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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 104
EM 17 DE JUNHO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Afonso de Melo Pinto Veloso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
António Augusto Tavares Ferreira
Sumário.— Aberta a sessão com a presença de 46 Srs. Deputados, lê-se a acta da sessão anterior e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Marques Loureiro estranha a ausência do Sr. Ministro do Trabalho e manda para a Mesa uma proposta relativa ao funcionamento da Câmara.
Prossegue a discussão do parecer n.° 440, que suprime o artigo 4.° da lei n.° 1:340, sôbre a equiparação e limite de idade de oficiais.
O Sr. Pires Monteiro conclui as suas considerações e apresenta uma proposta de substituição, que é admitida.
O Sr. Viriato da Fonseca requer e prioridade para o parecer da comissão.
É lida a proposta do Sr. Pires Monteiro e rejeitada.
O Sr. Pires Monteiro requere a contraprova com contagem. Confirma-se a rejeição.
São aprovados os pareceres das comissões de finanças e de guerra.
É dispensada a leitura da última redacção. Entra em discussão a proposta de lei n.º 622 (empréstimo para Moçambique}.
Lê-se o parecer da comissão de colónias sôbre as alterações introduzidas pelo Senado.
O Sr. Carlos Pereira interroga a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
Usam da palavra os Srs. Delfim Costa e Cancela de Abreu, que fica com ela reservada. É aprovada a acta da sessão anterior. O Sr.Presidente propõe um voto de sentimento - pela morte do antigo Senador Sr. Vasconcelos Dias.
Associam-se os Srs. Almeida Ribeiro e Ministro da Guerra (Américo Olavo).
Lê-se na Mesa a proposta de alteração do Regimento, aprovando-se a urgência e dispensa.
Usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva e Carlos Pereira.
O Sr. Abílio Marçal manda para a Mesa uma proposta de substituição.
É aprovada a proposta de iniciativa do Sr.
Marques Loureiro, com a emenda do Sr. Abílio Marçal.
O Sr. Presidente faz várias considerações à Câmara.
Ordem do dia. — Prossegue a discussão da proposta de lei n.º 668-A (actualização das contribuições gerais do Estado), na generalidade.
Usa da palavra sôbre a ordem o Sr. António Pais.
O Sr. Cunha Leal interroga a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
Sôbre a ordem usa da palavra o Sr. Cancela de Abreu, que fica com tia reservada.
O Sr. Presidente anunciar que vai tratar-se do caso da prisão do Sr. Lelo Portela.
São lidos os pareceres das comissões.
É prorrogada a sessão.
Usam da palavra os Srs. Pedro Pita, Pereira Bastos e Vasco Borges, que manda para a Mesa uma moção.
É admitida, usando seguidamente da palavra os Srs. Carvalho da Silva, Crispiniano da Fonseca, Agatão Lança e Costa Gonçalves.
O Sr. António Resende requere votação nominal sôbre a moção.
Aprovado.
È aprovada a moção por 57 votos contra 7.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Cunha Leal ocupa-se de assuntos relativos à província de Angola, respondendo-lhe o Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins).
O Sr. Rodrigues Gaspar volta a ocupar-se da nomeação do Sr. Norton de Matos para a embaixada de Londres, respondendo-lhe o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Leite Pereira).
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.
Abertura da sessão às 15 horas e 18 minutos.
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2 Diário da Câmara dos Deputados
Presentes à chamada 46 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 46 Srs. Deputados.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto de Moura Pinto.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Garcia Loureiro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António de Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Francisco Cruz.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João Pereira Bastos.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Tale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Ventura Malheiro Reimão.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alfredo Ernesto do Sá Cardoso.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António Pinto Meireles Barriga.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Coelho de Amaral Reis.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Jaime Pires Cansado.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Vasco Borges.
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Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Lelo Portela.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira Salvador.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Pelas 15 horas e 16 minutos, com a presença de 46 Srs. Deputados, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta e o seguinte.
Expediente
Ofícios
Do Ministério do Interior, para que no orçamento dêste Ministério seja incluída verba para pagamento de melhoria de vencimentos do sub-inspecfor da polícia de investigação do Braga, e conservada a verba para «Material e despesas diversas» com a rubrica «Para a Secção da Segurança Pública».
Para a comissão do Orçamento.
Do Ministério das Finanças, remetendo documentos pedidos em ofício n.° 12 para o Sr. Morais Carvalho.
Para a Secretaria.
Do mesmo, satisfazendo ao requerimento do Sr. Alberto Lelo Portela, transcrito no ofício n.° 354.
Para a Secretaria.
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Do Sr. Ministro da Guerra, para que seja mantida a prisão da Sr. Alberto Lelo Portela.
Para as comissões de guerra e de legislação criminal conjuntamente.
Comunique-se ao Sr. Ministro da Guerra que a Câmara negou a autorização pedida neste oficio.
Telegrama
Dos soldados presos em S. Julião da Barra, pedindo a aprovação do projecto de amnistia.
Para a Secretaria.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: V. Exa. diz-me quantos Srs. Deputados estão presentes?
O Sr. Presidente: - Estão presentes 53 Srs. Deputados.
O Sr. Marques Loureiro: — Sr. Presidente: mais uma vez não se encontra presente o Sr. Ministro do Trabalho, quando me chega a palavra, o que S. Exa. sente muito, mas maiores lastimas e lamentações são as minhas, pois é a mim que mais falta me faz.
Eu até já me tenho servido de rabulices de advogado, fazendo-me inscrever sem dizer que desejo falar estando presente o Sr. Ministro do Trabalho, a ver se assim S. Exa., por engano, nos dava a alegria da sua presença.
Há muito que pedi a um dos Srs. Ministros presente para transmitir ao Sr. Ministro do Trabalho as minhas considerações; não sei só foram transmitidas. Agora nenhum Sr. Ministro está presente.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Foram esperar o Sr. Afonso Costa.
O Orador: — Fizeram muito bem; eu também ia se soubesse que S. Exa. chegava e que ia bem governar o país.
Aproveito estar no uso da palavra para mandar para a Mesa um projecto, a fim de normalmente se poder discutir o Orçamento. Para isso as sessões devem começar às 13, sendo as duas últimas horas consagradas à discussão do Orçamento.
Não vai nisto qualquer satisfação a certa imprensa, que nos insulta, sem se
importar com os sacrifícios que fazemos aqueles que aqui vimos.
Ao entrar nesta sala chamaram a atenção para a local dum jornal que, embora republicano, é faccioso ao ponto de censurando os Deputados que vêm à Câmara e se retiram por falta de número, não tem uma palavra de censura para os que cá não vêm.
Eu estou aqui com V. Exa. e alguns Srs. Deputados, até depois da meia noite, a trabalhar, como jornalista amador; não posso deixar de considerar a imprensa, mas com essa imprensa que procede pela forma que referi não vale a pena discutir.
Votando êsse projecto, direi que não vejo viabilidade nas sessões noturnas, pois parece que não nos adaptamos a elas. O facto é que nunca se consegue ter os 55 indispensáveis para a sessão funcionar, o que se vai tornando desprestigioso, mas muito pior seria por meio de qualquer habilidade fazer funcionar a sessão, ou lançar-mo-nos na dictadura.
Vou mandar para a Mesa o meu projecto de lei.
O orador não reviu.
O Sr. Pires Monteiro: — Sr. Presidente: vou concluir as minhas considerações acerca do parecer n.° 440, mas terei de dizer alguma cousa para esclarecer a Câmara.
Resolveu-se, por espírito de equidade, que devia ser publicada uma lei só para certas e determinadas pessoas lesadas pela lei n.° 1:239, mas aproveitou-se esta oportunidade para remediar os gravíssimos inconvenientes da lei n.° 1:239 e assim a lei n.° 1:340 estabeleceu um limite de idade que era aquele que os oficiais deviam ter, se não fossem promovidos por disposições excepcionais, como os oficiais que foram promovidos, sem terem vacatura nos respectivos quadros, e os oficiais que têm vencimentos dos novos postos e que foram promovidos pela lei n.° 1:239.
E agora quere-se que êsses oficiais tenham o limite de idade do pôsto que não lhes pertence. Não é regular.
Por assim entender, tomei esta posição que não é agradável, mas que era a posição que devia tomar, porque, dedicando-me aos assuntos militares, não es-
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tou aqui para defender interêsses de determinada classe, ou de certo pessoal, mas o prestígio do Parlamento e o das instituições militares.
Vou concluir as minhas considerações, enviando para a Mesa uma proposta de substituição que sintetisa a minha maneira de ver sôbre êste importante assunto.
Foi admitida a proposta de substituição do Sr. Pires Monteiro, do teor seguinte:
Substituição
Artigo único. Os oficiais promovidos, independentemente de vacatura nos respectivos quadros, conservarão os limites de idade do pôsto que teriam nesses quadros.
§ 1.° Os quadros em que foram criados postos superiores ao pôsto fixado pelo decreto de 25 de Maio de 19.11 terão o limite do idade dêste pôsto para aqueles postos superiores.
§ 2.° As vagas que resultarem da aplicação desta lei não darão lugar a promoções em quanto estiverem excedidos os quadros fixados pelo decreto de 25 de Maio de 1911.
Sala das Sessões, 16 de Junho de 1924.— O Deputado, Henrique Pires Monteiro.
O Sr. Viriato da Fonseca: — Requeiro a prioridade para o parecer da comissão de guerra.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se às votações.
É rejeitada a proposta do Sr. Pires Monteiro.
O Sr. Pires Monteiro: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.
Procede-se à contraprova.
O Sr. Presidente: — Aprovaram 51 Srs. Deputados e rejeitaram 8.
Foi aprovada a redacção da comissão.
O Sr. Pires Monteiro: — Requeiro a contraprova.
Procede-se à contraprova, dando o mesmo resultado.
O Sr. Viriato da Fonseca: — Requeiro que seja consultada a Câmara sôbre se dispensa a leitura da última redacção.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se, para entrar em discussão, o parecer sôbre as emendas do Senado à proposta de lei relativa ao empréstimo para Moçambique.
Leu-se, ficando sôbre a Mesa.
O Sr. Carlos Pereira (para interrogar a Mesa): — Pedia a V. Exa. que me dissesse se o parecer em discussão foi impresso e distribuído, ou se em substituição da sua impressão e distribuição se votou qualquer resolução no sentido de que fôsse discutido sem as praxes regimentais.
Faço esta pregunta, porque me lembro de que êsse parecer, ao ser apresentado nesta Câmara, tinha o ar de um pequeno monstro que quere comer Moçambique por meio de um empréstimo.
Por isso julgo que cousas desta natureza convinha que tivessem a maior publicidade e não se devia votar mais interêsse aos homens do que â Nação.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Êste parecer está incluído na ordem do dia há bastante tempo. Não foi impresso porque não é costume a Mesa mandar imprimir as emendas que vêm do Senado, dada a sua urgência.
O Sr. Delfim Costa: — Vou votar as emendas do Senado, não por estar convencido das razões que levaram o Senado à conclusão a que chegou, deminuindo o guantum do empréstimo, mas porque estou convencido de que esta casa do Parlamento não terá dúvida em votar uma nova,,autorização à colónia, desde que se demonstre ser necessário um novo empréstimo para a conclusão das suas inadiáveis obras de fomento, que urge realizar e que não podem desta vez deixar de ficar concluídas.
A nossa colónia de Moçambique tem um plano de obras que todos conhecem, e que na sua maioria estão já encetadas, e que é necessário concluir com aquela rapidez que exigem todas as obras do fo-
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mento dos países novos, que têm necessidade de se desenvolver e dê alguma cousa.
O critério do Senado não assenta, a meu ver, em princípios aceitáveis.
O pedido de autorização que tinha sido votado na Câmara dos Deputados não foi feito «à la diable», foi antes previamente votado pelo Conselho Legislativo da Colónia, de harmonia com as necessidades, e com aquela competência que possuem os seus vogais, já pela sua inteligência, mas ainda pelo conhecimento directo do valor aproximado que só se pode obter «in loco».
Volto a afirmar que estou convencido de que a Câmara não negará uma autorização, concedendo-a com a mesma facilidade cora que em 1921 autorizou a colónia de Angola a contrair empréstimos no valor de 60:000 contos ouro, autorização de que esta colónia ainda não usou na totalidade.
Serão porventura diferentes as condições da colónia de Moçambique para merecerem diferente tratamento?
Moçambique tem os seus rendimentos ouro numa escala crescente há muitos anos, que atingiu já mais de um milhão e meio de libras; no seu orçamento não pesam ónus de qualquer espécie, e se teve agora uma momentânea crise financeira, temos que atribuí-la a imprevidências de administração de todos conhecidas.
Moçambique tem gasto no seu magnífico porto de Lourenço Marques cêrca de 5 milhões de libras, sem necessitar de recorrer a empréstimos, e a meu ver, muito bem.
Há quem condene essa política, como prejudicial ao desenvolvimento dos restantes distritos, eu porém não sou dêsse parecer, porque julgo que o facto de possuirmos e termos feito de Lourenço Marques o melhor e mais belo porto de todo o continente africano é a garantia absoluta da nossa independência naquela colónia.
Sem essa obra monumental, não sei até onde chegariam as ambições absorventes daqueles que do patriotismo alheio têm uma noção deficiente.
E porque a minha opinião foi sempre esta é que acho indispensável o empréstimo, para fazer as restantes obras de fomento de que a colónia carece para seu desenvolvimento e não para serviço do «interland».
Há muitos anos que gritamos a necessidade de criar vida própria à colónia, libertando-a da tutela económica que sôbre ela porventura exerce a União, manancial de onde recebe um valor de outro fictício, em troca da sua maior riqueza, ou seja a mão de obra, que de lá regressa depauperada e esgotada.
Foi o governador geral Sr. Freire de Andrade, distinto colonial, quem logo em seguida à convenção de 1 de Abril de 1909, nos falou dum empréstimo, que viesse criar vida própria à colónia e sobretudo ao sul do Save, para que, terminados os 10 anos da convenção, pudéssemos, sem afectar o nosso orçamento das receitas, prescindir de dar aos outros um valor que poderíamos utilizar a benefício de, nós próprios, desenvolvendo a agricultura e as indústrias e criando riqueza pela valorização dos nossos ubérrimos territórios.
Moçambique dispõe já hoje anualmente para obras de fomento, incluídas na sua tabela de despesas extraordinárias, de 200:000 libras anuais, tem capacidade tributária a aproveitar com. cuidado e equidade, tem que contar com o saneamento da sua moeda, melhoria que resultará do empréstimo, trabalha já pelo saneamento, do seu orçamento, cortando despesas supérfluas, que já êste ano montam a uma economia de 60:000 libras, tem de contar também em prazo breve com receitas provenientes da melhoria que as suas obras tragam à colónia, e assim não tenho receio de que ela, daqui por três anos, possa satisfazer um encargo de £ 400:000 anuais.
Mas supondo que assim não seja, tenho ainda, que considerar que sendo o empréstimo feito em duas séries, só se efectuaria a segunda, depois da colónia estar segura de que teria elementos para fazer lace ao seu encargo.
Mas quero lembrar novamente que nenhum encargo pesa sôbre o orçamento da colónia, que tem feito todas as suas obras com as receitas próprias, emquanto que todas as colónias sul africanas têm pesadíssimos encargos resultantes das suas dívidas.
Fui sempre partidário de que as gran-
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des obras de fomento se devem fazer ràpidamente, por lançamento de empréstimos, liquidando-os com a reserva anual que às mesmas obras era destinada.
Creio, Sr. Presidente, ter demonstrado que Moçambique têm os meios necessários e indispensáveis para cumprir os encargos resultantes dêste empréstimo, pois a verdade é que a colónia se encontra em meu parecer em condições de poder arcar com responsabilidades morto maiores.
Já V. Exa., Sr. Presidente, e a Câmara vêem as razões por que o critério do Senado não é aceito por mim, aceitando no emtanto as emendas por êle propostas, convencido como estou, de que a sua rejeição traz ainda maiores demoras, que se não compadecem com a urgência dêstes assuntos, sobretudo neste momento em que Moçambique tem necessidades de realização imediata, e ainda depois de verificar quanto têm sido morosa a aprovação ou rejeição duma simples autorização, porque a discussão da minuta do contrato pertence, como várias vezes já disse, ao Conselho Legislativo da Colónia.
Não falarei mais das obras a realizar, que constam claramente de autorizações, e a elas já me referi quando da discussão nesta Câmara, posso porém garantir à Câmara que essas obras são da máxima importância e de reconhecida utilidade, pois a verdade é que falo no assunto por alguma cousa conhecer directamente das necessidades da colónia que tenho a honra de aqui representar.
O meu desejo, Sr. Presidente, era de que o Senado não tivesse apresentado semelhantes emendas, porque autorização não indicava utilização imediata de toda a importância autorizada, no emtanto aceito-as pelas razões que já expus à Câmara.
Pedi a palavra sôbre o assunto unicamente para justificar o meu voto, que podia ser tomado à conta de contrario as primeiras declarações que sôbre o assunto produzi nesta Câmara, quando se efectuou a primeira discussão da presente proposta de lei.
Tenho dito.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: antes de entrar no assunto, permita-me V. Exa. que eu mais uma vez proteste contra o mau sistema,
que se vem seguindo, de se ocupar o período de antes da ordem do dia quasi exclusivamente com a discussão de projectos e propostas de lei, quando é certo que muitos outros há de grande importância que, segundo o regimento, só nesse período podemos tratar.
Chega-se até ao ponto de se passarem sessões sucessivas sem termos um instante sequer para tratarmos dêstes assuntos.
Se a Mesa quisesse lembrar os preceitos do Regimento, êste abuso não se cometeria com tanta facilidade.
Sr. Presidente: ninguém pode contestar a gravidade do assunto em debate, e é para lastimar que se faça uma discussão por conta-gotas, que não permite um estudo consciencioso que nos habilite a emitir o nosso voto. Isto não importa tanto quanto a assuntos em que o nosso voto possa ser um obstáculo negativo. Mas neste caso não se dá isto. Temos de pronunciar-nos pela decisão da Câmara dos Deputados, ou pela emenda do Senado, se não preferirmos sair da sala.
É interessante dizer em síntese o que se tem passado relativamente a esta questão.
Em Dezembro último, na sessão que precedeu as férias do Natal, foi a proposta discutida aqui na generalidade pelo Sr. Cunha Leal, Brito Camacho e Nunes Simões, que faz hoje parte do Govêrno, e todos êstes Srs. Deputados ponderaram a gravidade do problema.
O Sr. Ministro das Colónias fez distribuir, particularmente pelos leaders desta Câmara, a minuta do contrato trazida de Londres pelo Sr. Augusto Soares. Então o Sr. Cunha Leal, secundado pelos Srs. Brito Camacho, Nunes Simões e até pelo Sr. Norton de Matos, defendeu a necessidade de serem publicadas as bases do contrato para que o país e o Parlamento tomassem delas o devido conhecimento. Resolveram aprovar a generalidade da proposta e guardar a discussão da especialidade para* ser feita em presença das bases do contrato.
Concordou nisto o Sr. Álvaro do Castro, que era então Ministro das Colónias, dizendo claramente que não fazia efectivamente sentido que se discutisse a proposta sem serem conhecidas as bases do contrato.
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Basta ler o n.° 4.° do artigo 26.º da Constituição para concluirmos que o Parlamento tinha o direito, o dever e a obrigação moral de conhecer as bases do contrato.
Só o propósito calculado de ocultar a verdadeira interpretação desta disposição constitucional pode atribuir-lhe um sentido restritivo que os partidários do empréstimo pretendem dar-lhe.
Não há ninguém que esteja disposto a tratar os assuntos com o cuidado devido que não dó a esta disposição a única interpretação que ela comporta.
Se da Constituição passamos a analisar a carta orgânica das colónias, encontramos na base 65.a uma disposição semelhante, que torna dependente, da deliberação do Poder Legislativo a realização de empréstimos às províncias ultramarinas.
Mas não é preciso ir tam longe.
Basta examinarmos a minuta do contrato firmada com a casa Armstrong Withworth and C° Limited, para nela encontrarmos uma cláusula condicionando a celebração do contrato ao voto do Parlamento. E a cláusula 29.ª, para a qual chamo a atenção da Câmara.
De maneira que, se dúvidas pudesse haver acerca da competência legal do Parlamento para se pronunciar sôbre as bases do contrato, elas desapareceriam em face das próprias disposições desta.
O Sr. Presidente: — Deu a hora de se passar à ordem do dia. V. Exa. deseja ficar com a palavra reservada?
O Orador: — Sim, Sr. Presidente. É aprovada a acta.
O Sr. Presidente: — Chegou à Mesa a comunicação do ter falecido o antigo Senador Sr. Vasconcelos Dias. Creio que a Câmara quererá manifestar o seu sentimento pela perda de um militar que prestou relevantes serviços ao seu país, e por isso proponho que se lance na acta um voto de pesar.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Em nome dêste lado da Câmara associo-me ao voto de sentimento proposto pela Mesa.
O Sr. Garcia Loureiro: — Sr. Presidente: em nome da minoria nacionalista,
associo-me ao voto de sentimento que V. Exa. acaba de propor.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Em nome do Govêrno associo-me ao voto de sentimento que acaba, de ser proposto. De facto, o Sr. Vasconcelos Dias foi um dos mais ilustres oficiais do nosso exército, a quem se deve uma grande obra, sobretudo como director e organizador da Manutenção Militar.
O Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Câmara, considero aprovado o voto de sentimento.
Vai ler-se a proposta de alteração do Regimento apresentada pelo Sr. Marques Loureiro e assinada também pelos Srs. Sousa da Câmara, António Dias, Hermano de Medeiros e Velhinho Correia. Para esta proposta requerem os signatários urgência e dispensa do Regimento.
Consultada a Câmara, é aprovada.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: encarrega-se esta Câmara de demonstrar todos os dias que quem aqui fala com razão somos nós.
Há cêrca de quinze dias a Câmara votou uma proposta a fim de que houvesse sessões nocturnas para a discussão do Orçamento.
Declarámos que éramos contra tal proposta, porque não só ela nos tirava o tempo necessário para discutir outros assuntos, mas ainda porque prevíamos que a maioria não compareceria às sessões. A maioria, porém, teimou, insistiu e o resultado é aquele que temos visto. O celebro requerimento do Sr. António Maia vai já na nona representação. Está tendo um sucesso parlamentar como há muito tempo não vemos nos teatros portugueses, e, se não fôsse a proposta que acaba de ser enviada para a Mesa, teríamos de assistir em breve à décima quinta representação, isto é, à récita do autor Sr. António Maia.
Isto é absolutamente contrário ao prestígio parlamentar e não podemos deixar de protestar contra o facto de nos obrigarem a vir aqui durante nove sessões, que não chegaram a realizar-se.
Não posso compreender também como é que, a doze ou treze dias do fim do ano
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económico, o Parlamento não se tenha preocupado com a discussão do Orçamento Geral do Estado, que nem sequer ainda iniciou.
E nestas condições, já porque a Constituição assim o determina, já porque não há possibilidade de qualquer país se governar sem conhecer as suas contas, não damos o nosso voto à proposta em discussão, uma vez que, em nosso entender, a Câmara, a não ser com raras excepções, para propostas de reconhecida urgência, como a que diz respeito ao funcionalismo público e à questão cerealífera, não devia ocupar-se doutro assunto que não fôsse o Orçamento Geral do Estado.
Votaríamos uma proposta no sentido de só se tratar dos orçamentos. No sentido em que está feita não votamos e não vamos com o nosso voto contribuir, como aliás êste Parlamento e o Govêrno têm feito, para esfarrapar a Constituição.
Espero que ainda alguém apresente uma emenda modificando esta proposta.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: tenho em muito pouca consideração a votação do Orçamento, mas tenho em muita consideração a minha atitude nesta Câmara, não porque desejo pedir votos aos meus eleitores, mas porque desejo cumprir honradamente o mandato de que estou investido.
Diz o Sr. Carvalho da Silva que a culpa é da maioria por não vir às sessões nocturnas, mas eu direi que é menos censurável não vir cá do que retirar-se da sala por não saber como se há-de votar, e isso teria eu de fazer se se votassem as emendas do Senado. Isto, porém, é mais decoroso que sair da sala para não haver número.
Pondo de parte êste incidente, de que peço desculpa a V. Exa., direi a V. Exa. que tenho a impressão de que a proposta do Sr. Marques Loureiro não resolve a questão. O melhor era pegar em todos os orçamentos e dizer amen.
O orador não reviu.
O Sr. Abílio Marçal: — Dada a dificuldade que há em fazer funcionar o Parlamento à noite e não me parecendo que a proposta do Sr. Marques Loureiro resolva a questão, mando para a Mesa uma nova proposta concebida nestes termos:
Proposta de substituição
Proponho que as sessões principiem à hora regimental e terminem às 21 horas, sendo as duas últimas horas destinadas à discussão das propostas orçamentais.— Abílio Marçal.
Leram-se na Mesa as propostas dos Srs. Marques Loureiro e Abílio Marçal, sendo a primeira do teor seguinte:
As sucessivas faltas de número, constituindo prática constante, têm impedido a realização de sessões nocturnas com manifesto desprestígio para a instituição parlamentar e gravame para os Deputados que às mesmas sessões têm comparecido.
No intuito de obviar a tais inconvenientes, propomos que apenas se realizem normalmente sessões diurnas, com princípio às 13 horas e fim às 20, consagrando--se em cada uma as duas últimas horas exclusivamente à discussão dos orçamentos, sem prejuízo de prorrogação de tais sessões quando assim fôr aprovado.
Para esta proposta requeremos urgência e dispensa do Regimento.
17 de Dezembro de 1923.— António Dias — Manuel de Sousa da Câmara — F. G. Velhinho Correia — Hermano de Medeiros — José Marques Loureiro.
É aprovada a proposta do Sr. Marques Loureiro com a emenda do Sr. Abílio Marçal.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: pregunto a V. Exa. como resultado das votações, a que horas vai V. Exa. abrir a sessão?
O Sr. Presidente: — A primeira chamada será às 14 horas e a segunda às 15. Pausa.
O Sr. Presidente: — Devia seguir-se a discussão sôbre o caso da prisão do Sr. Lelo Portela, mas fui informado de que a comissão está reunida para elaborar o parecer.
Nestes termos, parece-me conveniente aguardar que a comissão apresente o seu trabalho e até lá discutiremos o parecer n.° 668-A.
Apoiados.
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O Sr. António Pais: — Sr. Presidente: o parecer que está na ordem do dia já foi largamente debatido nesta Câmara, e por isso eu dispensar-me-ia de o discutir também se não desejasse fazer algumas considerações que me são sugeridas pela sua leitura e pelo conhecimento que tenho do meio agrícola que aqui represento.
O Sr. relator do projecto certamente desconhece êsse meio, aliás não aplicaria indistintamente o mesmo coeficiente a toda a propriedade, o que afectaria gravemente a agricultura nacional.
Se êste projecto fôsse aprovado como está — o que suponho não poderá suceder — o médio e o pequeno proprietário, mas principalmente êste último, ficariam aniquilados e absolutamente impossibilitados de explorar proficuamente as suas terras.
As propriedades de média e pequena cultura, no Alentejo, não suportariam êsse novo tributo, por ser excessivo.
A propriedade média é bastante prejudicada, porque estando caríssimos os gados, as sementes e os adubos, e sendo quási artigos de luxo os carros, alfaias agrícolas, ferramentas e instrumentos ara-tórios, não são precisos menos de 200 a 300 contos para custeio.
Por isso muitos proprietários, lutando com falta de capitais, não tendo até numerário para os seus pagamentos semanais, preferem arrendar as suas terras por quantias relativamente pequenas a terem de explorá-las por conta própria.
E é esta uma das principais causas do absentismo e urbanismo que tanto está lesando a lavoura do país e. que mais a há-de lesar se as contribuições forem aumentadas sem um critério ponderado.
Actualmente o proprietário alentejano é muitas vezes obrigado a pagar ao trabalhador rural por meio de géneros agrícolas, pela falta de numerário que apontei, géneros que são produzidos na sua propriedade.
Sendo-lhe elevada a contribuição predial rústica, lutará com enormes sacrifícios para pagar essa contribuição, a não ser que se aumente a circulação, fiduciária.
Já hoje muitos deles foram altamente prejudicados com o pagamento das contribuições só em duas prestações.
Mas a que é gravemente atingida, é a pequena propriedade, a que naquela região é designada por propriedade miúda.
Tomando como exemplo uma propriedade dessa categoria que seja constituída por terras de semeadura e olival, verificaremos que há anos em que a sua produção é quási nula, como sucede naqueles em que se faça a limpeza das oliveiras ou quando nela não possam cultivar-se produtos de colheita remuneradora, pois é evidente que essas propriedades não têm, como as grandes, a rotação dos afolhamentos e, portanto, não há a mesma compensação.
Por isso não é demais repetir que são principalmente os pequenos proprietários, aqueles que fabricam directamente as suas terras, fazendo às vezes os serviços pelas suas próprias mãos, os que mais prejudicados seriam se êste projecto fôsse aprovado tal como está, efectivando a tremenda iniqüidade de ser aplicado às suas propriedades o coeficiente dos extensos latifúndios alentejanos.
Acho por isso que a propriedade — e principalmente a pequena propriedade — está completamente esgotada na sua capacidade tributária, e os inconvenientes que daí derivam, são muito graves.
Para as outras categorias de propriedade, especialmente para a grande (e mesmo para a média, pela diversidade das culturas), entendo que não podemos avaliar a sua capacidade tributária emquanto não se fizer, uma remodelação profunda, mas consciente, das matrizes prediais.
Êsse serviço tem de ser feito sem precipitação e não como tem sido feito geralmente até hoje: por indivíduos sem competência alguma.
Conheci uma junta concelhia de avaliadores, constituída por um empregado público aposentado, um padre e um sacristão, que não tinham os requisitos indispensáveis para assumir tam grave responsabilidade e que avaliavam as propriedades como pode supor-se.
É preciso que isto se não repita e que êste estado de cousas se modifique favoravelmente, de modo que não seja um serviço deprimente para o regime, e que nem o Estado nem os proprietários fiquem prejudicados nos seus interêsses.
Conheço regularmente a psicologia do contribuinte alentejano: paga honradamente e pontualmente as suas contribui-
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coes, sem discutir o tributo, nem a aplicação do seu dinheiro.
Contudo não tem caminhos de ferro, nem estradas para colocar os seus produtos, faltando-lhe mesmo as pontes para que, no rigor do inverno, não fique isolado na sua terra.
Quando pede uma escola, um subsídio de beneficência, responde-se-lhe invariavelmente que não há.dinheiro!
Quando vê os seus gados a morrerem assustadoramente, e pede que lhe mandem ao menos um veterinário, diz-se-lhe que não há verba!
Pois apesar de tudo isto, Sr. Presidente, o alentejano nunca tem deixado de pagar patriòticamente as suas contribuições, sendo raro haver um relaxe e sendo raríssimo haver uma execução fiscal»
Nem por isso tem ganho mais, por que sendo o Alentejo uma província essencialmente agrícola — é triste dizê-lo — mas até há pouco tempo não tinha uma única escola agrícola, nem postos agrários ou quesquer institutos de ensino rural!
Actualmente é que há uma escola agrícola nos arredores de Évora; mas o que é isso para uma província tam grande, como é o Alentejo e cuja população vive quási exclusivamente da agricultura?
Lamento não ver presente o Sr. relator do projecto, porque certamente S. Exa. viria a concordar comigo.
S. Exa. desconhece as dificuldades com que lutam os proprietários para satisfazerem os encargos que lhes são impostos.
O lavrador do Alentejo luta actualmente com uma crise tremenda, de falta de, braços, originada pela pouca densidade da sua população e mais agravada pela emigração, como conseqüência da carestia da vida.
O pessoal vem muitas vezes, como sucede agora pelas ceifas, doutras províncias, especialmente das Beiras.
Mas aqui tem o lavrador alentejano outra dificuldade a vencer: se ao trabalhador da terra pode pagar em géneros, outro tanto não pode fazer ao trabalhador beirão.
Onde vai buscar o numerário para pagar a êste?
O remédio para isso seria, segundo ouvi dizer aqui ao Sr. relator do projecto, os ceifeiros levarem menos dinheiro»
Mas isso, Sr. Presidente, seria uma grande descoberta, aplicável a todos os funcionários públicos, por exemplo; e por isso não seria preciso elevar as contribuições!
Apoiados.
Mas as cousas não podem ser encaradas só por um lado; têm de ser vistas com imparcialidade.
Se o projecto fôsse aprovado como está, evidentemente haveria não uma simples perturbação, mas uma verdadeira convulsão — este é que é o termo — uma verdadeira convulsão em toda a agricultura portuguesa.
Apoiados.
Devo dizer que essa convulsão seria tal, que o Sr. Ministro das Finanças e o Sr. relator ver-se-iam assoberbados por graves responsabilidades.
S. Exas., quero crê-lo, não mediram as conseqüências que daí podem advir.
O Sr. relator, apesar do seu espírito bastante lúcido (e na melhor das intenções, faço-lhe essa justiça), não viu a medalha pelos dois lados, como costuma dizer-se.
Apenas a encarou por um lado: arranjar dinheiro!
Mas é preciso verem-se as conseqüências, que seriam desastrosas.
Uma delas seria o abandono das terras pelos seus proprietários, por falta de dinheiro para o seu custeio, deixando-as entregues a uma cultura de acaso, quási improdutiva para a riqueza nacional.
Seria um absentismo forçado, muito pior que o voluntário.
Há uma circunstância que S. Exa. desconhece: no Alentejo o sistema de cultura seguido é o do afolhamento.
Desde que não haja capital para fazer a exploração agrícola como deve ser feita, as terras são reservadas para pastagens quási exclusivamente, havendo ainda, como resultante, maior falta de trigo no nosso país.
É uma das conseqüências inevitáveis.
Apoiados.
Mas dá-se ainda outra circunstância bastante lamentável: é que a maior parte do gado criado nessas pastagens não fica cá.
Vai para a fronteira, que transpõe, o que não é fácil evitar pela guarda fiscal.
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Esta é que é a verdade: os sons donos usarão de todos os meios para iludir a vigilância do Estado, e não haverá maneira alguma de o impedir.
Pelo contrário, haverá sempre mil maneiras de o enganar.
Apoiados.
O gado constitui uma grande riqueza móvel, ou antes, semovente, que será impossível evitar que saia da fronteira.
Muitos mais inconvenientes há ainda; mas, quando outros não houvesse, há êstes que apontei, e que não me parecem pequenos.
Além disso, se o projecto fôsse aprovado, a carestia da vida subiria ainda mais, muito mais, espantosamente; e nada se ganharia com a sua aprovação, ficando todos encerrados num círculo vicioso de que não seria fácil, sair jamais.
Senão vejamos: o lavrador ou produtor tem de levantar os preços dos géneros desde de as contribuições lhe são aumentadas de uma maneira iníqua.
Carece de vender êsses produtos mais caros.
Apoiados.
Não tenhamos ilusões: há-de subir o preço do pão, da carne, do azeite, de todos os cereais e legumes — e conseqüentemente tudo mais — por que os lavradores ver-se hão numa situação difícil, terão de vender mais caro, e o povo ver-se há numa situação angustiosa, mil vezes pior, porque é o caso das duas bilhas: a de ferro e a de barro, sendo sempre esta a que se quebra!
Diz-se que as classes laboriosas têm agora mais dinheiro, e que, por isso, vivem mais desafogadamente.
Não é assim.
Aqueles que ganham agora mais, julgam-se mais ricos por se verem com muitas notas em seu poder.
Mas todos sabemos que isso não passa de uma enganadora miragem.
A muitos trabalhadores rurais tenho ouvido dizer que preferiam ganhar três ou quatro tostões por dia, como antes da guerra, há doze ou quinze anos, conservando-se os preços de então em tudo, do que terem jornas de 20$ e 30$, como têm agora nalguns trabalhos, porque a vida para êles é muitas vezes um verdadeiro calvário, principalmente quando são atingidos pela doença ou pela falta de trabalho. Actualmente é muitas vezes a ruína de um lar.
Julgo ter demonstrado que a aprovação dêste projecto poderia ser causa de erros irremediáveis.
Traria conseqüências tam graves que poderiam ir muito longe. Não estou a atacar nem a defender o projecto. Limito-me a trazer o meu desinteressado testemunho à Câmara, a fim de a elucidar sôbre o que se passa na região que aqui represento.
O lavrador alentejano é também bastante onerado com o imposto ad valorem.
Parece à primeira vista que isto não tem importância, mas tem-na, e muito especialmente nos concelhos donde saíam muitos produtos.
E assim, a cortiça é deveras sobrecarregada, não tendo aliás o seu prêço acompanhado a alta dos outros produtos e do custo da vida, tendo havido questões judiciais motivadas por êste facto.
Evidentemente, êste processo do projecto, arranjando muito dinheiro em pouco tempo, seria muito cómodo se não tivesse as conseqüências que já apontei.
Demais a mais, se não se fizer uma avaliação rigorosa e conscienciosa das propriedades, e ela tem de fazer-se, resulta daí uma tremenda iniqüidade, quando não seja uma injustiça, que var atingir exactamente as propriedades mais pequenas.
Apoiados.
Sôbre a avaliação das propriedades não concordo com o cadastro como o Sr. relator o propõe. Entendo que deve ser feita uma avaliação cuidadosa a cada uma das propriedades, seja por meio de comissões em cada concelho, ou seja por qualquer outro modo; mas sempre com pessoas competentes. O exemplo trazido há dias aqui pelo ilustre Deputado, Sr. Sousa da Câmara é verdadeiramente típico.
Não pode, realmente, continuar a suceder o que S. Exa. aqui disse.
Embora se faça o cadastro geométrico, não se pode fazê-lo à toa; e só o cadastro não é suficiente para uma boa avaliação.
Os oficiais do exército podem realmente levantar a planta topográfica do terreno; mas, geralmente, mais nada. A não ser que sejam simultaneamente oficiais do
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exército e agrónomos ou agricultores competentes, como alguns que conheço.
Desde que nas comissões não haja pelo menos um agrónomo ou agricultor diplomado que tenha mostrado a sua competência — porque, há muitos que se dedicam a outras especialidades — nada se poderá fazer de útil.
O outro ponto para que quero chamar a atenção da Câmara é o que respeita ao pessoal das repartições de finanças.
Infelizmente, é êste um dos assuntos suais melindrosos e difíceis de resolver. O pessoal das repartições de finanças, entre o qual há funcionários muito distintos, muito probos, e trabalhadores, precisa também de ser muito competente e não se deixar vencer por êsse vírus político que geralmente predomina nas terras pequenas.
Sr. Presidente: vou terminar as milhas considerações, lembrando ao Sr. Relator um facto que se dá muitas vezes em agricultura.
Não sei se S. Exa. se tem dedicado à agricultura ou se conhece os costumes das abelhas, mesmo que não tenha lido as páginas admiráveis de Maeterlink ou Michelet. Pedia, pois, a S. Exa. para reparar no trabalho maravilhoso das abe»lhas — se não o conhece.
Há entre elas uma excelente divisão do trabalho; não há ociosidade nas colmeias; - as bocas inúteis — os zangãos — são implacavelmente suprimidos. Em resumo: cada colmeia é, para assim dizer, uma pequeníssima república, muito bem organizada o administrada e que tantos ensinamentos podia dar às republicas dos homens... Contudo, é necessário tratá-las com todo o cuidado. Supondo que o Estado é o apicultor e os contribuintes são as abelhas, vivendo nas suas colmeias, direi a S. Exa. que êle não pode tirar-lhes todo o mel que produzem, porque é necessário deixar-lhes algum para elas se alimentarem, especialmente no inverno. Se S. Exa., como apicultor, tirar todo o mel da colheita, fica muito satisfeito com isso, libando o precioso néctar e pensando que para o ano seguinte tem lá a mesma quantidade dele ou até mais, mas o que sucede é que, se não deixar o indispensável para as abelhas invernarem, isto é, se crestar demais, em lugar de encontrar vinte colmeias, por exemplo, encontra vinte casas vasias.
Aproveitando uma frase que ontem ouvi aqui ao Sr. Ministro das Finanças, afirmando que era tam fácil mandar fazer um cadastro como era fácil mandar fazer um casaco ao alfaiate, direi, para finalizar, que o alfaiate, neste caso, seria o Sr. Velhinho Correia; mas lembro a S. Exa. que o casaco fica muito apertado à agricultura; e tam apertado que ela não poderá mexer os braços!
Apoiados.
Tenho dito.
O Sr. Rodrigues Gaspar (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: desejava que V. Exa. me informasse se tem conhecimento de que o Sr. Ministro dos Estrangeiros venha hoje à Câmara.
O Sr; Presidente: — S. Exa. disse que sim, após lhe ter sido comunicado o desejo de V. Exa. falar na sua presença.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: como se trata apenas de responder na generalidade, pronunciar-me hei somente sôbre a oportunidade e necessidade, no seu conjunto, da proposta de lei em discussão. Explicarei ao mesmo tempo a razão da proposta que aumenta os adicionais dos impostos, declarando desde já que, se ela não joga com as disposições da outra proposta, é porque foi feita anteriormente e unicamente para atender às reclamações do funcionalismo público sôbre os seus vencimentos.
Devo dizer, que se esta proposta não fôr aprovada, embora com as emendas que a Câmara entender, não será possível em Julho acudir à situação do funcionalismo.
Com respeito à parte da generalidade da proposta, foi aqui discutida a impossibilidade de ela evitar as desigualdades que se manifestam.
Ora, esta proposta é simplesmente de ocasião, e não tem outro objectivo que não seja obter uma elevação de receitas, absolutamente necessária para o Estado poder vencer as dificuldades em que se encontra.
De resto, as desigualdades que se manifestam já vêm de muito longe, e a Câmara já podia ter obviado a êsse incon-
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veniente, quer pela adopção do cadastro, quer por qualquer outro meio.
Como V. Exas. sabem, pelo cadastro pode estabelecer-se uma melhor e mais exacta tributação predial, e traz também a vantagem de se verificar se todas as propriedades se encontram convenientemente registadas.
Em Portugal a organização do cadastro é muito difícil de fazer-se, porque a divisão da propriedade, nos concelhos e nas freguesias, não está feita. Eu bem sei que o cadastro leva bastante tempo elaborar, que é uma operação bastante demorada, mas ela tem de iniciar-se.
Sr. Presidente: o Sr. Joaquim Ribeiro apresentou uma proposta já detalhada sôbre a organização do cadastro, e se a Câmara entender que êle se deve iniciar, pode indicá-lo ao Govêrno que procederá imediatamente a êsse trabalho.
De resto, não compreendo porque é que, reconhecendo-se como uma cousa indispensável à criação do cadastro, ele se não organiza.
Creio, no emtanto, que qualquer Ministro poderia fazer a correcção dos cadernos das matrizes...
O Sr. Meireles Barriga (interrompendo): — Isso só é possível para as propriedades que sofreram a inspecção directa.
O Orador: — V. Exa. está enganado. Êsses cadernos ou são muito antigos, anteriores a 1894, não correspondendo a cousa alguma que se aproxime da realidade, ou então, pela circunstância das repartições não terem casa própria, foram guardados em condições que não permitiram a sua conservação perfeita, sendo impossível a sua exacta verificação.
Os cadernos das matrizes antigos são difíceis de actualizar, porque se deram novas parcelações de propriedades e outras foram integradas nas anexas.
Interrupção do Sr. Carvalho da Silva, que não se ouviu.
O Orador: — As minhas palavras não são teorias, mas resultam do estudo a que mandei proceder e das investigações que se fizeram.
O processo das avaliações por meio de comissões, embora um pouco mais rápido, é contudo muito demorado ainda. Na Itália fizeram-se as avaliações a todas as propriedades rústicas em nove meses. Não sei se efectivamente no nosso país é realizável uma massa de trabalho desta ordem com eficácia, utilidade e equilíbrio, mas creio que não teríamos possibilidade disso e mesmo que o fizéssemos em quatro meses nenhuma utilidade adviria para o Estado, porque a primeira prestação começa a pagar-se em Junho e portanto, infelizmente, não podemos tirar qualquer resultado imediato das leis que o Parlamento agora vote.
A questão financeira resolve-se não apenas com medidas, mas também com a oportunidade dessas medidas.
Impõem-se medidas que ràpidamente possam fazer entrar o Estado na posse de receitas importantes.
Qual o sistema a adoptar para êsse efeito?
Aquele que preconizei, arranjando-se um factor, que pode ser arbitrário, mas que só aproxime da proporção da desvalorização da moeda.
Eu não discuto se a riqueza pública tem aumentado ou não. O que aumentou em quantidade foi o numerado correspondente a essa riqueza, e é na mesma proporção que eu desejo que o Estado receba dos contribuintes.
Vamos agora ver qual a fórmula que devemos estabelecer para que o Estado receba mais numerário.
A desvalorização da moeda não acompanha o preço das cousas, porque medeia entre um e outro fenómeno um certo lapso de tempo.
Por êste motivo a comissão de finanças entendeu que havia vantagem em estabelecer um factor móvel, conforme a desvalorização da moeda, e que êsse factor fôsse o máximo.
Já no outro dia tive ensejo de declarar, em resposta ao Sr. Carvalho, da Silva, que aceitava o critério da mobilidade do factor para os rendimentos colectáveis, porque assim, mais ou menos, aproximávamo-nos da realidade dos factos.
Não percebo porque há-de ser justo pagar-se em relação a determinadas tributações, selos correspondentes a ouro como sucede nas alfândegas, e não há-de ser justo que as outras tributações sejam também variáveis conforme a desvalorização da moeda.
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O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — V. Exa. compreende que existe uma defesa do consumidor em relação aos direitos sôbre as cousas importadas do estrangeiro, não importando senão aqueles géneros absolutamente indispensáveis, ao passo que com as tributações à lavoura não acontece o mesmo.
Havia por exemplo muitos lavradores que venderam êste ano o seu vinho mais barato do que o ano passado e tiveram de pagar mais do dôbro.
O Orador: — Mas V. Exa. não cita a inversa: quando as propriedades renderam ao lavrador 8:000 e pagou 1:000 não consta que o lavrador viesse entregar ao Estado mais dinheiro.
Para se fazer a correcção era necessário que o contribuinte pagasse sôbre o excesso.
Tudo isto é interessante sob o ponto de vista orçamental, porque o que é necessário é alcançar receita aproximada desde que baixe o preço do ouro.
Emquanto não se fixar a desvalorização da moeda não podemos conseguir o equilíbrio do orçamento.
Àpartes.
Um Deputado nosso colega apresentou-me uma deputação da Covilhã que vinha pedir protecção para certo fabrico nacional.
Tive ocasião de dizer aos que reclamavam que tudo que apresentavam da sua reclamação eram só palavras, e que apresentassem números para eu poder julgar.
Conheço um proprietário agrícola que estava na miséria em 1914, tendo as propriedades sob o pêso de toda a espécie de dívidas e hoje goza uma esplêndida situação, tendo até automóvel, tudo em virtude dos lucros que tem tido.
Àpartes.
O Estado não pode partilhar dos lucros, mas pode ter a sua parte no valor do dinheiro, e digo isto de uma maneira geral.
Sr. Presidente: o Sr. Sousa da Câmara referiu-se à necessidade de se alcançarem os dados em números que são necessários para a Câmara se pronunciar.
Isto é pedir o impossível porque números completos sôbre o assunto não existem, não há o cômputo geral, nem nas repartições há estatísticas.
Há, todavia, trabalho notáveis como os do Sr. Azevedo Gomes que devem ser considerados e merecem certo conceito.
Há os trabalhos do Sr. José Barbosa e Barros Queiroz, números calculados por hipóteses.
Àpartes.
Mas, Sr. Presidente, não acusemos os funcionários de finanças e deixemos os contribuintes.
Àpartes.
Eu, não como Ministro das Finanças mas como advogado, sei que os empregados de finanças têm sido honestos.
Já tive ocasião de dizer que as duas propostas não tinham sido apresentada» na mesma época, devendo ser votada, primeiro a que não foi apresentada em primeiro lugar.
Não sei em que argumentos se possa alguém fundar para dizer que a contribuição predial não pode duplicar ou triplicar a importância por que hoje é representada e que é uma miséria.
Cobra-se hoje pela contribuição predial uma verba que efectivamente não corresponde ao que se devia pagar.
Àparte do Sr. Carvalho da Silva que não se ouviu.
O Orador: — Estou convencido de que-a tributação que é exigida na totalidade dos números é absolutamente comportável.
Com respeito à objecção que foi feita pelo Sr. Sousa da Câmara, referente à pequena propriedade, que, em seu dizer, se encontra demasiadamente tributada, estou perfeitamente de acordo; na própria comissão de finanças eu tive ocasião de dizer que a multiplicação por aquela forma se traduzia tanto para a pequena como para a média propriedade num verdadeiro exagero»
Àparte do Sr. Carvalho da Silva, que não se ouviu.
O Orador: — No meu distrito, e eu conheço-o menos mal, os grandes proprietários não estão inscritos como devem estar.
Mantenho a minha opinião e farei o possível para que tanto a favor do pequeno como do médio proprietário a Câmara use de facilidades; sôbre o grande proprietário é que precisa ser inexorável.
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Sr. Presidente: sôbre a generalidade era isto que tinha a dizer; quanto às objecções que foram feitas na especialidade, na discussão por artigos, a elas responderei em momento oportuno.
Certo estou de que a Câmara não deixará de dar o seu voto à generalidade da proposta, e essa minha convicção provem de duas cousas: em primeiro lugar porque a Câmara não pode deixar de considerar necessário o aumento das tributações, e em segundo lugar porque o Estado não pode continuar nesta situação, de estar a receber as suas contribuições por adicionais.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vou dar a palavra ao Sr. Cancela de Abreu; devo, porém, prevenir S. Exa. de que terá de interromper as suas considerações logo que chegue à Mesa o parecer, da comissão de guerra sôbre o ofício relativo à prisão do Sr. Lelo Portela.
O Sr. Cunha Leal (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: o ruído de cima não permitiu que eu ouvisse V. Exa. dar a palavra ao Sr. Cancela de Abreu.
O Sr. Presidente: — Devo desde já prevenir V. Exa. que, logo que dei a palavra ao Sr. Cancela de Abreu, lhe declarei que teria de interromper as suas considerações assim que chegasse à Mesa o parecer da comissão de guerra.
O Sr. Cunha Leal: — Mas se o parecer demorar, não teremos tempo ainda hoje de o apreciar.
O Sr. Presidente: — Creio que não demorará.
Está sôbre a Mesa o parecer da comissão de legislação criminal.
O Sr. Cunha Leal: — Nesse caso pedia a S. Exa. que, o mais tardar, às dezoito horas e meia se iniciasse a discussão.
O Presidente: — Espero que antes dessa hora estará na Mesa o parecer.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: vai longa a discussão dêste assunto por parte dêste lado da Câmara.
Bem o merece a gravidade da proposta.
Porém, por parte da maioria, a única pessoa que se levantou a defender a proposta em discussão e o plano financeiro que p Sr. Afonso Costa encarregou o Sr. Álvaro de Castro de pôr em execução, foi o Sr. Velhinho Correia, isto é, o próprio autor do projecto da comissão. Em todo o caso, o assunto é de tamanha importância, é de tal monta, que eu entendo que não é demasiado tudo que se diga a seu respeito no sentido de demonstrar os seus gravíssimos inconvenientes.
Todos sabemos que o homem que reside no estrangeiro e que de lá governa em Portugal, impôs como condição para assumir as rédeas do Govêrno a realização duns certos planos, a prática duns certos actos e medidas que se destinassem, pela sua efectivação, a aplanar o caminho e a dispor as cousas de modo a S. Exa. vir depois colhêr os frutos e os louréis.
Conhecendo nós, pelos precedentes, que não se trata de pessoa, que deixe os seus créditos por mãos alheias, não julgue o Sr. Afonso Costa, quando colhêr os frutos e os louros, se porventura os houver, se lhe atribuirá a glória, ou mesmo qualquer parcela dela.
E, portanto, uma missão espinhosa e ingrata aquela de que se incumbiu o chefe do Govêrno. Cria ódios e más vontades, sem ao menos se poder vangloriar de que alguém possa com justiça louvar os seus propósitos e intenções.
É lamentável que o Sr. Álvaro de Castro se sujeite a desempenhar esta missão de subalterno.
De lamentar é que o país ignore ainda hoje que o Govêrno está demissionário e que aguardam apenas ordens do patrão, havendo Ministros que já não vêm ao Parlamento.
O Sr. Presidente: — Tenho a advertir a y. Exa. de que, estando já sôbre a Mesa o parecer da comissão de guerra, relativo à prisão do Sr. Lelo Portela, fica V. Exa. com a palavra reservada, pois vai-se discutir êsse parecer.
Leram-se os pareceres da comissão de guerra e da comissão de legislação criminal.
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Pareceres
Senhores Deputado. — A comissão de guerra, depois de ponderar largamente o assunto que determinou a sua reunião e depois de um amplo debate leito-sobre o que interessa à índole desta comissão, resolve não se pronunciar sôbre o documento que lhe foi presente (comunicação de S. Exa. o Ministro da Guerra), por encontrar fora das suas atribuições semelhante pronúncia, visto o documento em questão, em última análise, versar exclusivamente interpretações a dar aos artigos 17.° e 18.° da Constituição e por conseguinte essa interpretação dá-la hão cada um dos seus membros como Deputados.
Sala das Sessões, 17 de Junho de 1924.— A Comissão de guerra, João Pereira Bastos—Tomás de Sousa Rosa (vencido na parte referente a não se pronunciar a comissão do guerra sôbre o assunto em discussão, por entender que o devia fazer, relegando à Câmara a resolução que devia entender tomar) encarando o caso da prisão de um Deputado, sob o ponto de vista político) — Viriato da Fonseca —Vitorino Godinho — José Cortês dos Santos — Pina de Morais.
Senhores Deputados. — A vossa comissão de legislação criminal entende que só à Câmara compete autorizar ou não que continue preso o Sr. Lelo Portela.
Em 17 de Junho de 1924.— Vasco Borges — Moura Pinto — Alberto Jordão —-Crispiniano da Fonseca (entendo que tendo sido preso o Sr. Lelo Portela em flagrante delito por crime á que correspondo pena maior, desnecessária era a consulta feita pelo Sr. general comandante da divisão por intermédio do Ministro da Guerra) — António Resende (entendo que a hipótese é exclusivamente regulada pela secunda parte do artigo 17.° da Constituição e que, assim, o ofício do Sr. Ministro da Guerra apenas pode ser considerado como uma comunicação, feita à Câmara, de um facto consumado, que ela não pode alterar).
O Sr. Vergílio Costa: — Requeiro que seja prorrogada a sessão até discussão final do parecer.
Foi aprovado.
O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: quando ontem requeri que se discutisse e
votasse o pedido do general da 1.ª divisão feito à Câmara por intermédio do Sr. Ministro da Guerra, com parecer ou sem parecer das respectivas comissões, eu tinha toda a razão, pois não havia necessidade dêsses pareceres, que, agora apresentados, são um verdadeiro jôgo de empurra.
O Sr. Pina de Morais: - Não apoiado.
Àpartes.
O Orador: — A comissão de guerra não se pronuncia e a comissão do legislação criminal entende que é a Câmara que tem de se pronunciar sôbre o assunto.
Apartes.
Eu entendo muito bem o escrúpulo das comissões a respeito de uma questão que se refere à Constituição, e, desejando ser coerente com o procedimento que tive a respeito do pedido de prisão dos Srs. Cortês dos Santos e Vergílio Costa, ao qual neguei a minha autorização, notando também que não eram meus correligionários, quero apresentar a minha opinião e dar sem receio o meu voto sôbre êste caso de agora.
É meu correligionário o Deputado sôbre quem recai o pedido feito, mas é como se não fôsse, e só procuro interpretações rígidas das disposições legais da Constituição.
O pedido feito agora já devia ter sido feito.
Sr. Presidente: foi intuito do legislador dar aos Deputados e Senadores garantias absolutas com respeito à sua liberdade.
As imunidades estabelecidas na Constituição são de modo a que, embora o crime seja classificado, a Câmara tem de dar autorização para prosseguir o processo, depois da pronúncia.
Em face do artigo 18.° da Constituição, que isto estabelece, impondo claramente, insofismavelmente, a obrigação dos Deputados e Senadores autorizarem ou não o prosseguimento do processo, pregunto se a Câmara não tem de se pronunciar.
Àpartes.
A doutrina do artigo 18.° é bem clara, e tam clara que estou absolutamente convencido de que ninguém a poderá contestar.
Assim, Sr. Presidente, em face do artigo 18.°, a que acabo de me referir, a
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Câmara tem de autorizar que o processo continue, e todos sabem que a continuação de um processo dá lugar a pronúncia que é a prisão do argüido.
Sr. Presidente: quanto à Interpretação que se pretende dar ao artigo 17.°, chego à seguinte conclusão: quando um Deputado fôr preso lá fora por um polícia, desde que seja em flagrante delito, a que corresponde pena maior, a prisão está bem feita; no emtanto a Câmara não pode pronunciar-se, visto êle ter sido preso em flagrante delito.
Há aqui duas disposições que temos de interpretar em conjunto e para o que temos de prever hipóteses; porém, desejava bastante que a Câmara me. explicasse o que é estar preso em flagrante delito.
Ser preso em flagrante delito sei o que é; estar preso em flagrante delito confesso que não sei o que seja.
As disposições das leis têm de ser interpretadas em termos hábeis, de forma a que não resulte um absurdo.
Sr. Presidente: todos nós que passámos pela Universidade e que temos uns certos conhecimentos das leis não podemos deixar de concluir que a interpretação que se quero dar a esta disposição é daquelas que logicamente se têm de considerar absurdas.
Analisando o artigo 172.° da Constituição verifica-se que há uma regra estabelecida e urna, excepção.
Manifestamente, exceptua-se aquilo que se pode exceptuar.
Desde que se exceptue o flagrante delito, evidentemente que a circunstância de ser flagrante apenas diz respeito a «ser preso» e não «estar preso».
Apoiados.
Assim, ternos portanto o Deputado preso -em flagrante delito, a que corresponde pena maior, bem preso.
Simplesmente uma vez aberta a Câmara, desde que ela se encontrasse fechada, ou na primeira sessão desde que ela estivesse aberta, devia ser submetida à sua apreciação, o pedido para que o Deputado continuasse preso.
E, é nesta altura que a própria Câmara tem de verificar se o flagrante delito em que se diz ter sido preso o Deputado existe e se a êsse flagrante delito corresponde, pena maior ou equivalente na estala penal.
Como não havemos de interpretar assim?
Suponhamos que eu, saindo ali a porta do Congresso, tenho necessidade, porque sou atacado ou simplesmente injuriado, de dar uma bofetada ou um soco num cavalheiro que me ofende.
Um polícia que está presente intervém e entende que eu dei, não uma bofetada ou um soco, mas um golpe de que pode resultar a morte dêsse cavalheiro e que, portanto, não foi uma agressão mas uma tentativa de homicídio voluntário a que corresponde pena maior.
Nestas condições, eu era preso nos termos da Constituição.
Mas, apresentado à Câmara um pedido idêntico àquele que se discute, e poderia ela deferir êsse pedido?
A Câmara, averiguando tratar-se de uma ofensa apenas corporal, porventura sem qualquer vestígio, não teria que dizer claramente que essa prisão não podia ser mantida?
Tenho a certeza de que, como eu, pensam todos os membros desta casa do Parlamento.
E qual será a altura em que a Câmara poderá pronunciarão, dizendo que determinado Deputado não foi bem preso nos termos em que o foi?
Unicamente na altura em que ela é chamada a pronunciar-se sôbre êsse assunto.
A face das disposições constitucionais que regulam a matéria, não tenho receio de que haja alguém capaz de contestar os argumentos que apresento.
E não procuro com isso nenhum título de glória, porque a Constituição é tam clara que só não vê quem não quiser ver.
De resto, não se compreenderia que a Câmara não se pronunciasse sôbre uma prisão relativa a um crime, cujo corpo de delito ainda não estivesse formado. Isto, sob o ponto de vista da interpretação constitucional, parece ser alguma cousa que não conseguia pôr de acordo os Deputados que fazem parte da comissão de legislação criminal.
Feita assim a interpretação das disposições da Constituição, resta encarar, bos o ponto de vista político, que outro não pode ter o pedido feito pelo general comandante da 1.ª divisão.
Eu compreendo, desde a primeira hora que se pretenda aproveitar a disposição
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do artigo 17.° da Constituição, dando lhe uma interpretação inteiramente diversa daquela que ela pode computar, para fugir por essa porta à declaração que me parece simples e fácil de fazer sôbre a manutenção da prisão do Sr. Lelo Portela.
É fácil ver os termos em que está redigido o ofício e verifica-se que o próprio Sr. Ministro da Guerra, ao enviá-lo a esta Câmara, procurou dizer que, solicitado pelo general comandante da 1.ª divisão, só o fez em virtude dessa solicitação, porque estava convencido de que êle era desnecessário.
Foi, portanto, o próprio Sr. Ministro da Guerra o primeiro a indicar à Câmara esta porta de saída.
E é fácil de ver na declaração de voto de dois ilustres Deputados, que fazem parte da comissão de legislação criminal, o mesmo propósito.
Tenho o prazer, naturalmente doentio, a preocupação, que certamente não vale a pena ter, de manifestar claramente as minhas opiniões e de assumir inteiramente a responsabilidade delas.
Lamento que nem sempre assim se faça, porque é muito mais interessante assumir cada um a responsabilidade dos actos que pratica.
É preciso, com efeito, que cada um assuma a responsabilidade dos seus actos, dizendo, claramente, o que pensa e o que, em consciência, entende que se deve fazer.
Querer formar a opinião de que em face do disposto no artigo 17.° da Constituição a Câmara não tem de pronunciar-se equivale a declarar que não se quere dizer que seja solto ou que continue preso o Deputado que na prisão se encontra.
Seria então muito mais interessante, sem fugir pela porta falsa da interpretação da Constituição, dizer-se:
Continue lá preso o Deputado!
Quando se tratou do caso ocorrido com o Sr. António Maia, eu fui um dos que protestaram contra a deliberação da Câmara para S. Exa. ser preso.
É preciso não esquecermos que a Constituição insere disposições a respeito da prisão de parlamentares, para que não possa haver por parte do Poder Executivo quaisquer coacções sôbre os membros do Legislativo.
É necessário assegurar a todos os parlamentares o livre exercício das suas funções, garantindo-os contra quaisquer violências da parte do Poder Executivo.
Sr. Presidente: quero ainda dizer que compreendo a declaração de voto feita pelo Sr. Crispiniano da Fonseca, como membro da comissão de legislação criminal.
S. Exa. é magistrado e distinto, encarregado de funções policiais, e assim, sem desprimor o digo, S. Exa. mostra-se um pouco polícia.
E o mesmo que sucede aos magistrados que, habituados, como o agente do Ministério Público, a acusarem, nos primeiros anos das suas funções de juiz não, vêem senão um criminoso em cada réu.
Não pretendo justificar à Câmara o dever ou não dever manter na prisão o Sr. Lelo Portela.
Tratando-se de um correligionário e amigo as minhas palavras poderiam parecer de preocupação apenas de o ver solto. Cada um votará como em sua consciência entenda.
O crime que aquele nosso colega praticou não é um crime pelo qual não possa esperar em liberdade pelo julgamento. Nestas condições não hesito em votar no sentido de negar a autorização pedida pelo comandante da divisão. Mas afirmo também desde já solenemente que o meu procedimento de hoje seria o mesmo, caso se tratasse do um Deputado que não fôsse do meu partido.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pereira Bastos: — Sr. Presidente: não fazia tenção de entrar neste debate, mas fui forçado a pedir a palavra em nome da comissão de guerra, para repelir a acusação que o Sr. Pedro Pita fez à comissão de que esta tinha feito o «jogo de empurra».
A comissão de guerra jamais fez «jogo de empurra». Se neste assunto não dá opinião é porque êle nada tem com a comissão de guerra.
Então, se o Deputado que está preso fôsse, por exemplo, funcionário de finanças, a comissão de finanças teria de ser ouvida?
Creio que o Sr. Pedro Pita não poderá defender semelhante prática.
O Sr. Pedro Pita: — A comissão de guerra poderia pronunciar-se acerca do ponto de vista militar...
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O Orador: — Mas aqui não há, militares. Aqui há só Deputados. Do que se trata é da prisão do Sr. Lelo Portela.
É preciso que, duma vez para sempre, se deixe de fazer confusão aqui da situação do parlamentar com o militar, quando êle o seja. Eu nunca aqui falei como general ou como militar. Falo sempre como parlamentar e aqui não tenho outra qualidade.
Quem está preso, para nós, Deputados, não é o capitão Lelo Portela; quem está preso é o Deputo do Lelo Portela, e da sua situação como Deputado é que temos de tratar e nada mais.
O orador não reviu.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: eu sou daqueles que interpretam o artigo 17.° da Constituição no sentido de desligar os termos deste artigo; para o efeito da sua relacionação com a sua segunda parte, isto é, com aquela em que o artigo se refere ao flagrante delito. E assim penso que a excepção estabelecida na sua última parte refere-se apenas ao facto de ser preso, e não ao facto de estar preso. (Apoiados).
Sr. Presidente: já ouvi acentuar a um dos oradores que me precederam, que existe em direito a possibilidade de alguém estar preso em flagrante delito.
De facto assim é. Pode ser-se preso em flagrante delito e não estar-se preso em flagrante delito.
Eu bem sei que a má redacção dêste artigo é que dá lugar a estas dúvidas, e assim preferível seria que o artigo tivesse sido redigido doutra forma.
Mas, Sr. Presidente, o artigo encontra-se muito defeituosamente redigido, e êste. facto implica a necessidade de, numa revisão constitucional, esta redacção ser modificada para, evitar circunstâncias como as que surgem neste momento,
Sr. Presidente: entendo que a comissão, de legislação criminal bem fez em atribuir à Câmara dos Deputados a resolução final desta questão, e bem fez porque sem termos de atribuir à Câmara a função de inquiridora de qualquer crime o mesmo seria que atribuir à comissão, funções judiciárias que ela não tem.
Todavia, é natural que a comissão reconheça as circunstâncias em que o facto. se deu.
Nesta questão, abstraindo qualquer outra circunstância, e atendendo somente à questão política que iniludivelmente envolve êste caso, atendendo apenas à questão política no seu mais alto significado, tendo ainda em conta precedentes já estabelecidos nesta mesma matéria, entendo eu que a Câmara dos Deputados não deve conceder a autorização pedida.
Sr. Presidente: abstendo-me de mais palavras, limitarei por aqui as minhas considerações e enviarei para a mesa a seguinte moção de ordem, que peço licença para ler:
Moção
A Câmara dos Deputados, tendo tomado conhecimento do facto em discussão, resolve não conceder a autorização solicitada pára, continuar preso o Sr. Lelo Portela, e passa à ordem do dia.— Vasco Borges.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi lida e admitida a moção do Sr. Vasco Borges.
O Sr. Presidente: — Chamo a atenção da Câmara.
Como estão inscritos muitos oradores, peço a S. Exas. a fineza de serem breves, nas suas considerações.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: pedi a palavra para, em nome dêste lado da Câmara, declarar que não podemos deixar do concordar com a interpretação do Sr. Vasco Borges, a cuja moção damos o nosso voto.
Tenho dito.
O Sr. Crispiniano da Fonseca: — Sr. Presidente: anuindo ao convite feito por V. Exa. vou ser o mais breve possível.
Desistiria mesmo da palavra se a minha situação na comissão de legislação criminal, devida à circunstância de me vir sendo distribuído o papel de carcereiro-mor dos Deputados, não me colocasse na situação de ter de explicar a minha atitude.
Quando na Câmara se discutiu a proposta do Sr. Pedro Pita, que estabeleceu o preceito regimental em vigor de que, em casos desta natureza, deve ser previamente ouvida aquela comissão, verifiquei, logo que tal resolução não tinha viabilidade.
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Casos essencialmente políticos devem ser resolvidos de uma forma política e não por uma comissão técnica.
Se o Sr. Pedro Pita propusesse que a «omissão criminal fôsse ouvida sôbre a interpretação a dar a qualquer artigo da Constituição que contenha matéria criminal, estava certo, mas delegar nela a solução de casos inteiramente políticos, ainda que de natureza criminal, é entregar á responsabilidade desta a resolução de dificuldades que melhor cabem a uma sessão plena da Câmara.
Convenço-me de que se pretendeu fazer desta comissão e da de guerra cabeças de turco.
E, a meu ver, por êste motivo, que elas sistematicamente se recusam a dar os seus pareceres como a Câmara desejaria, reservando-se os seus membros para em sessão votarem como entenderem.
Sr. Presidente: quanto à interpretação a dar aos artigos 17.° e 18.° da Constituição, entendo que êles andam perfeitamente unidos, pois ambos tratam das imunidades parlamentares.
No primeiro deles, porém, prevê se a hipótese simples de prisão do parlamentar, independentemente da existência de qualquer processo, estabelecendo-se que nenhum pode ser preso, salvo no caso de flagrante delito a que corresponda pena maior, nem continuar preso, desde que se reconheça a sua identidade, se a detenção não tiver sido feita em flagrante delito a que seja aplicada aquela pena.
No artigo 18.° prevê-se o caso de já haver um processo judicial, determinando-se que os autos não poderão prosseguir os seus termos além da pronúncia, sem que a Câmara resolva de conformidade com a última parte do mesmo artigo.
Na organização dos Parlamentos procurou-se naturalmente garantir os seus membros de quaisquer violências do Poder Executivo ou mesmo do poder real; no emtanto, não se quis certamente levar essas imunidades a ponto de ofender o sentimento público, ultrapassando-se o justo limite do razoável.
E tanto assim que se admite a prisão do parlamentar quando encontrado em flagrante delito por crime a que corresponda pena maior.
Nesta ordem de ideas isenta-se evidentemente a autoridade captora, na hipótese
do artigo 17.°, de fazer qualquer comunicação à Câmara para o parlamentar continuar detido, quando preso naquelas condições.
O Sr. general comandante da divisão nada tinha, pois, a participar no caso que se discute.
Resta-me acrescentar que fui contrário à prisão do nosso colega Vergílio Costa, como igualmente me opus à prisão do Sr. António Maia, por se tratar de meros casos disciplinares.
Ninguém poderá, portanto, afirmar com verdade que eu tenha em casos desta natureza procedido com menos liberdade e consciência.
Tenho dito.
O Sr. Agatão Lança: — Sr. Presidente: porque gosto de marcar sempre a minha atitude, devo declarar três cousas à Câmara : votarei pela liberdade do Sr. Lelo Portela; se fôsse comigo o caso não aceitaria as imunidades parlamentares para manter a minha solidariedade com os camaradas, e se fôsse comandante da divisão não pediria licença à Câmara para que o Deputado em questão fôsse preso porque o tinha prendido em flagrante delito a que corresponde pena maior.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Costa Gonçalves: — Sr. Presidente: a propósito da interpretação do artigo 17.° da Constituição está a fazer-se uma discussão que não é serena, embora revista êsse aspecto, porque as pessoas às quais afecta o caso estão talvez envolvidas por um sentimento de simpatia para com o Deputado preso.
As hipóteses dos artigos. 17.° e 18.° da Constituição são completamente diferentes.
O artigo 17.° refere-se ao caso dá prisão em flagrante delito por crime a que corresponda pena maior. No caso que estamos a discutir deu-se. o flagrante delito. Houve um crime de rebelião contra uma ordem emanada dos poderes legítimos na hierarquia militar e essa rebelião manteve-se até a prisão; mas se houvesse dúvidas na classificação do crime não era à Câmara que competia esclarecê-las, era à autoridade militar judicial, a quem o caso está afecto.
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O Sr. Lopes Cardoso: — O general de divisão, pedindo à Câmara autorização para que a prisão fôsse mantida, implicitamente entendeu que não tinha havido flagrante delito.
O Orador: — O general de divisão, ao mesmo tempo que é comandante, é também o detentor do Poder Judicial da mesma divisão. S. Exa. tem a faculdade, segundo as leis criminais militares, de ordenar a organização dos corpos de delito, dos sumários e dos processos acusatórios.
O comandante da divisão é, portanto, pessoa encarregada por lei de fazer a classificação do crime. Não ó, pois, à Câmara que cumpre pronunciar-se sôbre se houve ou não flagrante delito e se a êsse delito corresponde ou não pena maior.
É certo que o Sr. general da divisão veio pedir à Câmara, por intermédio do Sr. Ministro da Guerra, para que o Sr. Lelo Portela continuasse sob prisão; mas essa hipótese não está prevista nem no artigo 17.° nem no artigo 18.° da Constituição. Nada tem a Câmara com a interpretação do artigo 17.° e não tem de dar autorização de espécie alguma.
Com respeito ao artigo 18.° devo dizer que êle não fala da competência do Parlamento para conceder ou negar autorização.
Não há em caso algum a faculdade de conceder ou não a autorização para estar preso; há simplesmente a faculdade de declarar a conveniência da suspensão do processo durante o exercício das suas funções parlamentares, ou a sua inconveniência. Não compreendo como o Sr. general comandante da divisão vem pedir uma cousa que a própria Constituição não admite.
Chegou o processo do Deputado em questão à altura da pronúncia? Nesse caso a Câmara só tem de pronunciar-se pela suspensão do processo ou sua continuação e conseqüente suspensão das imunidades de Deputado. Mais nada.
É preciso não esquecer que, segundo a nossa Constituição, a prisão em flagrante delito não pode ir além de oito dias.
O Sr. Agatão Lança: — Mas na tropa não é assim.
O Orador: — Bem sei, mas não é ocasião de discutir se a tropa procede dentro das determinações da Constituição ou não. Não sei, todavia, se as autoridades militares podem manter a prisão preventiva além de oito dias, porque me parece que o Código de Justiça Militar nunca pode ser superior à própria Constituição.
Apoiados.
Emfim, não querendo alongar as minhas considerações para não fatigar a Câmara, direi apenas que pretendiam elas chamar a atenção para aquilo que se vai fazer, porque me parece inconveniente estarmo-nos a pronunciar com más interpretações da lei sôbre pedidos que nem sequer deviam ser feitos. v Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Não havendo mais ninguém inscrito, está encerrada a discussão.
O Sr. António Resende (para um requerimento): — Sr. Presidente: requeiro que V. Exa. consulte a Câmara sôbre se autoriza votação nominal para a moção do Sr. Vasco Borges.
Consultada a Câmara, foi aprovada.
Procede-se à votação.
Disseram «aprovo» os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto dó Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Garcia Loureiro.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Dias.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
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Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Delfim Costa.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mário do Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Tomás de Sousa Rosa.
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Disseram «rejeito» os Srs.:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Resende.
Francisco Dinis de Carvalho.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Vitorino Henriques Godinho.
O Sr. Presidente: — Disseram «aprovo» 57 Srs. Deputados e «rejeito» 7. Está, portanto, aprovada a moção do Sr. Vasco Borges.
Chamo a atenção da Câmara. Visto não ter sido necessário prorrogar a sessão, vai entrar-se no período de
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro das Colónias, a fim de pôr S. Exa. de sobreaviso a respeito de cousas estranhas que se passam em Angola.
Consta-me que o Sr. Alto Comissário, tendo em tempo dificuldades de adquirir cambiais, fez vários contratos com algumas casas comerciais.
Êsses contratos eram os seguintes: emprestava o governo de Angola uns tantos milhares de escudos às referidas casas e elas prontificavam-se a entregar cambiais com uma percentagem de 5 por cento. A maneira de fazer os contratos era curiosa, como relatei em devido tempo à Câmara, destacando-se o da casa Sousa Machado & C.ª
Consta-me agora que no final de toda esta pequena tragédia, anulados os contratos em questão por se julgarem desnecessários, quási todas as casas da colónia ficaram devendo importantes quantias ao Estado. Consta-me que só uma delas ficou a dever 13:000 contos e 100:000 libras.
Nestas condições, manifesto ao Sr. Ministro das Colónias os meus receios pela solvabilidade das dívidas e peço a S. Exa. que averigue o que há a êste respeito.
Também pedi a palavra para tratar doutro assunto. Não sou das pessoas que especulam com conversas particulares e situações criadas às diferentes personalidades políticas, e custa-me sempre fazer afirmações que venham prejudicar pessoas que só tiveram o desejo de me ser agradáveis, mas não posso deixar agora de o fazer para levantar a suspeita de que eu não pertenço de modo algum ao número dos aventureiros políticos de que aqui se falou.
Ora a verdade é esta: a primeira entidade que se referiu a qualquer cousa parecida com um convite para Alto Comissário de Angola foi O Século.
Não foi incorrecção; julgo até poder supor que por informação de qualquer membro do Govêrno é que veio a lume a local de O Século.
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Passado tempo, noticiou ainda que eu havia, realmente, sido convidado para Alto Comissário de Angola.
Não foi intuito de má fé que levou o jornalista a fazer essa afirmação, que não desmenti.
Creio, porém, que não ficaria mal colocado nem S. Exa., o Ministro das Colónias, nem eu.
Vou procurar, tanto quanto possível, reproduzir o que entre nós se passou.
O Sr. Ministro das Colónias preguntou-me se eu havia sido convidado por alguém para Alto Comissário de Angola, Expliquei a S. Exa. o que entre, mim e outra entidade se havia passado.
O Sr. Ministro das Colónias afirmou-me ver em mim as qualidades necessárias para neste momento exercer êsse lugar, mas acrescentou que não podia fazer convite formal, porque não queria colocar-me em condições de amanhã no Senado, porventura, ter o meu nome algumas bolas pretas, e que precisava sondar o seu Partido antes de fazer o convite. Mas era inútil fazer essa démarche, uma vez que eu não queria, aceitou.
Disse a S. Exa. que me dava uma prova de consideração convidando-me para tam alto cargo, neste momento.
Era lisonjeiro para o meu espírito, o saber das intenções de S. Exa., mas em nenhuma circunstância aceitaria o lugar, que muitíssimas pessoas apeteceriam, embora não soubessem a camisa de onze varas em que se iam meter. O Sr. Ministro das Colónias pensou em mim, para eu. exercer o cargo de Alto Comissário; eu, porém, não o aceitei, não o desejo nem o quero, quer êle me fôsse oferecido pelo meu próprio Partido. Para o desempenho do cargo em questão creio não ser obrigatório ir buscar quem esteja ligado a êste ou àquele Partido, visto
que, a meu ver, a única condição que deve impor-se e prevalecer sôbre todas é que o homem escolhido seja honrado e competente, de forma a que lugares tais possam ser desempenhados com dignidade e para bem do País.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins): — Sr. Presidente: pedi a palavra para responder às considerações feitas pelo Sr. Cunha Leal.
Quanto aos contratos feitos pelo Alto Comissário de Angola, Sr. Norton de Matos, eu já tive ocasião de dizer nesta Câmara, quando da interpelação que me foi feita, o que houve a tal respeito.
Se bem que, depois que o Sr. Norton de Matos foi nomeado para nosso embaixador em Londres, eu tenha ligado ao assunto o maior interêsse, não vi o que há de verdade sôbre o que o Sr. Cunha Leal referiu.
Tive, na verdade, informações idênticas às do ilustre Deputado, sôbre a casa bancária Sousa Machado & C.ª, assim como as tive relativamente à casa Galileu Correia & C.ª
De verdade, porém, nada posso dizer por emquanto, podendo, no emtanto, garantir a S. Exa. que me vou informar do que há de exacto sôbre o mesmo, dizendo depois à Câmara lealmente, como me cumpre, o que se me oferecer.
Quanto às restantes considerações que S. Exa. fez, e que se relacionam com uma conversa que tive com S. Exa., devo dizer que são absolutamente verdadeiras, se bem que entenda que o Parlamento nada tenha com as conversas particulares que eu possa ter, seja com quem fôr.
As conversas que tenha com qualquer cidadão português, são absolutamente indiferentes ao Parlamento e ao País.
O Parlamento apenas tem de se preocupar com os actos públicos que o Ministro das Colónias pratica.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Rodrigues Gaspar: — Sr. Presidente: não posso deixar de fazer outra vez algumas considerações a respeito da nomeação do Sr. Norton de Matos para a embaixada de Londres, depois das considerações feitas pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Sr. Presidente: como vejo que os trabalhos parlamentares estão muito embaraçados na altura em que vamos da sessão, não quis intercalar nesses trabalhos mais um assunto que não merecia que se perdesse tempo com êle.
Àpartes.
Foi por isso que não escolhi outra ocasião para tratar do assunto, e manifestar o meu sentimento de repulsa ao que foi dito pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
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Sr. Presidente: S. Exa. ao querer defender a sua acção, teve realmente uma atitude de muito calor, capaz de fundir a platina, mas não fundiu a feição adiposa do caso.
S. Exa. disse, alto e bom som, que não consentia que se deminuísse a autoridade dos nossos representantes no estrangeiro.
Esta frase parece-me imprópria, e não a aceito, porque um Ministro tem de ouvir a crítica e a análise livre que qualquer Deputado tem o direito de fazer aos actos do Poder Executivo.
Se êste tem ou não razão lá está a Câmara para o reconhecer. Mas eu não posso admitir que se diga aos Deputados que as suas opiniões estão sujeitas a uma censura provia do Executivo, o que muito me lembraria o feudalismo, mas nada tem do sistema parlamentar. Era isto que, à boa paz, queria dizer.
Não eram as palavras que aqui proferi, ou outras que porventura proferisse, que iriam diminuir a nossa representação no estrangeiro; o que diminui a representação portuguesa no estrangeiro são os actos que tenham praticado os indivíduos que são nomeados para a exercer. Êste ponto é que desejo que fique bem assente.
Não é com pressões grandes, com atitudes algo agressivas que se convence ninguém, e lembro até que muitas vezes, em virtude das pressões com que são emanadas certas ondas, estas, vindo encontrar o obstáculo, onde continuam a formar-se jorros de repulsa, vão bater com muito mais fôrça no ponto de partida. Isto dá-se até com as bocas de fogo!
Sr. Presidente: das explicações dadas pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, repelindo o que aqui se dissera acerca dêste assunto, não resultou qualquer esclarecimento, antes proveio, infelizmente, uma grande confusão, e, como disse, como sou homem de princípios, e já os defendi para um lado, quero agora virar-me para o outro que é o restabelecimento da verdade.
Quando aqui usei da palavra para condenar a saída do Sr. Alto Comissário de Angola, fi-lo na defesa dos interêsses de Angola que também são os do País.
Entendi que a situação crítica de Angola, visto que tinha derivado da organização dum plano, impunha a êsse funcionário o dever de ficar ali para mostrar mais tarde que êle tinha razão e era merecedor da nossa consideração, mas abandonar o seu cargo para que outro vá talvez assumir as responsabilidades de erros graves cometidos, isso é que condenei e continuo a condenar.
O Sr. Presidente do Ministério, sob êste ponto concreto, disse que discordava da minha opinião que era de condenação do acto do Govêrno, e depois, explicando- se, fê-lo de modo que mostrou que eu realmente é que tinha-razão.
S. Exa. com a maior naturalidade, disse: primeiro, que o Govêrno não podia obrigar o Sr. Alto Comissário de Angola, a ir para Angola, visto êste haver declarado que não voltava para lá: segundo, que o Sr. Alto Comissário de Angola, sabendo que estava a criar-se a embaixada em Londres, ofereceu-se para êsse lugar, e o Govêrno, reconhecendo os serviços de S. Exa., não teve dúvidas em dar-lho.
Êstes foram os termos, nas suas linhas gerais, da resposta do Sr. Presidente do Ministério.
Não tinha falado então em pedido; mas, depois da declaração do Sr. Presidente do Ministério, acentuei que achava extraordinário não só essa declaração, como ainda que se tivesse pedido um lugar, não para, trabalho como o de Comissário de Angola, mas mais sossegado, e até com honras maiores.
Mas o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros veio e disse com toda a fôrça dos seus pulmões, que são bastante fortes, como se eu fôsse o responsável das afirmações do Sr. Presidente do Ministério, que o Alto Comissário de Angola nada havia pedido, não solicitara a embaixada de Londres.
Ora eu não sou homem para estabelecer intriga entre dois Ministros. (Apoiados).
Em minha consciência não há confusão alguma.
O Sr. Presidente do Ministério disse a verdade dos factos, e o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, naturalmente, suponho eu, também disso a verdade, restringindo-a a um ponto que não esclareceu, mas que deve ser assim: «não pediu oficialmente». Daí o haver quem concluísse que os dois Ministros estavam em contradição. Não estão.
Assim o Sr. Presidente do Ministério
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disse abertamente como os factos se tinham passado, e o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros também disse a verdade, mas com a reserva mental que citei.
No momento em que lhe dissessem que não era assim, S. Exa. indicar-nos-ía o processo, nós olhávamos e não encontrávamos qualquer pedido de nomeação.
De maneira que tem razão o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros; do processo não consta nada, se bem que em alguns processos se tenham visto documentos particulares que os esclarecem.
O Sr. Cunha Leal: — De resto, era o caso dos processos do Sr. Norton de Matos. V. Exa. vai encontrar em todos êles uma carta.
O Orador: — Assim fica restabelecida a verdade. Como iniciei esta questão, não quis que ela ficasse confusa.
Tenho razão no que afirmei; o Sr. Presidente do Ministério tem razão no que afirmou, e o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros também não faltou à verdade. Não há, com efeito, pedido oficial.
Devo dizer, porém, que se amanhã fôr preciso explicar porque é que o Alto Comissário não ficou em Angola, não cumpriu o seu dever, dir-se há que não foi por culpa dele, mas por culpa do Govêrno, porque apareceu nomeado para a Embaixada, porque o Govêrno, certamente, não encontrou no país ninguém, a não ser êste, para embaixador.
Sr. Presidente: se a história do passado fôr baseada em factos, como aqueles a que presentemente venho de assistir, essa história deve estar completamente errada.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira): — Sr. Presidente: o Sr. Rodrigues Gaspar, voltando a tratar nesta Câmara da nomeação do Sr. Norton de Matos para Embaixador de Portugal em Inglaterra, obriga-me a fazer uso da palavra mais uma vez, se bem que esteja convencido de que o assunto já foi demasiadamente discutido e que seria de grande conveniência que não fôsse tam discutido como já foi.
Não apoiados.
Sr. Presidente: devo falar, sobretudo, para tranqüilizar o Sr. Rodrigues Gaspar e para tranqüilizar todos os Srs. Deputados da Nação dizendo que de modo algum quis que as opiniões dos Srs. Deputados ficassem dependentes, para se exibirem, da censura prévia do Poder Executivo.
Fui Deputado da Nação, sou Deputado da Nação, comecei por ser Deputado mais cedo que o Sr. Rodrigues Gaspar, já tive a honra de desempenhar as funções de Presidente desta Câmara, sou, portanto, muito cioso das prerrogativas parlamentares. Não poderia ser membro do Poder Executivo quem perfilhasse uma opinião como essa tam tremenda e tam deprimente para o meu orgulho de parlamentar, de que as opiniões dos Srs. Deputados, para se exibirem, têm de ser previamente sujeitas à censura do Poder Executivo.
Não foi isso o que eu disse; o que dei a entender foi que certas expressões dirigidas a representantes de Portugal no estrangeiro não podem deixar de ser repelidas, sejam quais forem os Partidos a que êles pertençam a nenhum; sejam quais forem as opiniões pessoais e até os sentimentos pessoais que possamos ter em relação a êles, de amizade ou ódio, de ressentimento ou prevenção preocupada, obstinada, obedecendo não sei a quê. Os nossos representantes no estrangeiro não podem ficar sujeitos a agressões feitas em pleno Parlamento sem que essas agressões sejam reguladas por quem ocupa a pasta dos Estrangeiros, o que é natural, visto que é o Ministro dos Estrangeiros o responsável pelos actos daqueles nossos representantes.
Eu tinha obrigação de não deixar passar impunemente no Parlamento uma acusação feita pelo Sr. Rodrigues Gaspar, que visava o Sr. Norton de Matos, mas, não só contra essas acusações eu tinha obrigação de protestar, por dever fazê-lo ainda em face de outras palavras, que S. Exa. proferiu, como estas: «aventureiros políticos a quem é necessário não fazer a vontade». Eis o que me obrigou a falar claro.
As opiniões dos Srs. Deputados são evidentemente muito respeitáveis para mim, e quando essas opiniões se traduzem em qualquer proposta ou moção, que obtenha a aprovação da Câmara, então já não são
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'opiniões respeitáveis, porque são deliberações às quais devo todo o acatamento.
Sr. Presidente: o Sr. Deputado Rodrigues Gaspar entreteve-se, mais uma vez, a usar daquele bom humor, que conheço em S. Exa. lia muito tempo, que admiro, e que desejaria que S. Exa. tivesse sempre na apreciação de actos dos homens que, porventura, haja de discutir aqui no Parlamento.
Quis ver S. Exa. uma contradição profunda entre o que disse o Sr. Presidente do Ministério, numa das sessões passadas, e aquilo que se disse-na penúltima sessão desta Câmara.
O que eu disse continuo dizendo, isto é, que o Alto Comissário da província de Angola não mo fez solicitação nenhuma para ir desempenhar o cargo de Embaixador de Portugal em Londres.
Ninguém, Sr. Presidente, absolutamente ninguém, me solicitou que o Sr. Norton do Matos fôsse nomeado nosso Embaixador em Londres ou me manifestasse empenho nesse sentido.
Alguns jornais até se referiram à vinda a esta cidade, expressamente para êsse fim, do Sr. Dr. Afonso Costa.
Posso garantir à Câmara que, se bem que o Sr. Dr. Afonso Costa estivesse algum tempo comigo, me falou em tudo, menos no preenchimento do lugar de Embaixador de Portugal em Londres.
A verdade anda aos pontapés. Mostra-o bem o dizer-se que o Sr. Afonso Costa tenha vindo expressamente a Lisboa, a fim de conferenciar com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, para lhe solicitar que o Sr. Norton de Matos fôsse nomeado nosso Embaixador em Londres.
Ao passo que alguns jornais disseram isto, outros afirmaram o contrário, dizendo que o Sr. Afonso Costa havia vindo a Lisboa para recomendar outra certa individualidade, visto que eu de modo algum desejaria que o Sr. Norton de Matos fôsse nomeado para êsse lugar, falando-se então no nome do Sr. Dr. Augusto Soares
O que eu posso assegurar à Câmara é que nem uma nem outra versão são verdadeiras.
Ninguém, absolutamente ninguém, me fez nenhuma solicitação; apenas eu, convencendo-me de que o Sr. Norton de Matos não desejava continuar em Angola,
por várias razões, e não o podendo obrigar a lá estar, pensei em o nomear Embaixador de Portugal em Londres, visto S. Exa. ter na verdade, como tem, um grande prestígio em Inglaterra.
Foi esta a razão por que o nomeei para êsse lugar, entendendo que tinha feito uma boa escolha, estando longe de imaginar que tal nomeação poderia levantar, como levantou, no Parlamento, uma tempestade tam grande.
Continuo convencido de que o Sr. general Norton de Matos prestará no seu lugar de embaixador do Portugal em Londres os melhores serviços ao país.
É a minha opinião. É uma opinião pessoal. Bem sei que poderá haver quem tenha opinião contrária, mas não posso guiar-me pela opinião dos outros para praticar actos da minha responsabilidade, além de que não me é dado adivinhar a opinião dos outros para por ela me deixar influir a respeito das deliberações que tome.
Como Ministro dos Negócios Estrangeiros, escolhi para o cargo de embaixador de Portugal em Londres o Sr. general Norton de Matos, porque reconheço que S. Exa. possui os requisitos precisos para me dar a garantia de que exercerá as altas funções daquele pôsto com, todo o brilho para a nossa Pátria. S. Exa. tem a recomendá-lo as suas já hoje incontestáveis qualidades de inteligência, de energia e de patriotismo, puis sobejamente-as tem evidenciado nos serviços que prestou ao país, e que obtiveram a consagração do Parlamento e dos Governos.
E não obstante estas qualidades que distinguem S. Exa., outra condição se me impôs: a de S. Exa. gozar nos meios oficiais de Londres dum grande prestígio...
O Sr. Ferreira da Rocha (interrompendo): — V. Exa. antes de fazer a nomeação deu conhecimento aos seus colegas do Gabinete, em Conselho de Ministros, de que tencionava colocar o Sr. Norton de Matos no lugar de nosso embaixador em Londres?
O Orador: — Não, senhor.
O Sr. Ferreira da Rocha: — Pois, se o tivesse feito, estou certo de que obteria elementos que lhe dariam indicação contrária aos seus propósitos.
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O Sr. Ministro das Colónias, que está ao facto dos assuntos que correm pela sua pasta, certamente faria sentir que era perigoso ir para Londres, exercer o cargo de embaixador de Portugal, uma pessoa cujos actos terão de ser aqui discutidos, abalando-se, porventura, o seu prestígio e colocando-o numa situação que poderá ser inconveniente para o país,
O Orador: — Levei o assunto ao conhecimento do Conselho de Ministros na altura própria. Todas as cousas têm a sua oportunidade.
Creio que deixo devidamente respondidas as considerações do Sr. Rodrigues Gaspar.
O Sr. Rodrigues Gaspar (interrompendo): — V. Exa. não teve nenhum pedido para nomear o Sr. Norton de Matos?
O Orador: — A nomeação foi feita por minha espontânea vontade. Nem o Sr. Norton de Matos, nem ninguém ma solicitou.
Nada mais tenho a dizer.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, às 14 horas.
Antes da ordem do dia e na ordem do dia os trabalhos são a continuação dos marcados para a sessão de hoje.
Está aberta a sessão.
Eram 20 horas e 15 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Pareceres
N.° 440, que suprime o artigo 4.° da lei n.° 1:340, sôbre equiparação e limite de idade de oficiais.
Aprovado.
Para a comissão de redacção.
Dispensada a leitura da última redacção.
Da comissão de marinha, sôbre o n.° 594-B, que determina que os capitães dos navios mercantes nacionais, ao apresentarem os livros de derrotas para o «visto», os laçam acompanhar dos de derrotas dos praticantes a pilotos.
Para o a Diário das Sessões», nos termos do artigo 08.° do Regimento.
Projecto de lei
Do Sr. Abílio Marçal, considerando um adiamento do serviço militar até concluírem o tempo de serviço nas missões os alunos do Instituto de Missões Coloniais.
Para o «Diário do Governo».
Requerimento
Requeiro que, pelo. Ministério da Instrução Pública, me seja passada urgentemente nota dos trabalhos efectuados pela secção de estatística da Secretaria Geral.— João Camoesas.
Expeça-se.
Comissões
Substituir o Sr. João Bacelar pelo Sr. Alberto Jordão Marques da Costa na comissão de legislação criminal.
Para a Secretaria.
Admissão
Do projecto de lei do Sr. Henrique Pires Monteiro, conservando os limites de idade do pôsto aos oficiais promovidos independentemente de vacatura nos respectivos quadros.
Para a comissão de guerra.
Declaração de voto
Aprovei a moção do Sr. Vasco Borges, relativa à concessão de continuar preso o Sr. Lelo Portela, porque, comquanto entenda que o general comandante da divisão não tinha que pedir autorização à Câmara para manter a prisão, e que a prisão foi feita e tem sido mantida nos precisos termos da última parte do artigo 17.° da Constituição, não há prejuízo para a sociedade nem para o prosseguimento da justiça, dada a natureza do crime, em que o Deputado fique solto durante o processo até à pronúncia nos termos do artigo 1.°
Sala das sessões da Câmara dos Deputados, 17 de Junho de 1924.— O Deputado, João Pinto dos Santos.
Para a Secretaria.
Para a acta.
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Declaro que aprovei a moção do Sr. Vasco Borges, sôbre a prisão do Sr. Lelo Portela, porque do próprio ofício do Sr. Ministro da Guerra pode concluir-se a incerteza do Sr. general da divisão sôbre a classificação do crime ou delito que motivou a prisão.— O Deputado Afonso de Melo.
Para a Secretaria.
Para a acta.
Documentos publicados nos termos do artigo 38.° do Regimento
Parecer n.° 755
Senhores Deputados.— A vossa comissão de marinha, tendo examinado a proposta de lei n.° 594-B, é de parecer de que não precisa o Poder Executivo de lei especial para determinar o que é pura matéria regulamentar.
Sala das Sessões, 6 de Maio de 1924. — Alfredo Rodrigues Gaspar — Delfim Costa — Armando Agatão Lança — António de Mendonça — Jaime de Sousa, relator.
Proposta de lei n.° 591-B
Senhores Deputados.- Tendo a prática demonstrado que alguns livros das derrotas dos praticantes a pilotos da marinha mercante apresentam divergências entre o seu conteúdo e o exarado nos diários náuticos dos navios em que foram feitas essas derrotas, que pelo decreto de 10 de Maio de 1911 lhes são necessárias para obterem a carta de piloto:
Temos a honra de apresentar à esclarecida opinião de V. Exas. a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° Os capitães dos navios da marinha mercante nacional, quando tenham de apresentar os livros de derrotas dos seus navios nas capitanias dos portos ou consulados para serem visados por essas autoridades, farão acompanhar êsses livros dos de derrotas dos praticantes a pilotos, que tenham a bordo para o mesmo fim.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Paços do Govêrno da República. 27 de Julho de 1923.— O Ministro da Marinha, A Fontoura da Costa. — O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Domingos Leite Pereira.— O Ministro do Comércio e Comunicações, João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
O REDACTOR — Avelino de Almeida.