Página 1
REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.° 96
EM 4 DE JUNHO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Custódio Martins de Paiva
Sumário.— Aberta a sessão, com a presença de 52 Srs. Deputados, é lida a acta e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia.— O Sr. Cunha Leal deseja tratar, em negócio urgente, do conflito com a aviação militar, logo que esteja presente o Chefe do Govêrno.
Consultada a Câmara, é rejeitado,
Requerida a contraprova com contagem, verifica-se que o requerimento é aprovado por 31 votos e rejeitado por 12.
Como não haja número, procede-se à chamada.
Aprovaram 43 e rejeitaram 21.
O Sr. António Maia é autorizado a usar da palavra sôbre o incidente da aviação, em seguido, ao Sr. Cunha Leal.
O Sr. António Correia ocupa-se de actos atribuídos ao Comissário Geral dos Abastecimentos, pedindo providências contra irregularidades que diz cometidas por êle.
O Sr. Velhinho Correia defende o Comissariado Geral dos Abastecimentos.
O Sr. Lopes Cardoso pregunta se o Chefe do Govêrno ou o Sr. Ministro da Guerra foram prevenidos de que era necessária a sua presença por causa do negócio urgente do Sr. Cunha Leal.
O Sr. Presidente responde ignorar onde se encontram os Srs. Presidente do Ministério e Ministro da Guerra.
O Sr. Ministro das Colónias manifesta igual ignorância.
O Sr. Carvalho da Silva pede a palavra para um negócio urgente, mas desiste dela.
O Sr. Cunha Leal, tendo entrado o Sr. Presidente do Ministério, realiza o seu negócio urgente sôbre o caso da aviação.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro) ocupa-se do mesmo caso e presta a respeito dele largas declarações.
Tem a palavra para explicações o Sr. Cunha Leal.
O Sr. Presidente do Ministério responde ao orador precedente.
Sôbre o assunto em debate usam da palavra os Srs. António Maia, António Maria da Silva, Carvalho da Silva, Pedro Pita, António Cor r tia e Paiva Gomes, que manda para a Mesa uma moção, a qual é lida e admitida.
O Sr. Paiva Gomes requere que seja prorrogada a sessão até se liquidar o incidente da aviação.
Tem a palavra para explicações o Sr. João Camoesas.
Sôbre o modo de votar o requerimento do Sr. Paiva Gomes usam da palavra os Srs. Presidente do Ministério e António Maria da Silva.
O Sr. Presidente consulta a Câmara sôbre a forma de interpretar o requerimento do Sr. Paiva Gomes.
Resolve-se que a segando parte da sessão fique prejudicada pela continuação do negócio urgente.
Usam da palavra os Srs. Cunha Leal, Carvalho da Silva, Agatão Lança, Pedro Pita, Dinis da Fonseca, Rodrigues Gaspar, Ferreira da Rocha e para explicações os Srs. Agatão Lança e Ginestal Machado.
É requerida votação nominal. Aprovado.
O Sr. Presidente do Ministério volta a usar da palavra.
O Govêrno sai da sala.
Procede-se à votação.
Disseram «aprovo» 51 Srs. Deputados e «rejeito» 24.
Está aprovada a moção.
O Sr. Presidente do Ministério volta à sala, acompanhado pelo Govêrno, para agradecer o voto da Câmara.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com o respectiva ordem.
Abertura da sessão às 15 horas e 15 minutos.
Presentes 52 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 43 Srs. Deputados.
Página 2
2 Diário da Câmara dos Deputados
Srs. Deputados que compareceram à sessão:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Ferreira da Rocha.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Ginestal Machado.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Domingos Leite Pereira.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Dinis de Carvalho.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José Luís Damas.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mariano Martins.
Mariano da Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Página 3
Sessão de 4 de Junho de 1924 3
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Lelo Portela.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Mendonça.
António Vicente Ferreira.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Águas.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos,
José de Oliveira Salvador.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Maximino de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 52 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Foi lida e aprovada a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofício
Do Senado, enviando uma proposta de lei que cede à Câmara Municipal de Penela à antiga residência paroquial da freguesia de S. Miguel.
Para a comissão de administração pública.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de «antes da ordem».
O Sr. Cunha Leal veio declarar à Mesa que deseja ocupar-se, em negócio urgente, do conflito com a aviação militar.
Consulto a Câmara sôbre se entende que o Sr. Canha Leal use da palavra logo que esteja presente o Sr. Presidente do Ministério ou o Sr. Ministro da Guerra.
Consultada a Câmara, foi rejeitado o negócio urgente.
O Sr. Artur Brandão: — Requeiro a contraprova.
Página 4
4 Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Lúcio Campos Martins: — E invoco o § 2.° do artigo 116.°
Feita a contraprova, verificou-se estarem de pé 12 Srs. Deputados e sentados 31, pelo que o Sr. Presidente mandou proceder à chamada, por não haver número.
Vozes: — Isto é uma vergonha. Alguns Srs. Deputados saem da sala.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Então os Senhores saem da sala? Não têm a coragem das suas responsabilidades!
O Sr. Almeida Ribeiro: — Questões de disciplina militar não se tratam nesta Câmara.
Feita a chamada, verificou-se terem aprovado 43 Srs. Deputados, e rejeitado, 21.
Disseram «aprovo»:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto do Portugal Durão.
Alberto da Rocha Saraiva.
Amaro Garcia Loureiro.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Pais da Silva Marques.
António Pinto do Meireles Barriga.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio do Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Custódio Martins do Paiva.
Delfim Costa.
Francisco Cruz.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José do Medeiros.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
José Pina de Morais Júnior.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Lúcio de Campos Martins.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Disseram «rejeito»:
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Albino Marques de Azevedo.
António Correia.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Ernesto Carneiro Franco.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João José Luís Damas.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Sebastião de Herédia.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Tendo-se verificado haver número prosseguem os trabalhos.
O Sr. João Bacelar: — Como não está presente o Sr. Ministro da Agricultura, peço a V. Exa. Sr. Presidente, que me reserve a palavra para quando S. Exa. estiver.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: esperava a ocasião de poder falar sôbre o incidente com a aviação militar, mas, desde que foi aprovado que o Sr. Cunha Leal tratasse dessa questão em negócio urgente, requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que, depois
Página 5
Sessão de 4 de Junho de 1924 5
de S. Exa. falar, eu dê algumas explicações.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vou pôr à votação o requerimento formulado pelo Sr. António Maia.
O Sr. António Maia (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: desejo apenas dizer à Câmara que serei calmo e correcto.
Foi aprovado o requerimento do Sr. António Maia.
O Sr. António Correia: — Sr. Presidente: desejava usar da palavra quando estivesse presente o Sr. Ministro da Agricultura, mas aproveito o ensejo de acabar de entrar na sala o Sr. Ministro das Colónias para pedir a S. Exa. a fineza de transmitir ao seu colega as considerações que vou fazer.
Suponho que o Sr. Ministro da Agricultura não está em Lisboa, mas como o caso pode perder oportunidade, e porque é conveniente bater no ferro emquanto êle está quente, não quero deixar que passe mais um dia som dar conhecimento ao Govêrno de abusos que se praticam no Comissariado dos Abastecimentos.
Sr. Presidente: no jornal Diário de Lisboa, do dia 2 do corrente, veio publicada uma notícia acerca de um bodo que o Sr. Comissário dos Abastecimentos generosamente distribuiu a alguns funcionários da sua simpatia.
A primeira vista parecerá que o assunto não devia merecer a preocupação de qualquer Deputado, mas, como tenho visto sistematicamente a recusa da Câmara do qualquer melhoria da situação aos diferentes funcionários públicos, emquanto as circunstâncias do Tesouro o não permitirem, desejo que alguém me informe, e talvez o Sr. Ministro das Colónias o possa fazer, de como é que o Sr. Comissário dos Abastecimentos só permite distribuir gratificações relativamente importantes, e donde é que veio o dinheiro para elas.
Sr. Presidente: êste facto, que por si representa um arbítrio do Sr. Comissário dos Abastecimentos, é acompanhado do outras medidas de violência, praticadas
contra alguns funcionários que bastantes serviços têm prestado àquela repartição.
As gratificações distribuídas por diversos funcionários atingem a soma de centenas de contos.
Sr. Presidente: o Sr. comissário dos abastecimentos, que tantas acusações tem sofrido, acusações que são absolutamente justificadas, aparece depois dêste bodo a perseguir aquelas pessoas que fornecem os elementos necessários para que não consintamos nisto, que é um abuso, sem o nosso mais veemente protesto.
Eu disse, e para este ponto chamo a atenção da Câmara, que emquanto o Parlamento assume a responsabilidade, de cabeça bem levantada, de não dar mais um centavo aos funcionários públicos, que atravessam uma situação angustiosa, o Sr. comissário dos abastecimentos, como se estivesse no seu solar, distribui gratificações que são absolutamente escandalosas.
O Sr. comissário dos abastecimentos está dispensando funcionários do Ministério da Agricultura, e fazendo contratos que já se elevam a cento e tantos.
É preciso que o Sr. Ministro da Agricultura.
O Sr. João Luís Ricardo (interrompendo): — Parece que não há Ministro da Agricultura!
O Orador: — O Sr. Ministro da Agricultura não vem à Câmara, e é preciso que venha, pois o caso é grave.
Os funcionários do Comissariado dos Abastecimentos, que foram dispensados do serviço, informaram que em 23 de Abril último tinham selado sacas de açúcar impróprio para o consumo; eram 136 sacas da Sociedade Mercantil e 94 da Sociedade do Ganda (Santa Iria).
Êsse açúcar foi remetido ao Instituto Central de Higiene.
Em 27 de Abril, o Instituto dava o açúcar como impróprio, mas o Sr. Sá da Costa mandou desselar as sacas.
O Sr. Tavares de Carvalho (interrompendo): — Eu também desejo tratar do assunto, quando o Sr. Ministro da Agricultura esteja presente; mas sou informado de que êsse açúcar foi dado para o consumo, pois que havia falta no mercado.
Página 6
6 Diário da Câmara dos Deputados
Tinha sido selado para ser apenas moído em vez de refinado.
O Orador: — A desculpa apresentada é pueril e graciosa.
Estamos naquele caso do doente que, se não morre da doença, morre da cura.
S. Exa. não queria que faltasse o açúcar e forneceu êsse açúcar julgado prejudicial, nocivo à saúde pública.
A companhia a quem fora apreendido exerceu a sua influência em volta do Sr. comissário dos abastecimentos, e assim foi que o açúcar se distribuiu às casas de beneficência.
Se p Sr. Ministro da Agricultura conhece esses factos, tem de demitir o Sr. Sá da Costa.
É o que tem a fazer imediatamente.
Mas há mais.
Há dias, os fiscais dos abastecimentos fizeram a apreensão de 500 sacas de arroz, julgado impróprio para o consumo, e remeteram-se as respectivas amostras ao Instituto Central de Higiene, que declarou que o arroz era impróprio para o consumo e que algum podia ser aproveitado desde que fôsse submetido a nova refinação.
Os autos de apreensão do arroz desapareceram, não entrando no Tribunal de Assambarcadores.
Assumo a responsabilidade das minhas acusações.
Muitos funcionários dos abastecimentos estão prontos a testemunhar os factos que venho narrar à Câmara.
Há indivíduos que exercem funções no Comissariado dos Abastecimentos e que são simultaneamente comerciantes ou desempenham funções absolutamente incompatíveis com as que lhes foram confiadas no mesmo Comissariado.
O Sr. Presidente: — Previno V. Exa. de que esgotou o tempo destinado aos oradores inscritos antes da ordem do dia.
O Orador: — Vou terminar.
Vozes: — Fale! Fale!
O Orador: — O Comissário dos Abastecimentos tem conhecimento de tudo isto e continua exercendo a sua acção antagónica, sob o ponto de vista do embarate-
cimento da vida; não contente com a defesa que em Lisboa faz, pela imprensa, do modo incompetente como procede, vai a Beja fazer conferências e mostrar ali também a sua insuficiência intelectual.
O Sr. Comissário dos Abastecimentos tem exercido uma acção nefasta, prejudicial, aos interêsses do Estado, e suponho que as considerações que tenho produzido hoje são suficientes para o Sr. Ministro da Agricultura o demitir, depois de informado pelo Sr. Ministro das Colónias, que lhe transmitirá o que acabei de dizer.
Prometo não largar mão do assunto emquanto se não realizar a obra de saneamento moral que o prestígio da República impõe.
Fustigarei sempre aqueles que pratiquem actos que julgo ilegais.
Por hoje, tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos: restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Velhinho Correia: — Desejo produzir algumas considerações, em resposta às acusações formuladas pelo Sr. António Correia.
O Sr. Lopes Cardoso: — Então o Sr. Velhinho Correia usa da palavra sôbre êste assunto?!
O,Orador: — Tenho o direito de usar da palavra durante dez minutos. Por isso chamo a atenção da Câmara para o que vou dizer, em resposta ao Sr. António Correia.
Não é como Deputado que estou falando.
E como consumidor dos Armazéns Reguladores.
E justo que um consumidor se faça ouvir em seguida às considerações que foram feitas pelo Sr. António Correia.
Êsse consumidor sou eu. E, em nome da verdade, devo dizer que os géneros fornecidos pelo Comissariado dos Abastecimentos são tam bons como os que são vendidos nos estabelecimentos particulares, com a diferença de serem sensivelmente mais baratos.
Afirmar o contrário é cooperar na formidável campanha movida pelo comércio ferido nos seus ilegítimos interêsses, con-
Página 7
Sessão de 4 de Julho de 1924 7
tra êsse Comissariado cujos serviços o público reconhece.
É possível que se tenham dado as irregularidades a que há pouco se referiu o Sr. António Correia. Que se exija o apuramento dessas irregularidades, está bem.
O que não está bem é que por detrás dêsse louvável desejo se esconda o propósito de atacar uma instituição cujos serviços têm beneficiado altamente as classes pobres, e atacar sobretudo a pessoa que com tam grande boa vontade, tanto trabalho e tanta persistência a tem dirigido.
Eis, Sr. Presidente, o que se me oferece dizer em resposta às palavras que há pouco pronunciou o Sr. António Correia.
O orador não reviu.
O Sr. Moura Pinto: — Sr. Presidente: como V. Exa. sabe, a Câmara aprovou o negócio urgente do Sr. Cunha Leal. Não estavam, porém, presentes os Srs. Presidente do Ministério e Ministro da Guerra e foi resolvido aguardar a chegada de S. Exas.
Como já passou algum tempo e S. Exas. não comparecem, pregunto a V. Exa. se êsses dois membros do Govêrno já foram avisados da deliberação da Câmara.
O Sr. Presidente: — Tendo procurado transmitir ao Sr. Presidente do Ministério e ao Sr. Ministro da Guerra a resolução da Câmara, mandei procurar S. Exas., mas não foram encontrados.
O Sr. Moura Pinto: — Talvez o Sr. Ministro das Colónias, que está presente, nos possa indicar o paradeiro de S. Exas.
O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins): — Não sei dizer onde se encontram neste momento os Srs. Presidente do Ministério e Ministro da Guerra.
O Sr. Artur Brandão: — Então, num momento grave como êste, não se sabe onde param os Srs. Presidente do Ministério e Ministro da Guerra?!
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: peço a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que, em negócio urgente, trate de um assun-
to que se prende com um decreto ultimamente publicado pela pasta das Finanças, devendo dizer desde já à Câmara que desejo tratar do assunto mesmo na ausência do Sr. Ministro das Finanças, e que estou pronto a interromper a s minhas considerações logo que entre na sala o Sr. Presidente do Ministério, visto que não desejo por forma alguma prejudicar o negócio urgente do Sr. Cunha Leal.
Peço pois a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que eu trato do meu negócio urgente nas condições que acabo de expor à Câmara.
Nesta altura entra na sala o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Carvalho da Silva: — Visto já se encontrar presente o Sr. Presidente do Ministério, desisto do meu pedido.
O Sr. Presidente: — Já está presente o Sr. Presidente do Ministério.
Vou conceder a palavra ao Sr. Cunha Leal, de harmonia com a deliberação da Câmara.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: nunca na minha vida me senti tam embaraçado para falar nesta Câmara, visto que estou em presença de dois factos que, na verdade, brigam um com o outro.
Não desejo, falando em nome do meu partido, porque em nome dele falo, quaisquer que sejam os meus sentimentos pessoais, qualquer que seja a minha atitude, não desejo, repito, de maneira nenhuma, que se diga amanhã que p meu partido por qualquer forma concorreu para o enfraquecimento do princípio de disciplina e da hierarquia militar.
Muitos apoiados.
Mas, Sr. Presidente, além dêste dever, há outro, um outro dever de humanidade, e bem alto; e assim não quero como representante da Nação no Parlamento, assistir impassível, sem dizer aqui claramente aquilo que penso, em nome do meu partido, relativamente ao cerco, que se está fazendo, de 3:000 homens contra 17.
Não há da minha parte nenhuma espécie de especulação política o que não quero nem posso é assistir a sangue frio a essa espécie de fuzilamento.
Apoiados.
Página 8
8 Diário da Câmara dos Debutados
Sou incapaz, Sr. Presidente, de pôr nas minhas, palavras qualquer cousa que não seja um profundo sentimento de respeito por êsses homens que, na verdade, são dignos de respeito pelos serviços que têm prestado à Pátria.
Devo dizer que não pertenço ao número dos homens que têm a sensibilidade de macaco, ou que deixam o coração nas algibeiras.
Muitos apoiados,
O partido a que me honro de pertencer encarregou-me, por duas ou três vezes, de significar ao Sr. Ministro da Guerra a consideração que todos temos pelas suas qualidades de oficial, tendo-me encarregado novamente de lhe repetir que temos a maior consideração por S. Exa., assim como pelo Sr. Presidente do Ministério, mas isso não me inibe de afirmar que cremos ser impossível reunir na mesma pessoa, como sucede com o Sr. Ministro da Guerra, tantas faculdades para arranjar complicações.
O Sr. Ministro da Guerra, na verdade, tem arranjado complicações, sôbre complicações, talvez dentro de um critério de disciplina , militar, que se cinge perfeitamente ao espírito do regulamento, não o nego, mas que por isso mesmo tem originado e complicado conflitos.
Muito embora seja certo que não devemos esquecer os regulamentos, não é menos certo que não devemos esquecer os serviços prestados pelos aviadores.
Tenho a certeza absoluta de que, se Brito Pais e Sarmento de Beires tivessem conhecimento do que se está passando entre nós, gostosamente viriam colocar-se ao lado dos seus camaradas.
Estamos, Sr. Presidente, de facto, em presença de uma sociedade absolutamente indisciplinada, em que ninguém obedece às leis.
Haja vista, igualmente, a magistratura que se encontra numa situação que, na verdade, se não compreende.
Torna-se necessário restabelecer a disciplina, para que haja ordem na sociedade.
Mas estará o Ministro dentro dos princípios da verdadeira disciplina?
É possível!
No emtanto, mal empregada boa vontade, se ela nos há-de conduzir sempre a êstes resultados. Tantas são as complica-
ções que surgem, umas sôbre outras, que não podemos deixar de julgar que o pensamento do Sr. Presidente do Ministério e do Sr. Ministro da Guerra é cair.
Na verdade, o procedimento do Sr. Ministro da Guerra nesta questão foi de molde a irritar aqueles bravos rapazes que são aviadores.
S. Exa., exercendo uma acção mais policial do que propriamente política, arranjou uma situação em que todos nós, mesmos os que desejamos elevar ao mais alto grau o princípio da ordem e da disciplina, temos de dizer, em nome do mais elementar princípio de humanidade, que o Sr. Ministro da Guerra não tem o direito de sacrificar a existência de dezassete valorosos rapazes!
Vivos apoiados da minoria nacionalista.
Não há nada que possa convencer-me de que os homens que compõem o Govêrno conseguirão dormir descansados se da acção do Sr. Presidente do Ministério e do Sr. Ministro da Guerra resultar o sacrifício inútil da vida dos aviadores. Não sei que prazer doentio leva S. Exas. a complicar a situação. Faço inteira justiça às suas intenções, mas a verdade é que o Sr. Ministro da Guerra está hoje em face de um problema que se impõe a todos como uma questão do humanidade, Falo com toda a sinceridade! Não ponho um problema; faço uma pregunta. Essa pregunta é a seguinte:
Se os dezassete rapazes que estão no campo da aviação não se renderem, o Sr. Presidente do Ministério e o -Sr. Ministro da Guerra ordenam que sejam fuzilados, mandam despejar as balas de 3:000 homens sôbre êles?
Dir-se-há que a questão é muito complicada.
Quem a pôs nesse pé? Fomos nós, oposição, dando ao Govêrno o nosso apoio em questões de ordem pública?
Fomos nós, oposição, que temos sempre procurado conduzir as cousas por maneira a evitar soluções que repugnam à nossa consciência e à sentimentalidade portuguesa?
A questão é demasiadamente grave para que se possam atribuir às minhas palavras quaisquer intuitos políticos. Não os tenho e, falando em nome do meu partido,
Página 9
Sessão de 4 de Junho de 1924 9
só pretendo significar o nosso desejo de se conseguir uma solução honrosa.
Apoiados.
Mas de maneira alguma, e com estas palavras vou terminar, quero ser réu! Réu do crime do ter deixado sacrificar dezassete dos melhores portugueses em holocausto a um Deus monstruoso que é a falta de habilidade do Sr. Ministro da Guerra.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O orador foi muito cumprimentado.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Antes de iniciar as minhas considerações, peço a V. Exa., Sr. Presidente, que me informe se a Câmara votou qualquer cousa acerca do assunto.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Cunha Leal e António Maia manifestaram o desejo de tratar, em negócio urgente, do conflito com a aviação.
A Câmara foi consultada e aprovou.
O Orador: — Sr. Presidente: o Govêrno dá o devido valor ao voto da Câmara por virtude do qual foi admitido que, em negócio urgente, fôsse tratado o caso da Aviação, depois das declarações feitas ontem nesta mesma Câmara pelo Presidente do Ministério.
Visto que a discussão do assunto foi iniciada, vou falar e faço-o antes do Sr. Ministro da Guerra, a quem especialmente cumpria falar, para fazer, logo de começo, as considerações que V. Exa. acaba de ouvir e cujo significado a Câmara, certamente, compreende.
Todo o Govêrno agradece ao Sr. Cunha Leal e ao Partido Nacionalista os oferecimentos que nos dirigiu para se resolver a situação criada pelos oficiais que se revoltaram contra o poder competente.
O Sr. António Maia: — Não apoiado.
O Sr. Paiva Gomes: — Apoiado.
O Orador: — O Govêrno, porém, só aceita oferecimentos de tal natureza quando partam do Poder Legislativo, ao qual
o Govêrno tem dado o devido conhecimento dos acontecimentos, na hora própria e quando é possível dá-lo.
O Parlamento é que pode, na verdade, resolver o problema o resolve-o por uma de duas maneiras: ou diz que o Govêrno cumpriu o seu dever e deve continuar a cumpri-lo, ou diz que o Govêrno não cumpriu o seu dever e aponta-lhe o caminho.
Logo que se manifestou o acto do indisciplina, seguido do acto de rebelião, crime que tem as suas sanções no Código de Justiça Militar, o Govêrno imediatamente trouxe o assunto à Câmara e tornou-o conhecido do Parlamento e de todo o País.
A Câmara dos Deputados, tomando conhecimento dos factos, pronunciou o seu veridictum, ao rejeitar uma moção apresentada pelo Sr. António Maia, que era, além duma moção de desconfiança ao Govêrno e especialmente ao Sr. Ministro da Guerra, uma moção que continha a doutrina da inconstitucionalidade do decreto que foi a causa próxima da situação em que nos encontramos agora.
O Parlamento pronunciou-se e com a sua votação indicou ao Govêrno um caminho.
Assim, seguidamente, o Govêrno e especialmente o Sr. Ministro da Guerra adoptaram as medidas que adoptam todos os Governos e todos os Ministros da Guerra em todo o mundo para coagir oficiais rebeldes a entrarem dentro dos termos que lhes estão indicados pelas leis.
Apoiados.
Não é a primeira vez que em Portugal os Governos resolvem assim, e muitas vezes se tem vertido sangue português para se manter a disciplina e a ordem.
Apoiados.
O Govêrno realmente, deu as suas ordens e ontem, tendo ficado o Sr. Ministro da Guerra em contacto com o Sr. general do divisão para o cumprimento daquilo que ora o seu dever, tive ocasião de me apresentar aqui na Câmara bastante cedo para esclarecer a Câmara e o País sôbre os factos que se tenham dado e sôbre o procedimento do Govêrno.
Quais foram as minhas palavras?
O Govêrno significou à Câmara que, desejoso de remeter à ordem os elementos transviados do cumprimento do seu
Página 10
10 Diário da Câmara dos Deputados
dever, o queria fazer, contudo, depois de esgotadas todas as formas de persuasão por se tratar de elementos que merecem, em geral, as considerações do Govêrno. Para êsse eleito, conseguiu o Sr. Ministro da Guerra que o Sr. coronel Morais Sarmento fôsse aos quartéis da Amadora e de Sintra conferenciar com oficiais rebeldes, fazendo-lhes sentir quanto o seu procedimento era impróprio de oficiais e prejudicial à disciplina do exército e à tranqüilidade pública. Êsses oficiais, desfazendo-se em manifestações de consideração e de simpatia para com o Sr. Morais Sarmento, recusaram-se, porém, a tomar qualquer atitude que significasse arrependimento do seu acto.
O Sr. general de divisão Roberto Baptista, apesar desta infeliz démarche, ainda que, pessoalmente e como pessoa que supunha merecer a consideração de oficiais que toda a consideração querem para êlas, mas não a querem dar aos outros, fazer as suas démarches junto dos aviadores.
S. Exa. foi, por igual, mal sucedido: foi-lhe, por igual, respondido pelos oficiais revoltados que nada havia a tratar, que estavam ali para resistir pelas armas fôsse contra quem fôsse, e que não reconheciam o poder nem o acto do Sr. Ministro da Guerra.
Pois S. Exa., não querendo ainda adoptar as medidas que o caso comportava, mandou o seu chefe do estado maior à Amadora intimar três ou quatro oficiais (o número não importa), a que se apresentassem no Quartel General da 1.ª Divisão, visto que êles tinham informado que obedeciam a qualquer determinação que partisse dêsse Quartel General. Esta intimação teve também resultado negativo.
Esgotados assim todos os meios suasórios compatíveis com o prestígio da autoridade, já não do Govêrno, mas do General da 1.ª Divisão, o Sr. Ministro da Guerra determinou a êsse General que, tendo unidades rebeladas dentro das que estão sujeitas à sua jurisdição militar, adoptasse os meios que entendesse convenientes para as reduzir à obediência.
As ordens que o Sr. Ministro da Guerra dou ao Sr. General Comandante da Divisão foram as que vou referir.
Antes, porém, disso, porque gosto de assumir as responsabilidades dos meus actos e das minhas palavras, preciso fazer uma referência às palavras do Sr. Cunha Leal.
Se houvesse que compelir péla fôrça, pelo fogo e pelas armas uma unidade rebelada a entrar dentro da ordem, e se isso se tornasse absolutamente necessário o Govêrno não hesitaria em realizá-lo.
Nunca nenhum Govêrno hesitou, em Portugal, em adoptar êsses meios, embora não os pusesse em prática.
Já estive numa situação equivalente a esta, que infelizmente parece ir ter o mesmo desfecho que conduz ao curvamento da indisciplina e, que há-de conduzir-nos fatalmente a horas mais amargas que estas que passam agora e que muitos imaginam que são as piores.
O Govêrno, consciente da sua fôrça, consciente da sua autoridade, consciente do prestígio do general de divisão, consciente do espírito de disciplina das tropas, não hesitou em proceder com a cautela e o cuidado que no momento actual
são indispensáveis e indiscutíveis.
Começou já a esta hora a retirar o grosso das tropas que se encontravam cercando a Amadora, por serem desnecessárias.
Sabendo o Govêrno que os sargentos, como eu ontem disse aqui, se tinham apresentado, não querendo colaborar em actos de rebeldia, o Sr. Ministro da Guerra mandou-os louvar.
Apoiados.
Os aviadores mandaram apresentar os soldados e lá ficaram só dezassete oficiais, dando o Govêrno ordem para que as fôrças não disparem mesmo que os aviadores atacassem.
Ficaram êles com todas as comunicações cortadas, de forma que não possam comunicar com os de fora, nem os de fora possam comunicar com os que estão no campo.
O Sr. Ministro da Guerra chegou tarde à Câmara, porque quis ver pessoalmente como as cousas estavam e ou também quis acompanhar S. Exa. e por isso cheguei também tarde.
As ordens do general comandante da divisão foram cumpridas, do modo que os oficiais fiquem completamente isolados.
Várias propostas se fizeram, e que o
Página 11
Sessão de 4 de Junho de 1924 11
Govêrno não pôde aceitar, como a de as tropas retirarem para alguns quilómetros de distância.
Várias pessoas de elevada categoria foram à Amadora para convencer os aviadores da sua errada compreensão e da ilegal situação em que se encontram, mas â resposta foi sempre a mesma.
Êsses homens há mais de 48 horas que se deviam ter apresentado a quem de direito.
Apoiados.
Eis o Estado da questão. O Govêrno, continuando neste lugar, não pode proceder por outra forma.
Efectivamente, a gente da aviação merece a consideração do Govêrno, como homens e como oficiais, e especialmente a do Sr. Ministro da Guerra, mas isso não é motivo para lhe manter uma situação privilegiada.
Apoiados.
Não é motivo para situação diferente da dos outros oficiais, nem para, pelos seus actos de indisciplina, só apresentarem irredutíveis e ficarem acima do Ministro e do Govêrno.
Já disse aqui ontem e repito que o general Sr. Gomes da Costa, com o peito coberto de medalhas, e que se bateu heroicamente na África e na Europa, sofreu uma pena disciplinar de prisão.
Outro general distinto, o Sr. Dantas Baracho, sofreu um castigo disciplinar de trinta dias de prisão, que cumpriu em Elvas.
E quantos outros ilustres oficiais não têm respondido a conselhos de guerra?!
Como se pretende criar agora uma situação de excepção para oficiais que se indisciplinaram, invocando-se os seus feitos heróicos? Não me parece isso aceitável!
Apoiados.
O Govêrno tem encontrado o apoio aos seus actos por parte do Poder Legislativo, tanto na Câmara dos Deputados como no Senado, que têm dado o seu voto às medidas necessárias pura colocar os rebeldes dentro dos preceitos da disciplina.
Foi assim que os funcionários públicos depois da greve voltaram para os seus lugares com autoridade e prestígio.
Esta Câmara, recebendo as suas representações, mandou que continuassem a trabalhar, tendo o Govêrno empregado o mínimo das penas disciplinares.
Tivemos a greve dos padeiros, a dos transportes e o Govêrno, sem durezas, conseguiu restabelecer os serviços, não praticando as violências que muitos pediam.
Deu-se a greve dos correios e telégrafos e o Govêrno usou de toda a prudência e o Parlamento não recusou o voto necessário para se manter o prestígio da disciplina.
Nos serviços dos correios e telégrafos os funcionários menores continuaram a trabalhar, e o pessoal maior colocou-se numa atitude fora da lei e dos regulamentos.
O Govêrno não hesitou, pondo-se ao lado dos que tinham cumprido o seu dever, e contra aqueles que faltaram ao cumprimento dele.
O caso da aviação tem a sua semelhança: de um lado estão os inferiores, soldados e sargentos, dentro da lei, e do outro os oficiais que se rebelaram contra ela. O Parlamento vai pronunciar-se e eu sei acatar as suas deliberações como homem que sente e vive uma hora grave da sua pátria.
O Govêrno julga ter procedido bem. Se o contrário é que está certo, então temos de modificar tudo e criar até uma medalha para premiar os rebeldes.
O Govêrno, quando iniciou as suas medidas de repressão contra os oficiais aviadores, tinha a certeza de que efectivamente no exército português se obedecia às legítimas ordens dos superiores, e assim sucedeu. Tem o exército, de facto, cumprido integralmente o seu dever, conforme já ontem, tive ocasião de dizer à Câmara.
O Sr. Agatão Lança (interrompendo): — Eu desejava, visto ter corrido o boato de que a marinha de guerra havia oferecido o seu apoio aos aviadores, que o Sr. Presidente do Ministério dissesse á Câmara o que há do verdade sôbre o assunto.
O Orador: — O que eu posso dizer a V. Exa., se bem que não tivesse consultado o Sr. Ministro da Marinha sôbre O assunto, é que não houve da parte da marinha de guerra nenhum oferecimento nesse sentido e de que o Govêrno tenha conhecimento.
Vozes: — Muito bem.
Página 12
12 Diário da Câmara dos Deputados
O Orador: — O Govêrno nunca receou que a rebelião tivesse repercussão no exército ou na guarda republicana.
Estava, seguro e tranqüilo, conforme aqui o afirmei, e os factos vieram demonstrar; mas não estava tranqüilo e seguro relativamente a quaisquer outras perturbações graves, e que, na verdade, nenhuma relação podiam ter com a aviação, como, por exemplo, o que se passa no Forte da Trafaria, onde os presos só revoltaram, sendo felizmente reprimida a sua insubordinação.
Eu estava seguro de que o exército cumpriria o seu dever, desde que essas ordens emanavam de quem, de direito.
As minhas homenagens ao exército português!
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: pedi a palavra quando o Sr. Presidente do Ministério deu a entender que, pelo simples lacto de a Câmara ter aprovado o negócio urgente, o Govêrno se iria embora.
Então o simples acto de a Câmara ter aprovado que eu falasse leva o Govêrno a ir-se embora?
É preciso pôr as cousas com clareza; nós não queremos a, queda do Govêrno, mas também não votamos a moção de confiança.
Apoiados.
Quer fique, quer não fique o Govêrno, não aceitarei participação no que lhe suceder.
Já vê portanto, o Sr. Presidente do Ministério que por êsse lado não é a aspiração do Govêrno que mo leva a tomar a atitude que tomei, e tomei-a por deliberação do meu partido.
Ontem não estava presente quando o Sr. Presidente do Ministério tratou da questão, nem no fim da sessão, quando vários Srs. Deputados se referiram ao assunto, entre êles o meu colega Sr. Moura Pinto.
Se estivesse presente teria ficado silencioso.
Os aviadores estavam na disposição de se defender e até do atacar. Hoje a situação mudou, e os oficiais revoltados não quiseram mais sacrifícios de vidas e mandaram sair os soldados que, os acompa-
nhavam, resolvidos a sacrificarem êles apenas as suas vidas.
O Sr. Presidente do Ministério tem a sua honra, porque é homem de bem mas eu tenho também a minha, e quando um homem tem galões nos braços o assumiu determinadas atitudes, como a que tomaram aqueles oficiais, a sua honra está acima de tudo, segundo eu entendo.
Os exemplos devem vir de cima, e eu pregunto à Câmara se um oficia que preza a honra, a ordem e disciplina não entende que os outros oficiais também tem honra o brio.
Quero dizer ao Sr. Ministro da Guerra, a quem incumbe a defesa do prestígio do exército, que, na minha consciência, entendo que S. Exa. podia ter evitado tudo que se está passando. Não o digo com intuitos políticos, digo-o com toda a consciência: um bocadinho mais de calma, um bocadinho mais do bom senso político aliado às grandes e brilhantes qualidades do inteligência e bravura do Sr. Ministro da Guerra, era o suficiente para que isto se evitasse.
Mas faltaram ao Sr. Ministro essas virtudes e por isso agora se pretende manter engaiolados dezassete Lords-Maiores de Cork para, numa tragi-comédia, os fazer render pela fome.
Poderá dormir sossegado quem assim procede?
Disse o Sr. Presidente do Ministério que se tinham já castigado oficiais dos mais brilhantes, como, por exemplo, o general Sr. Gomes da Costa.
Os casos são completamente diversos.
Êsse oficial, em virtude de um equívoco lamentável, veio pera os jornais usar de termos ofensivos para o Sr. Ministro da Guerra, o assim vi-me obrigado, ainda, que com bastante mágoa, a ter de o mandar punir disciplinarmente.
Mas já que estamos em matéria de história, pregunto ao Sr. Presidente do Ministério se teve sempre a mesma opinião» acerca dos princípios disciplinares. E vamos, então, recordar este episódio: à frente de uma formatura da marinha de guerra estava um oficial; o Ministro da Marinha chega, estende-lhe a mão e êsse oficial recusa-se a apertar-lha, e o Ministro manda-o castigar. Ora, se estamos em maré de sinceridade, porque não lembrar as palavras, que ainda tenho nos meus
Página 13
Sessão de 4 de Junho de 1924 13
ouvidos, então proferidas pelo Sr. Álvaro de Castro?
O Sr. Júlio Martins, o Ministro da Marinha a que aludi, pediu acordo ao Conselho de Ministros para manter a disciplina na marinha de guerra, visto que já havia prenúncios de indisciplina, começando, é claro, por castigar aquele oficial que se tinha recusado a apertar-lhe a mão.
Isto traria Agraves conseqüências políticas, e o Sr. Álvaro do Castro disso nessa altura, que a sua opinião era de que o Ministro se demitisse.
Não podemos ser provocadores de conflitos.
Quando a política está em determinado pôsto não deixa de ser político e, houve que dizer ao Sr. Ministro da Marinha que qualquer questão que se desenrolasse sôbre o caso, se reputaria do conseqüências tam graves que era necessário não a provocar.
Então o Ministro da Marinha teve de cair.
Nessa altura quis-se atender às circunstâncias; foi-se político nossa altura.
Agora, porém, o Sr. Álvaro de Castro torna-se o paladino de uma disciplina rígida, e nós queremo-la, mas, para que ela exista, é necessário que as pessoas que se encontram à frente da governação não pratiquem actos que provocam a indisciplina.
As cousas são o que são.
O Sr. Presidente do Ministério fez justiça ao meu partido quando enumerou a série de votos que lhe têm sido dados pelo Parlamento.
Ainda há pouco, no conflito telégrafo-postal, demos a nós próprios a satisfação moral de não nos importarmos com qualquer proveito político que, porventura, pudéssemos tirar do caso, para só olharmos à necessidade de bem servir os interêsses do País.
Tanto nêsse conflito como em tantos outros que se têm desenrolado, de greves várias a que o Govêrno tem assistido, nunca houve da parte da minoria nacionalista uma única palavra que deminuísse a autoridade do Poder Executivo.
Temos, pois, um larguíssimo activo e o Sr. Presidente do Ministério é o primeiro a reconhecê-lo.
Sr. Presidente: se o Govêrno está na primeira fase de querer ir-se embora a pretexto da votação do negócio urgente, repito, o caso é com êle.
Acho que a porta é muito estreita para sair, mas sairá por ela como quiser e entender e devo acrescentar, sob minha responsabilidade individual, que a sua saída é um serviço a prestar ao país.
Eu compreendo que as pessoas que se meteram em determinadas dificuldades que criaram, sejam impotentes para solucionar certos conflitos, mas, se a sua consciência lhes indica que devem sair, saiam, todavia, sem ligar a essa fuga a responsabilidade dos partidos da oposição.
Sr. Presidente: não apresentamos nenhuma moção de desconfiança; deixamos ao Govêrno e. à maioria a inteira responsabilidade na resolução do conflito: se fôr apresentada uma moção de confiança, a nossa honra inibe-nos de a votar.
O nosso papel de minoria foi dar razão ao Govêrno emquanto o supusemos capaz de solucionar o conflito; julgamos o Govêrno pelos seus actos.
Se o cerco da Amadora, só essa cousa quási cómica de render pela fome, que à primeira vista parece caricato, conduzir a uma tragédia, e se os Srs. Presidente do Ministério e Ministro da Guerra, fortes de terem cumprido o seu dever, julgam que podem tranqüilamente olhar para êsse sangue, sem que a sua vista se lhes perturbe, por mim declaro que não quero essa responsabilidade, porque me lembro de quando Lady Macbeth, na tragédia de Shakspeare, gritava:
«Nem toda a água do mar será capaz de lavar as nódoas de sangue destas mãos».
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Pedi a palavra para fazer algumas considerações ou antes rectificações a umas palavras do Sr. Cunha Leal.
Presto a minha homenagem ao ilustre Deputado e mais uma vez louvo a maneira como o Sr. Cunha Leal tratou o assunto, movido por elevados intuitos.
Não sei, porém, que o processo de
Página 14
14 Diário da Câmara dos Deputados
prender os aviadores, sem que se recorra aos meios adoptados pelo Govêrno.
O Sr. António Maia: — Saiam V. Exas., que êles logo se entregam à prisão. Apartes.
O Orador: — O Sr. Deputado, com um alto sentimento que 6 muito para louvar, proferiu palavras que acho legítimas; mas não subvertamos o princípio da autoridade, com a inversão total da razão e da lógica.
Os aviadores que respeitem a lei e obedeçam aos seus superiores hierárquicos.
Devo dizer que me referi ao episódio do general Sr. Gomes da Costa, sem no meu espírito haver qualquer propósito de censura ao Sr. Cunha Leal, então Presidente do Ministério.
No momento em que fiz essa referência nem sequer me lembrava de tal circunstância.
Procurei apenas relembrar um facto similar passado com oficiais de destaque no nosso meio militar e político.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): — A minha única intenção foi provar que V. Exa. tinha dois critérios políticos diferentes.
O Orador: — V. Exa. não tem razão.
Não tenho tal dois critérios políticos.
O caso passado com o Sr. Júlio Martins não pode ter qualquer espécie de confronto com o caso agora sucedido.
Então não se tratou de uma falta disciplinar.
O oficial que na posição de sentido e em continência se nega a apertar a mão a um seu superior não comete nenhuma infracção disciplinar, porque a tal os regulamentos militares o não obrigam.
Sr. Presidente: não nos iludamos: os aviadores exigiram logo de início uma maleabilidade vexatória ao Sr. Ministro da Guerra.
Ainda hoje de manhã, a uma pessoa categorizada que os procurou para os demover da sua atitude, a primeira condição imposta pelos aviadores, foi a da demissão do Sr. Ministro da Guerra, não podendo ser a demissão de todo o Ministério.
O Sr. António Maia (interrompendo): — V. Exa. podia dizer-me como soube isso?
O Orador: — Pela própria pessoa que com êles falara; essa pessoa, ao fazer-me semelhante comunicação, fê-lo acentuando claramente que se não encarregara de ma transmitir.
De maneira que o problema tem na verdade a solução que comportam todos os problemas.
Evidentemente é necessário que haja uma solução; está diante de nós e funcionando a entidade que a pode dar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: prometi ser calmo, vou procurar ser calmo; peço a V. Exa. que, sempre que eu num momento de arrebatamento, vá um pouco mais longe do que prometi, me chame à ordem, que eu na ordem entrarei.
Sr. Presidente: chama-se acto de rebelião a um acto que todo o militar honrado, digno e brioso tem de fazer, que é cumprir o artigo 4.° do regulamento disciplinar, e para que toda a gente nesta Câmara saiba bem o que diz êsse artigo 4.°, vou lê-lo:
Art. 4.° O militar deve regular o seu procedimento pelos ditamos da virtude e, da honra, amar a Pátria, guardar e fazer guardar a Constituição Política e mais leis da República, do que tomará compromisso solene segundo a fórmula adoptada, e tem por deveres especiais os seguintes:
1.° Obedecer às ordens dos superiores, relativas ao serviço, cumprindo-as completa e prontamente;
2.° Respeitar sempre os superiores, tanto no serviço, como fora dele, etc.
Como V. Exas. vêem, todos nós estamos inteirados de que o dever de um militar brioso o digno é, acima de tudo, regular o seu procedimento pelos ditames da honra e da virtude,.e guardar e fazer guardar a Constituição Política da República, Portuguesa.
Que fizeram pois êsses aviadores a quem S. Exa. o Sr. Presidente do Ministério chamou rebeldes?
Apenas isto.
Não acataram uma ordem do Sr. Mi-
Página 15
Sessão de 4 de Junho de 1924 15
nistro da Guerra, porque ela era absolutamente inconstitucional.
Mas, Sr. Presidente, eu quero ainda partir da hipótese inverosímil, aliás, de que o decreto ora constitucional, e então, nessa altura, competia ao Poder Executivo mostrar aos aviadores q tio não eram ainda rebeldes, que não tinham razão, que o decreto não era anti-constitucional.
Eis o que era natural que se fizesse.
Mas não!
Era preciso a todo o custo (mais uma vez quero frisar isto na Câmara) escangalhar a aviação militar, e era necessário, repito, porque a aviação militar nunca quis ir para nenhuma revolução, nem das direitas, nem das esquerdas, e, como ela era uma força que queria cumprir apenas a Constituição Política da República Portuguesa, era necessário escangalhá-la.
O modus faciendi encontrou-o o Sr. Ministro da Guerra, honra lhe seja!
Sr. Presidente: fala-se muito em disciplina, fala-se em excesso dos deveres militares; mas ninguém se lembra do que a base 5.ª do Regulamento Disciplinar deve ser rigorosamente cumprida.
E, Sr. Presidente, ninguém se lembra que esta base 5.ª, que deve ser invariavelmente cumprida, começou por deixar de o ser pelo Sr. Ministro da Guerra.
Para os aviadores, oficiais distintos e dignos, que sabem pôr acima da sua vida e interêsses pessoais a sua palavra de honra, para êsses é que vão todas as exigências de disciplina da Câmara, todas as exigências de disciplina do Govêrno.
Sr. Presidente, os oficiais rebeldes, como lhes chamou o Sr. Presidente do Ministério, não fizeram mais do que cumprir e continuar cumprindo a palavra de honra que tinham dado, porque julgam que a palavra de honra dum militar está acima de todas as conveniências políticas e não políticas, dos interêsses particulares e acima até da própria disciplina. E porque a disciplina só se obtém e só se pode obter quando os chefes, principalmente, sabem cumprir a palavra de honra.
O Sr. Vergílio Costa: — E preciso que quem manda mande bem.
O Orador: — A noção, que muita gente tem, de que basta ser chefe ou, antes,
basta que lhe chamem chefe para o ser de facto é uma noção errada.
Só é chefe aquele a quem o prestígio elevou, aquele que se soube impor, pela sua correcção, pelo seu porte, pela sua maneira de proceder, à estima e consideração dos seus inferiores. Só êsse é que pode ser chefe, os outros, não.
Sr. Presidente: quero agora apelar para a consciência de cada um daqueles que me escutam, para a consciência do próprio Ministro da Guerra.
Em caso idêntico àquele em que S. Exa. colocou o Sr. major Cifka Duarte, haveria alguém com um pouco de honra (não exijo muito), um pouco de brio e um pouco de dignidade que se mantivesse obedecendo a um Ministro? Se há rebeldia, só houve indisciplina, se houve desprestígio, foi da parte do Sr. Ministro da Guerra.
Sr. Presidente: para dar bem a idea do que isto representa de vexame para o Sr. major Cifka Duarte, eu digo isto: suponham V. Exas., por instantes, que uma revolução triunfante obrigava o actual Presidente da República a sair do seu lugar e colocava lá outro que obrigava o actual a ser seu secretário.
Eu pregunto se há alguém com cinco réis de honra que pudesse de alguma maneira suportar uma situação desta natureza. Não, Sr. Presidente, ninguém. Pois é precisamente o caso.
Na mesma nota em que se exonerava o Sr. major Cifka Duarte, nessa mesma nota se determinava que o referido oficial ficasse debaixo das ordens de serviço do novo director.
Nunca, na história militar de Portugal, se tirou o comando, a direcção fôsse a quem fôsse, obrigando-o a continuar na mesma unidade ou serviço. Fez-se isto pela primeira vez em Portugal; fê-lo o Sr. Ministro da Guerra, e eu pregunto, se um gesto de revolta tivesse havido da parte dêsse oficial, se êle não era legítimo, se não era obrigado a tomar semelhante atitude em virtude do vexame porque o tinham feito passar.
Mas, Sr. Presidente, neste momento uma cousa mais grave ainda tenho de constatar e essa cousa é que mais uma vez aqueles que não cumpriram a sua palavra de honra saem louvados e aque-
Página 16
16 Diário da Câmara dos Deputados
lês que a cumpriram estritamente hão-de ser, condenados.
É êste um problema gravíssimo para a República Portuguesa.
Quando todos os nossos esfôrços se deviam congregar para levantar bem alto o carácter nacional faz-se precisamente o contrário.
Àqueles que têm nobreza e têm dignidade procura-se-lhes curvar a cerviz, mas, Sr. Presidente, há quem não a curve: são os oficiais aviadores—honra lhes seja feita.
Em holocausto a êsse cumprimento exacto do seu dever de honra, dão a própria vida. É o maior sacrifício que um homem pode fazer. E morrer, mas morrer honrado.
O Govêrno, que levantou êste conflito, vem dar mais uma vez a prova de que é verdade o que aqui afirmei.
O Sr. Presidente do Ministério disse ontem que, se a Câmara votasse a discussão dêste assunto, abandonaria as cadeiras do Poder, mas hoje, como o facto se verificou, já vêm dizer que não basta isso e que é preciso uma moção de desconfiança para o Govêrno se demitir? Veja V. Exa., Sr. Presidente, como se cumprem palavras.
Não posso terminar as minhas considerações sem marcar bem que estou do alma e coração com os oficiais aviadores, não me encontrando com êles porque já não sou oficial.
Quando, porém, sair desta sala, e faço-o pela última vez, porque não mais aqui voltarei, irei para junto dêles.
Quero morrer com aqueles que têm, honra e que sabem morrer com honra.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Inscreveram-se para usar da palavra os Srs. António Maria da Silva, Carvalho da Silva, Pedro Pita e António Correia. Como não foi requerida a generalização do debate, vou consultar a Câmara sôbre se autoriza que êstes quatro Srs. Deputados, usem da palavra.
É autorizado.
O Sr. António Maria da Silva: — Sr. Presidente: não esperava usar da pala-
vra nesta sessão sôbre o assunto que está sendo versado, e desnecessário era que eu fizesse uso da palavra em virtude das considerações que, num «aparte», na sessão de ontem produzi.
Lamentavelmente para mim, não pude assistir à sessão de anteontem, pois que, embora não representando um partido, mas simplesmente com a responsabilidade do meu nome, em virtude de palavras que proferi nesta sala quando era Presidente do Ministério numa situação também difícil, eu teria discutido a questão presente quando o Sr. Presidente do Ministério trouxe à Câmara o conhecimento do facto. Mas vou relembrar essas palavras.
Recordam-se V. Exa. e a Câmara que, como o Presidente do Ministério, solicitei dos Srs. parlamentares o levantamento das imunidades a um colega meu nesta casa do Parlamento. Pode-se dizer, duma maneira geral, que era uma questão de disciplina que trazia para o seio duma assemblea que é essencialmente política, mas via-me obrigado a fazê-lo porque a Constituição da República assim obriga-o Poder Executivo a proceder em circunstâncias análogas. Declarei nessa hora que se não fôsse isso bastar-me-ia o regulamento disciplinar do exército, que bem analisado, contém tudo quanto é necessário para solucionar a maior parte dos conflitos, Êste, infelizmente, desde a sua origem foi trazido para aqui — para quê negá-lo, Sr. Presidente? quási que deixou de ser uma questão disciplinar para ser apenas uma questão política.
Não me cabe a culpa de tal facto, senão pela minha ausência à sessão de anteontem.
O meu partido - devo fazer esta declaração por uma forma absolutamente clara — ao deseja, nem jamais desejará, ocupar-se aqui de questões de disciplina, sobretudo a disciplina militar. O exército, ao qual eu quero dirigir as maiores homenagens pelo bem que só tem comportado na defesa da Pátria e da República, enchendo-as de glória, tem provado que o determina essencialmente a disciplina.
É certo que pessoa alguma tem o direito do não ser prudente quando se é político, e, quando se é prudente, por-
Página 17
Sessão de 4 de Junho de 1924 17
ventura se praticam actos que, bem meditados, facilitam a solução de todos os problemas e não os deixam atingir a acuidade do que se debate. Tenho uma grande sensibilidade, tenho coração. Repetirei uma frase que há tempos disse a um homem público vilmente assassinado: «Os homens públicos devem apreciar as questões com a razão, mas não lhes fica mal um pouco de sentimento que adoce naturalmente o instinto das pessoas». Porque assim nem sempre tem acontecido é que temos assistido a factos vergonhosos para a nossa nacionalidade.
Eu sei que na Constituição está inscrito o princípio de que ninguém devo obediência às leis que não sejam promulgadas dentro do ambiente da mesma Constituição. Sei também que a Constituição obriga a todos, e, desde que a todos obriga, ninguém tem o direito do se revoltar contra ela.
Um «àparte» do Sr. António Maia que se não ouviu.
O Orador: — Eu sei o que o ilustre Deputado acaba de dizer. Bastas vezos o tenho dito, o devo salientar que não me acusa a consciência de não ter acompanhado êste conflito fora desta casa, intervindo não só directamente, mas a pedido de várias pessoas, quer junto dos aviadores, quer junto doutros oficiais, no sentido do limar as, tais asperezas e de levar todos à compreensão de que a' hora é difícil e do que não podemos estar a imiscuir a toda a hora questões destas nos problemas importantes que há a resolver.
É difícil resolver o caso porquê? Porque há factos remotos e próximos que dificultaram essa resolução. Nenhum de nós quero dar um golpe profundo na disciplina do exército, nenhum de nós quere sair daqui com a consciência a acusá-lo de ter feito cair um Govêrno por uma questão de disciplina, e, infelizmente, esta questão está confusa, porque se baralhou a disciplina com a política.
Se só tivesse colocado o assunto no campo político, a solução era, repito, duma facilidade única; porém, tendo se misturado a política com a disciplina, o caso é muito diverso.
Há, Sr. Presidente, um ponto das declarações do Sr. Presidente do Ministério, homem do bem e honrado, que pesa
bem as suas palavras, como político, o agora como Presidente do Govêrno nesta hora gravíssima que atravessamos, ponto que desejo frisar. Disse S. Exa. ter dito, segundo me parece, que se há-de fazer todo o possível para que, relativamente ao conflito com os oficiais da aviação, não haja derramamento de sangue, o que aliás é o desejo do toda a Câmara.
Muitos apoiados.
O Sr. Ministro da Guerra é igualmente um homem de bem, colega meu do há muitos anos, oficial valente o que tem prestado à República relevantes serviços.
Os oficiais da aviação; Sr. Presidente, segundo aqui foi dito pelo próprio Sr. António Mala, consideram a nomeação do Sr. Morais Sarmento inconstitucional; porém, não se importaram de faltar ao seu juramento praticando um acto de indisciciplina.
Todos nós somos responsáveis pelos actos que praticamos livremente. Eu nunca declinei as minhas responsabilidades por haver tomado parte em revoluções, mas é preciso notar que os factos das circunstâncias não são semelhantes.
Ninguém deseja atacar, como se fossem feras, pessoas que foram nossos companheiros queridos na defesa da Pátria e da República. E porque de tais pessoas se tratava eu fiz sentir ao Sr. comandante da divisão que, dada a minha amizade por êsses rapazes, deles queria aproximar-me para lhes pedir que se entregassem à prisão sem condições. E porque lhes pedi isso? Porque assim ficava afastada a questão da disciplina, e nós, homens públicos, ficávamos completamente à vontade para tratarmos a questão apenas no campo político.
Não fui, porém, feliz. Nada consegui.
Sr. Presidente: que fique bem vincado que o meu partido jamais quis transformar uma questão de disciplina numa questão-política.
Não me acusa a consciência de não procurar esforçadamente a solução para êste desastroso conflito.
Aos oficiais do aviação não ficava mal, a meu ver, apresentarem-se a quem de direito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: nunca, ao usar aqui da palavra,
Página 18
18 Diário da Câmara dos Deputados
eu tenho reconhecido mais a necessidade de medir bem todas as palavras, principalmente por falar em nome dêste lado da Câmara.
Nesta questão tam delicada podemos falar com tanto maior autoridade quanto é certo que o Sr. Presidente do Ministério e outros membros da Câmara têm andado sempre a fazer movimentos revolucionários, dizendo aos oficiais do exército que são para defender a Constituição.
Quem ouvisse ontem as palavras do Sr. Presidente- do Ministério, não reconhecia nêle o chefe das revoluções do 14 de Maio e contra o dezembrismo.
Sr. Presidente, parece que o Govêrno anda a provocar conflitos de disciplina para que o Parlamento ,não critique a sua acção governativa de administração.
Mas, levantada esta questão, que reveste um aspecto grave de disciplina, nós dêste lado da Câmara, reconhecendo que é indispensável manter o princípio da disciplina, não podemos deixar de dizer, como homens de coração e como portugueses, que não se deve esquecer o feito que neste momento realizam dois vultos da aviação portuguesa.
O Sr. Presidente do Ministério mais uma vez procedeu de maneira que o.princípio de disciplina não fica bem colocado e já não deveria ter voltado aqui à frente do Govêrno.
O Sr. Presidente do Ministério declarou ontem, alto e bom som, que se a Câmara resolvesse discutir êste assunto, êle sabia qual era o seu dever. Oh! que providencial tinha ,sido essa solução, porque então não se diria que o Parlamento tinha atacado o Govêrno e tinha, resolvido em contrário dos princípios de disciplina; dir-se-ia apenas que uma divergência entre o Chefe do Govêrno e o Parlamento, sôbre se o Parlamento devia ou não ocupar-se do assunto, o levava a pedir a demissão. Era uma resolução ideal. Mas S. Exa. está a tempo de colocar a questão neste pé, mas parece-me que não quere fazê-lo em virtude do grande e entranhado amor que tem ao Poder, e disso fica S. Exa. responsável. (Apoiados).
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: ainda há dois dias apresentei nesta Câmara uma moção que foi expressamente
aceita pelo Govêrno e votada por quási toda a Câmara.
Tratava-se de um conflito entre o Govêrno e os telégrafo-postais. Tratava-se de uma questão de ordem e de disciplina.
Não posso por isso ser agora acusado de me colocar, ao lado de qualquer perturbação dessa ordem e dessa disciplina.
No conflito que ocupa agora a nossa atenção, vejo, como então, na minha frente, o Sr. Ministro da Guerra, pessoa que muito estimo e considero.
Mas, Sr. Presidente, acima do meu sentimento, acima da compreensão que tenho do «pie sejam a ordem e a disciplina, alguma cousa há em mim de mais forte-ainda, e essa cousa é o meu coração.
Tenho a convicção de que homens da coragem daqueles que se encontram cercados na Amadora não se rendam fácilmente.
Tenho por isso a impressão do que estamos a dois passos de uma tragédia que pode ser catástrofe.
Há poucos anos, também no Brasil se deu uma insubordinação de oficiais. O Govêrno castigou-os pela fôrça; uns foram mortos, outros suicidaram-se. Um oficial revoltado houve que, ao ser visitado por um seu camarada dos que haviam subjugado o movimento insurrecional, preferiu morrer rasgando os pensos dos ferimentos que tinha recebido na luta.
Que isto nos sirva de lição. Depois não há o direito de pôr apenas uma questão de disciplina onde ela não existe unicamente.
Quero fazer ao Sr. Ministro da Guerra a justiça de acreditar que não foi o intuito de provocar a presente situação que o levou a publicar o seu infeliz decreto.
Mas aqueles que menos o conhecem podem muito bem supô-lo.
Não há dúvida de que, depois dos pequenos incidentes que se deram entre o Ministério da Guerra e,a Aviação, o decreto de S. Exa. determinando que os serviços aeronáuticos podiam ser dirigidos por um oficial superior de qualquer arma menos da aviação, pode parecer aos oficiais aviadores um agravo ou uma provocação.
Sr. Presidente: não quero demorar êste debate porque não desejo que alguém suponha que pretendo fazer especulação política em volta desta questão.
Página 19
Sessão de 4 de Junho de 1924 19
Quero apenas, como é próprio de mim, assumir a responsabilidade da atitude que vou tomar, tendo dum lado o Sr. Ministro da Guerra ou o Govêrno e do outro o risco da vida dêsses rapazes.
Nestas condições, não hesito em dizer: o conflito não é com o Poder Executivo, o conflito é entre pessoas e a disciplina mantém-se da mesma maneira se o Sr. Ministro da Guerra fizer render êsses oficiais, prendendo-os.
Desde que sejam presos e respondam, a disciplina está salva; mas não se coloquem êsses homens ou na contingência de serem fusilados, ou de tomarem uma atitude que equivaleria a essa.
Perante a ameaça da onda de sangue não hesito: voto inteiramente o caminho que conduza à manutenção da disciplina, ao castigo dos que prevaricaram, mas nunca a manutenção de um Govêrno no poder por sim simples capricho.
Estou convencido do que o único caminho para evitar a efusão de sangue, é a saída do Govêrno, e essa saída não impede o castigo dos que prevaricaram.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: — Sr. Presidente: o assunto está perfeitamente esclarecido, porque sôbre êle se têm pronunciado quási todos os lados da Câmara.
Mas, nesta Câmara, estabeleceu-se como que uma atmosfera de sangue.
É esta a hora de se definir atitudes e demarcar as nossos posições, e eu, Sr. Presidente, como homem de disciplina, ficaria mal com. a minha consciência, se neste momento não pedisse a palavra para dizer o que sinto.
O Govêrno tem exercido aquela acção que as leis e regulamentos mandam que sejam postos em vigor, mas não há ninguém que não saiba que se pretende emiscuir numa questão de disciplina a questão política que a propósito de tudo e de nada, é levantada neste Parlamento. Sr. Presidente: feita esta declaração terminante e sem ladear a questão, devo dizer que não havia o direito de misturar numa questão de indisciplina assuntos de ordem sentimental que, muitas vezos, longe de beneficiar aqueles a quem dizem respeito, os vai colocar mal.
É a hora de definir atitudes e marcar posições. Tenho sentimento e coração, porque sou pai.
Sr. Presidente: já fui oficial do exército; tive a honra de ser oficial do regimento n.° 11 de artilharia de campanha numa época de amargura para o meu coração e, com profunda mágoa, tive de castigar soldados que se tinham revoltado num momento em que eu distribuirá um cobertor para três.
Diziam êles que tinham frio, que não podiam dormir, verificando eu que realmente estavam numa situação miserável, um cobertor para três e a dormirem no chão do picadeiro do quartel em Castelo Branco.
Disse-lhes que, naquele momento, não era lícito que tivessem tais preocupações com o seu bem-estar material e castiguei-os.
De outra vez verifiquei que alguns soldados se negavam a levantar o rancho que, aliás era mal confeccionado por virtude de várias circunstâncias, entre elas a de não haver dinheiro para o fazer convenientemente, e, Sr. Presidente, tive de castigar êsses soldados que se negavam a levantar o rancho, muitas vezes comida que não se podia dar a animais quanto mais a pessoas que andavam num esfôrço heróico a preparar a sua instrução para marcharem para os campos de batalha.
E, no emtanto, castiguei-os.
Porque é que a Câmara dos Deputados, numa questão de disciplina, não se conforma com as declarações do Sr. Presidente do Ministério?
Porventura o coração do Sr. Presidente do Ministério ou do Sr. Ministro da Guerra, que têm usado duma diplomacia, e dum cuidado extraordinários, é diferente do coração daqueles que lamentam que, em poucas horas, se poderá desenrolar em Portugal uma scena de sangue?
Não, Sr. Presidente!
Não pedi a palavra para mandar para a Mesa qualquer moção; não pedi a palavra nem como pertencendo ao Grupo Parlamentar de Acção Republicana, nem em nome individual para dar ao Govêrno neste momento uma moção concreta e clara que permita que êle continue no caminho que trilha; pedi a palavra porque se impunha à minha consciência dizer aquilo que penso e sinto.
Página 20
20 Diário da Câmara dos Deputados
Não quero que lá fora se julgue o Govêrno, que tem na pasta da Guerra aquele oficial cuja biografia, compatível com os meus recursos, fiz há dias nesta Câmara. que só bateu valorosamente nos campos da Flandres, aquele que sabe como poucos avaliar os sacrifícios dos que, como os aviadores, expõem muitas vezes a sua vida, não quero que lá fora, repito, se suponha que Américo Olavo é qualquer pessoa que tenha sentimentos diferentes dos daqueles que lamentam o que se está passando.
Não, Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Guerra é uma pessoa realmente pouco política com.o deviam ser todas as pessoas que ocupassem a pasta da Guerra.
O Ministro da Guerra actual devia ter surgido naquele lugar há uns anos a esta parte. Quando uma sociedade se vê na iminência de votar leis de excepção para conter em respeito os rebeldes, aqueles que perturbam a sociedade portuguesa; quando aparece um Ministro da Guerra que quere arrumar a casa, impondo a disciplina, o cumprimento de leis e regulamentos, não há o direito do fazer especulações políticas.
Vejo Sr. Presidente, e digo-o bem alto, que esta questão é, pura o simplesmente, política e destinada a justificar a opinião daqueles que entendem que as oposições devem ser mais rigorosas, para se não confundirem com as maiorias.
Esta é a situação. Caiba a quem de direito a responsabilidade dos factos que venham a dar-se.
Se entrei no debato foi, única e simplesmente, para fazer justiça, não só ao Sr. Presidente do Ministério, como ao Sr. Ministro da Guerra, porque os julgo incapazes de praticar actos que não correspondam à sua maneira de pensar.
Falo nesta assemblea e para o País, para que assim se fique sabendo qual a minha maneira do pensar.
Devo dizer que estou inteiramente ao lado do Govêrno, por isso que entendo que é absolutamente necessário manter a disciplina e a ordem na sociedade portuguesa; sem elas não se pode viver, e eu, que tenho um filho ainda criança, desejo que êle seja honrado, deixando-lhe, ao mesmo tempo, uma Pátria honrada.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Está esgotada a inscrição sôbre este assunto. Como, porém, o Sr. Paiva Gomes deseja também usar da palavra, consulto a Câmara sôbre se permite que S. Exa. fale.
Vozes: — Fale, fale.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Paiva Gomes.
O Sr. Paiva Gomes: — Sr. Presidente: se bem que não ocupe situações adentro do partido a que pertenço, entro no debate, por isso que me pediram que o fizesse, e para expor a minha maneira de ver.
Não pretendo agradar a ninguém; todavia não posso deixar de dizer que ontem, ao encerrar-se a sessão, vi com surpresa, e até com desgosto, as observações feitas pelo Sr. João Camoesas, meu correligionário e querido amigo, sôbre a chamada questão dos aviadores.
Foi com surpresa, repito, que assisti a êsse final de sessão. Se é certo que adentro de um partido não pode haver aquela disciplina rigorosa que nos obriga a calar, não é menos certo que em casos desta natureza não é demais deixarmos para melhor oportunidade as palavras que desejamos proferir.
Como não bastasse o que o meu amigo Sr. João Camoesas estava dizendo, veio em reforço o Sr. Moura Pinto, mas por uma forma mais avançada, mais arrojada, mais subtil, como é próprio do seu espírito, e eu tive de interromper S. Exa. para lhe dizer que o Sr. João Camoesas falava em seu nome individual.
O Sr. Moura Pinto convidou o Govêrno a suspender os seus actos até o Parlamento se pronunciar.
Veja a Câmara quanto o Sr. Moura Pinto estava laborando num êrro.
O Sr. Moura Pinto: — Eu disse que a maioria é que tinha êsse desejo.
O Sr: João Camoesas: — Eu disse que falava em meu nome e não como Deputado da maioria.
O Orador: — Emfim; estas palavras, que não foram de censura, mas para justificar a minha surpresa e o meu desgosto, são inteiramente cabidas, como a Câ-
Página 21
Sessão de 4 de Junho de 1924 21
mara vê, tanto mais que a ocasião era o menos oportuna possível. Eu mesmo senti necessidade de falar naquele momento, mas não o pude lazer.
Fomos metidos num círculo completamente fechado.
A questão apareceu hoje com aquele aspecto de urgência que a Câmara reconheceu o contra a qual eu votei.
Assuntos desta natureza são da única competência do Poder Executivo até o momento em que êle nos merece confiança.
No momento em que não a merece há que notificar-lhe e êle decerto tomará o caminho que se imponha.
Intervir aqui no assunto é; a meu ver, autorizar a rebeldia, a indisciplina e, em casos recentes e semelhantes, estimular a greve.
Nestes casos a intervenção da Câmara é sempre, por via de regra, prejudicial.
Impõem-se, evidentemente, as conversas, as diligências que todo o homem do bem, todo o indivíduo criterioso tem no seu espírito, mas tudo o mais, com êste aspecto oficial, retumbante, com êste scenário todo, é inconveniente.
Também sou daqueles a quem não alegra o sangue.
Distingamos, porém. Quem se propõe ocupar cargos daqueles tem sôbre si, desde que deles toma conta, a obrigação sagrada, a obrigação insofismável de os prestigiar.
O Govêrno é o primeiro que deve cumprir o seu, dever o isso autoriza-o a fazer com que os outros cumpram o que lhes cabe.
Para se autorizar necessita de uma correcção absoluta, de uma conduta irrepreensível, e, só vê esgotados todos os recursos, todas as diligências suasórias, que nunca são de mais, não o devemos nós enfraquecer.
À frente do Govêrno acha-se um militar que o mostrou saber ser em várias contingências o na pasta da Guerra está um oficial a quem prestaram as mais justas e legítimas homenagens.
Ambos são portugueses, ambos são patriotas, ambos têm coração.
Não vão de olhos fechados para uma aventura, para um acto de fôrça que possa ter a reprovação do sentimentalismo nacional.
Só em último extremo isso se compreende, embora se compreenda. Eu sei lazer falar o coração, mas, por educação, tenho sempre sabido fazer falar primeiro o cérebro, e ambos os órgãos se podem conciliar.
Fazer, porém, desta questão de disciplina uma questão de vida ou de morte do Govêrno, isso seria gravíssimo.
Nunca morri de amores por nenhum Governo.
Uma voz: — São todos maus.
O Orador: — Os Governos são compostos de homens e, portanto, podem sempre praticar actos maus.
Sr. Presidente: o Govêrno, quanto a mim, tem cumprido, neste caso, inteiramente o seu dever. Há apenas um senão e essa senão está no facto de o Sr. Ministro da Guerra dar entrevistas nos jornais. S. Exa. não deve falar ao País por intermédio da imprensa.
Apoiados.
Mas êste senão autoriza-me a que eu negue fôrça ao Govêrno pai a solucionar êste assunto? Não!
Na situação presente o Govêrno não pode cair.
Nestes termos, dou por findas as minhas considerações e mando para a Mesa a seguinte moção.
Moção
A Câmara dos Deputados, reconhecendo que lhe falta competência para intervir no exercício da justiça ou da disciplina militares, confia em que o Poder Executivo continuará a proceder em conformidade com as leis o com os superiores interêsses da disciplina.
Sala das Sessões, 4 de Junho de 1924.— Paiva Gomes.
Agora requeiro a V. Exa. que consulto a Câmara sôbre se consente que a sessão seja prorrogada até se terminar a discussão dêste incidente.
O orador não reviu.
Seguidamente foi aprovada a prorrogação da sessão.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a moção do Sr. Paiva Gomes, para ser posta a admissão.
Foi lida na Mesa a moção.
Página 22
22 Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que admitem esta moção, queiram levantar-se.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Está admitida e em discussão.
O Sr. João Camoesas (para explicações): — Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer breves considerações, que tenho por necessário produzir, em virtude das referências que o Sr. Paiva Gomes fez à atitude por mim tomada na sessão de ontem.
A atitude que eu tomei, está em absoluta conformidade com o que eu entendo ser o verdadeiro desempenho da função de parlamentar.
Entendo que ao Parlamento incumbe tratar, na devida oportunidade, todas as questões que traduzem fenómenos sociais e que são susceptíveis de ter uma solução parlamentar que evito uma solução violenta lá fora.
Ontem limitei-me a dizer ao Sr. Presidente do Ministério que discordava da legalidade atribuída à medida tomada pelo Govêrno.
O facto de estar silencioso na altura de S. Exa. ter feito comunicação à Câmara do caso a que essa medida dizia respeito, não representava abdicação do direito de versar, aqui, o aspecto de legalidade de tal medida, na oportunidade que tivesse por conveniente.
Pode à Câmara parecer que há uma contradição entre a minha atitude de ontem e a de hoje, mas a Câmara sabe que o assunto tomou um aspecto diverso.
Ontem dizia-se que os oficiais aviadores se preparavam para lutar pela decisão que tinham tomado.
Hoje o caso tomou aspecto diverso: êsses militares afastaram do seu lado todos os seus camaradas, excluindo-os de todas as responsabilidades, tomando a questão um aspecto pessoal que não pode passar despercebido à Câmara.
Por isso é que versei o negócio urgente do Sr. Cunha Leal com relação aos aviadores.
Esta discussão em nada deminuíu o prestígio do Poder, antes pelo contrário.
Àpartes.
Por isso, terminando as minhas rápidas considerações, cumpre-me, dizer ao Parlamento, e ao Sr. Cunha Leal em particular, que não quero, nem os Deputados dêste lado da Câmara querem, jogar com o Govêrno sob um acto de disciplina.
Apartes.
Queremos apenas que o Govêrno, tendo em consideração a disciplina e em atenção serviços prestados à Pátria e à República, atenue as ordens que deu.
Àpartes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente, do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: parece-me que nada há que impeça V. Exa. de continuar nesta parte da sessão com os trabalhos, a fim de liquidar êste incidente com prejuízo da segunda parte da ordem, porque, de resto, a situação do Govêrno não se compadece com qualquer demora.
Anotados.
O Sr. Presidente: — É-me indiferente que a sessão prossiga ou se interrompa, mas, como a Câmara votou há pouco tempo uma disposição para que haja duas partes da ordem do dia com três horas cada, poderia deduzir-se do requerimento do Sr. Paiva Gomes que a Câmara queria 'que se prorrogasse a sessão apenas para depois de findar a segunda parte da ordem, se isso fôsse necessário, havendo portanto e somente preterição da discussão dos orçamentos.
O Sr. António Maria da Silva (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: pre-gunto a V. Exa. se o melhor não é saber do Sr. Paiva Gomes qual o intento do seu requerimento.
Apoiados.
O Sr. Paiva Gomes (para explicações): — Sr. Presidente: efectivamente, quando apresentei o meu requerimento, tinha apenas a intenção de que se prosseguisse nos trabalhos, com prejuízo da segunda parte da ordem do dia, a fim dó se liquidar, êste incidente.
Apoiados.
Página 23
Sessão de 4 de Junho de 1924 23
O Sr. Presidente: — Fica então entendido dessa forma o requerimento do V. Exa.
Apoiados.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: serei muito breve no uso da palavra, porque apenas quero marcar a posição dêste lado da Câmara a respeito da moção do Sr. Paiva Gomes.
Em primeiro lugar, entendemos que o Parlamento tem sempre competência, para resolver todos os assuntos.
Apoiados.
Em segundo lugar, depois das palavras do Sr. Pedro Pita, não confiamos realmente na política de ponderação do Govêrno.
Quero apenas, como última afirmação, salientar que se tem feito aqui as mais compre das afirmações sôbre disciplina militar.
A disciplina militar, segundo rezam os regulamentos, que nesta Câmara tantas vezes têm sido invocados pelo Sr. António Maia, deve ser exigida quando exista ponderação da parte de quem comanda e ordena.
Não é a disciplina cega e antiga, porque os regulamentos disciplinares se opõem a essa interpretação.
A disciplina tem de ser exigida com a ponderação, ponderação que eu tanto desejaria ver no Sr. Ministro da Guerra, através dêste conflito.
De resto, é ridículo que só diga que o exército é a salvaguarda da disciplina social, e se não trate essa fôrça com a devida consideração e cautela.
Repilo, como militar, cortas interpretações que aqui se têm dado e, fazendo-o, julgo interpretar o sentir dos meus colegas da minoria nacionalista.
Apoiados.
A nossa posição está definida.
Não fazendo dêste assunto uma questão política, não apresentamos nenhuma moção de desconfiança e lamentamos que alguém tenha apresentado uma moção, que de maneira nenhuma podemos votar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente, pedi a palavra para declarar que não, podemos votar a moção do Sr. Paiva
Gomes, pelas mesmas razões que o Sr. Cunha Leal acabou de citar.
Não queremos, todavia, deixar de frisar uma circunstância, e essa é a de que a moção do Sr. Paiva Gomes não é do confiança ao actual Govêrno, mas sim ao Poder Executivo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Agatão Lança: — Sr. Presidente: é para manter a atitude que em ocasiões idênticas costumo assumir nesta Câmara, que eu neste momento uso da palavra.
Lembro-me de que uma vez vim a esta Câmara levantar a questão disciplinar de um oficial superior da marinha de guerra, oficial tam glorioso como os gloriosos oficiais da aviação, e a Câmara recusou-se a tratar dela.
Agora estamos em face do um novo conflito disciplinar, e imediatamente a Câmara consentiu que se tratasse de uma rebelião que está prevista pelo Código de Justiça Militar.
Sr. Presidente: sou daqueles que folgam com o facto de que assim sucedesse, porque neste momento já falo perfeitamente tranqüilo em virtude das declarações do Sr. Presidente do Ministério, isto é, que as tropas mobilizadas, para conduzir à obediência os oficiais em rebelião, vão proceder com toda a ponderação, de forma a não ir estender-se uma mancha de sangue por cima dêsse acto.
E digo agora, porque só agora é que a atitude dêsses oficiais conseguiu emocionar a minha alma de soldado e de português.
Emquanto êsses oficiais se encontravam revoltados por uma razão que não interessava ao país, nem à República, conservando sob as suas ordens, subordinados seus, que elos assim faziam comparticipar na mesma atitude do revolta, eu não compreendia, antes reprovava desassombradamente o seu gesto irreflectido e indisciplinado.
Mas desde que êsses oficiais, reflectindo nas conseqüências da sua primeira decisão, pobremente desligaram os sons subordinados de uma atitude a que êles eram absolutamente estranhos, a questão passa a revestir um novo aspecto, e êsse não pode deixar de merecer toda a minha simpatia.
Página 24
24 Diário da Câmara dod Deputados
Devemos, no emtanto, confiar na acção do Govêrno, certos de que êle saberá encontrar uma solução que sem derramamento do sangue, nem quebra de dignidade para os oficiais insubordinados, prestigio o Poder, o exército e a República.
Sr. Presidente: eu tenho notado com prazer, através da apreciação parlamentar dêste lamentável conflito, que se modificou nesse sentido mais-conciliador e humanitário o critério de algumas pessoas que aqui há cinco ou seis meses, perante possíveis lutas entre irmãos, se mostravam duma dureza impenetrável.
Vejo com contentamento que os homens que em 10 de Dezembro se encontravam obstinadamente quedos a todos os propósitos de conciliação, por parte de quem humanitàriamente procurava evitar uma luta em que certamente iria a vida de muitos portugueses, são agora os primeiros a aconselhar prudência e espírito de conciliação.
Ainda bem que eu posso registar esta modificação.
Sr. Presidente: se o Govêrno tivesse, logo em seguida ao primeiro acto de rebelião, tomado conta de todo o material da aviação, o movimento teria sido ràpidamente solucionado ou nem sequer se teria dado.
Mas, Sr. Presidente, o que vejo é que da parte do Govêrno tem havido o desejo de solucionar esta questão sem derramamento de sangue, sem violências inúteis, sem mesmo ir violentar a honra pessoal dos homens que estão em causa, mas também sem rebaixamento da dignidade do Poder.
Mau seria para o prestígio da República que nós fizéssemos cair o Govêrno em face do problema de prender ou não prender certos oficiais, de mais a mais quando nós sabemos, porque temos a palavra honrada do Sr. Presidente do Ministério e do Sr. Ministro da Guerra, que o Govêrno se conduzirá com a maior prudência para que se chegue à solução do conflito, isto é, para que se cheguem a integrar êsses oficiais na mais absoluta obediência sem haver derramamento de sangue.
E então pregunto: Não seria ingratidão fazer cair o Govêrno que ainda há dias no Pôrto, pelo acerto das medidas tomadas, conseguiu debelar uma greve
que tomava um aspecto grave, em que as bombas e tiros rebentavam por todas as ruas, o Govêrno que tem solucionado várias greves e que ainda está em conflito aberto com a classe telégrafo-postal?
Eu, como Deputado da Nação e mesmo como homem que sou contra as revoluções, que entendo que esta sociedade não pode continuar a viver neste mar de indisciplina e de anarquia, em que tem vivido, veria com desgosto cair o Govêrno perante uma questão desta natureza.
Há muitas questões que podem, porventura ser tratadas nesta Câmara e nas quais o Govêrno não consiga, possivelmente, a maioria de votos para poder viver, mas, em face duma questão mèramente disciplinar, seria com verdadeiro desgosto que o veria sair das bancadas do Poder convencido como estou de que o Govêrno há-de conseguir a solução do conflito sem correrem; perigo as vidas dos oficiais aviadores que, embora num mau caminho, são homens que merecem a minha consideração e alguns- deles merecem a minha estima pessoal.
Termino as minhas considerações dando o meu voto à moção apresentada pelo Sr. Paiva Gomes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: não me interessa, neste momento, a moção apresentada pelo Sr. Paiva Gomes, porque das palavras do Sr. Presidente do Ministério, ontem proferidas, é das palavras que proferiu no início das considerações hoje feitas, resulta para mim a convicção de que o Govêrno está demissionário.
Pedi a palavra no momento em que o Sr. Agatão Lança fazia referência a pessoas que têm assento nesta Câmara o que não pensam hoje como pensavam a propósito da revolta de 10 de Dezembro.
S. Exa. olhou por acaso para mim; acredito que fôsse por acaso, mas foi salientando que o Govêrno de então não tinha querido intermediários para a revolta da marinha.
Sr. Presidente, há que prestar um esclarecimento.
A marinha, quando nessa ocasião se revoltou, fez fogo sôbre a terra, declarou-se revoltada e atacou, e o Govêrno
Página 25
Sessão de 4 de Junho de 1924 25
de então só teve um caminho a seguir, que era preparar a defesa.
Quando o Sr. Agatão Lança então se Apresentou, procurando ser o intermediário que levasse a bordo as palavras que êle entendia serem bastantes para, êsse conflito terminar, S. Exa. sabe muito bem que o seu oferecimento foi imediatamente aceito.
O Sr. Agatão Lança (interrompendo}: — Não é verdade.
O Orador: — Estão presentes não só o Presidente dêsse Ministério, Sr. Ginestal Machado, como o Sr. Lopes Cardoso, que foi Ministro da Justiça, e eu convido S. Exas. a dizer se são ou não verdadeiras as palavras que estou proferindo.
Sr. Presidente, o que é facto é que não houve nunca da parte deles, nem da minha parte qualquer palavra que mostrasse o desejo de se fazer derramamento de sangue, tendo o Sr. Agatão Lança tido todas as facilidades, como teve, para ir a bordo proferir palavras de acalmação e conseguir, como de facto, conseguiu, evitar êsse movimento, apresentando poucos dias depois a esta Câmara um projecto de amnistia, que nós não aceitamos, para que se não pudesse dizer que estávamos comprometidos no movimento, o qual, aliás, era bem diverso daquele que se passa.
De resto, se S. Exa. encontrou da minha parte desejos de fazer sangue peço-lhe que o diga e que o prove.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: em breves palavras darei a razão do meu voto.
Incumbo ao poder, quaisquer que sejam os homens que se sentem naquelas cadeiras, manter a ordem e a disciplina.
E creio ser do meu dever de parlamentar não tomar qualquer atitude, ou votar qualquer cousa, que possa diminuir o prestígio do poder, quando êste precisa de manter a disciplina ou a ordem pública.
Ora é uma questão de disciplina que está em jôgo na moção que se discute, e por isso entendo do meu dever estar ao lado do Govêrno em tudo o que fôr ne-
cessário para que a disciplina militar seja mantida, o que não importa concordância com os actos do Govêrno no resto da sua actividade.
Agitou-se diante da Câmara o espectro horrível de uma tragédia como seria o suicídio dos oficiais encarcerados na Amadora. Devo porém dizer que não compreendo essa tragédia.
Explico, embora não justifique, o suicídio imposto por um certo conceito de honra militar, quando o soldado se vê impossibilitado de cumprir o seu dever; mas não compreendo que um militar possa suicidar-se porque não quere cumprir o seu dever.
Seria juntar a uma fraqueza outra fraqueza? e não sei como se possa exigir ao poder que transija com elas.
Invocou-se também a humanidade e o coração; mas não vejo que seja humano sujeitar ao juízo da sensibilidade aquilo que deve ser julgado pela razão e a razão manda manter a disciplina custe o que custar.
O coração tem o seu lugar em frente das misérias imerecidas ou das angústias e aflições filhas da fatalidade; mas não assim quando as situações aflitivas nascem da falta voluntária do cumprimento de um dever.
Ai de nós, Sr. Presidente, ai do País se o Parlamento estabelecer o precedente de que basta a um grupo do exército revoltar-se e agitar o espectro de uma tragédia para que o Poder e todos nós sejamos forçados a transigir com a rebelião.
E, já que se falou em sangue, não devemos esquecer que muito mais pode ser derramado se os laços da disciplina forem quebrados.
Basta recordar nesta hora aquele que à sombra de rebeliões tem sido derramado nos últimos tempos, para vermos como é bem mais para recear o sangue que pode derivar da falta de disciplina militar e social.
Pela minha parte, pois, estarei ao lado do Poder tanto quanto fôr mester para que a disciplina seja mantida; é ela o fundamento de toda a vida social e por isso a sua necessidade se impõe acima de tudo.
E com êste significado restrito que darei o meu voto à moção que se acha sôbre a Mesa.
Página 26
26 Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Rodrigues Gaspar: — As minhas palavras têm por fim explicar o meu voto e não as profiro para ser agradável ao Govêrno, nem desagradável ao Partido Nacionalista.
Estamos assistindo a casos de indisciplina, que infelizmente afectam todas as classes da nossa sociedade.
Permita-me a Câmara que eu diga — usando de um termo marítimo — que andamos, por vezes, muito desgovernados, ou porque não obedecemos ao respectivo leme, ou porque a agulha está muito desviada.
Estamos tratando de uma questão que, com toda a lealdade o declaro, não devia nesta ocasião ser motivo de um debate da Câmara.
Apoiados.
O Parlamento, que representa a Nação, tem o direito de criticar livremente os actos do Poder Executivo, mas a êsse direito corresponde um dever que é o de considerar a oportunidade para fazer essa crítica.
Sr. Presidente: creio que a questão está desviada. O Govêrno não sentenciou ninguém à morte. O Govêrno tomou medidas para manter a ordem que havia dado e depois entregou a questão dos aviadores ao comando da divisão.
Neste momento estamos em presença dêste facto: há simplesmente o comando da divisão dando ordens a subordinados e resolvendo o conflito militar. É isto; e então não era oportuno que a Câmara viesse discutir uma questão sôbre a qual não estamos habilitados para poder dizer de ,que lado está a razão.
É preciso que não prejudiquemos com as nossas atitudes o caminho que é necessário seguir, para que se mantenha a disciplina que é indispensável haver em toda a parte e muito principalmente no elemento militar a que me honro de pertencer.
Não confundamos, nem façamos elogios ao Govêrno, convidando-o a que empregue todos os meios de repressão, nem tam pouco façamos o elogio daqueles que saíram, de facto, para fora da boa disci-ciplina.
Na hora presente, esta questão interessa a todo o País.
Nem o Govêrno tem o direito de abandonar as cadeiras do Poder, porque o
ilustre leader do Partido Nacionalista tratou aqui desta questão, nem a Câmara, cônscia das responsabilidades que sôbre ela recaem, pode tomar qualquer resolução que não seja a de esperar que o Govêrno resolva o problema disciplinar.
Os que se considerem ofendidos ou prejudicados por qualquer ordem emanada do Poder Executivo têm sempre assegurado o direito de reclamação pelas vias competentes e legais.
Eu, que sou militar e que fui educado na escola de disciplina, não posso esquecer que há um preceito que não pode ser prejudicado por qualquer outro, que impõe o cumprimento das ordens superiores, embora possa haver motivo de reclamar. Cumpre-se a ordem e depois é que se reclama.
No dia em que a Câmara ou quaisquer autoridades deixassem infringir êste preceito, ter-se-ia estabelecidos anarquia na vida militar e, conseqüentemente, na vida social portuguesa.
Factos recentes nos têm mostrado qual o estado de indisciplina que se está desenvolvendo.
Não devemos proferir palavras que possam significar ao Govêrno que actue com energia desmedida, pois que a quem detém o Poder basta o próprio facto de dispor dele para poder ser benévolo, mas, também, por outro lado, não façamos a apologia daqueles que, de facto, saíram para fora da ordem, reservando-nos sempre o direito de analisar os actos governamentais em nossa plena liberdade, mas sem concorrer para ainda aumentar o estado de anarquia mental que se vai generalizando.
Dadas estas explicações, termino fazendo votos por que daqui ninguém, absolutamente ninguém, saia desprestigiado. Não assisti à sessão de ontem, mas parece-me ter ouvido dizer que o Sr. Presidente do Ministério dissera que, se a Câmara resolvesse tratar, dêste assunto, naturalmente abandonaria as cadeiras do Poder.
Permita-me S. Exa. que eu lhe faça um reparo: não fica S. Exa. mal com o que disse ontem, não fazendo o que prometera.
Ontem S. Exa. falava em condições muito especiais; hoje as condições são completamente diferentes. Ontem estava-
Página 27
Sessão de 4 de Junho de 1924 27
-se na presença de um oficial que só dizia estar disposto a resistir às ordens do Govêrno com as fôrças armadas de que dispunha; hoje sabemos, e foi decerto por isso que a questão se levantou, que tudo se reduz a um grupo de oficiais, sem que sob o seu comando haja quaisquer fôrças.
Espero que o Sr. Presidente do Ministério, ponderando bem, não o que convém a S. Exa., não o que convém ao seu Govêrno, mas o que convém ao Poder Executivo, mudará de opinião. Isso só lhe ficará muito bem.
Apoiados.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem!
O orador não reviu.
O Sr. Ferreira da Rocha: — Sr. Presidente: o ilustre leader do meu partido já teve ocasião de dizer a V. Exa. e à Câmara que não era necessária, para o assunto em debate, a apresentação de qualquer moção sôbre que recaísse uma votação da Câmara dos Deputados.
Êle mesmo a V. Exa. disse que não pretendia provocar uma votação política ou sequer uma decisão da Câmara dos Deputados sôbre o assunto.
Assim, o ilustre Deputado Sr. Rodrigues Gaspar, tendo tido o cuidado de ouvir as palavras do leader do meu partido, havia de ter verificado que era também S. Exa. de parecer de que não se tornava indispensável nem era conveniente que na Câmara se apresentassem moções de confiança ou de desconfiança sôbre a matéria.
Mas, Sr. Presidente, do facto de se não querer tomar uma decisão à conseqüência que se pretende deduzir de que a Câmara não possa em qualquer altura tratar do assunto que apaixone a opinião pública dum país em que nós directamente representamos essa opinião pública, daí até o ponto de se querer tirai* essa conclusão, vai uma distância enorme.
O que o ilustre leader do meu partido fez foi, em face de boatos correntes, em face de informações que andavam na boca de toda a gente, procurar fazer ver ao Govêrno a situação que deles resultava, sem procurar indicar ao Govêrno um determinado caminho político ou sequer a
conveniência ou inconveniência da sua saída ou da sua permanência nas cadeiras do Poder.
Foi assim que a questão foi posta pelo meu partido e assim há-de ser considerada até o fim.
Partido de ordem, entende que não pode haver organização social possível emquanto haja desordem.
O Partido Nacionalista tem dado exemplos em matéria de disciplina e ordem pública do Govêrno que só senta no Poder.
É por isso que eu desejo explicar o meu voto.
Partidário da disciplina na sociedade portuguesa entendo que em primeiro lugar ela deve existir na fôrça armada.
Eu recusaria votar qualquer moção que tirasse ao Govêrno a autoridade necessária para fazer executar os regulamentos de disciplina.
No emtanto, a moção apresentada vai mais longe, pois afirma a incompetência do Parlamento para apreciar o assunto e isso não posso eu aceitar.
Posso reconhecer a inconveniência de tratar dum assunto, mas não posso em qualquer moção que a Câmara voto, considerar que só o Poder Executivo tem a liberdade de exercer a sua acção quanto à disciplina e até tenho dúvidas sôbre se o Govêrno tem procedido até agora conformo é necessário à disciplina.
Entendo que um general só se julga depois da batalha, e assim aprovaria qualquer moção que manifestasse o desejo de esperar a acção do Govêrno para julgar do seu procedimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Não há mais ninguém inscrito.
Vou dar a palavra ao Sr. A gatão Lança, que a pediu para explicações.
O Sr. Agatão Lança (para explicações): — Sr. Presidente: pedi a palavra somente para responder a umas considerações do Sr. Pedro Pita.
S. Exa. fez referência aos acontecimentos de 10 de Dezembro, dizendo que tinha chegado a haver tiros.
Eu devo dizer que também agora houve tiros.
Página 28
28 Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Lelo Portela veio ao Parlamento anunciar a revolução.
Foi um tiro.
Àpartes.
Isto foi um facto que ninguém pode desmentir e o Sr. Pedro Pita não pode pôr em dúvida a minha afirmação.
Apartes.
Fui, de facto, á bordo dos navios de guerra, quando do movimento de Dezembro, com outro oficial, mas sem conhecimento do Govêrno e apenas com conhecimento do Sr. major general da armada, a fim de saber qual era o estado da disciplina a bordo dos mesmos navios.
Foi assim que consegui um compromisso de honra dos tripulantes do navio revoltado para que não praticassem mais nenhum acto de hostilidade até que eu falasse com o Govêrno, a fim de evitar derramamento de sangue. Do regresso, participei isso ao Sr. major general da armada e êle ofereceu-me o seu automóvel para ir mais ràpidamente junto do Govêrno. Êste, porém, disse-me que não aceitava quaisquer negociações com os revolucionários porque os considerava fora da lei G que ia intimá-los a renderem-se, metendo o navio no fundo se tanto fôsse necessário, caso êles não obedecessem.
Pesaroso retirei-me para ir novamente até o referido navio a fim de devolver o compromisso de honra que a guarnição tinha tomado para comigo, visto que tinha falhado a minha intervenção, e foi unicamente a isso que o Govêrno me autorizou.
Mostrei aos revoltosos os inconvenientes do seu acto, e tive a honra de obter deles o compromisso de que se entregariam à prisão desde que um oficial superior os fôsse deter.
Com estas explicações que dou, creio que o Sr. Pedro Pita e todos os seus colegas de Gabinete devem ficar com a memória avivada de que realmente os factos se passaram assim.
O Sr. Pedro Pita: — O que eu há pouco queria significar era que o Govêrno de que fiz parte não impediu que V. Exa. fôsse a bordo.
O Orador: — Não impediu, mas não quis negociações com os revoltosos, não pro-
cedeu, emfim, como êste, mandando várias pessoas fazer démarches junto dos revoltosos para achar uma solução ao conflito.
Mas êste assunto não interessa demasiadamente à Câmara, e por isso dou por findas as minhas considerações.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ginestal Machado: — Sr. Presidente: apenas meia dúzia de palavras, porque na verdade o momento não é para grandes discursos.
Não era intenção minha tomar parte neste debate, visto que o pensamento do Partido Nacionalista já foi definido, com o costumado brilho e clareza de sempre, pelo seu ilustre leader e meu particularíssimo amigo Sr. Cunha Leal. Não tinha nem tenho, portanto, a acrescentar mais nenhuma palavra.
Entretanto, aconteceu que neste debate, o por uma referência do Sr. Agatão Lança, em resposta ao Sr. Pedro Pita, meu ilustre colega no Ministério de 10 de Dezembro, vem outra vez à baila a questão que por essa época se passou, e o que é curioso é que tenha sido o Sr. Agatão Lança quem a veio reviver, quando e certo que S. Exa. propôs que sôbre êsse assunto fôsse feito esquecimento perpétuo.
O Sr. Agatão Lasca, (interrompendo): — As démarches não são rebeliões.
O Orador: — Sr. Presidente: costumo tomar sempre a responsabilidade dos meus actos.
O Govêrno a que tive a honra de presidir, e disso tomo inteira responsabilidade, não quis intermediários entre os revoltos os e o Govêrno.
Os intermediários foram os agentes do Govêrno, a quem estava confiada a manutenção da ordem, que havia sido alterada pela guarnição do um navio de guerra.
O Sr. Agatão Lança teve a amabilidade de procurar o Govêrno, para oferecer-se como medianeiro; nós agradecemos-lhe muito a sua boa intenção e generosidade, mas não tínhamos de tratar com os revoltosos. No emtanto, se S. Exa. quisesse ir a bordo, o Govêrno não poria o me-
Página 29
Sessão de 4 de Junho de 1924 29
nor obstáculo, e se conseguisse qualquer cousa para que os revoltosos obedecessem ao Govêrno, só teria motivos para lhe agradecer.
Era isto o que tinha a dizer, acrescentando que não é êste o momento para se comparar o movimento de 10 de Dezembro com o de hoje, porque são inteiramente diferentes. Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lopes Cardoso: — Depois das palavras que acaba de pronunciar o Sr. Ginestal Machado e do àparte do Sr. Agatão Lança, desisto da palavra.
O Sr. João Bacelar: — Requeiro votação nominal para a moção que vai ser submetida à apreciação da Câmara.
É aprovado.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: pedi a palavra para responder em breves palavras a algumas afirmações feitas pelos oradores que me antecederam.
Afirmou o Sr. Ferreira da Rocha que os generais se substituíam no fim das campanhas.
O Sr. Ferreira da Rocha: - Substituo campanha por batalha.
O Orador: — É o mesmo. Em qualquer dos casos a afirmação de V. Exa. não é exacta.
Durante a guerra europeia mais dum caso se deu em que durante a batalha se fizeram substituições de generais.
A Câmara pode, evidentemente, ocupar-se dos assuntos que quiser. Mas o Govêrno tem, também, o direito de lhe dizer que a sua intervenção em determinados assuntos e em determinadas alturas pode ser inconveniente e prejudicial à sua melhor solução.
Se ontem me opus a que o assunto da aviação fôsse aqui tratado foi porque entendi que a sua discussão nesse momento podia de qualquer forma dar ânimo aos oficiais revoltados. Foi o que sucedeu.
Alguém desta Câmara aconselhou os oficiais em questão, pelo telefone, a que resistissem porque a atitude do Parlamento determinaria a queda do Govêrno.
Estranhei, como não podia deixar de estranhar depois da declaração que ontem, fiz, a deliberação da Câmara, tomada, de mais a mais, na ausência dos Ministros responsáveis neste episódio.
Como é que a Câmara assumiria determinada atitude sem a presença dêsses Ministros?
Evidentemente eu tinha de tirar da atitude da Câmara o corolário lógico. E tirei-o.
Falaram depois vários Deputados. Falou o Partido Nacionalista pela boca do seu leader.
Falou o Sr. Pedro Pita, que disse claramente que a questão só se resolveria com a saída do Govêrno.
Depois o Sr. Ferreira da Rocha disse que não era isso, que era necessário que o Govêrno ficasse, e que votaria qualquer moção que dissesse unicamente: a Câmara aguarda os actos do Govêrno para depois os criticar.
Representa isto uma atitude individual de S. Exa.?
Representa a atitude do Partido Nacionalista que reconhece que, em face de factos desta natureza, não deve deixar de apoiar actos do Govêrno que representam a reintegração dentro da disciplina de quem dela saiu?
O País apreciará o que representa duma maneira geral a atitude do Partido Nacionalista, traduzida pelos seus vários membros.
Depois das minhas palavras a propósito dêste incidente, produziram-se aqui várias declarações o foi apresentada uma moção, que está sôbre a Mesa, e em que, como o Govêrno entende, a Câmara objectiva o seu propósito de necessidade duma situação de disciplina, da criação duma atmosfera de tranqüilidade e ordem.
O Govêrno tem de considerar não só as palavras pronunciadas mas o acto final da votação da Câmara e nos termos dela, do que se passou e do que só vai passar, o Govêrno tomará a atitude que julgar conveniente.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se, para se votar, a moção do Sr. Paiva Gomes.
Leu-se.
Página 30
30 Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.
O Govêrno sai da sala.
Fez-se a chamada.
Disseram «aprovo» os Srs.:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Resende.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Mariano Rocha Felgueiras.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Disseram «rejeito» os Srs.:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Amaro Garcia Loureiro.
António Ginestal Machado.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Constâncio de Oliveira.
Francisco Cruz.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
João Cardoso Moniz Bacelar.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Pedro Góis Pita.
Tomé José de Barros Queiroz.
O Sr. Presidente: — Disseram, «aprovo» 51 Srs. Deputados e «rejeito» 24.
Está por conseguinte aprovada a moção do Sr. Paiva Gomes.
O Govêrno regressa à sala.
O Sr. Presidente,do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Pedi a palavra para agradecer à Câmara o voto de confiança que acaba de dar ao Govêrno e posso declarar à Câmara, em nome do Govêrno e especialmente em nome do Sr. Ministro da Guerra e no meu próprio, que o Govêrno saberá proceder como até agora tem procedido de maneira a fazer cumprir as ordens do Poder competente sem que isso represente qualquer cousa de indigno e de vexa-
Página 31
Sessão de 4 de Junho de 1924 31
tório para as pessoas que têm obrigação de compreender os seus direitos, mas de compreender também os deveres dos cargos dos homens que estão no Govêrno.
Creio que a Câmara não terá do se arrepender do voto que acaba de dar ao Govêrno e não terá nunca de arrepender-se dum acto que significa um propósito deliberado do Parlamento e que há-de ter resultados extremamente benéficos para a marcha da nossa vida pública, para a marcha das instituições e para uma melhoria de condições da nossa vida económica e financeira. Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã 5, às 14 horas, sendo a ordem do dia a que estava marcada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 40 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Propostas de lei
Dos Srs. Ministros das Finanças, Interior e Guerra, autorizando o Govêrno a fornecer o bronze para o monumento ao Marquês de Pombal, a pedra para os grupos laterais e ordenar a respectiva fundição.
Para o & Diário do Governo».
Dos Srs. Ministros das Finanças e Interior, abrindo um crédito de 27.500(5 para reforço das dotações do capítulo 2.°, artigo 7.°, do orçamento do Ministério do Interior, sob a rubrica «Material e despesas diversas do Gabinete do Ministro e Secretaria Geral».
Para o «Diário do Governo».
Declarações de voto Declaro que rejeitei a interpelação do Sr. Cunha Leal apenas e unicamente por
julgar necessária e indispensável a presença do Sr. Presidente do Ministério para elucidação da Câmara sôbre a oportunidade ou inoportunidade de tal interpelação.— Aníbal Lúcio de Azevedo. Para a acta.
Declaro rejeitar o requerimento do Sr. Cunha Leal para tratar em negócio urgente da questão dos, oficiais da aviação, por não estar presente nenhum dos membros do Governo e por entender que se trata duma questão que interessa à disciplina do exército e que me parece inconveniente ser, neste momento, objecto de discussão no Parlamento.
4 de Junho de 1924.— Vitorino Henriques Godinho Vitorino Guimarães.
Para a acta.
Aprovando a moção do Sr. Paiva Gomes faço-o com as seguintes restrições:
1.° Que o meu voto não implica porém concordância com a doutrina exposta na 1.ª parte da moção.
2.° Que reservo o meu juízo sôbre a constitucionalidade do decreto n.° 9:749.— Pinto Barriga.
Para a Secretaria.
Para a acta.
Declaramos que aprovámos a moção do Sr. Paiva Gomes por julgarmos indispensável que o Poder Executivo solucione independentemente da coacção de quaisquer rebeliões. Entendemos no emtanto que os próprios interêsses da disciplina aconselham e impõem que as medidas do Poder Exectivo se adeqúem às situações que as determinam, devendo por isso ser facultadas aos oficiais aviadores condições de rendição correspondentes à sua nobilíssima posição actual.— João Camoesas — J. Pina de Morais — António Resende — Sá Pereira — Agatão Lança.
Para a Secretaria.
O REDACTOR—Avelino de Almeida.