O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.°

EM 16 DE JULHO DE 1924

Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
José Marques Loureiro.

Sumário.— Respondem à chamada 40 Srs. Deputados. Procede-sé à leitura da acta e do expediente.

Antes da ordem do dia. — O Sr. Marques Loureiro pede que a comissão de administração pública apresente parecer sôbre o projecto de lei que eleva a vila de Portimão a cidade.

O Sr. Jaime de Sousa protesta contra o facto de se exigir a cédula pessoal nas operações do recenseamento.

O Sr. Velhinho Correio manifesta o seu acordo com a» considerações formuladas pelo Sr. Jaime de Sousa.

O Sr. Cancela de Abreu estranha que a abertura da sessão se não efectue à hora regimental.

O Sr. João Camoesas deseja que se não mantenham prisões, sem culpa formada, além do prazo determinado na lei.

Propõe também que a Câmara aprove um voto caloroso pelas melhoras do Sr. António José de Almeida.

Associam-se a essa proposta os Srs. Marques Loureiro, Viriato da Fonseca e Carvalho da Silva.

A proposta foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Vergílio Saque requere que sejam postas em discussão as emendas vindas do Senado ao parecer n.° 476.

Sôbre o modo de votar fala o Sr. João Camoesas.

É aprovado o requerimento, e feita a contraprova verifica-se o mesmo resultado.

Entram em discussão as emendas, usando da palavra os Srs. Carvalho da Silva, Velhinho Correia e Marques Loureiro.

São rejeitadas as emendas aos artigos 1.°, 4.° e 5.°, sendo aprovado o artigo 7.º novo.

Continua a discussão do parecer n.° 736, relativo às Misericórdias, usando da palavra o Sr. João Camoesas, que fica com a palavra reservada.

É aprovada a acta.

O Sr. Lino Neto, usando da palavra para explicações, associa-se ao voto proposto pelas melhoras do Sr. António José de Almeida.

Ordem do dia.— Contínua o debate político Usam da palavra os Srs. Presidente do Ministério e Ministro do Interior f Rodrigues Gaspar, Cunha Leal, Carvalho da Silva e Lino Neto.

O Sr. Manuel Fragoso requere que a Cessão se prorrogue, sem interrupção, até findar o debate político.

É aprovado.

Sôbre a ordem usa da palavra o Sr. Cancela de Abreu, que apresenta uma moção que não é admitida.

São rejeitadas as moções dos Srs. Cunha Leal e Carvalho da Silva, usando depois da palavra o Sr. Presidente do Ministério para agradecer a prova de confiança da Câmara.

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte para o dia imediato, com a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão às 15 horas e 25 minutos.

Presentes 40 Srs. Deputados.

Srs. Deputados que compareceram à sessão:

Abílio Correia da Silva Marçal.

Alberto Ferreira Vidal.

António Alberto Tôrres Garcia.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Pais da Silva Marques.

António de Paiva Gomes.

Artur de Morais Carvalho.

Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

Augusto Pires do Vale.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Carlos Cândido Pereira.

Custódio Martins de Paiva.

David Augusto Rodrigues.

Página 2

2 Diário da Câmara dos Deputados

Francisco da Cunha Rêgo Chaves.

Francisco Diais de Carvalho.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Francisco Pinto da Ganha Leal.

Hermano José de Medeiros.

João José da Conceição Camoesas.

João de Ornelas da Silva.

João de Sousa Uva.

Joaquim Serafim de Barros.

José Carvalho dos Santos.

José Joaquim Gomes de Vilhena.

José Marques Loureiro.

José Mendes Nunes Loureiro.

José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Luís da Costa Amorim.

Manuel Ferreira da Rocha.

Manuel de Sousa da Câmara.

Mariano Martins.

Mário Moniz Pamplona Ramos.

Pedro Augusto Pereira de Castro.

Pedro Góis Pita.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.

Sebastião de Herédia.

Viriato Gomes da Fonseca.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abílio Marques Mourão.

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Albano Augusto de Portugal Durão.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Alberto Lelo Portela.

Alberto da Rocha Saraiva.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Álvaro Xavier de Castro.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Abranches Ferrão.

António Correia.

António. Ginestal Machado.

António Lino Neto.

António Mendonça.

António Pinto de Meireles Barriga.

Armando Pereira de Castro Agatão Lança.

Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.

Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.

Bernardo Ferreira de Matos.

Constâncio de Oliveira.

Custódio Maldonado de Freitas.

Delfim Costa.

Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

Jaime Júlio de Sousa.

Jaime Pires Cansado.

João José Luís Damas.

João Luís Ricardo.

João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.

Joaquim Dinis da Fonseca.

Joaquim Narciso da Silva Matos.

José Cortês dos Santos.

José Domingues dos Santos.

José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.

Lourenço Correia Gomes.

Lúcio de Campos Martins.

Manuel Alegre.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Manuel de Sousa Coutinho.

Mariano da Rocha Felgueiras.

Mário de Magalhães Infante.

Matias Boleto Ferreira de Mira.

Paulo Cancela de Abreu.

Tomás de Sousa Rosa.

Vasco Borges.

Ventura Malheiro Reimão.

Vergílio Saque.

Vitorino Henriques Godinho.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Afonso Augusto da Costa,

Aires de Ornelas e Vasconcelos.

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto de Moura Pinto.

Alberto Xavier.

Albino Pinto da Fonseca.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Amadeu Leite de Vasconcelos.

Amaro Garcia Loureiro.

Américo da Silva Castro.

António Albino Marques de Azevedo.

António Dias.

Página 3

Sessão de 16 de Julho de 1924 3

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António Mana da Silva.

António Resende.

António de §ousa Maia.

António Vicente Ferreira.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Artur Brandão.

Augusto Pereira Nobre.

Carlos Eugénio de Vasconcelos.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Delfim de Araújo Moreira Lopes.

Domingos Leite Pereira.

Ernesto Carneiro Franco.

Eugénio Rodrigues Aresta.

Fausto Cardoso de Figueiredo.

Feliz de Morais Barreira.

Fernando Augusto Freiria.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Francisco Cruz.

Francisco Manuel Homem Cristo.

Germano José de Amorim.

Jaime Duarte Silva.

João Baptista da Silva.

João Cardoso Moniz Bacelar.

João Estêvão Águas.

João Pereira Bastos.

João Pina de Morais Júnior.

João Salema.

João Vitorino Mealha.

Joaquim Brandão.

Joaquim José de Oliveira.

Joaquim Ribeiro de Carvalho.

Jorge Barros Capinha.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José António de Magalhães.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.

José de Oliveira da Costa Gonçalves.

José de Oliveira Salvador.

José Pedro Ferreira.

Júlio Gonçalves.

Júlio Henrique de Abreu.

Juvenal Henrique de Araújo.

Leonardo José Coimbra.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel Duarte.

Manuel de Sousa Dias Júnior.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Maximino de Matos.

Nuno Simões.

Paulo da Costa Menano.

Paulo Limpo de Lacerda.

Rodrigo José Rodrigues.

Teófilo Maciel Pais Carneiro.

Tomé José de Barros Queiroz.

Valentim Guerra.

Vergílio da Conceição Costa.

Ás 15 horas e 25 minutos o Sr. Presidente declara aberta a sessão estando presentes 40 Srs. Deputados.

Foi lida a acta e o seguinte

Expediente

Ofícios

Do Ministério da Guerra, satisfazendo em parte ao requerimento do Sr. Lelo Portela, transmitido em ofício n.° 393.

Para a Secretaria.

Do Ministério da Marinha, enviando uma nota da Direcção das Construções Navais do Arsenal de Marinha, pedindo elevação da verba proposta para a despesa do corrente ano.

Para a comissão do Orçamento.

Do Ministério das Colónias, para que sejam reforçadas as verbas destinadas a delimitações de fronteiras.

Para a comissão do Orçamento.

Do Grupo dos Vigilantes da Pátria e da República, pedindo a aprovação das
alterações à Lei da Separação e que seja posta em execução a lei do inquilinato do Sr. Catanho de Meneses.

Para a Secretaria.

Antes da ordem do dia

O Sr. Tavares de Carvalho (para interrogar a Mesa): — Peço a V. Exa. a fineza de me informar se já estão sôbre a Mesa os pareceres acerca da lei do inquilinato.

O Sr. Presidente: — Estão ainda na cor missão de finanças.

O Orador: — Fiz êste pedido porque lá fora se diz que a lei do inquilinato está impedida nas comissões.

Tenho dito.

O arador não reviu.

O Sr. Marques Loureiro: — A Câmara Municipal de Vila Nova de Portimão fez

Página 4

4 Diário da Câmara dos Deputados

um pedido para que essa vila fôsse elevada à categoria de cidade.

Não é esta a ocasião para demonstrar à Câmara a justiça dêsse pedido, mas o que é certo é que a comissão de legislação civil ainda não deu o seu parecer e, eu peço a V. Exa. que empregue os seus bons esfôrços no sentido de que êsse parecer seja dado com rapidez.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Jaime de Sousa: — Desejaria que o Govêrno já tivesse feito a sua apresentação ao Parlamento para chamar a atenção do Sr. Ministro do Interior ou da Justiça para a cédula pessoal.

Como V. Exa. sabe, há partidos políticos que estão fazendo a sua propaganda e organização eleitoral e, para os efeitos de recenseamento, necessitam de documentos que, segundo a lei, devem ser gratuitos, não se compreendendo assim a exigência da cédula pessoal, que custa 6$ ou 7$.

Para isto chamo a atenção da Câmara e do Govêrno.

Peço a V. Exa. a fineza de transmitir ao Sr. Ministro do Interior que é urgente que S. Exa. intervenha neste assunto.

Sou informado, de que a lei que diz respeito à cédula pessoal foi publicada pela pasta da Justiça, mas como as operações do recenseamento eleitoral; como todas ás operações que se ligam com a lei eleitoral, pertencem de facto ao Ministério do Interior, é isso que me determina a citar essa pasta, de preferência à outra.

É ao Sr. Ministro do Interior que compete aliviar da exigência da cédula pessoal as operações do recenseamento.

O orador não reviu.

O Sr. Velhinho Correia: — Está sôbre a Mesa uma representação do Partido Socialista sôbre êste assunto?

O Sr. Presidente: — Foi lida ontem.

O Sr. Velhinho Correia: — Era para significar que estou inteiramente de acordo com as considerações do meu colega Sr. Jaime de Sousa e faço meu o pedido feito por S. Exa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Não podendo tratar na presença do Govêrno do assunto que desejava, aproveito a oportunidade de estar no uso da palavra para lamentar — isto sem desprimor para com V. Exa. — a maneira como a Mesa está procedendo no início dos trabalhos da sessão.

V. Exa. é forçado a cumprir o Regimento e êsse Regimento determina que a primeira chamada seja às 14 horas e a segunda às 15. Por isso não compreendo que perto das 16 horas V. Exa. use de todos os meios conducentes a evitar o encerramento da sessão por falta de número.

V. Exa. não tem culpa, de que os Srs. Deputados não venham às sessões. Tem de cumprir integralmente o Regimento e o que V. Exa. está fazendo, não é cumprir o Regimento, que manda fazer a chamada a determinadas horas e encerrar a sessão não havendo número a essa hora.

Encerrando a sessão por falta de número, era a maneira de na sessão seguinte os Srs. Deputados comparecerem à hora preceituada no Regimento com prestígio do Parlamento.

Desta maneira chega-se às 16 horas e as sessões estão funcionando com falta de número.

A Mesa não tem de esperar para ver se há número.

Sem desprimor para com V. Exa., entendo que a Mesa não pode proceder como até aqui, pois é contra o prestígio do Parlamento. Tem de proceder de outra maneira.

Os Srs. Deputados é que têm de estar às horas para as sessões funcionarem com mais facilidade.

O orador não reviu.

O Sr. João Camoesas: — Desejava tratar de um assunto se o Sr. Ministro do Interior, estivesse presente. Mas S. Exa., não pode estar nesta altura da sessão e por isso reservo as considerações que queria produzir para o momento da sua comparência.

Peço desde já a V. Exa. para transmitir ao Sr. Ministro do Interior o meu desejo de ocupar-me de uma questão a que as notícias da imprensa se têm referido: a das prisões sem culpa formada além do tempo consentido pela lei.

Página 5

Sessão de 16 de Julho de 1924 5

Mal ficaria à própria Constituição da República, se no Parlamento não houvesse quem se importasse com isto, tanto mais que eu já fui vítima do mesmo abuso que se vem agora praticando.

Outro assunto quero levar à consideração da Câmara.

Desejo propor que esta casa do Parlamento exare na acta um voto de congratulação pelas melhoras do Sr. António José de Almeida.

Dando-se a circunstância de passar amanhã o aniversário natalício do ilustre cidadão, proponho também que uma deputacão delegada desta Câmara procure nesse dia o ilustre cidadão Sr. António José de Almeida para lhe transmitir aqueles votos, se porventura a minha proposta fôr aprovada.

Sr. Presidente: o Sr. António José de Almeida exerceu dentro da vida republicana, antes e depois da implantação da República, um papei de tamanha importância, de tamanha evidência, onde patenteou tam notáveis qualidades de talento e de carácter, que dispensam todas as palavras elogiosas. Apenas lembrarei a V. Exa. que a sua palavra de tribuno, em certa altura da propaganda republicana, encarnou toda a aspiração do povo da nossa terra.

Apoiados.

Por dotes essenciais de inteligência, o Sr. António José de Almeida foi entre os grandes tribunos da propaganda incontestavelmente o que mais caracterizadamente soube vincar as aspirações populares.

Depois de implantada a República, nesta casa, do Parlamento; e principalmente como Presidente da República, deu tamanho realce à maneira como desempenhou as suas funções que não fica mal aos novos dizer em voz alta aquilo que sentimos, e que vem a ser que S. Exa. é um verdadeiro exemplar de cidadão que possui todas as qualidades boas que um homem pode ter.

Como Presidente da República, S.Ex.a teve de representar Portugal junto da grande nação irmã, que é o Brasil, e a sua palavra vincou bem a profunda amizade que existe entre os dois povos. Ainda hoje, no seu catre de doença, o Sr. António José de Almeida manifesta qualidades de austeridade de tal ordem, manifesta virtudes morais tam acentuadas, que não é exagero afirmar-se que êsse homem representa aquele tipo de moral e austeridade republicanas que se torna mester seguir, a fim de que a República seja o que era na aspiração e no desejo daqueles que a proclamaram em

Sr. Presidente: por todas estas razões afigura-se-me que cumpro um acto de elementar justiça pedindo a V. Exa. que proponha à Câmara, como já disse no início das minhas considerações, a aprovação dum voto ardente e caloroso pelas melhoras dêsse grande republicano, tanto mais que, manifestando-se a Câmara nesse sentido, dignifica-se a si própria, porque cumpre um elementaríssimo dever de justiça.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Marques Loureiro: — Sr. Presidente: em nome dêste lado da Câmara, desejo associar-me ao voto proposto pelo Sr. João Camoesas pelas melhoras da alta figura que se chama António José de Almeida.

Não é oportuno o ensejo para celebrar as suas virtudes, mas para prestar a êsse grande português e republicano aquela comovida homenagem que, por todos os títulos, lhe é devida. António José de Almeida foi um homem que se sacrificou pela República; hoje é um mártir que sofre.

Pouco valerão para S. Exa. as nossas saudações e agradecimentos; mas, todavia, elas são uma gota de bálsamo para os seus padecimentos.

Sr. Presidente: associando-nos sinceramente ao voto do Sr. João Camoesas cumprimos um dever, e pagando essa dívida mais alto ficamos no seu débito, porque mais devedores nos confessamos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Viriato da Fonseca: — Sr. Presidente: em nome do grupo da Acção Republicana, desejo também associar-me ao voto proposto pelo Sr. João Camoesas.

O nome do Sr. António José de Almeida impõe-se por tal forma a todos os republicanos que êles têm por S. Exa. o maior respeito e admiração. Sentindo pró-

Página 6

6 Diário da Câmara dos Deputados

fundamente os inales que o afligem, repito, associo-me ao voto que o Sr. João Camoesas acabou de propor.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: nunca nós dêste lado da Câmara, trate-se dum adversário ou dum amigo, deixamos de nos associar a qualquer voto pelas, melhoras dalguma dessas pessoas.

O Sr. António José de Almeida foi um antigo Deputado, e nós, se bem que se. trate dum adversário intransigente, não temos dúvida em nos associarmos ao voto proposto pelas melhoras de S. Exa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi aprovada, por unanimidade, a proposta apresentada pelo Sr. João Camoesas.

O Sr. Presidente: — Continua em discussão o parecer n.° 736, referente às Misericórdias.

O Sr. Vergílio Saque (para um requerimento): — Requeiro a V. Exa. se digne consultar a Câmara, sôbre se consente que entrem imediatamente em discussão, as emendas vindas do Senado ao projecto n.º 476.

O Sr. João Camoesas (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: parece-me que não é de aprovar o requerimento formulado pelo Sr. Vergílio Saque, porquanto estamos na discussão do artigo 1.° do projecto relativo às Misericórdias, ainda porque por êste sistema, não concluímos nenhuma discussão.

Nestas condições, sou de opinião que o requerimento do Sr. Vergílio Saque, não deve ser aprovado.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi aprovado em contraprova, requerida pelo Sr. Sousa da Câmara, o requerimento feito pelo Sr. Vergílio Saque.

São as seguintes as alterações introduzidas pelo Senado, à proposta de lei n.° 476:

Artigo 1.º Nos arrendamentos de prédios rústicos, anteriores a 1922, com renda fixa a dinheiro, seja qual for o prazo da sua duração, e a forma, ou título da sua constituição, será no seu respectivo vencimento, paga metade da renda em moeda corrente e a outra metade em géneros, sempre que assim seja exigido pelo senhorio ou pelo arrendatário, pela forma estabelecida, no artigo seguinte.

Rejeitado. §§ 1.°, 2.°, 3.°, 4.°, 5.° e 6.°

Aprovados.

Art. 2.°

Aprovado.

§ único.

Aprovado.

Art. 3.° e 4.°

Aprovados.

§ único (novo). Os foros estabelecidos, exclusivamente a dinheiro, tanto para o efeito do pagamento, como para o efeito da remissão, são aumentados multiplicando-se pelo coeficiente 10. A remissão porém dêstes foros, quando seja devido laudémio, far-se há nos termos da legislação actualmente em, vigor.

Rejeitado.

Art. 5.°

Aprovado.

§ 1.° Ao arrendatário fica expressamente garantido. o direito de rescindir o contrato de arrendamento, se lhe fôr exigido tal pagamento de renda.

Rejeitado. § 2.°

Aprovado. Art.6.° e § único.

Aprovados.

Art. 7.° (novo). Os contratos de arrendamento ou venda de cortiça, feitos a prazo e com prestações a dinheiro, são abrangidos nas disposições desta lei, na parte aplicável.

Aprovado.

Art. 8.° O artigo 7.° da proposta.

Aprovado.

Palácio do Congresso da República, 11 de Julho de 1924. — António Xavier Correia Barreto — Francisco. Vicente Ramos.

Foi lido na Mesa o, artigo 1.º, da Câmara dos Deputados, e seguidamente lida a redacção do Senado.

O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: a Câmara dos Deputados, tinha votado uma disposição sôbre arrendamen-

Página 7

Sessão de 16 de Julho de 1924 7

tos de prédios rústicos, para que as rendas fossem pagas, metade em géneros e a outra metade em dinheiro, fôsse qual fôsse a data, em que o arrendamento tivesse começado.

Porém o Senado entendeu que essa doutrina só deveria ser aplicada aos arrendamentos feitos anteriormente a 1922.

Sr. Presidente: parece-me que é mais justa a disposição aprovada por esta Câmara, porque pela doutrina votada pelo Senado, não se atende a futuras desvalorizações da moeda, ao passo que a primeira evita que andemos constantemente a ocuparmo-nos dessa questão, sobrecarregando assim os trabalhos parlamentares.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Velhinho Correia: — Pelo que ouvi ler na Mesa, a divergência entre o texto da Câmara dos Deputados e o do Senado, consiste na data do arrendamento.

Ora o Sr. Carvalho da Silva, espera naturalmente que eu vá defender o texto desta Câmara, mas eu vou fazer o contrário, isto é, defender o texto do Senado, pois nós não devemos ser os primeiros a estar a proclamar a desvalorização da nossa própria moeda.

É preciso interessar o Sr. Carvalho da Silva e as minorias na situação que atravessamos, e principalmente na valorização do nosso escudo, e nestas condições, sou de opinião que o texto do Senado é que deve ser aprovado.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Viriato da Fonseca (em nome da comissão de guerra): — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o parecer da comissão de guerra, relativo ao crédito de 200:000 libras, destinado à aviação.

O Sr. Carvalho da Silva: — As palavras que acabo de ouvir ao Sr. Velhinho Correia, são a demonstração mais evidente da incoerência de S. Exa.

O Sr. Velhinho Correia, tem defendido nesta Câmara, que as contribuições devem variar, conforme o câmbio, e que portanto a sua actualização deve ser constante.

Mas pregunto então:

Como quere o Sr. Velhinho Correia que os proprietários paguem as contribuições actualizadas, e lhe nega que recebam apenas metade das rendas actualizadas?

O Sr. Velhinho Correia: — Uma das razões é que os proprietários se tem defendido da depreciação da moeda.

É isso o que tenho visto nos diversos contratos de que tenho conhecimento.

O Orador: — V. Exa. dirá como isso se consegue.

O Sr. Velhinho Correia: — Por diversas formas: coeficientes, arrendamentos a curto prazo, etc.

O Orador: — O que não pode ser, é o proprietário pagar a actualização completa e receber só meia actualização.

A Câmara deve rejeitar a emenda do Senado.

O orador não reviu.

O Sr. Marques Loureiro: — Sr. Presidente: nos termos regulamentares, não temos que apreciar agora o parecer n.° 476, mas não tenho dúvida nenhuma em declarar que prefiro a emenda da Câmara dos Deputados (Apoiados), que estabelece um princípio de moralidade.

Apoiados.

Há contratos feitos em 1923, e seria uma violência, uma injustiça o que se ia praticar com a aplicação da emenda do Senado.

Afigara-se-me que devemos manter a doutrina da Câmara dos Deputados.

Foi rejeitada a emenda do Senado ao artigo 1.°

Foi rejeitada a emenda do Senado ao § único do artigo 4.°

O Sr. Narciso de Matos: — Requeiro a contraprova.

Procedeu-se à contraprova e confirmou-se a votação.

Leu-se a emenda do Senado ao § 1.° do artigo 5.°

O Sr. Marques Loureiro: — A doutrina dêsse artigo foi de minha iniciativa. Não tenho a vaidade de que vingue essa

Página 8

8 Diário da Câmara dos Deputados

doutrina, mas entendo que juridicamente assim deve ficar: «direito de rescisão» e não «direito de rescindir».

Leu-se o § 1.° do artigo 5.° e foi rejeitado.

Leu-se, e foi aprovado, o artigo 7.º, novo do Senado.

O Sr. Presidente: — Continua em discussão o parecer n.° 736.

O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: em Portugal a assistência hospitalar é exercida pelas Misericórdias. Elas têm deminuido a capacidade de recepção de enfermos e a essa deminuição tem correspondido uma menor defesa da população contra a doença.

Disse que era da responsabilidade do Estado esta situação das Misericórdias, e assim é.

Não quero referir-me à deminuição de valores proveniente da desvalorização da moeda, quero referir-me apenas à transferência dêsses valores que as Misericórdias se viram obrigadas a efectuar em virtude da legislação publicada pelo Sr. José Dias Ferreira.

Assim as Misericórdias foram obrigadas a transferir para papéis de crédito, que são valores depreciados e instáveis, todas as suas propriedades, que representam por via de regra um valor crescente e pode dizer-se estável.

A situação é esta: as Misericórdias encontram-se com efeito por culpa do próprio Estado numa situação que as impossibilita de exercer a sua função social, precisamente no momento em que as condições de vida tornam mais necessária a intensificação do exercício da referida função.

O auxílio voluntário — deve dizer-se — não tem, todavia, apesar de tudo, deixado de ocorrer às Misericórdias,

Recorda-se V. Exa. Sr. Presidente, e a Câmara inteira, do magnífico exemplo que ainda outro dia deu toda a cidade do Pôrto, secundando o apelo da comissão de- senhoras que naquela cidade do país saiu à rua a, esmolar para as Misericórdias e que conseguiram obter num só dia algumas centenas de contos, um milhar mesmo, poderei dizer.

É esta, Sr. Presidente, uma verba bastante importante e que manifesta os sentimentos da população daquela cidade do país, sentimentos êsses que nunca serão demasiadamente encarecidos.

O Sr. Presidente: — Sr. João Camoesas: é a hora de entrar no período da «ordem do dia». V. Exa. deseja ficar com a palavra reservada?

O Orador: — Sim, senhor.

O orador não reviu.

É aprovada a acta, sem discussão.

O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: eu não estava presente quando nesta Câmara se fizeram -votos pelas melhoras do Sr. António José de Almeida, porque se o estivesse ter-me ia desde logo associado a êsse voto da melhor vontade.

Faço-o, porém, agora.

O Sr. Dr. António José de Almeida é dos cidadãos mais ilustres dêste país que, como chefe do Estado, soube afirmar-se sempre pelo respeito à Constituição, pela forma como se sobrepôs às paixões do nosso meio e ainda pela maneira como procurou, em todas as situações, honrar o País, sobretudo na viagem verdadeiramente triunfal que S. Exa. fez ao Brasil.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período da «ordem do dia»: continuação, do debate político.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura (Rodrigues Gaspar): — Sr. Presidente: começo por agradecer aos ilustres Deputados que entraram no debate político as referências amáveis que fizeram ao Govêrno a que tenho a honra de presidir, quando da sua apresentação no Parlamento.

Ninguém estranhará decerto que eu dirija também os meus mais sinceros agradecimentos a todos aqueles que, certamente com uma excessiva benevolência, a mim se referiram. Devo confessar que foi para mim motivo duma grande satisfação o ouvir palavras tam amáveis de

Página 9

Sessão de 16 de Julho de 1924 9

antagonistas políticos, o que mostra bem que os homens da República sabem prestar justiça, muito embora, repito com uma excessiva benevolência.

Ditas estas palavras é entrando agora no assunto principal das minhas considerações, começo por pedir desculpa de não responder, a una e um, aos Deputados que se referiram ao actual Govêrno, visto que, no que tenho a dizer, eu responderei a todos, evitando repetições escusadas.

As palavras de apoio pronunciadas pelo ilustre leader do Partido Democrático, e bem assim as ditas nesta casa do Parlamento pelos Srs. Carlos Olavo, representando o Partido da Acção Republicana, e Álvaro de Castro, e ainda as declarações dos independentes e do Grupo Católico...

O Sr. Sá Pereira: — Ó diabo!

O Orador: — Não entra por ora o diabo!... São a afirmação daquilo que eu esperava, por isso que antes de tratar da organização do Gabinete tive a cautela de primeiro saber se o bloco parlamentar que vinha constituindo a maioria para as medidas apresentadas pelo Govêrno anterior de facto existia, a fim de que eu pudesse continuar numa política que nos levasse à aproximação do equilíbrio orçamental.

Só depois da certeza de que tinha o apoio dos elementos constitutivos do bloco parlamentar, partindo logo do princípio de que tendo sido o meu nome indicado pelos membros do Partido Democrático, evidentemente eu poderia contar com o seu apoio.

Procurei depois ver se nos elementos estranhos ao partido mencionado eu podia contar com êste apoio. Se êle não existisse eu teria do declinar a minha missão, visto que ela se baseava nessa maioria.

Sr. Presidente: ou não quero também deixar de agradecer à minoria monárquica a justiça que me prestou com a sua moção de desconfiança, visto que isso representa para mim uma maior segurança, porque essa minoria mo faz a justiça do acreditar que o meu trabalho será inteiramente em harmonia com os princípios da República.

O Sr» Carvalho da Silva (interrompendo: — O que resta saber é se é política da república de Oeiras...

O Orador: — Sr. Presidentes há oito dias que o Govêrno se apresentou a esta Câmara, e, por conseqüência, não serei eu que demorarei êste debate, e por isso vou entrar já na análise da crítica feita pelo ilustre leader nacionalista.

Devo dizer mais uma vez que agradeço a S. Exa. as palavras amáveis que me dirigiu, e declarar ainda que o seu discurso para mim foi uma obra prima dum, parlamentar, mostrando quanto são grandes as suas disponibilidades em matéria parlamentar, para que, querendo defender uma moção injustificável, conseguisse manter a Câmara naquele espírito de bom humor que muitas vozes nos leva â dizer que sim insensivelmente.

Compreendo as dificuldades em que se viu o ilustre leader do Partido Nacionalista que parece ter partido do princípio de quê era indispensável apresentar uma moção de desconfiança ao Govêrno, para poder justificar tal moção e mais ainda nos termos em que ela está redigida; e então, faltando-lhe aquelas razões convincentes para base da sua moção, teve realmente uma idea engenhosa, que foi a de ir bater à porta da filosofia, encontrando aí a lógica que eu conheço, ô que umas vezes se apresenta numa sala incolor, outras numa sala amarela, ainda outras numa sala azul e branca, e também por vozes numa sala furta-côres. S. Exa. quis encontrar a lógica para chegar a cartas conclusões, mas viu como ela falhou, como falha sempre que se recorre a ela não se lhe dando os elementos pára que possa então dar um parecer favorável àquilo que desejamos.

Disse S. Exa. que logicamente concluía que a minha chamada ao desempenho dêste cargo representava uma deslealdade política.

Faltaram, portanto, elementos a S. Exa. para dêste modo chegar a uma conclusão inexacta, como chegou.

Efectivamente, o Partido Republicano Português vinha dando apoio ao Govêrno anterior, pondo de parte até certos princípios, certos trabalhos e determinadas orientações que desejaria ver seguidos.

Se há provas de maior lealdade e dedi-

Página 10

10 Diário da Câmara dos Deputados

cação pela causa pública, esta é uma delas.

Apoiados.

É porque neste Partido muitas vezes se tem pensado que acima das conveniências políticas, até de pôr em execução imediata certos princípios existentes no seu. programa, tem de se atender às circunstâncias políticas de momento, de maneira que o seu serviço seja pôsto completamente à disposição do bem do País.

Apoiados.

E assim já aqui se levantou o caso de relativamente ao empréstimo de 6,5 por cento, ter o Partido de ceder perante circunstâncias úteis que o Govêrno de então teve de atender.

Mas era do conhecimento do ilustre Presidente do Ministério anterior que o Partido Democrático entendia que era necessária uma recomposição ministerial, e assim a sua moção da autoria do Sr. Vitorino Guimarães dava essa indicação.

Tanto, porém, não havia deslealdade que o Partido que votou essa moção continuava a indicar o nome de S. Exa. para a constituição do novo Govêrno, e só depois de S. Exa. a entender que o Partido lhe devia dar apoio em determinadas condições que claramente estabelecia é que era absolutamente impossível ao Partido referido, levando-o a declinar êsse encargo, é que o Partido Democrático indicou o meu nome.

Não há, pois, nisto; qualquer deslealdade, como do resto muito bem o explicou o Sr. Álvaro de Castro quando falou.

Apoiados.

Disse mais o Sr. Cunha Leal que o Partido Nacionalista tinha tido duas desilusões relativamente à minha pessoa. A primeira era a que dizia respeito à questão Norton de Matos, a segunda a que respeitava ao prosseguimento da política financeira do Sr. Álvaro de Castro.

Não está no seu lugar o Sr. Rodrigues Gaspar que na Câmara se insurgiu contra a solução Norton de Matos, mas posso afirmar a V. Exa. que o que se criticou ao Govêrno transacto não foi a nomeação do Sr. Norton de Matos para embaixador em Londres, mas sim o facto de o Govêrno ter cedido na saída de S. Exa. de Alto Comissário de Angola.

Foi assim que foi posta a questão, e é assim que ela deve ser encarada!

O Govêrno actual encontrou já Angola sem o seu Alto Comissário e encontrou em Londres o Sr. Norton dê Matos.

Não tem, portanto, nada a opor ao que encontrou já feito, nem surgiram razões para desfazer aquilo que já estava feito. Não há, por conseqüência, contradição alguma nas suas ideas!

O Sr. Cunha Leal: — V. Exa. pode dar-me um esclarecimento apenas para meu entendimento particular?

Qual foi a significação do protesto de V. Exa.?

O que queria V. Exa. dizer com a classificação de aventureiros políticos que empregou?

Pregunto ainda a V. Exa. se, já depois de estar na Presidência do Ministério e antes de o Sr. Norton de Matos ter apresentado as suas credenciais em Londres, não teve conhecimento de mais actos desastrosos do Sr. Norton de Matos para o levar a supor um maior perigo na sua saída de Angola.

O Orador: — Tirarei satisfação às preguntas de V. Exa.

Quaisquer factos que tivessem vindo ao conhecimento do Govêrno conseqüentes da administração do Sr. Norton de Matos em Angola, já depois da sua demissão, não podiam levá-lo a exonerar S. Exa. ou tomar quaisquer, medidas contra êle, porque isso não resolveriam em nada o caso.

Apoiados.

O Sr. Cunha Leal (interrompendo}: — Então para que foram os protestos de V. Exa.?

O Orador: — Porque dava-se a circunstância de eu ter sido Ministro das Colónias por largo tempo, e estava convencido que o Sr. Norton de Matos tinha que levar a cabo a grande obra que era necessário fazer em Angola.

Atacando um dos mais altos elementos do meu partido eu ficava cem autoridade para levantar a voz contra actos de que discordasse, viessem donde viessem, ninguém me podendo acusar de parcialidade ou sectarismo.

É esta a explicação da minha atitude.

Página 11

Sessão de 16 de Julho de 1924

11

Julgo que um homem que assim procede fica com autoridade para criticar todos os actos que à sua consciência não lhe merecem apoio.

Sr. Presidente: outro ponto tratado por S. Exa. foi eu ter declarado que seguiria a política financeira e económica do Sr. Álvaro de Castro.

Eu devo -dizer à Câmara que quando fui encarregado de formar Ministério não recebi de ninguém, ou de qualquer colectividade, indicações às quais tivesse de subordinar a acção governativa-

Procurar tanto quanto possível equilibrar o orçamento, fazer uma administração honesta, comprimir todas as despesas e promover o que é essencial para a vida nacional, ou seja a valorização do escudo.

É esta a política do bloco, a que eu sigo e que vem na declaração ministe-riaL

E possível que se acuse a minha declaração ministerial de pequena.

Não me preocupei em detalhar vários assuntos que o Govêrno tem de tratar.

O que quis foi mencionar as questões que é indispensável atender neste momento.

<íDe que='que' govêrno='govêrno' serviria='serviria' deles='deles' ideas='ideas' o='o' p='p' sôbre='sôbre' dizer='dizer' se='se' as='as' ocupar='ocupar' pode='pode' parlamento='parlamento' não='não' certos='certos' tem='tem' assuntos='assuntos' vir='vir'>

Eu nunca1 fui homem de exibições, e sempre que o meu partido me indicou um pôsto a ocupar, eu tenho-o ocupado, na consciência do cumprimento do dever.

No dia em que a Câmara entendesse que eu não estava desempenhando bem as minhas funções, sem melindres nenhuns, eu cederia êste lugar a quem com mais habilidade o desempenhasse.

Eu só entendi que deveria vincar os pontos principais a atender nas circunstâncias presentes.

Entendi também que por respeito a todos que estão nesta sala, não devia fazer transcrições do que está nos tratados de finanças ou de economia política, ou estar a desenvolver ideas sôbre vários pontos de cada serviço público.

O que se diz na declaração é suficiente para que todos compreendam quais os propósitos do Govêrno.

O próprio Sr. Álvaro de Castro, disse qual a obra financeira que o Govêrno pretendia reíilizar.

São pontos capitais: equilibrar o orçamento, deminuir despesas, sem desorganizar os serviços e alcançar receitas com «que fazer face às despesas necessárias.

Que haja divergências quanto à execução de certos princípios, isso é'natural.

Sr., Presidente: o Sr. Cunha Leal, no seu discurso humorístico disse, e eu achei graça, que eu pretendi tirar o Govêrno a alguém*.

Eu vim para aqui, solicitado.

Infelizmente, já não sou novo.

Não tenho ilusões.

Sr. Presidente: a moçSo do Sr. Cunha Leal, diz que o Govêrno actual, por virtude da sua constituição, não lhe merece confiança.

Não tendo S. Exa. base em qualquer acto do Govêrno para manifestar-lhe a sua desconfiança, pois o Govêrno ainda nenhum acto praticou, foi então recorrer a uma moção, cujos termos se referem a uma situação diversa da actual.

O que era preciso era mandar para a^ Mesa uma moção de desconfiança.

Eu não podia ir buscar ao campo alheio, onde poderá existir, realmente, em grande escala, essa elite, visto que tinha de escolher os Ministros dentro do bloco.

Nada declara o Govêrno, sôbre a lei do inquilinato, diz-se.

Sr. Presidente: basta olhar para quem está ocupando o lugar de Ministro da Justiça, para logo se ver que da parte do Govêrno não pode deixar de haver todo o empenho em resolver o problema do inquilinato.

Escolhendo o Sr. Catanho de Meneses, para a pasta da Justiça, é.a maior prova que poderia dar de que o Govêrno se interessa pela resolução imediata dêsse assunto, e que reconhece os altos serviços prestados por S. Exa. à Pátria e à Kepú-blica.

. Estamos em frente do quem tem. o má-' ximo prestígio que se pode ter para o desempenho do lugar de Ministro.

Todo o país sabe quem é o Sr. Catanho de Meneses.

Apoiados,

Página 12

12 Diária da Câmara dos Deputados

Eu devo a S. Exa. a grande fineza de vip para o Govêrno da minha presidência, mesmo com sacrifício da sua saúde, para prestar à República o maior serviço que se lhe pode prestar neste instante.

O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): - Em matéria de inquilinato, o que, o Govêrno defende é a proposta do Sr. Catanho de Meneses?

O Orador: — A seu tempo se verá.

Do que V. Exa. pode estar certo é de que está no Ministério quem bem conhece o assunto.

Trocam-se simultaneamente diversos àpartes.

O Orador: — Peço a V. Exas. que me deixem seguir nas minhas considerações.

Sr. Presidente: eu também pão podia ter melhor colaborador nas finanças do que o actual titular daquela pasta.

Tem-se abusado muito de infundamentadas críticas à formação do actual Govêrno.

Nenhum dos seus componentes se ofereceu para vir para êstes lugares.

Apoiados.

Estão todos aqui por obediência ao dever de servir o seu País e não, por vaidades, e todos têm as condições necessárias para o desempenho da sua missão como Ministros.

Não se exige que esteja desempenhando o lugar de Ministro das Finanças qualquer banqueiro, porque viria, eivado de graves erros para a administração pública.

Mas o que deve exigir-se para que o problema financeiro seja scientìficamente resolvido, como deve ser, é que o homem que tenha a pasta das finanças possua vastos conhecimentos sôbre condições económicas e possibilidades económicas. Ora quem ocupa hoje o lugar de Ministro das Finanças é uma pessoa que tem dado sobejas provas da sua extraordinária competência na administração dum estabelecimento que pode servir de exemplo de boa administração,

Apoiados.

Essa pessoa é o Sr. Daniel Rodrigues que nas suas funções de administrador da Caixa Geral de Depósitos, pode ter visto bem quais são as condições económicas do País.

S. Exa. está neste lugar com sacrifício.

Apoiados.

Creio que. em breves palavras, eu tenho mostrado a razão de estar ocupando aquela pasta o Sr. Daniel Rodrigues.

A Câmara conhece o meu feitio, sabe bem que há um ponto que considero essencial: a ordem e a disciplina.

Tenho uma e outra, como base indispensável para o movimento progressivo da justiça social.

Quem está na pasta da Guerra?

Está um general que toda a Câmara conhece e que a todos se impõe pelos relevantes serviços que ao País^ tem prestado, quer na Europa, quer em África.

Apoiados.

Não podia eu dar maior prova de quanto, prezo a ordena e a disciplina, do que colocando à frente do exército um general disciplinado, e disciplinador como S. Exa. se tem mostrado sempre.

Apoiados.

Não usei de politiquice tia organização do Ministério.

Na pasta da Marinha está um oficial muito distinto (Apoiados), que já no Ministério transacto, deu provas de quanto vale.

Conheço-o há largos anos.

Como bom republicano tem-se dedicado à política naval.

Entregando-lhe aquela, pasta dei uma prova de consideração pela armada.

Apoiados.

Toda a Câmara sabe como a acção do Ministério dos Negócios Estrangeiros se liga com as questões económicas e das reparações.

O actual Ministro conhece-as perfeitamente bem.

E S. Exa. nosso colega nesta Câmara e muito há a especar da sua acção.

Também todos conhecemos o Sr. Ministro do Comércio.

S. Exa. na gerência da sua pasta há-de mostrar quanta valem a sua inteligência e faculdades de trabalho.

No Ministério das Colónias está o Sr. Bulhão Pato. Dir-se há: é um homem já com barbas brancas. É, mas a brancura das suas barbas é a conseqüência dos seus trabalhos contínuos em África, onde se manifestou um grande administrador,

Página 13

Sessão de 16 de Julho de 1924

A Câmara tora ocasião de ver que S. Exa. será como que o clarim das ideas mais avançadas; mas realizadas com ponderação e experiência.

Sr. Presidente: quem está na pasta da Instrução?

Já tive ocasião e a Câmara de ver coma o Sr. Ministro da Instrução se desempenhou do seu lugar quando passou pela pasta da Justiça.

Hoje ocupa a pasta da Instrução.

S. Exa. é um professor distinto e respeitado (Apoiados), e há-de administrar garantindo que porá todo o seu estorço e valor para, dentro dos recursos de que o país dispõe neste momento, servir a instrução.

Está na pasta do Trabalho o Sr. Dr. Xavier da Silva. Não podia ocupar pasta mais em harmonia com os seus trabalhos e longos estudas, que lhe têm permitido acompanhar bem as condições sociais do país, e que não é para pôr de parte no momento actual.

Humoristìcamente disse-se que o tinha ido buscar à Morgue.

Eu achei graciosa. Não é verdade, mas podia sê-lo; pois não há tanto que estudar nos despojos humanos para tirar conclusões importantes para a marcha da sociedade?!

O Sr. Cunha Leal: — Ó se há!

O Orador: — As moções...

O Sr. Carvalho da Silva: - V. Exa. dá-me licença? Eu desejava que V. Exa. me dissesse, visto que estamos em regime parlamentar, qual é a moção que V. Exa. aceita, o que lho dá a indicação constitucional para que V, Exa. tenha a confiança da Câmara...

O Orador: — Não preciso de moções de confiança para nada, Desde que vim ocupar êste lugar em virtude duma maioria me apoiar, não preciso de moções de confiança.

O Sr. Carvalho da Silva: — Mas porque não aceita uma moção de confiança?

O Orador: — Sr. Presidente: vou responder ainda a uma pregunta que me foi
feita por um ilustre Deputado monárquico e se refere à questão da prata.

É muito simples o que penso sôbre a questão da prata, e se pode concretizar nisto: a existência de prata entre nós representa um mau acto administrativo.

O caminho a seguir é reduzir a prata a ouro. Êste é o verdadeiro caminho.

Não pretendo saber se foi embarcada de madrugada ou em outra qualquer hora.

É esta a resposta que concretiza todo o meu pensamento respeitante à questão.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Ora assim é que nos entendemos.

O Orador: — Vou findar as minhas considerações, supondo ter respondido a todos os oradores que falaram; mas farei um apelo à Câmara: é que considere bem que nenhum Govêrno se poderá manter sem que o Poder Legislativo lhe dê os meios para isso.

Não é a hora para qualquer exploração de ordem política partidária porque há assuntos muito graves que todos temos de estudar e resolver.

Tenho dito.

O orador vão reviu.

O Sr. Cunha Leal: — Não tencionava usar da palavra e não serei longo.

O que tenho a dizer poderia dizê-lo em àparte ao Sr. Presidente do Ministério, só S. Exa. no uso legítimo dum direito não tivesse indicado que não gostava que o interrompessem.

O Sr. Presidente do Ministério, e Ministro do Interior (Rodrigues Gaspar): — Acrescentei que responderia a V. Exa.

O Orador: — A partir dêsse momento, deliberei fazer estas considerações.

O Sr. Rodrigues Gaspar disse ter eu usado de humorismo.

Devo dizer que tenho por dever tratar as cousas que não são risíveis a serio; e não me rir das cousas tristes da vida portuguesa.

Tive, porém, um mostre, e êsse mestre foi o Sr. Rodrigues Gaspar, que mo deu excelentes lições de humorismo, ainda mesmo com cousas sérias.

Tudo quanto me caiba em glória, e

Página 14

14 Diário da Câmara dos Deputados

parece que me não vai muito mal, o devo ao meu mestre em humorismo, Sr. Rodrigues Gaspar.

O Sr. Rodrigues Gaspar referiu-se à minha lógica em termos um pouco depreciativos.

Se bem entendi, declarou S. Exa. que a minha lógica, tendo passado por compartimentos de várias cores, até passou por compartimento azul e branco.

Deve haver um ligeiro engano nesta afirmação de S. Exa.

Não tenho, nem ao menos uma vaga idea de ter contacto com êsse péssimo raciocínio azul e branco.

Isso é com certeza alusão engraçada para outro.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura (Rodrigues Gaspar): — V. Exa. dá-me licença?

Eu não quis dizer isso a V. Exa.

O que eu disse foi que conhecia a lógica com diferentes cores: amarela, encarnada e até azul e branca.

O Orador: - Lá me queria parecer que a alusão não podia ser para mim e antes podia ser para muitos dos correligionários de S. Exa.

O Sr. João Luís Ricardo: — Cá e lá más fadas há.

O Orador: — Sr. Presidente: entrando agora no número das cousas sérias e tratando-as como elas merecem, sem comparações esquisitas, sem evocação de maquinismos complicados, devo referir-me à resposta que S. Exa. deu às minhas considerações acerca do Sr. Norton de Matos e da sua situação.

O Sr. Rodrigues Gaspar teve nesta Câmara afirmações que hoje o contradizem absolutamente.

S. Exa. era ontem da minha opinião a propósito do Sr. Norton de Matos, teve palavras sibilinas sôbre aventureiros e não houve ninguém, correligionário ou não do S. Exa., que tivesse saído desta sala e não entendesse que a carapuça se enfiava evidentemente na cabeça que tinha sido chamada à discussão.

De resto, o Sr. Norton de Matos, de qualquer forma, pelo seu procedimento,
a essa hora estava confirmando as afirmações aqui feitas pelo Sr. Rodrigues Gaspar.

Ao mesmo tempo, não é hoje segredo para ninguém, que essa alta figura moral do Sr. Domingos Pereira procurou desmentir a afirmação frita em público de que o Sr. Norton de Matos não tinha solicitado o lugar de embaixador em Londres, quando a verdade é que o tinha solicitado.

Ao mesmo tempo que esta extranheza se produzia dentro da Câmara, o Sr. Norton de Matos mandava para Angola um telegrama em que procurava justificar a sua saída da província com um convite do Govêrno para embaixador em Londres.

A êsse telegrama respondeu a Associação Comercial de Benguela acusando o Sr. Norton de Matos de abandonar a província depois de a ter colocado, pelos seus erros, nos mais graves embaraços.

Respondeu a Associação Comercial nos termos pouco mais ou menos que poderiam ser inspirados pelo discurso que o Sr. Rodrigues Gaspar aqui proferiu.

Mas, ao mesmo tempo, e antes de o Sr. Norton de Matos apresentar as suas credenciais em Londres, iam chegando ao Ministério das Colónias comunicações suspeitas.

Já eu aqui afirmei que não tinham sido pagas as últimas letras relativas ao crédito de três milhões de libras na parte utilizada por Angola; que, ultimamente, duas letras, da importância de sete mil libras cada, foram apresentadas a protesto e protestadas por não serem pagas, tendo sido presentes ao Ministério das Colónias, creio que pela casa Fonseca, Santos & Viana; depois dessa data também a casa Burnay & C.ª fez sentir que lhe eram devidas duzentas e dez mil libras.

Sabem todos que mais libras são devidas; sabem todos que o Sr. Norton de Matos pediu um adiantamento à Companhia dos Diamantes para o efeito de liquidar responsabilidades imediatas, devendo êsse adiantamento ser encontrado em futuras operações.

Todos êstes casos devem ser conhecidos no Ministério das Colónias, tem obrigação de ser conhecidos pelo Sr. Rodrigues Gaspar, e se o não são mal vai aos serviços, do Ministério.

Página 15

Sessão de 16 de Julho de 1924 15

Pois bem, o Sr. Rodrigues Gaspar, pessoa que todos nós prezamos, diga do nosso maior respeito porque é um republicano que nunca foi sequer manchado, que dali das bancadas da oposição protestou contra o procedimento de certos aventureiros que desertavam do seu pôsto, que o abandonavam, procurando depois o Sanatório do Londres para curar doenças físicas ou morais, o Sr. Rodrigues Gaspar o homem da oposição que pela clareza da sua linguagem subiu muito alto na nossa consideração por só ter desprendido de considerações de ordem partidária, o Sr. Rodrigues Gaspar é o mesmo homem que' deixa tomar posse em Londres ao Sr. Norton de Matos.

Eu estranhei isto e digo-o com toda a franqueza, com muito mágoa, com muita pena.

S. Exa. é digno de todo o respeito, mas é preciso que não falte ao respeito que a si próprio deve.

Eu tenho o direito e julgo até o dever de estranhar que S. Exa. esteja em contradição com o seu procedimento de Deputado com respeito à questão Norton de Matos.

Eu acho que esta questão é de raciocínio e de sensibilidade, eu deixo ao raciocínio e à sensibilidade da Câmara resolverem a questão.

O Sr. Rodrigues Gaspar sentiu uns rebates de consciência, e, referindo-se ao Sr. Ministro do Trabalho, disse que não havia que estranhar que fôsse buscar êsse Ministro à Morgue, pois havia mortos vivos.

Êsse morto vivo deve referir-se ao Sr. general Norton de Matos.

O Sr. Rodrigues Gaspar fez umas referências ao radicalismo do Sr. Daniel Rodrigues e eu direi que ainda há pouco S. Exa. deu as provais do seu radicalismo numa produção poética.

O Sr. Ministro das Colónias patenteou bem o seu radicalismo, dizendo, quando se referia à reacção: «à unha, vamos a êles, à unha».

É também com essas palavras que eu quero terminar as minhas considerações.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e interino da Agricultura (Rodrigues Gaspar): — Mais uma vez vou tentar esclarecer o espírito do Sr. Cunha Leal.

Direi, quanto à questão Norton de Matos, que não houve contradição alguma da minha parte, pois não fui eu quem deu a exoneração ao Sr. Norton de Matos, já a encontrei concedida.

Também não fui eu quem o nomeou Embaixador em Londres.

O Sr. Cunha Leal referiu-se ao radicalismo de pessoas que estão no Govêrno.

Eu direi que pertenço a um Partido que no seu Congresso tomou uma directiva com a qual concordei, porque dele não saí.

Mas a verdade é que se todos os partidos têm o seu programa, os seus ideais, a realização completa dêsse programa está subordinada a condições políticas, a condições económicas e a condições sociais.

Diz-se que a hora é das esquerdas.

Apoiados.

Eu permito-me acrescentar que se a hora é a das esquerdas para melhorar quanto possível, em harmonia com as reivindicações sociais, a justiça, dentro da sociedade, também a hora é das direitas, que, para defesa dos seus próprios interêsses, tem de ajudar, e não opôr-se, à realização das ideas de justiça social.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: se alguma dúvida houvesse de que dentro do actual regime é absolutamente impossível resolver o problema nacional, bastaria ter-se assistido a êste debate político e à resposta do Sr. Presidente do Ministério para que isso ficasse provado.

Procura o Sr. Presidente do Ministério fugir quanto possível às imposições que lhe são feitas para seguir uma política acentuadamente esquerdista, uma política incompatível absolutamente com aquela confiança que é condição fundamental para que êste país possa melhorar a sua situação.

Mas se é certo que pelas palavras do Sr. Presidente do Ministério isto se deve concluir, não é menos certo que a maneira dúbia como S. Exa. se dirigiu a todos os assuntos demonstra que está verdadeiramente amarrado às imposições que lhe

Página 16

16 Diário da Câmara aos Deputados

são feitas pela parte esquerdista do seu partido, aconselhando-o a praticar uma obra anti-nacional (Não apoiados e apoiados), atentatória dos princípios a que é indispensável atender no actual momento.

Tendo o Sr. Presidente do Ministério procurado responder a todos os oradores que tomaram parte no debate. S. Exa. disso que agradecia as palavras amáveis que dêste lado da Câmara lho tinham sido endereçadas, porquanto nós, seus adversários políticos, não deixamos de reconhecerem S. Exa. aquelas qualidades de inteligência e carácter que não lhe regateamos.

Concretamente, S. Exa. nada respondeu aos assuntos versados durante o debate político.

A questão do inquilinato, por exemplo, carece dama solução urgente, nada nos tendo dito o Sr. Presidente do Ministério acerca dos seus pontos de vista em relação a êsse problema.

Quanto à questão da prata, a opinião pública não pode concordar cora a nota que o Sr. Álvaro de Castro mandou para os jornais.

Precisamos, portanto, que S. Exa. concretamente, me faça o favor de responder se está ou não disposto a revogar o decreto n.º 9:437, que do mais a mais permite a venda de valores ouro com dispensa de todas as disposições legais.

Mas não pára aqui o que é indispensável que o Govêrno declare para a tranqüilidade do país! Durante o debate político o Sr. Álvaro de Castro fez declarações verdadeiramente monstruosas, declarações que agravaram ainda mais a desconfiança do país. S. Exa.; servindo-se do mesmo processo que tinha adoptado nos decretos relativos à redução dos juros, sustentou a doutrina, verdadeiramente extraordinária, de, que era indispensável substituir finança monárquica por uma finança republicana. S. Exa. quere introduzir na direcção do Banco de Portugal os elementos indispensáveis para marcar nas respectivas assembleas gerais uma influência decisiva para o Estado, de maneira a permitir ao mesmo Estado mandar nesse Banco.

Apoiados da esquerda.

Os apoiados da maioria, porque desgraçadamente são duma maioria parlamentar, têm para o país as mais funestas e desgraçadas conseqüências.

Vozes da maioria: — Ora, ora!

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Querem repetir às scenas dos Transportes Marítimos!

O Orador: — Sustentar, embora erradamente, que há uma finança monárquica e outra republicana, sustentar que é necessário ir àqueles a que chamam finança monárquica e tirar lhes os seus direitos e o dever do administrarem os seus bens, é sustentar, embora o não queira o. sectarismo do V. Exa. a um roubo descarado.

Não apoiados da maioria.

Uma voz da esquerda: — Aí é que está, aí é que dói a V. Exas.!

O Orador: — Que direito tem um Govêrno, seja êle qual fôr, de meter as mãos na consciência de quem tem haveres para lhe preguntar se é republicano ou monárquico, e, conseqüentemente, lhe meter as mãos na algibeira, tirando-lhe o produto de tantos anos de trabalho?

O Sr. Carlos Pereira: — Isso são palavrões que nada valem!

O Orador: — São apenas verdades!

Mas vamos ver onde é que está o esquerdismo, êsses princípios avançados dos Deputados democráticos que sustentam uma doutrina desta ordem!?

Vamos ver onde está a moral numa administração assente nestas bases!

Sr. Presidente: sou daqueles que entendem que é preciso acabar do uma vez para som pré com a política nos negócios, deixando de haver directores de Bancos e Companhias que sejam políticos, tanto mais que no Congresso do Pôrto ficou assente que se devia estabelecer um regime de incompatibilidades políticas.

É revoltante ver aqueles que ainda ontem pediam $50 emprestados, e hoje vivem à larga, zombando do povo.

É neste momento, em que o país atravessa a crise mais aguda que o Sr. Álvaro de Castro apresentou ao Parlamento Êste princípio absolutamente imoral,

Página 17

Sessão de 16 de Julho de 1924 17

Isso representa o reconhecimento do Estado ao direito de arrancar das algibeiras dos particulares aquilo que honestamente ganhavam, para o ir entregar aos que, enganando o povo com afirmações falsas, vão enriquecendo de um momento para o outro, como muitos têm enriquecido.

Desgraçado país, se vingar a doutrina do Sr. Álvaro de Castro, porque isso seria levar para os Bancos e Companhias particulares os criminosos processos da administração que os Transportes Marítimos, os Bairros Sociais e a Exposição do Rio de Janeiro tanto vieram revelar.

Isso seria arruinar a economia nacional.

O Sr. Álvaro de Castro, a cujo carácter eu sempre tenho prestado justiça, sabe que o seu facciosismo o leva a defender um princípio que representa uma imoralidade, um verdadeiro escândalo de administração, embora não seja êsse o seu propósito.

O Sr. Álvaro de Castro: - Mas qual princípio?

O Orador: — O princípio que sustentou de que o Estado pode e deve intrometer-se na administração de Bancos e Companhias; porque, como V. Exa. disse, o Estado republicano tem de ser o dominador.

Foi esta a própria palavra que V. Exa. empregou.

O Sr. Álvaro de Castro: — O que eu entendo é que o Estado republicano, à frente das instituições em que tem interêsses, precisa colocar republicanos, correndo de lá os monárquicos.

O Orador: — Sr. Presidente: nós dêste lado da Câmara não usamos dos processos que usavam os republicanos na sua oposição ao antigo regime e, assim, fazendo justiça ao carácter do Sr. Álvaro de Castro, não quero aproveitar-me de acusações que lhe foram feitas ainda há pouco tempo.

Os redactores que deixaram o Diário de Noticias trouxeram a lume, em O Mundo, que o Sr. Álvaro de Castro tinha diariamente conferências com a Direcção da Moagem, para uma troca de serviços, prestados pela Moagem à República e por esta àquela, se pagar êsse câmbio imoralíssimo de que o povo é a verdadeira vítima.

O Sr. Álvaro de Castro (interrompendo).— Isso é absolutamente falso!

O Orador: — Vem em O Mundo.

O Sr. Álvaro de Castro: — Efectivamente, recebi essa Direcção, como tinha de a receber, desde que me procurava oficialmente como Presidente do Ministério, e em certo momento chamei-a para lhe observar que, se os jornais que, possuía corressem o risco de passar para as mãos de entidades que ao Estado não conviesse que deles fossem detentoras, o Estado a tal se oporia.

O Orador: — A declaração de V. Exa. demonstra bem a moralidade do regime.

O Sr. Álvaro de Castro: — Se, por exemplo, a empresa do Diário de Noticias fôsse para as mãos de espanhóis, como aliás se dizia, V. Exa., como patriota, tinha obrigação de se opor, embora sendo monárquico.

O Orador: — Sem dúvida.

Mas pode V. Exa. dizer se o jornal que mais o tem defendido — O Século — não está porventura na mão de um espanhol?

O Sr. Álvaro de Castro: — Não sei se há lá algum espanhol.

Sei que não pertence a uma empresa espanhola.

O Orador: — Quere dizer, o Sr. Álvaro de Castro não ligava importância ao caso emquanto o jornal fizesse a propaganda da sua obra.

Não falo em nome do povo republicano, mas sei bem, porque lhe faço justiça, que êsse povo se indigna sinceramente contra os que querem uma política como aquela que foi preconizada aqui pelo Sr. Álvaro de Castro, e que para Oeiras e outras praias foi preconizar o Sr. José Domingues dos Santos.

Pena é que o Sr. Rodrigues Gaspar, um homem honrado às direitas, não te-

Página 18

18 Diário da Câmara dos Deputados

nha tido a coragem de declarar que repele essa política, isto justamente porque as conveniências políticas o fazem estar amarrado às imposições do Sr. Álvaro de Castro e do Sr. José Domingues dos Santos.

Sr. Presidente: eu deveria preguntar, se os homens que nesses jornais se apresentam como partidários do esquerdismo não terão feito fortuna, saindo da situação de miséria em que viviam.

Mudando de assunto, devo dizer que não me consta que o Sr. Presidente do Ministério respondesse às preguntas feitas com relação à questão religiosa, e desejava saber se perfilha a supressão da nossa legação junto ao Vaticano, e também sé segue a política do Sr. Bulhão Pato que está de acordo com a proposta do Sr. José Domingues dos Santos que quere restituir a sua primitiva pureza à Lei da Separação da Igreja do Estado, isto num pais que é católico, indo assim provocar perseguições às crenças do povo.

Sr. Presidente: não desejando alongar mais as minhas considerações para que se não diga que por minha causa se prolonga mais o debate termino desejando que o Sr. Presidente do Ministério responda aos pontos que foram referidos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Rodrigues Gaspar): — Sr. Presidente: vou responder duma maneira clara e precisa às preguntas feitas pelo Sr. Carvalho da Silva, e devo mais uma vez agradecer às palavras amáveis que me dirigiu, e êste agradecimento representa com sinceridade o meu sentir.

Relativamente à prata, estou de acordo em que seja reduzida a ouro.

Quanto aos decretos publicados pelo Govêrno anterior não tenho a opinião de S. Exas., não os considero ditatoriais,

A Câmara, porém, se em qualquer altura considerar que são ditatoriais, poderá resolver o assunto e revogá-los.

Àpartes.

Por minha parte não vejo, para a administração pública, necessidade de modificar êsses decretos.

Com referência a outro ponto a que S. Exa. se referiu, pode estar S. Exa. sossegado porque a República não pretende espoliar ninguém, quer seja republicano ou monárquico.

A par dêsse sossêgo, que garante, a República tem o direito de se defender por todos os meios daqueles que a pretendam estrangular.

Apoiados.

Quem pretender trabalhar honestamente, sem levantar dificuldades à República, pode estar sossegado, que não será incomodado, porque a República só incomoda quem comete crimes.

Contra êsses será intransigente, e empregará todos os meios legítimos de defesa.

O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — Desejaria que V. Exa. dissesse se está de acordo com aquele decreto do Sr. Álvaro de Castro que permite a compra de várias acções de companhias e se V. Exa. é de opinião que o Estado deve intervir na administração de emprêsas particulares.

O Orador: — O Sr. Carvalho da Silva quere saber se essas emprêsas podem levantar dificuldades à República sem o Govêrno intervir?

Àpartes.

O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — V. Exa. é de opinião que o Banco de Portugal tem criado dificuldades à República?

Àpartes.

O Orador: -Todos as têm sentido.

Àpartes.

O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — O Sr. Ministro das Finanças anterior não era dessa opinião, porque no outro dia declarou numa reunião que esperava que êsse Banco continuasse a prestar ao Estado a mesma colaboração.

Àpartes.

O Orador: — A minha acção não era de molde a que ninguém se assuste porque respeito o princípio de justiça que caracteriza o verdadeiro ideal republicano. Todavia quem alterar a marcha regular administrativa encontra-me pela frente no cumprimento do meu dever e pode estar certo

Página 19

Sessão de 16 de Julho de 1924 19

de que empregarei todos os meios necessários para a defesa da República.

Com respeito à questão religiosa, o Govêrno há-de acompanhar com toda a solicitude tudo o que seja respeitante às relações entre a Igreja e o Estado seguindo o princípio da neutralidade do Estado com a característica da supremacia do Poder Civil.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Lino Neto (para explicações): — Sr. Presidente: o ilustre Presidente do Ministério, dando à sua voz uma acentuação especial, declarou solenemente à Câmara que a hora é das esquerdas.

Esta expressão, que é corrente, tem dois significados: um compreendendo o reconhecimento da necessidade de transformação na organização económica actual; o outro compreendendo o reconhecimento de uma pretendida necessidade de negação, ou limitação das liberdades religiosas.

Nestas condições, porque a minoria católica deseja definir a sua posição nesta Câmara, eu peço ao ilustre Presidente do Ministério que me diga qual das significados que referi S. Exa. teve em vista, ao afirmar com solenidade que a hora era das esquerdas.

Precisamos saber a resposta de S. Exa. para marcarmos a nossa atitude.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro, do Interior (Rodrigues Gaspar) (para explicações): — Sr. Presidente: vou responder duma maneira clara à pregunta formulada pelo ilustre leader da minoria católica, pessoa por quem tenho a máxima consideração e respeito, apreciando não só os seus dotes particulares, mas a forma correctíssima com que trata de todos os assuntos nesta Câmara.

Não pode ser mais claro o sentido da minha frase.

Ao afirmar que a hora era das esquerdas quis significar que é chegado o momento de marcharmos para as reivindicações da justiça social; e acrescentei que a hora era também, das direitas para se convencerem de que nos têm de ajudar nessa marcha social.

A Igreja nada tem que assustar-se com a acção do Govêrno. A neutralidade do Estado em matéria religiosa será absoluta e o Govêrno não terá que indagar da confissão religiosa de cada um. Tem de manter-se é certo a supremacia do Poder Civil, em conformidade com a lei, mas isto não envolve de qualquer forma perseguições à Igreja,

O Sr. Lino Neto: — Quer dizer que a frase de V. Exa. não teve o intuito de dizer que diminuía as liberdades religiosas?

O Orador: — Não senhor. Estive na grande República Americana e aí tive ocasião de ver que êsse regime tam liberal era perfeitamente compatível com as liberdades religiosas dos cidadãos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Manuel Fragoso (para um requerimento): — Sr. Presidente: não quero fazer a justificação do requerimento que vou formular, porque sei que o Regimento mo não permite; mas quero declarar que êle é apenas da minha responsabilidade pessoal inspirado no tédio que me causa esta prolongada discussão sôbre a apresentação do Ministério, discussão que se arrasta, já há oito dias.

Nestas condições requeiro a V. Exa., com o meu protesto, que a sessão seja prorrogada sem, interrupção até se concluir o debate político...

Foi aprovado o requerimento.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Começo por apresentar a seguinte

Moção

A Câmara dos Deputados, ouvidas as explicações do Sr. Presidente do Ministério, convida o Govêrno a revogar imediatamente os decretos n.ºs 9:415, 9:416 e 9:437, de 11 de Fevereiro de 1921 e 9:306, de 17 de Março, o 9:761, de 3 de Junho último, relativo à alienação da prata amoedada e à redução dos juros dos títulos-ouro, e a não dar execução a quaisquer medidas ou deliberações respeitantes atestes assuntos, emquanto o Parlamento se não pronunciar a respeito deles.

Página 20

20 Diário da Câmara dos Deputados

Era uma vez um homem que tinha a mania das coincidências. Para êle tudo era coincidência: o sol que nascia todos os dias, as estrelas que brilhavam todas as noites, o vento norte que soprava sempre do mesmo lado, o meio dia que calhava sempre às 12 horas, etc.!

Pois eu estando há dias sentado no meu fauteuil entregue às minhas locubrações lembrei-me do homem das coincidências e, para entreter um pouco o meti espírito, procurei também descobri-las.

Passava-se isto, precisamente, na ocasião em que e Sr. secretário fazia uma daquelas suas chamadas pausadas, sonoras, arrastadas, lançando vagamente o olhar pelo hemiciclo para ver se descobria o nomeado, mesmo quando êste era o Sr. Afonso Costa.

A certa altura ouvi chamar compasadamente o Sr. Alberto Xavier, pouco depois proferiu o nome do Sr. Rodrigues Gaspar e logo a seguir o do Sr. Álvaro de Castro!

— Eureka! Achei! Exclamei entusiasmado: cá está uma coincidência: o Sr. Rodrigues Gaspar todo «afiambrado» entalado em sandwich entre os Srs. Alberto Xavier e Álvaro de Castro!

Risos.

Mas outras coincidências encontrei mais. Como a maioria passou ao Govêrno um cheque... à vista ou a curto prazo, encontramos na pasta das Finanças o director de uma casa de crédito do Estado.

E, como era preciso manter para o Ministério do Trabalho a tradição do descanso, eterno foram buscar à Morgue o Ministro respectivo!

Mas há também paradoxos.

O Sr. Bulhão Pato, Ministro das Colónias, como a maioria lhe cortara os vôos, arvoro use em moço de forcado e foi para o Rebate aconselhar que se pegue a reacção à unha!

Risos

Não finalizarei êste preâmbulo sem referir a mais estranha de todas as coincidências:

Como aquele Ministro usa o nome ilustre que escreveu a Paquita e Sob os ciprestes, o Sr. Álvaro de Castro, administrador da falência do Estado, julgando-se no cemitério, veio fazer o elogio à beira da sua própria campa!

Acertadamente se lembrou o Sr. Álvaro de Castro de que, depois de mortos, todos passam a ser muito boas pessoas, e não deixando os seus créditos por mãos, alheias, ocupou uma sessão fazendo a sua auto-biografia política, falando só de si e da sua desgraçadíssima obra, nem se referindo sequer aos seus colegas de gabinete, como lhe impunham até os elementares deveres de solidariedade, deixando os assim em desastrada situação.

Já os meus ilustres amigos se referiram brilhantemente às assombrosas afirmações e à espantosa obra financeira do Sr. Álvaro de Castro.

Seria, da minha parte, uma heresia pretender dizer mais e melhor de que o que disseram os meus colegas da minoria monárquica.

Acresce que o valor do que o Sr. Álvaro de Castro fez e o que disse se desfise-ram com um sopro!

Basta atender ao estado da circulação fiduciária e ao câmbio quando o Sr. Castro entrou e quando saiu.

Aquela, em 31 de Dezembro, isto é, quinze dias depois da sua subida ao Poder, estava em 1.419:912,184$00, e em 24 de Junho ficou em 1.580:680.027$50, tendo aumentado, portanto, nos seis meses da sua gerência, 160:767.839$00.

Desafio quem quer quer que seja a provar-me que todo êste aumento respeitou à circulação privativa do Banco.

Nem mais uma nota! Nem mais uma nota exclamou repetidas vezes o Sr. Álvaro de Castro.

E, afinal, aí estão os números a desmascará-lo!

Quanto ao câmbio, que é bem o reflexo da confiança pública e da situação económica e financeira do país, a realidade ainda é mais flagrante.

Em 31 de Dezembro estava êle a 125$90. Em 25 de Junho, ante-véspera do «falecimento» do Sr. Álvaro de Castro, ficou a 153$50, tendo dias antes sido mais elevado.

Quer-se demonstração mais completa da desastrada falência do Govêrno transacto, cuja política o actual pretende seguir?

O país não vê isto?

O país não acorda?

Aumentaram a circulação fiduciária, agravaram o câmbio, acabaram de arruinar o crédito interno e externo do Estado,

Página 21

Sessão de 16 de Julho de 1924 21

aumentaram os impostos, deixaram elevar o custo da vida em mais de 50 e 100 por cento, e, ainda por cima, têm o arrojo de defender esta negregada obra de destruição e de a impor a êste Govêrno como condição do seu apoio!

E sujeita-se o Sr. Rodrigues Gaspar, homem inteligente, e que se diz independente e desapaixonado, a esta subserviência degradante, preferindo continuar a desempenhar a missão macabra do seu antecessor, acorrentado a êle e a uma maioria cega, a proclamar bem alto a sua liberdade de acção, dizendo que o caminho é outro, e que Deus não o fadou para coveiro!

O Sr. Álvaro de Castro deixou o bacalhau a 11$!

Pregunto ao povo se foi para isto que deixou proclamar a República.

O Sr. Presidente do Ministério referiu-se especialmente a cada um dos Ministros elogiando-os.

A cada um me vou referir também, não pára os elogiar, mas sim para, apesar de adversário intransigente, lhes dar bons conselhos e lhes indicar um programa mínimo.

Ao Sr. Presidente do Ministério aconselho que se vá embora.

Ao Sr. Ministro do Interior lembro que deve cumprir o que me prometeu na véspera, mandando pôr imediatamente em liberdade o Dr. Laertes de Figueiredo, abusiva e ilegalìssimamente preso pela Polícia de Segurança, por um pretenso delito de imprensa.

Não acredito que o Sr. Rodrigues Gaspar falte ao que promete.

Aconselhe também S. Exa. a que mande prender e julgar os ladrões e os assassinos que andam em liberdade, sem esquecer ò bandido que matou Sidónio Pais.

Lamento que o Sr. Ferreira do Amaral, brioso e distinto militar, a quem presto homenagem, tendo jurisdição para o fazer, não dê as instruções rigorosas no sentido de as autoridades porem termo a semelhante vergonha, em vez de, como uma vez fizeram, subscreverem para essa repugnante criatura.

Ao Sr. Ministro da Justiça escuso de lembrar a questão do inquilinato, porque S. Exa. até tem pecado pelo exagero do interêsse pela sua solução infelizmente uni-lateral.

Espero que na nova tabela judicial não abuse da autorização dada, saltando por cima da lei e alterando os próprios códigos, como já, fez.

O que o Sr. Ministro das Finanças deve fazer; já consta das moções da minoria monárquica.

Ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiras lembro a questão das reparações e o já célebre tratado com a França sôbre os vinhos, cuja falta de soluças não foi, quero crê-lo, o motivo do agradecimento do Sr. Domingos Pereira com a gran-cruz de Santiago, como o não foi, por certo, a elevação, por Sidónio Pais, da legação, de Inglaterra a embaixada... nem a nomeação do general Sr. Norton de Matos.

O Sr. Bulhão Pato tem obrigação de atender bem ao projectado escândalo do empréstimo da Companhia dos Diamantes, manobrado pelo Sr. Norton de Matos e pelo qual Angola entregará, de mão beijada, à credora, 215:000 libras, diferença resultante da conversão do crédito previamente combinado de francos belgas em libras.

Deve olhar também para as condições em que o Sr. Vítor Hugo está negociando em Londres o famoso empréstimo de Moçambique e que, repete-o, se fôr levado a efeito, como se pretende, constituirá uma verdadeira obra de traição.

Os Srs. Ministros da Guerra o da Marinha devem reduzir os quadros.

O Ministro do Comércio, o mais jovial e satisfeito de todos, passará à história se conseguir resolver o problema das estradas, meter na cadeia os ladrões dos Transportes Marítimos, mandar publicar o relatório do ilustre juiz Dr. Nunes da Silva sôbre êste assunto, e evitar que os navios sejam vendidos lá fora para sucata.

E, então, se resolve finalmente o eterno problema da água em Lisboa, conseguindo assim livrar-nos do esterco e do pó, será um Ministro desempoeirado, e conquistará esporas de cavaleiro, apesar de ser de infantaria!

Pela pasta da Instrução é indispensável decretar a permissão do ensino religioso nas escolas particulares, e respeitar a autonomia universitária.

À sombra do Sr. Salema lembra que ainda não está fixado o preço dos trigos, apesar de o prazo legal já ter expirado,

Página 22

22 Diário da Câmara dos Deputados

e que no aumento de produção está a chave do problema nacional.

Veja, pois a Câmara, como sou eu, Deputado monárquico, que vem suprir as deficiências da telegráfica declaração ministerial, indicando ao Govêrno alguns actos e medidas cuja solução imediata os interêsses do país impõem. O pior é que o Govêrno, apesar de lá ter o Sr. Bulhão Pato, não tem asas para voar. E, mesmo que as tivesse, nada faria porque nada sabem, ou nada podem fazer os governos republicanos.

Tenho dito.

É rejeitada a admissão da moção do Sr. Cancela de Abreu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.°

Procede-se à contraprova.

O Sr. Presidente: — Estão de pé 45 Srs. Deputados e sentados 24. Está rejeitada a admissão da moção.

O Sr. Presidente: — Não há mais nenhum Sr. Deputado inscrito.

Vai proceder-se à votação das moções.

É lida na Mesa a moção do Sr. Cunha Leal, sendo em seguida rejeitada.

É a seguinte;

Moção

A Câmara dos Deputados, reconhecendo que o Govêrno, tal como está constituído, não satisfaz as legítimas exigências do País, passa à ordem do dia.— Cunha Leal,

O Sr. Lúcio dos Santos: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° dó Regimento.

Procede-se à contraprova.

O Sr. Presidente: - Estão de pé 50 Srs. Deputados e sentados 21.

Está rejeitada a moção.

É lida na Mesa a moção do Sr. Carvalho da Silva.

O Sr. Carvalho da Silva: - Requeiro votação nominal.

É rejeitado.

É rejeitada a moção do Sr. Carvalho da Silva em prova e em contraprova requerida pelo Sr. Cancela de Abreu.

É a seguinte:

Moção

Considerando que o Ministério da Presidência do Sr. Álvaro de Castro caiu no Parlamento perante a oposição que levantaram as suas medidas de finanças, quer as já efectivadas, quer as propostas, o que se deduz claramente da rejeição da moção em que se significava o aplauso da Câmara à política financeira do mesmo Govêrno;

Considerando que entre as medidas prejudiciais aos interêsses da Nação avultam as que atingiram os juros da dívida pública e as que permitiram e permitem a expatriação da prata e outros valores do património nacional, medidas essas, que carecem de ser instantemente revogadas;

Considerando que o actual Govêrno, longe de tranqüilizar os justos sobressaltos da opinião pública, diz, na sua declaração ministerial, que seguirá á política financeira do anterior Govêrno perfilhando até as propostas da sua autoria;

A Câmara nega a sua confiança ao actual Ministério e continua na ordem do dia.—Artur Carvalho da Silva.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura (Rodrigues. Gaspar): — Sr. Presidente: a votação que acaba de ser feita nesta Câmara sôbre as moções de desconfiança ao Govêrno, após as minhas declarações claras da política que ia seguir, obriga-me a, agradecer à Câmara a prova de confiança, que o Govêrno acaba de receber, e a declarar que o Govêrno empregará todos os seus esfôrços para bem poder corresponder a essa prova de confiança.

Vozes da esquerda e do centro: — Muito bem, muito bem.

O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, às 14 horas, com a mesma ordem do dia, menos o debate político.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 55 minutos.

Página 23

Sessão de 16 de Julho do 1924 23

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Projectos de lei

Do Sr. Sebastião de Herédia, extinguindo os quadros privativos das Administrações Gerais das Estradas e Turismo, Edifícios è Monumentos Nacionais e Serviços Hidráulicos.

Para o a Diário do Governou.

Dos Srs. Joaquim Matos e António Resende, determinando que o valor dos bens imobiliários dotados ou doados seja calculado em relação à época em que se houver de fazer a colação.

Para o «Diário do Governo».

Notas de interpelação

Desejo interpelar os Srs. Ministros das Colónias e Finanças, sôbre a situação do
problema de transferências e da cotação da moeda de Angola.— Cunha Leal.

Expeça-se.

Desejo interpelar o Sr. Ministro dos Estrangeiros sôbre os acordos comerciais pendentes e realizados entre Portugal e as nações estrangeiras, assim como sôbre a nossa posição em face do problema das reparações.— Cunha Leal.

Expeça-se.

Parecer

Da comissão de guerra, sôbre o n.° 728-A, que abre um crédito especial de 30:000.000$ a favor do Ministério da Guerra para pagamento de material de aviação e para os efeitos da lei n.° 1:272 de 26 de Maio de 1922.

Para a comissão de finanças.

O REDACTOR—Herculano Nunes.

Página 24

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×