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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 105
EM 18 DE JUNHO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Afonso de Melo Pinto Veloso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Sousa Uva
Sumário. — Abertura da sessão. Leitura da acta. Correspondência.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Francisco Cruz, lamentando a ausência do Sr. Ministro do Comercio, chama a atenção da Câmara para o decreto que altera as taxas das portagens das pontes de Abrantes e Santarém, e envia para a Mesa um projecto de lei, para o qual pede urgência e dispensa do Regimento.
O Sr. Tavares de Carvalho usa da palavra para interrogar a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
O Sr. Presidente anuncia que vai submeter à votação da Câmara o requerimento do Sr. Francisco Cruz.
Usam da palavra sôbre o modo devotar os Srs. Jaime d Sousa, que requere a divisão em duas partes do requerimento, s o Sr. Francisco Cruz.
É aprovado o requerimento do Sr. Jaime de Sousa.
Procedendo-se à contra-prova, requerida pelo Sr. Cancela de Abreu com a invocação do § 2.º do artigo 116.º do Regimento, verifica-se terem aprovado 42 Srs. Deputados e rejeitado 14.
E aprovada em seguida a urgência e rejeitada a dispensa, do Regimento para o projecto de lei do Sr. Francisco Crus.
Entram em discussão as emendou do Senado sôbre o empréstimo de Moçambique (parecer n.º 622).
Ó Sr. Cancela de Abreu reclama a presença do Sr. Ministro das Colónias.
O Sr. Presidente declara que o Sr. Ministro das Colónias está na outra casa do Parlamento, mas que o Sr. Ministro do Interior está habilitado para a discussão do assunto.
O Sr. Cancela de Abreu reclama que se aguarde presença do Sr. Ministro das Colónias para poder iniciar as suas considerações. Responde-lhe o Sr. Presidente, e em seguida o Sr. Cancela de Abreu inicia as suas considerações, combatendo o empréstimo em questão e ficando com A palavra reservada.
O Sr. Pinto Barriga usa da palavra para interrogar a Mesa.
O Sr. Plínio Silva usa da palavra para explicações, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
É aprovada a acta.
O Sr. Ministro da Justiça, (José Domingues dos Santos) requere que entre em discussão, logo a seguir à proposta sôbre impostos, o projecto de lei referente ao inquilinato.
Usam da palavra, sôbre o modo de votar, os Sr. Lopes Cardoso, António Dias, Morais de Carvalho, Ministro da Justiça, Lino Neto, Moura Pinto e Rodrigues Gaspar.
O Sr. Lopes Cardoso usa da palavra para interrogar a Mesa.
Seguem-se no uso da palavra os Srs. António Dias, Cunha Leal e Carvalho da Silva.
É aprovado o requerimento do Sr. Ministro da Justiça.
Usam da palavra para interrogar a Mesa os Srs. Almeida Ribeiro e Velhinho Correia, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
Ordem do dia (Primeira parte). — (Continuação da discussão do parecer n.° 668).
O Sr. Cancela de Abreu, que ficara com a palavra reservada, conclui as suas considerações.
Segue-se no uso da palavra o Sr. Dinis da Fonseca, que fica com a palavra reservada.
O Sr. Carvalho da Silva usa da palavra para interrogar a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
Ordem do dia (Segunda parte). — (Discussão do orçamento do Ministério da Instrução).
Procede-se à contraprova do requerimento do Sr. António Maia, aprovado numa das sessões anteriores, confirmando-se a sua aprovação por 44 votos contra 26.
Volta a usar da palavra para interrogar a Mesa o Sr. Carvalho da Silva respondendo-lhe o Sr. Presidente.
O Sr. Jaime de Sousa requere que seja dispensada a discussão na generalidade dos orçamentos.
O Sr. Cancela de Abreu usa da palavra para invocar o Regimento.
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O Sr. Presidente pede ao Sr. Jaime de Sousa que formule a sua -proposta por escrito.
O Sr. Jaime de Sousa declara que desiste da sua proposta.
Entrando em discussão a generalidade de orçamento do Ministério da Instrução, usa da palavra o Sr. Alberto Jordão que acusa o Ministro de desorganizar os serviços de instrução, ficando com a palavra reservada.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Delfim Costa chama a atenção do Sr. Ministro das Colónias para a falta de pagamento a funcionários aposentados e pede ao Sr. Ministro ida Instrução que comunique ao seu colega.
Responde-lhe o Sr. Ministro da Instrução.
O Sr. Garcia Loureiro trata do caso dum inspector escolar sindicante num processo por um conflito a que deu causa a sua própria esposa.
O Sr. Ministro da Instrução estranha que -o professor visado não apresentasse logo êsse motivo de suspeição.
O Sr. Carvalho da Silva pede esclarecimentos sôbre a nomeação dum Comissário do Govêrno junto do Banco Economia Portuguesa.
Responde-lhe o Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo).
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão às 15 horas e 18 minutos.
Presentes à chamada 41 Srs. Deputados.
São os seguintes Srs.:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Amaro Garcia Loureiro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Resende.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sousa.
João Pina de Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Tomás de Sousa Rosa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António de Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Pires Cansado.
João José da Conceição.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
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João Pereira Bastos.
João Salema.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
José António do Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Pedro Góis Pita.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Vasco Borges.
Ventara Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Lelo Portela.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Mendonça.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João Ornelas da Silva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Pelas 15 horas e 18 minutos com a presença de 41 Srs. Deputados, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Oficio
Do juiz de direito do 2.° Juízo de Investigação Criminal pedindo a comparên-
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da naquele Juízo, pelas 13 horas do dia 23 do corrente, dos Srs. Cunha Leal, Carvalho da Silva, Álvaro de C.astro, António Maria da Silva, Francisco Cruz e Pedro Pita.
Responda-se que a Câmara já concedeu a licença pedida.
Quanto à indicação do dia dos depoimentos, compete ao juiz comunicá-la.
O Sr. Francisco Cruz: — Mais uma vez quero dizer à Câmara e portanto, ao país, que, como português e republicano, me magoa profundamente o ter que me referir, nos termos em que posso fazê-lo, ao actual Govêrno.
Sr. Presidente: sinto-me profundamente magoado e muito aborrecido por ver como as questões estão sendo tratadas.
Lamento que não esteja presente o Sr. Ministro do Comércio para ouvir as minhas considerações, afirmando que o Govêrno mais pareço uma agência de negócios que um Govêrno da Nação.
Sinto que não esteja presente o Sr. Ministro do Comércio — êsse grande estadista que com as suas prosápias parecia querer levar tudo por diante, quando foi do debate dos Caminhos do Ferro do Estado.
Afinal S. Exa. caíu do seu pedestal vergonhosamente, pois fez dos Caminhos de Ferro em asilo.
S. Exa. mandou fazer uma sindicância e afinal mandou nomear novos directores e administradores. Um verdadeiro asilo. É preciso que o Estado deixe de ser o pai generoso.
A sua excessiva generosidade chega a ser um crime, tanto no campo moral como no campo material.
Sr. Presidente: peço a atenção da Câmara.
O Sr. Presidente: — Eu vejo a Câmara com atenção.
O Orador: — Nesta altura, peço a atenção da Câmara, pois para ela são as minhas considerações.
Repito: o Govêrno mais parece uma agência de negócios do que um Govêrno
da Nação. O Sr. Ministro do Comércio lançou em, despacho em que favorece
uma empresa particular o não o Estado.
Tendo pedido ao Sr. Ministro documentos, S. Exa. prometeu-me não publicar o decreto sôbre as pontes de Santarém o Abrantes emquanto ou não tivesse os documentos para tratar do assunto. Afinal, hoje, aparece o decreta publicado, faltando S. Exa. ao que prometeu.
É uma afronta lançada ao Parlamento pelo Poder Executivo.
Já em parte alguma do mundo se paga portagem nas pontes.
O Govêrno, foi simplesmente autorizado a regularizar o comércio de câmbios, tomando as providências que julgasse convenientes para melhorar a situação cambial, ficando expressamente determinado que ao Poder Executivo não seria permitido legislar ou decretar qualquer medida que visasse a aumentar os impostos. Pois o Govêrno não só aumentou as contribuições, como decretou que fossem estabelecidos impostos a favor de uma empresa particular, isto contra o que expressamente determinam os contratos.
É de lamentar que pelas cadeiras do Poder passem homens que não cumpram os seus deveres.
Os Governos de concentração o os Ministros que só dizem independentes — posso afirmá-lo sem receio de desmentido — tem sido os mais nefastos à administração pública.
Os primeiros, porque sendo compostos das várias facções políticas, cada uma delas procura realizar a política que mais lhe convém; e os segundos, porque não tendo uma corrente organizada de opinião, procuram apoiar-se em todas as correntes.
É preciso que os partidos, de uma vez para sempre, ponham de parte êsses superhomens estadistas independentes, que não têm uma autoridade o uma independência moral para fazer uma obra acima de tudo e de todos.
O Sr. Carneiro Franco (interrompendo): — Muitas vezes essa autoridade falta aos parlamentares.
O Orador: — Se V. Exa. se quero referir a mim, devo dizer que ela não me falta. Talvez V. Exa. curo por informação colhida na sua própria consciência. Com isso eu não tenho nada.
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Se V. Exa. só julga no número dêsses parlamentares a quem falta a autoridade, eu, por mim, devo dizer que a tenho em excesso, porque da já vem do tempo em que muitos os que ali se sentam mo correram à pedra por ou defender princípios que ainda hoje defendo e dos quais não abdico.
Sr. Presidente: é com a mais profunda mágoa que sinto não ter nas mãos os necessários elementos para meter na ordem, todos aqueles que têm feito da República, santo sonho de toda a minha existência, não um regime dignificador, mas uma manta de retalhos, não um altar, mas uma mesa.
Apoiados.
Termino as minhas considerações enviando para a Mesa um projecto de lei, para o qual peço a urgência o dispensa de Regimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Tavares de Carvalho (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: no dia 25 de Maio próximo passado transitou para esta Câmara uma proposta, votada no Senado, sôbre o inquilinato. Peço a V. Exa. a fineza de mo informar se ia se encontram na Mesa os pareceres das comissões respectivas.
O Sr. Presidente: — Devo informar V. Exa. que ainda não está na Mesa nenhum parecer, mas o Sr. António Dias comunicou-me que a comissão já tinha terminado a discussão sôbre essa proposta e que brevemente enviaria para a Mesa o competente relatório.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara.
O Sr. Francisco Cruz pediu a urgência e dispensa do Regimento para um projecto que mandou para a Mesa.
Vou pôr à votação êste requerimento.
O Sr. Jaime de Sousa (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: realmente o Sr. Francisco Cruz merece-nos toda a consideração, quer pessoalmente, quer pela doutrina que defende. Mas, eu julgo que seria conveniente dividir o requerimento do S. Exa. em duas partes, votando primeiro a urgência e depois a urgência e dispensa do Regimento.
É neste sentido que faço a minha proposta.
O Sr. Francisco Cruz (sobre o modo de votar): — É para dizer ao Sr. Jaime de Sousa que determinando uma das disposições do decreto que êle entre em vigor passados oito dias, depois de publicado no Diário do Govêrno, é de toda a necessidade que o meu requerimento seja-aprovado.
Foi aprovado o requerimento do Sr. Jaime de Sousa.
O Sr. Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
Feita a contraprova, verificou-se estarem de pé 14 Srs. Deputados e sentados 42, pelo que foi considerado aprovado o requerimento do Sr. Jaime de Sousa.
É aprovada a urgência e rejeitada a dispensa do Regimento.
O Sr. Francisco Cruz: — Requeiro a contraprova.
Procede-se à contraprova.
O Sr. Presidente: — Estão de pé 15 Srs. Deputados e sentados 41.
Está rejeitada a dispensa do Regimento.
O Sr. Presidente: — Continuam em discussão as emendas do Senado ao parecer n.° 622, sôbre o empréstimo à província de Moçambique.
Continua no uso da palavra o Sr. Cancela de Abreu.
O Sr. Cancela de Abreu: — Não estando presente o Sr. Ministro das Colónias entendo que não posso continuar as minhas considerações.
O Sr. Presidente: — O Sr. Ministro das Colónias está no Senado ouvindo as considerações de um Sr. Senador e vem dentro de poucos minutos. Entretanto o Sr. Ministro do Interior deu-se por habilitado à discussão. Por isso pode o Sr. Cancela de Abreu continuar no uso da palavra.
O Sr. Cancela de Abreu: — Desejo tratar do assunto a sério; e por isso não
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prescindo do Sr. Ministro das Colónias, que é quem tem de me responder.
O Sr. Vitorino Guimarães (com grande energia): — Protesto contra as palavras do Sr. Cancela de Abreu.
É necessário que haja atenção pelo Sr. Ministro do Interior.
Apoiados.
O Sr. Carlos Pereira protesta contra as palavras do Sr. Vitorino Guimarães e dirige, para a esquerda, apartes violentos, que não foram ouvidos.
O Sr. Cancela de Abreu: — Peço a.V. Exa., Sr. Presidente, o favor de me aguardar a presença do Sr. Ministro das Colónias, para me dar a palavra.
O Sr. Presidente: — Nos termos do Regimento, desde que um Sr. Ministro se declara habilitado a seguir a discussão, essa discussão tem de seguir. V. Exa. que é já um parlamentar com experiência, deve sabê-lo. Demais, o Sr. Ministro das Colónias vem dentro de alguns minutos e, por isso, algumas palavras que o Sr. Deputado queira pronunciar diante do .Sr. Ministro das Colónias, terá ocasião de o fazer quando S. Exa. chegar.
Devo dizer mais que o Sr. Ministro das Colónias me 'procurou, ao abrir da sessão, para me dizer isto.
Portanto, não posso interromper a discussão, o que seria contrário ao Regimento. Nestes termos, ou V. Exa. continua no uso da palavra, ou desiste da palavra, e concedo-a a outro Sr. Deputado. Não posso proceder de outra maneira.
O Sr. Cancela de Abreu: — Devido à consideração que V. Exa. me merece, prosseguirei no uso da palavra, não insistindo que se aguarde a presença do Sr. Ministro das Colónias.
Não posso, porém, deixar de estranhar a atitude de alguns membros da maioria para comigo, e, especialmente, dó Sr. Vitorino Guimarães, que costuma ser uma pessoa calma e correcta.
Sr. Presidente: não é com os votos que possamos alcançar na província de Moçambique que nós pensamos em restaurar a monarquia.
Intervenho neste importante assunto guiado unicamente pela minha consciência de português e de patriota. Desejo tratá-lo sem qualquer preocupação de ordem política, animado do melhor intuito de esclarecer a Câmara e o meu País e no propósito de definir e concretizar responsabilidades, para que amanhã possamos exigi-las aqueles que assumiram as dai aprovação do empréstimo de que se está tratando.
Apoiados.
Não considero as minhas afirmações como um dogma. Em questões desta natureza, nunca dei feição dogmática às considerações que formulo; e num caso desta natureza ainda menos, porquanto não sou colonial e as circunstâncias da minha vida não têm permitido que me dedique muito ao estudo dos assuntos coloniais.
Por isso, aceito de boa vontade a contradita e declarar-me hei convencido sé me provarem que êrro nas apreciações que faço acerca desta questão.
Já ontem expus á Câmara o que julguei conveniente frisar acerca do modo como decorreu, nesta casa do Parlamento, a discussão da proposta do empréstimo de Moçambique, cujas emendas agora nos cumpre apreciar.
Já revelei à Câmara, em termos precisos e concretos, qual a nossa atitude e o propósito firme que temos de a manter, até ao fim, lutando quanto pudermos, para evitar que atrabiliàriamente seja votada definitivamente uma proposta gravíssima, como esta é.
E as considerações que vou fazer são também tendentes a justificar uma proposta que tenciono enviar para a Mesa e que se destina a mais concretamente marcar as responsabilidades de cada um dos, membros desta Câmara.
O Sr. Alto Comissário de Moçambique foi dizer para o Senado que a proposta tinha tido uma larga discussão na CÂmara dos Deputados e que nela tinham intervindo todos os ilustres coloniais que dela fazem parte.
Certamente que o Sr. Alto Comissário de Moçambique não assistiu ao que se passou nesta casa quando a proposta foi discutida na especialidade; porque, se tivesse assistido, S. Exa. teria notado que tendo-nos nós monárquicos abstido de intervir no debate por motivo das declarações formais do nosso ilustre leader, apenas alguns parlamentares se pronunciaram li-
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geiramente sôbre a proposta, tendo-se muitos deles limitado a enviar emendas para a Mesa.
O Sr. Cunha Leal, que fora quem mais largamente discutira a proposta na generalidade, estava ausente, com licença.
O Sr. Brito Camacho, que nós ouviríamos com todo o interêsse, dada a autoridade que derivava da circunstância de ter sido o último Alto Comissário em Moçambique, também não esteve presente por motivo de doença.
Apenas ouvimos declarações realmente autorizadas ao Sr. Ferreira da Rocha, a cujas qualidades de inteligência, de estado e de competência é devida homenagem.
Sem receio de contestação, posso afirmar que esta proposta está quási por discutir devidamente nesta Câmara e que não pode ser conhecida a operação projectada, desde que se procura sistematicamente ocultar as bases essenciais do contrato.
O Senado alterou o artigo 2.° da lei votada nesta Câmara, reduzindo a 4.000:000 de libras, ou sejam 18:000 contos ouro a importância do empréstimo que aqui tinha sido fixada em 7:000.000 de libras, ou sejam 31:500 contos ouro.
É interessante que a Câmara saiba quanto isto representa ao câmbio de hoje, para bem poder avaliar a divergência entre os critérios das duas Câmaras e para mais conscienciosamente poder emitir o seu voto.
A Câmara dos Deputados votou autorização para o empréstimo de 7.000:00$ de libras, que, ao câmbio actual, e computando o ágio do ouro em 3:400 por cento, libra a 100$, representa qualquer cousa como 1.071:100 contos.
O Senado reduziu esta importância a 4:000.000 de libras, o que, ao câmbio actual, multiplicado, representa 612:000 contos.
Já vêem V. Exas. como é importante e essencial a diversidade de critérios das duas casas do Parlamento e como é preciso que ponderem circunstanciadamente a maneira como vão pronunciar-se. A diferença é de 3:000.000 de libras.
O projecto de contrato, que veio a público, fixava o empréstimo em 5:000.000 de libras, que representavam 22:500 contos ouro, ou ao câmbio de agora 765:000 contos.
Estamos, portanto, em presença de três critérios diferentes, que demonstram a desorientação que domina, e a falta de conhecimento por parte do Govêrno, do Parlamento è do Alto Comissário das necessidades da província e das condições que devem adoptar na operação que se pretende realizar.
Nestas condições,, nós, que da primeira vez, pudemos negar formalmente o nosso voto à proposta, encontramo-nos presentemente colocados entre a espada è a parede, tendo regimentalmente de nos pronunciar pela decisão de qualquer das duas Câmaras, se não preferirmos abandonar a sala, ou se a Câmara não votar a proposta que vou mandar para a Mesa.
Êste lado da Câmara, tendo de votar, votará naturalmente pela decisão do Senado, orientado pelo critério «do mal o menos».
Senão pudermos remediar o mal, procuraremos evitar que, para o País e para Moçambique, resulte desta proposta o menor dano possível.
Há um aspecto importantíssimo, para o qual eu chamo a atenção da Câmara e muito especialmente a do Sr. Ministro das Colónias e dos Deputados coloniais, esperando que S. Exas. se não deixem levar pela sua obcecação de coloniais e se não esqueçam de que, acima de tudo, são portugueses.
Digam-me se é ou não verdade que à operação que se pretende realizar vem quebrar inteiramente aquilo que era a tradição consagrada da política colonial portuguesa, e que sempre se impôs e particularmente se impõe nas circunstâncias actuais, em que os corvos andam grasnando sôbre os nossos domínios, e principalmente sôbre a província de Moçambique.
Nunca, Sr. Presidente, sé permitiu que as colónias portuguesas fizessem directamente com o estrangeiro operações de crédito; nunca se consentiu que as colónias portuguesas assumissem por si a responsabilidade de quaisquer empréstimos. Antes, pelo contrário, essas responsabilidades eram assumidas única e exclusivamente pela metrópole, fôsse qual fôsse o destino do empréstimo.
Hintze Ribeiro que, com aquela ponderação que lhe era peculiar, se tornou uma figura inconfundível na política por-
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tuguesa, e José Luciano de Castro que, com a sua clara visão política, se tornou um verdadeiro profeta na sua terra, mantiveram inalterável, esta norma fundamental, que o Sr. Quirino de Jesus sintetizou nos seguintes termos:
«Ficaria responsável o Estado para com o estrangeiro e a colónia para com o Estado».
Foi êste, Sr. Presidente, o princípio sempre seguido pelos partidos constitucionais da monarquia.
Creio que esta circunstância deve imperar no espírito de todos aqueles que se interessam pelo futuro das nossas colónias. Em face disto, eu pregunto ao Sr. Ministro das Colónias, assim como pregunto a todos os coloniais que me estilo ouvindo, se não consideram gravíssimo o que se pretendo fazer, o precedente que se está estabelecendo, assim como lhes pregunto se isto não poderá representar já por si um princípio à alienação de Moçambique.
Pregunto-o também a todos aqueles que me estilo ouvindo, e bem assim a todos aqueles que lá fora defendem esta proposta, se não são justificados os meus receios.
Para mim, Sr. Presidente, considero esta de uma grande gravidade, tanto mais quanto é certo que se pode dar o caso de no futuro a colónia não poder, cumprir, o contrato que se pretende realizar.
Como é que depois das afirmações feitas aqui no ano passado pelo Sr. Rodrigues Gaspar e que calaram no ânimo de toda a Câmara, relativas à atitude do general Smuts para com Moçambique, se vai votar uma proposta desta natureza, e que tem uma gravidade tal que eu ainda hoje não acredito que haja quem queira ligar a ela a sua responsabilidade sem que ao menos previamente sejam conhecidas as bases do contrato que se pretende levar a efeito.
O Sr. Presidente: — Falta apenas um minuto para se passar à ordem do dia.
O Orador: — Peço a V. Exa. o favor de me reservar a palavra.
O Sr. Santos Barriga (para interrogar a Mesa): — Desejo saber se o Sr. Ministro da Instrução foi avisado de que eu desejo formular algumas considerações na presença de S. Exa. antes de se encerrar a sessão.
O Sr. Plínio Silva (para interrogar a Mesa): — Pregunto a V. Exa. se tem conhecimento de qualquer razão, que tenha levado o Sr. Alberto Vidal a afastar-se da vice-presidência da Câmara.
O Sr. Presidente: — Ignoro.
O Orador: — Constou-me que S. Exa. se sente magoado por uma frase que me é atribuída e que veio transcrita em alguns jornais. Contam êsses jornais que eu dissera que o Presidente não servia para nada.
De facto, as palavras por mim proferidas foram aquelas, mas com a diferença de que as não disse em sentido afirmativo, mas sim como interrogativo. Nestas condições já todos vêem que a frase não se dirigia ao Presidente da Câmara, mas, pelo contrário, se dirigia aos meus colegas que estavam impedindo que o Sr. Presidente exercesse devidamente a sua acção.
Não há, pois, nenhuma razão para que o Sr. Alberto Vidal possa considerar-se magoado.
Apoiados.
Espero, pois, que V. Exa. no caso de efectivamente o Sr. Alberto Vidal se achar melindrado, transmita a S., Exa. estas minhas explicações.
Tenho dito.
O orador não revia.
O Sr. Presidente: — Tendo-me encontrado com o Sr. Alberto Vidal, S. Exa. apenas mo disso que os seus afazeres particulares não lhe permitiam ocupar o seu lugar na presidência nu Câmara. Em todo o caso transmitirei a S. Exa. as palavras que acabam de ser proferidas por V. Exa., e estou certo de que S. Exa. não deixará de regressar a êste lugar, se de facto a razão do seu afastamento é aquela que S. Exa. supõe.
Vai passar-se à ordem do dia.
Os Srs. Deputados que aprovam a acta queiram levantar-se.
Pausa.
Está aprovada.
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O Sr. Lopes Cardoso enviou para a Mesa a seguinte comunicação:
Leu.
Comissão de legislação civil e comercial:
Substituir o Sr. Moura Pinto pelo Sr. Alberto Jordão Marques da Costa.
Para a Secretaria.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (José Domingues dos Santos): — Peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Tem V. Exa. a palavra.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (José Domingues dos Santos): — Sr. Presidente: há mais de vinte dias que está para receber a discussão desta Câmara o projecto de lei, vindo do Senado, tendente a regularizar a situação de proprietários e inquilinos.
Como se trata de um dos mais importantes problemas da vida nacional, eu re-queiro, nos termos do Regimento, que êsse projecto entre em discussão logo a seguir à proposta sôbre actualização de impostos, com ou sem parecer da respectiva comissão.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vou pôr à votação o requerimento que o Sr. Ministro da Justiça acaba de formular.
O Sr. Lopes Cardoso (sobre o modo de votar): — Êste lado da Câmara, vendo a impossibilidade de se discutir desde já um projecto completo sôbre o assunto do inquilinato, entende que se deverá discutir, tam depressa quanto possível, essa dúzia de providências que já obtiveram a aprovação do Senado.
O assunto é porém de tal complexidade que demanda uma especial atenção.
Tudo aconselha a que a discussão se faça sôbre o parecer da comissão competente.
Segundo estou informado, 6sse parecer será apresentado em breves dias; e portanto a Câmara deverá aguardá-lo.
Nestas condições, êste lado da Câmara não vota o requerimento do Sr. Ministro da, Justiça,
O Sr. António Dias (sobre o modo de votar): — Cumpre-me comunicar à Câmara que a comissão de legislação civil e comercial está ultimando o seu trabalho sôbre a proposta vinda do Senado, a respeito do inquilinato urbano.
O assunto exige demorado estudo, visto que é de grande complexidade e a comissão não poderia emitir de ânimo leve o seu parecer.
Conto que em breve será distribuído o competente parecer, e portanto, não me parece que deva ser rejeitado o requerimento do Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Morais Carvalho (sobre o modo de votar): — Se eu dissesse que me havia causado estranheza o requerimento do Sr. Ministro da Justiça, eu falaria com menos sinceridade, tam habituado já estou a ver que se concede a dispensa do Regimento precisamente para os projectos ou propostas relativos a assuntos que de mais cuidado exame carecem.
As disposições regimentais só são seguidas para os projectos e propostas de somenos importância.
A minoria monárquica não pode dar o seu voto ao requerimento feito pelo Sr. Ministro da Justiça, porque entende que o projecto a que êle respeita carece de um estudo ponderado.
Eu entendo que a Câmara não pode dispensar o parecer da comissão, tanto mais que se depreende das palavras do Sr. presidente da comissão de legislação civil que há uma certa divergência dentro dela, acerca do texto, tal como veio do Senado.
Acresce que está na ordem do dia, a seguir à proposta da actualização dos impostos; uma outra que, como a do inquilinato, é também de grande urgência, que a Câmara mais de uma vez tem reconhecido: refiro-me à que trata da construção de estradas.
Para mais, o Sr. presidente da comissão de legislação civil declarou que estava para breve a apresentação, por parte da comissão, do parecer; tudo indica pois que se aguarde êsse parecer para então se votar que o projecto sôbre inquilinato entre em discussão.
Feito isso, nós que, repito, somos de opinião em que há realmente urgência em resolver êste assunto, seremos os pri-
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meiros a votar então a discussão imediata.
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Justiça, e dos Cultos (José Domingues dos Santos): - As diligências que faço junto desta Câmara, fi-las no Senado.
Devo dizer que por mais de uma vez á Câmara me responsabilizou pela demora do projecto.
Por mais de uma vez, e do lado da extrema direita da Câmara até, me responsabilizaram pela demora.
Portanto, sendo passados os quinze dias seguintes, entendo dever requerer que se cumpra o Regimento.
A comissão, se não apresenta parecer, é porque não quere, não pode ou não sabe fazê-lo.
Peço portanto que se cumpra o Regimento.
O orador não reviu.
O Sr. Lino Neto: - Sr. Presidente: reconheço que efectivamente o projecto sôbre o inquilinato é da maior urgência; mas apesar disso não pode deixar a Câmara de reconhecer que o devemos discutir com método.
Se o projecto não veio acompanhado do respectivo parecer da comissão é porque, havendo na comissão pessoas especializadas no assunto, se verifica que o projecto do Senado representa alguma cousa de caótico, e é preciso que façamos um estudo para fazer-se uma discussão com método.
Além disso, estamos discutindo outros assuntos mais importantes, e que é necessário votar.
Não possp, portanto, dar o meu voto ao requerimento do Sr. Ministro da Justiça.
O orador não reviu.
O Sr. Moura Pinto: - Sr. Presidente: pedi a palavra sôbre o modo de votar para dizer que ontem; quando vinha para a Câmara, encontrei vários anuncios na cidade dizendo que o Sr. Ministro da Justiça vinha defender bom grande calor á imediata discussão do projecto sobre inquilinato.
Verifico que, realmente, S. Exa. pôs todo o calor em favor da causa que os anúncios indicavam.
S. Exa. afirmou que no Senado tinha pedido também que o projecto fosse discutido.
Requereu até que o projecto entrasse em discussão numa determinada ocasião, sendo rejeitado esse requerimento...
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (José Domingues dos Santos): - Está V. Exa. enganado; entrou em discussão no próprio dia em que requeri.
O Orador: - Tendo-se feito uma votação em que a Câmara não reconheceu a urgência...
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (José Domingues dos Santos): - V. Exa. está equivocado.
O Orador: - Estarei.
O Sr. Pedro Pita: - Quando o Sr. Ministro requereu para entrar em discussão o projecto, entrou; mas depois requereu para entrarem em discussão as emendas sem serem impressas.
O Sr. Ministro dá Justiça e dos Cultos (José Domingues dos Santos): - Também V. Exa. está equivocado. Não fui eu quem requereu.
O Orador: - A comissão tem trabalhado, e tanto que o Sr. relator informou a Câmara que brevemente mandará para a Mesa o parecer.
Em primeiro lugar, não é igual o regimento do Senado ao da Câmara dos Deputados.
O parecer tem de ser dado no prazo de vinte dias, a não ser por deliberação da Câmara alterada esta disposição; e V. Exa. sabe com quanta dificuldade tem sido feita a discussão de projectos até em matéria tributária.
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos requereu a êste projecto entrasse em discussão depois da do parecer sobre impostos. Ora êste parecer nem sequer ainda está aprovado na generalidade.
O Orador: - Assim, pode até dar-se o caso de o Sr. Ministro da Justiça ver mais
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depressa distribuído o parecer do que o seria só fosse aprovado o seu requerimento.
O orador não reviu.
O Sr. Rodrigues Gaspar: - A questão do inquilinato ó realmente uma questão que precisa de solução imediata.
Apoiados.
Tem havido pedidos do povo de Lisboa para que essa lei seja aprovada. E, por consequência, uma questão muito urgente, e eu, como Deputado por Lisboa, reconheço que o caso é realmente duma grande urgência.
O Sr. relator ainda há pouco me acabou do informar que ainda, hoje a comissão vai ter uma conferência com o Sr. Ministro da Justiça, naturalmente para harmonizarem quaisquer pontos do projecto de lei; de modo que resumo as minhas considerações dizendo, que, reconhecendo que é absolutamente necessária a votação da lei do inquilinato, entendo contudo que não valerá a pena por vinte e quatro horas...
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (José Domingues dos Santos): - Essas vinte e quatro horas duram há vinte dias!
O Orador: - Mas eu referi-me à conferência com V. Exa., pela qual se podia esperar.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (José Domingues dos Santos): - Se o Sr. relator tivesse interêsse em que o projecto fosse, votado, não o teria em sua casa de Coimbra três semanas!
O Orador: - O meu voto é para que a questão, sendo urgente, não seja, contudo precipitada.
O orador não reviu.
O Sr. Lopes Cardoso (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: este lado da Câmara tem o maior desejo de votar a lei do inquilinato, como há pouco o disse. Parece-me, entretanto, que não há inconveniente era esperar-se pela apresentação do parecer, tanto mais que o Sr. relator informou que isso levaria poucos dias, o que veio dar rasão à minoria nacionalista e também à opinião expendida pelo Sr. Rodrigues Gaspar.
Aproveito a ocasião para mostrar por todos os membros da comissão de legislação civil e criminal a nossa maior consideração.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr, Presidente: - V. Exa. pediu a palavra para interrogar a Mesa e, afinal, não fez qualquer pregunta à Mesa.
O Sr. Lopes. Cardoso: - Desisti da palavra para interrogar a Mesa, e apenas, falei sôbre o modo de votar.
O Sr. António Dias (sôbre o modo de votar): - Sr. Presidente: não tencionava voltar novamente, a usar da palavra, porque já tinha dito em nome da comissão de legislação civil e criminal aquilo que se me afigurava. O melhor em relação ao requerimento do Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos.
Tinha concluído afirmando que não via o mais pequeno inconveniente em que êsse requerimento fosse votado; estava, portanto, em perfeita concordância, com o mesmo requerimento. Mas S. Exa. falou mais uma vez; e, então, afirmou que o problema do inquilinato não podia ser retardado na sua solução por culpa da comissão, que não quis, não pôde ou não soube cumprir com o seu dever".
Depois disso ainda S. Exa. afirmou que a culpa era só minha, porque, como relator, tive em Coimbra três semanas o projecto sem nele trabalhar.
Sr. Presidente: habituei-mo desde sempre a tomar as responsabilidades, em todas as circunstâncias, das minhas faltas e dos meus defeitos; mas não posso admitir que o Sr. Ministro da Justiça me queira imputar faltas que não cometi!
Êste projecto foi apresentado na sessão de 26 de Maio último. Estou aqui desde segunda-feira passada; e pregunto só - faça-se uma ligeira contagem de tempo - ou podia ter este projecto em meu poder ora Coimbra durante três semanas.
Em presença de uma acusação infundada e injusta, eu direi à Câmara que logo que êste projecto aqui apareceu a comissão de legislação civil e criminal reuniu, escolhendo-me por unanimidade para re-
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dor. Combinou a comissão retinir-se na têrça-feira imediata, mas eu fui daqui doente e cheguei a casa mais doente, tendo de ir para a cama. Se o Sr. Ministro duvida, é fácil averiguar que isto é verdadeiro. Mas mais: eu que me tinha responsabilizado a estar aqui nessa têrça-feira, não o podendo fazer, escrevi a alguém que está aqui presente, pedindo-lhe para informar a comissão de que estava doente. Só pude vir na sexta-feira, primeiro dia em que o médico me consentiu que saísse de casa. Neste mesmo dia houve reunião da comissão para se traçarem as linhas gerais do seu parecer. Em seguida houve um feriado, o dia de Camões, e combinou-se então uma reunião para quarta-feira. Vim cá nesse dia, e também cá estive na segunda-feira transacta, dia em que não houve sessão por falta de número. Depois disso tem a comissão reunido sempre, e ainda antes de ontem a comissão esteve reunida até a meia noite.
Em presença destas explicações e desta narração cronológica de factos, pregunto à Câmara se o Sr. Ministro da Justiça tem o direito de tomar em relação à minha pessoa a atitude que tomou!?
Apoiados.
Pregunto mais se S. Exa. tem o direito de insultar a comissão de legislação civil e criminal?!
Não me insulta quem quere.
A comissão tem a sua dignidade e o seu prestígio a defender.
Nesta ocasião não falo em seu nome, porque ela ainda não tomou conhecimento das palavras aqui proferidas; mas tomará, e adoptará a atitude a seguir, que certamente não deixará de ser absolutamente consentânea com a dignidade pessoal de cada um dos seus membros.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: a minoria nacionalista definiu já a sua maneira de ver.
Entendo, porém, que não posso deixar de frisar que não fazemos questão política sôbre êste caso. Tanto assim é que concordamos com as palavras sensatíssimas dos Srs. Rodrigues Gaspar e António Dias.
De facto, é bom que os. Ministros se habituem a não empunhar o chicote de
nove rabos. Para empunhar o chicote é preciso ter conquistado uma situação especial. Até em terras de escravatura, para se ser senhor, é preciso ser demonstrado qualidades para isso.
Quando o Sr. José Domingues dos Santos chegar à envergadura do Sr. Afonso Costa, que Deus haja, então nessa ocasião poderá bater.
Agora é prematuro tudo quanto S. Exa. faça daquelas cadeiras; e se o seu propósito é descer daquele lugar para subir a êstes, faça-o, e depois poderá bater à vontade.
Neste momento recomendamos ponderação e calma aos seus nervos.
Sr. Presidente: repetindo, devo dizer que não fazemos questão política, e apenas despejamos que esta questão seja estudada com ponderação, sem paixões, sem discursos de capinhas em touradas, e sem atitudes que nos façam lembrar que se antecipou a vinda a Lisboa do celebre Cafiero, que de há muito é esperado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: o meu amigo Sr. Morais de Carvalho já, em nome dês-te lado da Câmara, expôs qual a nossa maneira de ver. No emtanto, como não desejo que as minhas intenções sejam desvirtuadas, é que pedi a palavra.
Há nesta Câmara muitas pessoas que sabem quanto eu desejo que prontamente seja discutida a lei do inquilinato, por forma a satisfazer as reclamações dos inquilinos e dos proprietários.
Interrupção do Sr. Carlos Pereira que não se ouviu.
O Orador: — Não há nem pode haver nesta questão a menor sombra de política : e eu entendo que devemos colaborar numa lei que, por igual, atenda a todas as justas reclamações de ambas as partes.
Sr. Presidente: de facto tem-se feito política nesta questão. E aqueles que hoje se apresentam nesta Câmara como defensores dos inquilinos, são os responsáveis únicos desta questão não estar ainda resolvida.
Quando se discutir a lei do inquilinato provarei quanta especulação política tem andado à volta dêste assunto.
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Nestas condições dou o meu voto para que essa questão seja prontamente resolvida.
A propósito quero levantar aqui uma afirmação falsíssima, publicada no jornal O Mundo de ontem, em que se diz estar eu entendido com os membros da comissão de legislação civil, para demorar esta questão.
Ora eu não tive sequer qualquer conversa a êsse respeito; e, por êste motivo, lavro o meu protesto contra mais essa insídia.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovado o requerimento do Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Almeida Ribeiro: — V. Exa. informa-me se o projecto da lei do inquilinato vai ocupar o mesmo lugar que ocupa actualmente o projecto sôbre os impostos?
O Sr. Presidente: — O projecto da lei do inquilinato substituirá o parecer n.° 668-A, na ordem do dia, e ser-lhe hão reservadas para discussão duas horas diárias.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Vai prosseguir a discussão do projecto sôbre impostos, e continua no uso da palavra o Sr. Cancela de Abreu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: vou demorar pouco as minhas considerações porque o meu estado de saúde e o meu cansaço não me permitem dar-lhe desenvolvimento merecido.
Porém, antes de continuar nas considerações que vinha fazendo, desejo dar uma explicação ao Sr. Abílio Marçal, pessoa por quem tenho a maior consideração pessoal.
Se S. Exa. tivesse ouvido as considerações que eu fiz acerca do empréstimo a Moçambique não teria, certamente, chamado a atenção da Mesa, dizendo que eu estava fora da ordem.
Faço-lhe esta justiça.
Precisava de discutir a operação projectada para justificar a nossa atitude; desde que se trata de fixar o quantitativo é preciso saber bem as condições em o assunto se apresenta.
Aí tem S. Exa. as razões do meu procedimento.
O Sr. Velhinho Correia também protestou contra as minhas palavras, mas a S. Exa. nada responderei, porque não merece esta atenção.
O Sr. Velhinho Correia não tem autoridade moral para protestar, pois que ainda há poucos, dias fez largo obstrucionismo e jogou de porta em duas sessões.
Reatando as minhas considerações, tenho de pôr em evidência alguns pontos da proposta em discussão que só tem sido defendida pelos Srs. Velhinho Correia é Presidente do Ministério, que, entre outras cousas espantosas, sustentam que a riqueza pública aumentou.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Cresceu o numerário.
O Orador: — Ainda há pouco, o ilustre cronista financeiro do Diário de Noticias apresentou uma interessante tese, no Congresso das Associações Comerciais, na qual êste importante assunto é versado nos seguintes termos;
Leu.
Aqui tem V. Exa. qual é a verdadeira situação da riqueza pública no país, e qual a capacidade tributária do contribuinte.
Vejamos um exemplo:
Segundo uma nota que me foi fornecida, uma sociedade comercial teve, em 1914 82.000$ de receita total; e em 1922 teve 5170.00$, isto é, mais 6,3 vezes.
A sua despesa foi em 1914 de 10.000$ e em 1922 de 477.000$, isto é, mais 6,6 vezes.
Portanto, as despesas aumentaram em maior proporção do que as receitas.
O saldo líquido foi de 10.000$ em 1914 e de 40.000$ em 1922. Aumentou, pois, apenas 4 vezes, ao passo que a moeda, até então, aumentou 24 vezes.
Parece-me que é com exemplos dêstes que se mostram os factos, e não com demonstrações baseadas apenas nos alfarrábios do Sr. Velhinho Correia.
Vejam bem:
Esta empresa teve os seus rendimentos apenas aumentados 4 vezes em rela-
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cão a 1914, quando é certo que a desvalorização da moeda era então de 25 vezes.
Como pode, pois, o Sr. Velhinho Correia dizer que o país paga pouco; e que se pode fazer a actualização dos impostos?
Sr. Presidente: também o Sr. relator tem ferido várias vezes o bordão de que Portugal paga menos impostos do que os outros países. Porém eu tenho aqui números que desmentem essa afirmação.
Possuo um mapa estatístico com os aumentos que sofreram as contribuições em vários países desde 1913 até 1920. Por êle se vê que Portugal é hoje o país que mais tem agravado os seus impostos.
No mapa que diz respeito aos impostos directos de vários países, encontramos o seguinte em milhões:
Bélgica (francos): — Em 1913,102. Em 1920, 771. Aumento, 655 por cento.
Holanda (florins): - Em 1913, 67, Em 1020, 275. Aumento, 307 por cento.
Itália (liras): — Em 1913, 597. Em 1920, 2:518. Aumento. 822 por cento.
Suécia (coroas): — Em 1913, 40. Em 1920, 304. Aumento, 655 por cento.
Dinamarca (coroas): — Em 1913, 28. Em 1920, 247. Aumento, 766 por cento.
França (francos): — Em 1913, 992. Em 1920, 6:423. Aumento, 547 por cento.
Inglaterra (libras): — Em 1913,78. Em 1920, 661. Aumento, 747 por conto.
Pois o aumento em Portugal, foi, até , 1923, de cêrca de 757 por cento.
Em impostos indirectos vemos o seguinte, também em milhões:
Bélgica (francos): —Em 1913, 156. Em 1920, 315. Aumento, 102 por cento.
Holanda (florins): — Em 1913, 80. Em 1920, 115. Aumento, 42 por cento.
Itália (liras): — Em 1913, 1:171. Em 1920, 3:485. Aumento. 198 por cento.
Suécia (coroas): — Em 1913, 111. Em 1920, 159. Aumento, 40 por cento.
Dinamarca (coroas): — Em 1913, 56. Em 1920, 83. Aumento, 50 por cento.
Noruega (coroas): — Em 1913, 68. Em 1920, 93. Aumento, 37 por cento.
França (francos): — Em 1913, 1:609. Em 1920, 3:725. Aumento, 131 por cento.
Inglaterra (libras): — Em 1913, 75. Em 1920, 348. Aumento, 368 por cento.
Nestas condições, parece-me ter demonstrado que são fogos fátuos, meras fantasias as afirmações de que o País está rico e a riqueza do contribuinte está actualizada em proporção com o valor da moeda.
Estão aqui os números exactos e contra êles nada vale o arrazoado do Sr. relator do parecer em discussão.
Outro ponto que desejo versar é o relativo à influência que o aumento dos impostos necessàriamente produz nó custo da vida.
Ninguém pode negar que a pretensa actualização dos impostos vai influir largamente no custo da vida.
Todos os impostos, e principalmente os relativos à contribuição predial e industrial, e ao imposto sôbre o valor de transacções, cujo coeficiente se pretende também aumentar, influem muito no custo dos géneros.
Em última análise é o consumidor quem paga.
Trata-se do que se chama à repercussão do imposto.
O alto comércio, os grandes proprietários, a alta banca não são as principais vítimas dos impostos. Êstes vão repercutir-se precisamente nos que menos podem pagar.
Sr. Presidente: o Sr. Velhinho Correia e o Sr. Ministro das Finanças disseram aqui muitas vezes que o nosso regime tributário era deficiente, cheio de defeitos. E certo. Mas se o regime tributário actual se presta a grandes injustiças e irregularidades, êstes vão aumentar espantosamente com o agravamento dos impostos. É intuitivo.
Certamente o Sr. Ministro das Finanças quando estudante em Coimbra terá aprendido pelo Dr. Jardim, e leu que uma das condições essenciais de um bom regime tributário consiste em o imposto ser tolerado.
Realmente só assim o Estado tira da sua aplicação resultado profícuo.
E pode o País tolerar os impostos a que pretendem submetê-lo?
Evidentemente que não.
Depois, o imposto aumentado, além de aumentar a fuga, produz a demínuição da matéria colectável, porque empobrecendo os diferentes ramos de actividade, deminui a sua base de incidência. E assim o
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Estado receberá muito menos do que aquilo que se supõe.
Terei ocasião, quando se discutirem os orçamentos, de apreciar mais detalhada-mente o que respeita &s despesas do Estado.
Por agora, limito-me a dizer ao Sr. Ministro das Finanças que há pessoas autorizadas que calculam em 65:000 o número de empregados públicos actualmente existentes, e que, se confrontarmos esta cifra com a dos outros países, incluindo os mais ricos e de moeda valorizada, nós encontramos uma grande desproporção, que mostra ser relativamente muito mais elevado no nosso País o número dos funcionários públicos.
Eu podia, se quisesse alongar-me em considerações, ler à Câmara números interessantes a êste respeito.
Facto também curioso: as despesas de pessoal são mais elevadas, precisamente naqueles Ministérios que nada representam em relação à economia nacional.
Em 1911 havia 28 direcções gerais. Agora há 49!
Pregunto se por êste facto os serviços estão mais normalizados e correm mais regularmente.
Escusado será dizer-lhe que a fonte principal dêste escandaloso aumento foram ps famosos 30 suplementos do Diário do Govêrno de 10 de Maio de 1919,,
Dá-se ainda outra circunstância estranhável.
Pelo que respeita às despesas militares, a política das nações tem-se orientado ultimamente no sentido de as reduzir ao indispensável.
Na conferência financeira de Bruxelas realizada em 1920, uma das bases votadas por todas as nações representadas nela foi a redução das despesas militares ao mínimo, para assim se contribuir para o equilíbrio, dos orçamentos de todos os
Êste equilíbrio interessa realmente a todas as nações, visto que a instabilidade da moeda em cada país afecta as relações internacionais, e nomeadamente o inter--câmbio comercial.
Países de moeda valorizada atravessam por vezes graves crises provenientes da Desvalorização da moeda dos outros. Haja em vista a Espanha e a Inglaterra, que se têm visto em embaraços para colocar
os seus produtos, para descongestionar os seus armazéns. Isto especialmente em Inglaterra tem aumentado muito a crise dos sem trabalho.
O Sr. Velhinho Correia pretende seguir a fórmula do cronista que diz que «mais vale terra padecer do que terra se perder».
O conceito seria acertado se do sofrimento da nação resultasse para ela o bem futuro. Não é, porém, isto o que acontece.
Desejava também apreciar com um certo detalhe a influência que tem o agravamento tributário 10 movimento demográfico do país, demonstrar coça números que o aumento da emigração, o aumento da mortalidade e a deminuição da natalidade são grandemente afectados com o agravamento dos impostos. Eu sei que há quem entenda que a emigração portuguesa, mesmo para, países estrangeiros, advêm largas e importantes fontes de receitas, ouro, para Portugal, mas é preciso ponderar os contras.
Se é certo que a emigração só pode trazer benefícios em países com grande densidade, de população, ou, porventura, excessiva em face dos seus recursos ria-tarais, ela não pode ser profícua para a economia nacional num país, como o nosso, de população pouco densa, desfalcado de braços, quer na indústria quer especialmente na agricultura, fonte primacial do nosso progresso, que normalmente dá ocupação para mais de 60 por cento da população do país.
Em 1923 alguém entendeu que o Estado poderia ainda exigir do contribuinte cêrca de 140:000 contos.
Admitindo que é assim e atendendo a que nessa data não estava ainda em execução completa a lei n.° 1:368, devemos concluir que, actualmente, a capacidade tributária do contribuinte português está esgotada ou mais do que isto: está excedida.
O Sr. relator já deu a entender que não lhe interessam demasiadamente assuntos de alta filosofia.
Como, porém, eu sustento que os números demonstram que o principal inconveniente do aumento dos impostos se encontra no agravamento ao custo da vida, chamo a atenção de S. Exa. e do Sr. Ministro das Finanças para uma profecia
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feita por alguém insuspeito. Trata-se do uma carta dirigida em 25 de Novembro de 1891 por Antero de Quental a um seu amigo, a quem felicitava por determinada publicação. Disse o grande poeta e pensador:
«Não o acompanho nas esperanças revolucionárias que diviso nalguns períodos da sua carta. Em Portugal não pode haver revolução que mereça êste nome, porque revolução pressupõe propósito, firmeza e fôrça moral, o que aqui não há Portugal é um país eunuco, que só vive de uma vida inferior para a vileza dos interêsses materiais e para a intriga cobarde que é o processo dêsses interesses...
Uma única revolução é possível ou antes inevitável em Portugal: é a revolução anárquica da fome, mas essa não precisa que ninguém a promova nem pode ser matéria de programas políticos. Virá a seu tempo e fatalmente, como a conclusão necessária da desrazão e do egoísmo universais».
Receio bem que esta profecia se cumpra por completo.
Pode ser uma realidade absoluta no dia dê amanhã.
Porém, às responsabilidades das conseqüências hão-de ficar amarrados todos os republicanos» e nomeadamente os do partido que há treze anos, quási constantemente, assambarca o Poder e desgoverna o país, semeando nele a anarquia e a desordem.
Tenho dito.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: vou ser breve, visto que já têm sido mostrados os inconvenientes que da aprovação desta proposta resultarão para o país, quer sob o ponto de vista económico-financeiro, quer até sob o ponto de vista social.
Não posso porém, deixar de apresentar algumas considerações que o estudo atento e quanto possível consciencioso do parecer me sugeriu.
Toda a doutrina do parecer que está em discussão poderia eximir-se nesta síntese que tomaria a fórmula de um silogismo: o país pode pagar mais porque está rico e está rico porque vive desafogadamente. O Estado pode exigir que o país pague mais, pois que já fez uma larga compressão de despesas. Eis a fórmula a que o Sr. relator reduz todos os seus raciocínios.
Encararei o parecer sôbre os resultados que dele derivam para aquelas classes que menos protecção costumam encontrar; que nem por si mesmo se encontram, por via de regra, em condições de defenderem os seus interêsses.
Refiro-me às classes médias: os pequenos comerciantes, os pequenos agricultores e os pequenos industriais.
A aprovação dêste parecer representa o esmagamento dessas classes.
Êsse esmagamento será a conseqüência da aprovação dêste parecer se, porventura, ò fôr sem que seja corrigido, será esmagar a economia das pequenas classes, o que dará ao projecto um carácter anti-social, dada a importância, destas classes na vida do país.
Afirma-se no parecer, Sr. Presidente, que o país pode pagar mais. por isso que está rico pretendendo o Sr. relator demonstrar isso com uma série de números que deviam ser exactos, mas que não são, pois a verdade é que o parecer na sua primeira página apresenta-nos os seguintes números:
Leu.
Não se compreende, Sr. Presidente, que o Sr. relator apresente êstes números que são antes da guerra, quando a verdade é que se poderia servir das estatísticas que existem e que tem ao seu dispor.
Assim, S. Exa. que tinha elementos para nos poder apresentar uns dados mais ou menos exactos, apresenta-nos uma série de números que na verdade não dão garantia de corresponderem à verdade.
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): — Eu devia dizer a V. Exa. que me dei ao cuidado de verificar alguns números apresentados pelo Sr. Azevedo Gomes e encontrando-os exactos guiei-me por êles, visto que não tinha tempo para mais.
Guiei-me, repito, por êsses números apresentados pelo Sr. Azevedo Gomes que constam das estatísticas ultimamente publicadas, visto que o resto era um trabalho muito demorado, e eu não tinha tempo para o fazer.
Êsses números constam no emtanto das
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estatísticas que existem, excepção das que dizem respeito à indústria e ao comércio, de que não há estatísticas, pelo que nos temos de guiar por informações.
O Orador: — Agradeço ao Sr. relator as explicações que acaba de me dar, pelas quais se vê que não existe uma estatística industrial, não existe uma estatística comercial, existindo apenas incompleta e defeituosa uma estatística agrícola.
Já vê, portanto, a Câmara que não temos aqui números calculados segundo as estatísticas, senão numa pequena parte que o Sr. relator pôde calcular, visto que não teve tempo para mais.
Não sabemos por conseqüência se êles são exactos.
O que nós sabemos perfeitamente, Sr. Presidente, é que aqueles que dizem respeito à indústria e ao comércio são números a cálculo, por isso que não há estatísticas quando é certo que tanto a indústria como o comércio são os ramos que mais progrediram desde 1914 para cá.
Mas voltando ao exame do quadro apresentado no parecer, no que respeita por exemplo a madeiras, os cálculos são os mais falsos.
Os números constantes do quadro são respeitantes ao comércio anterior à guerra; ora todos nós sabemos muito bem que as madeiras foram na sua maior parte desfalcadas e assim os números que aqui se apresentam são inteiramente falhos.
O Sr. Velhinho Correia: — Isso é verdade; mas devo dizer a V. Exa. que o Sr. Sousa da Câmara não considerou tam exagerado êsse número, embora considerasse exagerados outros.
O Orador: — Pode ser que assim seja, que o Sr. Sousa da Câmara tenha um critério diferente do meu; mas, como V. Exa. confessa, outras verbas foram por S. Exa. consideradas inexactas.
Sr. Presidente: eu comecei por afirmar que tinha a pretensão de ferir alguma nota que, por acaso, tivesse escapado aos oradores que me antecederam, aliás bastante distintos. E foi assim que o Sr. Sousa da Câmara tendo frisado o exagero que existe em muitas das verbas, eu logrei agora ter em concordância comigo o Sr. relator, que afirma, que efectivamente a verba atribuída a madeiras é demasiada.
Mas, saindo dos números, o Sr. relator diz no parecer o seguinte:
«Concluímos isso pelo desafogo com que hoje vivem as populações rurais e, muito especialmente, pelas estatísticas oficiais do Ministério da Agricultura».
Sr. Presidente: neste ponto, o Sr. relator esqueceu-se de distinguir, e assim é que, se S. Exa. fôr a qualquer aldeia do país, encontra lá a chamada classe dos operários, dos grandes proprietários e dos médios e pequenos proprietários.
O operário vive, sem dúvida, neste momento numa situação mais desafogada porque lá também já apareceu a idea de ganhar mais e trabalhar menos e como ainda não existem lá cinemas, e ainda nem todos freqüentam as tabernas não têm em que gastar o dinheiro, e portanto, chega-lhe.
Relativamente aos grandes proprietários, êsses possuem os necessários recursos para viver, porque o rendimento dos géneros que vendem aumentou também, o que lhes permite, repito, viverem numa situação desafogada.
Quanto aos pequenos e médios proprietários, êsses vivem numa situação por vezes aflitiva e menos próspera de que antes da guerra.
Aquilo que produzem muitas vezes não chega para sou consumo. E se não fôsse trabalharem dia a dia, cultivando as terras, não teriam o bastante para comer e vestir. O custo da produção aumentou; por virtude disso colhem menos; nada vendem ou vendem menos produtos e sujeitos a tabelas, emquanto que os produtos que necessitam adquirir são forçados a comprá-los pelos preços sucessivamente mais caros.
A situação é esta, e, portanto, bastante é de estranhar que o Sr. relator nos venha dizer no seu parecer que o povo vive numa situação desafogada.
Isto é inteiramente inexacto.
Sr. Presidente: é de todo o ponto injusto o que se propõe relativamente a coeficientes, pois, a pôr-se em prática o que nesta proposta se contém, em todas as aldeias do País seriam esmagadas as pequenas classes,
Ora, Sr. Presidente, não posso deixar de
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lamentar que num regime que se diz de protecção aos pequenos, se apresentem pareceres que têm por defeito máximo o esmagamento das pequenas classes.
Isto é anti-democrático e até anti-republicano.
Sr. Presidente: o Sr. relator chega a certa altura, e prevendo o argumento da inoportunidade, argumento que, aliás, já várias vezes aqui tem sido apresentado, visto que ainda não foram feitas as devidas reduções nas despesas, afirma que o Estado está cheio de razão, pois de 1914 para cá tem economizado nada menos de 582:000 contos, numeras redondos.
Isto é pasmoso!
E é curioso que é o próprio relator Sr. Velhinho Correia que tem o topete de nos vir demonstrar a afirmação com números.
Assim no orçamento de 1924-1925 fixava as despesas em 1.193:240 contos e que atendendo às diferenças de câmbios deviam estar fixadas em 1.775:485, dando a diferença a tal economia de 583:245 contos.
Mal se compreende que havendo de 1914 para cá mais 5:000 e tantos funcionários...
O Sr. Velhinho Correia: — Perdão, não há tantos...
O Orador: — Constam do orçamento...
O Sr. Velhinho Correiaa: - Constam mas estão vago...
O Orador: — Pior, Sr. relator, pois isso prova que o orçamento é uma mistificação, pois dele constam e nele são orçadas despesas que não correspondem à realidade..
O que é verdade e que o Estado mantém no orçamento mais 30:000 e tantos funcionários cora que gasta 27:000 contos.
Aumentou a fôrça, pública em 32:000 homens, gastando com êles 96:000 contos e depois d& tudo isto ainda economiza 582:000 contos. Já é sciência de administração!...
Ora o verdadeiro motivo desta economia fantástica vou dizê-lo à Câmara.
O Estado economiza 582:000 contos porque os rouba, não pagando aos seus credores.
Para que é que estamos a fazer jogos malabares com números iludindo o País.
Eu entendo que nestas questões se deve discutir seriamente.
É preciso que os cálculos que saem duma comissão parlamentar sejam inteiramente fundados e honestos para prestígio desta Câmara, para prestígio de nós todos.
Toda a gente sabe que os funcionários e as classes prestamistas do Estado estão esmagadas, porque êste lhes não paga o que é devido.
O que se prova é que o Estado não paga como deve aos seus funcionários.
Apoiados do Sr. Velhinho Correia.
V. Exa. talvez não diga apoiado daqui a momentos.
Há funcionários que estão na miséria, (Apoiados), mas há outros que recebem o que não deviam, pois são desnecessários ou incompetentes. E era com aquilo que êstes recebem que devia pagar-se melhor aos outros que são indispensáveis.
Mas vejamos ainda um outro aspecto do parecer.
Na alínea d) do artigo 1.° diz:
«As liquidadas e não pagas nas épocas normais de pagamento, etc.».
O critério que devia seguir o Estado seria pagar em ouro aos funcionários e receber do contribuinte também em ouro, mas pedir ao contribuinte que pague em ouro, sem seguir o mesmo critério papa pagar ao funcionário e aos prestamistas é uma situação ilógica e absurda seguida pelo Estado.
Não faz sentido, é uma situação de justiça unilateral seguida pelo Estado.
Sr. Presidente; na alínea d) aplica-se o aumento da desvalorização da moeda às contribuições não pagas.
Ora isto não é justo.
Vem a redundar num novo agravo contra a situação das classes médias.
Eu compreendo que a multa pese sôbre o contribuinte rico que não pague ao Estado a contribuição devida, por descuido ou negligência.
Mas seguir o mesmo critério para o pequeno contribuinte que se não paga é porque não tem dinheiro, não é justo.
Hoje não há quem empreste. Se um pequeno contribuinte quiser levantar não
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encontra quem Lho empreste, e se arranjar é com um juro de 15, 20 e 30 por cento.
O pequeno contribuinte para pagar ao Estado tem que esperar muitas vezes pela época das colheitas para muitas vezes vender o que precisava comer, a fim de o entregar ao Estado.
Infelizmente conheço tantos na minha região que estão à espera de vender as primeiras batatas que arrancam à terra para poderem pagar as contribuições ao Estado!
Como quere o Estado aplicar êsse critério das multas para aqueles a quem aliás devia dar auxílio em vez de castigar?
Não é justo.
Sr. Presidente: no artigo 2.° encontra-se formulado o princípio de que na contribuição industrial se atenderá às colectas lançadas em 1914.
Estabelece que as taxas de 1914 sejam multiplicadas por um certo coeficiente.
Todos sabem a quantidade de industriais e comerciantes que apareceram depois dessa data.
Como se calcula para êsses que apareceram a comerciar depois de 1914?
Para os que existiam nesta data vigorava o sistema dos grémios.
Vamos agora ressuscitar os grémios que existiam?
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): — Em primeiro lugar o projecto pensa em manter a lei n.° 1:368.
Vai-se buscar para colectar o contribuinte a colecta de 1914 e multiplica-se por 10, como mínimo do que deva pagar.
Apartes.
Estabelecem-se diálogos.
O Orador: — O que é certo é que depois de todos os estudos e medições que S. Exa. diz que fez, o que é certo, digo, é que êste artigo não deixa de ficar coxo e cheio de injustiças.
Àpartes.
Mas como isso é uma questão mais para a especialidade, não quero que V. Exa. diga que estou já a invadir essa discussão.
Refere-se depois o projecto de lei à cadastração. Eu teria muito que dizer, mas as maiores dificuldades foram já expostas, e por isso não vale a pena cansar a Câmara com a sua, repetição; notarei apenas que só o custo dos aparelhos próprios para fazer êsses serviços é alguma cousa de importante.
Vem depois o artigo 4.° do projecto que se refere à necessidade de reprimir as fraudes.
Quero aqui salientar mais um argumento para a minha tese de que êste projecto só vem prejudicar as pequenas classes: é que as fraudes nunca se poderão evitar. Ponham V. Exas. os funcionários que quiserem, que não as evitam e sobretudo, as fraudes serão mais inevitáveis quanto maior forem os contribuintes.
Os pequenos contribuintes efectivamente é que servirão para engordar os funcionários que V. Exas. querem que haja para reprimir as fraudes. Mas V. Exas. só poderão conseguir uma grande redução nas fraudes quando arranjarem funcionários idóneos e morigerados, e a moralização dos funcionários não deriva nem se consegue unicamente pelas leis.
O Sr. Presidente: — É a hora de se passar à segunda parte da ordem do dia. V. Exa. deseja terminar ou fica com a palavra reservada?
O Orador: — Fico com a palavra reservada.
O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): — Pregunto a V. Exa., Sr. Presidente, se há já parecer da comissão de agricultura sôbre a proposta de lei que trata do regime cerealífero, e só o requerimento há pouco feito pelo Sr. Ministro da Justiça prejudica a discussão do projecto das incompatibilidades.
O Sr. Presidente: — Não está na Mesa nenhum parecer a êsse respeito, e quanto ao requerimento do Sr. Ministro da Justiça prejudica evidentemente a discussão do projecto das incompatibilidades.
O Sr. Presidente: — Vai entrar em discussão o orçamento do Ministério da Instrução Pública.
Vai proceder-se à contraprova da votação do requerimento do Sr. António
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Maia, pedindo a dispensa da leitura do parecer.
Procede-se à contagem.
O Sr. Presidente: - Estão de pé 26 Srs. Deputados e sentados 45.
Está portanto aprovado.
O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. presidente: a discussão dos orçamentos começa sempre pela generalidade do Orçamento Geral do Estado. Vejo entrar em discussão em primeiro lugar o orçamento do Ministério da Instrução Pública. Pregunto: quando se discute a generalidade do Orçamento Geral do Estado?
O Sr. Presidente: - Logo que êle tenha parecer da comissão do Orçamento.
O Sr. Jaime de Sousa: - Sr. Presidente: como V. Exa. e a Câmara sabem, de pouco tempo dispomos já para discutir os orçamentos.
E para que êsse tempo, que é já pouco, se não desperdice inteiramente, eu requeiro que seja dispensada a discussão na generalidade do Orçamento Geral do Estado, entrando se assim imediatamente na discussão na especialidade dos orçamentos dos diversos Ministérios.
O Sr. Cancela de Abreu: - É contra o regimento. Como é que V. Exa., Sr. Presidente, pode aceitar, o requerimento do Sr. Jaime de Sousa?
O Sr. Presidente: - Eu não aceitei o requerimento do Sr. Jaime de Sousa. O pedido de S. Exa. considero-o eu uma proposta e, nestes termos, eu peço ao Sr. Jaime de Sousa para a escrever e mandar para a Mesa.
O Sr. Jaime de Sousa: - Ao fazer o meu requerimento, eu apenas tive em vista poupar tempo; e o meu objectivo não se conseguirá desde que V. Exa. o considere como uma proposta que teria de baixar à comissão, naturalmente para não mais de lá sair.
O Sr. Presidente: - A proposta de V. Exa., não dizendo respeito a qualquer assunto em debate, não terá de baixar às comissões.
O Sr. Jaime de Sousa: - Mas terá de ser discutida, e como eu não quero contribuir para alimentar os propósitos de obstrucionismo que já se antevêem, desisto do meu pedido.
O Sr. Velhino Correia: - Vai discutir-se o Orçamento como em parte nenhuma do mundo.
O Sr. Presidente: - É bom que nos não esqueçamos de que não falamos apenas uns para os outros, falamos também para o público.
O Orador: - Eu não me referia à forma por que V. Exa. dirige os trabalhos. Critico sim, e condeno a orientação seguida na discussão dos orçamentos, orientação absolutamente improdutiva e única em todo o mundo.
O Sr. Alberto Jordão: - Sr. Presidente: se tivesse de iniciar as minhas considerações pela forma como o fazem os oradores sagrados, quando começam os seus sermões, tomaria por base um determinado versículo da Bíblia. Entre parêntesis, direi que estas reminiscências vêm dos tempos em que fui colega do Sr. José Domingues dos Santos.
Di-lo-ia em latim, mas enunciando previamente, para melhor entendimento, os nomes que assinam, este parecer. São eles;
Então proferiria o conhecido versículo: Crucifige eos: "Crucificai-os", querendo assim significar que eles mereciam, ser apontados por terem assinado o parecer em discussão.
Não irei mais além; não lhes diria o pater dimite ilis, porque reservaria essa expressão, na parte aplicável, para o Sr. Deputado relator.
Este parecer, Sr, Presidente, fica muito aquém do que era licito esperar e do que esta Câmara, tem direito a exigir.
Se o Sr. Tavares Ferreira, relator do orçamento do Ministério da Instrução Pública, se der ao trabalho, de compulsar os anais parlamentares, pode encontrar certamente nos diversos pareceres relativos ao orçamento da Instrução qualquer causa mais, muito mais mesmo, do que aquilo que se encontra no parecer ora em discussão.
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Das afirmações constantes dos relatórios que aqui não são trazidos, de há dois anos pura cá, não é fácil inferir qual o critério do relator, e o do Sr. Ministro da respectiva pasta, quanto aos assuntas Momentosos que correm pela pasta da Instrução.
A pessoa encarregada do redigir uni orçamento desta importância tem de ser não somente um contabilista, não apenas uma pessoa que conheça números, saiba pô-los no papel e mandá-los para a imprensa, mas mais alguma cousa. Têm de ser pessoa que dos assuntos de instrução conheça e tenha dado provas de que em matéria pedagógica não é leigo, mas sim tem a necessária preparação, isto é, o preciso cabedal de conhecimentos.
Sr. Presidente: no parecer relativo ao orçamento da instrução geral há, pelo menos, duas partem distintas: uma que se refere aos números, a parte de contabilidade; outra, que é mais alevantada, é àquela em que transparece o critério que, no ponto de vista de educação nacional, tem o relator.
Aqui, neste caso, o relator é uma pessoa que tem lugar distinto no magistério primário superior. Creio que é o director também duma escola.
Portanto, tinha condições não só oficiais, mas autoridade especial para poder trazer-nos um trabalho que devesse bem merecer a nossa análise.
O Sr. Tavares Ferreira podia não nos trazer nada para discutirmos; trouxe, emfim um trabalho como entendeu, mas que podia perfeitamente ser substituído pela afirmação simples do que o que tinha a dizer êste ano já o dissera nos anos anteriores. E porque esta afirmação consta, realmente do parecer e quási nenhuma outra há de verdadeira monta, conclui-se que o Sr. relator nada têm a acrescentar ao que foi dito nos anos transactos.
Esqueceu o Sr. Tavares Ferreira que o ensino está sujeito a uma evolução constante, e é qualquer cousa posta a dentro das sociedades civilizadas. S. Exa. não ignora que a guerra, que tam largas influencias e ensinamentos trouxe, exerceu também uma acção grande nas cousas da educação e ensino. As lições dos últimos vinte anos determinaram uma orientação diversa daquela que se vinha seguindo, e as necessidades de ordem intelectual exigiram e exigem que um critério diferente passasse a moldar as normas do ensino. As velhas formulas clássicas são invocadas pelos espíritos mais agudos e ressurgem como absolutamente precisas.
É certo que o Sr. Tavares Ferreira deve conhecer isto. Não consta, porém, do seu parecer qualquer cousa que nos possa dar a indicação, mas suponho que S. Exa. esteja certamente orientado por esta corrente moderna.
Quem não está nas mesmas condições é o Sr. Ministro da Instrução Pública. Factos há que provam à evidência que anda um tanto arredado destas cousas. Não admira. S. Exa. é um distinto oficial do exercito, que, tendo já ocupado com muito prestígio a pasta da guerra, foi agora chamado a dirigir os assuntos da instrução, e então, infelizmente, pelo que tenho visto que S. Exa. tem publicado no Diário do Governo, sou obrigado a dizer que mal vamos quando os nossos Ministros de Instrução Publica se metem dentro do critério comezinho, demasiadamente simplista, que é o critério económico em questões pedagógicas. Este é o critério do Sr. Ministro da Instrução Pública, como eu na altura competente provarei com dados cabais, absolutamente babais.
Examinando o assunto que é submetido à nossa apreciação, vou dividir o meu trabalho em duas partes considerações pedagógicas na primeira parte e na segunda ligeiros comentários a propósito do parecer do Sr. Tavares Ferreira. A primeira parte poderemos chamar quási técnica; a segunda parte envolverá o exame das verbas constantes da proposta e as propostas de modificação do Sr. relator.
Disse logo no princípio das minhas considerações que o trabalho do Sr. Tavares Ferreira era deficiente. Assim, não sei se S. Exa. pensa qualquer cousa acêrca, por exemplo, das escolas para crianças.
Refiro-me às chamadas escolas maternais da França e que na proposta de lei de reforma de educação do Sr. João Camoesas vêm sob à rubrica de "jardins de infância".
Provavelmente o Sr. relator tem os seus pontos de vista que me levam a não
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discordar até da maneira como encara êste assunto.
Neste ponto não perfilho as ideas do Sr. João Camoesas na sua proposta de lei, mas desde já o digo: o Sr. João Camoesas tem para mim o mérito, como Ministro, de definir uma orientação, de apresentar um critério sujeito a várias críticas.
Susceptível de muitas emendas, a proposta de lei de S. Exa. é qualquer cousa importante e que deveria merecer a aprovação ou a atenção do Sr. Ministro de Instrução Pública.
Mas, se o Sr. Ministro da Instrução tivesse discutido a proposta de lei do Sr. João Camoesas, parece-me que mandaria para as escolas as crianças sem pessoal — o que me não parece justo.
Tenho a propósito deste assunto a opinião de que deveríamos seguir um pouco mais de perto a orientação que em França se tem pôsto em prática nas escolas maternais.
Esta idea seria mais prática e mais fácil do que a orientação que o Sr. João Camoesas pretende adoptar na sua proposta de lei de reforma de educação.
É claro que o critério do Sr. João Camoesas é o único que seria prático.
E permita S. Exa. que lhe diga o seguinte: se o Sr. João Camoesas, quando esteve no Ministério de Instrução, tivesse ligado a sua energia que é muita, e a sua inteligência ao problema da educação nacional, aperfeiçoando o que já temos e estabelecendo ramos novos que ainda não possuímos, apropriando tudo ao nosso meio, teria realizado uma melhor obra. Mas uma cousa é lançar no papel determinadas palavras que traduzam ideas. e outra cousa é efectivar os princípios e ideas que se lançam.
O Sr. João Camoesas trouxe ao Parlamento uma proposta de lei de reforma.
O Sr. João Camoesas produziu um trabalho digno da nossa atenção e estudo, mas não realizou, como podia e devia, qualquer cousa que mais importasse para a nossa nacionalidade.
Portanto, creio que foi um idealismo excessivo que prejudicou a obra do Sr. João Camoesas.
Emfim, queria saber o critério do Sr. Tavares Ferreira a êste respeito, e por isso desejava que S. Exa. fizesse quaisquer propósito do primeiro tempo de vida ou nos dissesse se entende ser desnecessário entregar as crianças às escolas chamadas maternais ou jardins de infância da proposta de lei do Sr. João Camoesas.
É necessário que S. Exa. diga se por acaso acha bem quê neste capítulo continuemos como até aqui temos estado.
É uma deficiência que eu aponto ao trabalho do Sr. Tavares Ferreira.
S. Exa., depois, no que diz respeito propriamente ao ensino primário, também nos não diz se concorda ou não com aquilo que hoje existe em vigor em Portugal.
É certo que o Sr. Tavares Ferreira é até certo ponto responsável pelo que se passa, pois a verdade é que já passou uma parte da sua vida política portas a dentro do gabinete do Sr. Ministro da Instrução, desempenhando até um alto cargo como chefe do gabinete, tendo podido, é claro, exercer uma acção junto do titular daquela pasta neste ou naquele sentido.
Como S. Exa. é na verdade omisso no seu parecer, eu creio que o Sr. Tavares Ferreira acha tudo muito bem, como por exemplo o que diz respeito ao problema da inspecção, tanto no que diz respeito ao ensino primário como no secundário.
O Sr. Tavares Ferreira deve achar muito bom o que existe; porém eu lamento não poder estar de acordo com S. Exa.
A inspecção, Sr. Presidente, é um elemento absolutamente necessário para o ensino. E eu digo isto com. tanta mais razão quanto é certo que sou professor e sei bem a falta dessa inspecção, pois a verdade é que inspectores há que não cumprem os seus deveres por isso que não têm condições para tal, sendo absolutamente necessário que o Estado lhos forneça os elementos necessários para êles poderem cumprir o seu dever.
O Sr. Tavares Ferreira deve ser o primeiro a considerar que eu tenho razão no que digo, pois a verdade é que o ensino se poderia fazer em melhores condições se os professores soubessem que de um momento para o outro podia aparecer o inspector.
Eu, Sr. Presidente, devo dizer que considero o assunto dos mais sérios, visto que os indivíduos que devem desempe-
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nhar essas funções têm de ser pessoas absolutamente honestas, dignas e de uma cultora levantada, pois, de contrário, essa inspecção nunca poderá ser profícua.
Outra deficiência, Sr. Presidente, eu, noto também no trabalho do Sr. Tavares Ferreira — assunto êsse que muito largamente tem sido discutido nesta casa do Parlamento — qual seja o que diz respeito ao problema do ensino primário.
A verdade é que a maneira como êle se encontra excede a competência da maior parte dos professores de instrução primária.
Se é facto que encontramos por êsse País fora muitos professores primários que se encontram habilitados a ensinar até a 5.ª classe, não é menos certo que muitos outros há* que se não encontram nessas circunstancias; e, assim, devo dizer que muito difícil é ensinar, quando se não sabe aquilo que se ensina.
Eu, Sr. Presidente, parto do princípio que a maior parte dos nossos professores do instrução primária não possuem os conhecimentos precisos para ministrarem o ensino como é conveniente.
É preciso que o mostro de instrução primária tenha conhecimentos absolutamente exactos e disponha do condições especialíssimas para transmitir às crianças aqueles conhecimentos que lhos são essencialmente necessários.
Seria, pois, razoável que o Sr. relator tivesse feito quaisquer considerações a propósito. Eu sei que uma das ideas do Sr. relator é a autonomia do ensino primário. Recordo-me do ter lido não há muito tempo no Diário de Noticias uma série de considerações a respeito do ensino, das quais ressaltava que a sua opinião é do que o ensino primário deve ser autónomo.
O Sr. Tavares Ferreira: — Deve haver equívoco...
O Orador: — Se não foi no Diário de Noticias, foi então em qualquer outro jornal. Mas desde que S. Exa. diz que nEo fez essa afirmativa, não vale a pena continuar nessa ordem de ideas.
Sr. Presidente: o Sr. Ministro da Instrução Pública já mexeu neste capítulo do nosso ensino; mas eu não compreendo o critério a que S. Exa. obedeceu.
Pez saber por intermédio do Diário do Govêrno que são restabelecidos os exames de instrução primária, mantendo o exame de admissão aos liceus, mas proibindo que se passem certidões dêsses exames.
Aproveito êste ensejo para declarar que ainda não atingi o alcance do semelhante medida, visto que se desperdiça assim uma fonte de receita.
Felizmente que S. Exa. emendou o seu primeiro decreto, segando o qual os rapazes, depois de examinados, deveriam ter na respectiva caderneta escolar a indicação de terem ficado aprovados ou reprovados. Não se fazia o registo. Era uma cousa fantástica; mas, emfim, o Sr. Ministro ainda acordou a tempo...
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Helder Ribeiro) (interrompendo): —Estou sempre acordado. Não costumo dormir sôbre esses assuntos.
O Orador: — Nesta minha expressão — acordou a tempo — não vai nenhuma intenção pejorativa. Acordou a tempo, quere dizer que emendou aquilo que reputou de êrro. E nisso andou muito bem.
Mas eu creio que o ponto de vista do Sr. Ministro, no que respeita aos exames de instrução primária, é fazer com que a freqüência nas escolas respectivas aumente. É um antigo desejo trazido aqui pela representação dos professores primários. Emfim, é uma questão de critério.
Há muitos pedagogistas que são contrários ao ponto de vista do Sr. Ministro; mas, emfim, o seu critério é defensável e vamos ver se êle dá resultados.
Sr. Presidente: um outro assunto que chamou a minha atenção é o que se refere às Escolas Primárias Superiores.
Há poucos dias vi um decreto mandado publicar por S. Exa. o Ministro actual, do qual constam determinadas bases para a remodelação dêsse ensino..
Devo dizer que se há capítulos do ensino em que me tenho encontrado as aranhas, como costuma dizer-se, para perceber o que os Srs. Ministros querem, é exactamente êste um dos principais. As Escolas Primárias Superiores, segundo me consta, foram suprimidas por virtude do decreto n.° 9:354, da autoria do Sr. António Sérgio.
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Pêlo artigo 4.° dêsse decreto vê-se que o autor do decreto tinha tenção de trazer ao Parlamento oportunamente as medidas necessárias para remodelar o ensino primário superior. Êle entendia que não podia independentemente do Parlamento legislar no assunto; mas o Sr. Helder Ribeiro tem um critério diverso e esquece o artigo 4.°, julgando ter poderes para remodelar aquele ensino. Eu não sei se S. Exa. tem razão, mas pregunto se as Escolas Primárias Superiores não estão suprimidas? O Sr. Tavares Ferreira até me parece que propõe no seu parecer a supressão das verbas destinadas a essas escolas.
Dessa supressão resultava uma economia.
Eu não compreendo que o Sr. Helder Ribeiro viesse ditatorialmente revogar essa disposição sôbre as bases do ensino das Escolas Primárias Superiores.
Chegou até os confins da província que o Sr. Ministro fazia essa reorganização para colocar afilhados.
Não liguei crédito a êste boato.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Helder Ribeiro): - Nem o meu passado nem os meus actos autorizam a que se faça semelhante suposição. E uma afirmação sem fundamento.
O Orador: — Estou satisfeito com o que V. Exa. acaba de dizer.
O boato fervilha sempre na sociedade portuguesa e desta vez foi beliscar o Sr. Helder Ribeiro.
O Sr. Tôrres Garcia: — V. Exa. fez uma afirmação.
O Orador: — Eu não fiz afirmação alguma.
Fiz-me eco do que se dizia na província, mas não o acreditando.
Era preciso, porém, que o Sr. Ministro o negasse, esclarecesse o caso.
Mas, qual é o critério do Sr. Ministro?
É estabelecer o ensino técnico por secções?
Será êsse o pensamento?
Eu não sei.
Fazer liceus pequenos, seria falsear o ensino.
Não me importo de transigir, e direi que isso poderia ser em terras onde não houvesse liceus.
Mas se são excepções que não marcam, não sei como é que o Sr. Ministro que aceitou os pontos de vista da comissão, poderá obviar a determinados inconvenientes que resultam de afirmações contidas nas bases.
Há, por exemplo, o ensino italiano nas diversas escolas primárias superiores.
É o que diz o § 1.° da base 6.ª.
Ora o que é facto, é que a comissão parte de uma hipótese errada, pois estou convencido de que não há pessoas nas escolas primárias superiores que saibam o italiano em condições do o ensinar.
No emtanto o Sr. Ministro da Instrução está na mesma suposição, acerca do pessoal docente das escolas, a que me estou referindo.
Nessas escolas há professores que sabem um pouco de inglês e estão a ensinar física, e outros que sabem física e estão a ensinar geografia, e outros que sabendo geografia estão a ensinar história.
Devo dizer que não percebo bem a forma de agrupar as disciplinas da primeira parte da instrução primária e o motivo por que cada um dos professores está no n.° 1, 2, 3, 4, 5 e 6, que constituem os grupos.
Não será fácil, com o pessoal que o Sr. Ministro da Instrução Pública tem nas suas escolas, encontrar pessoa de idoneidade scientífica, com os conhecimentos precisos, para satisfazer ao ensino das disciplinas.
Temos um pouco a mania de arranjar primeiro o que depois se havia de arranjar.
Assim é que nas escolas, a que há pouco me referi, arranjamos os programas da instrução primária da 5.ª classe, antes de termos professores.
Por isso não admira que possa ter havido erros.
Mas estou a demorar-me demasiadamente, embora de facto esta parte do ensino mereça mais considerações.
Passarei ao capítulo do ensino secundário.
Aqui, o Sr. Tavares Ferreira, esqueceu-se desdizer qualquer cousa sôbre programas.
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A êsse respeito, felicito-o, embora S. Exa. não simpatize muito com as felicitações.
A respeito de programas de instrução secundária estou de acordo com o Sr. João Camoesas.
Na proposta de lei de reforma do Sr. João Camoesas, S. Exa. diz e muito bem que os programas de ensino são qualquer cousa de mal feito.1
Se é incumbido de os fazer um matemático, por via de regra esquece-se da física, da química, da geografia e da história.
E, se deles são encarregados um professor de geografia ou de história, esquecem-se da matemática, da química, etc.
Assim os programas do ensino secundário estão sobrecarregados numas disciplinas e aliviados noutras.
O Sr. João Camoesas (interrompendo): — V. Exa. pode citar um facto deveras interessante.
Quando eu estava elaborando a minha proposta, o Sr. Correia dos Santos fez um inquérito a vários professores, é um deles, aliás bem distinto, a propósito de programas de ensino, declarava o seguinte :
O programa é monstruoso.
Não o posso executar, mas escrevi aquilo, para que os meus colegas não dissessem que eu não conhecia a matéria.
Veja V. Exa. como os programas são elaborados.
E, no caso presente, trata-se, repito, de um professor distintíssimo.
O Orador: — Quere isto dizer, Sr. Presidente, que as pessoas que são chamadas a elaborar programas liceais, tem de ter mais vista de conjunto do que aquela que é exigida.
Quando havia nos liceus a cadeira de filosofia, o programa era simplesmente monstruoso, e, no emtanto, constava da matéria que o professor teria de dar durante o ano, com três lições semanais.
Sr. Presidente: a êste respeito, eu e o Sr. Ministro da Instrução estamos em completo desacordo.
S. Exa. tem o seu critério, que é muito respeitável, mas o meu também é muito de respeitar.
E. a propósito, recordo-me da resposta que S. Exa. deu outro dia ao Sr. Vitorino Godinho, quando êste Sr. Deputado lhe fez várias preguntas acerca do Liceu de Leiria.
O caso é êste: o Sr. Helder Ribeiro entendeu que devia suprimir em determinados liceus os cursos de letras e em outros os cursos de sciências e letras, passando-os, por conseqüência, a liceus nacionais.
Ora, Sr. Presidente, é interessante ler à Câmara, para sua elucidação, os considerandos que precedem o decreto em questão:
Leu.
Então como é que o Sr. Ministro nos veio dizer que não há as dotações precisas para o bom funcionamento das classes complementares?
Como é que o Sr. Ministro nos veio dizer que não há o material preciso para se fazer um bom ensinamento?
Então, depois desta afirmação, S. Exa. foi aos liceus de Bragança, Santarém e Portalegre, e cortou os cursos de Letras?
Então para qual dos cursos é necessário mais material e maiores dotações?
E para Letras ou para Sciências?
Sr. Presidente: de forma nenhuma se pode compreender que o Sr. Ministro da Instrução tivesse ido cortar o curso de Letras no liceu de Bragança, que tinha uma regular freqüência, fazendo com que os indivíduos que o freqüentavam tenham de fazer maiores despesas ou se vejam inibidos de continuar um curso que haviam iniciado.
Então V. Exa. d é partidário da média instrução, ou partidário de que ela deve ser constantemente aperfeiçoada?
Então V. Exa. não sabe que há uma diferença enorme entre a 5.ª e a 6.ª classes?
Com franqueza, Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Instrução cometeu um crime de lesa-ensino.
O Sr. Ministro da Instrução não tem o direito de vir à Câmara dizer que o seu critério é apenas o da economia; porque isso representa um atentado contra a cultura das Universidades.
Eu podia citar a opinião de abalizados homens de sciência, conhecidos em todo o mundo.
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E quási todos, inclusive aqueles que na mais alta matemática, afirmam
decididamente que, na verdade, não existe cultura fora das disciplinas clássicas.
O critério do Sr. Ministro da Instrução diverge inteiramente do que é geralmente aconselhado.
S. Exa. praticou, em matéria de ensino secundário, um acto precipitado de que dificilmente o absolverão as gerações vindouras.
Sr. Presidente: é preciso que nós que temos responsabilidades nestes assuntos, varramos a nossa testada.
É o que eu faço.
O Sr. Ministro da Instrução propõe-se acabar com os liceus centrais, desde que os municípios a que pertencera êsses liceus se não prontifiquem a fazer todas as despesas com a sua manutenção.
Permita-me V. Exa., Sr. Presidente, que eu deste lugar, em nome das câmaras que têm satisfeito os seus compromissos, diga que o Govêrno não tem autoridade para impor semelhante cousa.
Évora-, que represento no Parlamento, tem contribuído anualmente com a verba que foi estabelecida.
E, afinal, que tem feito o Estado com essa verba?
Nada; ficou com ela.
E ainda há mais: no mês do Maio, a câmara municipal foi obrigada a fazer obras em estabelecimentos que são do Estado para evitar estragos..
Assim são esquecidas as determinações que são votadas no Parlamento.
Desejo dizer ainda que vejo quê o Sr. Ministro da Instrução exige que várias despesas sejam feitas pelas, câmaras e que as verbas para-os exames do ensino primário corram pelas câmaras municipais.
S. Exa. diz no último decreto que as câmaras e as juntas escolares tem de contribuir para os pagamentos dos serviços dos professores.
Acho que isso é demasiado, quando os municípios estão lutando com dificuldades de toda a ordem, como todos sabem.
Apoiados.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Helder Ribeiro) (interrompendo): — As juntas escolares têm já marcadas as despesas que lhes cabem.
O que se estabelece é só uma questão de fiscalização.
As juntas têm de pagar as despesas que lhes estão marcadas na lei, e não se lhes cria qualquer encargo novo. Apartes.
O Orador: — O que é facto é que as têm de satisfazer sòmente as despesas que são da lei.
Àpartes.
O Orador: — A redacção deixou-me dúvidas, por isso é que levantei a questão; mas agradeço as explicações de S. Exa. Marcado, porém, o meu ponto de vista pelo que respeita ao ensino secundário eu que não desejo demorar me demasiadamente, apesar do ter muito que dizer faço apenas mais esta afirmação de passagem reportando-me ainda ao desejo manifestado pelo Sr. João Camoesas: que se também no novo ensino secundário se tivesse aproveitado o que havia (e muito há) muito melhor teria sido a sua obra.
Quanto ao professorado superior parece-me que êle não se integrou ainda bem no seu papel. Tenho a impressão do que realmente as escolas superiores de um país não tem apenas a função de transmitir conhecimentos, como as do ensino secundário: têm de fazer sciência. Para isso talvez fôsse mester um certo incitamento mesmo da parte daquelas pessoas que presidem superiormente às questões de ensino.
Parece, contudo, que há um certo alheamento de certas entidades, quando afinal do inter-câmbio resultará um melhor proveito para a colectividade. Não tenho visto êsse inter-câmbio ou estou mal informado.
Sr. Presidente: aqui tem V. Exa. muito ligeiramente, mesmo a correr, aquilo que se me oferece dizer sobre esta parte que eu chamo quási técnica...
E digo quási técnica porque não mo enfronhei nestes assuntos.
Falta-me agora ver outra parte: é o parecer do Sr. relator.
Devo dizer, com esta mania de commencer par lê commencement, que tenho a impressão de que a organização do Ministério da Instrução é qualquer cousa que deixa imenso a desejar. Imaginem V. Exas. que ouvi, na ocasião em que an-
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dava colhendo elementos para tirar dúvidas a mim próprio, esta afirmação portas adentro do Ministério da Instrução: «não há Ministério mais desorganizado de que o da Instrução Pública!» Isto ouvi eu a um funcionário do Ministério da Instrução, o acho que êle tinha razão. Andei pelas várias repartições à procura de elementos que me habilitassem a saber quantas escolas primárias há no país, mas nada consegui. Notei que não havia ligação entro as repartições.
Não podemos de maneira nenhuma conceber Ministérios nestas condições. É necessário haver tanto director geral? Com menos só faria perfeitamente o trabalho. Ao menos que empreguem os seus esfôrços para que a engrenagem engrene.
O Sr. Presidente: — Devo prevenir V. Exa. que a sessão deve ser encerrada às 21 horas. E, assim, como há ainda alguns Srs. Deputados inscritos para antes de se encerrar a sessão, achava melhor, se V. Exa. o quisesse, ficar com a palavra reservada para amanhã.
O Orador: — Nesse caso peço a V. Exa. para mo reservar a palavra para amanhã.
O orador não reviu.
O Sr. Delfim Costa: — Sr. Presidente: tinha ou pedido a palavra com a presença do Sr. Ministro das Colónias, porém, como S. Exa. não se encontra presente, o o assunto não admito delongas, eu vou fazer as considerações que tenho a fazer, esperando que o Sr. Ministro da Instrução as transmita ao seu colega das Colónias.
Desejava, Sr. Presidente, chamar a atenção do Sr. Ministro das Colónias para a triste situação em que se encontram os funcionários aposentados das colónias, pois a verdade é que deve haver uns três meses que não recebem os seus ordenados, que na verdade são relativamente pequenos, isto ó, andam por uns 400$ a 500$ mensais. Êstes funcionários, que se aposentaram com vinte anos de serviço em climas tropicais, andam a viver de empréstimos por o Estado lhes vão pagar os seus ordenados.
Esta situação, Sr. Presidente, nEo pode continuar. Só a vida está má para aqueles que ganham razoavelmente, podemos bem avaliar o que ela será para aqueles que nada recebem.
Esta situação, Sr. Presidente, não é de hoje. Torna-se, portanto, necessário que o Sr. Ministro das Colónias tem as providências que são necessárias. É lamentável que servidores do Estado, na sua maioria velhos, se encontrem nesta triste situação, mostrando em toda a parte as cautelas do penhores, talvez da última camisa, o que na verdade chega a ser uma vergonha para o Estado.
Espero, pois, que o Sr. Ministro da Instrução chame a atenção do Sr. Ministro das Colónias para o que acabo de expor à Câmara, de forma a que êle tome imediatas providências, visto que o assunto não admite delongas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução (Helder Ribeiro): — Sr. Presidente: ouvi com a máxima atenção as considerações feitas pelo Sr. Delfim Costa relativamente à situação em que se encontram os funcionários aposentados das colónias, podendo S. Exa. estar certo que não deixarei de as transmitir ao Sr. Ministro das Colónias.
O Sr. Garcia Loureiro — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Ministro da Instrução para o facto de uma sindicância mandada fazer a um professor de Elvas.
Creio, Sr. Presidente, que houve uma questão entre a esposa do inspector da escola e o professor; não mo parecendo, portanto, lógico que tendo êsse conflito sido originado por uma parenta próxima, como seja a esposa do inspector, êste fôsse nomeado para fazer essa sindicância.
Êsse inspector é meu adversário político, mas nem por isso deixo do contá-lo no número dos meus amigos pessoais.
Estou certo de que seria imparcial no desempenho da sua função de sindicante; mas estranho que êle houvesse aceitado a situação de sindicante, dando-se a circunstância que já apontei. Eu, no lugar dele, não a aceitaria.
Consta-me também que o professor sofreu imediatamente a suspensão dos seus ordenados. É isto verdade?
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Estou certo que V. Exa., Sr. Ministro, não nomearia êsse inspector para sindicante se soubesse que êle era o marido da senhora com quem só dou o conflito. Aguardo que S. Exa. me elucide sôbre êste assunto.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Helder Ribeiro): — O caso a que se referiu o Sr. Garcia Loureiro é corrente. Quando qualquer inspector escolar comunica superiormente a existência de algum acto que tenha de ser comunicado, está indicado que seja êsse mesmo inspector e encarregado de proceder à necessária sindicância.
Não sabia que o inspector sindicante era parente da pessoa, cujos interêsses estão em jôgo no conflito.
Mas devo dizer que estranho que o professor sujeito à sindicância não reclamasse do facto perante o Ministro, como estava no direito de o fazer. Se tivesse razão, seria atendido. Era escusado estar a incomodar o Sr. Garcia Loureiro.
O Sr. Garcia Loureiro: — Eu falei no assunto por informações que tive e não porque fôsse solicitado pelo professor em questão.
O Orador: — Seja como fôr, o certo é que êle estava no direito de fazer a reclamação, que, sendo justa, seria atendida.
Tenho de dizer isto para evitar mais incómodos a V. Exa.
Quanto à suspensão dos vencimentos, devo informar que a prática dêsse acto está legalmente dentro das atribuições do Ministro.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Li nos jornais que havia sido nomeado o Sr. Jorge de Abreu, para o lugar de Comissário do Govêrno junto do Banco Economia Portuguesa.
Como não compreendo que haja de nomear-se um Comissário do Govêrno junto daquele Banco, desejo que o Sr. Presidente do Ministério o Ministro das Finanças me explique as razões que levaram o Govêrno a fazer essa nomeação.
Como S. Exa. não se encontra nesta sala, eu solicito de qualquer dos Srs. Ministros presentes o favor de transmitir àquele seu colega êste meu desejo.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Tomei em toda a atenção o pedido do Sr. Carvalho da Silva e transmiti-lo hei ao Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, às 14 horas, com a continuação dos trabalhos da sessão de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 21 horas.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Projectos de lei
Do Sr. Ernesto Carneiro Franco e mais dez Srs. Deputados, autorizando o Govêrno a ceder o bronze e ordenar a fundição da estátua de Guerra Junqueiro, a erigir em S. Paulo (Brasil).
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. Francisco Cruz, revogando o decreto n.° 9:797, de 13 de Junho de 1924.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de obras públicas.
Para o «Diário do Governo».
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o n.° 614-B, autorizando a cedência do bronze para o monumento a Carvalho Araújo, em Vila Real.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.º 709-H, que abre um crédito a favor do Ministério do Interior para «Investigações e Inquéritos».
Da mesma, sôbre o n.° 723-E, que aclara alíneas da lei n.° 1:237.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.° 739-C, que regula as avenças do sêlo da Assistência Pública.
Imprima se.
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Da mesma, sôbre o n.° 568-C, isentando de encargos tributários a Sociedade do Teatro de S. Carlos.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.° 724-E, contrato para um cabo telegráfico submarino na Ilha do Faial.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.° 632-A, que reorganiza os serviços de emigração.
Imprima-se.
Da comissão de administração pública, sôbre o n.° 68-D, sôbre contagem de antiguidades aos sargentos nomeados para empregos públicos.
Imprima-se.
O REDACTOR — João Saraiva.