homenagem à memória do Dr. José Falcão, o actual reitor declarou que não queria intervir na organização dessa festa, por isso não queria política adentro da Universidade, como se aquele acto pudesse ser considerado político...
Devo dizer, em abono da verdade, que não posso compreender que representantes do Govêrno e membros do Poder Executivo, a quem cumpre zelar pelo prestígio das instituições, se conformem com procedimentos desta natureza.
Isto não faz sentido, e, assim, devo dizer que estou pronto a levantar aqui a questão tantas vezes quantas forem necessárias, até que o Poder Executivo faça
sentir a êsses senhores que não está disposto a permitir a continuação dum tal estado de cousas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Helder Ribeiro): — Sr. Presidente: ouvi com a máxima atenção as considerações feitas pelo ilustre Deputado Sr. Tôrres Garcia, e, em resposta, devo dizer que, se bem que não tivesse conhecimento dos factos por S. Exa. apontados, sou o primeiro a lamentar a atitude assumida pela Universidade de Coimbra.
Pode V. Exa. ficar certo de que vou apurar o que há de verdade sôbre o assunto.
Ninguém é mais tolerante do que eu; tenho-me afirmado como tal em todos os actos da minha vida.
Ninguém tem maior respeito do que eu pelas crenças de cada um fora do exercício das suas funções oficiais; mas, por isso mesmo, não estou disposto a consentir ocupando êste lugar, que se procure formar em qualquer estabelecimento de ensino, sobretudo numa Universidade, o mais pequeno espírito de alheamento do sentir colectivo que domina a nação.
A Universidade tem de encarnar o sentir das instituições.- o espírito republicano que se impõe a toda a nação desde 5 de Outubro de 1910.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Impõe-se com os escândalos?
Vozes: — Ordem! Ordem!
O Orador: — Impõe-se pela fôrça da vontade do país, que a monarquia não conseguiu dominar.
O povo quis, quere e há-de querer a República, em nome do progresso e da civilização que ela representa, como ficou demonstrado pela ida do nosso exército à Grande Guerra.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — É a civilização dos assassínios e das ladroeiras!
Protestos das bancadas republicanas.
O Sr. Presidente (agitando a campainha): - V. Exa., Sr. Cancela de Abreu,
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não tem a palavra. Não consinto que interrompa o orador sem que êle lhe dê licença para isso.
Vozes: — Muito bem. Muito bem.
O Orador: — A República tem o direito de exigir aos organismo? que representam
expressão máxima do valor intelectual que estejam integrados no sentir de toda
nação.
Apoiados.
A República, que deu às Universidades uma autonomia que jamais tiveram no tempo da monarquia, não pode permitir que elas usem dessa autonomia para se transformarem em igrejas do Estado,
O Sr. Carvalho da Silva: — V. Exa. permite que eu o interrompa?
O Orador: — Têm-me interrompido já sem minha licença, e, portanto, V. Es.a poderá fazer o mesmo.
O Sr. Carvalho da Silva: — No tempo da monarquia a intolerância era tal que até se consentia que professores da Universidade tomassem parte em comícios do propaganda republicana.
O Orador: — V. Exa. esquece se de que o professor da Escola Politécnica, Sr. Tomás Cabreira, foi cumprir pena de prisão no forte da Graça por ter concorrido a umas eleições municipais.
É curioso que se diga que a República não tem sido tolerante, quando se sabe que na vereação municipal há funcionários do Estado que nessa vereação exercem o seu mandato como representantes do partido monárquico.
Reatando as considerações que vinha fazendo à Câmara, e das quais me obrigaram a desviar-me os apartes extemporâneos, e injustos que me foram dirigidos, devo declarar que não deixarei de desenvolver toda a minha acção para que nos estabelecimentos de ensino, e muito principalmente nas Universidades, não se possam fazer ataques aos princípios basilares da República.
Assim é que, estando vago o lugar de reitor da Universidade, encaminharei a minha acção no sentido de fazer colocar nesse lugar, uma pessoa de alta envergadura moral e mental, e que dê às instituições a garantia de que exercerá a sua função por maneira a não permitir que os alunos sejam desviados da sua missão, arrastando-os para o caminho daqueles que até hoje só têm procurado prejudicar a vida da República.
Confio na acção daquele a quem eu tiver de nomear para reitor da Universidade de Coimbra. Exactamente pelo seu carácter, qualidades de energia e fé republicana, êsse novo reitor será garantia para todos nós de que a Universidade seguirá na orientação de bem servir a República.
Aproveito o ensejo de estar com a palavra para enviar uma proposta de lei para a Mesa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Tenho a declarar ao Sr. Lelo Portela que, se lhe não dei a palavra para explicações, como a havia pedido, e da qual não desistiu, logo a seguir ao Sr. Ministro das Colónias ter terminado as suas considerações, foi porque me pareceu que S. Exa. havia ficado satisfeito com a explicação que aquele Sr. Ministro deu à Câmara, a propósito das suas palavras.
Tem agora V. Exa. a palavra.
O Sr. Lelo Portela: — Desejava ter falado logo a seguir ao Sr. Ministro das Colónias pois era nessa ocasião que melhor cabiam as considerações que julgo do meu dever fazer.
Quere transformar-se esta Câmara num conselho de disciplina!
É extraordinário que o Sr. Ministro das Colónias, venha aqui trazer uma questão desta ordem, sem previamente averiguar a verdade das afirmações atribuídas ao Sr. Gomes da Costa, e tendo no regulamento disciplinar meios de castigar como entender.
Entendo que o Sr. Ministro das Colónias não tinha de vir aqui dar explicações, mas apenas de proceder em harmonia com o regulamento disciplinar.
Tenho dito.
Q orador não reviu.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: por parte da comissão de legislação cri-
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minai, requeiro que seja consultada a Câmara, sôbre se permite que reúna essa comissão na próxima terça-feira, às 16 horas.
Consultada a Câmara, foi aprovado o requerimento,
O Sr. Presidente: — Vou submeter à votação da Câmara o requerimento do Sr. Tôrres Garcia, para entrar em discussão antes da ordem do dia de segunda-feira, com prejuízo dos oradores inscritos, o projecto n.° 654.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: seria mais natural continuar a discutir os pareceres que já estão em discussão.
Posto à votação o requerimento foi aprovado, é requerida a contraprova pelo Sr. António Maia, foi novamente aprovado.
Foi aprovada a urgência para uma proposta apresentada pelo Sr. Ministro da Instrução.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se na ordem do dia.
Foi aprovada a acta da sessão anterior.
O Sr. João Camoesas (para interrogar a Mesa): — Ontem, com a aquiescência de toda a Câmara, mandei para a Mesa um projecto de lei, e como não vejo V. Exa., Sr. Presidente, fazer referências à sua admissão, requeiro, como ontem requeri, a urgência e dispensa do Regimento, para êsse projecto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — O requerimento de V. Exa. não foi ouvido, mas vou consultar agora a Câmara, sôbre essa urgência e dispensa do Regimento.
O Sr. Jorge Nunes (para interrogar a Mesa): — Pedia a V. Exa. a bondade de repetir o requerimento do Sr. João Camoesas.
O Sr. Presidente: — O Sr. João Camoesas, requereu urgência e dispensa para o projecto que ontem mandou para a Mesa.
O Orador: — Sr. Presidente: se vamos a discutir todos os outros assuntos, deixando de parte os que estão na ordem do dia, isso mostra que é sem método e estéril a acção parlamentar.
O Sr. Presidente: — Ainda se não passou à ordem do dia.
O Orador: — Mas o Sr. Presidente já tinha anunciado que se ia passar à ordem do dia.
Nunca um Presidente declarou que se ia entrar na ordem do dia, sem que se entrasse.
A Presidência, cumprindo o seu dever, não pode interromper a discussão já iniciada.
Há alguns anos que ocupo êste lugar, e todos sabem a forma correcta como procuro sempre conduzir-me.
Posso, por vezes, pôr alguma violência nas minhas palavras; mas procuro sempre ser correcto, e naturalmente tributar aos outros aquela consideração que têm direito a exigir, porque já ocupei o lugar de Presidente, e sei quam difícil e espinhosa é essa tarefa»
Mas desde que assim é, V. Exa., ou interpretando mal as minhas palavras, ou por terem sido mal ouvidas, e desde que um amigo meu me diz, talvez amigo comum, que V. Exa. se sente melindrado com elas, tenho o prazer, desde que V. Exa. se mostra desgostoso, de muito espontânea e lealmente, dizer que muito considero V. Exa., a quem presto a minha homenagem pelas suas virtudes pessoais.
Apoiados.
Vozes: — Muito bem.
O Orador: — Já V. Exa. vê quê não tive qualquer intuito de melindrar a V. Exa., simplesmente lembrei a interpretação de uma disposição regimental.
Dadas estas explicações, que são para mim o cumprimento de um dever, e com as quais V. Exa. certamente se dará por satisfeito cabalmente, V. Exa., para satisfação de nós todos, nem por um momento pensará em abandonar êsse lugar.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Pareceu-me ter ouvido nitidamente V. Exa. dizer que eu não tinha cumprido o meu dever.
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Entendi que se não tinha ainda entrado na ordem do dia, e por isso dei a palavra para requerimentos dos Srs. Deputados.
Como V. Exa. entendia que não deveria ser êsse o meu procedimento, deixarei êste lugar de Presidente.
V. Exa. porém, acaba de proferir palavras que me obrigam a não sair da presidência, e que devo agradecer.
Apoiados.
Vozes: — Muito bem.
S. Exa. não reviu.
É aprovado um requerimento do Sr. Jaime de Sousa para um negócio urgente.
O Sr. Jaime de Sousa: — Antes de tratar do assunto do negócio urgente, permita-me V. Exa. que declare, da maneira a mais terminante, que quando afirmei a V. Exa. que se não tinha passado à ordem do dia foi porque, de facto o antecessor de V. Exa. tinha declarado que era a hora de passar-se à ordem do dia.
Nestes termos, pedi a palavra para um requerimento, sem ter o intuito sequer de ser desagradável quer a V. Exa., quer ao Sr. Jorge Nunes.
Limito-me, pois, como o tempo é estreito, para não tomar tempo à Câmara, a mandar para a Mesa a minha moção propondo uma saudação ao Congresso Colonial.
A Câmara dos Deputados da República Portuguesa, no momento em que se reúne em Lisboa o 2.° Congresso Colonial Nacional, congratula-se por êsse facto do mais largo alcance para as relações de toda a ordem entre o País e as colónias, calorosamente saúda iniciadores e congressistas, fazendo votos para que do seu trabalho, dedicação e patriotismo resulte um mais completo entendimento e harmonia de interêsses em todo o território da República, como ponto de partida para um Portugal maior.
Sala das sessões, 9 Maio de 1924.— Jaime de Sousa.
Há 23 anos que se não reunia um congresso colonial em Lisboa.
Justamente hoje é o último dia da semana em que reúne a Câmara, e amanhã há sessão do Congresso Colonial.
É pois, oportuno aprovar esta nota de saudação ao Congresso Colonial Nacional.
Cumpro assim um dever de parlamentar propondo êste negócio urgente à Câmara.
Entendo que da reunião dêste Congresso algum benefício pode vir para o País, porque é do entendimento entre Portugal e as colónias que devem prover melhores dias para o nosso País.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: dêste lado da Câmara associarão-nos ao voto de saudação proposto pelo Sr. Jaime de Sousa.
Há 23 anos, efectivamente, que se não reúno um Congresso Colonial.
É realmente digno da consideração de toda a gente. Desse Congresso podem vir resultados úteis para o País. No Congresso foram apresentadas teses donde resultarão soluções para o problema importantíssimo do desenvolvimento colonial.
Por ter acompanhado os trabalhos do actual Congresso, tenho a convicção de que dele realmente alguma cousa útil resultará.
Nestas condições, associamo-nos com entusiasmo à saudação proposta pelo Sr. Jaime de Sousa.
O orador não reviu.
O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: embora não seja inteiramente verdade que o futuro de Portugal reside nas colónias, não podemos deixar de reconhecer a altíssima importância do Congresso Colonial que se está realizando. Há problemas instantes a resolver para o progresso das colónias.
Nestas condições, o Partido Nacionalistas, em nome do qual tenho a honra de falar neste momento, não pode deixar de associar-se ao voto proposto, e calorosamente saudar o Congresso Colonial.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: — Em nome do Grupo Parlamentar de Acção Republicana, associo-me gostosamente à saudação ao Congresso Colonial Nacional.
Efectivamente, semelhante facto não pode deixar de merecer, a consideração da Câmara. No momento em que Portugal
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está fazendo um esfôrço sobreümano para fazer das nossas colónias qualquer cousa de grande no mundo, é com o maior prazer que assistíamos à reunião do Congresso.
Em nome, pois, do Grupo Parlamentar de Acção Republicana associo-me à proposta do Sr. Jaime de Sousa.
O orador não reviu.
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: por parte dêste lado da Câmara associo-me gostosamente à saudação ao Congresso Colonial reunido em Lisboa, e faço sinceros votos por que os seus trabalhos doem bons resultados para o País e por que os desejos desta Câmara, ao votar a saudação, se convertam em realidade, demonstrando que somos realmente a quarta potência colonial.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: desejo também associar-me, em nome do Govêrno, à saudação proposta.
O Congresso Colonial é efectivamente uma manifestação de actividade, que foi bom que a Câmara não deixasse passar em claro, para animar aqueles que a produziram.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Em face da manifestação da Câmara, considero aprovada a proposta de saudação.
Vai passar-se à
ORDEM DO DIA
Continuação do debate «obre a interpelação do Sr. Vitorino Guimarães ao Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Desisto por agora da palavra.
O Sr. Carlos Pereira (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: desejo saber se não estou inscrito sôbre a ordem.
O Sr. Presidente: — Na inscrição da Mesa não está V. Exa. inscrito sôbre a ordem, mas como o Sr. Jorge Nunes, que se segue no uso da palavra, está também inscrito sôbre a ordem, V. Exa. inscreve-se agora e fala a seguir.
O Sr. Carlos Pereira: — Então peço a palavra sôbre a ordem.
O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: cumprindo as disposições regimentais, passo a ler a moção de ordem que tenho a honra de mandar para a Mesa.
É a seguinte:
Moção
Considerando que a falta de cumprimento dos contratos por parte do Estado compromete o prestígio da República e conseqüentemente o crédito da Nação:
A Câmara dos Deputados afirma o seu propósito de manter integralmente todos os encargos resultantes das leis que fixaram ou fixarem as conversões e as emissões de quaisquer títulos da dívida publica e passa à ordem do dia. — Jorge Nunes.
Sr. Presidente: longo vai o debate; suficientemente esclarecido — suponho — está a Câmara; não sou eu, pois, quem vá hoje, prolongá-lo, de forma que se me possam atribuir propósitos de demorar a discussão; mas mio posso deixar de fazer algumas considerações.
A política financeira do Sr. Presidente do Ministério tem sido feita de promessas, de desejos, e manifestada apenas por palavras que não por actos de bem servir a República, e faço-lhe a justiça de supor que as suas atitudes, os seus gestos e palavras são determinados sempre por uma intenção nobre e alevantada, más até agora de toda a sua acção, do tudo aquilo que tem prometido e feito nós não encontramos absolutamente nada que o torne credor, já não digo da admiração dopais, mas do seu reconhecimento.
O Sr. Presidente do Ministério enveredou por uma política que julgo ser em sciência financeira de verdadeiro futurismo.
Pode ser que ela, corrigida e limada em certas arestas, atinja mais tarde a perfeição da qual resulte qualquer cousa de benéfico para o país, mas até agora
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não vemos senão, como facto resultante dessa política, uma acção contraproducente, porque na sua reflexão sôbre o câmbio, por exemplo, a acção do Govêrno, a quem não faltaram autorizações da Câmara, tem-se exercido sempre ao contrário.
De modo que, apesar das promessas e de tudo aquilo que o Sr. Presidente do Ministério, com uma tenacidade digna de louvor nos fez e disse indo até, às associações de classe dizer da sua justiça, nós verificamos a todas as horas uma situação sempre pior do que a anterior.
E, tratando-se do crédito do país, da primeira operação de crédito do regime, não se compreende a política do Govêrno, deixando aberto um péssimo precedente.
Natural era pois que o país se intranqüilizasse com essa política e que o Sr. Vitorino Guimarães, que se encontrava num lugar absolutamente oposto ao nosso, êle, que via na sua lei um meio prático de remediar a situação do país, êle, que teve que mentir em nome do Estado, viesse aqui acusar todos aqueles que tivessem provocado essa situação!
para que entrar em detalhes, para «me fazer referências à oportunidade do lançamento dêsse empréstimo, para que repetir aqui a sua condenação?!
Trata-se neste momento de dizer ao Govêrno, porque êle pôs a questão política claramente, se procedeu bem ou mal.
Em minha opinião, só a disciplina do Partido. Democrático poderá envolver numa tela de coacção poderosa o cérebro daqueles que pensam que a política do Govêrno quanto ao empréstimo foi um mau acto, mas votam favoravelmente ao mesmo Govêrno.
Porém, nós que pertencemos ao número daqueles que condenam desde o início a operação do empréstimo, mas que pensam que, realizada feia, tínhamos de nos curvar perante os factos, julgamos que o Govêrno, representando o regime e a nação, devia sempre honrar os seus compromissos.
Tal não sucede. O Sr. Ministro das Finanças ontem veio declarar-nos que operações se têm feito de natureza idêntica à sua o que elas não têm trazido convenientes de maior
É que, naturalmente nesses momentos e nessa ocasião, outro fenómeno se produz.
As conveniências políticas dos outros povos credores levam muitas vezes — e eu cito o exemplo das principais nações como a Grécia os grandes a curvarem-se perante os fracos.
Mas nós não temos, tanto sob o ponto de vista militar como político, uma posição que nos imponha perante as grandes nações da Europa.
Temos de viver principalmente pela forma honesta e escrupulosa como tratarmos todos: os de dentro e os de fora.
Se porventura — como já foi dito — um momento angustioso de vida portuguesa obrigasse o Estado a não pagar aos seus credores, vendo-se o Sr. Ministro das Finanças na dura necessidade de o declarar, nós tínhamos de aceitar os factos dolorosamente, mas como inevitáveis. Mas não. Êsse momento angustioso que justificava um golpe tremendo no crédito do País, negando aos credores aquilo, que lhes era devido, não existe e, ao contrário, da parte do Sr. Ministro das Finanças, houve uma parcialidade que vem grandemente comprometer o crédito do Estado.
É que S. Exa. viu apenas o empréstimo dos 6 por cento como um crédito nacional, subscrito unicamente pelos nacionais,
Mas porque é quê o Govêrno não procedeu da mesma forma para com todos os outros títulos?
Não o fez porque entendeu que era mais fácil proceder desta forma para com os portadores de títulos portugueses do que para com os portadores de títulos estrangeiros.
Não representa isto, evidentemente, uma incoerência do Govêrno?
Pois não está o Sr. Presidente do Ministério a proceder em desharmonia com as suas atitudes anteriores?
Pois não nos recordamos todos nós duma proposta nascida nesta Câmara autorizando o Banco d© Portugal a fazer uma emissão de notas, tendo como garantia a sua prata, e não nos lembramos, por acaso, de que essa proposta foi de tal modo recebida que, a não ser o do seu apresentante, poucos votos conseguiu alcançar?
Se o Sr. Ministro das Finanças fôsse um homem coerente, não permitiria, no
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novo contrato com o Banco de Portugal, êsse aumento da circulação fiduciária.
O Banco pedia um aumento de circulação para quê?
Para facultar êsses escudos à economia pública, ao comércio e à indústria.
A Câmara não o consentiu porque entendeu que dalguma maneira poderia haver parcialidade na aplicação dessas notas.
Mas, a breve trecho, o entendimento com o Banco é um facto, e então consegue-se a emissão dessas notas.
Desde que se faz uma administração apenas de equilíbrios, um trabalho de janglerie, eu pregunto se êste Govêrno pode merecer confiança ao País!
O Sr. Presidente do Ministério ainda ontem declarou do seu lugar aquilo que já é velho e revelho, isto é, que um dos factores essenciais da melhoria do câmbio seria a confiança nos homens que administram a Nação.
Mas, traduzidas essas suas palavras, elas para mim outra significação não têm do que a afirmação de que nos despenharemos num precipício se a sua obra não fôr aceita por todos.
Que paciência evangélica nós temos tido já!
Pois não seria já tempo de o Govêrno reconhecer que, nada tendo produzido, merecia da nossa parte uma atitude desiludida?
Sr. Presidente: como disse quando iniciei as minhas considerações, não me proponho fazer um longo discurso; apenas, em curtas palavras, justifico a moção que mandei para a Mesa. Ela não carece de mais explicações.
A minha moção de ordem, que não ataca os homens, mas um êrro cometido, de cujas conseqüências ainda não medimos o alcance, essa moção de ordem deveria, a meu ver, ser aprovada, porque no espírito de todos os membros desta Câmara, e eu só exceptuo aqueles a quem a disciplina partidária imponha uma atitude tal que repugna à sua consciência, ela deveria indicar ao Govêrno o caminho daquela porta.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem. O orador não reviu. É lida na Mesa e admitida a moção do Sr. Jorge Nunes.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: antes de iniciar as minhas considerações, quero lamentar que os desejos de ser agradável para com qualquer Deputado determinem uma desigualdade de direitos em relação a outros membros desta Câmara.
Esta referência não vai para V. Exa. e, dito isto, peço licença para ler a minha moção de ordem:
Moção
A Câmara dos Deputados reconhece que a natureza de crédito público é idêntica à do crédito privado e que o exacto cumprimento das obrigações assumidas é a melhor afirmação de solvabilidade do devedor e do seu crédito, e continua na ordem do dia. — Carlos Pereira.
Sr. Presidente: o Govêrno que se senta naquelas cadeiras é, a meu ver, um Govêrno dotado das melhores intenções.
Tem mesmo realizado alguns actos em que essas boas intenções se revelam e que mostram o desejo em que está de fazer obra útil; todavia, passados êsses actos que são poucos, bem poucos, o Govêrno apresenta-se apenas com boas intenções.
Como se isso não bastasse, o Govêrno apresenta-se numa atitude pior ainda para com o Parlamento.
Não é fazer tábua rasa das resoluções do Parlamento, mas parece que, propositadamente, procurar maneira de contrariar votações do Parlamento, só para o deminuir, porventura para o vexar.
Se me disserem que as minhas palavras visam à queda do Govêrno, responderei que começo a sentir que o que vier é capaz de ser pior do que o actual.
É banal dizer-se que o momento que passa é grave, mas parece que nos limitamos a afirmar o facto e que não nos orientamos nunca no sentido de fazer face a tal situação.
O Govêrno tomou conta dos negócios do Estado numa hora difícil em que os recursos não bastavam e procurou aumentá-los.
Nem sempre o fez por forma feliz, pois que muitas vezes pensava que era fácil aumentar êsses recursos, limitando-se a multiplicá-los por um coeficiente arbitrário aqui trazido para a Câmara o aprovar,
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quando inicialmente o problema seria de remodelação ou de uma melhor arrecadação de receitas ainda dentro das leis em vigor, pois tudo se pode fazer.
Pensou o Govêrno que, desde que o Parlamento o munisse de latas autorizações, poderia resolver a situação financeira do País, e o Parlamento não teve dúvida em votar as autorizações que o Govêrno lhe pediu.
Bem sei que o Parlamento disse que, essas autorizações eram para publicar medidas, que interessassem directamente ao problema cambial e com êsse «directamente» o Parlamento queria restringir as faculdades que dava ao Govêrno.
Pois bem, o Govêrno, munido dessa autorização para tratar do problema cambial, hão encontrou melhor cousa do que duma participação que o Estado tinha nos lucros do Banco de Portugal ir dar de graça uma parte ao próprio Banco.
O Govêrno rompeu em som de guerra contra o Banco de Portugal, mas depois, a pouco e pouco, foi mudando de atitude a tal ponto que o Banco conseguiu que êle fizesse uma cousa que a Câmara tinha rejeitado e que era o poder o Banco de Portugal representar reservas ouro por notas.
O Govêrno entendeu que não era fácil esgrimir com o Banco de Portugal e fez tudo quanto êste quis.
Poderá o Govêrno continuar a gritar que não fez aumentos da circulação fiduciária, agarrando-se a uma distinção legal sôbre a existência de duas circulações — uma do Banco e outra do Estado — pretendendo iludir a realidade dos factos, que nos diz que desde que o Govêrno é Govêrno mais notas foram lançadas para o mercado.
Depois de fazer a vontade ao Banco do Portugal, permitindo-lhe, possivelmente, a emissão de notas representativas de valor prata, sôbre cuja propriedade há dúvidas, o Govêrno pensou que era a altura de arranjar receitas e a única forma que encontrou para isso foi limitar os encargos do empréstimo.
Essa limitação poderia ter uma justificação se para a cifra enorme do nosso Orçamento o do seu equilíbrio resultasse dessa economia qualquer cousa apreciável; mas não; essa limitação não tem valor absolutamente algum sob tal ponto de
vista, tendo apenas esta significação: é que Portugal continua a ser, de facto, um país bancarroteiro, como lhe chamava Paul Leroy Beaulieu, porventura demodés no tempo em que o Sr. Ministro das Finanças estudou, mas para à constatação de factos não há tratadistas demodés ou arriérés...
Sr. Presidente: os factos dos últimos tempos demonstram o seguinte: que ao ser declarada a guerra, por virtude da limitação das exportações dos países estrangeiros, Portugal viu-se na necessidade de se bastar a si próprio. Viu-se que Portugal começava então a aumentar a sua circulação fiduciária, verificando-se que o agravamento dos câmbios se não dava nas tais proporções apreciáveis a que por vezes se tem feito referência.
Nós vimos, não podendo explicar o facto, que ao aumento da circulação fiduciária não correspondeu o agravamento dos câmbios.
Ora, se êste facto se deu, é evidente que não temos outra explicação que não seja a da limitação das importações, mas o que é verdade é que as importações que go limitaram foram, exactamente as relativas àqueles produtos mais necessários à vida económica do país, figurando entre êles, especialmente, o carvão, que teve de ser substituído pelas nossas madeiras.
E assim o Govêrno, que tem uma autorização para tratar do problema dos câmbios, tinha esta indicação da vida nacional de que, limitando as importações por forma, a que o País se bastasse a si próprio, êle poderia agir eficazmente sôbre os câmbios, mas o Govêrno parece não querer fazer nada nesse sentido.
Pois seria bom que o Govêrno seguisse esta orientação porque com isso mesmo teríamos a lucrar.
Não sei se, de facto, a nossa balança económica é ou não favorável, sei apenas que aqui, por palpite, se afirmou que nos deve ser favorável.
Então como explicar o agravamento do câmbio?
Mas se a balança económica, de facto, nos é favorável, como o Sr. Presidente do Ministério também afirmou, então encontramo-nos nesta situação: é que a moeda portuguesa desaparece sem que seja para pagar determinadas mercadorias compensadas por outros valores mer-
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cadorias, e então não podemos dar ao agravamento dos câmbios outra explicação que não seja a da especulação a quási exclusivamente êsse factor.
Sr. Presidente: vou terminar as minhas considerações porque não estou a fazer obstrucionismo.
Apoiados.
Fui contrário ao empréstimo; votei contra a comissão de finanças, e votei contra aqui na Câmara (Apoiados), mas, desde que foi aprovada essa medida, tinha de se cumprir rigorosamente.
Apoiados.
Entendo que chega a ser vergonhoso, vexatório, o que se fez com o Banco de Portugal depois da primeira atitude.
Termino as minhas considerações esperando que o Sr. Ministro das Finanças enfrento o problema como tem enfrentado outros.
É preciso que se limite a importação de objectos de luxo. Se S. Exa. tem confiança no saldo da balança, é preciso proceder de forma que êsses valores não vão parar às mãos de agiotas.
Apoiados.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
Leu-se a moção e foi admitida.
O Sr. António Maia: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.
Procedeu-se à contraprova e contagem.
De pé um Sr. Deputado e sentados 62.
Foi confirmada a admissão da moção.
O Sr. Carvalho da Silva: — Vou procurar ser breve, pois o debate já vai longo.
Ouvi com atenção os ilustres Deputados que falaram e duas conclusões se tiram do que ouvi. Primeira: não há situação mais desagradável que a situação da maioria parlamentar. Segunda: o programa fundamental é o programa político ou o programa do regime.
Ouvi o Sr. Almeida Ribeiro falarem nome da maioria e dizer que o empréstimo não foi bom, que a operação foi ruinosa, mas que, seduzidos pela magia do ouro, aprovaram essa medida.
S. Exa. confirmou que foi ruinosa a operação, mas disse mais o seguinte, que
atesta a moral do regime: que os toma-dores, que patriòticamente tinham ocorrido ao empréstimo, também patriòticamente suportavam a redução do juro e que ainda ficavam agradecidos, pois poderiam ficar sem nada; assim não pode haver mais confiança!
Sr. Presidente: mas não foi só o Sr. Almeida Ribeiro quem usou da palavra, do lado da maioria, foi também o Sr. Portugal Durão, e devo afirmar que S. Exa. falou com sinceridade e com muita elevação, se bem que não pudesse colocar-se, como nenhum dos Deputados republicanos, debaixo do ponto de vista nacional, porque o ponto do vista da República é absolutamente incompatível com o ponto de vista da nação.
Disse o Sr. Portugal Durão que sempre tinha condenado esta operação, o de lacto assim sucedeu, nem S. Exa. era capaz de fazer uma afirmação que estivesse em oposição à verdade.
Mas S. Exa. bem como o Sr. Barros Queiroz, reconheceram que a medida do actual Govêrno é gravíssima, porque veio estabelecer ainda maior desconfiança, num momento em que o problema da confiança é o mais fundamental para o país sair da situação angustiosa a que a República o levou.
Mas, S. Exa., reconhecendo isto, como republicanos que são, olharam apenas a que essa desconfiança tinha sido abalada pelo decreto publicado pelo Sr. Álvaro do Castro.
Do facto a confiança é indispensável, mus a desconfiança que existe não é conseqüência do decreto, mas a confirmação do modo de ser da República.
Olhando, porém, as causas dessa desconfiança, o que vemos?
Vemos que ela é baseada numa legislação da República, que constitui um completo ataque à propriedade, sem respeito pelos direitos de ninguém.
Pregunto se pode haver confiança, por parte dos possuidores da fortuna, num regime que os trata desta forma.
Sr. Presidente: não pode haver confiança, não só pelos actos praticados pelo regime, como ainda enquanto permanecer o actual estado de cousas.
Emquanto não forem postos acima dos interêsses da República os interêsses da nação, emquanto se não unirem todos os
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conservadores contra aqueles que, pelo seu extremismo, fazem com que os capitais emigrem, emquanto isso não se fizer, e não se fará na República, como o provam as palavras do Sr. Barros Queiroz, êste país só poderá afundar-se, e, nesta hora grave, é tempo de se dizerem as verdades e de todos porem de lado as suas paixões políticas, para se entregarem à salvação do país, de preferência a pensarem em salvar o regime.
O Sr. Barros Queiroz, dominado pela sua paixão política, frisando que nunca fizera campanhas contra republicanos, não hesitou em atacar os monárquicos nesta hora. em que tam necessária é a união de todos os conservadores e sem ter uma única palavra de censura para com republicanos, fez referência a um caso ocorrido ao tempo em que foi Presidente do Ministério, sem todavia o mencionar, mas que todos nós concluímos ter sido o célebre caso dos 50 milhões de dólares.
Acrescentou S. Exa. que nessa altura bem podia ter aqui falado contra algum republicano (todos sabemos que êsse republicano era q Sr. Afonso Costa), mas não falou, porque, dizia S. Exa., «não faço campanhas contra republicanos».
O Sr. Barros Queiroz: — V. Exa. permite-me uma interrupção?
O Orador: — Queira V. Exa. dizer.
O Sr. Barros Queiroz: — De facto, queria referir-me ao caso dos 50 milhões de dólares, mas de nenhuma maneira me quis referir ao Sr. Afonso Costa.
O Orador: — Referia-se então a outro republicano, mas, como o Sr. Afonso Costa teve larga intervenção nesse caso, julguei que era a S. Exa. que se referia.
O Sr. Barros Queiroz falou na administração da monarquia, por forma a querer deixar em todos a impressão de que essa administração é que fora criminosa, não resistindo a qualquer confronto com a da República.
Tenho a certeza de que o Sr. Barros Queiroz, com o conhecimento que tem das cousas públicas, pondo de lado a sua paixão republicana, para ouvir apenas a sua consciência, muitas vezes terá reconhecido no seu íntimo que foi uma grande desgra-
ça para o país a proclamação da República.
Não pode ser outra a opinião de S. Exa., pois que conhece bem os assuntos económicos e financeiros, para ignorar que a administração se avantaja em tudo e por tudo à da República.
Mas não sou ou, simples Deputado, quem tem suficiente autoridade para dizer qual foi a situação que a monarquia legou à República.
Tem, porém, para isso toda a autoridade o Sr. Conselheiro Anselmo de Andrade, distinto e conhecido economista.
São factos que ninguém poderá contestar os que êle refere no seu relatório sôbre propostas de fazenda.
Como pode S. Exa. considerar arrojo da nossa parte — como disse — o virmos aqui criticar a obra da República quando a administração da monarquia não tem a mais leve sombra de comparação com a administração republicana, porque ela era, em relação a esta, perfeitamente modelar, porque a moral administrativa da monarquia, em que se regateavam uns míseros 900$. por não haver verba, não se pode comparar com a moral administrativa da República, em que se gastam às centenas de contos mesmo sem verba.
Mas referiu-se o Sr. Barros Queiroz à fama bancarroteira da monarquia. Vejamos as, situações. Não existe país algum em que haja, largas medidas de fomento a executar que não se tente a fazer largos empréstimos, mas emquanto essas medidas não têm execução não há também país algum que não atravesse situações difíceis.
Ora Portugal, no tempo da monarquia, desde 1872 para cá, fez toda essa rede de caminhos de ferro que a República tem deixado deteriorar, fez toda a rede de estradas que também a República tem deixado estragar a ponto do quási por elas não se poder transitar, isto é que são factos!
Interrompendo ontem S. Exa., com sua autorização, já lhe disse que numa edição de 1912, do mesmo autor que S. Exa. citou como acusando a monarquia de bancarroteira, êle não se referia à administração da monarquia nesses termos. Hoje trago aqui essa edição para poder provar à Câmara á verdade das minhas afirmações.
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Mas devo desde já dizer que a crise de Portugal naquele tempo não foi uma conseqüência da má administração da monarquia; foi conseqüência dum facto estranho, que se hoje se dêsse, mas antes se dá o contrário, não sei qual seria a nossa situação financeira: foi a crise do Brasil.
S. Exa. sabe perfeitamente que é do Brasil que vem uma quantidade de ouro que influi poderosamente na nossa moeda. Sabe também que a queda da moeda brasileira fez com que os portugueses residentes no Brasil não pudessem para aqui enviar os seus fundos, porque, se o fizessem, teriam prejuízo. Nessas condições, deixou de afluir a Portugal uma quantidade enorme de ouro, e não há dúvida de que', qualquer que fôsse a administração dêste país, a falta de ouro do Brasil havia de acarretar uma situação aflitiva para o Tesouro.
Hoje, ao contrário de então, existem circunstâncias que levam os portugueses residentes no Brasil, se tivessem confiança no regime, a enviar para aqui os seus capitais, beneficiando assim o câmbio. Mas o autor aqui citado só vem demonstrar que a situação do Portugal no tempo da monarquia era já uma situação desafogada, estando quási em equilíbrio orçamental, e isso quando a monarquia nunca pensou em extorquir ao país impostos como os actuais.
Nós éramos mesmo um dos países em. que os impostos eram mais leves, ao passo que na República os impostos são verdadeiramente exaustivos para a situa: cão do país.
Mas estavam ontem em maré de infelicidade os ilustres republicanos que usaram da palavra. E foi assim que o Sr. Presidente do Ministério esteve infeliz quando disse, com aquela paixão que o leva a um facciosismo extremo, que a política financeira da guerra não se devia atacar.
Não foi má essa administração; foi péssima.
Ao passo que em todos os países se procurou acompanhar as despesas que se iam fazendo por empréstimos e por impostos, e impostos sobretudo, sôbre lucros de guerra, em Portugal, um país que se diz democrático, não se fez nada disso, e se. não lançou um imposto sequer
sôbre lucros de guerra. Portugal, no momento em que realmente havia quem tivesse capacidade para pagar ao Estado — e eram aqueles que estavam fazendo fortunas de um momento para o outro — não recorreu a êsse imposto, mas recorreu aos aumentos da circulação fiduciária, que não fizeram senão quebrar a capacidade tributária que então existia no país.
De resto, nessa ocasião havia depósitos nos Bancos, de forma que se podia recorrer ao crédito em condições vantajosas que hoje não se dão. Mas, com uma grande paixão política, o Sr. Presidente do Ministério vem dizer-nos que era devido ao dezembrismo que a situação cambial se tinha agravado.
Assim, S. Exa. diz-nos que em 5 de Dezembro de 1917 a libra estava a uma cotação baixíssima, mas veio o dezembrismo e acabou com isso. Pois eu demonstrarei à Câmara, com números e um gráfico elaborado na secção do Tesouro do Banco de Portugal, que S. Exa. estava em oposição à verdade quando fez essa afirmação, e até êste gráfico é a melhor propaganda que se pode fazer da doutrina de que emquanto V. Exa. se deixarem levar pelo credo republicano não fazem senão desgraçar o país!
Em 5 de Outubro de 1910, depois dos saudosos tempos da propaganda, nessa data redentora, cheia de beleza e não sei que mais, o câmbio estava a 51, ou seja a libra a 4$700. Inicia-se a moralizadora administração republicana e o câmbio começa imediatamente a descer, a descer até 28 de Janeiro de 1915, em que o chamado movimento das espadas, movimento de traidores à Pátria e à República, põe fora das cadeiras do Poder os excelentes governantes que lá se encontravam. E que vemos nós? Vemos o preço da libra a melhorar de dia para dia, até que em 14 de Maio o Sr. Álvaro de Castro, paladino da pureza augusta da Constituição e hábil em manejos conspiratórios, lança, com êxito, um movimento revolucionário para pôr termo à tirania dos ditadores.
Vencido o movimento, a libra recomeça teimosamente a subir, a subir, até que o movimento — outro movimento de traição — de 5 de Dezembro de 1917 acentua ràpidamente a valorização do escudo.
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Dois anos depois a mão justiceira dum grande libertador assassina Sidónio Pais. Em Janeiro de 1919 o negregado período dezembrista termina e a libra começa novamente a ir por aí fora até àquilo que é hoje, e que Deus sabe o que será amanhã.
Tem sido esta a obra da República. Agora digam-me V. Exa. as—aqueles que não sobrepõem o regime ao país — se o regresso à monarquia se impõe ou não. Sr. Presidente: eu disse, ao iniciar as minhas considerações, que iria ser breve. Vou efectivamente procurar fazê-lo, e terminaria já se não fôsse o desejo de me referir a um caso que se me afigura deveras importante.
Vou tratar dum dos maiores escândalos desta República, depois dos escândalos dos Transportes Marítimos, dos Bairros Sociais, dos trinta suplementos, da Exposição do Rio de Janeiro, do Lazareto e de tantos outros que são o pão .nosso de cada dia neste regime de democracia pura em que temos vivido há anos a esta parte.
O meu querido amigo e distinto correligionário Sr. Morais Carvalho já na última sessão se ocupou, e brilhantemente, do mesmo assunto.
Refiro-me às cambiais de exportação, que, devendo dar ao Estado avultados lucros, lhe têm causado prejuízos dalguns milhares de contos.
Onde estão e quem ganhou os 73:000 contos que faltam?
Como é que o Sr. Presidente do Ministério explica esta situação?
Isto é ainda pior que os escândalos da Exposição do Rio de Janeiro, que não são nada ao pé disto.
O país tem o direito de saber onde foram parar êsses milhares de contos de cambiais, e como é que a República pode vir pedir mais impostos quando desaparecem assim milhares de contos.
O Parlamento também tem direito a saber como isto é, e para isso devem-se publicar todas as contas, dizendo ao país toda a verdade.
Como é que, dando-se casos dêstes, o Sr. Presidente do Ministério publica decretos arrancando ao país dinheiro, e o Sr. Velhinho Correia vem aqui dizer a toda a hora que é necessário votar mais impostos?
Apoiados.
Onde está a moral da obra da República, e como é que Deputados Republicanos podem apoiar uma situação desta ordem?
Mas não admira que haja uma administração desta ordem, quando ainda há dias o Sr. Ministro das Finanças declarou que lhe rebentou em cima da sua secretária, como uma bomba, uma letra do milhares de dólares que não sabia que existia.
O país precisa saber tudo. Não é só lançar impostos, extorquir dinheiro, aniquilar a fortuna do particular, para certos indivíduos se locupletarem e viverem à custa dos sacrifícios do contribuinte.
É indispensável que o Sr. Presidente do Ministério esclareça tudo; o país tem. direito a exigi-lo
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. António Maria da Silva: — Sr. Presidente: se tomo a palavra nesta discussão (e faço-o aborrecido), é para esclarecer certos pontos a que se aludiu durante a discussão.
Fez-se o empréstimo de 6 por cento ouro num Govêrno da minha presidência e não há dúvida que a responsabilidade é do Ministro das Finanças Sr. Vitorino Guimarães, mas nem por isso deixo do ter responsabilidade também.
Estou convencido de que esta medida é boa e foi a tentativa mais honesta e mais patriótica que a República podia realizar.
Os governos da minha presidência alguma cousa fizeram sôbre o assunto para melhorar a situação financeira, se bem que se tenha dito que trataram somente da ordem pública, o que aliás de toda a conveniência foi para o País, pois a verdade é que conseguiram manter a ordem, o garantir a estabilidade ministerial, o que alguma cousa é e do alguma cousa valeu para o País, tendo nós com isso, conseguido que o Presidente da República pudesse chegar ao termo do seu mandato.
Várias outras medidas tivemos ocasião de pôr em prática e temos der constatar que os homens da República que fizeram
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parte dêsses Ministérios, como os que actualmente se encontram nas cadeiras do Poder, ou outros quaisquer, têm trabalhado, trabalham e hão-de trabalhar para o bem da Pátria, com prejuízo dos seus próprios interêsses.
Nunca pedimos ao Parlamento autorizações largas, como as que têm sido concedidas ultimamente, não querendo, no emtanto, com isto dizer que o Parlamento tenha andado mal concedendo-as.
O que é necessário, porém, é que elas sejam aplicadas de forma a justificar a necessidade que houve em as conceder; pois, de contrário, isso poderá redundar num desprestígio para crê homens do Govêrno e para o regime.
Simultaneamente quisemos fazer a compressão das despesas, e para isso envidei, com os meus colegas do Ministério, os meus maiores esfôrços e todos devem, recordar-se das lutas que se travaram para não prover os cargos vagos, tendo além disso trazido a esta casa do. Parlamento uma proposta tendente a proibir que se fizessem novas nomeações.
Apesar de todos os nossos esfôrços, apesar da nossa boa vontade de conseguirmos realizar uma obra vasta e verdadeiramente profícua para o País, foi tal o torpedeamento feito à maior parte das nossas medidas, que afinal resultou desconexo o nosso trabalho, pois nunca tive para governar as autorizações parlamentares necessárias para efectivar o que era absolutamente necessário ao bem da Nação.
Não há o direito de acusar os governos da minha presidência de não terem realizado integralmente o seu programa, porque, se o não fizeram, foi apenas porque o Parlamento lhes não concedeu os meios indispensáveis para isso.
Várias vezes fiz aqui apelo à Câmara para que efectivássemos uma obra de conjunto.
Não ganhamos absolutamente nada com retaliações partidárias. Disse-o no Congresso do meu partido e já o tinha dito muitas vezes.
Fez-se aqui também um a referência que me magoou. Afirmou-se que o Govêrno da minha presidência não tinha conseguido o crédito dum milhão de libras em Londres, devido à sua falta de tato político.
Quem se recorde do que era a situação interna do País nessa ocasião em que me vi a braços com uma greve revolucionária e quem se recorde das convulsões mundiais dessa época não tem o direito de censurar o Govêrno por não ter obtido um crédito a que quási poderá chamar-se um empréstimo sôbre penhores.
Sr. Presidente: não estou a fazer qualquer ataque ao Govêrno do Sr. Álvaro de Castro.
Não me importa nada a constituição governativa; o que me preocupa simplesmente é o bem da Nação. E tenho disso dado sobejas provas, pois a Câmara deve lembrar-se de que, tendo eu declarado ao actual Sr. Presidente da República que, embora tivesse elementos para governar, não queria continuar no Poder, não quis, todavia, colocar o supremo magistrado da Nação numa situação difícil, e dei-lhe o tempo necessário para S. Exa. arranjar um Ministério que substituísse o meu.
Fui eu quem lhe disse que se aconselhasse com todas as correntes de opinião política, porque eu sei bem as responsabilidades das pessoas que se encontram naqueles lugares.
Sr. Presidente: como parlamentar, devo dizer a V. Exa. e muito especialmente ao Sr. Presidente do Ministério e aos seus colaboradores, que estou absolutamente de acordo com todos os meus correligionários em tudo que se possa referir ao bem da Nação e que, só para êsse bem é necessário manter as autorizações dadas, não será o meu voto que se oporá à sua manutenção.
Estou convencido, assim como também o devem estar todos os homens da República, de que quando todos se congregarem sem pensar em clientelas, pensando só no bom da Nação, esquecendo a sua proveniência política e duma vez para sempre se fizer a tam ambicionada frente única, ter-se há concorrido duma maneira efectiva para o bem da Nação. Qualquer outra situação governativa, permitam-me o termo, de cacharoleto, não serve o Parlamento, não nos serve a nós e faz mal ao País.
Se fôr possível conseguir êsse alvejado fim, serei eu o primeiro a fazer o apelo a todos, absolutamente a todos, para que se encete essa obra. Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Lino Neto.
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: peço a V. Exa. que me diga quanto tempo falta para se encerrar a sessão.
O Sr. Presidente: - Faltam apenas oito minutos.
O Sr. Lino Neto: — Como nesse espaço de tempo não me é possível Concretizar as considerações que tenho a fazer, peço â V. Exa. que me reserve a palavra para a próxima sessão.
O Sr. Presidente: — Fica V. Exa. com a palavra reservada.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Joaquim, Brandão: — Peço a atenção do Sr. Ministro da Instrução.
Sr. Presidente noticiaram os jornais que entre as medidas de economias planeadas pelo Govêrno, está a supressão de vários liceus e a redução dos liceus contrais.
Sr. Presidente: creio que se há alguma cousa em Portugal em que se não devia economizar é especialmente na instrução, porque infelizmente está em estado bem precário.
Entendo que seria realmente esta a última economia à fazer, porque, como já disse, o País precisa de instrução.
Mas está providência governativa é também gravosa para aqueles povos que tiveram a felicidade de obter os seus estabelecimentos de ensino e que se vão ver agora despojados deles.
Não faz sentido que quando Um Estado não pode, péla sua falta de recursos, dar às localidades aquilo que elas necessitam, como são estradas, caminhos de ferro e outras cousas que implicam com a sua economia, o mesmo Estado ainda vá arrancar a êsses povos regalias quê conquistaram com muito esfôrço.
Sr. Presidente: consta-me que Vai ser retirada a categoria de «liceu central» ao liceu de Setúbal, categoria, aliás, que foi concedida por uma lei especial.
Quero crer que o Sr. Ministro da Instrução, no louvável intuito de reduzir despesas, não atentou bem na injustiça e
gravame que vai fazer à terceira cidade do País pela sua indústria è comércio.
Actualmente àquela cidade tem Cerca de sessenta mil habitantes, e, para instrução média, não possui senão o liceu e uma escola elementar de comércio.
Nestas condições, pregunto ao Sr. Ministro da Instrução se o facto a que mo refiro não representa uma grave injustiça.
Mas, há mais. O liceu de Setúbal não é freqüentado apenas por alunos residentes naquela cidade, porque, estando ela ligada pelo caminho dê feri o a doze concelhos da parte trastagana, muitos dós Seus alunos aproveitam êste meio de transporte para freqüentarem o liceu. Virem freqüentar os liceu de Lisboa é impossível, porque êles já não chegam para a população escolar residente na capital.
Nestas condições, apelando pára o espírito dê justiça dó Sr. Ministro da Instrução, estou convencido de que S. Exa. não efectivará a redução em que se pensou.
Tenho dito.
G orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Helder Ribeiro): — Sr. Presidente: ouvi com atenção as considerações do Sr. Joaquim Brandão, e devo dizer que o facto é como S. Exa. supunha.
S. Exa. ê a Câmara compreendem a necessidade de fazer economias, e a medida a que S. Exa. se referiu é de Carácter geral, pelo que não pode representar qualquer falta de consideração para à cidade de Setúbal.
Como se compreende que sê estabelecesse numa cidade que não era de dia Ordem êsse liceu?
Apartes.
Compfeendia se o entusiasmo de S. Exa. para O estabelecimento dêsse liceu mas em outra cidade.
Àpartes.
A população dêsse liceu é bastante reduzida e isso é mais uma razão para que tal categoria de liceu não se imponha nem pela freqüência nem pelas razões de tradição que pudesse ter.
Eu sei que para Si Exa. a medida tomada é dolorosa, mas não havia argumentos que justificassem que a cidade de Setúbal tivesse outra categoria de liceu.
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Estabelecendo a lei que as capitais dos distritos, que tivessem liceus centrais, concorressem pelos seus Corpos administrativos com a diferença além da verba do Estado para as respectivas despesas, nada justificaria a existência do liceu de Setúbal em tal categoria.
Àpartes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Si. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: há mais de trinta dias que dura a greve de transportes; e é interessante que, tendo vindo à imprensa a notícia de que o Sr. Ministro do Interior viria ante o Parlamento dar contas do que se passava com essa greve, notícia que não sei se é verdadeira, o que é verdade é que S. Exa. nada disse, apesar de o assunto ter sido versado aqui.
É preciso que se diga à Câmara o que S. Exa. pensa fazer relativamente a êste assunto. Não pode, de maneira alguma, S. Exa. manter-se alheado dêsse movimento, na atitude de intransigência que assumiu, verdadeiramente injustificada.
Não se compreende que o Govêrno transija constantemente com os desordeiros, com indivíduos que fazem movimentos ilegais, lançando bombas elementos provocadores de revoluções, e se alheie dum movimento desta natureza.
Como os que protestam não são elementos políticos, como porventura não podem prestar serviços como outros prestam ao Govêrno, êste não se mostra disposto a transigir em nada, tratando-se dum movimento que não é uma greve, mas um protesto contra uma resolução do Govêrno atrabiliária respeitante às multas, nos termos em que a pôs o Sr. Ministro do Interior.
O Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso): — Eu,... não senhor.
O Orador: —V. Exa. foi autorizado a aumentar multas.
Não quere dizer que fôsse forçado a usar dessa autorização.
As multas não podem ser criadas como uma receita do Estado, mas como pena, que tem de ser proporcional ao delito.
Como se podem aplicar multas de centenas de escudos, porque se apagou
uma lanterna de um carro, muitas vezes, por um motivo fortuito?
S. Exa. não pode deixar de transigir.
Tem de modificar tais multas e não dizer que só o fará quando os que protestam voltarem ao trabalho.
Com os padeiros não procedeu assim.
Vou terminar as minhas considerações, se bem que não tenha levado mais tempo que os oradores que me precederam, tanto mais quanto é certo que o assunto que estou tratando é da máxima importância.
Torna-se, Sr. Presidente, necessário, que o Govêrno transija, pois a verdade é
que algumas das reclamações são justas, sendo de todo o ponto necessário que o
Govêrno as atenda.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso): — Sr. Presidente: devo dizer, em abono da verdade, que há muito tempo que não vejo tratar nesta casa do Parlamento uma questão com tanta infelicidade como acaba de fazê-lo o Sr. Cancela de Abreu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — V. Exa. é que tem sido infeliz.
O Orador: — Prestei toda a atenção u S. Exa., não o interrompendo, e assim desejo igualmente que S. Exa. me não interrompa.
S. Exa. A foi menos exacto no que disse.
O Parlamento é que votou uma lei estabelecendo essas multas, sem excepção, todas absolutamente todas, e digo isto bem alto, pois provavelmente o que S. Exas. desejam, com o barulho que estão fazendo, é que eu me não faça Ouvir, para amanhã continuarem dizendo nos seus jornais que eu alterei a lei.
O Parlamento é que votou uma lei pela qual se aumentam as multas, o que é aliás de todo o ponto justo, porque nada mais lógico que a sua actualização.
Disse igualmente S. Exa. que eu alterei a lei no intuito de arranjar receita para aumentar os vencimentos da polícia, o que também não é verdade.
A lei efectivamente não saiu perfeita, e, logo que se começou a aplicá-la, se verificou que as multas eram excessivas, razão por que as reduzi, estando na intenção
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de trazer ao Parlamento uma alteração que, estou certo, êle a votará.
A minha proposta ainda não estava elaborada, quando no Ministério me procuraram alguns chauffeurs, que foram recebidos por ruim, e que reclamaram contra as multas de 800$, e contra a maneira como estavam sendo aplicadas.
Conversámos e vim para o Parlamento, falei com alguns leaders, sôbre a proposta a apresentar, mas não pude apresentá-la.
Quando saí daqui encontrei a greve dos chauffeurs.
Sôbre o assunto ouvi com toda a atenção as reclamações apresentadas para que as multas fossem deminuídas, e se modificasse o regime actual.
O que pretendia apresentar, tenho a convicção teria resolvido o assunto, disse-lhes.
Pediram-me que fossem soltos os presos.
Foram soltos os presos.
Instaram por que as multas permanecessem segundo a tabela anterior à sua modificação.
Não pude atender, pois iria contra uma lei do Parlamento.
Contudo, era tanta a minha convicção de que justiça havia nas suas reclamações que não tenho dúvida — afirmo-lhes — em recomendar que haja benevolência na aplicação das referidas multas.
Disse-lhes que tinha já uma proposta, mas que não a apresentava ainda, porque outros assuntos estavam em discussão.
Responderam-me que estavam do acordo e que retomariam o serviço.
Os delegados foram conferenciar com os chauffeurs e, daí a meia hora, declararam que a greve só acabaria quando fossem atendidas as reclamações.
Emquanto fôr Ministro do Interior, hei-de manter o prestígio da autoridade.
Não posso aceitar imposições desta natureza, absolutamente injustas, pois que não me recusei a satisfazer nenhuma das pretensões.
Nenhuma.
Mas também não é verdadeira a afirmação do que me desinteressasse da greve.
Tenho procedido por todas as formas, de acordo com o Sr. Ministro da Guerra, resolver a questão.
E assim é que hoje circulam nas ruas de Lisboa 350 carroças e 60 camiões.
Nesta greve há mais alguma cousa que se não parece nada com a greve dos padeiros.
Emquanto êstes foram duma correcção absoluta, os Srs. chauffeurs e carroceiros não procedem do mesmo modo.
Já fazem assaltos na rua, ataques a tiro e com fueiros, etc.
A isto respondo com o máximo rigor.
Não tenho medo absolutamente nenhum.
Pelo contrário.
Sou comedido, mas, nestes casos, não receio um momento.
A questão está neste pé, o que não quere dizer que, se alguém a quiser solucionar, eu não lhe dê todas as facilidades para isso.
Não sei, porém, que mais reclamações poderão ser satisfeitas: todas foram atendidas absolutamente.
Interrupção do Sr. Carvalho da Silva.
O Orador: — Garanto que há homens que recebem dinheiro, não trabalham, o estão em greve. Há proprietários de carroças que são os próprios que vão às reuniões dos carroceiros incitar à greve.
Êstes factos são absolutamente verdadeiros.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: ouvi no começo da sessão as declarações feitas pelo Sr. Ministro da Instrução em resposta ao ilustre Deputado Sr. Tôrres Garcia. Ouvi-as serenamente, mas não quis interromper o Sr. Ministro para lhe fazer umas preguntas.
Como, porém, vi S. Exa. exaltado ...
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Helder Ribeiro): — Calor sim, exaltação nenhuma!
O Orador: — Seja calor, só isso dá prazer a V. Exa.
Como, porém, vi S. Exa. com demasiado calor, não quis interrompê-lo para não lhe aumentar o calor. Portanto, aproveito o ensejo para agora fazer essas preguntas que tencionava então formular.
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Se S. Exa. quiser responder, agradecer-lhe hei muito, em meu nome e no dos católicos portugueses, que podem ficar intranqüilos com as suas palavras.
Desejava saber se a profissão de crenças religiosas é incompatível com o exercício do professorado oficial e, a propósito da tese de medicina que foi defendida em Coimbra, se o tema fôsse anti religioso em vez de não ser desfavorável à religião, S. Exa. mostraria contra o facto o mesmo calor que mostrou nas suas considerações.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, quando devolvidas, revistas pelo orador, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Helder Ribeiro): — Sr. Presidente: ouvi com muita atenção as considerações do ilustre Deputado Sr. Dinis da Fonseca, mas devo dizer a S. Exa., que me atribuiu uma grande exaltação em resposta ao Sr. Tôrres Garcia, exaltação que não era mais que o calor que devemos pôr em defesa dos princípios à sombra dos quais nos encontramos neste lugar, que S. Exa. é que estava porventura exaltado com a discussão, tanto que não deu a devida atenção às minhas palavras.
Efectivamente, afirmei logo no princípio das minhas considerações que ninguém era mais tolerante do que eu em matéria religiosa, mas o que não podia admitir era que os funcionários do Estado, nas suas funções oficiais, praticassem actos ou doutrinas que fossem opostas à neutralidade que o Estado deve manter perante as religiões de qualquer espécie.
Apoiados.
Como podia, pois, querer entrar na consciência de qualquer professor para lhe devassar as suas ideas religiosas?
Quanto ao tema de tese, preguntou S. Exa. se eu, caso se tratasse duma tese anti-religiosa, manifestaria o mesmo calor para o condenar.
Talvez, se os argumentos apresentados fossem da fôrça dos que se apresentaram na tese em questão.
É natural que sintamos um certo frisson ao ler numa tese, que devia ser de carácter scientífico, que é milagroso o efeito da água de Lourdes nas cavernas
dum tuberculoso e na reconstituição súbita dos tecidos.
Numa tese, que representa um trabalho de preparação scientífica, não é admissível que venham fazer-se afirmações de crítica aos sentimentos de cada um.
Poderia fazer-se, mas não dentro do espírito scientífico duma Faculdade de Medicina, em que os estudos assentam sôbre trabalhos de investigação a mais rigorosa.
O Sr. Dinis da Fonseca: — É certo que para alguns a contestação dos factos mais extraordinários se limita ao domínio das consciências, mas não deixa de ser scientífico estudar e constatar êsses factos.
Desejo saber se o regime entende que deve ir às escolas marcar os assuntos que devem ser tratados nas teses académicas.
O Orador: — Os assuntos têm de pairar sempre acima de todas as paixões de ordem religiosa, acima de qualquer orientação determinada que se queira marcar. Só a sciência deve entrar aí.
O Sr. Dinis de Fonseca: — Então não é permitida uma cadeira de estudo das religiões...
O Orador: — Desde que seja cabida a mais ampla discussão sôbre elas...
Não quero que V. Exa. julgue que as minhas palavras poderão ser ditadas por espírito sectarista. Não. Cada um tem as suas crenças, manifesta-as como entende, e quanto mais sinceridade possuir nessa manifestação mais digno é do nosso respeito. Mas o Estado, respeitando essas convicções, também tem direito a exigir de todos o respeito mais absoluto pelas leis do país.
Parece-me ter respondido satisfatoriamente, de maneira a apagar a indignação de S. Exa. em relação ao calor que tomei na defesa dos princípios que temos obrigação de manter.
O orador não reviu.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Agradeço a V. Exa.
O Sr. Portugal Durão: — Sr. Presidente: quero referir-me ao manifesto do Sr. comissário dos abastecimentos, que não
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sei se é um poema, se uma pastoral ou um manifesto.
Li-o no Século, e fui ver se êle vinha publicado noutros jornais, e efectivamente encontrei-o em todos.
Não devia ter custado menos, de uma dezena de pontos esta publicação em todas as folhas.
Presto as minhas homenagens às boas intenções do Sr. comissário, mus, reconhecendo a inutilidade da pastoral, lastimo que ela nem sequer em algumas passagens tenha gramática. Porque não acabamos nós com o Comissariado dos Abastecimentos?
O Sr. Sá Pereira: — Não apoiado.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro da Agricultura (Joaquim Ribeiro): — Sr. Presidente: ouvi com toda a atenção as considerações que acaba de fazer o Sr. Portugal Durão.
Devo dizer a S. Exa. que a publicação no manifesto do Sr. comissário dos abastecimentos me penalizou profundamente. Reconheço que o Sr. comissário dos abastecimentos é uma pessoa cheia de boa vontade e animada dos melhores propósitos de fazer alguma cousa neste país em que ninguém quere fazer nada. Sei, porém, que a publicação do referido manifesto obedeceu a um louvável propósito de propaganda. Mas, sendo, como muito bem disse o Sr. Portugal Durão, tais processos duma palpável inutilidade, eu apressei-me a comunicar ao Sr. comissário dos abastecimentos que não estava disposto a permitir a publicação de novos manifestos.
Quando entrei para a pasta da Agricultura não me encontrava bom impressionado a respeito da acção do Comissariado Geral dos Abastecimentos, Tive, porém, de constatar que ela não era, em muitos casos, inteiramente inútil. Em todo o caso eu julgo que não é por intermédio dêsse organismo que podemos resolver dalguma maneira o problema. Creio que a sua solução está na criação das cooperativas (Apoiados), e nesse sentido tenciono apresentar à Câmara dentro em breve uma proposta de lei,
A venda diária de géneros do Comissariado dos Abastecimentos, superior a 200 contos, prova que, pelo menos, um têrço da população de Lisboa se aproveita dele. Pena é que muita gente, que se queixa da carestia 4a vida, não se forneça dos armazéns do Comissariado,
Vozes: — Creia V. Exa. que muita gente não pode.
O Orador: — Com respeito à questão do pão, devo dizer que o respectivo decreto deve sair amanhã.
Obriga a que todo e pão que saia das padarias seja pesado; desde que o padeiro saia para a venda com o pão mal posado sujeita-se a perder todo o pão quando algum freguês o obrigue a pesar e não seja encontrado o pêso.
É possível que a fórmula adoptada não dê resultados, mas a experiência é apenas de dois meses, porque entretanto há-de aqui aprovar-se a proposta sôbre pão.
Estou convencido de que tenho razão.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia (com prejuízo dos oradores que se inscrevam):
A de hoje e parecer n.° 654 que concede ao cidadão Francisco de Sousa Magalhães o direito de construção e exploração dum caminho de ferro que, partindo da Póvoa do Varzim, vá terminar próximo da actual estação do caminho de ferro de Braga.
(Sem prejuízo dos oradores que se inscrevam):
A de hoje.
Ordem do dia:
A de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o n.° 657-A que actualiza as receitas prove-
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Sessão de 9 de Maio de 1924 27
nientes das contribuições, impostos e mais rendimentos do Estado pela aplicação de designados coeficientes. Imprima-se.
Da comissão de legislação criminal, sôbre o n.° 701-A que concede amnistia a infracções disciplinares e designados crimes militares, aos delitos de imprensa e contra o exercido do direito eleitoral nas eleições dos corpos administrativos.
Para a comissão de guerra.
Projecto de lei
Do Sr. João Camoesas, sôbre propriedade de emprêsas jornalísticas.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de comércio e indústria.
Proposta de lei
Dos Srs. Ministros das Finanças e Instrução Pública, abrindo um crédito de 2:200.000$ para pagamento de melhorias de vencimentos do pessoal dos diversos
serviços do Ministério da Instrução, respeitantes ao ano económico de 1922-1923.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de finanças.
Requerimentos
Requeiro que pelo Ministério da Guerra, 3.ª Repartição, seja fornecida nota extraída do mapa da força do exército, dos sargentos e seus equiparados, e bem assim dos cabos, soldados e sargentos e seus equiparados que, com vencimento, existiam em 30 de Setembro de 1910, em 30 de Setembro de 1913 e em 30 de Setembro de 1923.— David Rodrigues.
Expeça-se.
Requeiro que pelo Ministério da Guerra me seja enviada com a maior urgência uma relação nominal de todos os sargentos ajudantes promovidos na última Ordem do Exército e que requereram transferências de unidades e bem assim a data de cada requerimento.— Garcia Loureiro.
Expeça-se.
O REDACTOR — Avelino de Almeida.