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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 100

EM II DE JUNHO DE 1924

Presidência do Exmo. Sr. Afonso de Melo Pinto Veloso

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira

José Marques Loureiro

Sumário.— Respondem à chamada 48 Srs. Deputados.

Procede-se à leitura da acta.

Dá-se conta do expediente que tem o devido destino.

Antes da ordem do dia.— O Sr. Velhinho Correia usa da palavra para explicações.

O Sr. Tavares de Carvalho ocupa-se da questão das transferências da moeda, de Angola para a metrópole.

Responde o Sr. Ministro das Colónias (Maria no Martins).

O Sr. João Camoesas pede que se discutam os projectos de lei relativos a várias Misericórdias do país.

Ò Sr. Cunha Leal refere-se a um empréstimo negociado pelo Alto Comissário de Angola com a Companhia dos Diamantes.

Responde o Sr. Ministro das Colónias, voltando a usar da palavra o Sr. Cunha Leal.

O Sr. Ministro do Interior Sá Cardoso apresenta uma proposta de lei.

O Sr. Morais Carvalho pede o cumprimento de uma lei referente às praças da guarda fiscal.

Responde o Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro).

É aprovada a acta.

São admitidos projectos e propostas de lei.

O Sr. Presidente consulta a Câmara sôbre se concede autorização para vários Srs. Deputados irem depor num processo que corre na investigação criminal contra o Sr. Velhinho Correia.

Usam da palavra, sôbre o modo de votar, os Srs. Pedro Pita, Cunha Leal, Velhinho Correia e Hermano de Medeiros.

A autorização não é concedida.

O Sr. Velhinho Correia requere a contra-prova.

É concedida a autorização.

Ordem do dia.— Continua em discussão o negócio urgente do Sr. Ferreira da Rocha acerca do decreto sôbre juros da divida pública.

É lida s admitida a moção do Sr. Velhinho Correia.

Baltasar de Almeida Teixeira José Marques Loureiro

Usam da palavra os Srs. Morais Carvalho e Barros Queiroz, que apresenta um projecto de lei para o qual pede urgência e dispensa do Regimento,tqae a Câmara concede.

Requerida a contraprova, confirma-se o resultado da primeira votação, por 45 votos contra 23.

Usa também da palavra o Sr. Portugal Durão.

O Sr. Vergílio Costa requere a prorrogação da sessão até liquidação do incidente.

Sôbre o modo de votar usam da palavra os Srs: Jaime de Sousa, Carvalho da Silva e Moura Pinto.

É rejeitado o requerimento.

Requerida a contraprova, è confirmada a primeira votação por 43 contra 29.

Sôbre a matéria usa da palavra o Sr. Cunha Leal.

Antes de se encerrar a sessão.— Usada palavra o Sr. Rodrigues Gaspar, respondendo o Sri Presidente do Ministério e Ministro das Finanças.

A sessão é interrompida.

Reaberta às 22 horas, verifica-se afoita de número, motivo por que é encerrada, marcando O Sr. Presidente nona sessão para o dia imediato, com a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão às 15 horas e 17 minutos.

Presentes 48 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 52 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Adolfo Augusto do Oliveira Coutinho.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Albino Pinto da Fonseca.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Amadeu Leite de Vasconcelos.

António Alberto Tôrres Garcia.

António Albino Marques de Azevedo.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Correia.

António Dias.

António País da Silva Marques.

António de Paiva Gomes.

Artur Brandão.

Artur de Morais Carvalho.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Carlos Cândido Pereira.

Custódio Martins de Paiva.

David Augusto Rodrigues.

Delfim Costa.

Ernesto Carneiro Franco.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Hermano José de Medeiros.

Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

Jaime Júlio de Sousa.

João Cardoso Moniz Bacelar.

João José da Conceição Camoesas.

Joaquim Narciso da Silva Matos.

Joaquim Serafim de Barros.

José Marques Loureiro.

José Mendes Nunes Loureiro.

José Pedro Ferreira.

José de Vasconcelos de Sousa Nápoles.

Júlio Gonçalves.

Lúcio de Campos Martins.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Luís da Costa Amorim.

Manuel Ferreira da Rocha.

Mariano Martins.

Paulo Cancela de Abreu.

Paulo Limpo de Lacerda.

Pedro Góis Pita.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Tomás de Sousa Rosa.

Tomé José de Barros Queiroz.

Viriato Gomes da Fonseca.

Vitorino Henriques Godinho.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Albano Augusto de Portugal Durão.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Alberto de Moura Pinto.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Álvaro Xavier de Castro.

Amaro Garcia Loureiro.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Abranches Ferrão.

António Lino Neto.

António Maria da Silva.

António Pinto de Meireles Barriga.

António Vicente Ferreira.

Armando Pereira de Castro Agatão Lança.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.

Augusto Pereira Nobre.

Bernardo Ferreira de Matos.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Constâncio de Oliveira.

Custódio Maldonado de Freitas.

Delfim do Araújo Moreira Lopes.

Francisco Cruz.

Francisco Dinis de Carvalho.

Francisco Pinto da Cunha Leal.

João José Luís Damas.

João Luís Ricardo.

João de Ornelas da Silva.

João Pereira Bastos.

João Pina de Morais Júnior.

João de Sousa Uva.

Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.

Joaquim Dinis da Fonseca.

José Cortês dos Santos.

José Domingues dos Santos.

José de Oliveira da Costa Gonçalves.

Lourenço Correia Gomes.

Manuel Alegre.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Mário de Magalhães Infante.

Matias Boleto Ferreira de Mira.

Nono Simões.

Pedro Augusto Pereira de Castro.

Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.

Sebastião de Herédia.

Vasco Borges.

Ventura Malheiro Reimão.

Vergílio da Conceição Costa.

Vergílio Saque.

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Srs. Deputados que não compareceram a sessão:

Abílio Correia da Silva Marçal.

Abílio Marques Mourão.

Afonso Augusto da Costa.

Aires de Ornelas e Vasconcelos.

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto Ferreira Vidal.

Alberto Lelo Portela.

Alberto da Rocha Saraiva.

Alberto Xavier.

Américo da Silva Castro.

António Ginestal Machado.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António de Mendonça.

António Resende.

António de Sousa Maia.

Augusto Pires do Vale.

Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.

Carlos Eugénio de Vasconcelos.

Domingos Leite Pereira.

Eugénio Rodrigues Aresta.

Fausto Cardoso de Figueiredo.

Feliz de Morais Barreira.

Fernando Augusto Freiria.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Francisco da Cunha Rêgo Chaves.

Francisco Manuel Homem Cristo.

Germano José de Amorim.

Jaime Duarte Silva.

Jaime Pires Cansado.

João Baptista da Silva.

João Estêvão Águas.

João Salema.

João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

João Vitorino Mealha.

Joaquim Brandão.

Joaquim José de Oliveira.

Joaquim Ribeiro de Carvalho.

Jorge Barros Capinha.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José António de Magalhães.

José Carvalho dos Santos.

José Joaquim Gomes de Vilhena.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.

José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.

José de Oliveira Salvador.

João Henrique de Abreu.

Juvenal Henrique de Araújo.

Leonardo José Coimbra.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel Duarte.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Manuel de Sousa da Câmara.

Manuel de Sousa Coutinho.

Manuel de Sousa Dias Júnior.

Mariano Rocha Felgueiras.

Mário Moniz Pamplona Ramos.

Maximino de Matos.

Paulo da Costa Menano.

Rodrigo José Rodrigues.

Teófilo Maciel Pais Carneiro.

Valentim Guerra.

As 15 horas principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: — Estão presentes 48 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofícios

Do Ministério da Guerra, satisfazendo ao requerido pelo Sr. António Maia e transmitido em ofício n.° 227.

Para a Secretaria.

Do 2.° Juízo de Investigação Criminal de Lisboa, pedindo autorização para deporem os Srs. Cunha Leal, Carvalho da Silva, Vitorino Guimarães, Álvaro de Castro, Tôrres Garcia, Lino Neto, António Maria da Silva, Francisco Cruz, Lúcio Martins e Pedro Pita, no processo contra o ex-Ministro das Finanças Velhinho Correia.

Concedido.

Comunique-se.

Para a comissão de infracções e faltas.

Representação

De Nicolau Tolentino Pereira, pedindo alterações à lei do inquilinato.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Admissões

Da proposta de lei dos Srs. Ministros das Finanças, Interior e Guerra autori-

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zando o Govêrno a fornecer o bronze para o monumento ao Marquês de Pombal, a pedra para os grupos laterais e ordenar a respectiva fundição.

Para a comissão de administração pública.

Da proposta de lei dos Srs. Ministros das Finanças e Interior, abrindo um crédito especial de 27.500$ para reforço das dotações do capítulo 2.°, artigo 7.°, do orçamento do Ministério do Interior, de 1923-1924 sob a rubrica «Material e despesas diversas do gabinete do Ministro e Secretaria Geral».

Para a comissão de administração pública.

Do projecto de lei do Sr. João Camoesas, dando nova redacção ao artigo 11.° da lei de 31 de Agosto de 1915.

Pára a comissão de guerra.

O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.

Antes da ordem do dia

O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: pedi a palavra para explicar à Câmara um pequeno incidente que se deu na última sessão.

Tinha mandado para a Mesa uma moção quando acabei de falar.

Não é meu hábito não dar número às sessões, mas nesse momento fui informado pela pessoa mais 'competente de que factos graves de alteração da ordem pública se estavam já produzindo.

Não dei número por êsse motivo.

Era esta a explicação que devia dar à Câmara, porque não está nos meus hábitos contribuir para faltas de número.

Foi pelo motivo que apontei que entendi não dever prosseguir nas minhas considerações.

Tenho dito.

O orador, não reviu.

O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente: não consigo que o Sr. Ministro da Agricultura esteja à hora regimental a assistir à sessão, para insistir novamente com S. Exa., a fim de só procurar modificar êste estado de cousas.

Já me têm dito algumas pessoas que é melhor calar-me, porque a carestia da vida aumenta constantemente.

Quere isto dizer que as medidas de S. Exa. não produzem o efeito que era para desejar e que o que eu tenho estado a solicitar e a pedir, com tanta tenacidade, no anseio de modificar êste estado de cousas, tem sido inútil, tem sido pregar no deserto.

Mas não desanimo.

Alguma cousa de útil surgirá com a minha insistência.

Como está presente o Sr. Ministro das Colónias, aproveito a ocasião para tratar novamente da situação das nossas colónias, assunto em que insistirei até o ver resolvido.

Na Associação Comercial do Pôrto tomei o compromisso de que se resolveria dentro de um mês a situação do comércio exportador de Angola, na questão das transferências das nossas colónias ultramarinas para a metrópole.

Êsse compromisso foi por mim tomado, porque o Sr. Presidente do Ministério, Ministro das Colónias e o Sr. Alto Comissário Norton de Matos, me garantiram que durante todo o mós de Abril do ano corrente essa questão era resolvida.

Sr. Presidente: é preciso que o Sr. Presidente do Ministério e o Sr. Ministro das Colónias saibam que tenho apenas uma riqueza, de que se preza todo o homem sério: é ser honrado.

Vão já passados os meses de Abril e Maio e está quási em meio o mês de Junho, e esta questão não foi ainda resolvida por S. Exas, o que é grave, e eu não consentirei que esta situação continue sem protestar energicamente.

O Sr. Ministro das Colónias disse aqui, há poucos dias, que ia estudar o assunto; mas, até agora, ainda nenhuma providência foi tomada, apesar de terem decorrido já oito dias.

O meu nome Sr. Ministro das Colónias, e as minhas aspirações são modestas; mas não o quero ver enxovalhado, porque posso, como V. Exa. o poderá fazer, deixar de cumprir o que prometi.

Pelo menos hei-de dizer quem são os responsáveis desta situação.

Torna-se necessário que V. Exa. traga à Câmara, com a máxima urgência, quaisquer medidas que solucionem êste problema.

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O Banco Ultramarino está extorquindo ao comércio exportador 23 por cento para fazer transferências, com o pretexto da desvalorização da sua própria nota.

Apesar disto, apenas efectua pequenas transferências, porque as grandes ou leva 40 e 50 por cento ou não as faz.

Sr. Presidente: esta situação vem-se arrastando há alguns meses e os Srs. Ministros das Colónias e Finanças ainda não tomaram nenhuma providência enérgica contra o Banco emissor, que impõe o seu querer, fazendo uma escandalosa extorsão ao comércio das colónias.

É preciso que a Câmara se interêsse por esta questão.

A minha voz humilde há-de levantar-se sempre, protestando contra o crime que se está praticando, porque é a voz de um homem que não se vende por preço nenhum e que não se intimida nem se arreceia dos Bancos ou monopólios que não cumprem os seus deveres expressos nos seus contratos.

Eu desejo que o Sr. Ministro das Colónias trate com urgência dêste assunto e que traga à Câmara medidas que metam na ordem êsse Banco, que está roubando o nosso país.

Temos também a considerar que nesse Banco estão só indivíduos retintamente monárquicos, que querem a subversão da República, embora, com ela, possa perder-se a Pátria.

Não lho consentirei sem o meu mais enérgico protesto.

Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Colónias não está ligando importância às minhas palavras, talvez porque está a tratar com o Sr. Paiva Gomes de outros assuntos mais importantes do que êste.

O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins) (interrompendo): — Tenho estado a ouvir.

O Orador: — Mas não com atenção, e neste assunto estão comprometidos os nossos nomes, o destino da Pátria e o das nossas colónias.

Eu de forma nenhuma posso consentir que V. Exa. esteja sem atenção ao que eu digo sôbre êste assunto, que a Portugal muito interessa, e, portanto, a todos nós deve interessar.

O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins) (interrompendo): — Mas eu já afirmei que ouvi tudo quanto V. Exa. disse, e tanto que não peço para repetir.

O Orador: — E V. Exa. está disposto a pôr cobro ao que se está passando nas colónias e a trazer ao Parlamento a solução dêste problema?

O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins) (em àparte): — Eu depois respondo a V. Exa.

O Orador: — Aguardo as explicações de V. Exa., que ouvirei com toda a atenção» Tenho dito.

O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins): — Eu já tive ocasião de dizer ao Sr. Tavares de Carvalho que êsse assunto das transferências não pode ser inteiramente resolvido pelo Ministério das Colónias. É um assunto que implica com uma situação especial criada em Angola, e que deriva do contrato feito em 1921, entre o Sr. Norton de Matos e o Banco Ultramarino, em virtude do qual há uma há uma diferença entre o escudo da metrópole e o de Angola.

O Sr. Tavares de Carvalho (interrompendo): — Mas não pode haver diferença alguma.

Em Portugal e seus domínios deve haver uma só moeda.

Um só escudo.

O Orador: — Isso diz V. Exa.

O Sr. Tavares de Carvalho (interrompendo): — Digo-o eu e di-lo o País, que não pode consentir que circulem escudos com um valor na metrópole e outro nas colónias.

O Orador: — O País não pode consentir, mas conservou-se impassível durante os três anos que têm decorrido desde 1921.

O Sr. Tavares de Carvalho (interrompendo): — Mas modificou a sua atitude desde que o Banco Ultramarino se atreveu a extorquir ao comércio exportador 23 por cento para realizar transferências.

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6 Diário da Câmara dos Deputados

O Orador: — Sr. Presidente: a despeito de todos os protestos, nós somos impotentes diante de um facto económico que é irremediável.

É isto o que tenho a dizer.

O Sr. Tavares de Carvalho: - V. Exa. dá-me licença?

Somos, impotentes, Sr. Ministro das Colónias?

Não tem V. Exa. um projecto de lei, cujas bases, com algumas modificações, resolyam o problema? Assim o afirmou S. Exa. ao Alto Comissário, com o qual V. Exa. se conformou, na minha presença.

Por que o não trás a esta Câmara?

Ainda é preciso esperar o regresso dêste funcionário, que agora é Embaixador de Portugal em Londres e nada quere ter já com o que se passa em Angola, para se resolver uma situação quási desesperada?

V. Exa. ignora que há inúmeras famílias que vivem nas maiores dificuldades, por não receberem as suas pensões?

Não sabe que muitos pais mandam as suas jóias, por pessoas que vêem das colónias, para aqui serem vendidas, para educarem e sustentarem seus filhos?

Não tem conhecimento' das dificuldades de tantos fabricantes, fornecedores das colónias, que terão de fechar as suas fábricas por não poderem continuar a fabricar produtos que só ali encontram mercado?

E os operários que vão ficar sem trabalho?

E os comerciantes sem poderem saldar os seus compromissos?

O Orador: — Até aqui todos supunham que a questão podia ser resolvida por uma entidade que agora vai desaparecer, pelo menos da vida administrativa, da província, de Angola. É o Alto Comissário Sr. Norton de Matos.

O Sr. Carlos Pereira: — Desaparece o indivíduo, mas não desaparece a entidade.

O Orador: — Todos supunham que o Alto Comissário de Angola, Sr. Norton de Matos, é que tinha de resolver êste assunto.

Todos sabem que a lei constitucional n.° 1:005 deu ao Alto Comissário uns poderes especiais, que não tinha o Governador de Angola.

A sombra dêsses poderes foi celebrado um contrato com o Banco Ultramarino.

Estava-se à espera que viesse o Sr. Norton de Matos, para o Sr. Ministro das Finanças apresentar uma proposta de lei que tinha de ser estudada por S. Exa.

Essa proposta de lei, que estava sendo estudada, tinha umas dificuldades de execução, que não desejávamos resolver sem estar presente o Alto Comissário de Angola. Estávamos, portanto, à espera que S. Exa. viesse para se resolver definitivamente o assunto.

Para a proposta de lei que devia ser apresentada já estava escolhido o relator.

O Sr. Velhinho Correia, nosso estudioso correligionário, com grandes faculdades de trabalho, estava pronto a relatar o parecer. S. Exa. estava convencido de que havia dificuldades de execução que não podiam ser resolvidas sem que previamente fôsse ouvido o Alto Comissário de Angola.

Era necessário que o Sr. Norton de Matos viesse a Lisboa, para o assunto se resolver definitivamente com a apresentação da proposta de lei.

O Sr. Tavares de Carvalho: — Não havendo Alto Comissário, porque não resolve o Sr. Ministro das Colónias êste assunto?

Segundo me; informou o general Sr. Norton de Matos, as bases do projecto de lei que entregou a V. Exa. solucionam a situação por completo, e, sendo êste o remédio, a Câmara não deixará de lhe dar o seu voto, pois a todos interessa a resolução de tam importante problema.

Mas, se essas bases não podem ter execução, não pode V. Exa. estudar já outras ou nomear uma comissão que as estude com a urgência que o caso requere?

O Orador: — O assunto é muito complicado e por isso não pode ser resolvido com a simplicidade que V. Exa. imagina.

O Sr. Tavares de Carvalho (interrompendo).— Mas eu não pretendo que se-

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resolva com simplicidade. Desejo que se resolva com urgência, porque a situação é perigosa e grave.

O Orador: — Angola tem estado até agora sob um regime especial.

O Ministro apenas tinha uma levíssima interferência na administração da colónia.

Quere dizer, não tinha quási nenhuma interferência.

Portanto, a vida administrativa de Angola estava entregue a quem de direito. Era o Alto Comissário que tinha as faculdades de Poder Executivo. Por conseguinte, como V. Exa. compreende, não segui com a devida atenção, durante algum tempo, êste assunto, visto existir o Sr. Alto Comissário de Angola que tinha de tomar conta dele.

Agora vou estudá-lo e virei apresentar uma proposta de lei que deverá remediar, tanto quanto possível, a angustiosa situação em que se encontra Angola.

O Sr. Tavares de Carvalho: — V. Exa. não pode marcar um prazo para, durante êsse tempo, resolver êsse assunto?

Apesar de ser muito complicado, como V. Exa. diz e eu quero acreditar, não julgo que elo não possa ser resolvido em poucos dias. Tanto V. Exa., como o Sr. Alto Comissário e como a Associação Comercial do Pôrto têm pontos de absoluta concordância para a resolução dêste problema. São apenas pequenos detalhes de execução que é preciso estudar o concertar. Não me parece, portanto, que sejam precisos ainda outros dois meses para trazer à Câmara as medidas que resolvam êste estado de cousas, a fim de se pôr cobro também a boatos, que a demora de resolução até certo ponto possa justificar,

O Orador: — Até aqui não era eu que devia estudar êste assunto, devendo apenas acompanhar os estudos que se fizessem. Agora passo a fazer tudo emquanto não houver Alio Comissário.

Todos estavam convencidos de que o Sr. Norton de Matos voltaria para Angola. Temos, por isso, de enfrentar a situação tal como se apresenta.

O orador não reviu.

O Sr. João Camoesas: — Peço a V. Exa. que ponha em discussão o parecer relativo às conclusões votadas pelas Misericórdias do país, que se encontram numa situação angustiosa. Já vão decorridos quási dois meses sôbre a realização do Congresso das Misericórdias e ainda não se modificou a situação económica, antes se tem agravado dia a dia.

Nesta ordem de ideas peço a V. Exa. para tomar todas as providências necessárias ao cumprimento da deliberação da Câmara, de maneira que, o mais ràpidamente possível, o parecer mandado para a Mesa seja pôsto em discussão.

Espero que V. Exa. tome em consideração o meu pedido.

Desejo também ocupar-me de outro assunto.

Há mais de um mês apresentei um projecto de lei contendo várias disposições acerca da imprensa diária.

É preciso que o Parlamento mostre que não se subordina a qualquer coacção no sentido de se evitar a discussão daquele projecto.

Desejo tratar dêste assunto com a maior brevidade e parece-me que a Câmara só se prestigiará votando o projecto que eu tive a honra de apresentar.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — A ordem do dia está tomada inteiramente por vários assuntos, entre êles o negócio urgente sôbre o decreto dos juros da dívida externa.

Direi a V. Exa. que logo que puder ser serão postas em discussão as emendas a que V. Exa. se referiu.

O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: tive ocasião na última sessão de prevenir o Sr. Ministro das Colónias de que me desejo ocupar do empréstimo, negociado em Londres pelo Sr. Norton de Matos, com a Companhia dos Diamantes.

As condições dêsse empréstimo constam de um telegrama publicado em vários jornais. Pela sua leitura parece que se trata de uma excelente operação para a província de Angola. Parece, mas não é verdade. Há nesta questão do empréstimo com a Companhia dos Diamantes um mistério bem fácil, aliás, de decifrar. E que de tantas cousas más que o Sr.

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Norton de Matos fez, algumas se converteram em boas.

Vejamos: o Sr. Norton de Matos, em certa altura, recebeu da Companhia dos Diamantes 400:000 libras, números redondos, e esta como tem a sua sede na Bélgica pôs à opção do Sr. Norton de Matos a escritura do empréstimo em libras ou em francos belgas à paridade do dia. Ora se o Sr. Norton de Matos fôsse um administrador prudente optaria, naturalmente, pela moeda mais estável e quereria que o empréstimo, se escriturasse em libras. Optou, porém, por francos belgas. Foi uma especulação feliz. Com outros empréstimos, Angola recebeu da Companhia 500:000 libras.

A Companhia dos Diamantes, ao serem pedidas pelo Sr. Norton dê Matos mais 500:000 libras, disse-lhe o seguinte:

«Não temos interêsse nenhum em dar à província de Angola essa 500:000 libras, porque, segundo o contrato, até 1935 a Companhia está obrigada a emprestar anualmente a Angola uma quantia equivalente a 50 por cento da comparticipação da província nos nossos lucros. Podemos resgatar essa obrigação fazendo um empréstimo de 1:000.000 de libras, do qual haverá a deduzir a totalidade dos empréstimos já feitos. Mas, como o franco belga se desvalorizou, precisamos que a província transforme em libras o empréstimo que o Sr. Norton de Matos quis que se fixasse em francos belgas. Nestas condições já temos interêsse em aceder às solicitações do Sr. Norton de Matos».

Devia ter sido esta a exposição da Companhia.

E o Sr. Norton de Matos acedeu.

A quebra do franco belga, baixou o empréstimo de 400:000 libras, para um valor que orça, hoje por 285:000 libras.

Assim, o Sr. Norton de Matos, para obter agora um empréstimo de 500:000 libras, paga à Companhia um prémio de 115:000 libras.

Excelente negócio, na verdade mas para a Companhia.

O juro a pagar pelo empréstimo das 400:000 libras, é igual à taxa do desconto do Banco Belga, acrescida de 1 por cento.

Sendo essa taxa de 1/2 por cento, temos que êsse juro é de 6 1/2 por cento.

Tomando como efectiva aquela taxa, somos levados à conclusão de que o Sr. Norton de Matos até aumentou o juro da outra parte da dívida que tinha contraído anteriormente.

Mas há mais.

Vê-se que a amortização começa em 1930.

Ora a amortização da dívida anterior começa em 1935 e muito bem porque não é em cinco ou seis anos que Angola se encontrará em condições de pagar os largos encargos contraídos.

Muito tem já a pagar.

Tem, por exemplo, a pagar o encargo de parte do crédito dos 3 milhões de libras, que utilizou.

A propósito vou dar uma novidade à Câmara.

Da última vez que pedi informações a respeito da maneira como Angola estava cumprindo as suas obrigações, tive o desgosto de verificar que Angola não pagara a última prestação.

Mais uma vez o Sr. Norton de Matos mostrou, por despedida, a sua comezinha administração, - é o caso de — quem vier atrás de mim que feche a porta!

O Sr. Ferreira da Rocha: — Se ainda houver porta!

O Orador: — Seria curioso saber porque razão o Sr. Norton de Matos, na altura em que porventura, já teria insinuado aos» seus amigos a conveniência de o colocarem em Londres, tanto interêsse teve em contrair um empréstimo mau, fechando assim, com chave que não podemos chamar de ouro, a sua gerência.

Porque é que S. Exa. quere abandonar Angola?

Porque bem sabe o que lá tem feito.

Mas imaginem o que será a situação de um embaixador em Londres, começando a receber reclamações dos empreiteiros que não estão pagos em dia, como sucede aos dos portos, começando à ser assediado pelos frutos da sua própria obra.

Calculem V. Exas., repito, qual será a situação do embaixador de Portugal em Londres, ao receber as reclamações dos seus credores de Angola.

É uma situação deprimente e vexatória.

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mas o Sr. Norton de Matos não tem escrúpulos de nela se ver.

Pediram-lhe para aumentar os juros, cedeu.

Pediram-lhe para deminuir o prazo em que devia começar a amortização do crédito, cedeu.

S. Exa. cederia tudo, até a própria província, desde que pudesse dizer depois que tinham sido os estúpidos dos seus sucessores os responsáveis de todos os desastres, o que tinham sido os homens da metrópole, os causadores da morte do crédito da província.

Quem conhece o Sr. Norton de Matos, sabe que devem ser estas, aproximadamente, as suas palavras.

Mas os homens da metrópole que, porventura, não estejam dispostos a suicidar-se — e um deles é, certamente, o Sr. Ministro das Colónias responderão ao Sr. Norton de Matos repudiando inteiramente as condições dêste empréstimo, em nome dos interêsses nacionais, uma vez que ele não serve Angola, nem a metrópole.

Espero ouvir a resposta do Sr. Ministro das Colónias a' êste respeito.

Esta resposta é-lhe exigida não só por mim, mas também e principalmente pelo Alto Comissário de Angola, que para o seu empréstimo pede o beneplácito da metrópole.

Com certeza que, tendo S. Exa. lido as condições dêsse empréstimo é sabendo em que consistiam as preguntas que eu desejava formular-lhe, o Sr. Ministro das Colónias já deve ter sôbre o assunto uma opinião reflectida e assente.

Eu, por mim, quero apenas afirmar mais uma cousa,

O Sr. Norton de Matos, deixou uma obra tam criminosa em Angola que dificilmente poderá ser ràpidamente enfrentada por qualquer pessoa que tenha $01 de miolos.

Eu já disse algures que a administração do Sr. Norton de Matos tinha de acabar por uma comissão liquidatária.

Regularizar a situação de Angola, indo até meter na cadeia algumas pessoas que estão fora dela, seria uma obra que alienaria por tal forma as simpatias da colónia, que eu não sei se haveria alguém capaz de lhe meter ombros.

Isto vem a propósito para eu dizer que

não pertenço ao número das pessoas corajosas, e que por isso, não eram precisas as afirmativas feitas em certas reuniões em que a pretendida nomeação do meu nome foi apontada como uma afronta, para que eu não aceitasse tal cargo.

Pessoas corajosas há-as em demasia no Partido Democrático.

O recrutamento para êsse e para outros cargos tam disputados, pode muito bem fazer-se adentro dêsse Partido.

Feitas estas declarações, com a afirmação terminante de que não sou concorrente a nenhum dos altos cargos públicos do meu país, eu termino preguntando ao Sr. Ministro das Colónias se está disposto a dar a sua aprovação ao empréstimo realizado em Londres pelo Alto Comissário do Angola, Sr. Norton de Matos.

Tenho dito.

O orado não reviu.

O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins): — Sr. Presidente: em breves, mas concisas o terminantes palavras, vou responder às preguntas que acaba do me fazer o Sr. Cunha Leal.

Assim, Sr. Presidente, cumprindo o meu dever, que é o de responder pelos assuntos que correm pela minha pasta, eu devo dizer a V. Exa. que não só li com a máxima atenção o telegrama a que o Sr. Cunha Leal se referiu, como li igualmente o decreto do Alto Comissário, de 11 de Maio de 1921, o contrato negociado pelo Alto Comissário de Angola, de 18 de Maio de 1921, e bem assim os artigos 2.º e 3.º da base 8.ª do contrato.

Informado convenientemente sôbre é assunto, fiz expedir ao encarregado do Govêrno da província de Angola um telegrama recomendando-lhe que suspendesse a apreciação pelo conselho executivo das condições do empréstimo até que novas instruções lhe fossem transmitidas.

Creio, Sr. Presidente, que com a expedição desse telegrama respondi antecipadamente às observações feitas pelo ilustre Deputado Sr. Cunha Leal.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: ouvi com a máxima atenção as considerações feitas pelo Sr. Deputado interpelante, e se bem que possa estar

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em parte de acordo com S. Exa., concordo de maneira nenhuma com a resolução que se pretende dar ao assunto, sem novos esclarecimentos.

A verdade é que pode muito bem ser que o Alto Comissário, fazendo realmente as contas aos valores actuais, não se tenha enganado, e assim o seu trabalho seja muito para considerar, pois ninguém nos poderá dizer que a Bélgica, que é a maior credora da Alemanha, não possa amanha regularizar o curso da sua moeda, valorizando-a consideràvelmente.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: pedi a palavra para agradecer ao Sr. Ministro das Colónias o favor da sua pronta resposta, estando certo de que não só o Sr. Ministro das Colónias, como o Sr. Ministro das Finanças, com o seu alto critério e a sua honradez, hão-de resolver o assunto de forma a que eu não me tenha de enganar sôbre a apreciação que faça de S. Exas.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso): — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de lei abrindo um crédito de 1:000.000$ para a compra de material destinado às diferentes corporações de polícia de País.

Tenho dito.

O Sr. Morais Carvalho: - Sr. Presidente: pedi a palavra para, no pouco tempo que V. Exa. me diz que falta para se entrar na ordem do dia, chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças para a triste situação em que se encontram ainda os reformados da guarda fiscal.

Até hoje não se tem dado cumprimento a lei n.° 1:423, publicada em 14 de Maio do ano passado, a qual estabeleceu as condições em que ficam as praças da guarda fiscal quando julgadas incapazes para o serviço. No entanto, até hoje, repito, não se lhe tem dado cumprimento, em virtude do que aqueles servidores do Estado se encontram numa situação verdadeiramente desgraçada.

Para o assunto, pois, chamo a atenção do Sr. Ministro das Finanças.

Aproveito a ocasião de estar com a palavra, e o pouco tempo que ainda me resta, para chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças para a situação igualmente lastimável em que se encontram as pensionistas do Estado.

O aumento das pensões decretado foi concedido apenas a partir de 1 de Julho de 1923, quando o pensamento e a letra da lei n.° 1:452 foi que o benefício começasse a aproveitar desde 1 de Janeiro.

Sucede até que ultimamente o Govêrno assim o reconheceu expressamente para os oficiais do exército e da armada, conforme se vê do decreto n.° 9:681, e mais especificadamente do seu artigo 1.°, onde chega a dizer-se que as percentagens respectivas serão aplicadas desde o primeiro dia do ano, «como se procedeu nos casos semelhantes para com todas as outras classes».

Tal é o pensamento do Govêrno, que lhe cumpre executar também em relação às pensionistas.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — .Não posso informar já! V. Exa., mas irei providenciar como fôr de justiça.

Foi a acta aprovada.

O Sr. Presidente: — Está sôbre a Mesa um ofício do 2.° Juízo de Investigação Criminal, pedindo autorização para deporem no processo do Sr. Velhinho Correia vários Srs. Deputados.

O Sr. Pedro Pita (sobre o modo de votar): — Eu não posso faltar aos trabalhos da Câmara e, portanto, não vou, mesmo porque nada tenho a dizer.

Não votei a moção que foi aprovada pela maioria.

Não vou depor, pois não me presto a satisfazer caprichos seja de quem fôr.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal: — Faço minhas as palavras e declarações do Sr. Pedro Pita.

O Sr. Velhinho Correia: — É o delegado do Ministério Publico que subscreve o ofício que se encontra na Mesa.

Á Câmara, que votou uma moção relegando-me para os tribunais, não pode rejeitar essa autorização.

Diversos àpartes.

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O S r. Hermano de Medeiros: — Requeiro que V. Exa. ponha à votação, um por um, o nome de cada Deputado que é chamado a depor.

Foi aprovado,

A Câmara rejeitou a autorização para o Sr. Cunha Leal.

O Sr. Velhinho Correia: — Requeiro a contraprova.

Procedente à contraprova e foi aprovado.

Foram autorizados a depor todos os Deputados.

A autorização do Sr. Pedro Pita foi aprovada em contraprova requerida pelo, próprio.

ORDEM DO DIA

Leu-se a moção do Sr. Velhinho Correia, e foi admitida.

É a seguinte:

«A Câmara, reconhecendo que o critério seguido da fixação do cambio para os juros dos títulos abrangidos pelas disposições do decreto n.° 9:761 se deve estender a todos êsses títulos, sem qualquer distinção entre os seus portadores ou possuidores, sejam êsses nacionais ou estrangeiros, passa à ordem do dia».— O Deputado, F, O. Velhinho Correia.

O Sr. Artur Brandão: — Requeiro a contraprova.

Procedeu-se à contraprova e foi novamente admitida.

O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: tendo pedido a palavra sôbre a ordem, mando para a Mesa a minha moção:

«A Câmara, considerando que o decreto n.° 9:761, declarando a bancarrota do Estado em relação mesmo a dividas com garantias especiais, acaba por completo com o crédito do Estado, passa à ordem do dia».

Sr. Presidente: tendo assumido o Poder com a declaração solene do que o seu Govêrno tinha como principal objectivo a defesa intransigente da Constituição e que a sua política financeira visa-

ria, acima de tudo, a obter a melhoria cambial, o Sr. Dr. Álvaro de Castro, com os seus vários decretos contendo disposições que insofismavelmente ultrapassam os limites marcados pelas autorizações, aliás inconstitucionais também, que lhe foram outorgadas, outra cousa não tem feito senão esfarrapar a Constituição è destruir implacavelmente o pouco que restava do crédito do Estado.

Portadores dos títulos do chamado empréstimo «rácico», que deram o seu dinheiro sugestionados por uma campanha pertinaz e calorosa que a tal os convidava em nome dos supremos interêsses da República, da Pátria e até °da raça, portadores das obrigações dos empréstimos externos de 1891 e 1896, a dois anos da sua renovação; portadores de dívida externa de 3 por cento com garantia especial no rendimento das Alfândegas, que não está esgotado, antes chega e sobeja para o encargo respectivo — todos, sem excepção, são atingidos pela brutalidade das medidas promulgadas, que fazem do crédito do Estado um motivo de escàrneo, e dos compromissos solenemente, e até recentemente assumidos, tábua rasa, como se os respectivos títulos não fossem senão meros chiffons de papier. E tudo isto praticado em circunstâncias a poder permitir uma jogatina desenfreada. (Apoiados). Jogatina cujos resultados são para os credores a destruição dos seus interêsses legítimos, e para o Estado a baixa do valor dos seus títulos, que o mesmo é que a deminuíção do seu crédito, sem ao menos, a apregoada vantagem, como adiante mostrarei, duma redução, por pequena que fôsse, nos encargos da dívida pública.

Tudo isto no meio duma jogatina desenfreada, repito, em que só os especulai dores conseguem encher os seus cofres, merco de manobras que só foram possíveis por inconfidências criminosas, a que, quero crer, é inteiramente estranho o Sr. Presidente do Ministério. Fatais conseqüências estas, e Deus permita que ainda outras mais graves nos não aguardem, duma política financeira desastrada, duma administração de esbanjamentos loucos (Apoiados), que fatalmente nos havia de trazer, de agravamento em agravamento, à bancarrota do Estado, declarada agora em 1924, em

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condições que não tem precedentes na história financeira de Portugal, nem, creio eu, na de quaisquer outros países, como adiante também o demonstrarei. (Apoiados}.

O Presidente do Ministério e Ministro das Finanças investiu primeiro com o empréstimo «rácico» de 1923, o assim, a seis meses do lançamento dêsse empréstimo, rasgou por completo o compromisso assumido pelo Estado para com a pequena economia do país. Investiu depois S. Exa. com as obrigações dos Tabacos. Quere dizer, depois de ter destruído o crédito interno do Estado, foi dar cabo do crédito externo.

Mas, não contente com isso, o Sr. Presidente do Ministério nem sequer parou aqui e fui à dívida externa de 3 por cento, com garantia especial no rendimento das alfândegas, e reduz os respectivos juros, quando êsse rendimento chega de sobejo para os encargos que caucionava.

As conseqüências desta ruinosa política financeira seguida pelo Sr. Presidente do Ministério são já bem conhecidas, e num jornal financeiro francês Cote Dezfossés, que tenho presente, do 30 de Maio dêste ano, vejo uma referência às dificuldades que o Govêrno Português encontra em Londres para negociar o empréstimo para Moçambique.

Diz êsse jornal:

«O Senado Português votou o projecto de empréstimo de Moçambique, de modo que em Londres se torna a falar da emissão dêsse empréstimo naquela praça; mas o resultado continua aliatório, por causa do decreto abolindo a convertibilidade dos esterlinos portugueses em esterlino inglês».

Quere dizer que o decreto anterior, mandando que os juros das obrigações dos tabacos foram pagos exclusivamente em francos, e não também em libras, como os títulos eram expressos, teve já, e era natural que tivesse, a sua nociva repercussão na Bolsa do Londres.

Ora seria talvez por causa dessas dificuldades encontradas pelo Sr. Presidente do Ministério, que o recente decreto, objecto da presente interpelação generalizada, modifica aquele outro referente aos juros das obrigações dos tabacos, de modo a exceptuar do pagamento em francos os cidadãos ingleses.

Apoiados.

Sr. Presidente: o Sr. Ferreira da Rocha, que abriu esta discussão, referiu-se, entre outras cousas, à inconstitucionalidade do recente decreto.

Ora parece-me que, em faço da indiferença do Parlamento perante os abusos que o Govêrno diariamente pratica à sombra da autorização, aliás inconstitucional, que aquele lhe concedeu, não vale a pena cansar-me em demonstrar, quer a flagrante inconstitucionalidade de um decreto que altera as condições de juros e amortizações fixadas pelo Poder Legislativo, único para tal competente, quer a manifesta exorbitância dos poderes daquela autorização, na aplicação que o Govêrno lhe deu.

Pois não é o Sr. Presidente do Ministério o mesmo que, com desrespeito absoluto pelo Parlamento, não teve dúvida em fazer assinar pelo Chefe do Estado um decreto concedendo regalias aos funcionários encarregados de inspecção do câmbios, declarando que essas regalias iriam influir na melhoria cambiai;

O caso é estranho; chega a parecer inacreditável que o Sr. Presidente do Ministério e os seus colegas no Govêrno tenham colocado o Chefe do Estado nesta delicada situação de pôr o seu nome debaixo de um decreto em que se faz tal afirmação!

Parece isto fantasia, mas não é; o decreto saiu no Diário do Govêrno, de 2 do corrente, invocando-se nele, para estabelecer aquelas regalias, a lei n.° 1:545, que exclusivamente dá ao Govêrno o direito de regulamentar o comércio de cambiais e promulgar medidas atinentes a influir directamente na melhoria cambial.

Não hesitaram os membros do Govêrno em assinar o fazer assinar pelo Sr. Presidente da República um decreto, o decreto n.° 9:755, de 2 do corrente, em que, invocando-se exclusivamente aquela lei n.° 1:545, se tornam extensivas aos funcionários da inspecção de câmbios as regalias que o decreto n.° 5:524, de 8 de Maio de 1919, concede aos funcionários da Direcção Geral das Contribuições e Impostos, nos seus artigos 36.° e 63.°, n.ºs 1.°, 2.°, 3.°, 4.°, 5.° e 9.°

Vejamos quais são essas regalias: são dispensados da licença de porte de armas,

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são isentos do cargo de jurados, podem prender em flagrante delito, os seus vencimentos só podem ser penhorados até a quinta parte em execução de alimentos, têm ingresso e tratamento nos hospitais do Estado em condições especiais, e gozam nas linhas férreas do Estado e outras de 50 por cento de abatimento, chegando alguns a ter passe gratuito.

É nisto que se entretém o Sr. Presidente do Ministério e os demais colegas seus no Govêrno e com que pretendem melhorar, dizem, a divisa cambial!

E êste o respeito que o Govêrno tem pelo Parlamento, e a consideração que lhe merece o Chefe do Estado, obrigando o a pôr a sua assinatura em um documento como êste, presenteando com regalias especiais determinados funcionários, sob a indevida e impudica invocação de uma lei, que só o autorizava a decretar providências tendentes a melhorar o câmbio!

Até onde desceu o prestígio do Poder e até onde chegou a falta de decoro!

Antes ainda de apreciar as características, do decreto deminuindo os juros da dívida externa, seja-me permitido, Sr. Presidente, expor as condições extraordinárias em que êste decreto foi publicado, depois das declarações feitas pelo Sr. Presidente do Ministério e pelo director da Fazenda Pública, de que o Govêrno não pensava em alterar o montante legal dêsses juros.

Lembro-me que, quando o Sr. Presidente do Ministério veio a esta Câmara trazer o resultado das diligências para os, ainda hoje, misteriosos créditos, pretensamente obtidos em Londres pelo Sr. Alberto Xavier, S. Exa. terminou as suas considerações por dizer expontâneamente, que desmentia a atoarda que tinha corrido de qualquer violência a respeito da dívida externa.

O Sr. Presidente do Ministério, com a responsabilidade do seu alto cargo, e a consideração que deve ter pelo Parlamento, não teve duvidas em vir dizer, alto e bom som, que não pensava, nem nunca pensará, em alterar os juros da dívida externa.

No emtanto, no relatório do famigerado decreto 9:761, ora em discussão, começa-se por declarar que a providência tomada de há muito tinha sido pensada, e

se integrava no plano financeiro do Govêrno.

Quando S. Exa. fez aqui a declaração expontânea de que não pensava em alterar os juros da dívida externa, já estava preparando o contrário do que afirmava, já mandara a Londres negociar a redução dos juros, já tinha em mente publicar o decreto que publicou em 3 de Junho, em suplemento ao Diário do Govêrno, e portanto, à pressa, não fôsse o Govêrno cair pelo incidente da aviação, em que tam fundamente ferida foi a disciplina no exército.

No relatório dêsse decreto diz, com efeito, o Govêrno:

«O Govêrno havia concebido, em matéria de encargos da dívida pública, um plano de conjunto que tem vindo executando gradualmente com a devida oportunidade e a necessária prudência, evitando desta maneira os riscos que acompanham os actos precipitados e acautelando as possíveis dificuldades de execução».

E, mais adiante, mais explicitamente ainda:

«Considerando que o Govêrno, desde que concebeu o seu plano, procurou logo, pelos meios ao seu alcance, certificar-se das possibilidades de aplicar à dívida portuguesa, cujos encargos são liquidáveis em moeda estrangeira, o sistema de carimbagem dos títulos na posse de indivíduos e entidades estrangeiras, a fim de só a êstes ser mantido o pagamento nessa moeda».

Veja a Câmara como neste relatório se contém a confissão expressa, declarada, aberta, e insofismável do que o Govêrno pensava, em relação à dívida externa, desde que subiu ao Poder e concebeu o seu plano de conjunto, no qual se conteve sempre a providência que estamos discutindo e que tanta indignação tem suscitado!

E, no emtanto, o Sr. Presidente do Ministério não teve pejo em vir dizer ao Parlamento, espontaneamente, que tinha muito prazer em desfazer as atoardas que corriam lá fora sôbre as intenções da Govêrno de reduzir por qualquer formo os juros da dívida externa.

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Eu não invejo a situação em que a si próprio se colocou o Sr. Presidente do Ministério, vindo dar agora um desmentido formal às declarações expressas que fizera, a todo o País, desta casa do Parlamento.

As condições em que o decreto foi publicado, as inconfidências possíveis, de que se vem falando geralmente e de que os jornais se têm feito eco acerca, do dia da publicação desta notícia, de modo a permitir que, quem estivesse no segredo do negócio pudesse antecipadamente vender a prazo títulos da dívida externa que não possuía para os adquirir na baixa, realizando assim lucros extraordinários, tudo isto reclamaria que um inquérito rigoroso se fizesse, se todos nós já não estivéssemos desenganados infelizmente quanto aos resultados dos inquéritos feitos pela República.

Sr. Presidente: a medida tomada pelo Govêrno de reduzir os juros da dívida externa, de modo a decretar a bancarrota do Estado, mesmo em relação a títulos nas condições dêsses, isto é, com garantias especiais, disse-o há pouco e repito-o, considero-a um facto sem precedentes, quer na história financeira de Portugal, quer na de outros países.

Tanto nas reduções de juros feitas em 1851 como em 1891 a que tenho ouvido referências, as dívidas atingidas eram meramente quirografárias. Da mesma maneira, os exemplos aduzidos de Espanha e de Itália não justificam de forma alguma o procedimento insólito, violento e desastrado do Govêrno do Sr. Álvaro de Castro, por isso que, também nesses países, as dívidas cujos juros foram reduzidos não gozavam do quaisquer garantias.

Durante a última guerra, o Brasil viu--se igualmente na necessidade de reduzir os seus encargos em ouro. A sua política, bem mais inteligente do que a nossa neste ponto, não o levou a decretar quaisquer deminuíções definitivas nos juros da sua dívida, mas limitou--se a fazer uma moratória, suspendendo durante três anos, se não me engano, o pagamento dos juros, capitalizando-os em novo funding, com o mesmo juro; teve, porém, o cuidado de excluir dessa moratória o funding anterior, porque êle era um papel com garantias especiais.

Sempre assim se tem feito.

E porque é que os Estados têm tido sempre o cuidado de excluir das moratórias ou reduções de juros os títulos com garantias especiais?

Em benefício dos credores?

Não, em beneficio do próprio Estado para, quando se vai o crédito quirografá-rio, ao menos se manter íntegro o crédito caucionado!

Aqui, todo o crédito do Estado foi atingido, sem se olhar a que um país, como uma empresa, não pode viver sem êle.

No decreto espantoso e vergonhoso, publicado em suplemento ao Diário do Govêrno de 10 de Junho, não contente o Estado em decretar a bancarrota em relação a papéis com garantias especiais — facto virgem na história financeira — estabelece-se uma cousa que é vexatória para os nossos brios, qual seja a diferença de tratamento entre os possuidores nacionais e os estrangeiros.

Para os primeiros todas as violências, para os segundos, porque têm atrás de si a fôrça dos seus Govêrnos, uma situação de favor.

Não estranho que a República assim tenha, procedido, porque já vimos, a seguir ao 5 de Outubro, que, ao tomarem-se providências que afrontaram, a consciência religiosa do País, conservaram-se aos padres e congregações estrangeiras direitos e vantagens de que os portugueses não podiam disfrutar. Mais uma vez, com êste vergonhoso decreto, os portugueses são tidos pelo seu Govêrno como párias dentro da sua própria Pátria, a qual, para êles, deixa assim de ser a parte da terra em que os seus interêsses legítimos deviam ser acautelados, ao menos tanto quanto os dos estranhos.

Como se o Sr. Presidente do Ministério entendesse que ainda era pouco reduzir de um têrço aos portadores dos títulos da dívida externa os juros que legitimamente eram seus, já o Sr. Director Geral da Fazenda Pública veio declarar, em entrevista dada aos jornais, que é natural que para o futuro essa diferença seja maior, à medida que o câmbio se fôr agravando.

Temos aqui, Sr. Presidente, a confissão implícita de que o decreto de extorsão ultimamente publicado nem sequer,

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ao menos, traz para o Estado o beneficio, aliás invocado exclusivamente para a sua pretensa justificação, de impedir o agravamento cambial e conseqüente aumento da carestia da vida, sendo de notar que tal confissão, vindo, como vem, do Sr. Director Geral da Fazenda Pública, autor do mesmo decreto, não pode ser taxada de suspeita ou tendenciosa.

Mas, como se tudo isto não bastasse, o Sr. Presidente do Ministério, depois de assim defraudar os interêsses dos portadores nacionais dos títulos, troça com êles, fazendo-lhes a promessa irrisória de que, quando o orçamento se equilibrar e houver sobras, receberão alguma cousa daquilo que daqui até lá tiverem deixado de receber.

É, porventura legítimo que o Govêrno subscreva um decreto em que se inclui uma cláusula assim redigida, que não representa senão troça, que não serve senão para vexar os que são defraudados nos seus legítimos interêsses?

E tem o Sr. Presidente do Ministério a certeza de que, quando o orçamento se equilibrar, o que devora suceder na semana dos nove dias, aqueles que então estejam na posse dos títulos serão os mesmos que hoje sofrem os prejuízos resultantes da extorsão ' e do verdadeiro roubo que representa êste decreto?

Ou vai dar a outros, nessa hipotética e fantástica retribuição, aquilo que agora tira a êstes?

Vejamos, agora, Sr. Presidente, como é que no relatório do decreto e como é que até nesta Câmara, pela boca do Sr. Velhinho Correia, única pessoa que até hoje o defendeu, se procura justificar êste mostrengo.

E que o Govêrno — diz-se - com esta providência vai fazer uma economia importante, vai reduzir em muito os encargos do Orçamento do Estado e, assim, êste sacrifício violento tem qualquer justificação possível, na opinião de S. Exa. nos benefícios que hajam de resultar dessa redução de encargos.

Mas será assim, trará esta medida, de facto, reduções importantes nas despesas do Estado?

Eu suponho que não.

O Sr. director geral da Fazenda Pública, numa entrevista concedida há dois ou três dias, declarou que os encargos da

dívida externa orçariam por £ 1.000:000,, aproximadamente por ano, e que os dados oficiais mostravam que dêsse encargo apenas um têrço se não destinava a cidadãos portugueses, porque os outros dois terços dos títulos se encontravam na posse de portugueses.

Suponhamos que é assim ou, antes, suponhamos que era assim.

Mas, além dos títulos já anteriormente ao decreto na posse do estrangeiro, ficam também sujeitos à carimbagem e, portanto, ficam a gozar do benefício do pagamento em ouro os títulos na posse da Fazenda Nacional, os títulos do fundo de amortização e reserva do Banco de Portugal, os títulos que constituem igualmente o fundo de reserva da Caixa Geral de Depósitos e, por último — e isto é importantíssimo —, todos aqueles que-os portugueses consigam fazer transferir para a poss -de estrangeiros.

Não estão êstes últimos exceptuados no decreto, mas o futuro virá demonstrar a razão que me assiste ao incluí-los no número dos exceptuados.

Bem sei que o Sr. Presidente do Ministério declara no seu decreto que se exigirá aos portadores a demonstração da propriedade dos títulos que apresentarem à carimbagem anteriormente à data da publicação do decreto.

Mas, como os títulos eram ao portador e como era legítimo dono deles quem quer que os tivesse era seu poder, independentemente de qualquer documento, de qualquer prova especial, de qualquer título sequer de aquisição na Bolsa, porque ela pode ter sido feita legitimamente por simples entrega de mão para mão, eu pregunto que outra prova pode razoavelmente o Sr. Presidente de Ministério impor aos portadores dos títulos apresentados à carimbagem além de um afidavit em que sob sua honra declarem que já os possuíam e eram seus à data do decreto.

Sendo assim, e eu não vejo que possa ser de outra forma — o que se praticou durante a guerra em relação aos súbditos inimigos mais me convence — creio que não-serei profeta na minha terra ao dizer que, além dos títulos que, de facto, já só encontravam na posse de estrangeiros à data em que o decreto foi publicado, muitos outros, sobretudo de grandes possuidores,.

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porque os pequenos serão os mais lesados, muitos outros aparecerão por fim em mão de quaisquer estrangeiros, sejam ingleses, franceses, turcos ou lá o que forem, que se prestem a declarar com afidavit que já os tinham em seu poder.

Assim, ao têrço que já se confessou que existia em poder de estrangeiros, temos de acrescentar os títulos em poder da Fazenda Nacional, do Banco de Portugal da Caixa Geral de Depósitos e os que, por fim, aparecerão na mão de estrangeiros, de modo que não será exagerado, antes modesto, calcular que o total dos títulos beneficiados com a carimbagem, isto é, com o pagamento em ouro, se elevará a dois terços.

Desta forma, a vantagem resultante dêste decreto, extraordinariamente espantoso, publicado pelo Sr. Presidente do Ministério, dar-se há apenas em relação a um têrço dos encargos.

Quere dizer: os encargos actuais são de £ 1.000:000, mas, como os títulos que aparecerão a final como não carimbados serão apenas um têrço, com um encargo do cêrca de £ 300:000, e, como, mesmo em relação a êsses, a economia nos juros, não é total, mas apenas também de um têrço, temos que a economia real do decreto é somente de umas £ 100:000, ou sejam 10 por cento do total dos encargos dos juros da dívida externa.

Por conseqüência, bastará que o câmbio em resultado desta desastrada medida que há-de aumentar em proporção extraordinária a fuga dos capitais para o estrangeiro, se agrave em qualquer cousa como 10 por cento, é, que a libra salte de 150$, a que está hoje, para 165$ — e Deus queira que mais alto não suba - para que se encontrem inteiramente anulados os pretensos benefícios resultantes desta inacreditável operação.

E há ainda que entrar em conta que os encargos do Estado em ouro não são, exclusivamente, os provenientes do pagamento dos juros da dívida externa, do empréstimo dos Tabacos e do quaisquer outros empréstimos, mas também os da manutenção das legações e consulados, etc.

Ora também quanto a êsses se vai fazer sentir a diferença resultante do agravamento cambial, que fatalmente resultará de um decreto, como êste, que tam

fundamente vai abalar o que ainda restava de confiança no Estado.

Por êsse agravamento, a soma em escudos que vão custar os juros dos títulos que forem carimbados não será inferior àquela a que montavam até agora os juros da totalidade dos títulos.

E, ainda quando assim não fôsse, a economia que seria, apenas, de umas 100:000 libras anuais, ou pouco mais de 15:000 contos, aliás, inteiramente, anulada por qualquer pequeno agravamento da divisa cambial, não seria cousa que desculpasse que se transformasse num esfregão o crédito do Estado, com a conseqüência inevitável de que, de futuro, nenhum Govêrno conseguirá arranjar, por meio de empréstimo, nem mais um ceitil.

Sr. Presidente: o Sr. Velhinho Correia, procurando defender no último dia esta proposta, declarou que ela visava a evitar um novo aumento da circulação fiduciária.

Eu também me tenho manifestado sempre contrário a uma política inflacionista, mas reconheço que o aumento da circulação fiduciária não é a causa única da nossa desgraçada situação cambial; para o demonstrar à saciedade basta ter presente que a circulação fiduciária actualmente não chega a ser superior em 20 vezes ao que era antes da guerra, ao passe que a desvalorização da moeda já vai além de 30 vezos o seu valor legal.

independentemente de quaisquer outras considerações, isto leva-nos à conclusão de que a circulação fiduciária, se influi grande e extraordinariamente sôbre a divisa cambial, não é causa exclusiva.

Por conseqüência há outros factores que influem desfavoravelmente no câmbio, e entre êsses o mais importante é a desconfiança que foi aumentada de uma maneira espantosa, com o insensato, ruínoso e contraproducente decreto que o Sr. Presidente do Ministério fez publicar;

É tal a influência que a desconfiança ou confiança exercem no valor da moeda, que ainda ultimamente o reconheceu um dos chefes dos radicais franceses, o Sr. Painlevé, que acaba de ser eleito Presidente da Câmara dos Deputados e que está indigitado para Presidente da Repú-

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blica, e que alarmado com a queda do franco, que o receio da efectivação do programa dos seus correligionários, elaborado na oposição, provocara, veio lançar palavras tranqüilizadoras, exclamando ao tomar posse daquela presidência:

«Comme si personne d'entre nous pouvait ignorer que c'est la confiance qui équilibrer lê budget et que la sauvegarde du prédit national est lê premier devoir d'un gouvernement et lê préliminaire indispensable de toute reforme sociale».

Como a Câmara vê, os radicais franceses ligando tanta importância à confiança, que a consideram bastante a equilibrar o Orçamento e declarando como primeiro dever de um Govêrno o salvaguardar o crédito nacional, orientam-se por princípios diametralmente opostos àqueles que o Sr. Presidente do Ministério está seguindo, o é êste mais um motivo que êste lado da Câmara tem para lhe dizer que saia quanto antes, porque a sua permanência nas cadeiras do Poder não serve senão para agravar ainda mais a desgraçada situação em que o país se encontra.

Mas, se o Sr. Presidente do Ministério, o Govêrno e a maioria, entendem que não há outra maneira de equilibrar o Orçamento senão indo aos interêsses legítimos dos credores do Estado, se a República é na realidade incapaz de reduzir por outra forma as' despesas públicas, é que a República e o equilíbrio orçamental são incompatíveis, como incompatíveis são a mesma República e o restabelecimento da confiança.

A conclusão final a tirar é que a conservação do regime político actual se opõe irredutivelmente ao bem da nação e que se faz mester que aquele desapareça para que esta volte a encontrar a prosperidade de outrora.

Tenho dito.

O Sr. Barros Queiroz: — Sr. Presidente: antes de fazer as considerações que me são sugeridas pelo decreto de 3 de Junho, desejava preguntar ao Sr. Ministro das Finanças se pode informar a Câmara de qual o valor nominal dos títulos que constituem hoje o fundo de amortização e reserva do Banco de Portugal,

qual o valor nominal dos títulos na posse da Fazenda e qual o valor nominal dos títulos na posse da Caixa Geral de Depósitos.

Quero dizer, qual o valor dos três lotes de obrigações que o Sr. Ministro das Finanças, no seu decreto, isentou do encargo que lançou sôbre os outros títulos.

Snponho que o Sr. Ministro das Finanças, antes de decretar a providência constante dêsse decreto, teria feito o estudo do resultado que êsse decreto produzia, e terá portanto os elementos necessários para me elucidar e à Câmara, porque as minhas considerações serão a conseqüência dêsses números.

O Sr. Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Não tenho aqui os números e por isso não posso responder agora a V. Exa., mas amanhã já poderei responder categoricamente.

O Orador: — Agradeço a V. Exa. a sua explicação, mas lamento não ter os números precisos, que seriam indispensáveis para as considerações que vou fazer.

Há alguns meses, o Sr. Álvaro de Castro, reduziu o juro do empréstimo de 6 V? por cento, ouro; isso foi feito por uma forma descarada (Apoiados), mas a minha indignação subiu com o decreto que reduz os juros da dívida externa.

Êsse diploma trouxe-me pesar, tristeza, vergonha.

Apoiados.

Os homens que fizeram a propaganda da República, para o restabelecimento dum regime moral de sã política, não podem ver com bons olhos tal procedimento.

A monarquia constitucional faliu pela falta dos compromissos, e a República, ao fim de 14 anos, procede da mesma forma: não paga.

Realmente eu não chego bem a ver se os homens de estado do meu país estudam os problemas sob todos os seus aspectos, se os encaram do modo necessário para antes de produzirem os seus decretos avaliarem todas as suas conseqüências, e êste é dos mais perniciosos, é dos mais inconvenientes que o Govêrno do meu país, dentro da República, tem produzido.

Há na dívida pública, a que o Sr. Al-

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varo de Castro reduziu os juros, certos factos que convém lembrar à Câmara para que ela conheça bem daquilo que se trata.

Esta dívida externa, convertida em 1902 tem uma história.

Aí por 1840, representando essa dívida externa cêrca do treze milhões e meio de libras com o juro de 6 e 7 por cento foi convertida para títulos de 5 por cento.

Prometeu-se pagar aos portadores 2,5 por cento nos quatro primeiros anos, 3 por cento nos quatro anos imediatos, 4 por cento nos outros quatro anos a seguir, 5 por cento a partir de 1852 e depois de 1861, 6 por cento para compensar os portadores dos títulos daquilo que a menos tinham recebido desde 1840 a 1861.

Pois em 1847 parte dêsse juro deixou de ser pago e assim se andou até que em 1852 um Govêrno de que fazia parte o Sr. Fontes Pereira de Melo fez a conversão dêstes títulos, que então já estavam reduzidos a pouco mais de dez milhões de libras em títulos da dívida pública de 3 por cento. O roubo aí foi de 2,5.

Em 1892 o Sr. Dias Ferreira, por um processo absolutamente análogo àquele que adoptou o Sr. Álvaro de Castro, e tam inconveniente como o do Sr. Álvaro de Castro, reduziu provisoriamente os juros dessa dívida a um têrço.

Fizeram-se as negociações necessárias e dez anos depois, em 1902, fez-se o convénio que está ainda em vigor.

Por êsse convénio o capital, que em 1852 tinha ficado com um juro de 3 por cento, manteve-se nesse juro, mas o capital foi reduzido a 50 por cento.

De modo que os títulos que hoje representam 3 por cento da dívida externa já foram prejudicados em 1840 em 1 e 2 por cento, em 1852 em 2 por cento passando de 5 para 3, em 1902 manteve-se o juro de 3, mas diminuiu-se o capital a metade e finalmente o Sr. Álvaro de Castro reduz o juro em um têrço, porque fixando a 101$ cada libra e estando o câmbio a 151 ê e 152$ por libra, há precisamente um têrço de redução nos juros, efectivos.

De modo que os títulos que primitivamente rendiam 100, passaram depois a render 60, depois 30 e agora por deliberação do Sr. Álvaro de Castro, 20.

De maneira que desde 1840 os mesmos capitais rendem hoje a 5.ª parte daquilo que rendiam àquela data.

O Sr. Álvaro de Castro quis evidentemente seguir a tradição do nosso País, a tradição de não pagar, a tradição de, de ânimo leve, se faltar no que se promete, sem reparar que a nós, republicanos, que combatemos os actos da monarquia, nos cumpria e cumpre adoptar processos diferentes daqueles então seguidos.

Se tínhamos o propósito de adoptar dentro do Govêrno da República os mesmos processos, os mesmos métodos que adoptava a monarquia, não valia a pena termos feito á transformação que fizemos.

Podem responder-me, e eu espero que o Sr. Presidente do Ministério me responda, que as circunstâncias são superiores à vontade dos homens e que as circunstâncias a forçaram a adoptar um processo desta natureza.

Eu digo a S. Exa. antecipadamente, e quero dizer à Câmara, que antes de adoptar processos que adopta quem não quer cumprir as sus obrigações, outros métodos havia a adoptar, que conduziriam a resultados mais eficazes sem nenhum desprestígio para o Estado-Português.

Em primeiro lugar, a conversão de 1902 tem uma amortização anual de 131:000 libras. Ora não seria difícil realizar uma simples combinação com banqueiros estrangeiros que permitisse o adiar por alguns anos a amortização dêsse empréstimo, e assim teríamos uma redução de 131:000 libras nos encargos ouro do Estado.

Entretanto, seria possível negociar com os nossos credores a comissão dum Funding durante quatro, cinco, seis anos, tendo o exemplo de muitos bons países para nos orientarmos.

Custam os juros» da dívida pública, a parte que se refere à conversão de 1902, 922:000 libras por ano, feita a operação, que não seria difícil, repito, de adiar por quatro, cinco, seis anos, o pagamento dêsses juros, teríamos uma economia imediata de 922:000 libras, que somadas com 131:000 daria 1.050:000 libras por ano. Só isso representava cêrca de 150:000 contos a menos no orçamento, o que ser ria uma cousa importante e contribuiria

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de facto para a melhoria cambial pelo adiamento dum tam considerável encargo.

Pensou o Sr. Ministro das Finanças que era possível, fazer isto?

Não reparou o Sr. Ministro das Finanças que esta operação é já hoje corrente, que a fazem todos os países num momento de dificuldade?

Não seria esta uma operação digna dêste País?

Não daria os resultados que pretendemos?

Porventura a providência tomada pelo Sr. Presidente do Ministério dará o resultado que S. Exa. espera?

Eu creio firmemente que não porque as excepções abertas no decreto são para aproveitar quási a toda a gente, com exclusão daqueles que possuam apenas dois ou três títulos.

Tiveram quási todos os homens da República que passaram pela pasta das Finanças, e creio que alguns da monarquia, a preocupação de nacionalizar a dívida externa, do modo a impedir a saída de ouro do nosso país.

Pela minha parte, empreguei os maiores esfôrços nesse sentido, e alguma cousa consegui.

O fundo de amortização e reserva do Banco de Portugal é hoje constituído por cêrca de 1/10 da dívida externa.

Creio que mais duma tentativa tem sido feita, até pelo próprio Sr. Vitorino Guimarães, para tirar os títulos dêsse fundo e substituí-los por outros, mas infelizmente existe uma lei, que ainda ninguém se atreveu a revogar, e naturalmente me revoga porque as suas conseqüências seriam tremendas, que a tal obsta.

Como disse; os títulos na posse do Banco de Portugal representam 1/10 de toda a emissão da conversão de 1902.

A Caixa Geral de Depósitos tinha também bastantes dêstes títulos, e, segundo corre, se o Estado possui títulos dêstes em carteira não devem ser muitos, porque o Sr. Álvaro de Castro tem vendido tantos quantos tem podido apanhar.

Mas alguns deve ter que, somados com os que estão na posse dos estrangeiros e com todos aqueles que depois da publicação dêste diploma passaram a fronteira portuguesa p-ara serem considerados como estrangeiros, demonstram que o decreto

é insignificante pelo que se refere aos benefícios materiais que traz para o Estado, e importantíssimo pelo descrédito que traz ao pais.

Sr. Presidente: eu não tenho nenhum propósito de agravar o Sr. Presidente do Ministério ou qualquer dos outros Ministros. Tenho com S. Exas. as melhores relações pessoais, não as tendo politicamente por culpa dalguns de S. Exas.. Mas o facto de eu desejar ser agradável às pessoas não me impede do dizer as cousas como elas são.

Eu reputo o decreto do Sr. Álvaro de Castro como o mais inconveniente que se tem publicado dentro da República, afectando dum modo muito grave o crédito do país.

O Sr. Álvaro de Castro, como jurisconsulto, devia ter visto, antes de decretar a sua- medida, as disposições estabelecidas pela lei de 14 de Maio de 1902, conforme a convenção negociada em Pava e aceita pelos Governos estrangeiros, em que o Govêrno Português se obrigava a consignar as receitas das alfândegas em benefício dos títulos.

Estão publicadas pela Junta do Crédito Público as notas reversais trocadas entre o Govêrno Português e os Governos Francês e Alemão, às quais aderiram depois as outras nações interessadas.

Mas não só se diz claramente na lei que o rendimento das alfândegas no continente do reino, com exclusão do produzido pelos cereais e tabacos, seria consignado ao pagamento de juros e amortização, como ainda expressamente se declara que a insuficiência dêsse rendimento, quando se verificasse, seria suprida pelas outras receitas do Tesouro.

Pois em 1924 um Ministro da República, usando do direito da fôrça, diz aos estrangeiros: «Para vocês cumpro, porque se o não fizesse poderia ser compelido a isso; mas para os nacionais tenho as armas da guarda republicana».

É esta a declaração formal que traduz o procedimento do Govêrno para com as pessoas que ingenuamente confiaram no Estado entregando-lhe os seus dinheiros, para em dado momento serem espoliados dos seus capitais, não em benefício do país, numa hora extrema de desgraça, mas em benefício desta oligarquia em que se gasta à larga.

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É lamentável que tenhamos enveredado por êste caminho, que é exactamente contrário àquele que convinha que se adoptasse.

O que é indispensável, para obter a confiança de toda a gente, é manter os compromissos tomados.

É legítimo e justo que aqueles que fizeram a sua capitalização em títulos da dívida externa sejam dum momento para o outro prejudicados, e reduzidos a um têrço da sua fortuna, simplesmente pelo capricho dum homem?

Quando nós aconselhamos a toda a gente sacrifícios e esperança no futuro, a confiança que inspiramos é esta de espoliarmos, ao simples capricho dum Ministro, aqueles que se sacrificaram.

O Sr. Álvaro de Castro praticou um mau acto para o Estado Português e para a República. Eu creio que a indignação causada no país por êste acto do Sr. Presidente do Ministério se há-de repercutir no Parlamento, obrigando êste a anular da maneira mais solene o decreto de 3 de Julho.

Os efeitos perniciosos dêste decreto já se fizeram sentir no país e no estrangeiro; mas o Sr. Presidente da República, passando por cima do Govêrno, afirma ao mundo que Portugal está disposto a cumprir integralmente as suas obrigações, embora fazendo o maior dós sacrifícios, o crédito português será levantado.

Eu quero crer, para honra nossa, que o Parlamento, correspondendo à aspiração do país, repelirá indignadamente e sem hesitação o nefasto e vergonhoso decreto do 3 de Julho de 1924.

Nestes termos, mando para a Mesa um projecto de lei, para o qual requeiro a urgência e dispensa do Regimento.

Sr. Presidente: qualquer que seja a resolução que a Câmara tomar sôbre êste assunto, eu terei certamente de a acatar; todavia, atrevo-me, e só o faço invocando a minha idade e os meus longos anos de luta pela República, a pedir aos parlamentares republicanos que, pondo o nome da República acima dos interêsses partidários, procedam como aconselham as circunstâncias nacionais, revogando êsse decreto, que eu reputo dos mais perniciosos para o país.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Vai votar-se o requerimento do Sr. Barros Queiroz para que entre imediatamente em discussão o seu projecto.

O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar que êste lado da Câmara dá o seu voto ao requerimento do Sr. Barros Queiroz, reservando-se para oportunamente apreciar a proposta.

Tenho dito.

Foi aprovado em prova e contraprova, requerida pelo Sr. Jaime de Sousa, por 45 contra 23 votos, o requerimento do Sr. Barros Queiroz, pelo que entrou em discussão o projecto dêste Sr. Deputado.

O Sr. Portugal Durão: — Sr. Presidente: em poucas palavras vou manifestar à Câmara a minha opinião sôbre o assunto que se discute, e fa-lo-hei em meu nome pessoal, porque o meu partido terá ocasião de, pela voz dos seus leaders, se pronunciar a êste respeito.

Começarei por mandar para a Mesa a seguinte moção:

A Câmara, reconhecendo que o decreto n.° 9:761 envolve matéria tributária, expressamente excluída das autorizações concedidas pela lei n.° 1:540, considera nulo o referido decreto, e passa à ordem do dia.— Portugal Durão.

Ao vir aqui tratar dêste assunto eu tenho apenas o interêsse, de bem defender o país.

Também não é meu propósito tornar precária a vida do Govêrno.

O Govêrno cairá quando chegue o momento oportuno de se lhe tirar o apoio.

A lei n.° 1:545 estabelece que o Govêrno poderá adoptar medidas tendentes a influir favoravelmente nas cotações cam-

Bem diversos são os factores que influem no câmbio. Para actuar, pois, sôbre a situação era necessário actuar sôbre cada um dêsses factores. Os principais são a procura de cambiais, a ordem pública, a estabilidade ministerial, o equilíbrio orçamental, a confiança no Estado e na solvabilidade da nação.

Era necessário que o Govêrno actuasse sôbre cada um dêstes factores ou só-

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bre todos em conjunto para se poder alcançar uma melhoria cambial. Nestas condições o Govêrno pensou o seguinte:

Temos a satisfazer um encargo de cêrca de 1 milhão de libras, proveniente do fundo externo; ora se deixarmos de vir ao mercado adquirir essas libras, teremos logo atenuadas, pelo menos, as dificuldades cambiais. Vejamos. Temos de dividir «m duas categorias os portadores do fundo externo para êste efeito; a saber: os que necessitam de libras para liquidar encargos no estrangeiro, os que não necessitam delas para liquidar encargos no estrangeiro.

Se o Govêrno resolvesse pagar escudos em vez de libras, era evidente que os •que necessitam de libras para pagar encargos no estrangeiro viriam com os escudos ao mercado comprar o mesmo volume de libras que poderiam ter recebido directamente do Tesouro. Creio que o decreto não faria que tais indivíduos deitassem de ter necessidade de pagar libras no estrangeiro.

Os outros são os que não necessitam de libras para pagar encargos lá fora. Êsses ficam com as libras e vêm devolvê-las ao mercado. Dêstes há duas categorias: os que conservam os coupons nas suas mãos à espera de melhor câmbio para a venda; é uma especulação, mas os que assim procedem não fazem mais do que emprestar gratuitamente libras ao Govêrno. Os outros são os indivíduos que conservam as libras na sua mão para -as empregarem no estrangeiro em fundo ouro.

Sr. Presidente: já se vê como seria pueril afirmar que, pelo facto de em vez de se pagar em libras pagar em escudos, se melhoraria a situação cambial.

Ninguém faria ao Sr. Presidente do Ministério a injustiça de julgar que lhe passasse pela cabeça esta idea, mas é a lógica que resulta desta lei, porque para fazer outra cousa não estaria autorizado pelo Parlamento.

Mas devo dizer que não foi para tratar do problema cambial, mas sim do problema do equilíbrio orçamental, que o Govêrno veio provocar esta questão.

É também de notar que o Sr. Presidente do Ministério tem uma certa simpatia pelo câmbio de 2 3/8 como se vê pela redução do juro do empréstimo de 6 1/2.

Dá-se a circunstância dêste decreto ser publicado no fim do trimestre, quando muitos dos portadores dos títulos já descontaram os respectivos coupons.

O que o Govêrno fez foi lançar um imposto.

O Govêrno, necessitando de dinheiro, estabeleceu um imposto sôbre o capital, o que não podia fazer porque não estava para isso autorizado. Não podia decretar a conversão do juro ouro para papel, e para fazer a redução tinha de vir à Câmara, porque ela representar um imposto.

Numa medida desta natureza não há que considerar ricos nem pobres.

Os portadores do fundo externo são cidadãos, nacionais e estrangeiros, que confiaram no Govêrno.

Entre êles há pobres, há ricos, há democráticos, há nacionalistas, há monárquicos, há radicais, há de tudo.

Por essa província e em Lisboa há famílias que ficam reduzidas à miséria pelo acto arbitrário do Govêrno.

Há instituições de beneficência e previdência social que deixam de poder cumprir os encargos que tomaram com os seus pensionistas.

Quando um Govêrno, um Partido, um Parlamento, ou uma sociedade se valem dêstes meios para reduzir as suas despesas, êsse Govêrno, êsse Parlamento, essa sociedade estão irremediavelmente perdidos.

O Montepio Geral é uma das instituições de previdência mais atingidas pelo decreto.

Os seus prejuízos sobem a milhares de contos:

Entramos, ao que se vê, Sr. Presidente, no regime da injustiça, pois, a verdade é que o Govêrno desta forma vai dispor arbitrariamente da fortuna de cada um, o que não pode ser.

Eu desejaria, Sr. Presidente, que o Sr. Ministro das Finanças nos dissesse, e estou certo que o fará, qual a opinião que o Govêrno tem do que seja a nacionalização de uma divida.

Eu sempre entendi, e entendo, que a nacionalização de uma dívida consiste na compra feita pelos nacionais de fundos nacionais existentes no estrangeiro.

O decreto impede essa compra, porque os títulos rendem muito menos nas mãos de portugueses que nas de estrangeiros.

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Não é assim, como o Sr. Presidente do Ministério pensa, que se pode nacionalizar uma dívida, pois a verdade é que daqui para o futuro não haverá um português que possa adquirir um único título.

O que se pretende fazer, Sr. Presidente, não é a nacionalização da nossa dívida, é justamente o contrário, a meu ver.

Mas há uma instituição de crédito, que é a Caixa Geral de Depósitos, que pode dizer a qualquer portador de títulos do fundo esterno: «O senhor tem um titulo que vale 600$; se passar pela minha mão passa a valer mais 300$; venda-me, pois, porque eu o mandarei para Londres». E aqui está como o Govêrno assim permite desfazer aquilo que queria fazer!

Ora, é lá admissível que uma cousa destas possa sair do Ministério das Finanças!?

Eu estou absolutamente convencido de que o Sr. Presidente do Ministério não leu isto com toda a atenção, porque efectivamente um êrro dêstes é lamentável sob todos os pontos de vista.

Sr. Presidente: não sei, nem o Sr.Presidente do Ministério há pouco soube dizê-lo, qual é precisamente a quantidade de títulos em poder de portugueses. Supondo que seja de dois terços, serão 700:000 libras que se deixariam de pagar ao câmbio do dia.

Creio que disso resultava uma economia que dá exactamente aquilo que o Govêrno julga poder adquirir com o decreto em questão.

Se juntarmos as acções dos tabacos e os títulos do empréstimo de 6,5 por cento, temos, porém, muito maior economia.

Resolveu, contudo, o Govêrno deixar de pagar, a fim de, segundo êle diz, equilibrar o Orçamento.

Ora pregunto eu: Porque não foi à dívida toda?

Eram 369:000 contos, o que bastava para equilibrar o Orçamento e talvez alguns políticos estimassem isto para lhes facilitar a governação pública mais tarde! Por mim, que passei oito tristes meses no Ministério das Finanças, nunca me passou isso pela cabeça, nem me consta que tenha passado pela cabeça dos meus antecessores. E era tam simples resolver o problema assim!...

Agora, surge de repente alguém que como uma mágica, sem praticar injustiças e autorizado por uma lei que o Parlamento lhe deu, equilibra o Orçamento todo e se não arranja superavit é porque não quere!

Há muita gente que diz: «Mas em lugar disto o que querem? Apresentem vocês medidas melhores!»

A isso respondo que é ao Govêrno que compete trazer essas medidas ao Parlamento, e não tenho visto que tenha, trazido muitas.

Mas, antes de comprimir despesas e tornar mais eficiente a cobrança das receitas, moralizando a administração pública, nenhum Govêrno tem o direito de declarar um Paisano regime da bancarrota.

Apoiados.

Trouxe o Sr. Presidente do Ministério a esta Câmara, como exemplos, aquilo que a Espanha fez depois duma desastrosa guerra, e o que a Itália fez depois da Grande Guerra e duma revolução intestina tremenda.

Eu não iria buscar êstes exemplos, mas o da Inglaterra, que após a guerra e sendo credora de enormes quantidades de ouro de muitos países, estando numa situação financeira detestável, mandou logo o seu Ministro das Finanças à América pagar honradamente o que devia.

E os encargos da Inglaterra, nesse ponto, são em relação a cada um dos seus habitantes, maiores dos que cabem a cada cidadão português por toda a sua contribuição tributária.

Neste momento em que tanto se fala na elevação a embaixada da nossa legação em Londres, vem a propósito preguntar quem é o novo embaixador português que nos vai representar.

Vai ser embaixador de um país, que não sabe honrar os seus compromissos.

Sr. Presidente: eu estou absolutamente convencido de que de todas as medidas prejudiciais tomadas nestes últimos tempos no nosso país, nenhuma como esta da redução dos juros da dívida externa afecta tam profundamente o nosso crédito, nenhuma como ela é tam nefasta aos interêsses nacionais.

Muitos apoiados.

Ninguém de ora avante, dará mais $01 ao Estado; nem cá dentro, nem lá fora.

Apoiados.

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A medida que o Govêrno acaba de tomar, há-de ser uma medida que nos avassala à finança internacional.

É positivamente a ruína do crédito nacional.

Muitos apoiados.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O orador não reviu.

O orador foi muito cumprimento por toda a direita da Câmara.

É lida, admitida e entra em discussão a moção apresentada pelo orador.

O Sr. Vergílio Costa: — Requeiro a prorrogação da sessão até liquidação do assunto em debate, com preterição da segunda parte da ordem do dia.

O Sr. Jaime de Sousa (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: eu creio que o requerimento do Sr. Vergílio Costa não é de aceitar pela Câmara.

Pela forma por que tem decorrido o debate, e pelo conhecimento que há do assunto, vê-se que há uma grande confusão em interpretar o instrumento de lei em discussão, quer quanto à sua economia, quer quanto aos resultados que da sua aplicação podem advir para os efeitos do equilíbrio orçamental que o Govêrno e a Câmara têm em vista.

Assim vemos que emquanto o Estado pretende fazer economias e evitar grossos pagamentos a qu»3m já recebe muito dinheiro, vários membros desta Câmara sustentam a peregrina doutrina de que não é a êsses detentores do capital que o Estado deve ir buscar o necessário para fazer face às suas despesas.

O assunto está portanto por esclarecer e, por isso, entendo que não é de votar o requerimento do Sr. Vergílio Costa, que dalguma forma delimita a nossa apreciação.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: — A demora da solução dêste assunto, só pode servir à jogatina que lá fora se faz, à custa do pão de muitas famílias.

O Sr. Moura Pinto (para interrogar a Mesa): — Peço a V. Exa. que me diga

quantos Srs. Deputados se encontram inscritos sôbre o debate neste momento.

O Sr. Velhinho Correia: — Peço a palavra.

Vozes: — Ah! Agora.

O Sr. Presidente: — Estão inscritos os Srs. Cunha Leal, Carlos Pereira e Velhinho Correia, que acaba de pedir a palavra.

Vai votar-se o requerimento do Sr. Vergílio Costa.

Procede-se à votação.

O Sr. Presidente: — Está rejeitado.

O Sr. Vergílio Costa: — Requeiro a contraprova.

O Sr. Carvalho da Silva: — Invoco o § 2.° do artigo 116.°

O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à contraprova.

Procede-se à contraprova, fazendo-se a contagem.

O Sr. Presidente: — Está rejeitado.

Estão sentados 29 Srs. Deputados e em pé 43.

Tem a palavra o Sr. Cunha Leal.

O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: o incidente que acaba de levantar-s e a propósito de um requerimento do Sr. Vergílio Costa, que era a repetição exacta de um outro feito na sexta feira passada, prova apenas que a maioria em questões desta natureza, se não decide, senão por motivos de ordem política.

Apoiados.

Que razões foram então invocadas para se pedir a prorrogação da sessão de sexta-feira e mais ainda para se permitir que em caso necessário o Sr. Presidente, contra o que estabelece o Regimento, marcasse sessão para sábado?

Invocaram-se razões de ordem moral.

Dizia-se que tinha havido uma fuga no Ministério das Finanças, quanto ao conhecimento de que tal decreto ia ser publicado.

Dizia-se que certas pessoas tinham aproveitado essa fuga e que em determi-

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nadas casas, cujos nomes eram citados nas conversas havidas nos corredores da Câmara, haviam feito largas vendas de títulos a descoberto, realizando assim essas pessoas que estavam no segredo dos deuses e que não tinham escrúpulos, largos lucros, e isso pareceu tam estranho que a Câmara entendia que não devia continuar a alimentar especulações, com demoras na discussão dêste caso.

De facto a especulação vive das incertezas acerca da sorte dêste decreto»

O interêsse do Estado, aconselhava a que se cortasse o mal pela raiz.

Mas a maioria democrática não o entende assim agora, e portanto que lhe fique intacta a responsabilidade.

Nós não a aceitamos.

Sr. Presidente: chega a gente a preguntar se merece a pena perder tempo a discutir isto.

Pois então não houve já um decreto que atingiu os portadores de títulos de 6 1/2 por cento?

Não é verdade que houve uma larga propaganda em jornais, bem paga por sinal, cartazes colados nas paredes de Lisboa, dizendo que todos que comprassem títulos dêsse empréstimo contribuíam para a salvação da Nação e para a melhoria cambial?

Tudo isso foi feito com a aprovação da maioria democrática, a mesma maioria que achou depois excelente que o actual Govêrno faltasse a todos os compromissos tomados com o país por um Ministro do seu Partido.

A minoria nacionalista, está evidentemente em circunstâncias muito especiais.

Não pode, nem quere conluiar-se com entre partido para ir ao Poder.

Tam pouco pode assumir sozinha o Poder, por que tem o exemplo do passado. Apoiados.

O Partido Nacionalista, emquanto a Nação indignada não disser a última palavra, está condenado a não ser Govêrno.

Não podemos ter a aspiração do poder numa hora em que sabemos o que representa de sacrifício estar no Govêrno, em que as cadeiras do poder parecem por vezes mais instrumentos de tortura do que cadeiras do poder.

O Partido Nacionalista não podia ter sido levado no seu combate ao decreto

que reduziu os juros do empréstimo de 6 1/2 por cento por mesquinhas ambições de alcançar o poder; foi apenas movido pelo desejo de servir o seu país.

Da mesma forma, possuídos do mesmo honroso desejo, vemo-nos hoje forçados a derrubar o Govêrno, se êle quiser cair sôbre êste decreto, e sobretudo entendemos do nosso dever analisar e combater tal medida, que é isso o que mais nos interessa.

Não somos nós os herdeiros naturais do Poder, por isso o que mais nos importa é que o decreto seja revogado. Nesse sentido empenhamos todos os nossos esfôrços na disposição de lutar até o fim, cônscios de que desta forma prestamos um serviço ao nosso país.

Em que momento é que o Govêrno se lembrou de publicar o decreto que com tanto brilho foi atacado pelos oradores que me precederam?

Que ocasião escolheu o Govêrno? Justamente quando atravessávamos um período revolucionário; como nenhuma bomba rebentou para o lado da Amadora o Govêrno resolveu fazer rebentar a bomba dêste decreto.

Era um momento de confusão de que o Govêrno pretendeu aproveitar-se para evitar que analisássemos o decreto.

Mas, Sr. Presidente, merece a pena voltar a apreciar a inconstitucionalidade do decreto. Ela já foi brilhantemente demonstrada por todos os oradores que me precederam.

Eu não repito os argumentos e só quero tirar as devidas ilações.

Se examinarmos as nossas consciências vemos que todos acreditamos na inconstitucionalidade do decreto.

Todos sentimos que o Govêrno foi além da autorização que tinha.

O partido da maioria sente-se ferido sempre na epiderme por qualquer acto que julga ofender a Constituição.

Assim, não se compreende como serve de escora a actos que são inconstitucionais.

Ouvi um dia com grande pasmo dizer a um membro dêsse Partido que se o Govêrno quisesse cumprir o seu dever pegava no Orçamento e nas propostas, que tinha apresentado e mandava toda para o Diário do Govêrno.

Pois, Sr. Presidente, depois de dito

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isto bem alto, êsse Partido continua sendo o mais devotado defensor da Constituição, só não querendo ditaduras às claras mas encobertas.

No acto praticado pelo Govêrno, a que nos referimos, há uma demonstração de completa ditadura.

Todos sabemos que é necessária uma política de compressão de despesas, que trará sacrifícios.

Mas, para se ganhar a autoridade para impor tais medidas elas têm de ser acompanhadas dum conjunto de providências amplas.

O Sr. Presidente do Ministério começou a iniciar a política de violências de um modo que traz tais prejuízos que essa política fica desacreditada completamente.

Quando amanhã os Governos quiserem fazer qualquer cousa de aproveitável para o Estado não terão fôrça, porque a Nação estará absolutamente descrente de tudo.

E não é verdade, como lembrou aqui o Sr Barros Queiroz, que outros benefícios não possam ser colhidos de medidas diferentes destas, se elas tiverem o acordo dos partidos.

Pois não é certo que êsse acordo era imprescindível?!

Não é verdade que era necessário, num caso tam grave como êste, o acordo dos partidos da República?!

Lança-se sôbre todos nós a responsabilidade, e, embora nós a enjeitemos, amanhã, quando se analisar a obra do Sr. Presidente do Ministério, esquecido como é o nosso país dos factos passados, fàcilmente dirá que a responsabilidade foi de todos os republicanos.

Mas êsse acordo não se fez, porque S. Exa. não o quis fazer. Não negociou acordos cá dentro do país, nem lá fora, porque não quis, e isso era muito fácil, quero crê-lo. Bem sei que agora já está na Mesa uma moção para se estender aos credores externos as medidas do Govêrno, mas não sei se o Govêrno tem fôrça para isso.

Estou convencido, repito, que, se êsses acordos se tivessem iniciado, eles devido à situação mundial, teriam sido aceites. O Sr. Presidente do Ministério fez mal; nós vivemos dentro duma Europa e não podemos ser indiferentes ao que nela se passa. A Europa sofre hoje terríveis tormentos, mas o problema europeu é de

conjunto e só pode ser resolvido por uma política de solidariedade entre os povos. Infelizmente ainda não chegámos a essa hora, mas da tem de vir, porque de contrário a Europa não tem salvação. E nessa hora nós estaremos no rol das nações que não pagam e que vão contra os compromissos internacionais.

Sei, porque alguém me disse, que, logo que o Sr. Alberto Xavier foi a Londres e começou a transparecer nos jornais o motivo dessa viagem, um certo número de pessoas, e que não percebiam nada de assuntos bancários, se coligaram, mandando os seus títulos a Londres e dividindo depois as despesas da viagem à razão de tanto por cada título.

E porquê?

Porque o pânico vem de lia mais de um mês e durante êsse tempo todos aqueles que tinham títulos em carteira procuraram acautelar-se, só não o fazendo aqueles que não puderam fazê-lo, como a Caixa Geral de Depósitos e outros.

Estou convencido de que os próprios portadores estrangeiros de dívida externa que vivem dentro de Portugal hão-de exercer pressões que não sei até onde nos levarão.

Estou absolutamente convencido de que as emendas, as correcções que a pouco o pouco se hão-de ir introduzindo no decreto hão-de importar em muitos milhares de contos, e, assim nessas condições, sou daqueles que dizem que o Sr. Presidente do Ministério fez uma economia ridícula, perante as conseqüências que o caso vai ter para a Nação.

Estamos em vésperas de terminar o monopólio dos tabacos e eu julgo que o pensamento de todos os políticos devia ser, ir amparando de qualquer forma a vida da Nação, para chegarmos a 1926 com o crédito intacto.

Não é domais acentuar que o montante proveniente de um novo empréstimo dos tabacos seria talvez o suficiente para produzir a estabilização da moeda nacional, e, não é demais também acentuar que tudo isso se perdeu com os dois decretos do Govêrno do Sr. Álvaro de Castro.

O Sr. Presidente do Ministério teve, com certeza, o intuito de praticar um benefício para a Nação, e então nós temos de tirar disso uma conseqüência: é que o sonho do Sr. Presidente do Ministério é

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iam perigoso para a Nação que se êle sai daqui prestigiado com a sanção do Parlamento a êste decreto êle vai continuar na mesma vida, vai continuar à toa, e os culpados, evidentemente, somos nós, os parlamentares.

A culpa recaíra principalmente sôbre a Câmara política, que é a Câmara dos Deputados, e que deverá dizer agora ao Sr. Presidente do Ministério: não nos importa que caia com êste decreto, mas o que importa é que êle seja revogado, o que importa é demonstrar lá fora que somos um país que quere e sabe cumprir as suas obrigações.

Vou terminar, Sr. Presidente, tanto mais quanto é certo que poucos são aqueles que me estão prestando atenção, a não ser alguns correligionários meus e alguns membros da maioria, que não são em grande número, pois a verdade é que emquanto nós estamos aqui honradamente a demonstrar os inconvenientes de semelhante decreto, que na verdade ofende o brio e o crédito da Nação, outros há com certeza que nesta mesma sala se estão suceder ao Sr. Álvaro de Castro.

Eu não quero, Sr. Presidente, censurar a Câmara, e assim, para não ficar com a palavra reservada, dou por findas as minhas considerações, apenas dizendo ao Sr. Presidente do Ministério que se êle há-de ficar eternamente no Poder enfeudado às incoerências de uma maneira que o não defende, não vale a pena sacrificar assim o seu bom nome de estadista com medidas que são prejudiciais para a Nação e que ofendem, repito, os brios e os créditos da mesma Nação.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O orador não reviu.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Presidente: — Vai passar-se ao período de antes de se encerrar a sessão.

Tem a palavra o Sr. Rodrigues Gaspar.

O Sr. Rodrigues Gaspar: — Sr. Presidente: após a última sessão da Câmara dois factos se produziram que me obrigam a fazer algumas observações para as

quais eu peço a atenção do Sr. Presidente do Ministério.

O primeiro facto a que me quero referir é á resolução da questão chamada da Amadora.

Folgo, Sr. Presidente, que a disciplina se tivesse mantido, visto que ela é um dos elementos indispensáveis para a boa marcha da administração pública.

Ainda por essa mesma circunstância eu quero dizer duas palavras bastante breves.

O exército merece-nos a maior das considerações, até pela maneira sacrificada, sob o ponto de vista económico, em que se encontra, quando é certo que é para êle que costumamos apelar quando nos encontramos em sérias dificuldades.

Apoiados.

Temos, Sr. Presidente, encontrado nele sempre uma grande boa vontade na defesa da República.

Representa êle uma máquina bastante complicada, com diversos aparelhos; necessário é que êle se mantenha de forma a bem poder desempenhar a sua função para o que é necessário vigiar, de uma maneira geral, o seu funcionamento.

Vê-se que há rodas dentadas que não estão engrenadas. Estão a trabalhar por adesão. Posto que pareça extraordinário, êsse trabalho por adesão é conseqüência de um excesso de lubrificação que se faz muitas vezes para evitar atritos, mas de que resulta a formação de uma massa como que peganheta e é isso que dá lugar a êsse trabalho por adesão.

Para se pôr a roda que tem dentes, mas que não está engrenada, a funcionar no carreto é necessário que o motor tenha trabalho regular, que toda a máquina esteja em harmonia com o trabalho do motor e seu regulador.

Chamo a atenção do Sr. Presidente do Ministério para ver se o motor tem realmente a fôrça necessária para manter a máquina em andamento.

O segundo facto a que quero referir-me anda ligado à criação da Embaixada em Londres.

Sr. Presidente: quem pensar que a República se há-de impor, pelos seus métodos de rigorosa e absoluta moral, quem pensar que nesses métodos de moral está o princípio de se dizer sempre a verdade, muito embora vá ferir amigos, tem de

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seguir um de dois caminhos: ou não diz nada e é o mais cómodo, ou diz tudo e fica satisfeito com a sua consciência.

Foi nomeado nosso Embaixador em Londres, o Sr. Norton de Matos.

Considero uma tal nomeação um êrro praticado pelo Govêrno.

A situação de Angola é extremamente crítica. A sua administração está, neste momento, como que em «ponto morto».

E por maiores que sejam os erros que muitos pretendam ver na obra governativa do Sr. Norton de Matos, muito maior êrro é, sem dúvida, o abandono de S. Exa. do alto cargo que ocupava na província.

O Sr. Norton de Matos ora o primeiro a reconhecê-lo quando afirmava que êsse possível abandono equivaleria a uma deserção.

Porém, contra tudo quanto era de esperar, vemos o Sr. Norton de Matos abandonar o seu pôsto de Alto Comissário em Angola para aceitar o cargo de Embaixador de Portugal em Londres.

Se é o estado de saúde que impede S. Exa. de continuar à frente da administração de Angola, eu não compreendo que para isso se fôsse criar una sanatório em Londres.

Sr. Presidente: é necessário que aqui se faça esta crítica para que lá fora se saiba que ainda há no Parlamento pessoas capazes de a fazer.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente, do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: eu não sei se atingi inteiramente o alcance das palavras que acaba de pronunciar o Sr. Rodrigues Gaspar.

Se efectivamente o atinjo, eu procurarei interpretá-las no sentido de que todos os maquinismos funcionam em harmonia com os interêsses do Estado.

Quanto à nomeação do Sr. Norton de Matos para Embaixador de Portugal em Londres, creio que é injusta a acusação feita ao Govêrno.

O Sr. Ministro das Colónias não tinha possibilidade de manter no cargo de Alto Comissário de Angola, o Sr; Norton de Matos, desde que S. Exa. se recusava terminantemente a ocupá-lo.

Foi depois dessa recusa que surgiu o

pedido de S. Exa. para a sua nomeação para Londres.

Não é justo atacar o Govêrno por essa nomeação, a não ser que o general Sr. Norton de Matos fôsse considerado incapaz para o desempenho do lugar; mas parece-me que na crítica de V. Exa. não se aludiu a que, porventura houvesse incompetência da parte do general Sr. Norton de Matos.

O Sr. Ministro das Colónias não podia obrigar o Sr. Norton de Matos a continuar em Angola.

São estas as explicações que devo dar à Câmara, respondendo às considerações feitas pelo ilustre Deputado Sr. Rodrigues Gaspar.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Às 21 horas e 30 minutos realizar-se há a sessão para a discussão dos orçamentos.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente:- Está reaberta a sessão.

Eram 22 horas.

O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à votação do requerimento do Sr. António Maia, pedindo a dispensa da leitura do parecer relativo ao orçamento do Ministério da Instrução.

Procede-se à votação.

O Sr. Presidente: — Está aprovado.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à contraprova.

Faz-se a contraprova e a contagem.

O Sr. Presidente: — Estão em pé 38 Srs. Deputados e sentados 10.

Não há número.

Vai fazer-se a chamada.

Procede-se à chamada.

Responderam os Srs.:

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

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Albano Augusto de Portugal Durão.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Álvaro Xavier de Castro.

Amadeu Leite de Vasconcelos.

Amaro Garcia Loureiro.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Mala.

António Alberto Tôrres Garcia.

António Albino Marques de Azevedo.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Correia.

António Dias.

António Maria da Silva.

António Pais da Silva Marques.

António Pinto de Meireles Barriga.

Armando Pereira de Castro Agatão Lança.

Artur de Morais Carvalho.

Augusto Pereira Nobre.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Bernardo Ferreira de Matos.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Constâncio de Oliveira.

Custódio Maldonado de Freitas

Custódio Martins de Paiva.

Delfim do Araújo Moreira Lopes.

Ernesto Carneiro Franco.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

Jaime Júlio de Sousa.

João José da Conceição Camoesas.

João de Ornelas da Silva.

Joaquim Narciso da Silva Matos.

Joaquim Serafim de Barros.

José Domingues dos Santos.

José Marques Loureiro.

José Mendes Nunes Loureiro.

José Pedro Ferreira.

José de Vasconcelos de Sousa Nápoles.

Júlio Gonçalves.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Luís da Costa Amorim.

Matias Boleto Ferreira de Mira.

Nuno Simões.

Paulo Limpo de Lacerda.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.

Vergílio Saque.

Viriato Gomes da Fonseca.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

O Sr. Presidente: — Responderam à chamada 53 Srs. Deputados, número insuficiente para a Câmara poder funcionar.

A próxima sessão é amanha à hora regimental, com a mesma ordem do dia.

Está encerrada a sessão.

Eram 22 horas e 25 minutos.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Proposta de lei

Dos Srs. Ministros das Finanças e Interior, abrindo um crédito especial de 1:000 contos para compra de material para as diferentes polícias do país, a descrever no orçamento do Ministério do Interior para 1924-1925, e alterando o artigo 5.° do decreto D.° 8:396, de 26 de Setembro de 1922.

Para o «Diário do Governo».

Projecto de lei

Do Sr. Barros Queiroz, revogando os decretos n.ºs 9:416, de Fevereiro de 1924, e 9:761, de 3 de Junho de 1924.

Aprovada a urgência e dispensa do Regimento.

Declaração de voto

Rejeitámos a moção proposta pelo Sr. Paiva Gomes, porque:

1.° A moção afirma implicitamente que o Govêrno tem procedido em conformidade com as leis e os superiores interêsses da disciplina; e, tendo justificadas dúvidas sôbre êsse ponto, recusamo-nos a dar sôbre êle um voto emquanto os actos do Govêrno não puderem ser amplamente apreciados;

2.° Emquanto não chegar a oportunidade dessa ampla apreciação, só aprovaremos moções que se limitem a registar a obrigação de o Poder Executivo manter a disciplina de todos os serviços públicos pelo cumprimento integral das leis, e a reservar o juízo da Câmara sôbre o procedimento do Govêrno para quando concluída se encontre a acção que, para êsse efeito, êle Govêrno, sob sua responsabilidade, declarar indispensável realizar.— Ferreira da Rocha — Alberto de Moura

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Pinto — Ferreira de Mira — Lúcio C. Martins — A. Garcia Loureiro.

Para a acta.

Pareceres

Da comissão de administração pública, sobre o n.° 708-B, que eleva à categoria de vila a freguesia de Gontinhães e denominando-a Vila Praia de Ancora.

Imprima-se.

Da mesma, sôbre o n.° 740-C, que dá a categoria de vila à povoação de S. João da Madeira, concelho de Oliveira de Azeméis.

Imprima-se.

Das comissões de legislação, civil e comercial e legislação criminal, sôbre o n.° 724-C, que determina que os magistrados

judiciais do Ministério Público, nomeados assistentes ou professores das Faculdades de Direito, possam continuar no quadro da magistratura judicial ou do Ministério Público para promoção de classe e contagem de antiguidade.

Para a comissão de instrução superior.

Da comissão de administração pública, sôbre o n.° 690-B, que concede à Câmara Municipal de Estremoz a parte restante do designados prédios militares.

Para a comissão de guerra.

Da comissão de guerra, sôbre o n.° 562-A, relativo à autorização para construção e exploração de uma ponte que ligue as duas margens do Tejo em frente de Lisboa.

Para a comissão de finanças.

O REDACTOR—Herculano Nunes.

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