Página 1
RÉPUBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 93
EM 30 DE MAIO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Sebastião de Herédia
Sumário. - Aberta a sessão com a presença de 42 Srs. Deputados lê-se a acta e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Tavares de Carvalho usa da palavra sôbre o jôgo ilícito e o fabrico do pão,
O Sr. António Maia requere que. a ordem do dia se divida em duas partes: uma para discussão do Orçamento e outra para a das restantes propostas e projectos.
O Sr. Hermano de Medeiros requere que o parecer n.º 695 seja inscrito antes da ordem, sem prejuízo dos oradores inscritos ou dos restantes pareceres,
O Sr. António Maia interroga a Mesa sôbre o seu requerimento, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
Aprovado o requerimento do Sr. Hermano de Medeiros.
O Sr. Vitorino Guimarães pede ao Sr. Ministro das Finanças que esclareça a Câmara «obre a aplicação dos lucros das operações de cambiais pertencentes ao Estado e realizadas por intermédio do Banco de Portugal.
O Sr. Carvalho da Silva tem a palavra para explicações.
O Sr. António Correia interroga a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das finanças (Álvaro de Castro) responde ao Sr. Vitorino Guimarães e também ao Sr. Tavares de Carvalho, que lhe dirigiu algumas preguntas numa das sessões anteriores.
O Sr. Hermano de Medeiros requere a imediata discussão do parecer n.º 698.
O Sr. António Correia interroga a Mesa.
O Sr. Morais Carvalho invoca o § único do artigo 63.° do Regimento.
O Sr. Cancela de Abreu interroga a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
É aprovada a urgência e a dispensa pedidas pelo Sr. António Maia para o seu requerimento transformado em proposta.
O Sr. Hermano de Medeiros tem a palavra sobre o modo de votar.
Entra em discussão a proposta do Sr. António Maia.
Usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva, Vergílio Saque, que apresenta uma proposta de substituição; Carlos Pereira, António Maia, que propõe também uma substituição; Francisco Cruz e Morais Carvalho.
O Sr. Cancela de Abreu interroga a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
Usam da palavra, ainda a propósito da proposta do Sr. António Maia, os Srs. Pedro Pita, António Maia, que apresenta uma nova proposta; Pedro Pita, que propõe que ela desça à comissão; António Maia, que requere dispensa; Pedro Pita e Jaime de Sousa, sôbre o modo de votar.
É aprovado o requerimento.
Sôbre a nova proposta, usam da palavra os Srs. Plínio Silva, Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro), Velhinho Correia, que apresenta um aditamento; Tôrres Garcia e Ferreira de Mira.
O Sr. António Maia requere prioridade para a votação da sua proposta.
Aprovado.
É aprovada a proposta do Sr. António Maia.
Efectuada a contra-prova, confirma a votação.
É aprovado o aditamento do Sr. Velhinho Correia.
Efectuada a contra-prova, com contagem, confirma-se a votação, por 40 votos contra 2ti.
Ordem do dia. — É aprovada a acta da sessão anterior.
Fazem-se admissões.
O Sr. Presidente propõe um voto de sentimento pela morte do Sr. Dr. Vieira Lisboa, presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Associam-se a êste voto os Srs. Almeida Ribeiro, António Correia, Lino Neto, Lopes Cardoso, Morais Carvalho, Meireles Barriga e Presidente do Ministério.
O Sr. Jaime de Sousa manda para a Mesa um parecer da comissão de colónias.
O Sr. Viriato da Fonseca manda para a Mesa um parecer da comissão de colónias.
Página 2
2 Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Presidente anuncia estarem na Mesa duas notas de negócio urgente.
O Sr. Cancela de Abreu, tem a palavra para interrogar a Mesa.
Sôbre o modo de votar o negócio urgente do Sr. João Camoesas, usam da palavra os Srs. Almeida, Ribeiro, Presidente, do Ministério, Carvalho da Silva e Cunha Leal.
É aprovado é requerimento do Sr. João Camoesas.
Efectuada a contra-prova, com contagem, confirma-se a aprovação por 54 votos contra 10.
Usa da palavra o Sr. João Camoesas.
O Sr. António Correia requere a prorrogação da sessão até se liquidar o negócio urgente.
Aprovado.
O Sr. Carvalho da Silva requere a generalização do debate.
Rejeitado.
Em contraprova, é aprovado o requerimento por 35 votos contra 30.
Usa da palavra o Sr. Ministro da Guerra (América Olavo).
O Sr. Presidente interrompe a sessão para prosseguir às 21 horas e 30 minutos.
Reaberta a sessão, usam da palavra os Srs. João Camoesas, Cunha Leal, António Maia, que manda para a Mesa uma viação; Carvalho da Silva, António Maria da Silva, Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro) é António Correia, que manda para a Mesa uma moção, a qual é admitida.
O Sr. António Maria requere à contraprovas invoca o § 2.º do artigo 116.º
Verifica-se que não há número.
Procede-se à chamada.
Como não haja número para os trabalhos prosseguirem, o Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.
Abertura da sessão às 15 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão.
Adolfo Auguro de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Ferreira Vidal.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António Vicente Ferreira.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Francisco da Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
4oão Cardoso Moniz Bacelar.
Joaquim Brandão.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Carlos Cândido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Francisco Cruz.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Ângelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Página 3
Sessão de 30 de Maio de 1924 3
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pereira Nobre.
Bernardo Ferreira de Matos.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Matias Boleto Ferreira do Mira.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Joaquim Ferreira da Fonseca
António de Mendonça.
Artur Brandão.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim do Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres de Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Página 4
4 Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Presidente: — (Às 16 horas e 25 minutos) Estão presentes 46 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Leu-se a acta é o seguinte
Expediente
Ofícios
Da Câmara Municipal de Lisboa pedindo a rápida aprovação do projecto de lei do Sr. Costa Amorim, habilitando as Câmaras Municipais a proceder no sentido de evitarem construções mal calculadas e faltas de respeito às intimações municipais.
Para a comissão de administração pública.
Do Comité da Campanha Mundial de Sete Anos para suprimir a guerra, remetendo o programa preliminar da mesma Campanha.
Para a comissão de negócios estrangeiros.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Se bem que, Sr. Presidente, eu me tenha inscrito dentro do período regimental, não tenho dúvida alguma em ceder a palavra a qualquer dos Srs. Deputados da oposição que queira tratar de qualquer assunto de interêsse.
Como nenhum Sr. Deputado deseja aceitar o meu oferecimento e como não está presente o Sr. Alberto Jordão, que ontem protestou, injustamente, contra a concessão da palavra que V. Exa. faz nos termos do Regimento, a quem cederia a palavra para falar, vou usar da palavra, lamentando não estejam presentes nem o Sr. Ministro do Comércio nem das Finanças.
Peço ao Sr. Ministro da Justiça, que vejo presente, o obséquio do lhes transmitiras considerações que vou fazer.
Tenho, Sr. Presidente, conhecimento de que as casas de jôgo que foram mandadas fechar vão abrir com nomes diferentes.
Foi-me, Sr. Presidente, garantido por um amigo meu, de toda a confiança, que o Clube Ritz vai abrir,, por conta dos mesmos proprietários, mas com nomes diferentes, assim como outras casas de jôgo
que foram fechadas por períodos indeterminados.
Torna-se, pois, necessário que o Sr. Ministro do Interior dê as suas ordens no sentido de que elas sejam fechadas e com toda a urgência, sem ter receio algum de revoluções, por isso que os jogadores ou batoteiros não têm fôrça moral para se imporem seja a quem fôr.
Sei também, Sr. Presidente, e de fonte limpa, que no Estoril se está jogando com conhecimento do Governador Civil de Lisboa e das autoridades administrativas de Cascais, digo com consentimento, porque me informaram que toda a gente sabe que se joga no Estoril e que as autoridades não reprimem o exerci do do jôgo.
Sei que se jogam ali grandes importâncias, e que as casas de jôgo estão francamente abertas aos jogadores e aos, incautos.
Isto foi-me dito e verificado por um amigo meu, da maior consideração.
O que é na verdade para lamentar é que as autoridades administrativas, sabendo que o jôgo de azare proibido, consintam tacitamente que os batoteiros continuem a jogar, não só no Estoril como em Lisboa e por êsse pais fora.
Desejo também, Sr. Presidente, que o Sr. Ministro da Justiça chame a atenção do Sr. Ministro da Agricultura para uma qualidade do pão. Todos sabem que o pão de segunda que se está vendendo é verdadeiramente intragrável, sendo de toda a conveniência que S. Exa. mande intensificar a fiscalização de forma a que o pão de segunda não se venda intragável. Todos os padeiros, como a moagem se preocupam pouco que algumas pessoas, que, como eu, não podemos comprar o pão de primeira, que custa cêrca de 4$, tenham de se sujeitar, portanto, ao pão de segunda, que está, como disse, verdadeiramente intragável e impróprio para qualquer indivíduo poder com êle alimentar-se.
Tenho dito.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: longa vai já esta sessão legislativa; não vejo, porém, na ordem do dia os orçamentos, se bem que alguns já tenham os pareceres das respectivas comissões. - Peço, por isso, a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite
Página 5
Sessão de 30 de Maio de 1924 5
que a ordem do dia seja dividida em duas partes, uma para discussão dos projectos relativos aos impostos e a outra para só discutir o orçamento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Hermano de Medeiros: - Sr. Presidente: desejava que as considerações que vou fazer fossem ouvidas pelo Sr. Ministro do Comércio ou pelo do Interior; como, porém, nenhum deles esteja presente, peço a V. Exa. que me reserve a palavra para quando compareçam na Câmara.
Aproveito a ocasião de estar com a palavra para pedir também a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permito que seja inscrito, antes da ordem do dia e sem prejuízo dos oradores inscritos, o parecer n.° 695.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: fiz há pouco um requerimento que V. Exa. não submeteu à votação da Câmara. Julguei que seria por falta de número, mas, como verifico que assim não é, peço a V. Exa. o obséquio de me dizer qual a razão que o levou a proceder de tal forma.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — V. Exa. pediu que a ordem do dia fôsse dividida em duas partes, assunto êste que deve ser motivo duma proposta e não dum requerimento, visto que se destina a alterar o Regimento.
Queira, portanto, V. Exa. fazer a sua proposta por escrito, e mandá-la depois para a Mesa, para eu a poder submeter à apreciação da Câmara.
S. Exa. não reviu.
O Sr. António Maia: — Nesse caso, vou fazer a minha proposta, pedindo desde já para ela a urgência o a dispensa do Regimento.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam o requerimento feito pelo Sr. Hermano de Medeiros, isto é, que seja inscrito antes da ordem do dia, sem prejuízo dos oradores inscritos, o parecer n.° 695, queiram levantar-se.
É aprovado.
O Sr. Vitorino Guimarães: — Sr. Presidente: a propósito duma pregunta feita nesta Câmara pelo Sr. Carvalho da Silva ao Sr. Ministro das Finanças sôbre o movimento das cambiais adquiridas pelo Estado, em virtude da lei das exportações, tenho a dizer à Câmara o seguinte: Muitos indivíduos, sem se importarem absolutamente nada com os interêsses nacionais, porque são dos que dizem que quanto pior melhor, só têm em vista, com uma má fé inqualificável, deprimir todos aqueles homens que têm feito ao País os maiores sacrifícios.
Não são precisos conhecimentos especiais, porque basta a simples leitura dos números que estão publicados para se saber o que o Sr. Carvalho da Silva pretende.
Extraordinária cousa esta de formular uma pregunta há tanto tempo, e não voltar a pedir ao Sr. Ministro das Finanças que dêsse a resposta, depois de S. Exa. estar habilitado a dá-la!
Ora, como não posso partir do princípio de que o Sr. Ministro das Finanças não possua êsses elementos, porque as contas estão feitas há muito tempo, embora não tivesse êsses elementos no dia em que fez a pregunta, pois não vinha prevenido, venho solicitar do Sr. Ministro das Finanças a fineza de dizer à Câmara, pelos elementos entregues pelo Banco de Portugal, quais são os resultados das transacções feitas com as cambiais do Estado».
É necessário que se esclareça o País, para desaparecer essa atoarda, lançada com intuitos de baixa política, de que da venda das cambiais resultaram os prejuízos a que se tem aludido.
O Sr. Carvalho da Silva, como bom português e patriota — não posso deixar de o reconhecer, embora nos separem profundamente os ideais políticos — devia todos os dias insistir com o Sr. Ministro das Finanças para que prestasse à Câmara os esclarecimentos acerca dêste assunto, a fim de que, se tivesse havido factos criminosos, fossem devidamente castigados os que houvessem arrastado o Estado à situação que o Sr. Carvalho da Silva descreveu.
Peço, portanto, ao Sr. Ministro das Finanças que esclareça o Parlamento só-
Página 6
6 Diário da Câmara dos Deputados
bre os resultados das transacções feitas com as cambiais do Estado.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva (para explicações): — Sr. Presidente: ao chegar a esta casa ouvi o Sr. Vitorino Guimarães censurar indignadamente a atitude tomada por mim há mais de um mês.
Já estamos habituados a ver o Sr. Vitorino Guimarães retardar a sua indignação. Quando o Sr. Ministro das Finanças diminuiu o juro do empréstimo de 6,5 por cento, apesar do Sr. Vitorino Guimarães haver tomado o compromisso com o País de garantir os juros estipulados, S. Exa. não hesitou em engarrafar a sua indignação durante quatro meses.
O Sr. Vitorino Guimarães de novo engarrafou a sua indignação acercada questão das cambiais. Hoje, porém, em virtude de combinações feitas com o Sr. Ministro das Finanças, vem tratar da questão das cambiais, tantas vezes versada pela minoria monárquica.
O Sr. Vitorino Guimarães não foi verdadeiro na sua acusação. Não fomos nós que fugimos. Foi o Sr. Vitorino Guimarães, foi o Sr. Álvaro de Castro, foram todos os Ministros das Finanças que têm fugido ao cumprimento da lei que mandava apresentar semestralmente ao Parlamento as contas do movimento das cambiais.
O Sr. Vitorino Guimarães, cujas responsabilidades são tam grandes como as do Sr. Álvaro de Castro na falta da publicação das contas, vem hoje acusar quem tem pugnado pelo cumprimento da lei!
Que autoridade tem S. Exa. para falar, quando é certo que ainda não se publicaram as contas da aplicação de 642:000 contos, não se sabendo sé o Estado perdeu, se ganhou, ou quanto ganhou?
Homens que tratam assim dos assuntos de administração pública que autoridade têm pára se levantarem contra quem reclama dentro da lei?
Conforme se demonstrou, como ainda há poucos dias foi confirmado nesta Câmara, não há contas das transacções com as cambiais, embora se trate de milhares e milhares de contos.
Na República os homens que administram não apresentam contas do que gastam.
E são êstes homens que têm o arrojo de vir acusar quem está isento de responsabilidades!
Sussurro.
O Orador: — Directamente visado pelo Sr. Vitorino Guimarães, tenho o direito de ò atacar com aquela energia e autoridade que disfruta quem não tem responsabilidades neste assunto e só pediu o cumprimento da lei.
Há mais dum mês que foram feitas as preguntas, e até hoje não houve resposta, quando todos sabem que as cambiais são lançadas no mercado para favorecer os amigos em dezenas de contos.
O Sr. Presidente: — V. Exa. faz o favor de restringir as suas considerações, pois tem a palavra só para explicações.
O Orador: — Vou terminar pedindo a V. Exa. que me reserve a palavra para depois do Sr. Presidente, do Ministério.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: — Pedia a V. Exa. que me dissesse qual ê a disposição regimental em que se fundou para não me dar á palavra, quando eu estava inscrito ante ontem, tendo-a dado a muitos outros Srs. Deputados.
Não sei a razão por que V. Exa. não rua deu; não sei se foi por eu ser um Deputado republicano.
Sinto-me agravado pela interpretação que V. Exa. deu ao Regimento, e de que resultou uma desconsideração para mim.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Não tive o intuito de desconsiderar V. Exa., nem ninguém, pois também havia outros Srs. Deputados que desejavam falar.
Cingi-me ao que estabelece o artigo 70.°, devendo acrescentar que no artigo 53.° se regula o uso da palavra para explicações.
S. Exa. não reviu.
O Sr. António Correia: — Acredito que V. Exa. não teve intuito de desconside-
Página 7
Sessão de 30 de Maio de 1924 7
ra-r ; mas devia ter- me concedido o tempo suficiente para usar da palavra.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro dai Finanças (Álvaro de Castro): — Agradeço ao Sr. Vitorino Guimarães o ensejo que me proporcionou de eu poder esclarecer a Câmara e rectificar umas frases do Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Carvalho da Silva interpretou erradamente certos números, o que me leva a ler à Câmara um mapa representativo do movimento das cambiais de exportação, desde 26 de Julho de 1923.
Êsse mapa acusa o seguinte:
A - Compras: Cambiais de exportação adquiridas, 633. 470$37 escudos a converter em esterlino, 8:608.829$00; somando estas duas verbas à importância de 642:324.299$00.
B — Vendas — Dinheiro cobrado pelo Estado, 517:613.535$00; cambiais gastas pelo Estado na compra de trigo e arroz, 517:513.535$00; com encargos próprios (dívidas), 63:288.301$00; saldo existente, 44:611.387$00. Somam estas verbas a importância de 715:873.972. Deduzindo daqui o produto de cambiais que foram incluídas no regime de exportações, mas adquiridas directamente no mercado, na importância de 77:205.065$00, obtem-se o número de 638:668.907$00.
C — Ganhos e perdas — Dinheiro gasto em adquirir cambiais, 642:324.29$00; dinheiro recebido pela vença de cambiais, 638:668.907$00, do que resulta uma diferença de 3:655.392$ÒO. Deduzindo a importância de 2:517.964$. (comissão do Banco de torturai) resulta um prejuízo de 1:337.428$00
Esta, na verdade, é a conta exacta, mas deduzidas as cambiais necessárias para ocorrer à deminuição do preço do pão, resulta uma grande economia para o Estado.
Como já tive enseje de dizer noutra ocasião em que me referi ao assunto; â conta será apresentada ao Parlamento para que êste e o país tomem dela é devido conhecimento.
Essa conta aliás não está determinada na lei, porque o determinado é que se se faça a conta das despesas próprias da inspecção é não das cambiais.
Mas estão fazendo-se, todas as contas necessárias para se publicarem os respectivos números e serem apresentados à Câmara.
Por êsses números demonstrar-se há que efectivamente a administração dessas verbas e cambiais foi feita em condições de utilidade, para o país.
Nada mais terei a dizer senão que compreendo muito bem — várias vezes o tenho dito — a atitude, dos Srs. Deputados monárquicos, pois que estão em tudo em oposição absoluta ao regime.
A oposição monárquica, pois, faz a política que entende mais vantajosa para a causa que defende, sendo porém certo que essa política se traduz num descrédito que afecta singularmente os interêsses do Estado afectando igualmente os seus interêsses próprios, porque o mal que se possa produzir afectará por igual a todos.
Os factos que se estão passando neste momento, e que ainda não são; conhecidos do país em detalhe, mas tive possivelmente o serão num prazo relativamente curto mostram-me as classes que em Portugal têm domínio financeiro e económico procuram perturbar a vida política criando uma situação de, descrédito em manifesto prejuízo do Estado.
Uma voz: - Mas isso é grave.
Outra voz: - Peçam-lhes as devidas contas.
O Sr. Velhinho Correia: — Polícia com êles!
O Orador: - O Govêrno não deixará de actuar através de todos os meios que tiver ao seu alcance, para restabelecer a confiança pública.
Não é uma questão de confiança num Govêrno; é uma quentão de confiança no país.
Se necessário fôr, apelaremos para a Câmara, na certeza de que esta não deixará de nos dar toda a fôrça para actuarmos como fôr conveniente, a fim de se manter a normalidade e a ordem no país.
Agora quero responder ao Sr. Tavares de Carvalho, que há duas sessões vem falando sôbre a questão do pagamento ao Estado, por parte dos Bancos das libras
que êstes lhe devem restituir.
Página 8
8 Diário da Câmara dos Deputados
O Conselho de Ministros, em Abril, salvo êrro, determinou que aos Bancos fôsse exigida a entrega das libras que haviam recebido.
Foi nesse sentido feita comunicação aos Bancos que, em documento se recusaram ao pagamento, alegando que nada deviam.
Posteriormente, em Conselho de Ministros, foi resolvido fazer intervir os tribunais para levarem os Bancos a entregar ao Estado as libras.
O processo foi enviado à Procuradoria Geral da República e o Sr. Ministro da Justiça tem pôsto nesse caso o maior dos seus cuidados, para que o Estudo obtenha os resultados que legitimamente deve obter.
Quanto ao conflito da Companhia dos Tabacos, segue êle o seu caminho.
Como se sabe, o Poder Legislativo autorizara o Govêrno a fazer um novo acordo entre o Estado e a Companhia, para o Tesouro público tirar maior rendimento do exclusivo, mas como faltam apenas dois anos para terminar a concessão dêsse exclusivo, o Estado poderia ver perdidos inteiramente todos os seus esfôrços, se, remetida a solução do caso para um tribunal comum, a questão se protelasse durante um ano ou mais.
Pareceu, portanto, ao Ministro das Finanças mais útil conseguir, por acordo, da Companhia o pagamento daquelas quantias que o mesmo Ministro das Finanças entendesse que por ela eram devidas ao Estado.
Posso ainda dizer à Câmara que as negociações ultimamente realizadas me permitem afirmar que o Estado chegará a uma solução vantajosa.
Quanto ao assunto da liquidação do diferencial do trigo a que se referiu, também, o Sr. Tavares de Carvalho, devo dizer a S. Exa. que transmiti ao Sr. Ministro da Agricultura as suas considerações sôbre o assunto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Peço a palavra para explicações.
O Sr. Presidente: — Não posso dar a palavra para explicações a V. Exa.
O Sr. Carvalho da Silva: — V. Exa. tem de ser presidente da Câmara e não duma facção.
V. Exa. não pode ter para comigo procedimento diferente do que tem para com outros Srs. Deputados.
O Sr. Ministro das Finanças fez considerações várias a respeito de palavras por mim aqui pronunciadas, e tenho, evidentemente, o direito de lhe responder.
Sussurro.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Requeiro que entre imediatamente em discussão o parecer n.° 598, que está pendente da votação da Câmara.
O Sr. Morais Carvalho (para.invocar o Regimento): — Sr. Presidente: invoco a disposição do § único do artigo 53.° do Regimento.
O Sr. Vitorino Guimarães levantou há pouco um incidente a propósito da questão das cambiais.
Ora quem inicialmente aqui levantou essa questão fui eu. Julgo por isso, e ainda porque fui atingido pelas palavras de S. Exa., que me assiste o direito de dar explicações à Câmara.
O Sr. Presidente: — V. Exa. terá a palavra para explicações, mas na devida altura.
O Sr. Carvalho da Silva: — Nestas condições, pregunto a V. Exa., Sr. Presidente, à sombra de que disposição regimental se concedeu anteontem a palavra ao Sr. António Maria da Silva depois de discutir o regime tributário.
O Sr. Presidente: — Concedi anteontem a palavra ao Sr. António Maria da Silva pela mesma razão por que a tenho concedido, em idênticas circunstâncias, a V. Exa. e a muitos outros. Srs. Deputados.
Lê-se a proposta do Sr. António Maia.
É do teor seguinte:
Proposta
Proponho que a ordem do dia seja dividida em duas partes, sendo a primeira destinada à discussão dos pareceres dos orçamentos, e a segunda destinada aos
Página 9
Sessão de 30 de Maio de 1924 9
pareceres, projectos ou propostas que já estão hoje na ordem do dia.
Câmara dos Deputados, 30 de Maio de 1924. — António Maia.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Entendo, Sr. Presidente, que uma proposta desta natureza, que implica uma alteração ao Regimento, não pode ser discutida sem o parecer da respectiva comissão.
É aprovada a urgência e dispensa do Regimento para a proposta do Sr. António Maia.
O Sr. Agatão Lança: — Requeiro a contraprova.
Em contraprova é novamente aprovado o requerimento do Sr. António Maia.
Entra em discussão a proposta.
O Sr. Carvalho da Silva: — O Sr. António Maia acaba de mandar para a Mesa uma proposta destinada a dividir a ordem do dia em duas partes: uma para a discussão do Orçamento e outra para as propostas de finanças.
Êste lado da Câmara julga que é êste o momento próprio para se referir à maneira por que vêm decorrendo os trabalhos parlamentares.
Ainda há poucos minutos se levantou aqui uma questão que de há muito devia estar esclarecida, se aos parlamentares se não coaretasse o direito de usarem da palavra.
Indignadamente levantou o Sr. Vitorino Guimarães a questão...
O Sr. Vitorino Guimarães (interrompendo). — Se me referi hoje à questão, foi porque só anteontem li, por acaso, o Correio da Manhã.
O Orador: — Só anteontem S. Exa. leu o Correio da Manhã.
Pois devia lê-lo todos os dias!
Risos.
O Orador: — É necessário discutir os orçamentos.
O Sr. Presidente do Ministério, chamado à barra pelo Sr. Vitorino Guimarães, diz que se demonstrará se é ou não verdade o que diz o Sr. Carvalho da Silva.
Vejam como tudo isto está!
O problema mais importante neste país é a confiança.
E que confiança pode inspirar um Govêrno cujo chefe e Ministro das Finanças diz que não sabe em que estado estão as contas do Estado?
Não sabe explicar onde é que estão 73:900 contos!
Não sabe nada.
Urge discutir o Orçamento, mas com aquela largueza que é indispensável, pois não é com aumentos de impostos que se há-de regularizar a situação financeira, visto que êles apenas servem para aumentar o custo da vida, que cada vez torna mais aflitiva a crise que atravessa, principalmente, o funcionalismo público, crise que o Estado, por todas as razões, já devia ter atenuado não só porque são justíssimas algumas das reclamaçães que se têm dirigido ao Govêrno, mas também porque é melhor que o Estado vá ao encontro delias, do que depois tenha de transigir quando lhe forem apresentadas.
A Câmara bem sabe como a questão dos orçamentos se liga com a situação do custo da vida, e não se compreende que, tendo sido há cinco meses apresentados os orçamentos, ainda nem um só fôsse discutido.
Ainda não se leu um único parecer!
Êste lado da Câmara entende que devem ser discutidos os orçamentos e a questão das reclamações dos funcionários públicos.
Nestas condições, dou o meu voto à proposta do Sr. António Maia.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Vergílio Saque: — Mando para a Mesa a seguinte proposta de substituição:
Proponho que, a começar na próxima segunda-leira, sejam marcadas sessões nocturnas destinadas exclusivamente à discussão do Orçamento do próximo ano económico.— Vergílio Saque.
É admitida.
O Sr. Carlos Pereira (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: a proposta do Sr. António Maia merece, de facto, a aprovação; mas não sou dos que têm êsse fetichismo pelos orçamentos que a maior parte da gente tem.
Página 10
10 Diário da Câmara dos Deputados
Entendo que é necessário cumprir essa disposição, mas até lhe vejo outra vantagem, afinal.
As contas são constantemente agravadas, alteradas, e de que nos serve, por tanto o Orçamento?
Devem votar-se os impostos...
O Sr. Carvalho da Silva: - Não apoiados.
O Orador: - Sei que o Sr. Carvalho da Silva não apoia, mas tenho a coragem de dizer que é necessário que a Nação pague impostos, e pague bem.
Não se multipliquem os coeficientes como no tempo da monarquia, da qual temos lembranças que nos bastam, para não querermos, êsse sistema tributário.
O Sr. António Maia podia abster-se de propor que a ordem do dia gaja dividida em duas partes. Assim chegamos à situação de se não votarem os orçamentos nem as propostas de finanças, e medidas necessárias à Nação.
Nego, pois, inteiramente o meu voto à proposta do Sr. António Maia.
O orador não reviu.
O Sr. Lelo Portela: - Sr. Presidente: não há direito de discutir orçamentos emquanto o Govêrno não tomar o compromisso de respeitar as contas do Estado.
Fiz um requerimento ao Ministério das Finanças para que me fôsse dada uma nota do montante das cambiais resultantes das exportações para o estrangeiro.
Era a maneira de poder saber qual o valor das nossas exportações.
O Ministério das Finanças negou-se a dar-me a nota pedida e, pela Repartição Geral da Fazenda Pública, e assinada pelo Director Geral Sr. Alberto Xavier, foi-me enviada uma resposta, cujo teor comunico à Câmara.
O orador lê o documento aludido.
O Orador: - Pregunto ao Sr. Presidente do Ministério quem é que tem os. elementos necessários para saber o montante dos cambiais. Onde estão essas contas?
Pedia ao Sr. Ministro das Finanças o favor de me dizer se compreende a resposta do Sr. Director Geral da Fazenda Pública.
Que relação existe entre a repartição de mercadorias inglesas, e as cambiais entregues ao Govêrno?
Podemos estar aqui a votar orçamentos quando o Estado tem contas importantes a liquidar, e êsse. Estado se recusa, por que se prova pela nota que tenho presente, a dar contas claras ao país do emprêgo do dinheiro?
Emquanto o Sr. Ministro das Finanças me não responder a estas considerações recuso o meu voto à proposta do Sr. António Maia.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: - Sr. Presidente: pelas considerações produzidas a respeito da minha proposta parece ter causado má impressão a divisão da referida proposta em duas partes.
Apoiados.
Assim mando para a Mesa a seguinte substituição:
Proponho que o período da sessão destinado à ordem do dia passe a durar o dôbro do tampo que actualmente é destinado, sendo metade, de dia, para discussão dos assuntos financeiros actualmente pendentes ou outros que venham a ser inscritos; e a outra metade, de noite, para discussão dos orçamentos do próximo ano económico. = António Maia.
É admitida e fica em discussão.
O Sr. Francisco Cruz: - Sr. Presidente: duas breves palavras.
Quero apenas protestar contra a forma como correm os trabalhos desta Câmara.
Apoiados.
À obra que se está fazendo é perfeitamente atrabiliária.
Apoiados.
Ninguém sabe o que discute. Há propostas em discussão que dão lugar a outras propostas, e nunca se chega a um final.
Apoiados.
Assim, o trabalho da Câmara não sairá perfeito.
Respeitemos o Regimento, Sr. Presidente!l
O orador não reviu.
O Sr. Morais Carvalho: - Sr. Presidente: dêste lado a Câmara, conquanto mui-
Página 11
Sertão de 30 de Maio de 1924 11
to desejemos e julguemos indispensável a votação dos orçamentos no prazo devido, não queremos, no emtanto, que se vote sem se saber o que se vota, atabalhoadamente, sem tempo, ignorando o que vai ser feito dos dinheiros do Estado, e por isso não podemos dar o nosso voto à proposta em discussão, que, de resto, em nada contribuirá para apressar a votação dos orçamentos,
V. Exa. sabe, Sr. Presidente, que o regime em que tem vindo funcionando o Parlamento, encerrando-se as sessões sucessivamente por falta de número legal de Deputados, não é do molde a prestigiar o Parlamento.
Não há, por vezes, número para as sessões funcionarem, apenas de dia, e o que seria havendo duas sessões, uma diurna e outra nocturna?
Deverei ainda acentuar que as propostas orçamentais que têm sido submetidas à apreciação da Câmara são uma pura mistificação, arranjando-se deficits pequenos adrede preparados para encobrir a verdadeira situação aos olhos do público, situação essa que, depois, na execução, os créditos extraordinários acabam por revelar em toda a sua crueza.
Se a Câmara agora votar a proposta que está sôbre a Mesa, o resultado vai ser que, além das sessões que se encerram de dia por falta de número, vai haver todas ou quási todas as que pé marcarem para de noite, em que essa falta se há-de agravar.
E não terminarei, sem frisar que fico aguardando a promessa, que na Mesa me foi feita, para me ser dada breve e oportunamente a palavra para explicações «em resposta -às considerações intempestivas do Sr. Vitorino Guimarães.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Desejava que V. Exa., Sr. Presidente, me informasse se está na Mesa um pedido de negócio urgonte para tratar da questão telégrafo-postal.
O Sr. Presidente: — Está, mas primeiro é preciso liquidar êste assunto.
O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: se-r rei breve, pois não desejo prejudicar o negócio urgente.
Chamo a atenção de V. Exa. para as disposições regimentais, em virtude das quais a segunda proposta do Sr. António Maia só poderá ser admitida se fôr assinada por mais cinco Srs. Deputados, e terá de ir à comissão do Regimento, visto que essa proposta é uma alteração ao mesmo Regimento.
Entendo que os orçamentos ou se discutem a sério, ou não se discutem. Da forma que se tem leito a discussão para nada ela serve (Apoiados); é só para perder tempo.
Chamo pois a atenção de V. Exa. para Q artigo 176.° do Regimento.
O Sr. António Maia: — Não passo concordar com o Sr. Pedro Pita, porquanto a Câmara votou a urgência e dispensa do Regimento, e nestas condições não há necessidade das cinco assinaturas.
O Orador: — Não me parece assim: nos termos do Regimento, artigo 176.°, foi apresentada uma proposta por cinco Deputados, há ainda a obrigação do enviá-la à comissão do Regimento para dar parecer.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Tem V. Exa. razão.
É preciso que o Sr. António Maia manda para a Mesa uma nova proposta.
O Sr. António Maia: — Mando, para a Mesa uma proposta, assinada pôr mais cinco Srs. Deputados, e para a qual peço a urgência e dispensa do Regimento.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Nesse caso está primeiro o meu negócio urgente.
O Sr. Presidente: — Nos termos do regimento, o seu negócio urgente só pela presidência pode ser considerado.
Apoiados.
Foi lida e admitida a proposta do Sr. António Maia do teor seguinte:
Proponho que o período das sessões destinado à ordem do dia passe a durar o dobro do tempo que actualmente lhe é destinado, sendo metade de dia, para discussão dos assuntos financeiros actualmente pendentes ou outros que venham a
Página 12
12 Diário da Câmara dos Deputados
ser inscritos; e a outra metade, de noite, para discussão dos orçamentos do próximo ano económico.
Quando por falta de número se encerrar a primeira metade da sessão, o Presidente pode marcar nova sessão com a duração ordinária para a noite dêsse dia.— António Maia — Viriato da Fonseca — Vergílio Saque — António Correia — H. Pires Monteiro — Manuel Alegre.
O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: em primeiro lagar, desejava ser informado por V. Exa. acerca da sua opinião sôbre o artigo 176.° do Regimento.
V. Exa. entende que não tem de se cumprir?
Quanto à proposta do Sr. António Maia nada tinha o Regimento que ver com ela.
Agora há uma cousa inteiramente nova: trata-se de uma disposição expressa no Regimento. Esta proposta pode deixar de ir a comissão.
O Sr. Presidente: — A proposta é a mesma, exceto nas formalidades.
A Câmara concedeu urgência à primeira proposta.
O Sr. António Maia: — Quando mandei para a Mesa a proposta, pedi a V. Exa. que consultasse a Câmara sôbre se concedia a urgência e dispensa.
O Sr. Pedro Pita: — Entendo que não é possível conceder-se essa dispensa do Regimento.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sou dos que entendem que há a necessidade e o dever de cumprir os preceitos regimentais; mas esta situação não é daquelas que se compadeçam com largas discussões sôbre o que é necessário fazer nesta Câmara, para, com maior brevidade, se entrar na discussão dos orçamentos e propostas de finanças e daquelas propostas que tendam a regularizar a situação financeira do Estado até 30 de Junho.
O Govêrno afirma que até 30 de Junho apresentaria o Orçamento equilibrá-do; mas para isso precisamos votar as medidas necessárias para obter receitas.
Devemos fazer os esfôrços de votar os orçamentos até 30 de Junho.
Em nenhum caso votarei os duodécimos, se forem propostos à Câmara, e opôr-me-hei a êles pelos mais mas violentos.
É preciso votar os orçamentos e as receitas necessárias pura equilibrar as contas do Tesouro até 30 de Junho. Para isso é que estamos aqui.
Quaisquer dificuldades, quaisquer más disposições que possam provir, sejam de quem fôr, no sentido de que não se consiga até 30 de Junho essa votação, é um mau serviço que se presta ao País.
Portanto, voto não só a proposta mas todas aquelas medidas que tenham por fim acelerar e simplificar as discussões das medidas de finanças e dos orçamentos até 30 de Junho.
O País está esperando.
O orador não reviu.
É aprovada a dispensa do Regimento requerida pelo Sr. António Maia.
Entra em discussão.
O Sr. Plínio Silva: — Sr. Presidente: não sei qual a opinião dos grupos desta Câmara sôbre a proposta do Sr. António Maia e de outros Srs. Deputados.
Conheço a opinião individual dalguns colegas meus, e a do Sr. Pedro Pita.
Não estou, disposto a, inconscientemente, colaborar em qualquer cousa que à minha inteligência se afigure não ter nenhum proveito.
Não compreendo que as pessoas que orientam e dirigem a política e a acção do Parlamento, quer estejam nas cadeiras do Poder, quer façam parte dos grupos da Câmara, não tratem os assuntos por forma a ser marcada uma determinada orientação.
Era natural e lógico que o Sr. Presidente do Ministério tivesse exposto sôbre esta matéria ideas concretas, precisas.
Realmente, é indispensável discutir os orçamentos, e nesse sentido exerceria S. Exa. junto dos diferentes grupos da Câmara e dos respectivos leaders influência bastante para que a discussão se fizesse com honestidade (Apoiados), permitindo a todos nós uma certa amplitude na exposição dos seus raciocínios, acerca dos variadíssimos assuntos a que o Orçamento diz respeito.
Sr. Presidente: concordo com a orientação do Sr. Presidente do Ministério, no
Página 13
Sessão de 30 de Maio de 1924 13
que diz respeito à redução do déficit, mas não pode deixar de reconhecer-se o esfôrço enorme da parte dos relatores do Orçamento, salientando o procedimento do Sr. Abílio Marçal, que ràpidamente enviou para a Mesa o respectivo parecer, mas que posteriormente viu resultar esteril o seu trabalho, por terem sido nomeadas umas comissões de economias, a fim de estudarem as reduções a fazer no Orçamento.
Nestas condições, Sr. Presidente, desejaria que o Sr. Presidente do Ministério indicasse de uma forma concreta a maneira prática de resolver a questão, sem pôr o Parlamento em cheque, porque evidentemente não é no prazo de trinta dias, em que há apenas vinte sessões, que se faz a discussão de dezassete orçamentos.
Acresce ainda que, depois de transitarem para o Senado, vão primeiro à secção, depois às sessões plenas; voltarão à Câmara dos Deputados e possivelmente ao Congresso, isto dentro de trinta dias.
Pregunto às pessoas de inteligência mais vigorosa se é admissível que isto se possa fazer num prazo tam curto.
Ora se não é possível, e não é, e visto que, se trata de um assunto que não tem nenhum carácter político, julgo que o melhor seria o Sr. Presidente do Ministério concertar com os diferentes grupos políticos representados nesta Câmara a forma mais prática de resolver o assunto, sem que fiquemos mal colocados.
Nestas condições, não tenho proposta nenhuma.
Todos sabemos as dificuldades que temos tido para arranjar número, a fim de a sessão poder funcionar, e que o Sr. Presidente, por vezes abre a sessão às 15 horas e 40 minutos, e às 18 horas já não há número para votações.
Ora se não há número para as sessões diurnas, para que haver sessões nocturnas?
Como a Câmara vê, não há viabilidade alguma na proposta que, foi apresentada.
Apelo, pois, para o Sr. Presidente do Ministério, para que, intercedendo junto dos leaders dos diferentes partidos, possa resolver esta questão de uma forma prática.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Entendo que é de toda a conveniência que o Orçamento esteja votado até 30 do Junho, a fim de se evitar que se entre no caminho dos duodécimos, que só traz dificuldades e perturbações às repartições de contabilidade.
Igualmente acho da máxima importância a votação das propostas, relativas à actualização dos impostos...
O Sr. Plínio Silva (interrompendo): — O Govêrno não considera também urgente o problema do inquilinato?
O Orador: — Sem dúvida, tanto mais quanto é certo que a lei já se encontra nesta Câmara para discussão.
Esta é a minha forma de ver.
Quanto aos meios que o Parlamento deva adoptar para levar a bom termo esta questão, fica a escolha deles ao critério da Câmara.
Creio que em todas as sessões legislativas, a Câmara dos Deputados tem estado a braços com êste problema, e resolveu-o na última sessão, deliberando que os orçamentos fossem votados ràpidamente.
Não tenho a opinião de que a discussão do Orçamento feita ràpidamente importa uma votação de chancela, e entendo que a discussão pode fazer-se com celeridade, se ela se cingir ao assunto, atacando estritamente os pontos vulneráveis e corrigindo-os como deve ser.
Isso depende evidentemente da Câmara.
Desejo, como Ministro das Finanças e como Presidente do Ministério, que o Parlamento vote até ao dia 30 de Junho os orçamentos e as actualizações dos impostos.
Farei todos os esfôrços para que isso se consiga, não dando o meu voto a qualquer proposta que vise a preterir na ordem do dia a discussão dêstes assuntos.
O Sr. Plínio Silva (interrompendo): — Mas para que serve votar o Orçamento, ficando determinadas verbas como vencimentos do funcionalismo, se o Govêrno terá decorridos alguns dias de aumentar essas verbas?
Página 14
14 Diário da Câmara dos Deputados
O Orador: — Seria vantajoso que se fizesse essa modificação tio orçamento quanto aos vencimentos do funcionalismo com as respectivas melhorias aproximando da realidade o quantitativo dos vencimentos de categoria mas para isso seria preciso refundir inteiramente os orçamentos e as várias comissões já não têm tempo de o fazer.
Não creio natural que o Parlamento adopte nesta, altura outro critério, porque daí adviriam grandes complicações.
O que me parece urgente é a votação, até 30 de Junho, dos orçamentos tal como estão elaborados conjuntamente com a actualização dos impostos, e, creio que há tempo de o fazer, desde que se afastem da discussão todos os problemas que podem parecer de grande importância e que na verdade, não são de importância alguma, podendo esperar ocasião oportuna.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: mando para a Mesa uma proposta de aditamento à proposta do Sr. António Maia.
É a seguinte:
Proposta de aditamento
O Presidente poderá igualmente marcar nova sessão para a noite com a duração ordinária; quando por falta de número não se abrir a sessão à nora regimental. F. Velhinho Correia.
Sr. Presidente: o Parlamenta tem obrigação de votar os orçamentos e, até à data, nem sequer iniciou á sua discussão;
É por isso absolutamente necessário compensar, com um trabalho maior, a enércia anterior, ou então que corajosamente se tome uma atitude.
Devo dizer a V. Exa. Sr. Presidente, que não me repugna aceitar o princípio do Orçamento bienal; sou mesmo defensor de que o orçamento vigore durante dois anos, porque é já um uso dos países mais avançados da Europa e da América.
Êsse sistema tem grandes vantagens, entre as quais a de evitar novos aumentos de despesa, pois toda a gente sabe que cada orçamento corresponde a um aumento de despesa.
Mas, se êste princípio é contrário à nossa Constituição, há uma forma de o atingir, sem infringir as disposições constitucionais basta que o Parlamento altere nesse ponto a Constituição.
É absolutamente necessário enfrentarmos o problema.
Ou nós queremos trabalhar como devemos, e votamos com rapidez o Orçamento para o futuro ano económico ou então, se o Parlamento entende que o não pode fazer votemos uma proposta autorizando o Govêrno a pôr em vigor o Orçamento do ano passado.
O que entendo é que é não só inconstitucional, mas mesmo imoral a votação de duodécimos ou a falta de número para tomarmos qualquer atitude; Sé o tempo é pouco aproveite-se bem o que haja.
Pode restringir-se a discussão.
Há muitas maneiras de o fazer e orna seria o limitar-se o espaço de tempo que cada orador possa ter para fazer as suas considerações.
Seja como fôr o Orçamento tem de se votar; é o país que o exige.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Tôrres Garcia: — Sr. Presidente: pedi a palavra para manifestar o meu acordo com a proposta do Sr. António Maia.
Não tenho nenhuma esperança nas medidas do Govêrno acerca do equilíbrio orçamental;
Pelos processos seguidos, as despesas galoparão sempre à frente das receitas e o Sr. Ministro das Finanças não conseguirá o seu desideratum.
Quanto a mim, há só uma forma de se alcançar o equilíbrio orçamental: a redução efectiva das despesas públicas.
Agora, como surgisse uma teoria nova pela qual se pretende estabelecer o princípio dê que a circulação fiduciária nada tem com as reservas metálicas, o Govêrno adoptou o sistema de alienar os últimos bens da nacionalidade, sem querer saber das conseqüências que possam aparecer.
Já hoje todos adivinhamos a situação a que isso nos há-de arrastar.
O equilíbrio do Orçamento feito apenas à custa do imposto é absolutamente impossível.
Página 15
Sessão de 30 de Maio de 1924
Emquanto não se entrar no Verdadeiro caminho das reduções das despesas» nada se conseguirá de facto que permita ò equilíbrio orçamental, mas um equilíbrio efectivo e real.
Maa há uma cousa que incumbe á todos os portugueses é a todos os patriotas: é a aprovação de um Orçamento.
Temos todos o dever de nos esforçar pela aprovação do Orçamento.
Está nisso a dignidade do Estado e a dignidade das instituições parlamentares que tanto os republicanos como os monárquicos devem prestigiar.
Mas o que não devemos de maneira alguma fazer, como bons patriotas e republicanos, é negar ao Poder aquela faculdade de usar do estratagema de ordem moral de aprovar o Orçamento do Estado, e até d faço contristadamente, assim como o fazem todos, seguros como estão, ainda os maiores defensores do Govêrno entre os extremistas que o agüentam e o posicionam, na certeza de que essa tabela nada representa, porque as bases, os fundamentos as causas imperiosas do seu desequilíbrio ainda não foram vistos por ninguém que tenha atacado o problema, e não Será demais afirmai no seio da representação nacional que essas causas êsse conjunto de causas, não estarão só dentro do país, mas que vêm do estrangeiro porque êle entende e quere que em Portugal não haja aquele equilíbrio de ordem económica que convinha à prosperidade e segurança do Estado português.
Mas, emfim, levados por preceitos que se baseiam na ignorância crassa dos fenómenos dentro do empirismo e duma infantilidade que apenas se baseia em princípios lançados no campo da bibliografia da última hora, que ainda não encontraram, como eu preciso que se encontrasse, para se adoptar aquela cessação de experiências que no campo do método scientifico é o único metro por onde se pode aferir da eficiência dum determinado conjunto de doutrinas, nós temos cuido nesta ladeira onde rolamos inconscientemente para o abismo. Os efeitos de ordem extrínseca estão a comprová-lo.
Havemos de ter, depois duma promessa de redução de despesas, depois dama promessa de economias a circulação fiduciária aumentada.
De maneira que apelo; se me é lícito fazê-lo, para todos, a fim de que ao menos, desta degringoldde em que temos cooperado surja, como instrumento de ordem geral, a aprovação dum orçamento ao qual não dedicamos confiança alguma, porque já o concebemos antecipadamente; se me é permitido o pleonasmo, absolutamente incapaz de fazer face às despesas do dia seguinte.
Mas julgo conveniente que essa atitude se tome para que ao menos se salve, o prestígio duma instituição quê dentro da Republica representa, de facto e de direito, á Nação, o que é o Parlamentes que não pode faltar ao mandato imperativo que lhe deram os seus eleitores de velar pelo cumprimento dos seus deveres, entre os quais está o estudo e aprovação do Orçamento do Estado.
Nesta ordem de ideas concordo com a proposta do Sr. António Maia.
Com o pouco tempo que nos resta teremos ainda ocasião de emendar os defeitos de ordem técnica da tabela de despesas, dando assim ao país a prova de que nos interessamos pelo assunto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que admitem a proposta enviada para a Mesa pelo Sr* Velhinho Correia queiram levantar-se.
Está admitida e em discussão.
O Sr. Ferreira de Mira: — Sr. Presidente; como estava previsto, e como aconteceu nos anos anteriores, aparecem agora as urgências em matéria de votação dos orçamentos, pretendendo-se praticar o êrro que se tem cometido em outras ocasiones, isto é, realizai a discussão daquela proposta com alterações ao Regimento.
Parece-me, Sr. Presidente, que já devíamos estar convencidos de que essas alterações regimentais pára discussão dos orçamentos só prejudicam a mesma discussão, como tem acontecido nos outros anos.
Marcam-se sessões nocturnas, mas a verdade é que raras vezes as temos, por falta de número.
Nestes termos, não querendo de maneira nenhuma que se repitam os erros
Página 16
16 Diário da Câmara dos Deputados
passados, não dou o meu voto a nenhuma das propostas apresentadas, pois creio bem que se poderá fazer a discussão dos orçamentos sem ser necessário alterar o Regimento.
Se bem que não concorde com nenhum dos alvitres apresentados, não posso concordar também com o alvitre de se darem como aprovados os orçamentos do corrente ano para vigorarem no ano próximo.
Devo dizer, em abono da verdade, que o «àparte» do Sr. António Maria da Silva, a propósito das palavras proferidas pelos Srs. Velhinho Correia e Presidente do Ministério, tem toda a razão de ser.
Termino, Sr. Presidente, por onde comecei, isto é, declarando que não acho útil alterar o Regimento para a discussão da lei orçamental, tanto mais quanto é certo que o Sr. Presidente do Ministério manifestou o desejo de que primeiro se discuta a actualização dos impostos e a seguir os orçamentos.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: peço a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre se concede a prioridade para a minha proposta, com o aditamento do Sr. Velhinho Correia.
Foi concedida.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam a proposta do Sr. António Maia queiram levantar-se.
Foi aprovada.
O Sr. Carvalho da Silva:—Requeiro a contraprova.
Feita a contraprova, verificou-se que a proposta tinha sido aprovada.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam o aditamento do Sr. Velhinho Correia queiram levantar-se.
Foi aprovado.
O Sr. Moura Pinto: — Requeiro a contraprova.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.
O Sr. Presidente: — Estão assentados 40 Srs. Deputados, e de pé 28. Está aprovado.
O Sr. Presidente: — Está prejudicada a proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Vergílio Saque.
Pausa.
O Sr. Presidente: — São horas de se passar à ordem do dia.
Os Srs. Deputados que aprovam a acta queiram levantar-se.
Foi aprovada.
Propostas de lei
Do Sr. Ministro da Marinha, criando um imposto para a apanha de algas marítimas.
Para a comissão de marinha.
Do mesmo, criando na marinha mercante os lugares de capitão e piloto, pescador veleiro e pescador a vapor.
Para a comissão de pescarias.
Do mesmo, regulando a matricula das tripulações dos navios bacalhoeiros.
Para a comissão de pescarias.
Projectos de lei
Do Sr. Cancela de Abreu, fixando o subsídio dos membros do Poder Legislativo.
Para a comissão de finanças.
Do Sr. Tavares de Carvalho, pondo em vigor o artigo 115.° da lei n.° 88, de 7 de Agosto de 1913.
Para a comissão de administração pública.
Do Sr. Sousa Coutinho, revogando o § único do artigo 1.° da lei n.° 552-A, de 29 de Maio de 1916.
Para a comissão de administração pública.
Do Sr. Júlio Gonçalves, adicionando verbas à tabela dos emolumentos pessoais.
Para a comissão de finanças.
Do Sr. João Estêvão Águas, autorizando a Câmara de Albufeira a arrecadar certos impostos, com designada aplicação.
Para a comissão de administração pública.
Página 17
Sessão de 30 de Maio de 1924 17
O Sr. Presidente (Afonso de Melo): — Acabo de saber que faleceu o Presidente de Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Dr. Vieira Lisboa, o mais alto representante de um dos três Poderes do Estado..
Entendo, por isso, que interpreto o sentir da Câmara propondo que se lance na acta um voto de sentimento pela perda do ilustre magistrado.
O Dr. Vieira Lisboa, durante os seus 44 anos de magistratura, no ultramar e na metrópole, deu sempre os mais notáveis exemplos como cidadão e como membro da magistratura.
É, na verdade, com sincera mágoa que eu lamento a sua perda, tanto mais quanto é certo havê-lo conhecido o orgulhar-me de pertencer à classe que êle honrou.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente; fez V. Exa. justiça, nas palavras que pronunciou, às altas qualidades de magistrado de Vieira Lisboa, que eu conhecia há mais de quarenta anos. Tive ocasião de apreciar de perto a sua inteligência, a sua correcção, a sua perfeita e nítida moção dos deveres morais levada até os últimos extremos no exercício do seu cargo.
Como simples magistrado, ou como Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, foi absolutamente uma figura de relevo, das mais salientes da nossa magistratura.
Presidia, durante alguns anos, à Relação de Goa, presidiu durante bastantes anos à Relação de Loanda, presidiu alguns meses à Relação de Lisboa e presidiu durante muitos anos o Supremo Tribunal de Justiça.
A sua perfeita compreensão de deveres como magistrado e presidente de tribunais, a sua compreensão dos deveres para com todos os membros da magistratura nobilitavam-no, tornando-o credor da consideração de todos nós os que entendemos que a função da magistratura é qualquer cousa de prestigiante em nações civilizadas e que sem ela não pode haver ordem.
É com verdadeira mágoa que me associo ao voto de sentimento proposto por '\V. Exa.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: — Em nome dos parlamentares do Grrupo de Acção Republicana, associo-me, com profundo sentimento, ao voto proposto por V. Exa. pela morte do Sr. Dr. Vieira Lisboa, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
O orador neto reviu.
O Sr. Lino Neto: — Por parte da minoria católica, associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Exa. 3 pela morte de Vieira Lisboa, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que, pela sua inteligência e pelo seu porte moral, se impunha ao apreço e consideração de todos.
O orador não reviu.
O Sr. Lopes Cardoso: — Sr. Presidente: em nome dêste lado da Câmara, associo-me comovidamente ao voto de sentimento proposto pela morte do mais alto representante da magistratura judicial.
Fazemo-lo sentidamente, com a maior sinceridade, porque êste lado da Câmara conhecia as brilhantes qualidades de magistrado, de homem de bem e de jurisconsulto eminente que se reuniam no Sr. Dr. Vieira Lisboa.
Tenho dito.
O orador não revia.
O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: é com inteira sinceridade e profundo sentimento que a minoria monárquica se associa à proposta do V. Exa., associando-se, igualmente, às palavras de absoluta justiça pronunciadas em homenagem à memória de quem, com tanto brilho, com tanto saber e com tanta honestidade, desempenhou uma das mais altas funções do nosso país.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Santos Barriga: — Sr. Presidente: em meu nome pessoal, associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Exa.
O Sr. Presidente, do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: pedi a palavra para me associar ao voto de sentimento proposto por V. Exa. pela morte do grande magistrado que foi o Sr. Dr. Vieira Lisboa.
Tenho dito.
Página 18
18 Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Jaime de Sousa (pela comissão de colónias): — Sr: Presidente: tenho a honra de mandar para a Mesa o parecer sôbre a proposta de lei que reorganiza os serviços de emigração.
O Sr' Viriato da Fonseca (pela comissão de colónias): — Sr. Presidente: tenho a honra do enviar para a Mesa um parecer da comissão de colónias sôbre uma proposta de lei.
O Sr. Presidente: — Dois Srs. Deputados enviaram para a Mesa duas notas de negócio urgente, um do Sr. João Camoesas que deseja tratar da questão dos correios e telégrafos, estando presentes os Srs. Presidente do Ministério e Ministro da Guerra, e outro do Sr. Cancela do Abreu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para interrogai a Mesa): — Sr. Presidente: há pouco preguntei a V. Exa. se havia qualquer nota do negócio urgente além da minha.
Informou-me V. Exa. de que não; mas vejo agora que já existe uma outra.
Pregunto, pois, a V. Exa. se tem dúvida em reservar para segundo lugar o meu negócio urgente porque, embora seja importante, julgo também importantíssima a do Sr. João Camoesas.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vou consultar a Câmara.
O Sr. Almeida Ribeiro (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente. pedi a palavra para, em meu nome pessoal, dizer a V. Exa. e à Câmara que entendo que o negócio urgente do Sr. João Camoesas é absolutamente descabido, desde que subsiste, e não há razão para a alterar, a votação aqui feita há poucos dias a propósito do assunto, tendo-nos nós manifestado quási por unanimidade no sentido de que ao Govêrno cumpria adoptar as providências necessárias para normalizar os serviços telégrafo-postais o todas as medidas relativas ao pessoal que, estando dentro das leis, tendessem a essa normalização dos serviços.
Não havendo, pois, razão para que a Carneira debata de novo o assunto, tanto
mais que o Govêrno está ainda agindo dentro dos princípios da moção aqui votada, o negócio urgente proposto representa pelo menos, e salvo devido respeito, um desperdício de tempo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: devo declarar que o Govêrno deixa inteiramente nas mãos da Câmara o resolver o caso como entender isto é, ocupar-se ou não do negócio urgente proposto.
Entendo o Govêrno que está cumprindo o seu dever o que atingirá aquilo que o Govêrno a si próprio se impôs o que a Câmara e o Pais lhe impuseram; contudo os seus actos são para ser discutidos na Câmara e, assim, aceita qualquer votação.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente o assunto é daqueles que impõe a todos a maior ponderação, tanto mais que se trata do serviço que interessa a todos, monárquicos ou republicanos, não quis êste lado da Câmara apressar só a tratar do assunto somente para que não só quisesse atribuir ao facto qualquer propósito político.
Se, porém, que tardasse em ser levantado, nos fá-lo-iamos, como representantes da Nação, o reconhecendo os prejuízos gravíssimos que para o País está acarretando o protolação da normalização dos serviços telégrafo-postais que, por mais que o Govêrno afirme que estão já normalizados, cada vez mais anormalizados estão.
Por parto do Govêrno não tem havido a mais leve intenção que não fôsse destinada a irritar o conflito e a atentar contra a disciplina que é indispensável o que não pode subsistir sem que se mantenha à hierarquia em todos os serviços públicos.
Esta questão precisa ser tratada. O Govêrno tem de dizer ao Parlamento qual tem sido a sua acção e nós temos de procurar a maneira de harmonizar, por assim dizer, duas partes do um funcionalismo que estão em conflito, devendo ter-se sem-
Página 19
Sessão de 30 de Maio de 1924 19
pre presente a disciplina que a hierarquia deve impor.
Entendemos, pois, que a Câmara se deve ocupar do negócio urgente do Sr. João Camoesas. sobrepujo assunto depois desenvolvidamente diremos o que pensamos, e foi justamente por assim o entendermos que o Sr. Cancela do Abreu prontamente desistiu agora do seu importante negócio urgente para que primeiro a Câmara só ocupasse dele que é, na verdade, de uma urgência inadiável.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: a minoria nacionalista vota o requerimento, não com o intuito de, à volta de uma questão que interessa à ordem pública, deminuir o Govêrno, mas com o bom desejo do esclarecer uma questão em que pode haver um mal-entendido e em que não fica mal ao Govêrno ouvir as nossas sugestões, como a nós próprios ficaria mal calarmos essas sugestões, se suposessemos que elas poderiam ajudar a resolver a questão.
Não há, portanto, intuitos de especulação política no voto que vamos dar ao requerimento do Sr. João Camoesas. E muito bem andou, por isso, o Sr. Presidente do Ministério dando-nos inteira liberdade de procedimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É aprovado o negócio urgente do Sr. João Camoesas.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
Procede-se à contagem.
O Sr. Presidente: — Estão de pé 54 Srs. Deputados e sentados 10.
Está, portanto, aprovado.
Tem a palavra o Sr. João Camoesas.
O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: começo por agradecer à Câmara o ter deferido o pedido de negócio urgente que a Mesa acaba de submeter à sua apreciação.
E escusado encarecer as vantagens ou desvantagens que para o País derivam do bom ou mau funcionamento dum serviço
de tam fundamental importância como é o dos correios e telégrafos.
Não pode a Câmara dos Deputados desinteressar-se da eficácia dum serviço de tal natureza. E creio que não sou contraditório procurando esclarecer o assunto, procurando, porventura, determinar uma solução vantajosa do conflito que surgiu.
E que se me afigura que nos processos legais, nos instrumentos de que o Govêrno se utilizou, há aspectos de legalidade ou ilegalidade que convém que sejam esclarecidos e, estudados.
É desnecessário, também, fazer a história do movimento que, desde o seu início, se apresentou perante a opinião pública singularmente complicado. Singularmente complicado porque — regra geral — os conflitos desta natureza envolvem apenas dois factores, dois elementos, e êste é desde o primeiro momento um conflito em que se encontram em causa três factores, três elementos.
Não merece a pena estar a encobrir a veracidade dêstes aspectos do fenómeno. Fundamentalmente, há uma divergência de interêsses económicos de duas divisões, de duas classes do pessoal dos correios e telégrafos.
E há dois processos diferentes de conseguir a satisfação das reivindicações económicas de cada uma dessas classes, e há, também, a actuação do Govêrno, que, em meu entender e sem que isso represente qualquer espécie de má vontade para com o Govêrno, foi um tanto ou quanto precipitado.
Apoiados.
A primeira acusa que consegui averiguar foi que o fenómeno da coligação para efeitos de greve por parte do pessoal dos correios e telégrafos era um fenómeno definido, uma cousa realizada de facto.
Logo no próprio dia em que a esta Câmara foi presente a questão, formulei algumas interrogações, porque, tendo estudado variadíssimos conflitos desta natureza, me surpreendeu a circunstância duma classe composta de cêrca de três mil pessoas, dispersas pólo País inteiro, poder praticar uma coligação para efeitos de greve, duma maneira matemática e a uma hora certa.
Noutras classes — por exemplo, na população dama fábrica ou duma oficina — é raro aquele conflito do trabalho em que
Página 20
20 Diário da Câmara aos Deputados
se verifica uma tal unanimidade de atitudes e de resoluções.
Ora precisamente as informações de que mo socorri, os factos que chegaram até mim, deram razão ao septicismo com que eu admitira a informação duma coligação realizada ao mesmo tempo e em todos os pontos do País por parte do pessoal maior dos correios e telégrafos.
Efectivamente, estou hoje convencido de que numerosíssimos elementos dêsse pessoal não só se não coligaram, mas até se insurgiram contra esta e anteriores coligações, declarando-o terminantemente às autoridades militares. E sei também que êsses funcionários nom por isso deixaram de ser coagidos a abandonar os seus postos, quer pelas autoridades militares em questão, quer por subordinados seus que o fizeram — êstes últimos — em termos violentos que me abstenho de classificar, porque não tendo pelo pessoal menor dos correios e telégrafos qualquer espécie de má vontade, antes tenho por êle muita e justificada simpatia, não o quero acusar duma atitude que só posso atribuir a um reduzido número de Digitadores profissionais.
Se assim é, se de facto nos encontramos perante uma parte do pessoal maior, porventura da maior parte dêsse pessoal, expulso violentamente dos seu cargos antes de assumir um procedimento contrário às leis e regulamentos em situação moral de não poder voltar a exercer as suas funções sem quebra da disciplina, se assim é, afigura-se-me que a questão assume um aspecto gravíssimo, e que o Parlamento não pode deixar de o apreciar,» pondo de parte sentimentalismos de qualquer ordem. Vejamos serenamente a questão.
Entre os documentos que me foram sujeitos escolho ao acaso um que é assinado pelo cheio dos Serviços do Pôrto, Sr. Domingos Tomé, tido na sua classe e fora dela como uma pessoa de bem, e que em todos os conflitos tem sido deliberadamente anti-grevista.
O pequeno relatório subscrito por êsse funcionário é suficientemente eloqüente por si, e por êste motivo desculpe-me a Câmara do tempo que vou tomar na sua leitura:
«Às 10 horas e 30 minutos do dia 9 do corrente, quando me dirigia para o Correio Geral, saiu ao meu encontro o terceiro oficial Joaquim Alves, que me informou do seguinte:
«Comunico a V. que pelas 10 horas da manhã fui expulso da secretaria por um oficial e dois soldados da guarda republicana.
Tentando saber das razões por que me era feita tal intimação, foi-me afirmado pelo referido oficial que assim procedia por ordem superior. Como V. pouco tempo devia demorar, fiz-lhe sentir a conveniência de aguardar a sua chegada, a fim de se desfazer qualquer equívoco, se porventura o havia, mas não fui atendido».
- Mas, preguntei, houve dentro do edifício qualquer incidente que justifique a intervenção da fôrça armada?
— Segundo ouvi, deu-se numa das secções postais um grave conflito entre o pessoal maior e o menor, tendo parte dêste dado vivas ao bolchevismo e a revolução social, ao mesmo tempo que um carteiro ameaçava um dos seus superiores com uma pistola.
— Bem, nesse caso aguarde-me aqui um pouco que eu vou saber do que se trata.
Chegando ao edifício não me foi permitida a entrada. Declinando a minha identidade, pedi à sentinela para me deixar avistar com o Sr. oficial que comandava a fôrça que havia tomado conta daquela repartição. Aquiesceu, mas logo outra sentinela me embargou o passo. Idêntico pedido lhe fiz, sendo-me então indicado o Sr. tenente-coronel Vieira Coelho como pessoa idónea para me dar quaisquer esclarecimentos, visto ser êle o chefe de todos os serviços. A êle me dirigi imediatamente. Declinei de novo a minha identidade e pedi-lhe para me informar das razões por que havia sido expulso da minha secretaria o funcionário a que venho de referir-me. Como resposta, e à queima-roupa, foi-me feita a seguinte pregunta:
— O senhor é grevista?
— Nunca fui, respondi; não sou, nem jamais permitirei que qualquer funcionário meu dependente se arrogue o direito de o ser, pelo menos emquanto a lei não lho reconhecer. E tanto o funcionário que foi expulso não era grevista que só sendo obrigado a entrar às 11 horas já às 10 estava, com o zelo de sempre, a trabalhar.
Página 21
Sessão de 30 de Maio de 1924 21
— Pois sim, será isso, mas as ordens que tenho são para mandar sair dêste edifício todos os funcionários que dentro dele se encontrem, sejam quais forem os lugares que ocupem.
Nesse caso lavro o meu protesto e vou apresentar-me na Administração Geral, a fim do mo queixar o pedir instruções.
Permite-me, porém, que vá ao meu gabinete buscar uma pasta que lá tenho?
— Sim, senhor.
Segui nesse mesmo dia para a capital, apresentando-me no dia seguinte a S. Exa. o Sr. Administrador Geral, a quem narrei o que comigo se tinha passado.
Três dias depois regressei ao Pôrto, a fim de reassumir as minhas funções, caso isso mo fôsse permitido. Quando ali cheguei já encontrei quási todas as estações telégrafo-postais minhas dependentes ocupadas militarmentc, não obstante todo o pessoal maior se encontrar, como sempre, nos seus postos e fiel ao cumprimento dos seus deveres.
Soube também que a direcção do serviço da estação de Am arame havia sido assumida por um rural supranumerário, depois de ter insultado todos os seus superiores, quando êstes oram expulsos da repartição, o que o chefe da de Vila Nova de Gaia, porque não quis responder a uma pregunta que lhe foi formulada, em nome do comando militar, por dois serventes da central do Pôrto, tinha sido igualmente expulso do seu lugar.
Ante êste estado de cousas impossível me era ocupar o meu lugar. Apresentei-me, no emtanto, ao Sr. tenente-coronel Vieira Coelho e fiz-lhe sentir que nada ali podia fazer, por isso que o pessoal militar não me devia obediência; mas que iria para o meu gabinete aguardar que o meu pessoal fôsse reconduzido nos seus lugares, caso isso mo fôsse permitido, ou então que iria ao concelho do Penafiel proceder a unias averiguações, como me tinha sido ordenado superiormente. Para provar o que afirmava mostrei-lhe o oficio que tinha recebido nesse sentido. A isto respondeu o referido oficial:
— Não, não vá. Convém que se não ausente do Pôrto, a fim de evitar que o pessoal menor o aponte como um dos fomentadores da greve.
— Ninguém poderia afirmar similhante absurdo, pois todos sabem quanto sou inimigo de greves. E nesse caso também não convém a minha presença dentro dêste edifício, o por isso melhor será que V. Exa. me manda chamar quando o serviço reclamo a minha presença.
— Sim, senhor. Deixe-me a sua morada para êsse fim.
No dia seguinte, ou dois dias depois, mandou-me chamar para lhe entregar a chave do meu gabinete, a fim do ali instalar um oficial que desempenha as funções de tesoureiro.
Eis muito lacònicarnente o que comigo se passou; mas o que deixo dito é mais que suficiente para demonstrar o enxovalho do que ou e todo o meu pessoal fomos vítimas, bem como a afrontosa importância que no Pôrto se está dando ao pessoal menor, com grave prejuízo da disciplina e assaz atentatória da autoridade inerente ao lugar que me confiaram.
Lisboa, 30 de Maio do 1924.— O chefe dos serviços, Domingos Tomé.
Sr. Presidente: o documento que a Câmara acaba de ouvir ler traduz, em relação ao Pôrto, uma situação do facto, que só deu em muitos pontos do país, como Viana do Castelo, Évora, Braga, Portalegre, etc.
O Sr. Tôrres Garcia (interrompendo): — A quem foi dirigido êsse documento?
O Orador: — Êste documento foi-me fornecido para meu uso.
O Sr. Tôrres Garcia: — Então não é um documento; é uma simples informação particular.
O Orador: — Sr. Presidente: não sei a diferença que existo entre um documento e uma informação.
Eu não estou aqui com o intuito de agravar o conflito, mas apenas com o fim de procurar uma maneira de êle terminar para bem dos serviços e do país, sem nenosprezo da dignidade do Poder.
Página 22
22 Diário da tâmara dos Deputados
Se me provarem que é falso o que se afirma neste documento que acabei de ler, então cessam todas as minhas relutâncias democrático-sociais, mas emquanto isso se não fizer, posso afirmar que com o pessoal maior se deu uma circunstância singularíssima, a qual foi a de ser forçado a abandonar o serviço, sem ter praticado qualquer acto que determinasse semelhante procedimento.
Isto para mim é tanto mais importante quanto é certo que os funcionários nestas condições, que têm um passado de dedicações pelos serviços, se encontram sujeitos a sanções gravíssimas, que importam a inutilização de muitos anos de trabalho, apenas por uma precipitação, ilegalidade ou injustiça.
Apoiados.
Sr. Presidente: creio ter fundamentado de forma clara e precisa a primeira conclusão que desejo estabelecer na ordem das considerações que estou produzindo perante a Câmara, a qual é, repito, que o pessoal maior dos Correios e Telégrafos foi forçado violentamente, pelas autoridades militares e pelos seus subordinados, a abandonar o serviço, sem ter praticado qualquer acto de coligação, quer para efeito de greve, quer de sabotage, para efeito da inutilização de serviços.
Sr. Presidente: em outros pontos, aconteceram factos da mesma natureza, e até há dias, creio que sem intervenção das autoridades militares que dirigem o serviço, na estação telegráfica do Pôrto, no quadro destinado às comunicações acerca da chegada de navios, apareceu afixado um manifesto que aqui tenho recortado, no qual se lêem as mais violentas e insultuosas expressões em relação a uma das partes que se encontram em conflito.
Afigura-se-me, Sr. Presidente, que a tolerância por parte das autoridades militares da afixação dentro dos edifícios utilizados pelos Correios e Telégrafos, de qualquer espécie de literatura, seja de quem fôr, que contenha expressões violentas e insultuosas, é absolutamente censurável, visto que êsses dirigentes não podem prender-se na idea de que as pessoas a quem se destinam essas expressões se encontram numa situação especial. Permitir um enxovalho desta ordem nos próprios, edifícios públicos é porventura evitar os estados psicológicos que cada
vez mais se manifestam e criar irredutibilidades tais que, sendo prejudicialíssimas para os agentes do conflito em presença, não o deixam de ser também para o país, porque um serviço da natureza técnica como êste não pode efectuar-se normalmente com pessoas sem uma preparação especial, pelo menos nos primeiros meses.
Êste facto permite-me formular uma segunda conclusão, que vem a ser a de que se tem consentido dentro dos edifícios públicos destinados ao serviço dos Correios e Telégrafos a manifestação de actos e de atitudes de hostilidade de uma parte do pessoal contra a outra parte, sem intervenção das autoridades que têm a seu cargo a ordem nos serviços, o que é extremamente prejudicial à disciplina e inconveniente mesmo para uma pacificadora solução do conflito.
Resta-me agora verificar os termos em que foi elaborada a pretensa solução do conflito, eu chamo-lhe pretensa, porque eu e muita gente neste País, inteiramente insuspeita, afirmamos que de facto não se trata de uma solução; isto tem vindo até em jornais insuspeitos, como seja o Primeiro de Janeiro, do Pôrto, que no dia 29 dêste mês publicou uma local a êste respeito epigrafada «Uma greve que se eterniza», e o Diário de Lisboa, um artigo do jornalista Norberto de Araújo.
Não é apenas levado por um sentimentalismo exagerado, visto que entre os membros do pessoal maior dos Correios e Telégrafos se encontram meus velhos companheiros Me lutas pela República, ainda do tempo em que ela era apenas uma aspiração nossa, que eu aprecio assim os factos; esta circunstância pode prender-me o coração, mas não me prende a inteligência, porque entendo que o passado republicano não é argumento atenuante em conflitos de carácter disciplinar; todavia essa qualidade não deve ser também motivo para agravar e complicar as questões.
Sr. Presidente: a solução a que há pouco me referi consta do decreto n.° 9:722, cujo artigo 1.° consigna nada mais, nada menos do que a demissão em massa de nina classe inteira, a demissão colectiva por um crime que por ventura não se poderá provar em relação a uma parte do pessoal em questão; demissão colec-
Página 23
Sessão de 30 de Maio de 1924 23
tiva que independentemente daquelas fórmulas prescritas a que é indispensável atender e daquelas averiguações prévias, sem as quais dentro da República e da legislação vigente devem efectuar-se antes de aplicar qualquer sanção, só pode posteriormente ser transformado em processo regular, em virtude do § único que, se o conjugarmos com o corpo do artigo, dá uma cousa muito interessante.
Afigura-se-me que esta disposição é inconstitucional, e não pode comportar-se a dentro da doutrina do artigo 10.° do decreto do Govêrno Provisório de 7 de Dezembro de 1910, à sombra do qual foi publicado o decreto n.° 9:722.
Êsse artigo 10.° estipula apenas o princípio da punição para os casos em que há coligação por parte dos empregados do Estado para não trabalhar.
No seu § 1.°, fala evidentemente da demissão ou do despedimento das pessoas que praticaram o delito referido, mas do § 2.° infere-se que só pode haver recurso, porque houve um processo anterior, elaborado dentro das disposições legais, o que não se dá neste caso.
Aqui têm V. Exas. uma terceira conclusão, que se me afigura importantíssima: não é rigorosamente constitucional o decreto em questão, por isso que se trata de uma cousa anómala dentro da legislação portuguesa, demonstrativa da ignorância de disposições regulamentares em matéria disciplinar.
Ao terminar as minhas considerações, renovo os meus agradecimentos à Câmara por ter considerado o meu negócio urgente e pela animada atenção como me têm ouvido, mas não terminarei sem fazer um apelo caloroso e decidido aos membros do Govêrno, a quem mais de perto cabe a solução do conflito.
Os dirigentes, qualquer que seja a sua situação, precisam de ser acima de tudo imparciais para serem imparciais não é mister que se coloquem do lado dêstes contra aquelas, basta que sejam justos.
Falando nêste momento ao país, devo dizer que considero tanto o Sr. Presidente do Ministério como o Sr. Ministro da Guerra, que são pessoas capazes de realizar a obra de justiça que aos dirigentes incumbe.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: — Requeiro que a sessão seja prorrogada até terminar a discussão do assunto do negócio urgente do Sr. João Camoesas.
O Sr. Carvalho da Silva: — Proponho que sôbre o assunto se abra uma inscrição especial.
Foi aprovado o requerimento do Sr. António Correia e o do Sr. Carvalho da Silva, em contraprova, por 35 votos contra 30.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Começa por estranhar um pouco o calor que o Sr. João Camoesas imprimiu às preguntas que disse desejar fazer ao Governo, tendentes a levá-lo a uma solução de conciliação neste assunto da greve dos correios e telégrafos.
Esta questão reside de há muito preparada e o Govêrno, em face da paralização dos serviços, só tinha uma cousa a fazer que era evitar o menor número de prejuízos para o país.
Vai fazer a demonstração clara, sem propósitos de opiniões que não o animam, de que o Govêrno não tem feito até agora senão procurar corresponder às necessidades que o país tem de correios e telégrafos.
Êste movimento — afirmou — vinha sendo de longa data preparado, e assim vai fazer a leitura dó um documento, datado de 7 de Março de 1224, quando a greve, teve a sua eclosão em princípio de Maio.
Trata-se da circular n.° 19, tendo aposto um carimbo com os dizeres Comissão de Resistência dos Correio e Telégrafos, que foi apanhada numa estação telégrafo-postal, constituindo, verificadamente, um instrumento que sorvia para estabelecer ligações de natureza a conduzir à situação dentro da qual hoje nos encontramos.
Lido o documento, o orador diz que isto se passou mais de dois meses antes da declaração da greve e, por conseqüência, há muito que o pessoal se concertava para os efeitos de impor a sua vontade ao Estado.
Mas, porque esta correspondência foi numerosa, vai ler outra circular, citando os números, pára a Câmara ver que en-
Página 24
24 Diário da Câmara dos Deputados
tre êstes documentos há muitos outros que tiveram o seu natural curso.
Esta já tem o n.° 31 e a data de 23 de Abril.
É da Comissão Central do Pessoal Maior, o que lhe dá a impressão de que além da Comissão Central há outras comissões subsidiárias de resistência.
Da leitura do documento conclui o orador que a vontade do Govêrno, a vontade do Parlamento, são vontades que a comissão não reconhece nem aceita como legais.
Passa a ler outro documento, que diz ser elucidativo.
Antes, porém, observa que, como a numeração fôsse naturalmente muito elevada e, enfim, desse muito trabalho escrever vários números, sé voltou ao começo, sendo esta circular a n.º 1-A, já de 3 de Maio, ou seja das vésperas do movimento e verificando-se por ela que o pessoal tem assembleas secretas, para tratar dos seus interêsses.
Para que a Câmara o aprecie vai reeditar á leitura de um documento que diz que se pode conjugar com o anterior e donde se conclui que estas instruções foram daqui emanadas.
Êsse documento é de 4 de Maio de 1924.
Quere dizer que há uma comissão de resistência com delegados cna todos os pontos do país de maneira a fazer do pessoal dos correios e telégrafos um instrumento forte de luta contra o Estado.
É claro que a estas se seguiram naturalmente outras instruções que iam das estações principais para as outras com o fim de que o movimento tivesse toda a intensidade.
Lê um telegrama que documenta esta asserção.
Para que se veja como havia o firme propósito de fazer sabotage dentro daqueles estabelecimentos, faz a leitura de mais documentos.
O orador classifica de jesuítica a maneira como está redigido um dos documentos, no qual se diz que os telégrafo-postais sê mostram dispostos a trabalhar, mas simplesmente ficando dentro das repartições sem trabalhar, porque compromissos não valem nada.
Note-se que indicam aos seus camaradas que tomam todos os compromissos
que prestam todos os juramentos, declarando que não são grevistas.
Nesta data veio do Pôrto a Lisboa um funcionário que na estação do Rossio esteve a escrever algumas cartas que lhe foram apreendidas por um oficial da Direcção Geral de Transportes, porque se sabia perfeitamente que as cartas se destinavam a ajudar a greve.
Da maneira como esta carta está redigida, conclui-se que havia um entendimento expresso entre o funcionário chegado a Lisboa e o funcionário a quem era dirigida a carta» do teor seguinte:
«Lisboa, 10-5-924. — Caro Amílcar.— Cá cheguei e a respeito de novas há o seguinte: pessoal maior todo em greve, visto atitude militares tomarem conta das secções. Administração Geral isto é, todos os chefes de divisão e director portaram-se lindamente, especialmente o Roberto que teve de ser um pouco enérgico com o irmão, chefe dos serviços, porque êste, devido à atitude pouco louvável do Sanches, o ter desorientado.
O pessoal maior apresentou-se hoje na Administração Gorai ao António Maria; Êste recebeu-o menos mal, mas fez um discurso que ninguém o entendeu. Todavia está, à hora a que te escrevo, em conferência com o Ministro do Comércio.
O pessoal menor quis ter hoje uma conferência com o pessoal maior mas êste recusou-se terminantemente.
Não há dúvida de que estão já a cortar prego.
Há mesmo grandes desinteligências entre elos.
Não devem aí retomar o serviço; esperem.
Os aparelhos telegráficos ficaram sabotados de tal forma que ninguém os conserta tam depressa, estando por isso Lisboa sem meios de comunicações telegráficas com o resto do país.
Espera todos os dias carta minha, porque te informarei de tudo o que souber.
Ainda não estive com o Roberto, espero estar com êle logo na Matinha, às 10 horas.
Desculpa ser escrita a lápis, mas é a hora da partida do comboio.
Lembranças a todos.— O teu amigo, Alberto Pontes.
P. S. Peço mandes entregar essa carta a minha mulher.
Página 25
Sessão de 30 de Maio de 1924 25
O pessoal, quási que em pêso, diz que é conveniente e urgente a tua vinda a Lisboa.
Não imaginas como és cá considerado. Falando-se de ti dizem logo todos: «Ele que venha cá e depressa».
Faze o que entenderes, mas a minha opinião é que deves, vir e já, a não ser que faças aí falta.— O mesmo».
O orador pede ao Sr. António Maria da Silva que lhe releve o facto de ler as passagens que lhe dizem respeito, o que fez sem nenhum intuito desprimoroso.
Para aqueles que afirmam que os funcionários dos correios e telégrafos não praticaram actos de sabotage dentro das estações, chama a atenção para o que se diz na carta.
Além dêstes documentos outros há que não lê, para não fatigar a Câmara. Contudo lê ainda um que foi apreendido na estação de Sacavém.
No dia 10 de Maio, ao entrar no edifício dos correios e telégrafos, momentos após a entrada das fôrças militares, êle, orador, encontrou um funcionário, a quem naturalmente preguntou se os seus camaradas não trabalhavam, se estavam em greve, respondendo-lhe o referido funcionário negativamente, mas acrescentando que, de facto, os serviços não estavam correndo com a usual normalidade, que os aparelhos não estavam em condições de poderem funcionar e que, portanto, não poderia desempenhar as suas funções.
Depois de mencionar vários actos de sabotage e entre êles o certo do linhas, diz que passando da estação telegráfica para a estação dos correios, nesta verificou que haviam sido arrancados os rótulos das caixas de destribuição, o que se fez antes de os militares lá terem entrado.
Os empregados não se limitaram a abandonar os seus lugares; fizeram desaparecer diversas tabelas e instruções, trocaram as correspondências fizeram o que elos chamam o bicho, que é a mistura de cartas para diversos destinos numa mesma caixa.
Êste acto de sabotage foi feito na própria presença do Sr. Director Geral dos Transportes, e deu lagar a que houvesse
de se fazer a prisão de todos Os funcionários que no local se encontravam de serviço, visto que era impossível saber-se imediatamente quem era o responsável, o que alguém Considerou de uma violência escusada.
Mas há factos desta natureza de uma especial gravidade, como o da correspondência do país se encontrar nas malas destinadas à índia.
Em presença de tudo isto, ò Govêrno tomou o caminho que não podia deixar de tomar. Houve rebelião; houve o propósito de impor ao Estado a vontade dos grevistas, e o Govêrno não podia seguir outro caminho (Apoiados) (Não apoiados), tinha de aplicar as disposições legais. O Govêrno não teve outro intuito, e até procedeu generosamente.
O edital que o Sr. Presidente do Ministério devia mandar publicar para daí cumprimento à lei de 6 de Dezembro de 1910 não se fez logo, e deixou-se espaçar tempo.
Sabe êle, orador, que o pessoal menor não pode substituir o pessoal maior não tem a cultura e a prática suficientes para determinados serviços, e deve ainda acentuar que o Govêrno não pode nem quere fazer uma obra de parcialidade, mas sim apenas de rigorosa legalidade.
Crê ter demonstrado à Câmara que o Govêrno se encontra em frente duma situação criada pelo funcionalismo superior dos Correios e Telégrafos. Crê ter demonstrado também que o Govêrno o convidou a apresentar-se ao serviço, e que o prazo foi alargado, não tendo, todavia, o pessoal feito a sua apresentação até agora.
Mesmo depois de publicado o decreto, o Sr. Presidente do Ministério teve O cuidado de dizer aos funcionários que se se apresentassem antes do levantamento dos autos nenhuma sanção lhes seria aplicada. Apesar disto não compareceram, e, nestas condições, o Govêrno tem simplesmente de acudir aos interêsses do país satisfazendo as suas necessidades de rápidas comunicações telegráficas e postais.
O discurso revisto pelo orador e acompanhado dos documentos lidos, será publicado na integra quando, nestas condições, devolver as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Página 26
26 Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Presidente: — Interrompo a sessão até as 21 horas e 30 minutos.
Eram 20 horas.
O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.
Tem a palavra o Sr. João Camoesas.
Eram 22 horas e 8 minutos.
O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: o Sr. Ministro da Guerra começou por fazer uma afirmação em relação às palavras que proferi, e a que já estava dada resposta no final do meu discurso.
Disse, na sessão da tarde, que me descontassem o calor da minha exposição, derivado mais do meu temperamento que propriamente duma paixão que é natural, visto que me propus tratar do assunto com a maior sinceridade, mas cingindo-me o mais possível aos factos.
De resto, o Sr. Ministro da Guerra que é meu antigo colega nesta Câmara, conhece de sobejo a minha maneira parlamentar. Em todo o meu passado tenho dado provas suficientemente claras de que sou incapaz de sofismas.
O Sr. Ministro da,Guerra leu uma longa série de documentos que adquiriu, e essa documentação foi toda conduzida no sentido de provar que tinha havido coligação de antemão preparada e mostrar que se cometeram certos actos. Quis assim provar também que não tenho razão.
Mas V. Exa. e a Câmara repararam nas conclusões a que cheguei pela lógica das considerações que produzi. Verificaram, que não sustentei, nem sustento, que não tinha havido greve, que não tinha havido preparação de greve.
A minha primeira conclusão ficou inteiramente de pé, como inteiramente de pé ficou ainda a segunda conclusão, e inteiramente está ainda por atacar e destruir a interpretação jurídica que fiz do decreto promulgado pelo Govêrno, e a acusação de não estar abrangido no artigo 10.° e parágrafo do decreto de 7 de Setembro de 1910, que esta interpretação continha.
São inteiramente indestrutíveis as razões que apresentei.
O § 2.° era inteiramente claro: não pode haver recurso quando não há processo.
O conflito tem uma lógica e simples solução.
O pessoal não exige a impunidade dos seus camaradas que, porventura, cometeram os delitos referidos pelo Sr. Ministro da Guerra, hoje nesta casa do Parlamento, como são os primeiros a reconhecer que devem punir-se, dentro das leis vigentes, os que cometeram delitos, quaisquer que fossem.
Apoiados.
Estou absolutamente convencido de que se o Govêrno proceder no sentido de que se orientem os processos para as sanções a aplicar, o conflito cessará imediatamente e sem nenhuma espécie de deininuição de prestígio da função governativa e sem nenhuma espécie de possibilidade de represálias.
Todas as resoluções que não estejam dentro da hermenêutica normal, e dentro rigorosamente das leis, e de acordo com a Constituição, conduzem ao mesmo resultado: criar ódios irredutíveis e irredutíveis conflitos, condenáveis da parte do Parlamento o do Govêrno.
Visto que o Sr. Ministro da Guerra de facto não produziu uma argumentação contra as minhas razões e se limitou a fazer uma justificação da situação que eu não tinha contestado nem impugnado, posso perfeitamente reduzir o mais possível a minha réplica, mas ficando bem assente no espírito de V. Exa. que as conclusões da argumentação por mim produzida esta tarde não foram de maneira nenhuma destruídas pela argumentação do Sr. Ministro da,Guerra.
Não está de facto provado que a maior parte do pessoal superior dos Correios e Telégrafos tenha praticado o delito de coligação, antes se demonstra que êle, em grande número, foi expulso violentamente do serviço quando o desempenhava com toda a regularidade.
Podem dizer-me: mas se êsse pessoal não praticou o delito de coligação, com êle se solidarizou desde que desprezou o convite para regressar ao trabalho. É preciso, porém, relembrar a minha segunda conclusão, para se verificar que se praticaram factos em virtude dos quais os indivíduos pertencentes a essa classe ficaram impossibilitados moralmente de retomar o serviço, acedendo assim ao convite que pelo Govêrno lhes fora feito.
Página 27
Sessão de 30 de Maio de 1924 27
Também ficou inteiramente demonstrado que o decreto n.° 9:722 não está legitimamente fundamentado no artigo 10.° do decreto de 1910, brigando assim com a letra da Constituição no seu artigo 3.°
E, postas estas considerações, termino repetindo o que disse há pouco: a maioria do pessoal maior dos Correios e Telégrafos não deseja a impunidade de nenhum camarada que haja praticado qualquer delito, desde que êle seja apurado por qualquer das fórmulas vulgares de processo.
Simplesmente o que êle deseja — e a êsse desejo condiciona, em parte, a sua atitude — é que essa sanção recaia igualmente sôbre todos aqueles que praticaram idênticos delitos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: já tive ocasião de afirmar, quando na sessão da tarde usei da palavra sôbre o modo de votar, que em questões desta natureza o meu Partido não sabe fazer política, não quere fazer política (Muitos apoiados), nem tam pouco deseja exercer um papel de revindita, fazer reviver factos passados.
Apoiados.
Tenho um grandíssimo defeito: uma memória de ferro. E não há pequenas circunstâncias nestas complicadas ocorrências da nossa política que, ria hora própria, me não lembrem.
Assim, recordo-me de que quando do Ministério presidido pela prestigiosa figura de homem e de republicano que é o Sr. Ginestal Machado, não havia ainda meia dúzia de dias da sua chegada às cadeiras do Poder, alguém se levantou preguntando se o Govêrno ainda não havia resolvido a greve das classes marítimas.
Durava essa greve havia meses, sem que uma única voz se erguesse increpando o Govêrno anterior pela sua inércia. E, contudo, três ou quatro dias depois de o Govêrno do Sr. Ginestal Machado ter tomado posse, alguém se levantava a preguntar se S. Exa. já tinha tomado providências para acabar com a greve. Êsse alguém era o então Deputado e hoje Ministro do Comércio, Sr. Nuno Simões.
Estabeleceu-se nessa altura um princípio em tal matéria que eu não posso dei-
xar de relembrar, chamando a atenção do Govêrno para uma cousa compatível com o prestígio das instituições. É que o povo português tem ama mentalidade especialíssima: entra nas lutas com muita energia, mas ao fim dum grande espaço de tempo falam, sobretudo, as conveniências, em nome das quais então falou o Deputado, hoje Ministro, Sr. Nuno Simões.
O actual Govêrno chegou ao Poder depois duma série de complicados sucessos que não foram decerto os mais próprios para lhe darem, de entrada, a fôrça necessária no bom exercício do mesmo Poder.
O mal fundamental da nossa política está em os Govêrnos não serem Govêrnos, mas vagas aparências de fôrça. Eu compreendo que os Govêrnos não devem ter, a toda a hora, atitudes de mata-mouros, mas compreendo que êles devem ter uma vontade definida e que, no entrechocar das paixões, devem ter uma função medianeira e, quando os conflitos vão mais além, uma função de disciplina. Para isso é preciso que os Governos tenham fôrça e prestígio, o que, infelizmente, nem sempre tem sucedido. Vê-se alguns têm aparecido com energia depressa aparece quem os queira deitar a terra.
Muitos apoiados.
Se isso não fôsse assim podia dar-se o conflito como se deu?
Vejamos as condições em que se deu o conflito:
O Govêrno sabia que uma greve de correios e telégrafos se ia dar, e, em vez de esperar serenamente a eclosão, ou evitar que ela se dêsse, o que fez? Antecipou se, fazendo ocupar as estações por fôrças militares.
Quem pode negar que a intervenção do Govêrno foi excessiva?
Logo daqui resulta que uma questão que importa a defesa do Estado se enxertou numa questão de justiça.
O Govêrno devia intervir nesse conflito; ninguém o contesta, porque era até a sua obrigação, o seu dever; mas devia fazê-lo olhando apenas aos altos interêsses do Estado, sem paixões, sem retaliações nem birras.
Se o Govêrno procura exercer naturalmente a sua autoridade, que a exerça, e se para tal necessitar de medidas excepcionais que as peça ao Parlamento.
Página 28
28 Diário da Câmara dos Deputados
dizer em abono da verdade que lhas, não negarei; o que, porém, não posso é deixar de lhe dizer que o decreto publicado é realmente, inconstitucional.
Apoiados.
Os atingidos pelo decreto podem recorrer para o Supremo Tribunal contra a demissão, isto é, contra a decisão do Govêrno, e desta forma teremos mais um desprestígio de autoridade, mais um desprestígio para o Govêrno.
Já disse, Sr. Presidente, e repito, que não estou fazendo uma especulação política.
Afirmo a V. Exa. com toda a lealdade que por mina estou disposto, caso de necessite de medidas excepcionais, a dar-lhe essas medidas, a não ser que o meu partido me proíba disso.
Apoiados.
Trata-se de uma questão de defesa do Estado, para o que se torna necessário impor a autoridade a todos os grevistas.
Quanto ao recrutamento, devo dizer que os resultados poderão ser contraproducentes, pois que amanhã, em vista disto, pode ser que os primeiros que, se apresentem sejam justamente, os piores, como geralmente Acontece, e assim, em vez de se fazer um recrutamento dos melhores, far-se há juntamente o recrutamento dos piores.
Apoiados.
Posta assina a questão, pregunto ap Govêrno qual a forma como entende resolver êste caso, sendo também, a meu ver, de grande, vantagem que o Sr. António Maria da Silva nos diga igualmente a forma como julga que o assunto pode ser resolvido.
A meu ver, o que é preciso é castigar os delinqüentes, se os há; mas tanto os de pessoal maior, pomo os de pessoal menor.
Apoiados.
A sociedade portuguesa não pode continuar a viver desta forma.
Não conheço em todos, os seus detalhes as razões que podem assistir a uns e a outros; não conheço o que, podem ter de verdade as queixas individuais.
Evidentemente, em parte, o Govêrno tem razão e, quando a não tivesse, tínhamos de lha reconhecer, mas no dia em que tudo estiver esclarecido poderá o Gorvêrno declarar que não cometeu nenhuma injustiça?
Os funcionários podem fazer greve mas os Govêrnos não podem tratar com entidades públicas senão de uma forma também compatível com as leis vigentes.
Repito ao Sr. Ministro da Guerra palavras que tive ocasião mais ou menos de lhe dizer aqui.
Admiro muito o seu feitio, inquebrantável mas, Sr. Ministro da Guerra, ser político não é interpretar literalmente os regulamentos.
S. Exa., como militar, pode ser um bom Ministro da Guerra, mas como político não sabe resolver o problema, porque quem se senta nas cadeiras do Poder tem obrigação de saber encarar todas as circunstância, não pondo nunca os problemas por tal forma que os torne insolúveis.
Na situação actual do conflito só vejo dois caminhos a seguir: ou o Govêrno cede, e é uma vergonha para o prestígio da autoridade ou não cedo e podem surgir a meu ver perturbações importantes.
Pretende o Govêrno arrendar os correios e telégrafos a alguma entidade particular?
O excesso de Indisciplina momentâneo pode conduzir não a uma solução mas a uma falta de solução.
Tudo o que acabo de dizer ao Sr. Ministro da Guerra é sincero e tam sincero quanto do menos política, porque efectivamente cada vez sei menos ser polítice. É possível que S. Exa. me responda: «Bem prega Frei Tomás, fazei o que êle diz e não façam o que êle faz!»
Não se importe S. Exa. com a falta de autoridade de Frei Tomás e faça o que digo.
Ponhamos todos a mão na consciência. Veja-se qual a melhor forma de solucionar esta questão, sem que o prestígio do Estado fique abalado.
Reparem todos que as frases mais enérgicas não são nada se, porventura, no dia seguinte, haja que ceder, inclusive sacrificando o Ministro. Eu não desejo que o Ministro saia sob a pressão dêstes acontecimentos.
Apelemos para o pessoal maior, apelemos para o pessoal menor, apelemos para todos os portugueses.
Os portugueses não meditam bem nas situações que muitas vezes criam, porque se meditassem nelas haviam de prezar mais os seus interêsses.
Página 29
Sessão de 30 de Maio de 1924 29
Não se impõem vontades ao Govêrno, como se êste fôsse um farrapo, mas os Governos firmados na sua generosidade, que é a generosidade dos fortes, devem saber perdoar, porque perdoar é também uma função dos que mandam.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O orador foi muito cumprimentado por toda a Câmara e pelos Srs. Presidente do Ministério e Ministro da Guerra.
O Sr. António Maia: — Mando para a Mesa a seguinte
Moção
A Câmara dos Deputados, ouvidas as declarações do Sr. Ministro da Guerra e reconhecendo que a atitude do Govêrno contribuiu e muito para que o conflito telégrafo-postal se agravasse, passa à ordem do dia.
Câmara dos Deputados, 30 de Maio de 1924. — O Deputado, António Maia.
Sr. presidente: o Sr. João Camoesas expôs com toda a clareza qual fora a atitude do Govêrno neste conflito, e verifica-se que o mesmo Govêrno saltou para fora da Constituição.
O Sr. Ministro da Guerra, em resposta às considerações daquele Sr. Deputado, leu à Câmara varíadíssimos documentos, fazendo a sua analiso. Todavia não conseguiu rebater uma só das afirmações feitas pelo Sr. João Camoesas.
O Sr. Ministro da Guerra leu uma série de circulares que diz serem emanadas do pessoal.
Ora é preciso notar que todas essas circulares foram apanhadas nas estações já depois de elas estarem ocupadas militarmente.
Eu pregunto: quem pode garantir que tais circulares são, de facto, da responsabilidade da comissão de resistência do pessoal?
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Estão todas autenticadas com um carimbo especial
O Orador: — O que diz o Sr. Ministro de Guerra, não invalida o que eu digo.
Quem me poderá também garantir que êsse carimbo não se tivesse perdido e depois alguém malèvolamente dêle fizesse uso?
E isto é tanto mais para considerar quanto é certo que a numeração das circulares não é seguida como seria natural.
A certa altura a numeração volta para trás.
Em 4 de Maio a circular dessa data tem o n.° 1-A.
Confessou o Sr. Ministro da Guerra que, de facto, muitos funcionários foram postos, fora da estação, pela fôrça armada, sem que estivessem em greve.
Como se explica então a demissão dada em massa a todo o pessoal?
Ainda há mais. O Govêrno chegou ao cúmulo, de violar correspondência. Só assim se compreende que o Sr. Ministro da Guerra lesse também uma carta particular dura amigo para outro.
Depois, de ler êsse documento o Sr. Ministro da Guerra, confessou que muitos empregados foram postos fora dos seus lugares pela fôrça armada, sem que estivessem em greve.
Isto vem provar que nem todo o pessoal maior dos correios e telégrafos, estava em greve.
Então para que é a demissão colectiva dêsses funcionários?
Um caso deveras interessante, é que todos os documentos lidos pelo Sr. Ministro da Guerra fossem encontrados na estação de Loulé...
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Nem todos.
O Orador: — Para que hei-de acreditar nos carimbos que tinham os documentos, se não acredito no Govêrno que veio falsear a verdade?
Q Sr. Agatão Lança (interrompendo): — V. Exa. ouviu ler ao Sr. Ministro da Guerra documentos firmados por oficiais do exército. São cópias autênticas de documentos.
Portanto, não pode duvidar dêsses documentos firmados por camaradas seus.
O Orador: — Não duvido das cópias. O que duvido é da autenticidade dos documentos que foram copiados.
Acho extraordinário que o Sr. Ministro da Guerra venha ler à Câmara uma carta que foi violada e apreendida contra os ter-
Página 30
30 Diário da Câmara dos Deputados
mos expressos da Constituição. O Govêrno até salta por cima da Constituição mandando violar a correspondência particular de dois indivíduos.
Certamente que os membros duma classe em greve trocam entre si correspondência.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo) (interrompendo): — As cartas eram escritas na estação dos caminhos de torro, sob as vistas de um oficial da Direcção Geral dos Transportei, e foram entregues a um empregado ferroviário.
Sabia-se que se tratava de cartas que diziam respeito, à greve e foram entregues pelo empregado ferroviário ao oficial.
Conforme o Sr. António Maia vê, não tem a mais leve referência com assuntos de ordem particular. Visam apenas a tratar da questão da greve; tratam apenas da perturbação de um serviço público.
Apoiados.
O Sr. António Maia: — Houve ou não violação de correspondência? Está provado que houve.
O Sr. Agatão Lança: - Quem praticou um acto ilegal foi o funcionário que escreveu a carta, pois não devia enviar uma carta sem estampilha...
Vários àpartes.
O Orador: — Eu queria ver o que S. Exa. faria se a sua correspondência fôsse violada. Vinha para aqui protestar e com. muita razão.
Há mais: o Sr. Ministro da Guerra veio para aqui dizer que um chefe da estação de Sacavém tinha dado ordem para as ambulâncias não seguirem.
Evidentemente, este funcionário não fez mais que cumprir o seu dever. A ordem do Govêrno é que era ilegal. Só o referido funcionário tinha ingerência em tais serviços e êsse funcionário fez muito bem dizendo que a correspondência não seguia.
Temos mais: o Sr. Ministro da Guerra entrou numa repartição onde se encontrava apenas um funcionário e preguntou-lhe se naquele momento estavam em greve.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Não foram essas as minhas palavras.
O Orador: — Eu sei bem as palavras que V. Exa. proferiu: «preguntei-lbe se os seus colegas estavam em greve», foram estas as palavras de S. Exa.
Sr. Presidente: o Sr. Cunha Leal disse há pouco que votaria todas as moções de confiança ao Govêrno, quando se tratasse de casos como êste.
Eu faço precisamente o contrário. Dar fôrça a êste Govêrno, na presente ocasião, é contribuir ainda mais para o desprestígio do Poder.
Quando um Govêrno permite que um conflito chegue à altura a que êste chegou, tudo que seja trabalhar para que êsse Govêrno continue nas cadeiras do Poder é contribuir ainda mais para que o conflito se agrave.
Se o pessoal maior dos Correios e Telégrafos não teve razão para se colocar em greve, porque a lei lho não permite, a atitude do Govêrno deu-lhe essa razão, e assim só quando êste Govêrno abandonar as cadeiras do Poder, a greve terá uma solução. Antes não.
Votar moções de confiança perante um caso dêstes é tirar a fôrça e o prestígio ao Govêrno; é exactamente da falta de prestígio que êste Govêrno se ressente; foi sobretudo depois das promessas feitas e não cumpridas que o conflito se agravou.
Vejamos a causa do conflito.
Tom êle a origem nas promessas feitas pelos Governos que trataram dos assuntos e deixaram arrastar a questão durante dez meses, sem solução, sem procurarem resolver o que os telégrafo postais pediam com justiça.
Passaram-se meses e meses, e depois se alguém, no direito legítimo de defesa, se revolta, podo-se que seja votada uma moção de confiança ao Govêrno que só tem contribuído para o descalabro do Exercito e de tudo quanto é do Estado.
Deixem-me citar uma cousa interessante para dar a nota da atitude do Sr. Ministro da Guerra, digna dos elogios de todos, excepto dos meus.
S. Exa. foi à festa do Buçaco. Deu-se o desastre da aviação e o Sr. Ministro da
Página 31
Sessão de 30 de Maio de 1924 31
Guerra não se deu ao cuidado de mandar saber do estado de saúde dos aviadores feridos.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo) (interrompendo): — V. Exa. está redondamente enganado, ou mal informado. O primeiro cuidado que tive, ao saber do desastre dos aviadores, foi mandar um ajudante saber do estado dos feridos.
O Sr. António Correia: — É capaz também de não ser verdade!
O Orador: — Não sei que pensar!
Uma pessoa da minha maior confiança garantiu-me o contrário.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — O que é certo é que dei imediatamente ordem ao meu ajudante para que fôsse saber do estado dos aviadores.
Nem eu era capaz, ainda que não fôsse Ministro da Guerra, de deixar de cumprir um dever de camaradagem.
Não o podia fazer, nem me tenha V. Exa. como homem de ideas mesquinhas.
Sou uma pessoa que julga ter o sentimento da sua situação, e daquilo que devem a si próprio.
Fique-se V. Exa. com esta declaração.
O Orador: — Sr. Presidente: para terminar, não quero deixar de mostrar mais uma vez quam parcial foi o Govêrno neste conflito, porquanto colocou se absolutamente ao lado do pessoal menor, sem discriminar as responsabilidades dêsse mesmo pessoal, contra o pessoal superior, agravando por uma forma bem evidente o conflito, tanto mais que não ouvi nenhuma consideração do Sr. Ministro da Guerra, dizendo que ia proceder também contra o pessoal menor, que insultou o pessoal superior, quando és te foi obrigado a abandonar os seus lugares.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Depois de lida, foi admitida a moção do Sr. António Maia.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: como de tarde tive ensejo de dizer, êste lado da Câmara não faz desta questão o mais leve, o mais insignificante pretexto, para um ataque político.
Somos Deputados da Nação que não podemos deixar de considerar todas as questões que perturbam a vida nacional e evidentemente a falta dos serviços telégrafo-postais está nesse caso.
Trata-se do aspecto da ordem que também êste lado da Câmara não esquece, nem esquecerá nunca, e trata-se ainda de, como representantes da Nação, cumprirmos o nosso dever de olhar e examinar com cuidado todas as reclamações que ao Parlamento são apresentadas;
Os dois primeiros aspectos, o aspecto da ordem e o aspecto dos prejuízos que à Nação está causando a falta dos serviços telégrafo postais, seriam por si razão mais que bastante para que êste lado da Câmara desejasse que se pusesse termo a uma situação como aquela que vem prejudicando o país.
Mas, Sr. Presidente, independentemente disso, ao Parlamento foi apresentada uma reclamação do pessoal maior da classe telégrafo-postal e como representantes da Nação não podemos de nenhuma forma deixar de procurar atender as reclamações que nos são apresentadas.
Sr. Presidente: devo dizer a V. Exa. e à Câmara, com a maior sinceridade, que assim como tantas vezes aqui nos insurgimos contra despesas supérfluas, contra despesas condenáveis, contra despesas que não podem continuar a fazer-se em relação a funcionalismo que não presta o mais leve serviço ao Estado, neste caso, Sr. Presidente, não o fazemos porque se verificam circunstâncias perfeitamente contrárias.
A classe telégrafo postal é uma classe que não só pode considerar a par daquelas que não prestam serviços ao Estado.
Tive ocasião de falar com alguns dos seus representantes que se confessam sinceros republicanos, e que tomaram parte no movimento de 1910 e em todos os outros movimentos.
Esta franqueza só é razão para respeitar as suas convicções, porque têm a hombridade de as confessar em toda a parte.
Tenho presente a representação do pessoal maior e nela há uma solução que me admira que ainda não tenha sido adoptada pelo Govêrno.
Página 32
32 Diário da Câmara dos Deputados
Somos contra às greves do funcionalismo público, mas também sabemos que a primeira qualidade de um homem público deve ser a de saber transigir a tempo.
O Sr. Ministro da Guerra leu vários documentos, e eu não sei se os funcionários do pessoal maior cometeram os actos a que o Govêrno se rei e ré, mas sei que muitos não entraram sequer em greve, e quando iam ocupar os seus lugares foram impedidos de o fazer, por que o Govêrno, por intermédio da fôrça pública, os impediu de tal.
Isto não está certo.
Não há nada que justifique a atitude do Govêrno, incitando o pessoal menor contra o pessoal maior.
Não podemos de nenhuma maneira abstrair a necessidade da disciplina nos serviços públicos; não podemos de nenhuma forma abstrair à noção dá hierarquia que deve existir em todos êsses serviços.
Se o Govêrno tivesse limitado a sua acção a fazer intervir à fôrça pública ou a fazer qualquer cousa em que não fizesse intervir o pessoal menor, talvez a questão não tivesse adquirido tamanhas proporções.
Eu hão sei se há ordem no pessoal maior dos correios e telégrafos; mas se porventura não a houve, nem por isso O Govêrno tinha o direito de fazer intervir o pessoal menor.
Posteriormente à essa triste e lamentável intervenção, segundo declarações fidedignas, chegou até a haver vivas à revolução social.
Sr. Presidente: somos partidários de que não se deve nunca empregar uma política destinada a dividir as classes; deve-se pelo contrário harmonizar tanto quanto possível as classes sem deixar de lembrar àqueles que na hierarquia do funcionalismo ocupam uma posição mais subalterna que lhes cumpre respeitar os seus superiores.
Ao intervir neste assunto, fazemos votos por que desapareça qualquer má vontade que exista entre o pessoal maior e O pessoal menor e queremos que em todos os serviços telégrafo-postais exista a máxima disciplina.
Mas como podemos nós, que queremos que exista essa disciplina, deixar de
respeitar o escrúpulo legítimo que existe no pessoal maior de voltar ao seu serviço quando não tenha condições de manter junto do pessoal menor aquele prestígio que a disciplina dos serviços impõe? Além disso entendo que é preciso que os governos se habituem a não deixar chegar os conflitos ao estado a que chegou êste.
E muito preferível que os governos vão ao encontro das reclamações justas, porque assim não só evitam a divisão das classes, mas até qualquer pretexto condenável de greves, e a este propósito entendo que o funcionalismo público precisa de ponderar muito bem a maneira como formular os seus protestos e as suas reclamações.
Não quero, todavia, proferir uma palavra que possa acirrar o conflito e desejava ouvir da boca do Sr. Presidente do Ministério palavras pacificadoras; palavras que, sem deixarem de representar os princípios regulamentares de disciplina, que são defendidos na representação do pessoal maior, nos dêem, além disso, a garantia de que o conflito terá uma solução honrosa, não continuando o País privado dos serviços telégrafo-postais, e não continuando a classe do pessoal maior na situação de incerteza em que se encontra.
Quer, porém, o Governo seguir êste caminho?
Sr. Presidente: o Govêrno não nos merece a menor sombra de confiança, mas somos suficientemente patriotas para não conduzir esta questão pára um caminho irritante e, antes pelo contrário, queremos desviá-la dêsse caminho.
Espero, pois, ouvir às palavras do Sr. Presidente do Ministério, e conto que elas sejam tranqüilizadoras.
Não desejo voltar ao debate, mas sé porventura a resposta de S. Exa. não fôr dê molde a satisfazer êste princípio, ver-lhe hei na necessidade de usar novamente da palavra, para justificar à atitude que tenhamos de adoptar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maria da Sila: — Sr. Presidente: não esperava entrar neste debate, se o ilustre Deputado Sr. Cunha Leal não me fizesse uma referência directa, devendo esclarecer que o faço não
Página 33
Sessão de 30 de Maio de 1924 33
na qualidade que tenho fora desta casa do Congresso, mas de simples Deputado.
É certo que mais de uma vez fui Ministro da pasta por onde correm os serviços dos correios e telégrafos, e que nessa qualidade estive em contacto com os serviços e respectivos funcionários, e, portanto, natural é que conheça um pouco da mecânica dêsses serviços e muitos dos funcionários, com alguns dos quais mantenho relações da mais estrita amizade. Tenho a consideração que só deve ter por uma classe como a dos correios e telégrafos, e tenho estado sempre em oposição a qualquer, greve.
Concordo com o Sr. Cunha Leal quando afirma que a sociedade não pode viver sob cortas ameaças e entendo também, que o Poder Executivo não pode ser um frangalho.
Se aos funcionários do Estado não reconheço a direito de greve, muito menos a admito quando ela é passiva, o que considero, na verdade, uma cobardia.
Folguei muito, Sr. Presidente, de ouvir as palavras aqui proferidas pelo ilustre Deputado Sr. Cunha Leal, que, com a sua elevada inteligência, colocou a questão nos devidos Dermos, não podendo deixar do estar também de acordo com S. Exa. sôbre o que disse relativamente ao decreto que foi publicado, o qual não foi feito nos precisos termos da lei, sendo, por isso, inconstitucional, a meu ver.
Tenho já por mais de uma vez manifestado a minha grande simpatia pelo pessoal em greve; entendo, porém, como não posso deixar de o fazer, que todos aqueles que delinqüiram devem ser castigados.
Sou o primeiro a reconhecê-lo, mas torna-se também necessário adoptar medidas enérgicas e urgentes, de forma a que se acabo o mais ràpidamente possível com êste conflito, que tantos prejuízos está causando ao puís.
Há muitos funcionários que são contra as greves e que tem uma vida inteira de trabalho que os dignifica. Ora, êsses devem ter já compreendido que foram atraiçoados por alguns que não cumpriram os seus devores.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: cabe-me o dever de agradecer ao Sr. João Camoesas as palavras com que rematou o seu discurso. Não posso também deixar do salientar o discurso do Sr. Cunha Leal.
Apoiados.
Revelou S. Exa. a generosidade do seu coração, sem, contudo deixar de se colocar ao lado do prestígio do Estado.
Apelou S. Exa. para o sentimento dos homens que constituem o Govêrno, á fim de que êste estendesse o manto de perdão sôbre aqueles actos praticados por funcionários que se afastaram do cumprimento dos seus deveres.
Infelizmente, os homens que estão no Govêrno, exactamente porque são Govêrno, não podem ter outra atitude senão aquela que lhes é imposta pelos diplomas legais.
Se eu ou qualquer dos Srs. Ministros falássemos como Deputados teríamos talvez as mesmas palavras de que usaram os Srs. João Camoesas e Cunha Leal.
No Govêrno as palavras têm de ser mais severas. O Govêrno não pode esquecer os actos que foram praticados. Se os esquecesse em que situação ficaria êle?
Todos sabem que o pessoal menor dos Correios e Telégrafos mantém-se fiel aos compromissos tomados para com o Estado. Quais as palavras para êstes funcionários?
A Câmara que resolva êste grave problema de ordem moral.
Êste é o estado do conflito, que tem, como a Câmara vê a sua gravidade.
Pelos ilustres oradores que abordaram a questão foram pronunciadas palavras de benevolência e conciliação que o Govêrno procurará ter presentes, porque não é sou propósito dificultar a solução dum conflito que ram vivamente afecta a economia nacional. Simplesmente, o pé em que a questão foi colocada não permite que o Govêrno use dessa benevolência e dessa conciliação tanto como o desejam S. Exas.
Sr. Presidente: tanto o Sr. João Camoesas como o Sr. Cunha Leal só referiram ao aspecto inconstitucional de certos actos praticados pelo Govêrno, sobre-
Página 34
34 Diário da Câmara dos Deputados
tudo do decreto mandado publicar pelo Sr. Ministro do Comércio.
Ora nesse decreto estabelece-se um princípio que já estava consignado no decreto de 1910, relativo à aplicação penal duma sanção a um acto considerado crime, e vem além disso, no regulamento disciplinar, aplicável quanto a faltas disciplinares. Trata-se, pois, dum preceito geral.
O Govêrno, pelo seu decreto, estabelece, em face da legislação de 1910, a doutrina de que a greve foi atiçada por funcionários, públicos é um crime sujeito a punição.
No caso presente essa punição não se podia fazer individualmente para cada um dos funcionários em greve, visto que se alguns se coligaram para êsse efeito, outros poderá haver que se não tenham coligado. E, nesses termos, carecia constatara sua falta. Ora como o abandono de serviço nem sempre é infracção disciplinar, tornou-se necessária a demissão colectiva, para se averiguar quais os funcionários que de facto incorreram em infracção disciplinar.
Esta é a situação jurídica, que não se torna possível destruir, com nenhuma argumentação ou fundamento, porque não encontra, na verdade, sólido apoio em nenhum diploma, ou mesmo em ausência de diploma próprio; mas contestou-se que efetivamente tivesse havido coligação. Eu creio que não foi contestado por nenhum orador que existisse o facto da coligação, porque seria absurdo dizê-lo. Pois se nós estamos verificando que o facto se dá, se estamos em face dele, como podemos negar a sua evidência?
Houve a coligação anterior aos actos praticados pelo Govêrno, ao sentir a necessidade absoluta de substituir aqueles funcionários.
O Govêrno não podia deixar de tomar as medidas necessárias para que os serviços se realizassem de qualquer maneira.
Existiu, portanto, essa coligação anterior. Quais os seus factores? Quais os seus elementos dirigentes de execução?
O Govêrno não os conhece ainda, mas tem elementos suficientes para atingir determinados indivíduos que executaram determinados actos, para que essa suspensão de trabalhos se realizasse, e a práti-
ca de sabotage, que define ainda mais categoricamente o crime de greve.
Bastava um único processo, aquele que ontem estive a ler, e o que o Sr. Ministro da Guerra se referiu, para definir a existência da coligação anteriormente a 9 de Maio, e que é a condenação de todas as palavras que possam ser ditas em contestação das palavras que acabo de proferir.
Quais são êsses actos?
O Sr. Ministro da Guerra já a êles se referiu, e são os seguintes: as malas são fechadas nas estações, de onde são remetidas apondo-se um carimbo num papel que é colado na fechadura, de maneira que não se possa abrir o saco sem rasgar êsse papel, onde vai o carimbo com a data da expedição.
Fez-se uma quantidade enorme de listas de papel carimbadas com a data de
10 e de 11 que se enviaram com sobrescritos para várias estações e com destino aos funcionários que tenham de receber essas malas, para que as pudessem abrir no trajecto, rasgando o sêlo de origem, substituindo a correspondência, mudando-a de sacos e apondo-lhe o sêlo próprio para se poder imaginar que, efectivamente, aqueles, sacos tinham saído intactos.
Bastava a contestação de tais actos para se verificar que, de facto, houve o crime de coligação para o efeito da cessação de trabalho.
O Govêrno não tinha nenhuma repugnância, a certa altura, de aceitar a entrada dos funcionários que se encontravam afastados do serviço, se estivesse certo de que êsses funcionários, entrando ao serviço, não iniciavam imediatamente a prática de actos de sabotage e a greve de braços caídos.
Porque é que o Govêrno não podia ter confiança nesses funcionários?
Não tinha confiança, porque tinha conhecimento das circulares que o Ministro da Guerra leu.
O Govêrno estava em face de factos e tinha de se prevenir, porque, de contrário, seria o desprestígio do Poder, seria esquecer os interêsses do País.
Mas, apesar disto, o Govêrno não deixou de usar de todos os processos compatíveis com o prestígio do Poder para pôr termo a êste conflito desagradável e
Página 35
Sessão de 30 de Maio de 1924 35
desgraçado, aos actos de sabotage praticados pelo pessoal maior, e aos de indisciplina praticados pelo pessoal menor.
A êste respeito tem o Govêrno em seu Poder determinadas participações. Eu próprio disse à comissão que inicialmente tratou do assunto que o Governo não podia aceitar essas participações como boas, nem podia ver aplicada qualquer sanção sem que os processos corressem os seus tramites, e sem que se averiguasse se elas eram ou não legítimas.
Também êsses funcionários disseram que por si se responsabilizavam a não fazer suspensões arbitrárias, e, portanto, vítimas; eu preguntei se essa era a disposição de todo o pessoal maior. Esta dúvida não pode deixar de ser aceita por êsses funcionários.
Sr. Presidente: aconteceu que em determinados actos que foram levantados era necessário fazer investigação, mas não foi possível levá-los por diante, visto da parte de pessoal maior não ter aparecido ninguém a fazer declarações.
O Govêrno não tem nenhuma outra preocupação senão a de defender o Estado, velando os seus interêsses. Poderá ser errado o seu critério, mas deixo à Câmara o preferir a sentença.
Se a Câmara entende que o conflito tem outra solução, o Govêrno deixará que outro que venha resolva o assunto.
O Govêrno, que tem apenas de pautar os seus autos pelos interêsses gerais, agradece à Câmara o ter ela votado a generalidade do debate, porque o Govêrno deseja que os seus actos sejam discutidos, mas não pode aceitar uma situação de deminuição em face dêste conflito.
Não há nada mais perigoso para os Estados que situações dúbias, tanto para aqueles que governam, como para aqueles que são governados.
O Parlamento, Sr. Presidente, tem o dever de indicar qual a melhor solução a dar ao assunto, visto que Govêrno não pode modificar a sua atitude perante aqueles que estão fora da lei e fora dos serviços públicos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: — Sr. Presidente: de harmonia com as praxes regimentais, mando para a Mesa a minha moção de ordem, que é concebida nos seguintes termos:
Moção
A Câmara, reconhecendo que o Govêrno procedeu legalmente e de harmonia com os superiores interêsses do Estado, passa à ordem do dia.— António Correia.
Não tencionava entrar neste debate, tanto mais quanto é certo ir adiantada a hora, mas faço-o para justificar a atitude do Govêrno e o seu procedimento, encontrando-me para isso perfeitamente à vontade, porque ainda não há muito que estive em contacto com a classe dos correios e telégrafos e o Sr. Ministro do Comércio, a ti m de se discutirem as bases para a organização dos serviços, à qual eu dispensei todos os meus bons desejos e o meu concurso.
Procurei dentro da minha esfera de acção ser-lhes agradável e útil, e assim, Sr. Presidente, não posso deixar de sentir que os funcionários dos correios e telégrafos dessem um mau passo, precipitando-se num movimento que tantos prejuízos está causando ao pais.
As declarações do Sr. Presidente do Ministério foram bem claras e terminantes, como claras e terminantes foram também as declarações feitas pelo Sr. Ministro da Guerra, que expôs ao Parlamento a origem do conflito e a necessidade de fazer intervir a fôrça armada dentro dos edifícios dos correios e telégrafos.
Não posso deixar de prestar a homenagem da minha admiração ao valor parlamentar do Sr. Cunha Leal, pelas palavras de alto patriotismo que S. Exa. proferiu, após as quais nada mais há a dizer.
O Govêrno seguiu o caminho que devia seguir e disso não tem de se arrepender.
Quanto aos funcionários, bom seria que tivessem reflectido, e não entrassem no caminho da indisciplina.
E próprio do homem errar, mas poderiam ter reflectido, e ser mais patriotas, poderiam não ter perturbado mais ainda a vida da nação e modificar, portanto, a sua atitude.
Não é licito que se interrompa um serviço público de tanta importância como é o dos correios e telégrafos.
Página 36
36 Diário da Câmara dos Deputados
Sr. Presidente: nesta hora, todos devemos ser patriotas, auxiliar o Govêrno.
Não é com a aprovação da moção do Sr. António Maia que poderemos resolver o assunto.
As palavras proferida tam brilhantemente pelo Sr. Cunha Leal devem ter calado no espírito dos funcionários.
Meditem nelas esta noite!
Se não triunfar o Poder Executivo, teremos a prova de que a sociedade portuguesa se encontra em tal estado de dissolução, que será necessária uma transformação radical para que nos salvemos.
Não uso da palavra para apenas dizer que, como homem de ordem, não posso deixar de estar ao lado do Govêrno; quero também manifestar o meu profundo desgosto perante êste conflito, que todos desejaríamos evitar, mas que se deu mercê da precipitação de alguns funcionários.
Terminando, repito que me sinto à vontade para dizer o que disse, visto que ainda há pouco mereci ser considerado amigo da classe dos telégrafo-postais, como ela me fez saber, por virtude da minha atitude em defesa dos seus interêsses, quando no Parlamento se discutiram as bases da nova organização.
Ainda é como amigo que eu neste momento junto as minhas palavras às do Sr. Cunha Leal, para que êles reconsiderem no seu acto e tenham em conta os interêsses da Pátria e o prestígio do Govêrno.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi lida na Mesa a moção.
É admitida.
Q Sr. António Maia: — Requeiro a contraprova.
Procedeu-se à admissão da moção do Sr. António Correia, em contraprova,
O Sr. Presidente: — Não há número, vai preceder-se à chamada.
Procede-se à chamada.
Disseram «aprovo» os Srs.:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João José da Conceição Camoesas.
João de Ornelas da Silva.
José Carvalho dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
Lúcio de Campos Marques.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Alegre.
Manuel Ferreira da Rocha.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nuno Simões.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.
Vergílio Saque.
Disse «rejeito» o Sr.: António de Sousa Maia.
O Sr. Presidente: — Disseram «aprovo», 40 Srs. Deputados e «rejeito», 1.
Não há número para a Câmara funcionar.
A próxima sessão é na segunda-feira à hora regimental com a seguinte ordem do dia.
Antes da ordem do dia (com prejuízo dos oradores que se inscreveram):
A de hoje.
Página 37
Sessão de 30 de Maio de 1924 37
(Sem prejuízo dos oradores que se inscreveram): A de hoje.
Parecer n.° 695, que cria a freguesia de Barril de Alva, concelho de Arganil.
Ordem do dia (Diurna):
Negócio urgente do Sr. João Camoesas e a de hoje.
(Nocturna):
Parecer n.° 645-(c) — Orçamento do Ministério da Instrução pública.
Parecer n.° 645-(b) — Orçamento do Ministério do Trabalho e do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios.
Está encerrada a sessão.
Eram 0 horas e 45 minutos.
Documentos mandados para a Ilesa Durante a sessão
Proposta de lei
Dos Srs. Ministros das finanças e Polónias abrindo um crédito especial de de 44.126$63 para reforço do artigo 3.° da «Despesa Extraordinária o do Orçamento do Ministério das Colónias.
Para o «Diário do Governo».
Pareceres
Da comissão de finanças sôbre o n.° 695-A que garante a admissão dos filhos dos bombeiros, falecidos por desastre, no instituto Feminino de Educação e Trabalho e no dos pupilos do Exército de Terra e Mar.
Imprima-se.
Da comissão de guerra sôbre o n.° 651-D que dá nova redacção ao artigo 10.° do decreto n.° 7:823 sôbre regalias a oficiais é sargentos milicianos que fizeram parte dó Corpo Expedicionário a França e Ultramar.
Para a comissão de finanças.
Da mesma sôbre o n.° 616-B que fixa os vencimentos de reforma à médica em serviço no Instituto Feminino de Educação e Trabalho.
Para o «Diário das Sessões» nos termos do artigo 38.° do Regimento.
Da comissão de colónias sôbre o n.° 695-D que determina que os amanuenses da Direcção Geral Militar do Ministério
das Colónias sejam recrutados entre os 2.ºs sargentos, na metrópole à data de qualquer vacatura.
Imprima-se.
Da mesma sôbre o n.° 632-A que reorganiza os serviços de emigração.
Para a comissão de negócios estrangeiros.
Da comissão de marinha sôbre o n.° 539-B que modifica a tabela cujos emolumentos dos serviços de sanidade marítima.
Para a comissão de finanças.
Requerimentos
«Requeiro que, pelo Ministério da Guerra me sejam fornecidas, com a possível urgência, as informações seguintes:
a) — Nota das importâncias inscritas no orçamento do ano económico corrente, que não foram liquidadas, totalmente ou em parte;
b) — Cópia dos documentos justificativos de inscrição na proposta orçamental para o ano económico de 1924-1925 das verbas:
[Ver valores da tabela na imagem]
Capítulo 15.°, Artigo 55.°
Capítulo 15.° da despesa extraordinária
Capítulo 16.° da despesa extraordinária
Capítulo 17.° da despesa extraordinária
c) — Relatório sumário 4os trabalhos efectuados durante o ano de 1923 pela Comissão dos Prisioneiros de Guerra, inscrita no Capítulo 1.° do Artigo 12.°;
d)— Relação das alterações às verbas inscritas no orçamento do ano corrente, indicando o número e data do Diário do Govêrno, em que foram publicadas D.
Palácio do Congresso da República, em 30 de Maio de 1924. — O Deputado, Henrique Pires Monteiro.
Expeça-se.
Documentos publicados nos termos do artigo 38.° do Regimento
Parecer n.° 741
Senhores Deputados. — O direito à reforma é uma vantagem que o Estado concede aos seus funcionários, tendo em vista a assistência na invalidez, o que lhe
Página 38
38 Diário da Câmara dos Deputados
permite conseguir a prestação de serviços com uma menor remuneração. Compreen-de-se, pois, que o Estado acoite êste encargo, quando elo faça parte das condições de contrato ou de recrutamento.
Mas não sucede assim no caso em questão.
O § 1.° do artigo 23.° do decreto de 19 de Agosto de 1911 que organiza o Instituto Feminino de Educação e Trabalho considera a médica em serviço neste estabelecimento de ensino na situação de contratada, não lhe reconhecendo qualquer direito à reforma.
O artigo 27.° do Regulamento do mesmo Instituto, publicado em 1915, reconhece apenas que o serviço prestado pelos professores ou professoras será considerado nas mesmas condições que o prestado em estabelecimentos do Ministério de Instrução, mas não lhe reconhece o direito a quaisquer vencimentos de reforma.
Acresce, ainda, que o serviço prestado pela médica do Instituto, sendo de duração diária limitada lhe permite continuar a desempenhar os seus serviços clínicos a particulares, pelo que a vossa Comissão de Guerra é de parecer que o projecto do lei n.° 616-B, da autoria do Sr. Angelo de Sá Couto de Sampaio Maia, não merece a vossa aprovação.
Sala das sessões da Comissão de Guerra, 30 de Maio de 1924. -— João Pereira Bastos, Lelo Portela, Vitorino Godinho, Tomás de Sousa Rosa, José Cortês dos Santos.
Projecto de lei n.° 616-B
Senhores Deputados. — Pelo artigo 8.° do decreto n.° 3:307 de 21 de Acosto de 1917 foi concedido às enfermeiras militares com 10 anos de serviço efectivo reforma igual à que corresponde aos tenentes do quadro auxiliar do saúde.
Esta regalia foi-lhes mantida pelo artigo 27.° do decreto n.° 4:756 de 28 de Agosto de 1918.
O artigo 30.° dêste último decreto foi ainda mais longe, mandando equiparar as enfermeiras-chefes com 10 anos de bom serviço efectivo, para vários efeitos e entre êles o de reforma, a capitães do quadro auxiliar de saúde.
A situação dê aposentação das senhoras que no exercito prestam serviços de enfermagem ficou assim regulada definitivamente pelos mencionados decretos.
Não ocorreu, porém, ao legislador que ao serviço do mesmo exército se encontra uma medica nomeada por decreto de 11 de Dezembro do 1915 e que conta a sua antiguidade desde 7 de Fevereiro de 1911, por ter sido mandada apresentar nesta data pelo Ministério da Guerra.
Essa médica desempenha serviço clínico rio Instituto Feminino de Educação e Trabalho, lugar criado por decreto de 19 de Agosto de 1911 e mantido nos regulamentos do mesmo Instituto de 12 de Junho de 1915 e subseqüentes.
Não está regulada ainda a reforma desta senhora, apesar de ter regularmente descontado para a Caixa de Aposentações e não será justo nom eqüitativo conferir-lhe direitos inferiores aos já concedidos pelos decretos acima mencionados às enfermeiras suas subordinadas.
Nestas condições tenho a honra de submeter à apreciação do Congresso o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A médica, nomeada por decreto,, para desempenhar serviço da sua especialidade no Instituto Feminino de Educação e Trabalho, a cargo do Ministério da Guerra, que possua mais de dez anos do bom serviço efectivo naquele estabelecimento, terá os vencimentos de reforma iguais aos que correspondem à reforma ordinária dos majores módicos do exército.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário. — O Deputado, Ângelo de Sampaio Maia.
O REDACTOR—Avelino de Almeida.