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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.° 111
EM 26 DE JUNHO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário.— Abertura da sessão. Leitura da acta. Correspondência.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Tavares de Carvalho envia para a Mesa uma declaração de voto e dirige uma pregunta ao Sr. Ministro das Colónias sôbre a transferência de fundos das colónias para a metrópole e protesta contra o atraso no pagamento aos funcionários das colónias.
Responde-lhe o Sr. Ministradas Colónias (Mariano Martins).
O Sr. Vitorino Mealha protesta contra as violências praticadas por uma fôrça da guarda republicana, em Silves.
O Sr. Velhinho Correia ocupa-se dos mesmos factos.
O Sr. Ministro das Colónias promete transmitir ao Sr. Ministro do Interior as considerações dos Sr a. Deputados.
O Sr. Presidente anuncia que vai proceder-se à contraprova da votação do artigo 2.° das emendas do Senado ao projecto do empréstimo de Moçambique.
É aprovada a emenda do Senado.
É aprovado o § 2.° do Senado.
O Sr. Presidente anuncia que vai votar-se a moção do Sr. Ferreira da Rocha.
O Sr. Rodrigues Gaspar requere que essa moção seja dividida em duas partes.
Unam da palavra sôbre o modo de votar, os Srs. Nuno Simões, Ministro das Colónias e Ferreira da Rocha.
Usa da palavra para interrogar a Mesa o Sr. Paulo Cancela de Abreu.
Usam ainda da palavra, sôbre o modo de votar, os Srs. Rodrigues Gaspar, Ferreira da Rocha e Portugal Durão.
É aprovado o requerimento do Sr. Rodrigues Gaspar.
É aprovada a 1.ª parte da moção do Sr. Ferreira da Rocha.
João de Ornelas da Silva
É rejeitada a 2.ª parte. Efectuada a contraprova, requerida pelo Sr. Paulo Cancela de Abreu, com a invocação do § 2.º do artigo 116.° do Regimento, confirma-se a rejeição.
Usa da palavra sôbre a acta o Sr. Pereira Bastos.
É aprovada a acta.
São admitidas à discussão algumas proposições de lei.
O Sr. Abílio Marçal, em negócio urgente, manda para a Mesa uma proposta de prorrogação dos trabalhos parlamentares, pedindo para ela a urgência e dispensa do Regimento, que lhe são concedidas.
Entrando em discussão, usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva e Cunha Leal, sendo em seguida aprovada.
O Sr. Tôrres Garcia requere a discussão imediata duma emenda do Senado ao projecto de lei referente ao Caminho de Ferro do Vale do Cavado.
É aprovado.
Entrando em discussão usam da palavra os Srs. Paulo Cancela de Abreu e Nuno Simões, sendo aprovada em seguida a emenda do Senado.
O Sr. Presidente do Ministério (Álvaro de Castro) participa à Câmara a exoneração do Sr. Nuno Simões do cargo de Ministro do Comércio.
Segue-se no uso da palavra o Sr. Cunha Leal.
Volta a usar da palavra o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Cunha Leal usa da palavra sôbre a ordem e envia para a Mesa uma moção que é admitida.
O Sr. Abranches Ferrão, usando da palavra sôbre a ordem, envia para a Mesa uma moção. E admitida.
Segue-se no uso da palavra o Sr. Paulo Cancela de Abreu.
O Sr. Tavares de Carvalho requere a prorrogação da sessão até à votação das moções. É aprovado.
Usa da palavra o Sr. Velhinho Correia que envia para a Mesa uma moção que é admitida.
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Segue-se no uso da palavra o Sr. Tôrres Garcia que envia, uma moção para a Mesa. E lida e admitida.
Em seguida é dada a palavra ao Sr. Carvalho da Silva que lê a sua moção. É admitida.
Sôbre a ordem fala o Sr. Dinis da Fonseca, que lê a sua moção. Lida e admitida.
Segue-se o Sr. Vasco Borges que apresenta a sua moção É admitida.
Responde-lhes o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Jaime de Sousa usando da palavra manda para a Mesa a sua moção. É lida e admitida.
O Sr. Carlos Olavo manda para a Mesa a sua moção. É lida e admitida.
Fala o Sr. Vitorino Guimarães que apresenta uma moção que é lida e admitida.
Usam em seguida da palavra os Srs. Nuno Simões, Carlos Pereira e Francisco Crus.
O Sr. Abranches Ferrão pede a r substituição de algumas palavras da sua moção. É aprovado.
O Sr. Abílio Marçal requere a prioridade para a moção do Sr. Carlos Olavo.
O Sr. Cunha Leal pregunta ao Sr. Presidente do Ministério quais as moções que aceita. Responde-lhe o Sr. Presidente do Ministério.
É aprovado o requerimento do Sr. Abílio Marçal.
Lida a moção do Sr. Carlos Olavo, é rejeitada.
O Sr. Velhinho Correia requere a contraprova e invoca o Regimento.
É rejeitada a moção por 33 votos contra 31.
É aprovada a prioridade para a moção do Sr. Vitorino Guimarães.
O Sr. Carvalho da Silva usa da palavra sôbre o modo de votar.
É aprovada a moção.
Os Srs. Velhinho Correia, Vasco Borges e Tôrres Garcia requerem a retirada das suas moções. Idêntico pedido faz o Sr. Jaime de Sousa. São atendidos.
Lida a moção do Sr. Cunha Leal, o Sr. Carvalho da Silvia usa da palavra sôbre o modo de votar. É rejeitada a moção.
É rejeitada a moção do Sr. Abranches Ferrão.
É rejeitada a moção do Sr. Carvalho da Silva.
É rejeitada a moção do Sr. Dinis da Fonseca.
O Sr. Presidente do Ministério declara à Câmara que dará conta ao Sr. Presidente da República das resoluções parlamentares; e o Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão às 15 horas e 20 minutos.
Presentes 48 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 37 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Lelo Portela.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António de Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Carvalho dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
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Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado Freitas.
Delfim Costa.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
João Pereira Bastos.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Cortês dos Santos.
Lourenço Correia Gomes.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Tomás de Sousa Rosa.
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto,
António de Paiva Gomes.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Augusto Pereira Nobre.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Ernesto Carneiro Franco.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João Luís Ricardo.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
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4 Diário da Câmara dos Deputados
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
O Sr. Presidente (às 15 horas e 20 minutos).— Estão presentes 48 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Leu-se a acta e o seguinte
Expediente
Ofícios
Do Ministério da Instrução, comunicando que Manuel Borges Grainha, antigo professor do Liceu de Passos Manuel, na situação de aposentado, foi julgado, em 3 do corrente mês, em condições de regressar ao exercício das suas funções.
Para a comissão do Orçamento.
Do Senado, enviando as seguintes propostas de lei:
Que regula a concessão dos rendimentos do Hospital de Santo António de Penamacor.
Para a comissão de administração pública.
Que mantém as promoções dos sargentos ajudantes e primeiros sargentos das companhias de saúde coloniais, que foram ao último concurso e que obtiveram aprovação.
Para a comissão das colónias.
Do Senado, enviando uma proposta de lei que adita um parágrafo ao artigo 4.° da lei n.° 1:158.
Para a comissão de guerra.
De Manuel Garcia, do Pôrto, pedindo uma amnistia para os combatentes da Grande Guerra em circunstâncias de a poderem aproveitar.
Para a Secretaria.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente: começo por mandar para a Mesa a seguinte declaração de voto:
Declaração de voto
Não tendo podido, por motivo de serviço público, assistir à sessão desta Câmara, ontem realizada, declaro que, se estivesse presente, votaria o projecto de lei de amnistia aos aviadores, do Sr. Jaime de Sousa, e bem assim a proposta de lei n.° 716, vinda do Senado, amnistia a - infracções disciplinares.
25 de Junho de 1924.— Luis António da Silva Tavares de Carvalho.
Para a acta.
Sr. Presidente: visto encontrar-se presente o Sr. Ministro das Colónias, começo por solicitar de S. Exa. informações acerca da altura em que vão os trabalhos sôbre a transferência de fundos para as províncias ultramarinas.
S. Exa. prometeu estudar o assunto e apresentar os seus trabalhos ao Parlamento; porém, o que é facto é que as colónias lutam com grandes dificuldades que, dia a dia são maiores.
Os pensionistas, Sr. Presidente, já não têm mais que empenhar, e os funcionários das colónias já não recebem os seus vencimentos há quatro meses, não tendo também nada que empenhar, nem tendo com que viver.
Apoiados.
Eu sei muito bem que o Sr. Ministro das Colónias não tem culpa dêste estado de cousas.
Faço-lhe essa justiça, visto que entregou o assunto ao Alto Comissário; porém, prometeu-nos, deve haver uns dez ou doze dias, estudar o 'assunto e até hoje nada há ainda resolvido, se bem que seja necessário resolvê-lo imediatamente.
Eu creio que S. Exa. tem meios de resolver o assunto imediatamente, deitando os estudos que está a fazer para a resolução de problemas futuros.
Torna-se necessário que S. Exa. a trate com urgência do assunto, muito principalmente no que diz respeito às encomendas postais, pelas quais o Estado cobrou a importância respectiva, e aos depósitos feitos nos Bancos, e recebidos por êsses Bancos.
Para outro assunto eu desejo também
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chamar a atenção do Sr. Ministro das Colónias, se bem que êle diga mais directamente respeito ao Sr. Ministro da Agricultura.
Refiro-me ao abastecimento dê açúcar.
Sr. Presidente: nas colónias há açúcar mais que suficiente para abastecer o mercado do país, pois a verdade é que elas produzem cêrca de 80:000 toneladas; porém o que é necessário é evitar que êle só exporte para o estrangeiro.
Torna-se, pois, necessário que providências sejam tomadas no sentido de que quando chegar a próxima colheita se forneça em primeiro lugar o país, exportando-se o resto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins): — Sr. Presidente: o Sr. Tavares de Carvalho fez uma pequena confusão entre os pagamentos que são feitos pelo Ministério das Colónias, por conta dessas colónias, e o pagamento feito aos funcionários aposentados, dos que se encontram em licença e bem assim das pensões às famílias dos funcionários falecidos.
O Sr. Tavares de Carvalho (interrompendo): — Há também as encomendas mandadas pelos funcionários das colónias que são importantes e de que o Estado cobrou as importâncias das suas facturas.
O .Orador: — Desconheço êsse assunto, porém, no que diz respeito aos funcionários das colónias que o Sr. Tavares de Carvalho diz não receberem os SRUS vencimentos há quatro meses, devo dizer que não é bem assim, pois a verdade é que só os funcionários de Angola e Moçambique se encontram em atraso de dois meses, achando-se os vencimentos de todos os outros em dia.
Só os de Angola e Moçambique, repito, é que se encontram em atraso de dois meses.
Porém, pode V. Exa. estar certo de que logo que no meu Ministério fôr recebida a importância correspondente a êsses pagamentos, êles serão feitos imediatamente.
O Sr. Tavares de Carvalho (interrompendo): — Então êsses funcionários que estão a morrer de fome têm de aguardar a vinda dêsse dinheiro?
O Orador: — Não posso proceder de outra maneira, pois a verdade é que a lei assim me obriga.
Sem dinheiro não lhes posso pagar.
O assunto, Sr. Presidente, já aqui tem sido ventilado por vários Srs. Deputados, porém, eu não lhes posso fazer pagamentos sem ter o dinheiro necessário para isso, visto que a lei é bem clara e eu não posso proceder de outra forma.
Alguma cousa, no emtanto, eu já tenho conseguido, visto que só os funcionários de Angola e Moçambique se encontram em atraso de dois meses; os outros funcionários estão em dia.
Tenho insistido junto dos governadores para que ponham à minha disposição os fundos necessários para fazer os pagamentos das colónias na metrópole.
Quanto à questão das encomendas postais, é um assunto que desconheço, porque é a primeira vez que ouço falar dele. Não tinha recebido qualquer reclamação sôbre o assunto. Seria bom que os interessados apresentassem uma reclamação ao Ministro, para que êle, dentro dos meios de que a lei dispõe, resolva o assunto.
Vou informar-me do assunto para o resolver.
Quanto ao açúcar, V. Exa. sabe que todo o açúcar produzido em Angola vem para a metrópole.
O consumo do açúcar da metrópole está calculado em 40:000 toneladas.
Sabe-se que só vai para o estrangeiro o excedente da produção de Moçambique que não é necessário na metrópole.
Há bem pouco tempo o governo de Moçambique mandou dizer que, estando a chegar a época da safra do açúcar, entendia conveniente determinar qual a quantidade de açúcar que seria necessário que Moçambique mandasse, para que os agricultores pudessem dispor do restante.
Mandei ouvir o Ministério da Agricultura.
O Sr. Ministro da Agricultura disse que não era nada com êle.
Dirigi a pregunta ao Sr. comissário dos abastecimentos.
Êste respondeu que não era nada com êle. Era com a Direcção do Serviço do Ensino Agrícola.
Como já tinha passado um mês e não tinha uma resposta, mandei preguntar ao
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Ministério da Agricultura, que era a única entidade do Estado que podia informar devidamente, qual a produção de açúcar colonial necessária à metrópole.
Mandei então dizer para Moçambique que fôsse destinada ao consumo da metrópole a mesma quantidade de açúcar que o ano passado lhe tinha sido reservada.
Tinham sido 25:000 toneladas.
Foi essa a quantidade de açúcar que mandei reservar para a metrópole, podendo os agricultores dispor da parte restante da produção como entendessem.
Sendo o consumo da metrópole de 40:000 toneladas, faltam 10:000 toneladas, as quais são preenchidas pela produção do açúcar de Angola, que vem todo para a metrópole.
A produção de Angola anda por 15:000 a 20:000 toneladas.
O orador não reviu.
O Sr. Vitorino Mealha: — Sr. Presidente: no dia 22 dêste mês a guarda republicana, aquartelada em Silves, assassinou um homem e feriu várias crianças.
Não posso deixar do levantar perante o país o meu grito de protesto contra êsse facto.
Fui testemunha ocular dêsse assassinato praticado pela guarda republicaria.
Se porventura me insurjo contra as violências praticadas muitas vezes pelo povo contra a autoridade, não menos repulsa, ou até maior, sinto, quando essas autoridades, que têm obrigação de manter, a ordem, provocam desordem. É essa repulsa que faz erguer a minha voz bem alto, para energicamente protestar contra os desmandos da guarda republicana cometidos em Silves.
Êste facto veio relatado em todos os jornais desta capital.
Os factos relatados são absolutamente verdadeiros. Tudo quanto os jornais relataram é absolutamente verdadeiro. Não fui eu que os informei.
Foram cartas enviadas de Silves que trouxeram aos jornais o conhecimento do que se passou.
Assim, todos sabem que a guarda republicana, aquartelada em Silves, matou no dia 22 de Junho um homem e feriu várias crianças.
Nesse dia não era necessário manter a ordem. Várias pessoas dirigiram-se à estação do caminho de ferro de Silves a esperar os seus filhos que voltavam de várias terras, em virtude de por ocasião de uma greve terem sido albergados por associações que haviam demonstrado uma grande solidariedade humana.
Êsses pais, essas mães tinham pleno direito de receber os seus filhos na estação do caminho de ferro.
Pois negou-se-lhes êsse direito; e assim é que a fôrça armada, emboscada no talude de uma estrada, sem que houvesse qualquer motivo, qualquer provocação à fôrça, qualquer injúria, imediatamente matou um homem e feriu várias crianças.
Imediatamente me veio um grito de revolta, um grito de indignação contra os indivíduos que, tendo obrigação de manter a ordem, estão a provocar a desordem, cometendo crimes, assassinatos que não têm justificação.
Ao mesmo tempo que a Guarda Republicana cometia os crimes, sem motivo, prendia um operário, e êsse operário ainda está preso. Não é justo.
Não posso deixar de protestar; e chamo s. atenção do Sr. Ministro das Colónias mas, para transmitir as minhas considerações.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Até atiraram sôbre crianças e fizeram pontarias baixas. Foi uma verdadeira torpeza.
Apoiados.
O Orador: — Eu peço que se faça um rigoroso inquérito.
O Sr. Velhinho Correia: — Apoiado.
Vozes: — Faça-se o inquérito...
O Sr. Hermano de Medeiros: — E a autoridade administrativa — demitida!
Vozes: — E o inquérito feito por magistrado alheio à política.
Apoiados.
O Orador: — Ainda bem que o Sr. Velhinho Correia também protesta.
Vozes: — Todos nós protestamos.
Apoiados.
O orador não reviu.
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O Sr. Velhinho Correia: — Protesto também contra as violências que se praticaram em Silves, e peço a imediata transferência do oficial da guarda.
Vozes: — E a demissão do administrador de concelho.
Apoiados.
O Orador: — Chamo a atenção do Govêrno.
O Sr. Presidente: — V. Exa. não pode estar a fazer considerações.
O Orador: — É necessário apurar responsabilidades (apoiados) e dar uma satisfação, à opinião pública, que está alarmada e indignada.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins): — Pedi a palavra para dizer que transmitirei ao Sr. Ministro do Interior as considerações que foram feitas pelos dois Srs. Deputados.
O Sr. Vitorino Mealha: — Agradeço ao Sr. Ministro o favor que vai fazer.
foram aprovadas as emendas do Senado ao projecto do empréstimo sôbre Moçambique.
São as seguintes:
Alterações do Senado à proposta de lei n.° 654, que concede a construção e exploração dum caminho de ferro da Póvoa de Varzim a Braga:
Artigos 1.°, 2.°, 3.°, 4.°, 5.°, 6.°, 7.°, 8.°, 9.°, 10.°, 11.°, 12.° e 13.° aprovados.
Art.° 14.° (novo) Fica revogada a legislação em contrário.
Leu-se a moção do Sr. Ferreira da Rocha.
É a seguinte:
A Câmara dos Deputados, desejando evitar dúvidas na interpretação do termo «moeda corrente no País, dúvidas de que poderia resultar o grave êrro dum Govêrno colonial contrair empréstimos sob a base do aumento da circulação local de notas inconvertíveis;
E esperando que o empréstimo de que tratam as emendas em discussão só será realizado quando o Govêrno se certificar de que disponibilidades verificadas asseguram o pagamento dos respectivos juros e amortização.:
Afirma a sua intenção de na expressão «empréstimos em moeda corrente no País», do projecto em discussão, fazer incluir sómente «empréstimos em moeda corrente no continente da República», excluindo, portanto, empréstimos em notas inconvertíveis da circulação privativa;
E continua na ordem do dia.— Ferreira da Rocha.
O Sr. Rodrigues Gaspar: — A moção do Sr. Ferreira da Rocha contem 3 partes distintas.
A 1.ª e a 3.ª ligam-se; mas a 2.ª parte a condenação de todo o trabalho que aqui se tem feito.
Requeiro que a moção seja assim dividida: votando-se os períodos 1.° e 3.° conjuntamente, mas votando-se o período 2.° separadamente dos outros.
O Sr. Nuno Simões: — O Sr. Ferreira da Rocha mandou para a Mesa uma moção tendente a evitar que a Moçambique não suceda o mesmo que sucedeu a Angola.
A moção do Sr. Ferreira da Rocha tem de ser votada integralmente.
Eu desejo que o Sr. Ministro das Colónias me diga se Moçambique foi ouvida quanto ao empréstimo de mil contos.
É preciso que o País seja esclarecido.
Apoiados.
O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins): — Peço licença para estranhar que V. Exa. sôbre o modo de votar, me venha fazer essa pregunta.
Há dois empréstimos: um gratuito e outro oneroso.
Essas despesas eram feitas pela colónia de Moçambique.
Suponho que foi ouvida a colónia.
O Sr. Nuno Simões (interrompendo): — V. Exa. supõe?
O Orador: — Suponho, porque neste momento não tenho elementos suficientes para poder afirmar.
Em todo o caso, basta que essa opera-
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cão tivesse sido feita no tempo em que o Sr. Rodrigues Gaspar geria a pasta das Colónias, para que estejamos certos de que êsse empréstimo foi feito segundo todas as normas legais, e sem prejuízo para os interêsses de Moçambique.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ferreira da Rocha: — Sr. Presidente: não costumo aproveitar o modo de votar, para fazer discussões de matéria.
Respeitador do Regimento, entendo que essa não é a melhor forma de colaborar para a boa ordem dos debates na Câmara; mas desde que o Sr. relator foi o primeiro a usar da palavra para afirmar que uma parte da minha moção não podia ser aprovada, e desde que o Sr. Ministro do Comércio, do seu lugar de Deputado...
O Sr. Nuno Simões (interrompendo): — Eu não sou já Ministro do Comércio.
O Orador: - V. Exa. já não é Ministro do Comércio?
Sr. Presidente: peço licença para rectificar o êrro, porque acabei de dizer que o Sr. Ministro do Comércio, do seu lugar de Deputado, havia entrado também na discussão.
S. Exa. informa-me que já não é Ministro, mas como suponho que essa informação não poda por êle ser dada, continuo a acreditar que S. Exa. o Ministro do Comércio que foi ao lugar de Deputado falar sôbre a minha moção. Sem discutir agora a inconveniência do precedente, registo o facto.
Mas a parte da minha moção que o Sr. relator declara não ser de conveniente aprovação, é aquela em que se afirma não poder a colónia contrair empréstimos, sem que as disponibilidades verificadas assegurem o pagamento dos juros e amortização.
Eu não sei como é que uma Câmara sequer pode rejeitar a afirmação desta elementar doutrina de administração financeira, a não ser que haja já o propósito antecipado de deixar de pagar, como já é corrente em Portugal.
Mas havendo S. Exa. reconhecido que da realização dêste empréstimo não podia de maneira nenhuma derivar a realização de receitas imediatas, ou mesmo
num futuro mais ou menos próximo, como vamos nós contrair um empréstimo sem verificarmos se as disponibilidades chegam para pagar os juros e amortização?
Mas, mais ainda: o Sr. relator afirmou aqui que o Senado havia dito que o empréstimo podia ser de 333:333 libras.
Foi S. Exa. quem afirmou que essa verba era aquela que cabia dentro das disponibilidades do Orçamento em vigor.
Para mim, é indiferente o resultado da votação da Câmara.
Mandei a minha moção como uma declaração de voto, mais como um protesto do que na intenção de obter uma aprovação da Câmara.
Mas não aceito que o Sr. relator afirme que se pode contrair um empréstimo sem estarmos seguros de que as disponibilidades financeiras verificadas cheguem para o pagamento dos juros e amortizações.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente como nem sempre tenho estado na sala, pedia a V. Exa. para me informar se o Sr. Presidente do Ministério já deu conta à Câmara da demissão do Sr. Ministro do Comércio e da sua substituição por um oficial do exército.
O Sr. Presidente: — Na Mesa não há comunicação nenhuma.
O Sr. Rodrigues Gaspar: — Sr. Presidente: peço a atenção da Câmara, para dar todas as explicações pedidas pelo ilustre Deputado Sr. Ferreira da Rocha.
Quando vieram para esta Câmara as emendas do Senado, à proposta aqui votada, uma das quais contém a expressão: «de moeda corrente no país», o Sr. Ferreira da Rocha preguntou-me se eu não aceitaria uma moção em que se exprimisse o voto da Câmara, significando que: «moeda corrente no país» era «moeda corrente na metrópole».
Sr. Presidente: eu via nisto o intuito de fazer com que não entrasse por conta dêste empréstimo qualquer empréstimo com o Banco Nacional Ultramarino, e disse a S. Exa.
Acho bem essa solução, porque, como
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penso que o empréstimo deve ser efectuado em ouro, amoeda deve ser corrente.
Não vi a moção e simplesmente comigo houve esta troca de impressões.
Eu concluí que a moção do Sr. Ferreira da Rocha se referia simplesmente a êste ponto.
O Sr. Ministro das Colónias, que tinha visto uma moção apresentada pelo Sr. Ferreira da Rocha a S. Exa. e que se referia apenas à moeda corrente na metrópole, declarou, sem reparar na leitura da moção quando enviada para a Mesa, que aceitava a moção; e eu, vendo a moção, encontrei nela matéria nova e com Característica muito especial. Preguntei então ao Sr. Ministro se havia aceitado aquela moção; e S. Exa. % ao fazer a leitura dela, disse-me que foi outra a que lhe apresentaram e que não podia também aceitar o que se continha na que fora enviada para a Mesa.
Sejamos claros! A primeira parte da moção refere se a moeda corrente no País.
Depois estabelece a seguinte doutrina:
Leu.
Fala-se em disponibilidades verificadas!
Só em 1927 se verificaria se haveria essas disponibilidades. Então ocorre preguntar:
Só daqui a 2 anos se realizará o empréstimo? Não!
Isto está todo muito bem feito, ou não fôsse feito pelo Sr. Ferreira da Rocha, que é o mais esperto desta Câmara, sem ofensa para ninguém.
Quando é que se fazia o empréstimo?
Vamos à lei.
Pela lei só daqui a 32 anos quando amealhadas as disponibilidades é que nos havíamos de lembrar do empréstimo.
Isto é mangar com questões sérias.
Por isso eu digo que nesta parte é inadmissível a moção.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ferreira da Rocha: — Sr. Presidente: o Sr. Rodrigues Gaspar, usando daquela forma de violência delicada, que lhe é característica e que só poderá produzir efeito em quem esteja disposto a aceitá-la, acabou de dar a entender à Câmara que dentro da minha moção havia, porventura, uma ratoeira armada; e para
que não houvesse dúvidas sôbre o assunto, foi dizendo que o Sr. Ferreira da Rocha era um dos Deputados mais espertos. Sabendo-se bem qual é a forma irónica com que S. Exa. costuma fazer afirmações nesta Câmara, qualquer de nós entendeu o que S. Exa. quis significar pela palavra esperto.
Suponho que S. Exa. estava vendo em mim uma reprodução das suas próprias qualidades.
Engana-se S. Exa.!
Não houve esperteza nenhuma na moção apresentada.
Falei com S. Exa. sôbre a conveniência de interpretar o termo moeda corrente no País — não lhe falei sôbre nenhum outro ponto a meter na minha - moção, nem tinha que lhe falar. Quis ouvir S. Exa. sôbre a parte que mais directamente me interessava e sôbre a qual desejaria ver uma interpretação afirmada pela Câmara.
Não tinha necessidade, nem S. Exa. podia supor que a tivesse, de ouvir qualquer Deputado da maioria sôbre a minha moção.
Por dever de cortesia mostrei a minha moção ao Sr. Ministro das Colónias. Não é verdade que nessa moção não se contivesse o que eu mandei para a Mesa. Se o Sr. Ministro não leu com atenção a moção ou se não soube dar-lhe o significado que ela tinha, não é culpa minha.
Pretendeu o Sr. Rodrigues Gaspar convencer a Câmara de que disponibilidades verificadas são aquelas que só se verificam quando se encontram amealhadas num cofre. Não quero crer que S. Exa. tenha em matéria financeira essa profunda ignorância.
S. Exa. sabe que o termo «disponibilidades verificadas», quando empregado no sentido de se assegurar os encargos de qualquer empréstimo, só significa a constatação de que no orçamento para o caso, o orçamento da colónia há saldo para aplicar aos encargos de empréstimos.
Assim fica desmentida a esperteza que S. Exa. me quero atribuir.
Tam pouco quis negar a S. Exa. o direito de requerer a divisão da moção, que nem sequer pedi a palavra sôbre o modo de votar. Mas porque S. Exa. pretendeu fundamentar o motivo porque não votava uma parte da moção, entendi eu que ti-
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nhã o direito de justificar o motivo de a ter apresentado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Portugal Durão: — Sr. Presidente: pedi a palavra para definir a minha atitude nesta questão.
Da última vez que usei da palavra procurei demonstrar que a situação da província de Moçambique era, sob o ponto de vista económico e financeiro, verdadeiramente angustiosa, mercê da desgraçada administração que tem tido e que lhe criou um funcionalismo excessivo a cujos encargos ela mal pode fazer face.
Depois de me referir à situação da província eu chamei a atenção da Câmara para o conselho que eu me permitia dar-lhe, levando-a a não contrair qualquer empréstimo sem previamente se assegurar de que os seus recursos lhe garantiam que poderia honrar os seus compromissos.
Disse então que a honestidade era a melhor política.
Nestes termos, eu não podia deixar de dar inteiramente o meu voto à moção apresentado pelo Sr. Ferreira da Rocha, porque nela se consignavam princípios que nós não podíamos honestamente re-polir.
Se a moção de S. Exa. não tivesse sido apresentada, não haveria naturalmente necessidade de o fazer; mas uma vez apresentada, eu julgo que não podemos deixar de a votar, a não ser que queiramos indicar à província de Moçambique o caminho do calote.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É aprovado o requerimento do Sr. Rodrigues Gaspar.
É aprovada a primeira parte da moção do Sr. Ferreira da Rocha.
O Sr. Presidente declara rejeitada a segunda parte.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
Procede-se à contraprova.
O Sr.Presidente: - Estão de pé 38 Srs. Deputados e sentados 26. Está, portanto, rejeitada. É aprovada a acta.
O Sr. Pereira Bastos: — Sr. Presidente: eu pedi a palavra porque se está fazendo uma grande especulação sôbre a votação, realizada nesta Câmara, do parecer n.° 716.
Ainda se está dizendo que a Câmara votou o projecto de amnistia aos oficiais aviadores que tinham cometido crimes militares porque eram oficiais, mas que rejeitava o parecer n.° 716 por se tratar de praças de pré e de pequenos delitos.
Como eu fui o Deputado que primeiro aqui falou sôbre o assunto — e até por sinal, sôbre o modo de votar — desejo tornar bem clara a razão por que produzi as minhas considerações.
O parecer n.° 716 não se refere só a praças de pré e pequenos delitos; trata também de crimes militares e de oficiais.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Essencialmente militares.
O Orador: — Como da aprovação do parecer n.° 716 resultaria voltarem para o convívio dos oficiais bem comportados oficiais que tinham sido colocados em situações especiais pelo seu procedimento escandaloso, pela inobservância dos deveres de honra e familiares ou pela prática de alguns actos que os tornaram incompatíveis com o exercício das suas funções, eu não podia deixar de levantar a minha voz contra um acto cujas conseqüências de certo modo abalavam a disciplina militar.
Entendo, por isso — e não estou arrependida — que cumpri o meu dever de cidadão, de oficial do exército e de parlamentar, falando contra êle.
Sr. Presidente: uma das circunstâncias com que se explora é de ordem sentimental — a lágrima.
Eu entendo que isso não constitui motivo para considerar nesta ocasião.
O Poder Executivo tem maneira de remediar essa situação e de atender assim às reclamações das famílias interessadas.
Invocam-se argumentos quer sob o ponto de vista sentimental, quer sob o ponto de vista material.
Se me fôsse permitido dirigir dêste lugar ao Poder Executivo uma solicitação, eu não teria dúvida em fazê-lo.
Não há inconveniente, a meu ver, para
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a disciplina militar que o Poder Executivo procure as formas de tornar cumpridas as penas que se referem àqueles militares atingidos pelo parecer n.° 716. Isto está bem.
O que eu não aprovo é que se vá conceder a militares, alguns dos quais cometeram delitos infamantes, uma amnistia que os pode pôr amanhã em condições até de usar a própria Comenda de Cristo, quando todos nós sabemos que foram pessoas que estiveram à margem. É êste o grande inconveniente das amnistias militares; e por isso eu faço votos por que a Câmara não as vote mais.
São estas, Sr. Presidente, as explicações que eu desejava fazer ao meu país e à Câmara, pondo assim cobro a especulações desprestigiosas para o Parlamento e para mim bastante desagradáveis.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Admissões
São admitidos à discussão os seguintes projectos de lei:
Dos Srs. Joaquim de Matos, Crispiniano da Fonseca e Henrique Pires Monteiro, autorizando a Junta de freguesia de Leça da Palmeira, concelho de Matozinhos, a lançar 100 por cento sôbre as contribuições do Estado.
Para a comissão de administração pública.
Dos Srs. Vitorino Godinho e Custódio de Paiva, autorizando a Câmara Municipal de Leiria a elevar a percentagem tributária sôbre as contribuições do Estado até 120 por cento.
Para a comissão de administração pública.
O Sr. Abílio Marçal (para um negócio urgente): — Sr. Presidente: segundo determinação do Congresso da República, a actual sessão legislativa deve terminar em 30 de corrente. Acontece, porém, que estão sôbre a Mesa e já em discussão projectos e propostas de lei de maior alcance e até da maior necessidade para a República, que com certeza não podem ser discutidos e votados até o fim dêste mês.
Nestas condições, mando para a Mesa uma proposta para que a Câmara dos Deputados tome a iniciativa da convocação do Congresso para se fazer a prorrogação dos trabalhos parlamentares, e para ela peço a urgência e dispensa do Regimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
A proposta é a seguinte:
Proponho que esta Câmara tome a iniciativa da convocação do Congresso da República a fim de resolver sôbre a prorrogação da actual sessão legislativa.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 26 de Junho de 1924.— Abílio Marçal.
Consultada a Câmara, é aprovada a urgência e dispensa do Regimento.
A requerimento do Sr. Lelo Portela, procede-se à contraprova, dando o mesmo resultado a votação.
Entra em discussão a proposta do Sr. Abílio Marçal.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: não podemos dêste lado da Câmara deixar de dar o nosso voto à proposta do Sr. Abílio Marçal.
Por culpas que não são nossas, mas do Govêrno e da maioria, nesta altura do ano económico ainda não se começou a discutir, pode dizer-se, o Orçamento Geral do Estado, como manda a Constituição e como se impõe à missão fundamental de todos os Parlamentos, e nem sequer estão ainda relatados todos os orçamentos.
O Orçamento Geral do Estado, que trata das receitas e despesas dó país, é para a maioria desta Câmara um assunto sem importância, uma ninharia, cousa sem valor, ao pé da criação de assembleas eleitorais que aproveitam a um ou outro dos seus elementos.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Não foi votada nenhuma!
O Orador: — Por que nós não deixámos; mas até está pendente da discussão um projecto de lei do Sr. Carlos Pereira, referente à assemblea eleitoral de Atou-guia da Baleia!
Impõe-se, portanto, como uma das primeiras missões que êste Parlamento tem
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a desempenhar, um exame cuidado dos orçamentos do Estado.
Nem o país pode nunca permitir que o Parlamento ponha de lado êste assunto importantíssimo, que, se é sempre da maior magnitude, o é mais ainda numa hora em que, apesar dos números absolutamente destituídos de verdade que a êste Parlamento são apresentados pelo Sr. Presidente do Ministério, a questão financeira é a mais importante para a vida dêste país.
Ela é tam importante quê, se para ela não olharmos com toda a atenção, o Parlamento, com excepção dêste lado da Cama, por que nisso não temos responsabilidade, pode levar o país a uma situação irremediável.
Por conseqüência, coerentes sempre com o nosso modo de ver e com a atitude que ainda outro dia tomámos, perante a monstruosidade a que o Sr. Presidente do Ministério chamou a lei de meios e que nós não podíamos votar de afogadilho, nós não podemos deixar de votar a proposta agora em discussão.
Pedia porém ao seu autor, se quisesse dar-me o prazer de me interromper, a fineza de me dizer quais são as propostas' da maior importância que julga que devemos discutir na prorrogação dos trabalhos.
O Sr. Abílio Marcai: — V. Exa. já indicou algumas e de resto não me compete, nem à Câmara, pronunciar-me a êsse respeito.
O Orador: — Mas tendo eu de votar a proposta de V. Exa., gostava de ser elucidado de quais são as propostas que se supõem as mais importantes.
O Sr. Abílio Marçal: — Eu tomei a iniciativa da convocação do Congresso e a Câmara apenas se tem de pronunciar sôbre a conveniência dessa convocação. Depois, no Congresso, é que se poderão pedir indicações a êsse respeito.
O Orador: — Mas V. Exa. pode elucidar-me apenas numa cousa?
Considera como fundamental para a discussão e votação, o quê?
O Sr. Abílio Marçal: — É regular a situação constitucional pelo que diz respeito às despesas e receitas.
O Orador: — Quere dizer, £ é a aprovação dos orçamentos?
O Sr. Abílio Marçal: — É, como já disse a V. Exa. regular a situação constitucional das contas do Estado.
O Orador: — A resposta de V. Exa. deixa-me bastante apreensivo, porque V. Exa., respondendo-me, resolveu não responder nada!
Ora nós, dêste lado da Câmara, damos o nosso voto à proposta, nesta intenção: para que seja cumprida à risca, tanto quanto pode ser já nesta altura do ano, a prescrição constitucional que obriga à serem largamente discutidos os orçamentos do Estado, e, além disso, para que seja também discutida a melhoria da situação do funcionalismo público, a lei do inquilinato, o regime cerealífero, porque nesta altura do ano ainda a lavoura não sabe qual será o preço do trigo.
Sr. Presidente: já li no jornal O Século, órgão oficioso do Sr. Presidente do Ministério, a notícia de que S. Exa. não hesitará, se fôr necessário, em mandar para o Diário do Govêrno o Orçamento Geral do Estado e outras propostas que S. Exa. entendesse decretar, acrescentando-se que um tal procedimento se justificava desde que a Câmara não dêsse ao Govêrno os meios constitucionais precisos.
Mas um Govêrno que não tenha os meios constitucionais precisos para governar, não tem mais nada a fazer senão demitir-se.
Ainda há outra razão pela qual damos o nosso voto à proposta do Sr. Abílio Marçal, é que compreendemos que ainda será mais pernicioso para o país a continuação do Govêrno dó Sr. Álvaro de Castro do que o Parlamento fechado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — A minoria nacionalista não vota a proposta, que está sôbre a Mesa, porque não tem confiança no Govêrno.
Apoiados.
E, Sr. Presidente, aproveitamos êste ensejo para manifestar o nosso desacordo com a^orientação do Govêrno, desejando nós que o encerramento das Câmaras
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seja motivo para que êle abandone o Poder.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Tôrres Garcia: — No projecto relativo ao caminho de ferro do Vale do Cávado deixou-se, por lapso, de incluir o artigo quê declara revogada a legislação ,em contrário.
O Senado introduziu-lhe êsse artigo e eu agora requeiro que esta emenda do Senado entre em discussão com urgência e dispensa do Regimento.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se o requerimento do Sr. Tôrres Garcia.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (sôbre o modo de votar): — A emenda do Senado, a que se referiu o Sr. Tôrres Garcia, apenas demonstra o pouco cuidado com que se legisla no Parlamento da República.
É realmente extraordinário que houvesse o esquecimento de se introduzir o clássico artigo declarando revogada a legislação em contrário.
Se a legislação em contrário é melhor para a salvaguarda dos interêsses do país, eu não desejo votar essa revogação.
Se as informações imprecisas que há tempo me chegaram aos ouvidos tivessem vindo mais cedo, nós teríamos feito uma discussão mais detalhada dêste assunto.
O Sr. Nuno Simões: — Pedi a palavra para dizer à Câmara que quando fui Ministro do Comércio.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): — V. Exa. já não é Ministro do Comércio?
O Orador: — Eu comecei por dizer: «Quando fui Ministro do Comércio...»; já V. Exa. pode tirar as conclusões.
Como ia dizendo, tive já ocasião de expor à Câmara os meus pontos de vista, salvaguardando os interêsses do Estado; mas a Câmara resolveu em sentido contrário.
A mim não me compete senão acatar as suas resoluções; mas não posso deixar de salientar a acção do Sr. Herculano Galhardo, que procurou evitar a votação dêste projecto. Não quero opor-me à votação; mas devo salientar que esta não é a melhor forma de zelar os interêsses do Estado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi lida na Mesa e posta à votação a emenda do Senado.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.
Aprovaram 40 Srs. Deputados e rejeitaram 16.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Pedi a palavra para comunicar à Câmara a saída do Sr. Ministro do Comércio, Nuno Simões, que no curto prazo da gerência da sua pasta prestou ao Govêrno o concurso da sua inteligência e competência. A sua saída é por motivo de ordem privada e de ordem política. Para substituir S. Exa. foi indicado, provisoriamente, o Sr. Ministro da Instrução.
Requeiro para entrarem em discussão as emendas do Senado acerca da lei do sêlo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Antigamente era de uso o Presidente do Ministério dar um pouco mais de importância aos Ministros que constituíam o seu Gabinete; e quando êles eram pessoas da inteligência do Sr. Nuno Simões, essa importância redobrava.
Não somos nós os culpados dessa atitude e tam pouco caso se faz do assunto que, não só pela distracção da Câmara — o que é natural — mas pelas conversas de Deputados e Senadores, que malcriadamente esquecem que são hóspedes nesta casa, não há maneira de me fazer ouvir.
Eu considero o Sr. Ministro do Comércio como uma das pessoas que mais merecem a nossa consideração. E mal feito é que o Sr. Ministro da Instrução, depois de espingardear a sua pasta, vá espingardear a do Sr. Ministro do Comércio, ocupando a pasta deixada pelo Sr. Nuno Simões.
Mas, emfim, o Sr. Presidente do Minis-
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tório está sendo um topa-a-tudo, desempenhando papéis que estão abaixo das suas qualidades políticas. Não posso deixar de lamentar o papel de criado do Sr. Afonso Costa que S. Exa. está fazendo. A sua atitude não pode ser considerada por outra forma pela minoria nacionalista.
O Sr. Presidente do Ministério vê, sente bem, a sua falência dentro do Parlamento. S. Exa. está convencido de que êste Parlamento não lhe dá a existência que podia esperar. Então porque não se vai embora?
O Sr. Presidente do Ministério está convicto de que êste Parlamento não lhe dá aquela assistência indispensável para governar, e S. Exa., que é um republicano que em qualquer circunstância pode prestar serviços à República, está às ordens do Sr. Afonso Costa.
Apoiados.
Temos o direito de preguntar ao Sr. Presidente do Ministério só é possível que esta farça continue.
Apoiados.
Cada homem está no Govêrno representando um papel que por direito próprio lhe é imposto.
Porventura pretende S. Exa. representar o papel dum homem que se não sabe dirigir a si próprio?
Não podemos assistir a êste espectáculo de estar-se à espera do elogio do Século, e à espera do que diz o homem de Paris. Isto pode continuar com a nossa subserviência?
Sem sabermos se nos podemos dirigir por nós próprios, governarmo-nos pelas nossas cabeças ou impulsões, mas pela cabeça ou indicações de quem quer que seja, que não quere arriscar aquilo que nós arriscamos a vida? Isto pode continuar?
Tem a confiança plena, completa do Partido Democrático? Não importa. Quando todos nós nos convencermos de que chegou a hora de não haver qualquer fôrça política, atitudes e meios para combater, não temos outra cousa a fazer senão seguir o exemplo do homem honrado que se chama Barros Queiroz. Deixaremos também o Parlamento entregue ao seu próprio destino, à própria grandeza da sua missão conscienciosa, não obedecendo à influência de ninguém de fora.
V. Exas. sabem que através de todas as discordâncias da minha vida política — è tantas têm sido, — tenho mantido sempre a atitude dum adversário leal.
Não digo isto por fazer uma baixa especulação política, mas porque me revolto sinceramente contra a situação em que colocam V. Exa.
Apoiados.
Não concordamos com os seus actos, com a sua política financeira; não concordamos com as suas medidas de ditadura.
Apoiados.
Estamos contra V. Exa., mas de cara descoberta e lealmente.
Conta V. Exa. com o apoio do Partido Democrático para o efeito de ir para diante?
Sabe V. Exa. que a ditadura longe de nos esmagar nos dá coragem como homens dignos;
Estará V. Exa. convicto de que é o homem que convém neste momento ao País?
Está certo de que o exemplo que lhe deu o Sr. Ministro do Comércio, Nuno Simões, não é o exemplo que, porventura, tem a seguir?
V. Exa. certo disso?
Pregunto isto à sua própria consciência.
Opor-nos hemos a toda a violência, determinados por legítimos interêsses da República e da Pátria.
Os que querem que V. Exa. continue, os que querem que continue a ficção, — dum lado; os que não a querem — doutro.
V. Exas. querem obrigar o Parlamento a publicar a sua própria abjecção.
Apoiados.
Vejamos se V. Exa. consegue obrigar o Parlamento a decretar o si próprio a falência.
Nessa hora eu não tenho mais nada a fazer aqui.
Apoiados.
Mas V. Exa. encontrar-se há porventura isolado com a maioria.
A crise actual não pode deixar de ter um aspecto especialíssimo.
Nós estamos poucos nesta Câmara e não estamos nesta casa sem o respeito que devemos ter uns para com os outros; mas uns tem a coragem suprema
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de compreender as cousas e outros conservam-se indiferentes.
Não pode ser indiferente a saída do Sr. Ministro do Comércio e não pode o Parlamento estar numa atitude que parece estar à espora de ordens de Paris.«.
Pois, nestas condições, porque não diz o Govêrno o seu pensamento?
Na situação actual o, caminho que o Govêrno tinha a seguir era deixar o caminho aberto a outro. Mas, longe disso, o Govêrno pretende continuar sem fazer cousa alguma.
S. Exa. o Sr. Presidente do Ministério, na sua proposta que ultimamente apresentou, cita números, que são vagos, porque não se fundam em cousa nenhuma.
S.Exa. quere com a sua proposta colocar o Parlamento numa situação de subserviência.
Mas não haverá um mau português que nesta hora se preste a acompanhar semelhante injustiça.
Todos sabem qual tem sido a situação do Govêrno.
Eu anunciei um negócio urgente sôbre a questão do pagamento dos juros da dívida externa o vieram-me pedir que não o realizasse porque o Govêrno seria derrubado.
Declarei que insistia; mas, por motivo dos meus sentimentos como português, não insisti.
No dia seguinte apresentei um novo negócio urgente; e de novo me vieram pedir que não tratasse também dessa questão.
Tudo isto que se tem passado é extraordinário.
O único caminho que o Govêrno tinha, a seguir — digo-o com lealdade — seria afastar-se das cadeiras do Poder.
O Govêrno tem vivido de artifícios; mas é bom não permanecer nos artifícios.
S. Exa. o Sr. Presidente do Ministério conhece-me e pode acreditar que não estou fazendo uma especulação política. Digo o que sinto, para honra e interêsse da República.
O Partido Democrático que tome as suas responsabilidades e que dê o seu apoio ao Govêrno.
Está no Poder quem tem maioria, e são as maiorias que sustentam os govêrnos.
Se o Govêrno tem fôrça e entende que o Parlamento não serve, dissolva o Parlamento.
Outra cousa seria uma miséria moral da política.
Se amanhã a Nação nos tiver de condenar, e se, porventura, a sua condenação nos tiver de atingir, que a nossa consciência esteja tranqüila.
Repito: continuando esta ficção, a consciência de V. Exa. amanhã não poderá 6otar tranqüila.
O homem da Serra que venha governar isto.
O Sr. Vergílio Costa (em àparte): — O Senhor da Serra!....
O Orador: — E se o homem de Paris não o quiser fazer, então que governe o Partido Democrático. V. Exa. está servindo de muleta; e na hora em que essa muleta não fôr útil, V. Exa. será atirado pela janela fora, sem sequer ter a consciência de ter prestado um serviço à Nação. Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente, do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: pedi a palavra para responder às considerações do Sr. Cunha Leal.
Inicio as minhas, agradecendo os termos de gentileza que teve a amabilidade de me dirigir, para lhe dizer que, em todos os actos e palavras que aqui vejo e ouço, tenho deles um sentimento de sinceridade, podendo, porventura, discordar das palavras pronunciadas e dos gestos feitos.
Sr. Presidente: nós estamos dentro duma democracia parlamentar. O Govêrno, ao constituir-se, fez a declaração formal de que queria viver com o Parlamento e suas indicações.
Está ainda hoje dentro dêste ponto de vista; e até agora o Parlamento não teve um voto que significasse ao Govêrno que devia retirar-se destas cadeiras.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): — V. Exa. dá-me licença?
Mas então peço-lhe uma cousa. Que recomende aos seus colegas e a V. Exa. também, que não se queixem do Parlamento como o têm feito.
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O Orador: — Já vamos a essa parte.
V. Exa. quere que no Parlamento governem as minorias?
V. Exa. quere que as minorias tenham o direito que às maiorias compete?
Eu não tenho que me preocupar com as conversas e combinações exteriores àquelas que se manifestem no Parlamento.
Compreendo que um Ministro que ocupa uma pasta, a certa altura entenda dever retirar-se, por motivos de ordem geral, ou porque a sua acção não corresponda àquilo que entendia dever ser, se a acção parlamentar fôsse mais forte.
Mas, Sr. Cunha Leal, deveres mais graves impendem sôbre um Presidente do Ministério.
Desde que assumi determinadas responsabilidades, não tenho o direito de abandonar o Poder, senão por uma razão daquelas que vulgarmente o Parlamento dá ao Govêrno.
Apoiados.
Repito: não abandono o Govêrno sem uma indicação de ordem parlamentar.
Não vou pressentir aquilo que está na consciência de cada um; mas devo dizer que não tomo como significado de desconfiança a falta de número para as sessões funcionarem, ou o Parlamento não votar determinadas medidas que o Poder Executivo julga urgentes. O Govêrno pratica e há-de praticar todos os actos que julgar necessários à vida do Estado; e na hora seguinte virá ao Parlamento dizer o que fez, e pedir um bill para essas medidas.
Trocam-se àpartes.
O Orador: — As funções do Poder não se transmitem por vontade própria dos Ministros ou da pessoa que preside aos destinos do Ministério. Transmitem-se em virtude de deliberações da Câmara. E se a Câmara lhe der uma indicação clara sôbre o caminho que o Govêrno deva seguir, não me demorarei.
Vozes: — Só faltava isso!...
O Orador: — Todavia, emquanto o Parlamento não me der uma indicação positiva, entendo que não devo abandonar o Govêrno.
Pode discutir-se o conjunto duma obra com vários critérios; mas o que não é legítimo é afirmar-se que outro Govêrno tinha exercido uma acção mais profunda do que êste.
O Sr. Velhinho Correia (em àparte): — Profunda e salutar.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (em Àparte): — Isso é o que vem nos seus alfarrábios.
O Orador: — Os actos do Govêrno são aqueles que se tornam necessários à vida do Estado, e mesmo num regime parlamentar dos mais absolutos.
O Govêrno pratica determinados actos e depois vem à Câmara pedir a sua confirmação.
Era preciso, Sr. Presidente, que em Portugal homens de responsabilidades dos partidos não tivessem praticado actos iguais, para assim se poder levantar uma foz no Parlamento.
O Sr. Tomé de Barros Queiroz, Sr. Presidente, presidiu a um Ministério que dissolveu o Parlamento, determinando a Constituição precisa e categoricamente que o Parlamento dissolvido reúna em todos os casos em que é necessário o voto do Presidente para resolver sôbre medidas que sejam de facto do Poder Legislativo, determinando mais a Constituição que todas as autorizações que os Governos tenham para a prática de quaisquer actos, caducam logo que seja publicado o decreto da dissolução.
Apesar disto, Sr. Presidente, nós vemos o que aconteceu com o Govêrno do Sr. Tomé de Barros Queiroz, isto é, que, tendo necessidade de recorrer à cobrança das receitas para pagamento das despesas e não tendo sido aprovados pelo Parlamento os orçamentos, publicou um decreto autorizando a cobrança das receitas e o pagamento das despesas.
Não é, Sr. Presidente, êste um processo legal e constitucional, pois a verdade é que, segundo a Constituição, o que S. Exa. tinha a fazer era convocar imediatamente o Parlamento dissolvido para êle lhe aprovar êsse duodécimo.
Porém não foi isso o que se fez, tendo a Câmara, porém, mais tarde votado um bill de indemnidade ao Govêrno do Sr. Tomé de Barros Queiroz.
Igual procedimento foi também adop-
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tado pelo Sr. Cunha Leal, mais tarde, quando esteve no Poder, pois a verdade é que para poder fazer os pagamentos e cobrar as receitas teve necessidade do adoptar igual medida, se bem que êstes processos não sejam, conforme já disse, constitucionais.
O processo constitucional que teria de se seguir, conforme já indiquei à Câmara, era o de reunir imediatamente o Parlamento dissolvido.
Em plena Câmara aberta o Sr. António Maria da Silva, chefe dum Govêrno, tendo o Parlamento discutido os orçamentos, mas chegando a 30 de Junho, sem ter terminado essa votação, fez como que a publicação dum decreto ditatorial sem nenhuma ordem do Poder Legislativo.
Pela secretaria do Ministério das Finanças foi expedida ordem para se fazerem as cobranças e receberem os impostos, como se, efectivamente, estivessem em vigor novos orçamentos ou autorização para duodécimos.
Praticou um acto ilegal não só sob o ponto de vista das leis normais, mas inconstitucional porque o Parlamento não o permitiu. E a Câmara reconheceu que o Ministro das Finanças procedeu inteiramente em harmonia com as necessidades do Estado, porquanto, foi trazido um bill de indemnidade pelo qual o Ministério era relevado da responsabilidade em que incorrera por pagar e receber sem ter lei que o autorizasse a isso.
Esta tem sido a prática constitucional — que é também alguma cousa como lei constitucional — que se tem seguido até hoje.
O Parlamento, sem dúvida, pode resolver doutra maneira, e estabelecer o critério que entender. Eu o acompanharei no seu voto, se o exprimir claramente. Tem o Parlamento ocasião para o exprimir a propósito da proposta da chamada lei de meios que tive a honra de apresentar à Câmara.
Então, o Govêrno saberá o que lhe compete fazer.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — V. Exa. quere todos os duodécimos ao mesmo tempo.
O Orador: — O Govêrno praticou o acto inédito, que nunca se fez, de apresentar
uma proposta de lei necessária para a vida do Estado.
Se fôr aprovada com aquela forma ou com outra, o Parlamento há-de necessàriamente autorizar o Poder Executivo a receber e a pagar.
Apoiados.
Desde o momento em que venho ao Parlamente pedir uma lei que me autorize a cobrar e a pagar nos termos do orçamento de 1923-1924 com a elevação das verbas, que elevadas foram em virtude de decretos especiais, eu peço muito menos do que pediria autorizando-me a pagar por duodécimos, que são muito superiores aqueles que resultam da proposta orçamental de 1923-1924 com os acréscimos dos créditos que posteriormente foram abertos. E não havia razão para o fazer por um, dois ou três meses. Isso seria uma verdadeira comédia, quando o Parlamento votando se obriga a aprovar os orçamentos num curto espaço de tempo.
Não é função própria do Poder Executivo a votação dos orçamentos, porque isso depende da Câmara, dos seus trabalhos internos.
O que o Govêrno quere é ter a garantia de não se ver coagido mais tarde a praticar uma medida que não queira. O Parlamento pode, porém, fazer cessar essa autorização desde que vote os orçamentos ou então por um diploma especial.
Sr. Presidente: eu não podia deixar de fazer estas considerações, porque o meu desejo é, e será sempre, prestigiar o Parlamento. E creio que não é propriamente como Ministro que tenho de prestigiá-lo, mas como Deputado.
Nessa qualidade, sempre que tive na Câmara de tomar qualquer atitude, não foi senão para prestigiá-lo também, pois que nunca dentro desta casa criei situações desagradáveis. Como Poder.Executivo eu desejaria igualmente o seu prestígio.
Mas, como Poder Executivo, eu não posso colocar-me na situação de aceitar as atitudes negativas do Parlamento, não já como indicações, mas também como aprovação a uma atitude que seria para o país a negação da possibilidade de vida. E, assim, eu tenho obrigação de afirmar que o Poder Executivo é um poder activo que trabalha sempre que seja necessário, embora sujeito às sanções do Parlamento.
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O Sr. Lelo Portela: — A maioria que agradeça essa referência às atitudes negativas do Parlamento.
O Orador: — Sr. Presidente: eu não podia deixar no oculto da minha consciência as palavras que definam bem a atitude do mistério, e que revelam o seu trajecto, na certeza de que se o Parlamento nunca se entibiou na sua acção por quaisquer motivos de ordem externa. o Poder Executivo também na sua acção não se entibia por quaisquer razões que não sejam as de ordem constitucional, cujas palavras o Parlamento detém.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: nos termos do Regimento tenho a honra de mandar para a Mesa a seguinte
A Câmara dos Deputados, considerando que um Governo, emquanto Q Parlamento esteja a funcionar, não pode promulgar medidas que sejam iniludìvelmente da competência do mesmo Parlamento; e considerando que as palavras do Sr. Presidente do Ministério revelam propósitos contrários, repudia tais palavras e passa à ordem do dia.— O Deputado, Cunha Leal.
Sr. Presidente: se a gente não está a representar aqui uma ficção, uma farça, e as palavras, que acabamos de ouvir ao Sr. Presidente do Ministério têm um significado, êsse significado só pode ser êste:
Os Parlamentos até agora têm julgado que há duas maneiras de derrubar os Ministérios uma por meio de moções de desconfiança, outra convidando-os a retirarem-se por meio duma atitude de não colaboração. À primeira chama o Sr. Presidente do Ministério «atitudes activas do Parlamento»; á segunda «atitudes negativas do Parlamento».
E o Sr. Presidente do Ministério a seguir acrescenta:
— «As atitudes activas tem para mim uma significação concreta. Ir-me hei embora se elas só manifestarem claramente; as negativas encontram-me grudado às cadeiras do Poder».
E então o Sr. Presidente do Ministério julga-se autorizado por êste descrédito do Parlamento a passar por cima dele, e entende que deve promulgar certas medidas, já que êle o não quis fazer.
As,sim, a declaração do Sr. Presidente do Ministério deixa em aberto uma circunstância de ordem constitucional, que não tínhamos ainda encarado com a devida clareza.
Todas as vezes que um Presidente do Ministério entende que se encontra perante uma atitude negativa do Parlamento passa por cima da sua inércia o promulga as medidas que julga convenientes. Não há doutrina mais constitucional que esta, e essa constitucionalidade é para mim um motivo de regozijo íntimo.
O Sr. Carlos Olavo: — Jurisprudência em que V. Exa. também colaborou.
O Orador: - Então, segundo V. Exa., é por intermédio do Sr. Vitorino Guimarães, seu aliado de hoje e meu amigo de sempre, que eu, fiz isto que o Sr. Presidente do Ministério se autoriza a fazer. E fi-lo nas mesmas condições? V. Exa. está enganado.
Não sei se V. Exa. ou outro qualquer republicano sabe quais os motivos que me levaram, contra minha vontade, a constituir um Ministério que eu sabia estar condenado a uma vida efémera.
O Sr. Presidente da República deparou esse acto necessário, porque dentro da cidade que, Lisboa havia a desordem.
Fui forçado a aceitar, prometendo a mim próprio não fazer ditadura.
Devo fazer uma declaração em meu nome pessoal.
Nunca fui uma pessoa que enjeitasse as suas próprias responsabilidades. Posso ter pouco respeito por determinadas ficções; mas o que não sou capaz é, porventura, embora seja acusado de partidário de ditaduras, de fazer actos ditatoriais, como o Sr. Presidente do Ministério tem feito, e o Parlamento.
Apoiados.
Tenho uma sensibilidade política que se confunde com a própria sensibilidade pessoal.
Para que viver miseravelmente atafulhado em ficções a dizer que sou constitucionalista, incapaz de violar a Constituição?
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Eu, que me lembro de que sou leader do Partido Nacionalista, ataco o Sr. Presidente do Ministério em nome dos princípios constitucionais? Não; deixo isso a outra pessoa, pelo respeito que a mim próprio devo.
As afirmações do Sr. Presidente do Ministério estão abaixo dum homem como o Sr. Álvaro de Castro.
Condeno-as em nome da minha inteligência.
Julgo que V. Exa. falta à verdade, por uma falta de memória.
V. Exa. promulga uma medida necessária à vida do Estado, diz-se.
Mas temos o Parlamento aberto, e não nos encontramos em presença de um Presidente da República que nos diga que não havia maneira de resolver o assunto.
Nesse momento via-se obrigada a consciência de um homem que tinha dado a palavra de honra de que não faria ditadura, e que não queria fazer ditadura, e não fez ditadura.
Não tínhamos um Parlamento a quem confiar a nossa missão, e tínhamos um Presidente da República que nos apontava a necessidade de promulgar um duodécimo anormalíssimo.
Era preciso fazê-lo.
Mas só o fizemos para que nós ou outro Govêrno qualquer pudesse viver, e para evitar uma revolução nas ruas que estalaria se fôssemos convocar o Parlamento dissolvido.
Pretender comparar esta situação em que se viu o Sr. Vitorino Guimarães, com a de V. Exa. Sr. Ministro das Finanças, que não quere ouvir o Parlamento, não é próprio da inteligência de V. Exa.
Se V. Exa. fôsse um ditador — V. Exa. é-o, mas sem se conhecer a si próprio, ama a ditadura que também orneie o Sr. Alberto Xavier, que nós infelizmente não temos visto nesta casa, mas que é uma ditadura feita da subserviência de nós todos, o que nos vexa e deprime! — se V. Exa., em lugar de ser um constitucionalista fôsse como eu uma pessoa que no dizer de muitos é pouco constitucionalista, o acto de V. Exa. seria desculpável; porque eu defendo o princípio de que os povos têm primeiro o direito de viver e acima disso há nada. Mas V. Exa. diz que acima dêsse direito está a Constituição, e por isso tem sempre de cumpri-la, não tendo desculpa qualquer acto seu feito com critério diferente.
Contudo, V. Exa. esfrangalha todos os dias a Constituição, atingindo o seu passado e atingindo o efeito da revolução de Santarém em que V. Exa. entrou para defender a Constituição, e em que eu entrei principalmente porque entendia que a situação que estava não servia aos interêsses do País!
Apoiados.
V. Exa. esfrangalha todos os princípios constitucionais que diz defender para fazer a ditadura de apoio, e a maioria da Câmara consente-o, os seus componentes, desculpe-se-me á expressão, são tam cobardes que não reagem.
Assim, pregunto à consciência dos que me escutam: onde estão nesta altura os princípios constitucionais mantidos, com a atitude do Govêrno?
Estamos ou não em face de um Parlamento que tendo por norma antigamente derrubar os Governos que lhe não obedeciam, agora se sujeita a todos os vexames que os Governos lhe querem fazer?!
Apoiados.
Não julgue, porém, V. Exa. — V. Exa. sabe-o! — que pretendo armar em vítima para substituir qualquer dos seus correligionários.
Não.
É certo que o Sr. Velhinho Correia empregou a favor da proposta algumas palavras; mas tenho a certeza de que o Sr. António Maria da Silva se vai justificar plenamente mostrando o seu desacordo, embora vote depois a moção de confiança.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Leu-se e foi admitida a moção do Sr. Cunha Leal.
O Sr. Abranches Ferrão (sobre a ordem): — Sr. Presidente: em meu próprio nome e de alguns Srs. Deputados Independentes desejo fazer algumas considerações, embora ligeiras. Mas antes vou mandar para a Mesa a minha moção:
A Câmara dos Deputados, considerando que o actual Govêrno não tem conseguido do Parlamento um apoio suficientemente eficaz, que lhe permita fazer face à situação grave que o país atravessa,
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convida o Sr. Presidente do Ministério a atender a êste estado de cousas, e passa à ordem do dia.—Abranches Ferrão.
Sr. Presidente: as relações do Govêrno com esta Câmara são na verdade dignas de apreciação; e o Parlamento tem razão quando afirma que o Govêrno deve abandonar o Poder por êsse motivo e não por outras razões.
Esta é que é a verdade.
Àpartes.
Mas também não se compreende que o Govêrno, tendo uma maioria que o apoie, não caminhe sem dificuldades maiores.
Àpartes.
Mas a verdade é, que, não havendo nenhuma moção de confiança nem moção de desconfiança, o Govêrno não tem de abandonar as cadeiras do Poder.
Se o Parlamento não se pronuncia de modo a esclarecer esta situação em que o Govêrno se encontra, e não lhe dá qualquer solução, então peça o Govêrno a dissolução do Parlamento.
Apartes.
Q que se tem feito é uma cousa que avilta uma instituição como o Parlamento. E não há o direito de atacar indivíduos injustamente.
O Sr. Presidente do Ministério fez referências a factos, a que outros, melhor do que eu, lhe poderão responder.
Não está presente o Sr. Barros Queiroz que poderia responder às considerações que foram feitas.
Eu não me lembro bem das circunstâncias em que os factos se deram.
Àpartes.
Mas creio que S. Exa. se quis referir a um acto semelhante - ao que - V. Exa. pensa praticar, realizado pelo Sr. António Maria da Silva.
Àpartes.
A verdade é que o próprio Sr. Presidente do Ministério se viu na necessidade de promulgar uma medida ditatorial com o Parlamento aberto.
Isto significa que o Sr. Presidente do Ministério não tem aquele apoio que é necessário.
Gomo Deputado independente afigura-se-me que o Govêrno, tal como se encontra constituído, não está nas melhores condições para conduzir os destinos do País.
E nestas condições está explicada a minha moção, que não é de desconfiança ao Sr. Presidente do Ministério, mas visa a que a situação se aclare, a fim de V. Exa. poder caminhar desembaraçadamente.
Eram estas as considerações que no momento presente tinha de produzir.
Tenho dito
Foi lida e admitida na Mesa a moção do Sr. Abranches Ferrão.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Do mal epidémico que atacou o Govêrno, já resultou uma vítima; e dá-se a circunstância interessante de que foi atingido, em primeiro lugar, o mais robusto, mais decidido e enérgico de todos os Ministros!
O Sr. Hermano de Medeiros (em aparte): — Foi gangrena!
O Orador: — O Sr. Presidente do Ministério, da primeira vez que falou, declarou o Govêrno por motivos particulares, e, depois, emendou dizendo que fora pôr divergências de ordem política.
Não sei se esta será a verdade, mas num jornal, de que é director o ex-Ministro do Comércio, já S. Exa. se queixou que não poderia realizar a obra que tinha planeado.
Se a razão é esta, vejo que S. Exa. se deixou sugestionar pelos meus conselhos, aqui dados repetidamente.
Vê-se pois, que eu estava na boa razão.
O debate que aqui se estabeleceu hoje é deveras curioso.
Ouvi dizer: eu fiz ditadura, tu fizeste ditadura, elo fez ditadura, e como todos fizeram ditadura — disse o Sr. Álvaro de Castro — eu tenho também o direito de fazer ditadura!
Eu pregunto por que mataram o Presidente Sidónio Pais, que, ao menos, teve sôbre todos a vantagem de ser franco na sua ditadura, e a exerceu em benefício do País, assumindo responsabilidades que nenhum republicano teve ainda até hoje.
Pregunto se mereceu a pena fazer o sacrifício da sua vida, quando, afinal, todos têm feito ditadura.
O próprio Sr. Álvaro de Castro veio
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hoje no órgão oficioso do Govêrno e da Moagem, ameaçar-nos com a ditadura, se o Parlamento não lhe votar o que êle quere.
Saiba o Sr. Álvaro de Castro que nós não temos medo nem do Govêrno. E pregunto a S. Exa. Como se explica que tenha sido o chefe da revolta em Santarém,em defesa da Constituição?
A proposta não representa mais do que 12 duodécimos, e sobretudo equivale a um precedente terrível.
Aprovada ela, nunca mais serão discutidos os orçamentos, abdicando-se assim da primacial função do Parlamento.
A proposta é manifestamente inconstitucional
Entrou um dia aqui um batalhão de quinze garbosos rapazes, vindo à frente deles o Sr. Alberto Xavier, e desfraldou o estandarte de defesa da majestade «augusta» da Constituição e do prestígio do Parlamento.
Pois o Sr. Alberto Xavier foi lá para fora esfarrapar o estandarte, e é o principal auxiliar da escandalosa obra ditatorial do Govêrno. Isto é assombroso!
Não terminarei sem manifestar o meu regozijo pelo facto de ter provocado êste debate político, que certamente vai originar a queda do Govêrno.
O Sr. Tavares de Carvalho (para um requerimento): — Requeiro que seja prorrogada a sessão, com prejuízo da segunda parte da ordem do dia, até se votar o assunto em discussão.
Foi aprovado.
O Sr. Velhinho Correia: — Começo as minhas considerações por dizer que em todas as circunstâncias da minha vida tenho o orgulho de tomar sempre a responsabilidade dos meus actos.
É assim que eu tenho defendido a política financeira do Govêrno.
Sr. Presidente: tenho defendido em todas as circunstâncias as propostas apresentadas pelo Govêrno, tendo tido a lealdade de declarar os detalhes com que não tenho concordado.
Neste momento, que considero gravíssimo para a vida portuguesa, em que me parece que a vida do Govêrno chegou ao seu termo, entendo que devo dizer o que penso sôbre o que se vai passar.
Sr. Presidente: todos os homens que andam na política compreendem a minha atitude.
Eu já tive ocasião dizer que trabalhei pela República, antes da sua fundação.
Dela nada tenho recebido e dela nada preciso.
Sr. Presidente: é um êrro grave deitar a terra o Govêrno, é um êrro grave prejudicar a continuidade da obra financeira do actual Sr. Ministro das Finanças, pois a verdade é que o Sr. Ministro das Finanças nestes últimos tempos de vida financeira da República veio marcar uma situação nova.
O Sr. Ministro das Finanças, desde que apresentou a esta Câmara o seu plano financeiro, mostrou-nos logo a possibilidade de uma vida nova, muito diferente na verdade, daquela que se tem seguido até hoje.
S. Exa. mostrou-nos um novo caminho em matéria financeira, razão por que eu digo, e torno a dizer, que deitar a terra o Govêrno neste momento é um êrro grave, direi até gravíssimo.
Sr. Presidente: eu vou dizer algumas palavras sôbre os números dêste relatório; pois a verdade é que não chego a compreender a ironia com que êles foram apreciados por alguns dos Srs. Deputados que os conhecem tam bem como eu, e sabem que êles representam a expressão da verdade.
Sr. Presidente: isto faz-me lembrar, nem mais nem menos, o que em tempo se passou com um grande homem da República, um dos primeiros políticos, o Sr. Afonso Costa, que na verdade conseguiu fazer o equilíbrio das finanças públicas, que na verdade conseguiu manter êsse equilíbrio financeiro durante dois anos, obra essa que na verdade, e infelizmente, não teve continuidade, apesar dos grandes talentos que têm passado pela pasta das Finanças.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Incluindo V. Exa.
O Orador: — Eu, Sr. Presidente, não falo da minha pessoa, pois a verdade é que se não me conto no número dêsses grandes talentos, o que é facto é que sou um homem que estou habituado a estudar e a trabalhar, só sabendo dizer o
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que penso com toda a lealdade e boa fé.
Permita-me a Câmara que eu faça um pequeno exame aos números trazidos pelo Sr. Ministro das Finanças, os quais devem ser na verdade apreciados com satisfação pela Câmara, pois a verdade é que no que diz respeito à circulação fiduciária ela não tem sido aumentada desde Dezembro do ano passado.
Mas não só por esta rubrica há que considerar o problema. Temos, também, que o considerar no total; e, mesmo assim, apesar das flutuações resultantes do contrato de Dezembro de 1922, podemos dizer que durante seis meses seguidos a circulação se tem estabilizado e que novos recursos, novos processos se iniciaram na vida financeira do Estado, de modo a se evitar a estamparia do Banco de Portugal.
Ainda não na muitos dias que eu dizia ao Sr. Presidente do Ministério: Estão contados os seus dias. A hora que passa é a mais difícil. Reclamam-se notas, apesar de nunca ter havido em Portugal uma tam avultada circulação fiduciária. Os organismos económicos e financeiros que arrastaram o País a esta situação, tendo conseguido elevar o custo da vida ao ponto em que se acha, só têm uma maneira de evitar a sua catástrofe: obter mais-notas.
Sabe V. Exa. e sabe a Câmara que a circulação não é hoje senão 15 vezes mais do que em 1914. Então era de 100:000 contos e hoje é de 1.500:000 contos. Assim, sendo a circulação apenas de 15 vezes mais e não tendo deminuído, como já tive ocasião de provar com números que não foram contestados, a nossa riqueza pública, a nossa riqueza e produção industrial, a nossa riqueza e produção agrícola, como se explica uma posição cambial que se cifra em 30 vezes o preço da libra?
Para se avaliar a nossa produção industrial bastará ver que só para a nossa principal indústria — a indústria do algodão — se importaram o ano passado £ 3.000:000 de matéria prima, cuja produção se pode computar entre 500:000 e 600:000 contos.
Bastaria, como o Sr. Presidente do Ministério pensou, uma simples taxa de 3 ou 5 por cento sôbre os produtos saídos dessa indústria para se obter uma receita que faria imediatamente o equilíbrio do orçamento.
Como disse, Sr. Presidente, emquanto a libra está 30 vezes mais cara, a circulação não aumentou senão 15 vezes. Há, pois, um coeficiente 15 que é produto do crime que se quere repetir e do êrro em que se quere reincidir.
Um àparte.
O Orador: — É o crime, é a Rua dos Capelistas.
Dizem que não há notas suficientes para as necessidades da vida.
Não há de facto; mas porque as não há?
Porque o custo da vida foi elevado à altura em que se encontra por motivo da especulação e do crime. A Rua dos Capelistas pede, portanto, que se aumente o número de notas até que êle atinja as necessidades do custo da vida. O remédio, porém, é justamente não aumentar a circulação, levando pela fôrça êsses criminosos a reduzir os preços das cousas até o limite que seja natural e lógico em harmonia com a situação do País. Era esta a política do Sr. Presidente do Ministério, política que consistia em assegurar as condições do Estado de tal maneira que para as suas próprias necessidades não mais fôsse preciso recorrer aos aumentos da circulação, aos suprimentos do Banco de Portugal; e, uma vez isto conseguido, a praça que se governasse que saísse dos embaraços em que se encontra, que colocasse os preços dos produtos no nível em que devem estar, correspondendo à circulação fiduciária e não a duas vezes mais.
Mas o que viria isto a representar?
Viria a representar a catástrofe para muitos indivíduos que, devendo vender os seus produtos por 100, os estão vendendo por 200.
Agora, Sr. Presidente, duas palavras apenas quanto aos números, quanto aos falsos números. Diz-se no relatório que o déficit era de 333:000contos, masque, devido ao agravamento do ágio do ouro, seria de 387:000 contos.
Ninguém contestou êstes números e, portanto, não são objecto de discussão.
Êstes são por todos aceitos porque são, infelizmente, a dura realidade.
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Vamos agora ver os outros e eu tenho muita honra em discutir cora quem quer que seja para aprender com as pessoas que sabem mais do que eu.
Leu.
Foi fácil ao Sr. Presidente do Ministério arranjar êste número. Não é obra sua, é o resultado duma política honesta, do não preenchimento das vacaturas existentes.
Portanto, está aqui como uma quantia necessária neste arranjo de contas, e é absolutamente verdadeiro.
Segue-se a redução dos encargos das obrigações dos tabacos.
Trata-se duma operação já realizada, por conseqüência é um número que também não pode ser contestado, tanto mais que provém de coeficientes certos e acções conhecidas na sua quantidade.
Segue-se o número que respeita à supressão da emissão da 2.ª série dos títulos de 6 1/2 por cento. Trata-se também dum número que é um arranjo de contabilidade.
Segue-se a redução do pagamento dos encargos da dívida interna ao câmbio de
23/8.
Êste número é dos mais contestados. Eu também fui daqueles que procuraram saber da sua veracidade, e verifiquei que êle corresponde inteiramente à verdade.
O Sr. Hermano de Medeiros (interrompendo): — O orador está fora da ordem! Não pode ser!
O Orador: — Tinha muita graça que eu estivesse fora da ordem quando estou a justificar os termos da minha moção.
Sr. Presidente: no que respeita à redução feita nos encargos da dívida externa, devo dizer a V. Exa. que a medida do Sr. Presidente do Ministério foi tam oportuna, como eficaz, e os números apresentados traduzem a verdade. Vou contar até a V. Exa. um facto que muito deve penalizar aquelas pessoas que diziam que esta medida prejudicando os créditos do País não dava os resultados que o Sr. Presidente do Ministério queria. Êste facto é absolutamente verídico.
Logo no dia seguinte àquele em que foi publicado o decreto uma quantidade de portugueses portadores dos títulos procuraram mandar para Londres uma porção
dos seus papéis para conseguirem que banqueiros ingleses os tomassem, beneficiando assim dos privilégios consignados pelo mesmo decreto. Realmente, alguns dêstes portugueses conseguiram vender parte dos seus títulos, mas o que a Câmara não sabe é que quando o decreto foi conhecido em Londres êsses indivíduos foram obrigados a recomprá-los e por preço muito inferior, porque os banqueiros ingleses fiéis cumpridores da lei não queriam ser cúmplices duma burla. Assim, quem tinha dêstes títulos teve de ficar com êles.
O Sr. Hermano de Medeiros (interrompendo): — O orador está fora da ordem.
O Orador: — Que graça eu estar fora da ordem...
A moção que ou apresento e envio para a Mesa diz:
Moção
A Câmara, confiando no Govêrno pelo seu esfôrço de ordem financeira tendente a melhorar as condições do Tesouro, a sanear o escudo da política dos aumentes de circulação fiduciária e marcando antes uma atitude enérgica contra as oligarquias financeiras que tem conduzido o País à ruína, aguarda a continuação da execução do seu plano por julgar de oportunidade a legalidade das medidas adoptadas, passando â ordem do dia.— F. O. Velhinho Correia.
Tem graça que só diga que estou fora da ordem, quando as considerações que estou fazendo são em defesa do que digo nesta moção.
Sussurro.
Trocam-se àpartes.
Vozes: - O orador está fora da ordem!
O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara.
O Orador: — Vendo os números, tem de se reconhecer que muito se deve à acção do actual Govêrno.
Assim pelo imposto de sêlo obter-se há uma receita que será superior à que foi calculada, de 20:000 contos.
Temos também os emolumentos consulares...
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Vários Deputados da minoria nacoinalista protestam, declarando que o orador continua f ora da ordem.
O Orador: — V. Exas. não conseguem nada com isso. Não gostam de o avir as verdades, mas hão-de ouvi-las.
Sr. Presidente: no que respeita a lucros de amoedação, estão aqui calculados em 47:000 contos.
Realmente, o número seria exagerado se tomássemos em conta a amoedação que se supunha fazer; mas, como ela vai até 200:000 contos e o rendimento se pode computar à razão de 30 para 40, ou seja 30$ por cada 40$ amoedados, temos de o considerar como não excessivo.
Depois diz:
Leu.
A verba deve ser muito superior, visto que o orçamento tem uma grande parte das suas receitas calculadas por taxas e emolumentos que já são diversos.
Há, também, 30:000 contos pelo que respeita à redução dos serviços públicos. Devo dizer que, na verdade, êste é um dos números em que o Sr. Ministro das Finanças exagerou.
Tendo em alguns ficado aquém da realidade, neste talvez se excedesse; mas, se com respeito ao funcionalismo se tomarem as medidas que são absolutamente necessárias, principalmente dispensando aqueles indivíduos que têm grandes fortunas, que têm várias ocupações, que exercem o comércio e a indústria e que por essa forma auferem grandes proventos, a redução pode ser igual ou superior à que se acha indicada.
Sr. Presidente: eu tinha de marcar a, minha posição e de dizer o que em minha consciência pensava do acto que a Câmara vai praticar.
Ficaria mal comigo próprio se, pelo facto de aquela estrela ou aquele sol estar agora no seu poente, não pusesse na defesa da obra do Govêrno o mesmo entusiasmo, a mesma fé que emquanto êle dispunha da fôrça do Parlamento.
A minha consciência mandava que dissesse a razão por que confiava na sua obra e por que confio e continuo a confiar na atitude e na orientação do Sr. Presidente do Ministério, orientação de molde a fazer sair o País da situação em que se encontra.
Ainda tinha outras considerações a fazer, mas essas serão feitas na hora própria, ou seja quando outro Govêrno ocupar aquelas cadeiras.
Só desejo uma cousa: é que o Govêrno que se siga a êste, em matéria financeira, seja melhor do que êle e melhor oriente os destinos do País, mas que não nos conduza a situações prejudiciais e irremediáveis.
Basta, Sr. Presidente, do recurso a aumentos fiduciários para liquidação das contas do Estado. É necessário que sob êste ponto de vista a política financeira do Sr. Álvaro de Castro seja continuada.
É necessário sair desta situação desgraçada.
Um Govêrno que não faça tal cousa será indigno e merecedor do nosso desprêzo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Leu-se e foi admitida a moção do Sr. Velhinho Correia.
O Sr. Tôrres Garcia: — Sr. Presidente: começo por ler a minha moção:
A Câmara dos Deputados, tomando conhecimento da demissão do Sr. Ministro do Comércio e considerando a conveniência de manter na Presidência do Ministério e na pasta das Finanças o Sr. Álvaro de Castro, até mais desenvolvida execução do seu programa financeiro, única maneira de conhecer da sua eficácia traduzida em resultados numéricos, espera que S. Exa., aproveitando o ensejo, dê ao Govêrno aquela constituição que seja mais consentânea com os interêsses da Pátria e da República e passa à ordem do dia.
Sala das Sessões, 26 de Junho de 1924.—Tôrres Garcia.
Sr. Presidente: o que está em causa acima de tudo é a acção financeira dêste Govêrno e é o que tem levantado nesta Câmara grande discussão.
Disse-se que a obra do Govêrno é contrária aos interêsses da Nação.
Apoiados.
Primeiro dizia-se que era falta de critério, e que não havia um plano financeiro completo, mas pouco a pouco foram aparecendo as medidas do Govêrno
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e viu-se que a sua contextura tinha um propósito determinado.
Para que a análise completa dessa obra se faça e se possam tomar responsabilidades a S. Exa., e fazer-lhe justiça, é necessário que ela tenha um desenvolvimento completo.
Nesse sentido é a minha moção, que exprime o modo do sentir também de muitos Srs. Deputados.
Todo êste incidente que discutimos é feito em volta duma crise parcial no Govêrno, devendo assim o Sr. Presidente do Ministério aproveitar o ensejo para formar um novo Govêrno que lhe garanta a continuação da sua obra e para que S. Exa. forme um Govêrno a fim de, sem agravo para ninguém, é possa, como afirmei, desenvolver aos olhos de todos nós a sua obra, tendo o tempo suficiente para lhe dar exeqüibilidade, o que sempre tem faltado aos governos da República.
De maneira que repilo todas as afirmações que foram feitas quando li a minha moção, na intenção do se ver nela qualquer menos consideração para com os restantes membros do Ministério. O Sr. Álvaro de Castro, se a Câmara votar a minha moção, apreciará o seu conteúdo e resolverá como entender no seu alto espírito.
Tenho dito.
É lida na Mesa a moção e admitida pela Câmara.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: tendo pedido a palavra sôbre a ordem, começo por mandar para a Mesa a minha moção que é a seguinte:
A Câmara, reconhecendo que a política do Govêrno, e designadamente a sua política financeira, tem sido extremamente perniciosas para a Nação e sobretudo para o crédito do Estado, passa à ordem do dia.
26 de Junho de 1924. — O Deputado, Artur Carvalho da Silva.
Sr. Presidente: é costume dizer-se: «não ponham mais na carta que já se percebeu tudo»! Assim se pode dizer também depois da moção enviada para a Mesa pelo Sr. Tôrres Garcia. Trata-se duma crise ministerial, mas duma crise ministerial republicana; não duma crise para satisfazer a opinião pública, mas mais duma crise do «tira-te de lá tu, para lá me pôr eu»! Trata-se de mais uma crise em que se esquece tudo, desde a obra do Govêrno em matéria do crédito do Estado, contribuições e finanças, até a sua política que só serviu para agravar cada vez mais a situação desgraçada do país.
Aí está a atitude da maioria, essa maioria que se cala sem entrar na discussão dos problemas de interêsse nacional, e que só fala hoje para fazer sair os Ministros que pouco fizeram, cuja obra é nula, mas que mantém o Sr. Presidente do Ministério com a sua nefasta obra, para que faça uma recomposição que lhe permita dizer: «são tantos Ministros para vocês e tantos para mim»!
São assim as reclamações da maioria democrática, não atendendo a que tem mantido nas cadeiras do poder um homem que não tem feito senão derrogar a obra do seu leader, o Sr. António Maria da Silva, e obrigada ela própria a faltar às promessas do seu partido!
Isto, depois de todas as reclamações e de todos os protestos que se têm levantado aqui e lá fora contra a obra verdadeiramente perniciosa do Govêrno do Sr. Álvaro de Castro, anunciando-se já outras medidas excepcionais sôbre as sociedades anónimas.
Não, Sr. Presidente, isto não pode ser; pois a verdade é que se torna necessário levar a tranqüilidade a todo o País, que está reclamando contra a obra verdadeiramente perniciosa e nefasta do Sr. Presidente do Ministério, a qual se deve em grande parte à maioria parlamentar, que assim tem desprezado os legítimos interêsses do País.
O actual Govêrno, Sr. Presidente, com o apoio da maioria, não têm feito outra cousa senão agravar cada vez mais a situação em que nos encontramos, criando conflitos de toda a ordem, como o dos Correios e Telégrafos (que tão graves prejuízos está causando ao País, e que continuará a causar, visto que nós sabemos muito bem que o Govêrno que fica é o mesmo do roubo aos credores do Estado, dos aumentos do circulação fiduciária, da venda da prata e dos títulos-ouro, das falsas reduções de despesas, do as-
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salto às sociedades anónimas e dos impostos brutais, o mesmo Govêrno que tem dado cabo dos restos do crédito do Estado, estabelecendo somente o pânico, quando o que era necessário, e indispensável, era estabelecer a confiança no País.
A verdade ê esta; pois o Govêrno que fica é o mesmo, atentas as conveniências políticas, visto que, para a maioria, as reclamações do País pouca ou nenhuma importância têm.
Vou, Sr. Presidente, terminar as minhas considerações; mas, antes de o fazer não posso deixar de dizer ao Sr. Abrantes Ferrão que S. Exa. não tem razão quando diz que o Govêrno não tem conseguido do Parlamento um apoio suficiente, e eficaz, que lhe permite fazer face à situação grave que o País atravessa.
A verdade é que isso não é assim.
A situação grave que o País atravessa deve-se única e exclusivamente à acção perniciosa e nefasta do Govêrno, que na verdade nos vem apresentar economias que não existem.
Sr. Presidente: não quero entrar em pormenores acerca dos rendimentos dos impostos; mas verifica-se que o Sr. Ministro das Finanças, longe de resolver a situação, ainda mais a agravou no momento em que o País luta com mais dificuldades.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi lida e admitida na Mesa a moção do Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Dinis da Fonseca: — De harmonia com as prescrições regimentais vou ler a minha moção.
Moção de ordem
Considerando que, pelas pastas do Interior, da Justiça e da Instrução, têm sido publicadas medidas atentatórias das liberdades religiosas da maioria dos cidadãos portugueses;
Considerando que essas medidas constituem uma violação das garantias constitucionais e, por isso, manifesto abuso do Poder Executivo:
A Câmara passa à ordem do dia. — Joaquim Dinis da Fonseca.
Declarou-se a crise governamental pela saída do Govêrno do ilustre Deputado Sr.
Dr. Narciso Simões, entrando para a pasta do Comércio, provisoriamente, o Sr. Ministro da Instrução.
Não quero furtar-me à praxe parlamentar, apresentando os meus cumprimentos ao Ministro que saiu do Govêrno, pois tenho por S. Exa. uma grande e merecida consideração.
É sabida a atitude da minoria católica. Estranha a partidarismos, representa a consciência da grande maioria dos portugueses.
E é natural que nos sintamos ofendidos por decretos que foram atingir o sentimento religioso dessa maioria.
Pela pasta do Interior foi publicada uma portaria que negou aos católicos o direito de reunião, pondo de parte as garantias constitucionais.
Pela pasta da Instrução foi negado o direito da liberdade do pensamento, calcando a autonomia de um estabelecimento de ensino.
Assistimos neste Parlamento, há poucos dias, ao anúncio dum projecto de lei, que é um grito do Govêrno contra os católicos do País inteiro; o não sabemos, ainda agora, se, porventura, o Sr. Presidente do Ministério é ou não solidário com essas medidas dum dos seus Ministros.
Apoiados.
Precisamos, por isso, de preguntar ao Sr. Presidente do Ministério quais as suas ideas, e as do seu Govêrno, respeitantes, às medidas de um dos seus Ministros; ou se elas são um acto pessoal do Ministro.
Ainda mais: pela pasta da Justiça foi anunciada uma nota pelos jornais, afrontosa para os párocos do País, negando-lhes o direito das leis por um decreto assinado por S. Exa.
Não quero dedicar mais tempo a estas considerações, tanto mais que terei ocasião de voltar oportunamente a falar.
Quero porém; já, dizer ao Govêrno o seguinte: sabido é que nós não combatemos o regime emquanto fizer boa política; mas se, porventura, os homens do regime se declararem incompatíveis com as crenças da maioria dos católicos portugueses, ninguém estranhará que tomemos, em frente do sectarismo dos homens do regime, aquela atitude de defesa que é pedida pelo uso legítimo dos seus direitos,
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e ainda mais pela dignidade própria de homens livres, que nos prezamos de ser.
Tais são as considerações que tinha a fazer para justificar a moção que mando para a Mesa.
O orador não reviu.
Foi admitida e entra em discussão.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: tentar iludir os factos, sobretudo tentar iludir as circunstâncias políticas, é sempre trabalho baldado, trabalho inútil, quando não redunda em origem de males para a República.
Sr. Presidente: encontramo-nos em face duma situação desta natureza:
O esfôrço que se emprega em dar vida a êste Govêrno, não é mais do que tentar iludir as circunstâncias.
Com êste debate vão certamente surgir várias moções de desconfiança ao Govêrno.
Mas a primeira moção de desconfiança apresentou-a um próprio membro do Govêrno, o Sr. Nuno Simões, Ministro do Comércio, ao abandonar o Poder. Esta é que foi a verdadeira moção de desconfiança.
O que neste momento se está passando nesta Câmara não pode constituir surpresa para ninguém, porque se trata de um acontecimento previsto e que todos aguardavam.
Acaso já foi explicada pelo Govêrno a razão da saída do Sr. Ministro do Comércio?
Até êste momento não foi pronunciada a tal respeito qualquer palavra para esclarecer a Câmara.
Todavia alguma cousa temos. Temos as explicações dadas pelo Sr. Nuno Simões no jornal A Pátria.
Dessas explicações resulta a conclusão de que S. Exa. abandonou a pasta do Comércio por julgar ineficaz e inviável a acção do Govêrno.
Sr. Presidente: como se vê, chegou a hora de o Govêrno se ir embora.
Não nos iludamos. É certo que o Govêrno tem obtido votações favoráveis.
Mas só quem tem o propósito de se iludir poderá deixar de dar a essas votações o seu verdadeiro significado — tam fracas, duvidosas e deminutivas elas foram.
Nessas votações foi muitas vezes uma indicação insofismável desta Câmara...
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Não apoiado!
O Orador: — V. Exa. diz: não apoiado. Mas a verdade é que se o Govêrno de V. Exa. não sofreu há dias um cheque nesta Câmara, isso se deve ao facto de alguns membros do Govêrno votarem uma moção de confiança.
Apoiados.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Não se trata de um facto novo no Parlamento Português.
O Orador: — Eu não compreendo que o Poder Executivo possa ser, ao mesmo tempo, Poder Legislativo.
O que se tem feito é iludir as circunstâncias e os facto», e isso só pode trazer más conseqüências para o País. Não quero negar ao Govêrno patriotismo, boas intenções e desejo de acertar; mas o que é verdade é que o seu esfôrço nem sempre alcançou o que tinha em mim e assim a obra do Govêrno foi precipitada, tumultuaria, por vezes, e desconexa. E o Parlamento tem o direito de manifestar ao Sr. Álvaro de Castro a sua estranheza, até mesmo a sua frieza, porque, com efeito, o Govêrno passou constante-mente por cima do Parlamento.
O Sr. Velhinho Correia: — Felizmente!
O Orador: — Um Deputado da Nação não tem o direito de desejar uma tal felicidade.
O Sr. Velhinho Correia: — Estamos já no fim de Junho e ainda não se discutiram, os orçamentos.
O Sr. Pedro Pita: — £ Mas se o Parlamento não cumpre a sua missão, para que faz V. Exa. parte dele?
O Sr. Velhinho Correia: — Para poder protestar.
Vozes: — Tem graça!
O Orador: — O Govêrno nem sequer teve em conta o crédito externo da Nação.
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Sem êste crédito ninguém poderá sanear as finanças públicas. O factor principal para o equilíbrio das nossas finanças é a confiança; e eu creio que, infelizmente, êsse factor está prejudicado em Portugal por muito tempo.
Eu concluo pelas palavras com que comecei: o Govêrno procurou cumprir o seu dever, mas não foi feliz e não tem agora senão que reconhecer êste estado de cousas e dar o lugar a outro que venha substituí-lo com maior êxito.
Mando para a Mesa a minha moção que diz:
«A Câmara dos Deputados, consideram do a gravidade da situação que o País atravessa e verificando que o actual Govêrno está impossibilitado de resolver eficazmente os problemas da hora presente, passa à ordem do dia.— Vasco Borges.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Leu-se na Mesa a moção.
Foi admitida e ficou em discussão.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Pedi a palavra, não para responder ao Sr. Vasco Borges, mas unicamente para rectificar um facto.
O Govêrno pode votar moções, desde que os seus membros sejam parlamentares e não considerem a moção como de desconfiança.
Vários àpartes.
O Sr. Lopes Cardoso: — Estando sôbre a Mesa uma moção de desconfiança...
O Orador: — Já Ministros no Gabinete do Sr. Sá Cardoso votaram moções de confiança.
Vários àpartes.
O Sr. Lopes Cardoso: — Eu vou explicar: se houve Ministros que votaram a moção foi distraidamente, e até o Sr. Joaquim de Oliveira considerou isso um disparate.
O Sr. Joaquim de Oliveira não estava nesta Câmara e não teve conhecimento do facto senão quando se falou dele.
Não se compreendia que, votando-se uma moção de confiança, ficasse na sala.
Àpartes.
O Orador: — Eu tenho apenas de apreciar os factos sem perscrutar a consciência de cada um.
O que é certo é que eu, como Ministro, tenho o direito de intervir nas discussões, e igualmente como Deputado, e apreciar os factos como Ministro. Quando não haja qualquer moção de confiança ou desconfiança a votar, eu posso estar na sala.
Àpartes.
Há sempre uma forma de o Parlamento manifestar a sua desconfiança.
Eu não quero deixar passar as afirmações do Sr. Vasco Borges relativas ao respeito à Constituição, quando S. Exa. praticou um grande atropelo à lei sendo Ministro.
S. Exa., sendo Ministro, entendeu que podia revogar uma sentença judicial.
Àpartes.
Eu nunca fiz tal cousa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa (sôbre a ordem): — Vou mandar para a Mesa a seguinte moção:
«A Câmara dos Deputados, considerando que o Govêrno não tem a homogeneidade necessária para prosseguir com eficácia na obra financeira encetada, passa à ordem do dia.
Em 26 de Junho de 1924. — Jaime de Sousa».
Sr. Presidente: a saída do. Sr. Ministro do Comércio motivou êste debate.
S. Exa. era uma figura de grande relevo no Ministério. Bastante havia a esperar do seu valor, tendo mostrado na gerência da sua pasta não só que conhecia os assuntos, como também que os tratava de frente.
Fiquei bem surpreendido vendo S. Exa. sair do Govêrno onde ficavam outras individualidades que o deviam acompanhar na sua saída.
Eu sou insuspeito falando assim, porque tenho alguns amigos fazendo parte do Ministério.
Do Ministério fazem parte alguns amigos meus pessoais e políticos que eu mais estimo e considero, como homens e como políticos. Nestes termos tenho toda a autoridade para falar, estranhando que a ré-
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composição do Govêrno, nesta emergência, se reduzisse à saída do titular da pasta do Comércio, havendo ficado o Govêrno constituído por tal forma que eu entendo que não tem aquela homogeneidade necessária para proceder à sua obra.
Estamos, passado o dia 30 de Junho, sem orçamento, lei de meios ou qualquer lei que possa tornar viável a situação do Estado em matéria financeira. Por isso peço à Câmara um momento de calma e de atenção, para que a situação política seja examinada com aquela prudência e senso a que muitas vezes o fervilhar das paixões se opõe.
É necessário, nas circunstâncias difíceis que o país atravessa, que a paixão política não possa obcecar o espírito daqueles que têm por missão dirigir os negócios públicos. É que a responsabilidade, seja qual fôr a sua extensão, recaia, inteiramente sôbre os políticos. É muito grave que passado o dia 30 de Junho não haja orçamento, nem situação financeira definida e clara.
Nestas circunstâncias julgo, sem precipitações, que a crise política deve ter maior extensão do que realmente teve, e deve ser conduzida por forma a que, passado o dia 30 de Junho, não nos achemos numa situação financeira sem saída.
Julgo que a minha moção é aquela que corresponde ao sentir da Câmara e à necessidade de resolver o problema financeiro, de forma a não ir para um beco sem saída, de graves conseqüências para o Estado.
Lá fora o país inteiro está com os olhos postos sôbre o Parlamento, esperando que uma situação grave não seja criada com os votos do mesmo Parlamento.
Julgo, pois, que a minha moção dá a garantia de que a crise será resolvida com aquela extensão que as circunstâncias exigem e de que não vamos criar situações que para o país e para o Estado seriam de graves conseqüências.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Olavo: — Sr. Presidente: em harmonia com as disposições regimentais tenho a honra de mandar para a Mesa a seguinte moção de ordem:
«A Câmara dos Deputados, considerando que o Govêrno cumpriu sempre o seu dever, concorrendo de uma maneira eficaz para o melhoramento das condições económicas e financeiras do país, passa à ordem do dia.— O Deputado, Carlos Olavo».
Seja qual fôr a situação do Govêrno não me esqueço de que, neste momento, o que está em discussão é a substituição na pasta do Comércio do Sr. Nuno Simões pelo Sr. Helder Ribeiro. Nestas circunstâncias, em nome do grupo de acção parlamentar republicana, não deixarei de cumprimentar e felicitar o Govêrno e o país por o Sr. Helder Ribeiro ter sido escolhido para o provimento da pasta do Comércio, não deixando de lamentar que essa vaga tenha sido deixada por um homem com a competência e inteligência do Sr. Nuno Simões que, no exercício de Ministro, não é a primeira vez que tem assinalado o seu valor, o que ninguém poderá contestar.
Antes de se iniciar êste debate, feriu a minha atenção a pregunta formulada pelo Sr. Cancela de Abreu, que, dirigindo-se à Mesa, preguntou se o ilustre Presidente do Ministério já tinha feito comunicação à Câmara de que se havia dado a crise parcial do Govêrno na pasta do Comércio, tendo saído o Sr. Nuno Simões, que fora substituído por «um tenente-coronel».
Sr. Presidente: estranho bastante a afirmação do Sr. Cancela de Abreu, porque se se tratasse de um oficial do exército, desconhecido desta Câmara e da política portuguesa, talvez tivesse justificação a frase de S. Exa.
O Sr. Cancela de Abreu (em àparte): — A minha intenção era frisar que, devendo a pasta do Comércio competir a um engenheiro, é ocupada por um oficial do exército.
O Orador: — Eu bem sei que a expressão tenente-coronel...
O Sr. Cancela de Abreu (interrompendo}: — Perdão! A minha frase foi: por um oficial do exército.
O Orador: — Eu neste momento estou respondendo ao Sr. Lelo Portela.
Eu bem sei que a expressão tenente-coronel não é desprimorosa; mas o tem é
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que pode constituir um desprimor que o Sr. Helde Ribeiro não merece, porque tem largos serviços prestados à Pátria e porque, quando Ministro, tem desempenhado sempre com proficiência as suas funções.
Sr. Presidente: em minha opinião o que é indispensável .é que à frente das diferentes pastas estejam pessoas de competência, tenham elas a profissão que tiverem.
Devo dizer que de todas as moções apresentadas a mais francamente oposicionista é a do Sr. Vasco Borges.
S. Exa. ao iniciar as suas considerações disse que ia falar em nome do país. Eu não compreendo como é que S. Exa., que nem sequer falou em nome do seu Partido, pôde falar em nome do país.
O Sr. Vasco Borges (em àparte): — Eu sou Deputado da Nação.
O Orador: — V. Exa. é Deputado da Nação, mas não tinha o direito de dizer que ia falar em nome do país, quando nem sequer estava autorizado a falar em nome do seu partido.
Sr. Presidente: o Sr. Vasco Borges levou a sua hostilidade ao ponto de dizer que as medidas do Govêrno, aprovadas por êle próprio, eram uma indicação para o Govêrno sé ir embora.
O Sr. Vasco Borges (interrompendo): — V. Exa. está equivocado. Eu não aprovei essas medidas.
O Orador: — Se V. Exa. não as aprovou, aprovou-as o partido a que pertence, e conseqüentemente V. Exa. tem a sua responsabilidade política amarrada a essa parte.
Interrupção do Sr. António Correia que não se ouviu.
O Orador: — Mas o Sr. Vasco Borges levou ainda a sua hostilidade até o ponto de declarar que o Govêrno tinha votado em si próprio.
Ora, era necessário distinguir as votações em que o Govêrno deve sair da sala; e não me parece que a doutrina do Sr. Vasco Borges esteja nas tradições parlamentares de qualquer país.
Em França, e é bom que a Câmara saiba isto, os Ministros votam as moções de confiança; e em Portugal, a moção que o Govêrno aprovou foi a que incidiu sôbre o projecto relativo à fixação dos juros da dívida externa.
O Govêrno pode votar, sempre que não se trate de uma moção de desconfiança absolutamente política.
O Sr. Presidente do Ministério — e esta frase foi criticada pelo Sr. Cunha Leal — referiu-se às atitudes activas e negativas do Parlamento.
Ora a verdade é que, dada a organização do nosso sistema parlamentar, o Govêrno não pode ter em atenção as atitudes negativas do Parlamento, visto que está apoiado por uma grande maioria.
E neste momento é indispensável prestar homenagem àqueles membros desta Câmara que desde a primeira hora deram a sua confiança ao Govêrno.
Mas o que é certo é que, a despeito dêstes apoios, nunca o Govêrno pôde realizar dentro do Parlamento obra eficaz; e para êste facto muito concorreu haver dentro do Parlamento indivíduos que pouco se importam com o prestígio parlamentar.
Não se pode acusar o Govêrno de ter feito obra ditatorial. Um Govêrno que governa com o Parlamento aberto não faz obra ditatorial.
Eu não teria dito uma palavra nesta sessão, se não fôsse a necessidade de fixar bem a atitude dêste grupo parlamentar.
Eu desejava que o Govêrno continuasse nas cadeiras do Poder para realizar aquela obra que há-de ser o ponto de partida para um Govêrno que venha depois dele para que se realize aquela grande obra que é necessária para a pátria portuguesa e para a República.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi lida e admitida na Mesa a moção do Sr. Carlos Olavo.
O Sr. Vitorino Guimarães: — Começo por ler a seguinte:
Moção
A Câmara dos Deputados, reconhecendo que a situação do Govêrno, tal como está constituído, não satisfaz as legítimas
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exigências do País, passa à ordem do dia.
Em 26 de Junho de 1924.— O Deputado, Vitorino Guimarães.
Sabe V. Exa. que foi de surpresa que se abriu êste debate, motivado pela saída do Sr. Nuno Simões do Govêrno. Esse facto colocou-me numa certa dificuldade para falar neste momento.
Tem o Partido Republicano Português dado o seu apoio à obra do Govêrno; mas êste partido não pode concordar inteiramente com a forma como foi apresentada pelo Sr. Presidente do Ministério a resolução da crise aberta pela saída do Sr. Dr. Nuno Simões. Não abandonou S. Exa. o poder nem por falta de saúde, nem por incompatibilidades com os seus colegas do ministério, nem tam pouco por qualquer voto da Câmara.
Foi explicado, quer pelo Sr. Presidente do Ministério, quer pelo Sr. Nuno Simões, que êste último saiu do Ministério por reconhecer nada poder fazer do útil e profícuo para o país. Ora é fora de dúvida que, perante esta afirmação, a situação do Govêrno ficou completamente modificada, segundo o nosso critério. Além disso, quere-me parecer que a resolução da crise foi imperfeita, e nas palavras que vou pronunciar, nem o meu querido amigo Helder Ribeiro, nem a Câmara podem ver menos consideração por S. Exa., porque reconheço o seu valor e competência, além de me ligar a S. Exa. uma velha e sólida amizade. Mas nós temos que ver, acima de tudo, os interêsses do país.
Efectivamente, não deixando de reconhecer competência que a tem, nem inteligência que a possui, nem qualidades de carácter e honestidade que o exornam, ao meu amigo Helder Ribeiro, para desempenhar as funções de Ministro do Comércio, todavia, nós não podemos ver bem a entrada de S. Exa. para esta pasta, tanto mais que não entrou como efectivo, mas como interino, quando S. Exa. tem já a seu cargo uma pasta; que é a da instrução, que não deixa de ter uma grande responsabilidade, e que, para ser bem desempenhada, precisa de todas as atenções do Ministro, por maiores que sejam as suas qualidades, de trabalho, como são as do Sr. Helder Ribeiro.
Apoiados.
Assim, não podemos ver como boa essa solução; e, além disso, também nos quere parecer que, desde que saiu um Ministro, talvez houvesse vantagem de ordem política em que, realmente, uma remodelação maior tivesse sido feita, de modo a dar ao Govêrno uma maior eficácia e prestígio para bem poder desempenhar a ingrata missão de que está incumbido.
Apoiados.
Eram estas as declarações que queria fazer e acentuar que não está o Partido Republicano Português, de modo algum, arrependido do apoio que tem dado ao actual Govêrno.
Apoiados.
Se, efectivamente, com algumas medidas dos seus membros tem discordado, tem sido em detalhe; nunca com os homens do Govêrno se levantou qualquer incompatibilidade de ordem pessoal e nunca da nossa parte deixámos de reconhecer a todos os Srs. Ministros o grande desejo que tinham de bem servir a Pátria e a República.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É lida e admitida a moção do Sr. Vitorino Guimarães.
O Sr. Nuno Simões: — Sr. Presidente: não era intenção minha intervir neste debate, porque as declarações do Sr. Presidente do Ministério deviam ter bastado para quem não quisesse fazer especulação política (e a muitas pessoas bastaram), a fim de que não fôsse necessário insistir em circunstâncias que a nada vinham ao debate, e que, tratando-se dum assunto em que não deve ser excluída a lealdade política, de modo nenhum podem prestar-se a duas interpretações. Mas já que à discussão fui chamado pelo Sr. Vasco Borges, não quero deixar de agradecer as palavras de apreço que me foram dirigidas por todos os lados da Câmara e que demonstram a generosidade com que os meus poucos serviços ao país são julgados.
Também não quero deixar de constatar — e faço-o com prazer — que ao Sr. Helder Ribeiro, que foi escolhido para me substituir na pasta do Comércio, foram prestadas justas homenagens. E digo «justas», porque S. Exa. é na política
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do regime alguém que tem direito à consideração de todos nós.
Apoiados.
O Sr. Presidente do Ministério já disse claramente à Câmara as razões por que eu abandonei a pasta do Comércio e Comunicações.
Por mais que o Sr. Vasco Borges queira, para tirar efeitos políticos, considerar-se, insuficientemente esclarecido, a verdade é que o caso o está, e de tal forma, que a oposição se deu por satisfeita, tendo tido até o próprio Sr. Cunha Leal uma atitude bem menos agressiva do que o Deputado da maioria, Sr. Vasco Borges.
O Sr. Vasco Borges pretende atribuir à minha saída do Govêrno características duma moção de desconfiança. Ora eu não saí do Govêrno por quaisquer desinteligências com colegas meus do Gabinete. Não. Saí porque, sendo eu dotado duma extrema sensibilidade política, me não presto fàcilmente a jogos políticos, principalmente quando aqueles que os pretendem fazer não têm a coragem de os fazer claramente.
Eu saí porque, havendo pendente da apreciação da Câmara, há quatro meses, ama proposta importante como é a das estradas, ainda até hoje, apesar das minhas instantes solicitações, não foi votada.
Saí porque, devendo a Câmara pronunciarão há muito tempo sôbre a reorganização do funcionalismo, ainda se não deu ao trabalho de o fazer.
O Sr. Vasco Borges errou quando disse que, da minha saída, se depreendia uma falta, de confiança.
O que não se compreende é a atitude duma maioria que manda para a mesa oito moções.
Apoiados.
Seria mais razoável que dissesse abertamente que o Govêrno não convém.
O Sr. Cunha Leal: — Eu gostava que V. Exa., com a sua voz autorizada, dissesse que a minoria mandou só uma moção.
O Orador: — De facto a minoria mandou só uma moção.
O que não pode ser é chegar-se ao ponto de se aproveitar a minha sensibilidade política para se dizer que fui eu que indiquei a queda do Govêrno.
Eu não deixo de reconhecer que o Govêrno tem trabalhado com energia moral (Apoiados) e com o princípio de autoridade nos termos mais honrosos, sem o baixo facciosismo político.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Parece que não há dúvida, de que o Govêrno está morto.
Propositadamente quis falar hoje que tantas moções há. Não apresento nenhuma; pois quando isso sucede, ela só logra ter o meu voto. Hoje parece que todos se juntaram para dizer ao Govêrno: «Saia». O Govêrno não vai de baraço ao pescoço, pois se vê que soube manter o princípio da autoridade indispensável ao prestígio da República e do País.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: — Pedi a palavra para dar um conselho e não para atacar o Govêrno. Não costumo bater num morto; mas quero pôr bem em evidência aos olhos do país esta farça: — uma maioria que apoia o Govêrno e que apresenta oito moções de desconfiança.
Isto não é um partido é uma cousa rachada que precisa gatos, muitos gatos.
O orador não reviu.
O Sr. Abranches Ferrão: — Mando para a Mesa uma substituição às seguintes palavras da minha moção:
Substituição
As palavras da minha moção: «não tem conseguido», sejam substituídas por estas: «não reúne as condições indispensáveis para conseguir».— Abranches Ferrão.
Foi aprovada a substituição.
O Sr. Abílio Marçal: — Requeiro seja consultada a Câmara sôbre se consente a prioridade para á moção do Sr. .Carlos Olavo.
O Sr. Cunha Leal (sobre o modo de votar): — Antes de votar desejaria que o Sr. Presidente do Ministério se pronunciasse acerca das moções que estão na Mesa. Precisamos saber quais a que aceita
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e quais as que não aceita, para assim podermos saber o que votamos. Depois o Govêrno terá que sair da sala, e nós nos pronunciaremos.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro dás Finanças (Álvaro de Castro): — Vou satisfazer o desejo do Sr. Cunha Leal. Sem necessidade de estar a fazer considerações sôbre as palavras pronunciadas pelos oradores que falaram acerca da obra do Govêrno, agradeço a sinceridade das palavras de aplauso que me foram dirigidas, e indicarei às moções que não aceito, embora pela sua contextura seja fácil compreender as que o Govêrno não aceita.
O Govêrno aceita as moções dos Srs. Velhinho Correia, Carlos Olavo e Jaime de Sousa, e não aceita, portanto, as outras moções apresentadas.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se a requerimento do Sr. Abílio Marçal.
Foi aprovado.
O Sr; Carvalho da Silva: — Reqneiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
Feita a contraprova verificou-se estarem de pé 28 Srs. Deputados, e sentados 34, sendo, portanto, aprovada.
à rejeitada a moção do Sr. Carlos Olavo.
O Sr. Velhinho Correia: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
Feita a contraprova verificou-se estarem de pé 33 Srs. Deputados, e sentados 31, sendo, portanto, rejeitada.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Requeiro prioridade para a votação da moção do Sr. Vitorino Guimarães.
Foi aprovada.
O Sr. Carvalho da Silva: — Declaro, em nome dêste lado da Câmara, que, tendo nós rejeitado a moção de confiança por entendermos que o Govêrno de nenhuma maneira pode continuar nas cadeiras do Poder, não compreendemos, no emtanto, como é possível restrições ou discordâncias na obra do Govêrno.
Foi aprovada a moção do Sr. Vitorino Guimarães.
O Sr. Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
Feita a contraprova verificou-se estarem de pé 23 Srs. Deputados, e sentados 4l, sendo, portanto, aprovada.
O Sr. Velhinho Correia: — PPÇO a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que eu retire a minha moção.
O Sr. Vasco Borges: — Peço igualmente a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que eu retire a minha moção.
O Sr. Tôrres Garcia: — Peço também a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que eu retire igualmente a minha moção.
O Sr. Jaime de Sousa: — Peço da mesma forma a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que eu retire a minha moção.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que permitem que os Srs. Velhinho Correia, Vasco Borges, Tôrres Garcia e Jaime de Sousa retirem as suas moções queiram levantar-se.
Está aprovado.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Cunha Leal.
O Sr. Carvalho da Silva: — Declaro a V. Exa. e à Câmara que damos o nosso voto à moção apresentada pelo Sr. Cunha Leal, se bem que não estejamos de acordo com ela na parte em que diz que emquanto o Parlamento estiver a funcionar não pode promulgar medidas que sejam da sua competência.
O Sr. Presidente: — Os Sr. Deputados que aprovam a moção do Sr. Cunha Leal queiram levantar-se.
Está rejeitada.
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O Sr. Presidente: — Vai ler-se a moção do Sr. Abranches Ferrão.
Foi lida e seguidamente rejeitada.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
O Sr. Presidente: — Estão de pé 35 Srs. Deputados e assentados 25.
Está rejeitada.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a moção do Sr. Carvalho da Silva.
Foi lida e seguidamente rejeitada.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a moção do Sr. Dinis da Fonseca. Foi lida e seguidamente rejeitada.
O Sr. Presidente do Ministério (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: apenas tenho que dizer à Câmara que vou comunicar ao Sr. Presidente da República o que se passou na sessão de hoje, bem com os resultados das votações.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão será amanhã com a mesma ordem do dia que estava dada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 21 horas e 15 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Requerimento
Insisto pelo requerimento que, pelo Ministério de Instrução Pública, fiz dos documentos sôbre que se baseou a portaria do Sr. Ministro, anulando um doutoramento.
Foram-me fornecidos documentos, mas insuficientes, como fàcilmente se poderá verificar do próprio contexto da portaria. Nela se declara uma tese que não devia ser aceita, como até professores da mesma faculdade o declararam posteriormente, em sessão do conselho, por ser uma tese de natureza puramente confessional e, portanto, abertamente estranha ao caracter scientífico da Faculdade.
Esta afirmativa não veio documentada nos papeis que me foram fornecidos.
Insto, pois, pela documentação completa.
Em 26 de Junho d& 1924.— Pinto Barriga.
Expeça-se.
Declarações de voto
Declaro que se estivesse presente na sessão do dia 24 de Junho teria rejeitado o projecto da amnistia.
26 de Junho de 1924.— Lúcio Martins.
Para a acta.
Declaro que se estivesse presente na sessão de 24 do corrente teria rejeitado o projecto da, amnistia.
26 de Junho de 1924.— José Carvalho dos Santos.
Para a acta.
Última redacção
Do projecto de lei n.° 762, que concede a amnistia às infracções praticadas pejos aviadores que no Campo de Esquadrilhas «República» se manifestaram contra resoluções superiores.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o n.° 627-G, que autoriza o Govêrno a ceder o bronze e trabalhos de fundição do monumento, a erigir em Lisboa, aos mortos da Grande Guerra.
Imprima-se.
Da comissão de administração pública, sôbre o n.° 749-B, que autoriza o Govêrno a fornecer o bronze para o monumento ao Marquês de Pombal e a pedra para os grupos laterais.
Para a comissão de guerra.
oDa mesma, sôbre o n.° 709-K, que autoriza a Junta da Freguesia da Póvoa do Rio de Moinhos, concelho de Castelo Branco, a alienar o prédio denominado Malhada de Santa Águeda.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
O REDACTOR — João Saraiva.