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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.° 106
EM 19 DE JUNHO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Afonso de Melo Pinto Veloso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Ernesto Carneiro Franco
Sumário.— Respondem a chamada 48 Srs. Deputados, procedendo-se à leitura da acta e dando-se conta do expediente, que tem o devido dês-tino.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Cancela de Abreu reclama a presença de qualquer membro do Govêrno.
O Sr. Francisco Cruz protesta contra uma medida do Sr. Ministro do Comércio.
Ordem do dia.— É aprovado um requerimento do Sr. Ministro das Colónias para que a discussão do parecer sôbre as emendas do Senado ao empréstimo de Moçambique prossiga até as 19 horas. Sôbre o parecer usa da palavra o Sr. Cancela de Abreu, que manda para a Mesa uma proposta cuja admissão é rejeitada pela Câmara.
É lida na Mesa uma caria do Sr. Burros Queiroz comunicando que abandona os trabalhos parlamentares.
O Sr. Presidente diz que insistirá junto de S. Exa. para que não efective essa resolução.
É lido um oficio solicitando autorização para o Sr. Lelo Portela ser ouvido num auto militar de corpo de delito. É concedida autorização, depois de o Sr. Lelo Portela usar da palavra.
O Sr. Abranches Ferrão apresenta o pedido de renúncia da comissão de legislação civil e comercial. Estabelece-se discussão, sendo aprovada por fim uma moção do Sr. Jaime de Sousa e comunicando o Sr. Abranches Ferrão a desistência do pedido que tinha apresentado.
Prossegue a discussão das emendas introduzidas pelo Senado à proposta do empréstimo de Moçambique. Usa da palavra o Sr. Jaime de Sousa.
Na segunda parte da ordem do dia prossegue a discussão do parecer relativo ao Ministério da Instrução, usando da palavra os Srs. Alberto Jordão e Ferreira de Mira.
O Sr Cancela de Abreu requere que a sessão seja prorrogada até se votar o parecer na generalidade.
É rejeitado.
Procedendo-se à contraprova, verifica-se falta de número, sendo por êsse motivo a sessão encerrada e marcando o Sr. Presidente nova sessão para o dia imediato, com a mesma ordem do dia.
Abertura da sessão às 15 horas e 10 minutos.
Presentes 48 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 51 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António País da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
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Francisco Cruz.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Vasconcelos de Sousa Nápoles.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Martins.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Vergílio da Conceição Costa,
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Continho.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Resende.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Pires Cansado.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João de Sousa Uva.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Tomás de Sousa Rosa.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
António Correia.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Augusto Pereira Nobre.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Eugénio Rodrigues Aresta.
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Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique do Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 48 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Ministério das Finanças, satisfazendo ao requerimento do Sr. Francisco Cruz, transmitido em ofício n.° 341.
Para a Secretaria.
Da municipalidade de Mondim de Basto, sôbre interpretação do artigo 11.° da lei n.° 1:452.
Para a Secretaria.
Do quartel general da 1.ª divisão do exército, pedindo autorização para ser ouvido num auto de corpo de delito o Sr. Lelo Portela.
Concedido.
Da 6.ª vara cível de Lisboa, pedindo autorização para depor como testemunha o Sr. Bernardo Ferreira de Matos.
Recusado.
Carta
Do Sr. Barros Queiroz, comunicando ter abandonado os trabalhos parlamentares.
A Câmara deliberou que a Mesa inste para que S. Exa. se demova da sua resolução.
Admissão
Projecto de lei
Do Sr. Abílio Marçal, considerando em período de adiamento do serviço militar até concluírem o tempo de serviço nas missões os alunos do Instituto de Missões Coloniais.
Para a comissão de colónias.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de «antes da ordem do dia».
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: desejava preguntar a V. Exa. se o Sr. Ministro do Comércio vem hoje à Câmara.
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Consta que S. Exa. afirmou que não voltava ao Parlamento.
É verdade?
Não se compreende que um Ministro se ausente propositadamente do Parlamento sem estar demitido, e peço a V. Exa. se digne reclamar a presença imediata do Sr. Ministro do Comércio, para que, como prometeu, apresente a proposta sôbre os Transportes Marítimos, destinada a estabelecer penalidades para os que infringirem a lei que regula a alienação dos navios.
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: a propósito de algumas considerações que ontem aqui fiz, o jornal A Pátria, órgão do Sr. Ministro do Comércio, e pelo dedo se conhece o gigante, publica hoje alguns despropósitos acusando-me de desleal, de ter falta de decoro pelos outros, de proteger interêsses ilegítimos, etc.
Sr. Presidente: sôbre a falta de lealdade, tenho a dizer que jamais deixei de fazer justiça ao meu maior inimigo quando, êle tenha razão, e de censurar o meu maior amigo quando êle a não tenha.
De resto, a Câmara sabe que muitas vezes andamos à corda, como se diz em linguagem académica, mais de um mês, para conseguirmos falar com qualquer membro do Govêrno, e se ontem usei da palavra foi porque o assunto era da maior urgência.
Sou acusado de falta de lealdade porque falei sem estar presente o Sr. Ministro do Comércio, mas eu vou contar à Câmara a história desta questão.
O Sr. Ministro do Comércio, contra o que se fazia nos tempos da monarquia e o que se tem feito no tempo da República, entendeu dever publicar um decreto modificando as tabelas de portagem nas duas pontes sôbre o Tejo.
Procurei S. Exa., o observei-lhe que isso não era razoável, o que, por conseqüência, pensasse bem. Requeri ao mesmo tempo, isto em 25 de Maio, que me fossem enviados determinados documentos para comprovar aquilo que queria afirmar, ao que o Sr. Ministro do Comércio me respondeu que os enviaria com toda a urgência, o até que não publicaria o decreto emquanto eu não fôsse vê-lo ao Ministério.
Veja a Câmara: o Sr. Ministro do Comércio prometeu mandar urgentemente os documentos, e não os mandou; prometeu que não publicaria o decreto no Diário do Govêrno sem eu tratar do assunto, e publicou-o.
Pregunto: De que lado está a falta de lealdade, a falta de atenção e até a falta de correcção?
Êstes despropósitos devolvo-os a S. Exa. na certeza de que, relativamente à falta de decoro, o único juiz, para eu ter consideração por A ou B, é a minha consciência. O indivíduo pode estar altamente colocado, ser até Ministro, e muitas pessoas importantes têm passado por aquelas cadeiras, que eu não queria para contínuos duma repartição, mas se devo tributar-lhes consideração ou não, isso é comigo.
Sr. Presidente: uma lei tem de ser apreciada no jôgo dos seus artigos, e o Sr. Ministro, que é bacharel, na ânsia de citar, referiu-se até a lei n.° 1:545, fundamentando no seu artigo 1.° a alteração das taxas.
Isto chega a ser ridículo, é positivamente troçar com o Parlamento.
Sr. Presidente: sinto não estar presente o Sr. Ministro do Comércio, mas a culpa não é minha, pois desejava preguntar como é que, com a minha atitude, posso favorecer interêsses ilegítimos.
Eu julgo-me com a autoridade mais que suficiente para dizer ao Sr. Ministro do Comércio que a minha consciência não me acusa do ter alguma vez, directa ou indirectamente, favorecido interêsses ilegítimos seja de quem fôr.
Que o Sr. Ministro de Comércio ajoelhe perante a sua consciência, que pode não estar iam esclarecida como a minha. E sôbre êste assunto nem mais uma palavra. Simplesmente desejava que a administração do meu país fôsse de tal forma que dispensasse êsses impostos que o contribuinte paga por tudo, som que tenha portos, estradas em bom estado, etc.
Sinto não estar presente o Sr. Ministro das Finanças, porque desejava preguntar a S. Exa. por que motivo é que as praças da guarda fiscal reformadas, pobres vítimas que toda à vida têm servido o Estado, ainda não receberam a melhoria dos seus vencimentos votada no
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Parlamento. Desde Agosto que as folhas estão por assinar.
Não j alguém que só de ilusões vive o homem.
Se vivesse só de ilusões, seriam todos poetas e a vida um encanto, ouvindo docemente correr um regato, como diria o nosso colega Sr. Carlos Pereira.
Interrupção do Sr. Viriato da Fonseca que não foi ouvida.
O Orador: — V. Exa. sabe quanto respeito e consideração tenho pelas qualidades de inteligência, honradez e de patriotismo do Sr. Viriato da Fonseca, mas, se é verdade que essas providências vão ser tomadas, não é menos verdade que há perto de um ano os desgraçados guardas fiscais esperam por essas melhorias, passando fome e miséria.
Sinto que o Sr. Ministro das Finanças não esteja presente, porque desejava conversar com S. Exa. a êste respeito. Mais uma vez devolvo ao Sr. Ministro do Comércio as suas expressões e os seus despropósitos.
S. Exa. não tem autoridade moral, nem qualquer outra, para se dirigir a mim nos termos em que o fez.
Desejo ao Govêrno as maiores prosperidades, saúde e fraternidade.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins): — Requeiro a V. Exa. que se. entre na discussão das emendas vindas do Senado sôbre o empréstimo a Moçambique e que se prossiga na sua discussão até à hora de se entrar na discussão dos orçamentos.
O Sr. Ministro do Trabalho (Lima Duque): — Requeiro que V. Exa. consulte a. Câmara sôbre se consente que se entre na discussão do parecer n.° 725, que é urgente e se destina a regular uma questão orçamental.
O Sr. Garcia Loureiro (para interrogar a Mesa): — V. Exa. diz-me se o Sr. Ministro das Finanças vem hoje ao Parlamento?
O Sr. Presidente: — Já hoje esteve na sala.
O Sr. Garcia Loureiro: — V. Exa. sabe dizer-me se por acaso voltará?
O Sr. Presidente: — Não sei.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Vai prosseguira discussão sôbre o parecer n.° 722 (emendas do Senado ao empréstimo de Moçambique).
Tenho sôbre a Mesa dois requerimentos, um do Sr. Ministro das Colónias e outro do Sr. Ministro do Trabalho.
Consulto a Câmara sôbre o requerimento do S. Ministro das Colónias, para se prosseguir na discussão do parecer n.° 722, até à hora de se entrar na discussão do orçamento, às 19 horas.
Foi aprovado.
O Sr. Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova.
O Sr. Vergílio Costa, (para interrogar a Mesa}: — V. Exa. diz-me se o Regimento permite que se faça um requerimento e se ponha à votação, estando com a palavra reservada o Sr. Cancela de Abreu?
O Sr. Presidente: — Quando o Sr. Ministro das Colónias pediu a palavra e lha concedi, ainda se não tinha entrado na discussão do parecer. Portanto, o requerimento e a sua votação estão dentro do Regimento.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à contraprova requerida pelo Sr. Cancela de Abreu. Os Srs. Deputados que rejeitam o requerimento feito pelo Sr. Ministro das Colónias, queiram levantar-se.
Estão sentados 41 Srs. Deputados e de pé 16.
Está aprovado.
O Sr. Viriato Gomes da Fonseca: — Sr. Presidente; eu devo estar inscrito para falar estando presente o Sr. Ministro das Colónias, e assim, eu desejaria que V. Exa. me dissesse se os projectos que estão postos para discussão são com prejuízo dos oradores inscritos, pois, se assim é, creio que não haverá meio de falar, tanto mais quanto é certo que já se
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não pode falar no período destinado a antes de se encerrar a sessão, visto que êle entra pela noite dentro.
O Sr. Presidente: — Devo dizer a V. Exa. que a Câmara deliberou que êsses projectos se discutissem com prejuízo dos oradores inscritos, e assim logo que há número para votações eu tenho de os pôr imediatamente em discussão.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: se eu precisasse de demonstrar à Câmara, e nomeadamente à sua maioria, que tenho discutido êste assunto sem qualquer preocupação de ordem política, bastaria lembrar, que a proposta do empréstimo para Moçambique foi largamente criticada e combatida no Senado pelo Senador democrático, o Sr. Herculano Galhardo, pessoa inteligente, categorizada, e a quem ninguém poderá atribuir intenções políticas neste caso.
Combateu-a também largamente o Deputado republicano Sr. Nuno Simões. Combateu-a também o Sr. Cunha Leal.
E o Sr. Brito Camacho, que meses antes tinha abandonado o lugar de Alto Comissário também lhe pôs as suas reservas.
E devo dizer que não reconheço aos Srs. Deputados da maioria direito a atribuírem-me intuitos políticos unicamente pelo facto de eu ser Deputado monárquico.
É bom dizer estas cousas para arrefecer o entusiasmo dos empresários do empréstimo para Moçambique.
Mostrei ontem à Câmara alguns dos inconvenientes que podem advir do empréstimo, e peço aos Srs. Deputados que pretendem que êle se aprove que me digam francamente se eu tenho ou não razão para apreensões sôbre o futuro da província de Moçambique.
Tenho pena de que não esteja presente o ilustre Deputado Sr. Portugal. Durão, pessoa a quem eu tributo o maior apreço, atenta a maneira desassombrada como trata aqui os assuntos, pois desejava preguntar-lhe a êle, antigo companheiro em África de João de Azevedo Coutinho e outros portugueses que ali derramaram o seu sangue em serviço da Pátria, se S. Exa. não tem igualmente apreensões graves, sobre êste assunto.
Acordem, meditem emquanto é tempo. E o Sr. Vítor Hugo que abandone os seus propósitos de ir para Moçambique-se entende que para lá não pode ir sem o empréstimo que se pretende realizar. Acima de tudo estão os interêsses da colónia, acima de tudo estão o brio, a honra e o bom nome da Nação.
Oh! Sr. Presidente! Oh! Sr. relator! Porque é que Portugal, com todo o seu. vasto e rico património, incluindo as colónias, não consegue obter lá fora o crédito que neste momento é dado a Moçambique, província rica e próspera sem dúvida, mas em todo o caso simples parcela de Portugal Não haverá qualquer cousa oculta por detrás de tudo isto? E se é legítima esta suspeita, pode compreender-se que nós vamos de ânimo leve dar uma autorização desta natureza, sem que o Parlamento conheça e aprecie, base por base, todas as disposições do contrato que se pretende realizar?
As considerações de ordem geral que, fiz, e que eu como português muito desejava ver contrariadas com factos por parte dos ilustres coloniais que pertencem a esta Câmara, impõem-se à consciência de todos quantos se interessam pelo futuro da colónia de Moçambique e pela integridade da soberania nacional.
O Sr. Ministro das Colónias tem conhecimento de que vieram, a público as bases do projecto de contrato que o Sr. Augusto Soares trouxe de Londres e que S. Exa. apontou como a última palavra sôbre o assunto.
Há ainda uma circunstância preliminar para a qual chamo a atenção da Câmara. A ocasião escolhida para tratar em Londres do já famoso, empréstimo foi a pior que se poderia ter escolhido para a negociação de qualquer operação de crédito. A vida política inglesa corria então agitada. Notava-se um acentuado retraimento de negócios.
Nestas condições, pregunto se o Govêrno e o Sr. Alto Comissário estão dispostos a conformar-se com o que se encontra estabelecido nas bases trazidas de Londres e se não lhes será possível arranjar ali ou em qualquer outra parte uma operação em condições que não nos envergonhem nem afrontem o brio da Nação.
Sr. Presidente: abusando, porventura,
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da amabilidade do Sr. Ministro das Colónias, tomo a liberdade de formular algumas preguntas, que gostaria de ver respondidas desde já por S. Exa.
Estão já definitivamente fixadas as bases do contrato para o empréstimo de Moçambique? Se não estão ainda fixadas, porque motivos o não estão? S. Exa. concorda com essas bases? Finalmente, eu desejaria que S. Exa. dissesse à Câmara quais as razões do mistério que desde o princípio se vem fazendo à volta dessas bases.
Quero crer que o Sr. Ministro das Colónias e o Alto Comissário de Moçambique não colocarão, a sua assinatura no monstruoso documento que veio a público.
Ele representa uma verdadeira infâmia; representa mesmo uma desonra para Portugal. Quem o assinar é traidor à Pátria.
Declaro isto sob minha responsabilidade e inteiramente convencido de que tenho razão.
Atendam bem. Vejam as responsabilidades que vão assumir.
Sinto que o Sr. Ministro das Colónias não tivesse querido responder às preguntas que lhe fiz.
O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins): — Eu devo dizer que o que V. Exa. viu no jornal a Época não é ainda o contrato definitivo, pois a verdade é que o Ministro das Colónias tem o direito de o estudar e modificar como julgar conveniente, tanto mais quanto é certo que depois da resolução tomada pelo Senado reduzindo o empréstimo de 5 milhões de libras para 4, necessário será fazer novas negociações, correspondentes à importância que foi votada pelo Senado e que certamente o será por esta Câmara.
O Orador: — Não haveria necessidade alguma de se fazer um novo contrato por motivo da emenda introduzida pelo Senado, pois a verdade é que, nesse caso, apenas seria preciso modificar as cifras.
Não é aí que está o mal. Bem se vê, Sr. Presidente, que o Sr. Ministro das Colónias se encontra de malas feitas e não quere deixar a sua opinião comprometida.
Porque não é franco?
O Sr. Álvaro de Castro disse em Dezembro ao Sr. Cunha Leal que não concordava com o empréstimo e que as bases dele estavam intimamente relacionadas com êle.
O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins) (interrompendo): — Eu não ouvi as considerações produzidas pelo Sr. Presidente do Ministério, quando usou da palavra nesta casa do Parlamento, mas ouvi-o no Senado, quando S. Exa. foi chamado à barra da discussão pelo Sr. Herculano Galhardo.
As declarações do Sr. Presidente do Ministério foram que concordava com o princípio da realização do empréstimo para Moçambique, mas que considerava excessivo o montante do empréstimo primitivamente fixado.
Em virtude destas declarações, o Sr. Herculano Galhardo posteriormente redigiu a proposta que agora se encontra aqui.
Fundamentalmente, o Sr. Presidente do Ministério, que era, à data da apresentação das bases do contrato, Ministro das Colónias, concorda com o empréstimo.
O Orador: — Quere dizer que o Sr. Presidente do Ministério mudou de opinião.
É o costume.
Há, porém, uma cousa que S. Exa. não pode desmentir: é a afirmação que fez aqui de que as bases do contrato estavam adstritas inteiramente a êste.
O Sr. Ministro das Colónias não quis dizer se concordava ou não com as bases que vieram a público.
O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins): — As bases parecem-me bem feitas. Há, todavia, particularidades com as quais não concordo e que terão de ser modificadas de acordo com o Alto Comissário.
O Orador: — Sr. Presidente: já o Sr. Ministro das Colónias disse mais alguma cousa, disse que há particularidades que é preciso modificar de acordo com o Alto-Comissário.
Mas particularidades apenas?
Peço a S. Exa. que as leia com atenção e as pondere convenientemente porque, se S. Exa. não tiver de pronunciar se como Ministro, terá de votar como Deputado.
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Mas há outra circunstância que nos convence de que, de uma maneira geral, nas suas condições essenciais de garantia e encargos, o contrato que foi publicado é o que vai ser firmado.
Basta ver a polémica que ainda há pouco se estabeleceu na imprensa, estando de um lado os Srs. Drs. Armindo Monteiro e Quirino de Jesus e do outro o Sr. Santos Gil, que é o empresário do negócio, ou cousa parecida.
Mas o que o Sr. Ministro acaba de dizer ainda mais põe em evidência o tenebroso plano.
Sr. Presidente: não há comerciante, por mais que veja aproximada a falência, embora fraudulenta, do seu devedor, que exija a êste responsabilidade e garantias tam vexatórias como aquela que a casa Armstrong pretende exigir a Portugal e nomeadamente à província de Moçambique.
Não é uma garantia normal e razoável que se pretende; é a desonra da província de Moçambique, é a soberania e o brio da Nação, é a abdicação dum passado glorioso e que devemos manter custe o que custar, que se pretende.
Não há caloteiro nenhum, por mais remisso que seja, que se submeta às infâmias a que se pretende submeter Moçambique.
Não há ninguém, mesmo entre os que se metem nas mãos dos agiotas e exploradores, que se submeta às vergonhas, que eu resumidamente vou expor à Câmara.
Muito estimaria vir a verificar que estou enganado, e ver, um dia, o Sr. Alto Comissário de Moçambique regressar a Portugal coberto de louros e com. motivos para se vangloriar pelos resultados do empréstimo.
Infelizmente, porém, parece-me que tenho toda a razão.
Logo na base 4.ª do projectado empréstimo se estabelece uma das garantias que se exigem à província de Moçambique. E, notem V. Exas. caucionam com as receitas gerais da província, e, ainda por cima, se exigem depósitos antecipados, dos quais a província não poderá dispor.
Exige-se tudo!
Pois há quem venha para imprensa dizer que nunca se viu um contrato tam honroso para um país!
A obsessão é tam grande, que há o arrojo de se dizer isto!
Nunca mais se poderá fazer em Moçambique um contrato nas mesmas condições dêste!
Di-lo também a base 4.ª. A casa Armstrong fica com o direito a uma espécie de primeira hipoteca, e, não contente com isto, não consente que, mesmo em segunda hipoteca, se celebre outro empréstimo em condições análogas à dêste!
Isto é assombroso!
Pretende-se nem mais nem menos do que enfeudar financeiramente a província ao potentado londrino.
Fecha-se a porta ao crédito.
Mas chegam as receitas para os encargos do empréstimo?
Lembremo-nos, em primeiro lugar, que as receitas, até agora, não têm sido deitadas fora.
Têm sido necessárias para satisfazer os serviços públicos da província, que é preciso manter. E não sei se amanhã, antes de pagarmos aos funcionários públicos da província, teremos do dar preferência aos juros e à amortização do empréstimo.
Não foi ressalvado. E o Sr. Azevedo Coutinho está iludido acerca das receitas da província.
S. Exa. apontou ao Senado cousas mirabolantes.
O Sr. Herculano Galhardo disse que não irão além de 300:000 libras as disponibilidades da província para obras de fomento.
E o Sr. Azevedo Coutinho disse que, nos anos económicos 1909-1910 a 1916-1917, a média das importâncias aplicadas a obras de fomento foi de 330:000 libras e nos que decorreram de 1917-1918 a 1921-1922 variou entre 366:000 e 575:000 libras.
Mesmo que êstes números estejam exactos, nem assim as receitas chegarão, normalmente, para os encargos e amortização da operação.
Com números é que nós nos entendemos; e uma cousa que eu verifico com as contas que fiz e em presença das bases do contrato, tomando para ponto de partida a operação de 5.000:000 de libras, é que os encargos anuais do empréstimo podem vir a exceder em muito as disponibilidades da província.
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Os encargos anuais do empréstimo, fora as alcavalas, serão de 425:000 libras.
Pregunto: onde é que o Sr. Alto Comissário vai buscar logo de início dinheiro que chegue?
Sei que o Sr. Azevedo Coutinho disse no Senado que não havia só que contar com as receitas normais e actuais da província, mas com as receitas provenientes da execução do plano das obras de fomento projectadas.
S. Exa. é dos que esperam por sapatos de defunto!
Ficará toda a vida descalço...
Mas ainda que dentro de certo prazo haja possibilidade descontar com essas novas receitas, encontrando-se compensação para os encargos do empréstimo, eu pregunto ainda assim como satisfará S. Exa. os primeiros encargos e o custo da emissão.
Pede-o adiantado à casa Armstrong ou arranca-o de uma só vez ao contribuinte?
Sr. Presidente: é certo que telegramas vieram da província de Moçambique pedindo a aprovação dêste empréstimo.
Todavia, é certo também que há lá muito quem proteste contra esta medida financeira.
Portanto, o Sr. Alto Comissário irá lá encontrar resistência, mesmo até para a criação de impostos necessários para fazer face aos encargos do empréstimo.
A cláusula 7.a é uma daquelas para que eu chamo a atenção especial do Sr. Ministro das Colónias. Esta cláusula vem impor novos depósitos antecipados.
Moçambique ficará a pagar a importância adiantada do juro semestral e ainda tem que depositar igual quantia; isto é, uma importância que, emquanto não se vencer, é só da colónia, mas na qual não poderá tocar.
A casa Armstrong pretendeu brincar connosco, e o Sr. Augusto Soares — em cujas boas intenções acredito — não esteve à altura da sua grave missão.
A sua obrigação, ao receber nas suas mãos o aviltante projecto, era tê-lo rasgado imediatamente na presença de quem lho entregou.
Pela cláusula 12.ª exige-se do Govêrno Português, a confirmação por escrito do valor das receitas e encargos de Moçambique, e da sua riqueza e estado de prosperidade, admitindo-se assim a hipótese de que o governo da província pode mentir.
Sr. Presidente: eu, que não sou republicano, nem tenho responsabilidades nos Governos da República, sinto-me envergonhado com esta cláusula exigida pela casa Armstrong, e pregunto se os homens que ocupam o Poder não acham assombrosamente deprimente para o país uma tal exigência.
Admira-me que haja coloniais, como os Srs. Rodrigues Gaspar, Vitorino Guimarães e Jaime de Sousa, que se não revoltem contra isto.
O Sr. Jaime de Sousa: — S. Exa. deve recordar-se de que fui eu uma das primeiras pessoas que reprovaram a minuta do contrato, declarando que a achava inaceitável.
Simplesmente observo a S. Exa. que não está em causa essa minuta.
O Orador: — Registo com prazer a declaração de S. Exa., mas discordo de que o contrato não esteja em causa.
Nós temos o direito e mesmo o dever de saber em que condições se vai celebrar um contrato, que contém em si infâmias revoltantes, que nenhum português, sem ser traidor, pode subscrever.
Já aludi ligeiramente à cláusula 24.ª merece análise mais detalhada.
Diz ela:
Leu.
Quere dizer: logo que haja uma guerra, uma revolução, ou qualquer perturbação financeira em Portugal, a casa Armstrong deixa de ser obrigada a cumprir os seus deveres.
Mas a Moçambique não assistirá igual direito!
Os casos de fôrça maior não aproveitam ambas as partes, mas apenas à casa Armstrong!
Interessante, não é verdade?
E se, como é natural, houver uma revolução em Portugal, na metrópole, em que é que êste acontecimento pode impedir que a casa inglesa cumpra as suas obrigações.
O Código Civil, que constitui o nosso maior monumento jurídico, diz expressamente que se ressalvam os casos de fôrça maior para ambas as partes contratantes.
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É costume a República ir buscar o exemplo dos países mais esquisitos ou afastar dos.
Desta vez foram ao extremo Oriente buscar o Japão.
Ora o Japão contraiu um empréstimo, é certo, em condições onerosas.
Mas a sua situação é muito especial em conseqüência do grave cataclismo de que foi vítima, e que urge remediar.
E, feitas as contas, o encargo do empréstimo para o Japão é de 6 por cento ouro; ao passo que o empréstimo dê Moçambique terá o encargo de 8 por cento ouro; e o Japão não abdicou da sua dignidade e da sua soberania.
O Sr. Herculano Galharda disse no Senado que as obras projectadas beneficiariam mais os estranhos vizinhos da colónia do que a própria província.
Aí têm V. Exas. mais um testemunho insuspeito.
O Sr. Herculano Galhardo não teria dito isto, se, em sua consciência, o não reconhecesse.
Aconselho o Sr. Ministro das Colónias a que ponha sob reserva os pedidos que venham de Moçambique para que o empréstimo seja votado.
Basta que nos lembremos do que se passou a meu respeito, quando há dois anos tive a coragem de atacar dêste lagar o omnipotente imperador Norton de Matos.
Apareceram telegramas das forças vivas da colónia protestando contra a «campanha Cancela de Abreu». Ainda me rebordo de ter visto o Sr. Visconde de Pedralva agitar nervosamente um dêsses, papéis e dizer que Angola se levantava contra a especulação dos monárquicos.
Pois, agora, o Alto Comissário foge, abandona o seu pôsto, e, afinal as tais fôrças vivas nem sequer piaram!
Não admira, porque eu sei que os tais telegramas de protesto contra a minha campanha foram expedidos em virtude de pedido o a sugestão do próprio Sr. Norton de Matos!
Que o acto do Sr. Norton de Matos equivale a uma fuga, disse eu. É verdade. O próprio Sr. Norton de Matos o declarou.
Numa entrevista concedida ao Século, em 30 de Janeiro último, ouvido sôbre a eventualidade de presidir a um governo
ou de chefiar um governo, e isto a propósito dos boatos que corriam a este respeito, disse o seguinte...
O Sr. Vitorino Godinho (interrompendo): — O que está em discussão é Moçambique ou Angola? E obstrucionismo. É uma vergonha.
O Sr. Carvalho da Silva: — É uma vergonha, mas é...
O Sr. Vitorino Godinho: — Peço a V. Exa. para chamar o orador à ordem.
O Sr. Carvalho da Silva: — V. Exa. está muito exaltado; mas quando aqui se queria discutir a acção do Alto Comissário em Angola, não votou essa discussão. Talvez se tivesse evitado os factos de hoje de que a maioria tem a responsabilidade tremendíssima. São réus perante o país.
O Orador: — Apelo para o testemunho daqueles que me dão a honra de me estar a ouvir, para que me digam se eu tenho ou não o direito de não reconhecer ao Sr. Deputado que me increpou autoridade para dizer que estou fazendo obstrucionismo. Bem se vê que aquele senhor não tem estado na sala.
A minha consciência está tranqüila.
Canso-me a trabalhar e a estudar todos os assuntos conscienciosamente, procurando sempre acertar e fundamentar o meu ponto de vista, o vem um Sr. Deputado, que é dos que estão aqui apenas para votar, dizer que o nosso procedimento constitui uma vergonha!
Vergonha é a inconsciência com que S. Exa. se dirigiu a mim. Vergonha é votar sem se saber o que se vota, ou os perigos do que se vota.
Não julguem que me assustem ou me fazem mudar de rumo.
Estou aqui para servir o meu país, e servindo-o, cumpro o meu dever.
Por proceder assim tenho perdido anos de vida. Arruinei por completo a minha saúde. Não deixo a meus filhos pensões ou outros benefícios do Estado.
Mas morrerei tranqüilo se morrer no meu pôsto.
De resto; não tenho estado a fazer política nesta discussão.
O Sr. Cunha Leal: — Apoiado.
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O Orador: — Entre o Sr. Norton de Matos e o Século passou-se êste diálogo:
— Tenciona V. Exa. voltar para Angola?
— Seria um êrro grave mudar agora de rumo na administração daquela colónia. A obra iniciada tem de se levar até o fim e, pela parte que me toca, consideraria como uma fuga qualquer acto de minha iniciativa que visasse a abandonar Angola nêste momento de tremendas dificuldades para a sua vida interna.
Houve ou não houve fuga?
Àpartes.
Não formava governo...
O Sr. Cunha Leal: — Mas conspirava...
O Orador: —... porque seria uma fuga abandonar o sou pôsto. Mas indo para Londres, não há fuga?
O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — O Sr. Ministro dos Estrangeiros disse que já sabia que S. Exa. não queria voltar para Angola.
O Orador: — Mais essa agravante. Mas, prossigamos.
Uma parte do empréstimo é para dívidas atrasadas. Evidentemente que a província de Moçambique tem de pagar o que deve, mas é conveniente que o Govêrno e o Sr. Alto Comissário verifiquem a exactidão das contas.
Já me referi ao fornecimento de material e às comissões que a Casa Armstrong pretende pelos fornecimentos.
O mercado inglês hoje dos piores, dada a valorização da sua moeda.
O que respeita à fiscalização das obras é também assombroso.
Admite-se a possibilidade de ser feita a fiscalização das obras a realizar em Moçambique, por engenheiros ingleses! E a cláusula 2.ª que o diz.
Chamo a atenção do Sr. Ministro das Colónias para esta particularidade que julgo não ser das de somenos importância.
É certo que se admite também a possibilidade de serem nomeadas pelo Govêrno português, as pessoas que devam exercer a função de fiscalizadores; mas tratando-se duma casa inglesa como é a que vai fazer as obras em Moçambique, pregunto se ela, convindo-lhe, não procurará impedir que a fiscalização dos seus trabalhos seja feita por engenheiros nossos.
Na cláusula 11.ª dispõe-se que a casa contratante se reserva o direito de transferir o empréstimo para uma casa bancária. Quere dizer: a casa Armstrong fica com direito a transferir a operação de crédito para quem quiser, e, portanto, para a própria África do Sul. Vejam o perigo! Mas a empreitada fica para ela!
E que o grande negócio está ali!
Mas há mais!
Em todos os contratos é costume estabelecer a competência judicial para qualquer questão que surja. Pois a casa Armstrong, sabendo bem o que são os tribunais ingleses, e o que de garantia para ela representa o facto de ser julgada por êsses tribunais, estabelece nas cláusulas 25.ª e 26.ª do contrato, além da arbitragem exercida em termos normais, a preferência dos tribunais ingleses.
Quere dizer: amanhã o Alto Comissário não aceita qualquer imposição da casa Armstrong, e ela servir-se há de qualquer ardil para submeter a questão aos seus tribunais. O seu triunfo será certo.
Vou terminar, apesar de muito mais ainda ter que dizer sôbre o assunto em debate. E que julgo que já disse o bastante para deixar bem marcada a atitude da minoria monárquica e da causa monárquica nesta questão.
Não concluirei, porém, sem dar conhecimento à Câmara, do confronto que vem estabelecido em um jornal republicano, entre o que se passou quando do ultimatum, e o que se está dando actualmente em relação ao empréstimo de Moçambique.
Leu.
Chamo a atenção dos que me escutam para o que de verdadeiro e justo há nestas palavras.
Resta-me enviar para a Mesa a minha proposta. Merece a aprovação da Câmara. Ninguém poderá ver nela quaisquer intuitos políticos.
Ela tem um fim altamente moralizador e vem evitar o perigo eminente da perda da nossa soberania em Moçambique.
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Se a rejeitarem e os meus vaticínios se confirmarem, o País há amaldiçoá-los a todos!
Tenho dito.
Vozes da extrema direita: - Muito bem! Foi lida na Mesa a proposta.
É a seguinte:
Proposta
Proponho que o parecer sôbre as emendas do Senado à proposta de lei relativa ao empréstimo de Moçambique seja retirado da discussão até que se torne conhecida da Câmara a minuta definitiva do contrato do empréstimo a realizar.
18 de Junho de 1924.— Paulo Cancela de Abreu.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se a admissão.
O Sr. Almeida Ribeiro (sobre o modo de votar): — Em meu entender a admissão da proposta que acaba de ser lida na Mesa, é inconstitucional.
O projecto inicial foi aqui votado e transitou para o Senado onde igualmente obteve aprovação com as alterações que estão postas agora à nossa apreciação.
Nestas condições nós não podemos fazer outra cousa que não seja o conceder ou não aprovação a tais alterações vindas do Senado. É assim que se dará cumprimento ao artigo 33.° da Constituição.
Devo ainda notar que se fôssemos considerar a proposta do Sr. Cancela de Abreu como não sendo contrária aos preceitos da Constituição, possivelmente cairíamos na situação de vermos as alterações feitas pelo Senado, convertidas em lei sem a aprovação desta Câmara, por termos de esperar pela consumação de um facto que não sabemos quando se poderá dar.
Entendo, pois, que a Câmara procederá bem não aceitando a admissão da proposta.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cancela de Abreu (sobre o modo de votar): — Não vejo eu que possa brigar a minha proposta com qualquer disposição constitucional.
Não me parece que o adiamento de qualquer discussão seja um acto contrário à Constituição! O que é que eu proponho?
Que se aguarde a publicação das bases do contrato. É, pois, o adiamento da discussão e nada mais.
A Câmara poderá rejeitar a admissão da minha proposta, mas não se dê como razão de tal procedimento o argumento de que o admiti-la seria infringir, a Constituição.
Sejam francos. Nada de subtilezas.
Seguidamente o Sr. Presidente pôs a proposta à admissão da Câmara.
O Sr. Presidente: — Está rejeitada a admissão.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
Procede-se à contraprova e faz-se a contagem.
O Sr. Presidente: — Estão sentados 24 Srs. Deputados e em, pó 46. Está rejeitado.
Peço a atenção da Câmara.
Pelo Sr. Barros Queiroz foi enviada à presidência desta Câmara uma carta em quê S. Exa. declara ter resolvido abandonar o lugar que com tanto brilho vem ocupando nesta sala. Lamento que S. Exa. haja seguido um tal propósito e estou certo de que toda a Câmara me acompanhará no desejo que manifesto de se fazer sentir ao Sr. Barros Queiroz a nossa solicitação para que S. Exa. não mantenha a deliberação que tomou.
Muitos apoiados dos diversos lados da Câmara.
Em vista da manifestação da Câmara, a Mesa vai procurar S. Exa. para demovê-lo do seu propósito.
Muitos apoiados dos diversos lados da Câmara.
Também foi recebido na Mesa um ofício do quartel general da 1.ª divisão militar solicitando autorização para o Sr. Lelo Portela depor num auto de corpo de delito.
Sôbre êste pedido vou consultar a Câmara.
O Sr. Lelo Portela (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: sou daqueles que
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nunca fogem às responsabilidades que lhes advenham dos actos que praticam. Não me pesa na consciência o ter cometido jamais algum acto menos digno.
Apoiados.
Entendo que a Câmara deve dar autorização para que eu possa ser ouvido a respeito de atitudes por mim tomadas em determinada conjuntura e das quais quero assumir todas as responsabilidades que me pertençam.
Dito isto, permita-me V. Exa., Sr. Presidente, que, aproveitando o ensejo de estar com a palavra, apresente desde já os meus mais sinceros agradecimentos à Câmara pela decisão que ela tomou em relação ao pedido que lhe foi feito para autorizar que eu continuasse preso. Agradeço-lhe pelo que de consideração isso possa representar para a minha pessoa; mas entendo, contudo, que a Câmara, procedendo como procedeu, não fez senão prestigiar o Poder Legislativo e garantir em absoluto as prerrogativas de cada um dos seus membros.
Apoiados.
Em ocasião própria pronunciar-me hei sôbre os termos do ofício que V. Exa. acaba de pôr ao conhecimento da Câmara, e também sôbre o que de irregular e de desrespeito pela Constituição houve da parte do Poder Executivo, mantendo-me preso sem autorização da Câmara por tempo muito maior do que o necessário para a esta Câmara ter sido feito o competente pedido.
Por isso eu, quando fui chamado a prestar declarações, disse que, muito embora quisesse assumir todas as responsabilidades dos meus actos - já disse que não sou capaz de fugir às que me pertençam — não podia deixar de considerar como uma arbitrariedade do Poder Executivo o facto de, sendo eu Deputado, ser conservado preso sem que a Câmara dos Deputados se houvesse pronunciado sôbre essa minha situação.
Falando assim, eu só pretendia mais uma vez que fôsse respeitada a Constituição da República, pois, qualquer que fôsse a decisão da Câmara, jamais poderia desejar que deixassem de recair sôbre mim todas as penalidades que de direito me devam ser aplicadas por virtude do acto que cometi.
Aproveito também esta ocasião para declarar que em assuntos de dignidade não aceito lições de ninguém, porque procedo sempre segundo a minha consciência, e esta não me acusa de em qualquer acto da minha vida ter praticado alguma cousa que possa ser considerada como indigna.
Sr. Presidente: poderá haver alguém que julgue existir da minha parte o desejo de alcançar para mim um tratamento diverso daquele que têm os meus camaradas, e por isso também quero acentuar desde já perante a Câmara, para que o país o saiba, que a tal respeito são únicos juizes êsses mesmos camaradas meus.
Êles e eu é que sabemos o que há a esclarecer na questão da aviação, e é preciso que tudo se esclareça, pouco nos importando que se pretenda fazer pressões contra êsse esclarecimento, como já têm havido para que ps oficiais presos não possam dizer aquilo que contribua, de facto, para lançar luz sôbre todos os acontecimentos.
Sr. Presidente: mais uma vez agradeço à Câmara o voto que deu anteontem, e peço que dê autorização para eu ser ouvido e assumir inteira responsabilidade dos meus actos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente:: — Vou consultar a Câmara sôbre o pedido que acaba de ser lido.
Foi aprovado.
Foi lido outro ofício.
Foi igualmente deferido o pedido.
O Sr. Abranches Ferrão (por parte da comissão de legislação civil e comercial): — Sr. Presidente: em nome da comissão de legislação civil e comercial, vou mandar para a Mesa a seguinte
Declaração
A comissão de legislação civil e comercial, tendo tomado conhecimento do pedido de renúncia do Sr. António Dias, como relator do parecer sôbre a proposta vinda do Senado, respeitante ao inquilinato, por se julgar agravado com as palavras proferidas na sessão de hoje, pelo Sr. Ministro da Justiça, palavras que
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atingem toda a comissão, apesar de terços seus trabalhos quási concluídos e dependentes apenas da presença do Sr. Ministro perante a comissão, para o que já havia sido convidado, resolve depor nas mãos do Sr. Presidente da Câmara o pedido de renúncia dos vogais que a constituem. — O Presidente, António Abranches Ferrão.
Sr. Presidente: é justo que eu diga à Câmara algumas palavras acerca da declaração que mandei para a Mesa em nome da comissão de que tenho a honra de ser presidente.
Desde que a proposta relativa ao inquilinato deu entrada na mesma comissão, houve todo o desejo em não demorar o respectivo parecer.
Mais ainda, antes da proposta entrar na comissão, para abreviar os trabalhos escolheu se para relator, o Sr. António Dias, que com toda a boa vontade quis corresponder aos desejos do Sr. Ministro da Justiça.
Mas a Câmara sabe que a matéria de inquilinato é uma questão grave, que necessita ser estudada devidamente, e as cousas não correram tam depressa como o Sr. Ministro da Justiça desejava.
A comissão reuniu várias vezes, discutiu e apresentou trabalhos, chegando a várias conclusões.
Os dias foram passando, até que chegou um momento em que a comissão entendeu dever convidar o Sr. Ministro da Justiça para lhe dizer qual era a sua orientação.
O Sr. Ministro da Justiça não compareceu e veio pedir à Câmara que a proposta fôsse discutida, com parecer ou sem parecer.
Eu declarei a S. Exa. os trabalhos que estavam feitos.
Mas S. Exa. quis fazer o requerimento, e foi precipitado, agravando assim o respectivo relator da proposta.
Eu posso dizer, com toda a sinceridade, que o desejo da comissão seria trabalhar de acordo com S. Exa., e se S. Exa. não foi convidado com mais antecedência, foi por que se entendeu que não era conveniente fazê-lo, antes que a comissão tivesse pontos de vista fixados.
Do que se passou, parece ser prova de desconfiança por parte do Sr. Ministro
das Finanças, não só para com o respectivo relator, mas para com todos os membros da comissão, e assim parece-me bem justificado o pedido que vou mandar para a Mesa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (José Domingues dos Santos): — Sr. Presidente: não tive ocasião de ouvir o pedido que foi mandado para a Mesa, mas ouvi dizer que foi um pedido de renúncia, da comissão de legislação civil.
Se porventura êsse pedido se filia no incidente ontem levantado, eu devo dizer que nenhuma razão houve para essa atitude, pois não tive nem tenho nenhuma espécie de desconfiança, nem no respectivo relator do parecer, nem nos restantes membros da comissão.
Tenho, é certo, desejo que a questão do inquilinato seja resolvida, porque essa resolução se impõe.
Eu entendo, na verdade, que é absolutamente necessário apressar a discussão deste assunto.
Foi por isto, que ontem requeri a discussão da proposta, e estou certo de que a comissão, trabalhando activamente, poderá ainda apresentar a tempo o seu parecer.
Estou convencido de que a comissão não abandonará o seu lugar neste momento, em que é necessário o seu trabalho.
São estas as explicações que eu quero dar à comissão de legislação.
Não se pode ela sentir agravada com as minhas palavras, nem tampouco o Sr. Abranches Ferrão, a quem tenho manifestado sempre a minha mais alta estima, bem como a outros membros da comissão.
Nestes termos, quere-me parecer que não é de receber o pedido de renúncia apresentado pela comissão, e ouso pedir, como português e como parlamentar, que ela tome os seus lugares, sem caprichos, e sem amuo s, visto tratar-se de um assunto da maior importância.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Abranches Ferrão: — Agradeço as palavras que o Sr. Ministro da Justiça
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acabou de proferir e pelo que toca à minha pessoa não tenho senão que agradecer a forma sempre amável e gentil como me tem tratado.
Deu-se, no emtanto, um incidente, que foi suscitado pela forma que V. Exas. conhecem.
A comissão em virtude, disso, e porque as palavras do Sr. Ministro da Justiça foram na verdade injustas, tomou a deliberação que a Câmara já conhece.
O Sr. Ministro da Justiça deu todas as explicações que acho satisfatórias; no emtanto o pedido está formulado, mas, dadas as explicações, julgo que a comissão deve continuar nos seus trabalhos.
Era isto o que tinha a dizer.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Já ontem tivemos ocasião de dizer qual era o nosso pensamento, acerca do incidente suscitado entre o Sr. Ministro da Justiça e um Deputado, que nós não inquerimos se pertence à maioria ou minoria.
Sentimos, nessa hora, que o Sr. Ministro, querendo que se discutisse apressadamente o assunto, não estava sendo razoável, porque se devia dar à comissão de legislação o tempo suficiente para estudar o problema.
Nestas condições, colocámo-nos ao lado do Deputado visado injustamente pelo Sr. Ministro da Justiça, sem querer saber qual a cor política que êle tinha.
Manifestando toda a nossa consideração pelos membros da referida comissão, desde o seu presidente até o seu relator, sem exclusão de nenhum, sejam nacionalistas, democráticos ou independentes. Nós entendemos que assiste razão à comissão que acaba de pedir a renúncia, mas consideramos como insubsistente o pedido.
Não são propriamente as palavras do Sr. Ministro da Justiça, que se limitou apenas a tributar consideração e respeito ao Sr. Abranches Ferrão...
O Sr. Abranches Ferrão: — Foi à comissão.
O Orador: — V. Exa. não prova que tivesse havido uma única palavra de consideração para com o Sr. relator.
O Sr. Abranches Ferrão: — Eu interpretei as palavras do Sr. Ministro como não podia deixar de o fazer...
Vozes: — Exceptuou propositadamente o relator.
O Orador: — Mas se o Sr. Ministro não deu a todos a mesma prova de consideração, damos-lhe nós essa manifestação de solidariedade, dizendo que deve desistir do seu pedido.
Como representante da minoria nacionalista, entendo que a comissão procedeu muito bem. Damos-lhe todas as satisfações que ela quiser, porque somos de opinião que quem tem razão é ela.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Já ontem este lado da Câmara afirmou que esta questão não pode merecer mais delongas. Todavia, entendo que ela deve ser estudada por forma a que não saia um documento como aquele que vigora, que não serve nem para proteger senhorio i nem inquilinos.
Urge que saia desta Câmara um documento que harmonize tanto quanto possível os dois interêsses: dos senhorios e dos inquilinos.
Mas, Sr. Presidente, a comissão de legislação mandou para a Mesa uma declaração de renúncia, que nós, dêste lado da Câmara, não podemos aceitar, porque o argumento apresentado por S. Exa., a subsistir, seria a inversão completa dos bons princípios.
O Sr. Presidente da comissão de legislação argumentou que. ela não merecia a confiança do Sr. Ministro da Justiça. Não concordamos com semelhante fundamento.
A comissão de legislação é uma delegação do Poder Legislativo e, como tal, não tem que ter a confiança do Poder Executivo.
Nestas condições não se justifica de maneira alguma o pedido de renúncia da comissão de legislação civil e comercial e entendo que a Câmara, independentemente mesmo da consideração que lhe merecem os seus membros, não pode aceitar o fundamento apresentado pelo Sr. Abranches Ferrão.
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Se até agora, antes das palavras do Sr. Ministro da Justiça, a Câmara devia insistir com a comissão para desistir do seu pedido de renúncia, agora, mais do que nunca, a Câmara deve pedir-lhe que desista dêsse pedido, e assim, Sr. Presidente, tenho a certeza que a Câmara contribui para uma mais rápida solução da questão do inquilinato.
Manifestando, pois, a todos os membros da comissão de legislação civil e comercial a nossa consideração pessoal, entendemos que S. Exas. não podem de nenhuma maneira abandonar os seus lugares. Sr. Presidente: já que na série de diplomas que na vigência da República têm sido votados sôbre esta matéria, se não tem tido em conta aquele estudo e ponderação que são indispensáveis para êste problema, bom seria que agora se tomasse em conta a legislação que sôbre esta matéria existe em quási todos os países, para que, procedendo-se identicamente no nosso, pudéssemos caminhar para essa resolução.
Sou de opinião que o curto espaço de tempo que a comissão tem tido para elaborar o seu parecer, não é suficiente para se colherem todos os elementos indispensáveis num assunto desta ordem, e que é preciso ter uma orientação inteiramente diversa daquela que tem sido até agora adoptada, não só sôbre á parte que diz respeito, propriamente, à pasta da justiça, mas, até na parte que diz respeito à pasta das finanças, e, um pouco, até, na parte que diz respeito à pasta do comércio.
Urge, Sr. Presidente, que no nosso ~país se]cuide a sério da necessidade de se construir bastante e de se construir mais barato do que se tem construído; urge que, por exemplo, se adoptem as legislações da França, da Bélgica e da Suíça, na construção de casas baratas, mas todos êsses estudos não podem fazer-se no curto espaço de tempo que se quere dar à comissão de legislação civil e comercial para apresentar o seu trabalho.
Ao mesmo tempo que entendemos que o assunto necessita de resolução entendemos também que êle precisa ser bem ponderado.
Assim, Sr. Presidente, entendo que a comissão deve retirar o seu pedido de renúncia. Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: depois das palavras proferidas pelo Sr. Ministro da Justiça, creio que não pode subsistir o pedido do renúncia feito pela comissão de legislação civil e comercial.
Sr. Presidente, arredado assim êste ponto de vista que me permite classificar de susceptibilidade pessoal, aliás muito respeitável da parte da comissão, devo dizer que, estando inteiramente de acordo com o Sr. Ministro e com a Câmara de que o assunto a que o parecer da comissão terá de referir-se, é da maior importância, da maior complexidade, ainda assim eu pensei que o Sr. Ministro está dentro das fórmulas regimentais, pedindo que, decorridos vinte dias depois da entrada dos documentos na comissão, se discuta o assunto com ou sem o respectivo parecer.
O Sr. Ministro não faz com êste pedido nenhuma violência à Câmara nem à comissão, nem é caso novo, porque já se tem feito pedido idêntico em assuntos de tanta ou maior importância.
Por outro lado, Sr. Presidente, eu penso que a comissão de legislação civil e comercial não precisa da confiança do Sr. Ministro, tem a confiança da Câmara, tanto lhe basta.
A comissão, pelo facto de ter sido eleita por esta Câmara tem deveres a cumprir, cumpre êsses deveres até o fim, tenha ou não tenha a confiança do Sr. Ministro, que aliás lha não negou, e, que como ha pouco disse, exprimiu toda a sua consideração pela comissão.
Portanto, Sr. Presidente, não há motivo para que a comissão deixe de levar até o fim a sua missão parlamentar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: por parte da minoria católica congratulo-me pela desistência do pedido de renúncia da comissão de legislação civil e comercial, e congratulo-me com êsse facto, não só porque essa comissão tem a absoluta confiança e merece a mais completa consideração dêste lado da Câmara, mas ainda porque, quaisquer que sejam as atitudes do Poder Executivo, essa comissão, continuando no desempenho das suas funções,
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não faz senão afirmar a autonomia do Poder Legislativo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Santos Barriga: — Sr. Presidente: em meu nome pessoal e no dos Srs. Deputados independentes reiteramos a nossa confiança à comissão de legislação civil e comercial.
As comissões não têm nada com o Poder Executivo, por conseqüência, mesmo que não tenham a confiança dos Srs. Ministros, entendo que elas devem manter-se nos seus lugares.
Nestas condições, Sr. Presidente, parece-me que a comissão de legislação civil e comercial nada mais tem a fazer do que desistir do seu pedido de renúncia.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: ouvi as considerações feitas pelo Sr. presidente da comissão de legislação civil e comercial, e desculpe-me S. Exa. que lhe diga que estou em desacordo com parte delas.
Não posso aceitar como boa semelhante doutrina, porque entendo que as comissões não necessitam da confiança dos Srs. Ministros, os Srs. Ministros é que precisam da confiança do todos nós.
Nestas condições, para que fique definitivamente bem esclarecida que é à Câmara que compete depositar confiança nas comissões, envio para a Mesa a seguinte:
Moção
A Câmara dos Deputados, inteiramente solidária com a atitude da sua comissão de legislação civil o comercial, e lamentando que o Sr. Ministro da Justiça tivesse precipitadamente pronunciado palavras que aquela comissão reputou injustas, resolve rejeitar o pedido de renúncia apresentado pela mesma comissão.
Lisboa, 19 de Junho de 1924. — O Deputado, Francisco Cruz.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: deu-se um equívoco entro o Sr. Ministro da Justiça e a comissão de legislação civil e comercial ou mais especificadamente entre o Sr. Ministro da Justiça e o Sr. Relator, encarregado de dar parecer sôbre a proposta vinda do Senado, respeitante à lei do inquilinato.
A comissão de legislação civil e comercial pensou tomar determinada atitude, fez a declaração da sua atitude perante a Câmara e a Câmara, a quem interessa o bom funcionamento das suas comissões, diante do bem ou mal querer do Poder Executivo para com elas, reiterou toda a sua confiança à comissão.
Mas, na parte em que propriamente se deu o equívoco há esta atitude do Sr. Ministro da Justiça que vem perante o Parlamento e directamente à comissão visada, dizer que não teve o intuito de a diminuir, de a ofender.
Pareceu-me, realmente, durante algum tempo, que o Sr. Ministro, ao fazer as. suas considerações, queria excluir delas o Sr. Relator em questão, mas se isso parecia ser intenção de S. Exa., essa intenção desvaneceu-se depois das suas próprias palavras produzidas nesta Câmara, em que declara ao Sr. presidente da comissão que tenha a maior consideração, tanto por S. Exa. como pelos domais membros dessa comissão.
Desde que o Sr. Ministro da Justiça disse que não acusava os membros da comissão de fazerem política, não é possível excluir das suas palavras o Sr. relator nem os mais membros dessa comissão.
Vozes: — Não ouvimos isso.
O Orador: — S. Exa. disse mais no final do seu discurso que tinha toda a consideração pelo Sr. relator e demais membros da comissão.
Vozes na direita: — Não ouvimos isso.
O Orador: — V. Exas. não costumam ouvir bem porque não querem dar atenção.
O Lopes Cardoso: — Protesto.
Sussurro.
O Orador: — É uma habilidade de V. Exas.
No meu espírito levanta-se uma dúvida. Não me parece que num assunto desta natureza, e usando-se da palavra para explicações, seja admissível o enviar-se para
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a Mesa uma moção sôbre o assunto. Por isso ponho êste ponto à consideração de V. Exa.
Pode ser admitida esta moção?
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Parece-me que o artigo 109.° é claro. Não se trata evidentemente de um debate. É um incidente levantado nesta altura.
A Mesa não pode deixar de admitir a moção, embora não esteja nos precisos termos, por isso que lhe falta esta expressão: passa ou continua na ordem do dia».
O Sr. Almeida Ribeiro: — A moção do Sr. Francisco Cruz está compreendida em alguma das alíneas do artigo 109.°?
O Sr. Presidente: — Sim, senhor.
O Sr. Cunha Leal: — Se não há maneira de transformar em documento uma moção completa sem as palavras «passa à ordem do dia», faço minha essa proposta, acrescentando-lhe essas palavras e assim a moção torna-se perfeitamente admissível. Nêste caso, não há habilidade, por muito que o Sr. Carlos Pereira possa ter querido falar em habilidade. Porém, devo dizer que prefiro ser hábil a ser inábil.
Não se compreende como S. Exa. pode ver grande habilidade num caso em que a Câmara tinha que manifestar o seu pensamento, aprovando ou rejeitando.
As afirmações de S. Exa. podem ser muito hábeis, como as do Sr. Almeida Ribeiro, mas são individuais e a única maneira de a Câmara dizer o seu pensamento é exprimir o seu voto sôbre qualquer documento.
Parece-me que não é uma questão de habilidade o que nós fizemos propondo uma moção.
Àparte do Sr. Carlos Pereira que não se ouviu.
Trocam-se àpartes.
O Orador: — A oposição dêste lado não praticou qualquer habilidade e só aproveitou, como é natural, uma oportunidade que se apresentava para provar a inabilidade do Poder Executivo.
Isto é lógico e a oposição está no seu papel, pretendendo que se purifique o ambiente, que está pestífero, e aproveitando a inabilidade do Sr. Ministro da Justiça para mostrar que êste cansado Govêrno não pode continuar.
Àpartes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: — Como a minha moção ainda não tinha sido admitida, eu pedi à Mesa para acrescentar as palavras «passa à ordem do dia», satisfazendo assim as exigências do Regimento.
Tenho dito.
Leu-se e foi admitida a moção do Sr. Francisco Cruz.
O Sr. Jaime de Sousa: - Sr. Presidente: neste incidente que se levantou há um ponto em que todos estão de acordo, ouvidas as explicações do Sr. Ministro da Justiça e que o Sr. presidente da comissão aceita. É que a comissão é digna de toda a consideração da Câmara.
Como a moção que acaba de ser lida inclui considerações que não estão em harmonia com os factos e que dêste lado da Câmara não podem ser aceitas, vou mandar para a Mesa a seguinte
Moção
A Câmara, ouvidas as explicações do Sr. Ministro da Justiça e as do Sr. presidente das comissão de legislação civil e comercial, reitera a toda a comissão a sua confiança e passa à ordem do dia.— O Deputado, Jaime de Sousa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Leu se e foi admitida.
Posta à votação a moção do Sr. Francisco Cruz foi rejeitada.
A requerimento do Sr. Hermano de Medeiros procede-se à contraprova, sendo a moção novamente rejeitada por 40 votos e aprovada por 25.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se a moção do Sr. Jaime de Sousa.
Leu-se:
O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: considerámos que a proposta do Sr. Francisco Cruz exprimia o pensamento da Câmara
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e assim não podemos aceitar a proposta do Sr. Jaime de Sousa porque é insuficiente.
Àpartes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: não temos culpa que a moção que foi apresentada pelo Sr. Jaime de Sousa não seja clara, e assim temos de a interpretar conforme entendemos.
A moção de S. Exa. afirma que foram ouvidas as declarações do Sr. Ministro da Justiça.
É verdade.
A seguir diz que a Câmara reitera toda a sua confiança à comissão.
Assim, estabelece que quem tem razão é a comissão, em primeiro lugar, e em segundo que o Poder Executivo se subordina ao Poder Legislativo.
Por isso nós, em vista de a moção estabelecer tais ideas, damos-lhe o nosso voto.
Àpartes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa: — Os Srs. Deputados que me precederam no uso da palavra não têm razão.
Esqueceram-se que o motivo do debate é o pedido de renúncia da comissão, e que a minha moção não tinha dê se referir ao Sr. Ministro da Justiça sôbre êsse aspecto.
Reiteramos a confiança à comissão, porque foi ela que pediu a renúncia.
Tenho dito.
Àpartes.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Não temos culpa de que o Sr. Jaime de Sousa, pela sua insuficiência diplomática, tenha sido infeliz.
Nós não podemos dar às palavras a interpretação que se sonha, mas a interpretação que delas ressalta.
Não tenho, pois, de retirar o que pronunciei, entendendo dar o nosso voto à moção do Sr. Jaime de Sousa.
Foi aprovada.
O orador não reviu.
O Sr. Abranches Ferrão: — Agradeço, em nome da comissão do legislação civil e criminal, a prova de confiança dada a essa comissão.
Tratando-se dum assunto de importância extrema, como a lei do inquilinato, era natural que a comissão entendesse que não podia continuar nas suas funções depois das palavras proferidas ontem pelo Sr. Ministro da Justiça.
Feitas estas considerações, não tinha mais que dizer à Câmara senão agradecer de novo a prova de confiança que deu à comissão, e garantir-lhe que, na verdade, a comissão tem trabalhado e continua trabalhando no assunto para que êle possa brevemente ser solucionado.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Está em discussão a acta.
O Sr. Jaime de Sousa (sobre a acta): — Um jornal de hoje atribuíu-me a autoria dum requerimento em que pedia se não fizesse a discussão, na generalidade dos orçamentos; e dizia que o meu requerimento tinha sido rejeitado. Peço a V. Exa. o favor de mandar ler a acta que se refere a êsse incidente.
O Sr. Presidente: — A acta diz que V. Exa. apresentou, na verdade, um requerimento nesse sentido, mas noutro ponto diz que V. Exa. desistiu dêsse requerimento.
O Orador: — O meu requerimento não chegou, pois, a ser votado. Nestes termos, reservo-me o direito de o formular novamente no inicio da discussão de cada parecer orçamental.
Já que estou com a palavra sôbre a acta, permitam-me que declare que desejava ontem fazer referência, para que ficasse na acta, ao aniversário da chegada ao Rio de Janeiro de Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
Êsse acto não pode deixar de ser recordado pela Câmara.
Já passaram dois anos e êsse feito ainda se não apagou do nosso espírito.
Êsses dois heróicos aviadores fizeram o que ainda ninguém tinha feito e ainda se não fez depois deles. Ainda ninguém mais o tentou.
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No dia de hoje, portanto, em que vivemos em ansiedade à espera da notícia da chegada a Macau doutros nossos aviadores que empreenderam uma viagem não menos gloriosa, proponho que estas palavras de comemoração desta data fiquem consignadas na acta.
É aprovada a acta.
O Sr. Presidente: — Continuam em discussão as propostas de emenda vindas do Senado sôbre o empréstimo de Moçambique.
Tem a palavra o Sr. Jaime de Sousa.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: depois dum discurso pronunciado pelo Sr. Cancela de Abreu sôbre a proposta de empréstimo para Moçambique, poderia supor-se que iria nesta altura acompanhar o ilustre Deputado com todas as suas considerações. Não reincidirei no propósito de responder ao Sr. Cancela de Abreu nos mesmos termos, porque °não tenho o intuito de fazer obstrucionismo nesta questão.
Não apoiado do Sr. Cancela de Abreu.
Não estamos fazendo uma discussão na generalidade; simplesmente nos compete a apreciação de emendas que vieram da outra casa do Parlamento, e portanto temos de fazer apenas declarações de voto, aceitando ou rejeitando essas emendas.
O Sr. Cancela de Abreu aproveitou o ensejo para voltar a fazer uma larga apreciação, que só por ocasião de se discutir na generalidade teria cabimento.
Não se trata da minuta a que o Sr. Cancela de Abreu se referiu, que não está agora em causa.
Já tive ensejo de mostrar a V. Exa. e à Câmara que não concordava de modo algum com essa minuta de contrato, como êsses termos não eram de receber, como as suas bases nunca poderiam servir para se fazer uma boa discussão, quanto mais para se assentar definitivamente nas bases duma proposta para autorizar â província a contrair um empréstimo.
Declaro novamente que e«sas bases não são de receber, que eu não assinaria nenhum contrato nessas condições e não vejo ninguém que fôsse capaz de o assinar.
É certo que as negociações tinham forçosamente de referir-se à apresentação dessa minuta por parte do possível empreiteiro, mas, desde que a. Câmara dos Deputados aprove as emendas vindas do Senado, desde que o Parlamento da República autorize a província de Moçambique a contrair empréstimos, é minha convicção que novas bases têm de ser apresentadas por qualquer das duas partes e examinadas pela outra parte devidamente, fazendo-se mesmo qualquer cousa muito diferente a favor de Moçambique, porque a minuta primitiva não pode de nenhuma maneira ser aceita pelo Govêrno Português.
Dito isto deve ficar tranqüilo o Sr. Cancela de Abreu, porque não é só opinião minha mas de quási todas as pessoas com quem tenho trocado impressões que novas bases têm de formular-se.
Sr. Presidente: eu não concordo inteiramente com a emenda feita no Senado-e destinada a substituir o artigo 2.° que foi desta Câmara.
A redacção feita pela outra casa do Parlamento baseou-se em dados, em algarismos que não são exactos, porque foram assentes em estatísticas que só estavam exactas do 1918 a 1920.
Sôbre esta estatística é que assentam os dados daqueles que se manifestam sôbre êste assunto e que no Senado serviram de base a reduzir de 7.000:000 para 4.000:000 a possibilidade do empréstimo da província de Moçambique. Depois dessa data a província de Moçambique tem vindo constantemente a alterar a sua receita por forma a que nos anos seguintes o número representativa das verbas aplicadas a melhoramentos tem sido muito superior ao dos anos de 1918-1919.
Portanto, Sr. Presidente, se razão tinham aqueles parlamentares que na outra casa do Parlamento tanto insistiram para que fossem reduzidos os 7.000:000 de libras, razão tenho eu para afirmar que a província de Moçambique tem disponibilidades bastantes para, sem grande sacrifício, poder manter o empréstimo de 7.000:000 de libras.
Apesar disto, Sr. Presidente, somos levados a aceitar a emenda do Senado ao artigo 2.° da proposta porque não é lícito fazer esperar uma colónia que deseja fazer um empréstimo para o seu desenvol-
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vimento económico, levando-a a adiar melhoramentos já começados e cujo adiamento iria causar grandes prejuízos económicos.
É simplesmente devido a essa urgência que nós somos levados a aprovar a emenda do Senado.
A propósito ainda de outras considerações feitas pelo Sr. Cancela de Abreu, direi, relativamente à fiscalização que S. Exa. insiste em que deve ser feita por terceiro, que no § 1.° do artigo 7.° estão tomadas disposições que acautelam todas as eventualidades.
Desde que taxativamente fique exarado na lei que nenhuma fiscalização, além da que é ali fixada, será permitida, é inútil insistir em qualquer côntrole por parte do estrangeiro, porque êsse côntrole só a portugueses pode ser cometido e só à província de Moçambique pode pertencer.
Àparte do Sr. Cancela de Abreu.
O Orador: — Não é possível supor que a província na aplicação do empréstimo de que tanto necessita para o desenvolvimento dos seus elementos económicos, deixe de exercer todo o rigor da sua fiscalização...
O Sr. Presidente: — Deu a hora de se passar à segunda parte da ordem do dia.
O Orador: — Nesse caso, peço a V. Exa. para me reservar a palavra para amanhã.
O orador não reviu.
Passa-se à segunda parte da ordem do dia, discussão do parecer sôbre o orçamento do Ministério da Instrução.
O Sr. Alberto Jordão: — Sr. Presidente: reatando as considerações que eu vinha fazendo a propósito do parecer referente ao orçamento do Ministério da Instrução, apraz-me declarar antes de mais nada, que, muito embora eu me possa referir a certos factos de que me ocupo por uma forma um tanto incisiva, eu excluo sempre a idea de ofensa a quem quer que seja que se possa supor em causa.
Quando eu quiser ofender, sei quais são as normas que, para tal, um homem de bem deve seguir.
Eu tinha dito que o Sr. relator não tinha sido, talvez, muito feliz nas referências feitas à sanidade escolar. Não concorda o Sr. Tavares Ferreira com a actual organização dêsses serviços.
Parece-me que o processo actualmente em vigor é bom melhor do que aquele que existia antigamente. Devo notar que as juntas delegadas foram criadas em 1920, pelo decreto n.° 6:849 de Agosto dêsse ano, e que, por isso, a essas juntas não cabem quaisquer responsabilidades senão depois da sua criação.
Vê, portanto, o Sr. relator que em 1918 houve apenas 21 processos apreciados pela inspecção de sanidade.
Quere isso dizer que foram concedidas tam somente essas licenças?
Evidentemente, não; foram concedidas muitas outras e foram-no até com grande facilidade.
No emtanto, à inspecção de sanidade cabo apenas a responsabilidade dessas 21 licenças.
Há um facto narrado pelo Sr. relator para o qual eu chamo a atenção da Câmara.
Conta S. Exa. que em determinada escola primária existe um professor que é cego, e que apesar disso vem de há muito exercendo a sua profissão de mestre.
Quando êsse professor atingiu o limite de idade, foi mandado apresentar à inspecção, possivelmente para efeitos de reforma...
O Sr. Tavares Ferreira: — Quando se atinge o limite de idade, não se Vai à inspecção apenas para efeitos de reforma, vai-se também para se saber se o inspeccionado está ou não em condições de continuar a exercer as suas funções.
O Orador: — Mas a comissão examinou o professor e respondeu por forma que o Sr. relator entende que é contrária à opinião da junta.
Eu digo ao Sr. Tavares Ferreira que o não é.
O professor de que se trata é o Sr. Lobo Miranda; foi nomeado já cego, porque é cego de nascença.
Não houve realmente alteração nas condições físicas dêsse professor, como disse muito bem a junta médica, e se êle até
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certa altura tem sido julgado apto para desempenhar a sua função, desde que o seu estado físico se não modificou, não há razão para que não possa continuar ao serviço.
Quere-me parecer que o Sr. relator tem muito a falar da sanidade escolar.
O Sr. Tavares Ferreira apontou defeitos com um certo exagero, certamente animado das melhores intenções; mas não indicou a forma de os corrigir.
É mais fácil criticar do que emendar.
Com respeito às licenças, estamos absolutamente de acordo em que o regime existente é inconvenientíssimo.
Nós devíamos propor a desaparição da licença de trinta dias a que os professores têm direito, sem qualquer motivo, porque nós temos férias, ao passo que os outros funcionários não as têm.
Quanto às sindicâncias, é certo que no ensino primário tem havido o uso e o abuso dêsse sistema de fiscalização que certos acontecimentos determinam; todavia nos outros ensinos não se dá êste exagero.
Interrupção do Sr. Tavares Ferreira, que não se ouviu.
O Orador: — Sim.
Muitas sindicâncias se têm arrastado. Acêrca de economias, eu desejaria saber quais são as que poderemos fazer sem prejuízo do ensino.
Apenas pelo que respeita ao ensino secundário encontro duas verbas que poriam suprimir-se: as gratificações atribuídas aos professores do ensino secundário por virtude da direcção de classe e a gratificação especial concedida aos directores de gabinete.
Não encontro outras economias a fazer no ensino secundário.
Sr. Presidente: há um certo número de defeitos na nossa organização do ensino, que é preciso que acabem.
Assim, por exemplo, eu chamo a atenção do Sr. relator para o facto de haver vários professores que vêm a Lisboa para freqüentar cursos de aperfeiçoamento, que aqui se mantêm até as férias e que nas férias passam a apresentar-se ao serviço para nada fazerem e receberem os seus vencimentos.
Isto é uma imoralidade.
Pouco mais tenho a acrescentar, Sr. Presidente, às considerações que produzi.
Em todo o caso, como disse há pouco, o Sr. relator tem manifestado a febre da sanidade escolar, e por isso atrevo-me a pedir ao Sr. Ministro da Instrução a fineza de atender um pedido que vou fazer-lhe.
O Sr. Tavares Ferreira não concorda com o facto de se arbitrar anualmente uma gratificação aos médicos escolares que fazem serviço nos liceus.
Sr. Presidente: acho que isto não pode ser, e, para que a Câmara saiba quais são as funções que o médico exerce, eu vou citá-las.
No princípio de cada ano lectivo tem o serviço de mensuração dos alunos, trabalho bastante demorado, e de que êle vai tomando os devidos apontamentos para o relatório que apresenta no fim do ano.
Acompanha os trabalhos de distribuição dos alunos pélas várias aulas, indicando, de acordo com o director da classe, o lugar que os alunos devem ter, por virtude de defeito auditivo, visual, etc.
Interrupção do Sr. Tavares Ferreira que não se ouviu.
O Orador: — Faz parte da junta que examina os alunos que requerem dispensa de freqüentar a aula de gimnástica, e no fim do ano tem de colhêr novos apontamentos para a confecção do relatório que é obrigado a apresentar.
No liceu que tenho a honra de dirigir são êstes os trabalhos que competem ao médico escolar, e os seus relatórios têm merecido as melhores referências por parte da repartição competente.
Pois, Sr. Presidente, apesar dêste trabalho, e de ter ainda de pagar a quem lhe dactilografe o relatório, recebe apenas 300$ a 400$ por ano.
É na verdade uma quantia irrisória.
Se á intenção do Sr. Tavares Ferreira é tirar esta gratificação, eu desde já lavro o meu mais veemente protesto.
O Sr. Tavares Ferreira (interrompendo): — Mas a gratificação a que eu faço referência é de outra natureza.
O Orador: — Não sei de que outra natureza sejam as gratificações, mas, para
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o ponto a que acabei de fazer referência, chamo a atenção do Sr. Ministro da Instrução, porque se esta gratificação fôr cortada não haverá médico nenhum que queira desempenhar aqueles serviços.
Interrupção do Sr. Tavares Ferreira que se não ouviu.
O Orador: — Sr. Presidente; nós não podemos ser de um radicalismo extremo, porque, então caímos na injustiça, e de futuro, quando aos liceus forem enviadas instruções para serem remetidos à repartição respectiva os relatórios médicos escolares, elas não podem ter execução, porque não há médicos.
Aproveito o ensejo, para preguntar ao Sr. relator que verba é esta para fardamentos.
Se é para o pessoal da Universidade Livre, eu insurjo-me contra isso.
O Sr. Tavares Ferreira {interrompendo): — Essa verba é para fardamentos ao pessoal menor que faz serviço no Ministério.
O Orador: — Eu julgava que era para o da Universidade Livre.
Sr. Presidente: o Sr. Tavares Ferreira termina o seu. parecer, pró domo sua, incluindo 20 contos para a cantina da escola feminina de Santarém.
Acho uma verba exagerada.
Aproveito ainda a ocasião para pedir ao Sr. Ministro da Instrução, a fineza de ver se é possível providenciar, para que sejam pagas aos fornecedores da Escola de Bemfica, as importâncias de fornecimentos feitos, e de que há cêrca de 5 anos estão desembolsados.
Isto é uma vergonha.
Abusando ainda da paciência do Sr. Ministro e do Sr. relator, e visto que se trata- agora de uma questão comercial, devo lembrar a S. Exa. que desde Janeiro último, nos estabelecimentos de ensino secundário, não são recebidos duodécimos respectivos para -as despesas ordinárias.
V. Exa., Sr. Ministro, não calcula as dificuldades com que êsses estabelecimentos estão a lutar. Positivamente, êles estão entrando no regime do calote. Os fornecedores aparecem a todos os momentos e é uma vergonha que não se lhes pague.
Agradeço a V. Exa. se êstes meus pedidos puderem ter deferimento, e para terminar agradeço ao Sr. Ministro e ao Sr. relator a atenção com que me ouviram.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ferreira de Mira: — A discussão do Orçamento vai-se tornando de cada vez menos profícua, à medida que o Parlamento se vai desinteressando, em proveito do Poder Executivo, dos trabalhos de mais responsabilidade.
Desde que a nós, parlamentares, é vedado propor aumentos de despesas, por efeito da lei-travão, e desde que, por uma segunda lei-travão, foi autorizado o Govêrno a não cumprir quaisquer novas leis, quando acarretem aumentos de despesa, com os quais o Poder Executivo não concorde, não há utilidade em que os Deputados formulem considerações tendentes a ampliar a dotação de qualquer serviço público, por maior que seja o valor das razões apresentadas.
Ficar-nos-ia ainda a iniciativa de deminuição de despesas; mas quanto a estas, temos de distinguir as referentes a material e as referentes a pessoal.
Ora quanto a pessoal, devemos notar que as propostas de extinção de lugares, ou deminuição de ordenados ou outras regalias que por lei estejam gozando quaisquer funcionários, devem ser, feitas, não durante a discussão do Orçamento, mas em projecto de lei especial que seja previamente submetido à apreciação das comissões desta Câmara.
Resta-nos a possibilidade de propor reduções nas verbas consignadas à aquisição de material, mas e«tas são já deficientíssimas pelo que respeita ao orçamento do Ministério da Instrução.
Não é, pois, como disse, de grande utilidade a discussão dêste orçamento, tal como vamos fazê-la.
Sr. Presidente: — Não creio que o remédio para tal situação seja não discutir, dando por bem feito tudo o que aprouver ao Poder Executivo. O remédio tem de ser o regresso ao são e verdadeiro regime parlamentar, de que estamos já tam afastados.
Sr. Presidente: temos de discutir um, orçamento e um parecer, e porque êste
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deve ser a explicação, justificação ou alteração do primeiro, começarei pelo parecer.
Já o meu ilustre colega, Sr. Alberto Jordão, se referiu com a devida insistência, ao que se pode chamar a insuficiência do parecer. Não se alude nele àqueles grandes problemas cuja apreciação deve constituir como que a parte geral de um trabalho desta ordem e marcar orientação, mostrando as qualidades do seu autor, as faculdades que tenha de ver em conjunto as questões submetidas à sua análise.
O ilustre relator do parecer consagra as poucas páginas, dêsse documento a cousas de mínimo interêsse. São somente as missões de estudo, as inspecções sanitárias, as sindicâncias.
Incidentalmente devo afirmar que essas missões de estudo são tudo que há de mais útil. Põem os professores em contacto com os seus colegas estrangeiros, sem pedir ao Estado qualquer remuneração, tanto mais que é costume realizar essas curtas viagens em tempo de férias. Ao Estado apenas se pede aquele passaporte que, dando ao seu possuidor categoria de comissionado pelo Govêrno, se acredita, no estrangeiro, como pessoa, que é alguém no seu país.
Não me parece, pois, que mereçam êsses professores uma tam grave acusação, em um documento grave e sério como deve ser o parecer orçamental.
Mas que assim se não pense, em todo o caso outros problemas de maior importância haveria a tratar, a que se não fez qualquer alusão. Como se o elaborasse à pressa, como se o fizesse por demais, o ilustre relator nem quis documentar determinadas afirmações que dessa documentação careciam, nem quis cuidar da redacção do parecer com o esmero literário que deve exigir-se em trabalhos desta ordem.
Há nessa redacção deslizes que, sem constituírem erros gramaticais, são pelo menos exemplos daquela linguagem simples, descuidada, que nós podemos ter verbalmente, ou em cartas familiares, mas que não são próprios de documentos desta importância.
Citarei, Sr. Presidente, um único exemplo: a frase constante do parecer «substituam-se as palavras do entre parêntesis».
Não é verdade que esta forma não-devia o ilustre relator empregá-la em documento desta ordem?
Que escreveu sôbre o joelho? Que não deu a importância devida ao trabalho que tomou a seu cargo?
Quanto à parte documental, também apenas referirei um exemplo para não fatigar quem me dá a honra de me ouvir.
Veja-se a questão dos assistentes.
O ilustre relator tinha afiado o cutelo para degolar alguns primeiros assistentes mas não pôde fazê-lo, porque — cousa estranha! — o Poder Executivo está autorizado a suprimir todos êsses lugares, mas o Legislativo não tem faculdades para tanto, durante a discussão do Orçamento, como já demonstrou no início das minhas considerações. Notou o ilustre relator que os primeiros assistentes eram de nomeação vitalícia, e assim se voltou contra os segundos assistentes, que têm nomeação por contrato anual.
Era necessário imolar vítimas, nas aras da economia, e o Sr. relator sacrificou, uns tantos segundos assistentes.
Procedeu assim como qualquer amanuense e não como pessoa especializada em matéria de instrução, que só dispensaria funcionários docentes, tendo em vista e apresentando as razões por que-eles podiam ser dispensados. Não nos diz o ilustre relator a que estados procedeu quais as informações colhidas, como, emfim, chegou a convencer-se de que as Faculdades de Direito e de Medicina ou outras quaisquer podiam deixar de ter tantos assistentes, sem prejuízos para o ensino. Assim todos ficamos desconhecendo se S. Exa. tem ou não razão.
Não devo deixar de dizer que o critério dos cortes me parece ter de assentar em bases diferentes, fugindo a cair na confusão natural, entre os primeiros ft segundos assistentes, que deriva da denominação oficial que lhes é dada.
Quando, implantada a República, se reformou o ensino universitário, criaram-se três graus de pessoal docente, indo do segundo ao primeiro assistente, e dêste ao professor ordinário. É mau fazer tábua rasa do passado, de ânimo leve; e assim, dentro em pouco, conservando-se os mesmos nomes, modificou-se consideràvelmente a legislação. Hoje é fácil de
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ver que há duas classes de pessoal docente, uma delas composta dos professores ordinários e primeiros assistentes, que têm, uns e outros, funções docentes superiores, e out^a composta de segundos assistentes com funções docentes auxiliares. Tanto difere hoje o cargo de primeiro do de segundo assistente, que, não só pelas funções que exercem, mas até pelo processo de recrutamento fatalmente se distinguem.
Ora tratando de economias por extinção de lugares, eu posso dizer, Sr. Presidente, que em várias Faculdades é perfeitamente dispensável um certo número de primeiros assistentes, e ninguém levará a mal, nem essas mesmas Faculdades, que o Govêrno realmente extinga alguns dêsses cargos; porém, no que diz respeito aos segundos assistentes, é que eu não sei, francamente se as nossas Faculdades poderão dispensar o pessoal docente auxiliar que o ilustre relator sacrifica, tanto mais que de ano para ano se nota o aumento de estudantes universitários. Em todo o caso, procedeu o ilustre relator a estudos prévios? Ouviu oficialmente as Faculdades interessadas? Ouviu particularmente quaisquer professores? Se o fez, isso não consta do curto parecer que elaborou.
Sr. Presidente: creio ter dito sôbre o parecer o bastante para demonstrar, com a devida vénia ao Sr. relator, que o documento que S. Exa. nos apresentou-lhe deveria ter merecido mais algum tempo de estudo e maior atenção. Permita-me agora a Câmara que acrescente algumas palavras sôbre o próprio orçamento.
Há, Sr. Presidente, economias possíveis, por pequenas que sejam, não fazendo eu propostas pelos motivos que já declarei. Veja-se a verba destinada a um redactor informador, funcionário que, como já disse no ano passado, bem pode o país dispensar. Dir-me hão que o redactor-informador receberá da mesma forma o seu ordenado como funcionário adido e que não haverá, portanto, qualquer economia. Mas se isso é objecção, a mesma há que fazer à maior parte de medidas de economia tomadas e celebradas pelo Govêrno, quando suprime lugares que estão preenchidos. Ficará adido o redactor-informador? Pois talvez o Estado, possa utilizar-lhe os serviços em outros trabalhos compatíveis com as suas habilitações.
O mesmo se dá, Sr. Presidente, com o inspector das escolas móveis. As escolas fixas e móveis deviam estar subordinadas à -mesma inspecção. Tomando para unidade do serviço de instrução popular o concelho, cada um dêstes teria um certo número de escolas fixas e uma ou mais escolas móveis, conforme as suas necessidades, ensinando agora em um pequeno núcleo de população, daí a meses em outro.
Esta opinião não é descoberta minha; faz-se isso em muitas partes, particularmente na Noruega.
E por que razão não hão-de fiscalizar as escolas móveis os mesmos homens que o Estado considera aptos para fiscalizarem as escolas fixas, sendo que umas e outras ensinam pelos mesmos programas?
Também não sei para que há um inspector de gimnástica.
Conheço o meio em que vivo e por isso me apresso a declarar que ignoro quem, sejam os indivíduos que exercem as funções do inspector das escolas móveis, de inspector de gimnástica e de redactor-informador do Ministério da instrução.
Mas, continuando, e referentemente ao inspector de gimnástica, creio que é preciso arrepiar caminho sôbre esta mania de querer considerar, em questões de educação, principalmente e acima de tudo, a educação física. Realmente é ainda útil que cada cidadão possa ter braço capaz de pegar numa espada, se bem que já se não combata à arma branca; mas é necessário não esquecer que desde longos séculos é o cérebro que domina e que por êle se governam os homens.
Por que razão há-de haver tanto cuidado pela gimnástica e tam pouco pelo que constitui alimento cerebral?
4 Por que razão há-de haver um inspector privativo de gimnástica e não também um de matemática, de poesia, de desenho?
Não compreendo mesmo que um inspector de gimnástica sirva de qualquer cousa, tendo de exercer função por todas as escolas do país, nem que, se essa inspecção é útil, ela se realize somente para o pequeno número de escolas que um único inspector possa atender.
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Sr. Presidente: êste orçamento necessitava, não de deminuição, mas de reforço de verba.
Apoiados.
Está nas comissões de instrução desta Câmara um projecto de reforma do ensino desde o mais baixo, e digo mais baixo por se destinar às crianças de menos idade, até o ensino superior geral e especializado.
Ainda outras reformas têm sido projectadas, mas em todas elas, as que vingaram e as que não passaram de projectos, só faz trabalho com base, não das possibilidades do momento, mas dum ideal que cada qual formou por pensamento ou por leitura sôbre o que deviam ser os vários graus e formas de ensino.
Assim, não é compreensível que se lancem alicerces para escolas maternais e para escolas superiores, estando a cair em ruínas os edifícios das escolas do ensino primário geral. Não há muito tempo que foram fechadas, numa terra do Alentejo, as quatro escolas que lá havia, porque os edifícios ameaçavam ruína. Tinham sido construídos a expensas da câmara municipal; mas desde que, por lei, a câmara municipal os tinha entregue ao Estado, não mais êsses edifícios tiveram o menor conserto.
Não há muito tempo me afirmaram também que dum círculo escolar, creio que no de Penafiel, tinham sido fechadas pelos mesmos motivos dezanove escolas. E a verdade, Sr. Presidente, é que muitas fecham, mas que é também lamentável o estado da maior parte das que se não fecharam.
O primeiro cuidado que deveriam ter, tanto o Poder Executivo como o Legislativo, de funções hoje tam confundidas, seria tratar a sério dêste assunto, não pensar em edifícios modelos, mas pôr os que o Estado possui em razoáveis condições de segurança e de higiene. Lamento que S. Exa. o Ministro não consignasse verba conveniente no orçamento para êsse fim.
Um outro assunto que merece atenção é o referente à inspecção do ensino primário, que se não fez, estando reduzida a função do inspector à dum empregado de carteira.
Mas neste caso o serviço é inútil, e melhor seria que fôsse feito no Terreiro do
Paço, onde o correio pode levar todos os papéis que se remetam das diterentes escolas do país.
Não se fazem as inspecções a contento ou com desprazer dos inspectores, porque é exígua a verba para 6sse fim destinada.
Vejo também, Sr. Presidente, que continuam em orçamento as costumadas dotações para as escolas primárias superiores. Pois bem; permita-se-me afirmar que devam ser fechadas ou extintas todas aquelas escolas que não têm ou quási não têm alunos, nem edifício ou material didáctico, e transformar-se as restantes de modo a torná-las verdadeiramente úteis. É preciso que elas ministrem um ensino, de modo nenhum liceal, mas que sendo complementar do ensino literário — chamemos-lhe assim — seja ao mesmo tempo um começo de ensino técnico, conforme as várias regiões em que é ministrado. Mas não é isto assunto que deva tratar-se desenvolvidamente neste momento.
O Sr. Ministro da Instrução tomou a medida de tirar a alguns liceus um curso complementar. Em princípio e se tivesse de legislar fazendo tábua raza de tudo que há feito, eu teria, na verdade, colocado o curso complementar, tanto de sciências como de letras, unicamente em Lisboa, Pôrto e Coimbra, isto ó, nas cidades onde existem as escolas de ensino superior.
O nosso ensino liceal divide-se, como é sabido, em duas partes, sendo a parte geral a que cabo a todo o cidadão português que pode e quere ir além da instrução primária, e é para todos a base da nossa educação. O ensino complementar de sciências ou letras é já um preparatório para determinados estudos superiores. E como as escolas superiores só realmente existem em Lisboa, Pôrto e Coimbra, não seria demais exigir que os futuros alunos dessas escolas passassem para qualquer daquelas três cidades dois anos mais cedo.
Devo dizer que se tivesse a honra de ocupar o lugar de Ministro da Instrução, não proporia hoje o que teria feito se estivesse escrevendo sôbre lousa, onde se não tivessem já gravado traços. Neste momento, liceus há com seu material, com seus professores e com bastantes alunos, e a todas essas criações é necessário atender.
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Se faço estas considerações a propósito do orçamento, é porque S. Exa., o Ministro, consagra uma verba demasiadamente pequena para compra de material para os liceus. É ela maior, em escudos, do que a votada no ano passado, mas fica ainda bem longe das necessidades que tem êsses liceus. A não ser que sejam tantos os cursos complementares suprimidos, que a cada liceu dos que os mantêm venha a caber uma verba sensivelmente maior.
Esta atenuante que pode existir para os liceus, não existe porém, para os cursos superiores, em que as verbas designadas para material, são, realmente, insuficientes.
Segundo o espírito e letra da nossa legislação devem essas verbas bastar não só para satisfazer a despesas com os serviços docentes, mas também a despesas com trabalhos de investigação scientífica. Ora, presentemente, as verbas designadas para material não chegam para que o serviço docente seja feito como deve ser, e não há, portanto, sobejos para trabalhos de investigação. Isto, Sr. Presidente, é lamentável!
Nós, em matéria de ensino superior, a partir de 1911, entrámos num período de desenvolvimento notável, a que correspondeu uma actividade interessante nos domínios da investigação scientífica. Poderia citar à Câmara vários estudos publicados em Portugal e ainda em revistas francesas, inglesas, alemãs, belgas, norte-americanas, constituindo um agrupamento de valor que é, em toda a parte, reconhecido.
Hoje, com as exíguas dotações orçamentais, não é só a investigação scientífica que se torna impossível; é também o ensino pratico que perdeu. A Câmara ajuizará pelos seguintes números:
No ano anterior as dotações para material atribuídas às diferentes Universidades eram as seguintes, números redondos:
Para a Universidade de Coimbra, 280 contos;
Para a Universidade de Lisboa, 322 contos;
Para a Universidade do Pôrto, 298 contos.
Na proposta orçamental dêste ano as dotações são as seguintes:
Para a Universidade de Coimbra, 320 contos;
Para a Universidade de Lisboa, 367 contos;
Para a Universidade do Pôrto, 326 contos.
Assim se aumentaram, na verdade, as verbas.
Mas atendendo a que no ano decorrido o escudo se foi desvalorizando, que o valor da libra era no ano passado do 100$, e é presentemente de 150$, fàcilmente se vê como a verba que agora se propõe, sendo numericamente superior à dó ano último, lhe é muitíssimo-inferior em poder aquisitivo.
Querendo votar agora verbas de valor igualas que foram votadas no ano anterior, haveria que atribuir:
A Universidade de Coimbra, 420 contos.
A Universidade de Lisboa, 483 contos.
A Universidade do Pôrto, 447 contos.
Pode dizer-se que não temos de fazer referências a uma moeda estrangeira e que a carestia dos géneros, se bem que siga o movimento cambial, nem só dele depende. Mas segue-o, em todo o caso, mais ou menos apressadamente.
E pelo que respeita à compra de material para os institutos de ensino superior, devemos notar que é de importação estrangeira a sua porção mais valiosa.
Sr. Presidente: a caminharmos por êste meio não haverá mais investigação scientífica entre nós, e não sei se isso importa aos legisladores, haverá uma grave decadência do ensino superior.
Apoiados.
Posso afirmar que lutei já neste ano com sérias dificuldades para ministrar o ensino prático no curso que rejo na Faculdade de Medicina de Lisboa, e compreendem como será inútil um ensino de química fisiológica puramente livresco. Um professor parolando de cátedra sôbre cousas que os alunos nunca vêem e em que nunca mexem.
Apoiados.
As minhas palavras não têm outro intuito que não seja o de chamar a atenção do Govêrno e da Câmara para assunto tam importante. E preciso pôr as Universidades e outros institutos em condições de realizarem convenientemente a sua
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missão. Para isso não são necessárias grandes somas, aquelas somas que pesam fortemente no orçamento do Estado. Tenho dito.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a V. Exa. consulte a Câmara sôbre se consente que a sessão seja prorrogada até que o orçamento do Ministério da Instrução seja votado na generalidade.
O Sr. Jaime de Sousa (àparte): — É interessante.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Também temos o direito de ir jantar. Os outros já foram...
O Sr. Presidente: — Tive dúvidas sôbre se poderia aceitar o requerimento do Sr. Cancela de Abreu; mas a proposta que tenho aqui na Mesa, para que as sessões terminem às 21 horas, estabelece a hipótese duma prorrogação.
Portanto, vou pôr o requerimento à votação.
É aprovado,
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
Feita a contraprova, disseram «aprovo» 16 Srs. Deputados e «rejeito» 23, verificando-se não haver número para prosseguir a sessão.
Procede-se à chamada, à qual respondem 39 Srs. Deputados, aprovando 7 e rejeitando 32,
Disseram «aprovo» os Srs.:
António Resende.
Bernardo Ferreira de Matos.
Constâncio de Oliveira.
João José Luís Damas.
João de Sousa Uva.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Paulo Cancela de Abreu.
Disseram «rejeito» os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
Ângelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Martins de Paiva. Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João de Ornelas da Silva.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Valo Sá Pereira.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
O Sr. Presidente: — Não há número. A próxima sessão é amanhã.
Ordem do dia, a de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 30 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Projecto de lei
Dos Srs. Sousa Coutinho e Velhinho Correia, tornando extensiva à Junta Geral do Distrito de Faro a doutrina do § 1.° do artigo 1.° da lei n.° 1:453, de 26 de Julho de 1923.
Para o «Diário do Governo».
Declaração de voto
Votei a única moção apresentada neste debate, por ter a Câmara de se pronun-
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ciar sôbre o ofício prematuramente enviado pelo Ministério da Guerra. Continuo, porém, sendo de parecer que:
1.° O artigo 17.° da Constituição exige prévia licença da Câmara para que, durante o período das sessões, um Deputado «seja preso». A mesma licença é indispensável para que, nesse período, um Deputado «esteja» preso, isto é, para que «continue preso» se a prisão tiver sido efectuada antes do período das sessões. Mas, em ambas as hipóteses, o artigo 17.° dispensa essa prévia autorização quando a prisão haja sido feita em flagrante delito a que corresponda pena maior.
2.° Mesmo no caso de flagrante delito, em que a prévia licença é desnecessária, a Câmara tem obrigatória intervenção quando o processo fôr levado até à pronúncia, para «então» decidir se o Deputado deve ser suspenso ou se o processo só pode seguir quando êle deixe de estar em exercício de funções.— Ferreira da Rocha.
Para a acta.
Parecer
Da Comissão Administrativa do Congresso dá República, sôbre o n.° 725-A, que determina que à Biblioteca do Congresso seja enviado um exemplar de todas as publicações custeadas ou subsidiadas pelos Ministérios e suas dependências.
Para a comissão de finanças.
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério da Instrução Pública, me seja fornecida cópia dos documentos relativos ao doutoramento de António de Azevedo Leão, sôbre que se baseou a portaria de 12 de Junho de 1924, publicada no Diário do Govêrno, n.° 318, 2.ª série, do corrente ano e da autoria do Ministério da Instrução Pública.— Pinto Barriga.
Requeiro que, pelo Ministério da Guerra me seja fornecida nota do dinheiro entregue ao adido militar de Portugal em Paris para liquidação de contas do Corpo Expedicionário Português;
Que me seja permitido consultar as contas e a administração dêsse dinheiro, feito pelo mesmo adido militar;
Que me seja dado conhecimento das funções que exercia junto do adido militar o capitão Almeida Pinheiro, dos vencimentos recebidos por êste oficial; qual a autoridade que fixou êsses vencimentos e por que verba eram êstes pagos.
Mais requeiro que me seja permitido tomar conhecimento do processo instaurado por desfalque feito por êsse oficial no valor superior a 500:000 francos e da responsabilidade do Banco Nacional Ultramarino, e se êsse Banco já entregou êsse dinheiro.
Palácio do Congresso da República, 19 dê Junho de 1924.—Lelo Portela.
Expeça-se.
O REDACTOR—Herculano Nunes.