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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 125
EM 17 DE JULHO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Joaquim Narciso da Silva Matos
Sumário. — Aberta a sessão com a presença de 43 Srs. Deputados, lê-se a acta e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Tavares de Carvalho protesta, mais uma vez, contra o jôgo ilícito, pedindo providências, e, reclama também contra o mau estado das estradas.
Refere-se ainda a outros assuntos de interêsse público.
Responde-lhe o Sr. Ministro do Comércio (Pires Monteiro).
Prossegue a discussão do parecer n.°736 (relativo as Misericórdias).
Continua no uso da palavra o Sr. João Camoesas.
O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues} requere que entre imediatamente em discussão o parecer n.º 649.
O Sr. Carvalho interroga a Mesa sôbre a ordem dos trabalhos, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
O Sr. Cancela de Abreu usa da palavra sôbre o parecer n.º 736, mandando uma proposta de substituição para a Mesa, proposta que é lida e admitida.
Usa da palavra o Sr. Dinis de Fonseca.
Ordem do dia. — Primeira parte — É aprovada a acta da sessão anterior.
O Sr. Portugal Durão manda para a Mesa uma declaração de voto, subscrita pelo seu nome e pelos dos Srs. Almeida Ribeiro e António Maria da Silva.
O Sr. Presidente comunica a noticia do falecimento do antigo Deputado republicano Sr. Dr. Pereira Coelho e propõe um voto de sentimento.
Associam-se a êste voto os Srs. Sá Pereira, Lopes Cardoso, Carvalho da Silva, Dinis da Fonseca, Álvaro de Castro e Ministro das Finanças.
É aprovado o requerimento do Sr. Ministro das Finanças, para que entre em discussão a primeira emenda.
Usam da palavra os Srs. Carvalho -da Silva e Ferreira de Mira.
É aprovada a redacção do artigo 1.° feita pelo Senado.
Requerida a contraprova, verifica-se que votaram a favor 48 Srs. Deputados e 2 contra. Não há número.
Procede-se à chamada.
Dizem «aprovo» 48 Srs. Deputados e «rejeito» 7.
Está aprovado.
Lêem-se e entram em discussão o artigo 4.º, emenda do Senado, e o parágrafo por êste introduzido.
Usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva, Ferreira de Mira, Ministro das Finanças, Morais Carvalho, Portugal Durão e Álvaro de Castro.
Ordem do dia.— Segunda parte — Discussão do orçamento do Ministério da Instrução.
O Sr. Cancela de Abreu requere que seja prorrogada a sessão até se discutir a generalidade.
Rejeitado.
Requerida a contraprova, verifica-se não haver numero.
Procede-se à chamada.
Não há número.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.
Abertura da sessão às 15 horas e 35 minutos.
Presentes, à chamada, 43 Srs. Deputados.
São os seguintes:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
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Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António do Paiva Gomes.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Luís António da Silva Tavares de valho.
Luís da Costa Amorim.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Ventura Malheiro Reimão.
Viriato Gomes de Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto da Rocha Saraiva.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Ernesto Carneiro Franco.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Mariano Martins.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva e Castro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Resende.
António de Sousa Maia.
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António Vicente Ferreira.
Artur Brandão.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
Joaquim José de Oliveira,
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares do Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegro.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior-
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Vitorino Henriques Godinho.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 43 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 35 minutos.
Leu-se a acta e o
Expediente
Oficio
Do Director da Escola Industrial Machado de Castro, convidando o Sr. Presidente da Câmara a assistir, no dia 17, pelas 21 horas e meia, à festa de fim do ano que os alunos ali realizam.
Para a Secretaria.
O Sr. Tavares de Carvalho — Sr. Presidente: V. Exa. informa-me se vem à Câmara algum membro do Govêrno?
O Sr. Presidente: — Não me consta que esteja presente nenhum membro do Govêrno.
O Orador: — Começa mal. E preciso que o Govêrno venha à Câmara e que tome providências sôbre a carestia da vida.
De todo o país recebo cartas e protestos contra o aumento constante do preço dos géneros e dos artigos mais essenciais à vida.
O Sr. Abílio Marçal: — O Govêrno não pode hoje vir a esta Câmara, pois tem de se apresentar no Senado.
O Orador: — Desejaria a presença do Sr. Ministro do Interior para lhe mostrar um bilhete postal que recebi e que passo a ler à Câmara por conter graves acusações.
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Joga-se em Lisboa e arredores francamente, com os clubes abertos à todos os que querem jogar.
Quando era Ministro do Interior o Sr. Sá Cardoso, S. Exa. prometeu-me envidar todos os esfôrços para proibir o jôgo, mas que precisava de uma lei que estava pendente do Senado e que infelizmente não foi votada durante a sua estada no Govêrno.
Não sei se S. Exa. instou pela discussão dessa lei no Senado. Sei apenas que se jogou sempre, embora eu e outros correligionários meus aqui fizéssemos protestos quási diariamente.
S. Exa., mercê da sua bondade ou fraqueza, nunca se atreveu a mandar fechar as casas de jôgo, limitando-se a mandar proceder a alguns assaltos, tendo as autoridades o cuidado de mandarem antes aviso prévio ou combinado.
O Sr. Sá Cardoso: — Cinco ou seis vezes instei no Senado pela aprovação dessa lei, mostrando ao Senado a responsabilidade em que incorria não votando essa lei, que me parece ser da autoria do Sr. Vasco Borges.
O Orador: — Neste postal, que é do domínio público, fazem-se acusações a oficiais do exército, que fazem serviço na polícia, acusações que podem ser caluniosas, mas que é necessário esclarecer, para não pesarem sôbre êles crimes ou faltas que tivessem deixado de cometer.
O Sr. Sá Cardoso: — Isso é de alguma pessoa que não recebeu.
O Orador: — Mas eu sei que fora de Lisboa há autoridades que recebem grossas quantias das emprêsas que exploram as casas de jôgo.
O Sr. Sá Cardoso: — Quando foi o assalto à casa de jôgo do Rossio o próprio oficial que dirigiu o assalto foi acusado de receber dinheiro.
O Orador: — É uma calúnia de que ou oficiais se devem defender com facilidade.
Para êles deve ser fácil provar que nada recebem das casas de jôgo, como lhes é fácil indagar e saber de onde partem as calúnias, processando e perseguindo os responsáveis pela difamação criminosa em que se viram envolvidos.
O Sr. Sá Cardoso: — Eu por mim entendo que não têm de se defender.
O Orador: — O que é um facto é que se joga francamente, descaradamente. Não se jogaria assim se as autoridades cumprissem os seus deveres. É contra êste desrespeito pelo cumprimento da lei que eu protesto energicamente e hei-de fazê-lo até que o Govêrno se disponha a pôr cobro a esta criminosa desmoralização.
Como está presente o Sr. Ministro do Comércio, e sendo a primeira vez que uso da palavra estando presente S. Exa., a quem me ligam laços de sincera amizade, dirijo-lhe os meus cumprimentos, estando certo que S. Exa. vai iniciar os seus trabalhos começando primeiro por solver o problema das estradas. As do meu círculo estão intransitáveis e a maior parte das do país deixaram há muito de parecer estradas. São apenas uns caminhos cheios de precipícios, onde permanentemente se inutilizam as viaturas que por elas são forçadas a transitar.
Os prejuízos que de aí advêm ao comércio, à indústria, à agricultura e ao turismo são incalculáveis e urge remediar esta situação, instando-se pela votação do projecto de lei das estradas do Sr. António da Fonseca.
O Sr. Abílio Marçal: — As do meu concelho também estão intransitáveis.
O Orador: — Eu não levarei V. Exa. ao meu círculo, pelo menos de automóvel, porque tenho receio de não conseguir trazê-lo ao Ministério novamente, sem ter sofrido qualquer desastre grave.
Um outro ponto para que chamo a atenção de S. Exa. é para que se inicie com a maior urgência a construção do caminho de ferro de Aldeia Galega a Alcochete. As disposições da lei que autorizou a sua construção são claras. Dependia a sua construção de atingir uma certa verba o ramal de Pinhal Novo a Aldeia Galega.
A receita já foi muito excedida em dezenas de vezes e até hoje não foram feitos senão vários estudos, aguardando êste melhoramento os povos da margem esquerda do Tejo, todos situados numa ré-
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gião riquíssima e que tam distante ficam do caminho de ferro e até da via fluvial, o Tejo.
Peço a V. Exa. que tome em consideração êstes meus pedidos, que faço em nome dos meus eleitores, que se vêem desprovidos de laceis comunicações com Lisboa e, portanto, impossibilitados de multiplicar as suas riquezas com a exportação dos seus produtos.
Logo que êste caminho de ferro se encontre em exploração, muitas fábricas irão instalar-se em terrenos muito próprios para a sua laboração.
Está já constituída uma empresa para ali construir altos fornos e outras emprêsas se constituirão logo que tenham fáceis e rápidos transportes para os seus produtos.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Pires Monteiro): — Sr. Presidente: agradeço ao ilustre Deputado os seus cumprimentos e dir-lhe hei que um dos meus 'primeiros cuidados será o problema das estradas.
Quanto ao caminho de ferro, a que S. Exa. se referiu, vou estudar o assunto.
O Sr. Presidente: — Continua em discussão o parecer n.° 736.
O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: nas considerações que ontem apresentei a esta Casa do Parlamento, pretendi chamar a sua atenção para um aspecto que se me afigura fundamental, qual vem a ser a impossibilidade económica em que se encontram as Misericórdias de cumprir a sua função em matéria de assistência hospitalar, e por outro lado, as exigências cada vez maiores da assistência, hospitalar, nas condições que a saúde pública vem apresentando.
Temos, portanto, esta situação: carência de assistência hospitalar, absoluta in-dispensabilidade de eliminar esta carência e um organismo de assistência que continua a exercer essa função que se encontra sem recursos para fazer face às exigências da situação da saúde pública, apesar das contribuições voluntárias, e, principalmente, porque uma medida anterior, transformando os seus bens, que incontestavelmente se têm desvalorizado, tem contribuído para esta situação de facto.
Sendo assim, o que importa é procurar uma solução de efeitos rápidos e imediatos. O Congresso das Misericórdias, depois de muito estudar, de muito discutir, de se terem emitido as mais contraditórias e opostas opiniões, votou por maioria a adopção dum adicional às contribuições gerais do Estado, que reverteria para sustentar as despesas das Misericórdias, e, nos termos desta aspiração do Congresso das Misericórdias, a sua comissão executiva enviou à Mesa e a comissão respectiva desta casa do Parlamento elaborou o projecto de lei que se encontra em discussão, e, particularmente, o artigo 1.°
Nesta casa do Parlamento levantaram-se objecções de vária ordem à doutrina dêsse artigo, as quais,, no emtanto, se me afiguram insubsistentes.
Vêm em primeiro lugar as objecções do Sr. Morais Carvalho, que disse que a doutrina do projecto de lei era nada mais, nada menos, estimulante incitadora da má administração.
Ora esqueceu-se o Sr. Morais Carvalho de que todas as instituições portuguesas de assistência estão sujeitas a uma fiscalização superior da repartição técnica competente, a qual possui todos os elementos necessários, indispensáveis para evitar exactamente os abusos a que se queria referir.
De maneira que na mecânica dos serviços públicos já existentes se encontra a experiência — com eficácia comprovada — dum organismo cuja acção é susceptível de demonstrar-se que é inteiramente insubsistente e não tem razão de ser a objecção do Sr. Morais Carvalho.
Depois, o Sr. Dinis da Fonseca increpou o artigo por ser atentatório da existência das Misericórdias e — na rude palavra veemente — de matar as Misericórdias.
As Misericórdias — diz S. Exa. — sendo instituições de carácter voluntário, vivendo da pública beneficência, no dia em que tiverem de ser sustentadas pelo Estado perderão inteiramente o seu carácter, no dia em que forem origem do lançamento dum adicional sôbre as contribuições verão imediatamente deminuir o número dos beneméritos.
Contra estas duas acusações — de que o projecto é verdadeiramente atentatório do desenvolvimento e até da integridade
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das Misericórdias, conforme opinião do Sr. Dinis da Fonseca protestam dois concelhos, um no norte e outro no sul o concelho de Póvoa de Varzim e o concelho de Setúbal onde, em virtude de disposições legais, ás Misericórdias gozam já dó produto de certos impostos. A Misericórdia da Póvoa de Varzim, longe de ver deminuída a acção beneficente, tem-na visto aumentada.
Na Póvoa de Varzim tom-s e feito instalações hospitalares modelos e todas estas instalações hospitalares têm sido feitas à custa de beneméritos.
Na cidade de Setúbal os serviços sustentados pela Misericórdia têm-se desenvolvido de tal maneira que ela fundou um banco hospitalar, tendo construído enfermarias nos últimos anos; e tudo isso tem sido feito à custa de muitos donativos voluntários.
Aqui tem a resposta mais categórica ao seu temor, dê que as disposições legais matarão as Misericórdias.
Mas há mais. Não é desconhecido de ninguém que algumas Misericórdias vivem de impostos que são exigidos.
Todas as Misericórdias têm gozado da beneficência do Estado em menor ou maior escala; paga com mais ou menos pontualidade até há pouco tempo.
O que é certo é que todas elas têm gozado da beneficência do Estado e, entretanto não perderam as suas características, nem deixaram de progredir.
De maneira que temos de pôr inteiramente de parte os temores e receios apresentados a esta Câmara pelo Sr. Dinis da Fonseca, como contraditados pela experiência nacional.
As Misericórdias não padeceriam absolutamente nada com a doutrina do artigo 1.º porque êste imposto, pela mecânica estabelecida no próprio artigo, é de certa maneira de carácter voluntário, porque seria lançado por adicional naqueles concelhos em quê os donativos voluntários não produziriam o bastante para as necessárias despesas de organização.
Se as pessoas que têm dinheiro não quiserem ser tributadas, visto a falta de recursos com que lutam os hospitais, evidentemente está nas mãos dos próprios contribuintes o evitar a contribuição.
Sorrisos dos Srs. Portugal Durão e Paiva Gomes.
O Orador: — Por maior que seja a hilaridade de V. Exas. isto é lógico.
As fôrças vivas podem furtar-se a esta contribuição se quiserem; basta cumprir Um dever social sagrado em todas as sociedades curtas.
É um autêntico dever social que deve cumprir-se, para se evitar a necessidade do lançamento dum adicional.
De maneira que, seja qual fôr o critério para validar os argumentos do Sr. Dinis da Fonseca, temos de considerá-las insubsistentes.
S. Exa. tinha apresentado mais objecções, mas estas para mim são as essenciais.
Um grupo de Deputados, tendo à sua frente o Sr. Álvaro de Castro e acaudilhado pelos Srs. Velhinho Correia e Paiva Gomes, sustentou outro princípio acerca da doutrina do artigo 1.°, julgando inadmissível para a Câmara dos Deputados êste imposto a favor de instituições particulares. Deve votar impostos apenas a favor do Estado, diz-se.
Não se trata em primeiro lugar dum imposto novo; trata-se apenas dum adicional a impostos já criados, o que é uma cousa um tanto ou quanto diferente. É apenas uma percentagem sôbre impostos existentes.
Neste caso se encontram todos os corpos administrativos e corporações que também têm adicionais sôbre as contribuições gerais do Estado.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Nem todos;
O Orador: — Não é segredo para ninguém quê existe em Portugal Uma companhia priviligiada que tem um monopólio do Estado e que em certa altura lucra mais com o imposto cobrado do que com o próprio fabrico de mercadoria existente.
Por conseqüência a doutrina do Sr. Álvaro de Castro ajusta-se ao caso.
A êste respeito, o Sr. Velhinho Correia borda uma modalidade, e vem a ser que é exagerado o adicional de 10 por cento sôbre contribuições gerais do Estado, sendo essas contribuições cru número vago, visto que estão pendentes aumentos às contribuições.
S. Exa. fez o cálculo de 100:000 contos, que é uma cousa incomportável para as Misericórdias, diz.
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Não quero dizer que amanha sejam elevadas, exactamente ao máximo, nem isso poderia ser.
Isto está nas mãos do Sr. Ministro das Finanças.
As corporações é que têm os elementos para fazer uma informação técnica fundamentada, de maneira que não queremos nada que não haja em outros países.
O que é certo é que o princípio foi fixado em algumas Misericórdias do País.
O Sr. Velhinho Correia sustenta que deve terminar o adicional em benefício das Misericórdias.
Mandou para a Mesa até uma emenda em que se consigno, o princípio de fixar-se 25 por cento.
O Sr. Velhinho Correia: — A contribuição predial rústica tem de ser actualizada.
Não pode ser, em caso algum, inferior a 100:000 contos. E ainda não é nada...
O Orador: — Não vale a pena estarmos a perder tempo. Eu já respondi ao argumento de S. Exa. O número 10% é o número limite até ao qual podemos lançar a tributação que fôr preciso. Nós temos maneira de saber rigorosamente o que podemos obter. Possuímos os elementos técnicos indispensáveis para determinar com rigor aquilo que é absolutamente necessário às Misericórdias. Temos, além disso, o despacho do Ministro das Finanças, que certamente há-de ter tido o cuidado de evitar o desvio do imposto para fins que não sejam úteis.
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): — V. Exa. tem adicionais para os funcionários públicos, para a instrução primária, para a caixa do emolumentos do pessoal do Ministério das Finanças, para as câmaras municipais, para as juntas gerais de distrito, para os novos vencimentos dos funcionários. Tudo isto representa mais de 100 por cento do adicionais. Imagine V. Exa. o que diriam as oposições só amanhã lho fossem pedir mais um adicional de 10 por cento para as Misericórdias.
O Orador: — V. Exa. não pode contar com êsse argumento, que não tem valor algum. Seja, porém como fôr afigura-se-me que não devemos aceitar o número do Sr. Velhinho Correia, porque êle é arbitrário e porque o estabelecido da proposta é mais exactamente conforme com as necessidades das Misericórdias.
De resto, para ô efeito da própria mecânica do funcionamento local das Misericórdias, o fixar-se o número 10 ou 5 não é indiferente, visto que, estando o contribuinte na iminência de ser tributado num adicional de maior volume, poderia, querendo, esquivar-se ao lançamento dêsse adicional.
Sr. Presidente; creio ter respondido a todas as objecções que, foram feitas por vários Deputados, incluindo as do Sr. Paiva Gomes. No decorrer da discussão o Sr. João Luís Ricardo mandará para a Mesa uma proposta de emenda ao § 3.°, que deve acautelar muitas das observações de S. Exa. Além disso, os regulamentos que O Govêrno fica autorizado a elaborar poderão prevenir todos os outros casos.
É inteiramente necessário aprovar o artigo 1.° da proposta tal como está redigido, porque é a maneira mais rápida de acudir à situação das Misericórdias.
Digo-o, não por sentimentalismo ou simpatia, mas pela natureza da função que elas são levadas a exercer, pela hospitalização que eles realizam em toda a parte do país, e que as torna inteiramente indispensáveis à população portuguesa. Por conseqüência, pouco importam as susceptibilidades dêste ou daquele Deputado; O que importa é a hospitalização de doentes que não têm meios para o fazer. O número dêstes é cada vez mais elevado no país.
As Misericórdias, não por culpa sua, mas do Estado, não têm recursos. Nós temos obrigação de dar-lhes êsses recursos.
Por isso, Sr. Presidente, entendo que devemos aprovar com a maior rapidez o artigo que temos vindo discutindo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Sr. Presidente: sendo esta a primeira vez que, como Ministro, tenho a honra de falar na actual sessão legislativa, saúdo em V. Exa. a soberania nacional.
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Requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se autoriza que entram imediatamente em discussão as emendas vindas do Senado ao parecer n.° 649.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: embora mantendo inteiramente os pontos de vista sustentados por nós acerca da matéria de proposta em discussão, mando para a Mesa uma proposta de substituição do § 2.° do artigo 1.° Isto sem de modo algum concordar com a doutrina dêste artigo. Entendo que a solução do problema das Misericórdias se não encontra no agravamento das contribuições gerais do Estado.
O parágrafo que vou mandar para a Mesa atende uma reclamação justa que recebi sôbre o modo como deve ficar constituída a comissão incumbida de aplicar os fundos especiais destinados ás instituições de beneficência. Do estudo que fiz concluí que assim a comissão ficará composta de pessoas mais competentes e de melhor boa vontade para resolver-o problema, e, porventura, a maioria delas mais alheias a influências políticas.
Para não voltar a falar sôbre êste assunto, mando também para a Mesa uma proposta de substituição ao artigo 2.° que V. Exa., Sr. Presidente, se dignará pôr em discussão na devida altura.
Eu proponho o seguinte:
Proposta de substituição do § 2.° do artigo 1.°:
O produto dêste adicional será depositado pelo tesoureiro de finanças do concelho respectivo, na delegação ou agência da Caixa Económica Portuguesa, à ordem duma comissão composta do presidente da Câmara, do provedor da Misericórdia, do secretário de finanças e do presidente de cada uma das outras casas de caridade do concelho, à qual incumbirá a distribuição e aplicação dêste fundo.— Paulo Cancela de Abreu.
Leu-se na Mesa e foi admitido.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: o Sr. João Camoesas referiu-se a umas objecções que eu fiz ao artigo 1.°
Digo que êste artigo representa a perda da autonomia moral das Misericórdias.
As Misericórdias não solicitam esmola, querem que se lhes faça justiça.
As Misericórdias são credoras do Estado.
Mantenho a minha primeira afirmativa: êste projecto tira toda a autonomia às Misericórdias.
O Estado pode lançar impostos, mas nunca para êste fim, isto é, colocar as Misericórdias sob a tutela do Instituto de Seguros Sociais.
Êste artigo é uma verdadeira mistificação para as Misericórdias; elas apenas servem de bandeira, e tanto assim que já a Misericórdia do Pôrto veio pedir para não ser incluída neste projecto.
As Misericórdias são credoras do Estado, pedem que lhes paguem; não pedem esmolas, subsídios, subvenções; pedem justiça.
Rejeito êste artigo porque é uma mistificação completa.
Todos nós sabemos o que na prática se dá quanto a reuniões de comissões e por isso de antemão podemos ter a certeza de que nunca se conseguirá reunir todos os membros da comissão que aqui se propõe.
Chegar-se há à conclusão de que o trabalho que deveria ser feito por essa comissão será de um ou dois dos seus membros que chamem a si o encargo de fazê-lo.
Qual será então o critério da distribuição?
O Sr. Presidente: - São horas de passar à ordem dia.
O Orador: — Se a Câmara me permite, concluo em alguns minutos.
Vozes: — Fale, fale.
O Sr. Presidente: — Queira então continuar.
O Orador: — Diz-se que a distribuição se fará pelo critério dos encargos a descoberto.
O encargo do déficit?
Mas então a Câmara ignora, porventura, que a lei administrativa proíbe que as Misericórdias acusem déficit nos seus orçamentos?
É preciso que se fixe uma base certa pela qual haja de determinar-se quem tenha de fazer a distribuição. Só assim
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pode haver uma distribuição justa e eqüitativa.
Deixar ao arbítrio de quem quer que seja a distribuição dos subsídios a conceder aos institutos de beneficência é derrubar a autonomia moral dêsses institutos.
A aprovação dêste artigo, tal como está redigido, só dará em resultado a ruína das Misericórdias pelo golpe profundo que receberão na autonomia moral que necessitam manter.
Se êste artigo fôr executado, tenho a certeza de que a breve trecho se reconhecerá que tenho razão em levantar aqui a minha voz contra êle.
Tenho em alto apreço as Misericórdias e por isso quereria que o Estado lhes desse aquilo que lhes pudesse dar.
Não peço o pagamento integral do que lhes deve, mas sim aquilo que lhes possa dar.
Ponho a questão assim.
O Estado deve. Pagando, não assume novos encargos; reconhece que os tem.
Por êste ponto de vista lutarei até final, e julgo que nisso está a defesa dos interêsses das Misericórdias.
Tenho dito.
O orador não reviu,
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ordem do dia.
ORDEM DO DIA
PRIMEIRA PARTE
O Sr. Presidente: Está em discussão a acta.
O Sr. Portugal Durão: — Mando para a Mesa uma declaração de voto. Seguidamente é aprovada a acta.
Admissão
Projecto de lei
Do Sr. Sampaio Maia, determinando que os parlamentares que faltarem às sessões sofram o desconto do vencimento diário.
Para a comissão de finanças.
O Sr. Presidente: — Comunico à Câmara o falecimento do antigo Deputado
Sr. Pereira Coelho, que foi governador civil de Beja, e dedicado republicano.
Proponho que seja exarado na acta da sessão de hoje um voto de sentimento pela sua morte.
Apoiados.
O Sr. Sá Pereira: — Sr. Presidente: pedi a palavra para em nome dêste lado da Câmara mo associar ao voto de sentimento proposto por V. Exa.
Fazendo parte da Assemblea Nacional Constituinte, o Sr. Pereira Coelho ajudou a votar a Constituição da República, e não teve nunca outra política senão a republicana, lutando sempre pelo seu ideal.
Sendo antigo governador civil de Beja, ainda há pouco, quando foi da inauguração do abastecimento de águas à referida cidade, um dos maiores melhoramentos ali realizados, êle falou numa sessão presidida pelo Sr. Ginestal Machado, e é com profundo sentimento que me associo ao voto proposto por V. Exa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lopes Cardoso: — Sr. Presidente: o Sr. Pereira Coelho era um austero republicano e foi um dos elementos que mais concorreram para a proclamação da República.
Ainda na última situação política, presidida pelo Sr. Ginestal Machado, foi governador civil de Beja, tendo sempre prestado serviços à República.
Em nome dêste lado da Câmara, associo-me ao voto de sentimento que acaba de ser proposto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Em nome dêste lado da Câmara, associo-me ao voto de sentimento que V. Exa. propôs.
Tenho dito.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Em nome da minoria católica, associo-me ao voto do sentimento que V. Exa., Sr. Presidente, acaba de propor.
Tenho dito.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: pedi a palavra para acompanhar a
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Câmara na manifestação de sentimento que V. Exa. propôs.
Tenho dito.
O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Sr. Presidente: em nome do Govêrno, associo-me ao voto de sentimento que V. Exa. acaba de propor.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Câmara, considero aprovado o voto de sentimento que propus.
Tendo o Sr. Ministro das Finanças requerido que entrem em discussão as emendas do Senado ao parecer n.° 649, vou consultar a Câmara neste sentido.
Foi aprovado em prova e em contraprova requerida pelo Sr. Carvalho da Silva, com invocação do § 2.° do artigo 116°, tendo aprovado 45 Srs. Deputados, e rejeitado 10.
Leram-se as emendas e entraram em discussão.
São as seguintes:
Artigo 1.° É permitido ao Poder Executivo suspender a execução de qualquer
diploma emanado dele ou do Poder Legislativo, do qual resulte aumento de despesa, e bem assim reduzir despesas, eliminando ou reduzindo qualquer dotação inscrita nos orçamentos do Estado, quando a respectiva despesa possa, sem graves inconvenientes, ser adiada ou suprimida, ainda que pela remodelação e simplificação dos serviços.
§ 1.° Aprovado.
§ 2.° Aprovado.
Art. 2.° Aprovado.
§ 1.° Aprovado.
§ 2.° Aprovado.
Art. 3.° Aprovado.
a) Aprovada.
b) Aprovada.
c) Aprovada.
d) Aprovada.
Art. 4.° O aumento de circulação fiduciária para além dos limites determinados nas leis que regulam especialmente os contratos do Estado com o Banco de Portugal constitui crime publico, ficando todos os que, por qualquer motivo ou pretexto, forem seus agentes ao abrigo do disposto no artigo 231.° do Código Penal e penalidades a que o mesmo se refere, sem prejuízo da doutrina dos artigos 100.° a 106.° do mesmo Código.
§ único. Exceptua-se do disposto neste artigo a circulação emitida destinada ao maneio das cambiais de exportação.
Art. 5.° Rejeitado.
Art. 5.° (novo). É elevado ao triplo o limite máximo a que se refere a alínea a) do artigo 9.° da lei n.° 1:424, de 15 de Maio de 1923.
Art. 6.° Aprovado.
Palácio do Congresso da República, 27 de Junho de 1924.— António Xavier Correia Barreto — Luis Inocêncio Ramos Pereira.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: como já tivemos ensejo de dizer quando se discutiu esta autorização, ela é absolutamente inconstitucional, pois que o Parlamento abdica de todas as suas funções, e, em vez de ser fiscal do Poder Executivo, o Poder Executivo é que passa ser fiscal do Poder Legislativo.
Pela primeira vez que o Sr. Ministro das Finanças usou da palavra veio mostrar que o Govêrno segue as imposições estabelecidas pelo Sr. Álvaro de Castro e Carlos Olavo. Sr. Presidente: a referida autorização tem um artigo que, parecendo que visa a reduzir despesas, conjugado com os outros artigos envolve a permissão de aumentar a circulação fiduciária.
Sr. Presidente: ainda não há muito que o Parlamento, quando se levantou a questão da prata, no dia em que ela pela calada da noite foi levada para bordo, se indignou e eu tive ocasião de dizer que êsse facto era a conseqüência de se davam autorizações espantosas.
Então o Sr. Portugal Durão e o Sr. António Maria da Silva fizeram declarações indignados contra a obra do Govêrno do Sr. Álvaro de Castro.
O Sr. António Maria da Silva declarou que a prata nunca podia ser vendida sem a sua substituição por igual valor em ouro.
Por sua parte o Sr. Vitorino Guimarães declarou que na lei n.° 1:424 não havia disposição semelhante ao que se alegava e insurgiu-se indignadamente.
Mas o Parlamento, que perante a indignação da opinião pública mostrou não ter medido o alcance da autorização dada
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ao Govêrno, vai agora dar ao Govêrno, uma autorização para sustar os actos do Poder Legislativo.
Pode o Parlamento votar semelhante cousa, mas eu hei-de apresentar à Câmara os meus protestos contra um tal artigo, e hei de mostrar à Câmara quais os propósitos do Govêrno, que só deseja aumentar a circulação fiduciária de um modo como nunca se fez.
Tenho dito por agora; e falarei de novo para mostrar a justiça das minhas considerações.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ferreira de Mira: — Sr. Presidente: tenho de dizer breves palavras para esclarecer o meu voto sôbre êste artigo 1.° Trata-se de emendas do Senado, e eu vi agora numa rápida leitura, consoante ao artigo 1.°, e é êsse que está em discussão, que a sua essência não difere singularmente, quer se adopte a redacção da Câmara dos Deputados, quer se adopte a redacção que o Senado preferiu. Visto que, pelo Regimento da Câmara, só tenho de votar uma dessas redacções, não tenho dúvida nenhuma em dar a minha aprovação à do Senado, que me parece mais cuidada; mas visto isso importar uma aprovação, eu quero deixar declarado que não se trata de uma aprovação de matéria, quer quanto ao artigo da Câmara dos Deputados quer quanto ao artigo do. Senado, porque simplesmente se trata de entre duas redacções diferentes, sôbre uma matéria com que não concordo, dar a preferência àquela que me parece melhor.
Não posso deixar de neste momento lembrar que, pela minha boca e por boca de outros oradores dêste lado da Câmara, foi discutida esta proposta quando primeiramente aqui foi trazido e foi rejeitada. Foi rejeitada não pelo simples motivo da utilidade que possa trazer para a vida de qualquer Govêrno, mas pelo motivo de que, com propostas desta ordem, nós de cada vez mais desprestigiamos o Parlamento. Estamos ainda num regime parlamentar, e desde o momento em que o Parlamento em tam pouca conta se tenha e tam pouco caso faça de si próprio, passaremos para um regime em que, na verdade, não ha verá Parlamento. Se temos
de estar aqui unicamente para votar a criação de qualquer freguesia ou de qualquer assemblea eleitoral, não vale a pena existir um órgão que, apesar de os seus membros ganharem pouco, mas pela circunstância de serem muitos, sai sempre caro ao país. Quere o Parlamento desinteressar-se das questões primordiais, limitando-se a votar o que o Govêrno deseje? Isso seria o mesmo que dizer que o Parlamento não presta, e por conseqüência que escusamos de Parlamento.
Ora não só em meu nome, não só por êste Parlamento, mas por todos os Parlamentos e pelo regime parlamentar, eu, que julgo êsse regime necessário ao país, voto contra quaisquer propostas que representem o cerceamento das prerrogativas parlamentares.
Apoiados.
Nestes termos, Sr. Presidente, quero acentuar a minha declaração. Vai S. Exa. pôr à votação a redacção da Câmara dos Deputados e a redacção do Senado, e eu aprovarei de preferência a do Senado, embora não concordando com a matéria que nela se inclui.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente:. — Vai votar-se o artigo 1.°
Foi aprovada a redacção do Senado sôbre o artigo 1.°
O Sr. Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
Feita a contraprova verificou-se estarem de pé 2 Srs. Deputados, e sentados 48, pelo que se procedeu, à chamada.
Feita a chamada, disseram «aprovo» 48 Srs. Deputados e «rejeito» 7, pelo que foi considerado aprovado.
Disseram «aprovo» os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
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Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Constando de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Disseram «rejeito» os Srs.:
António Ginestal Machado.
Francisco Cruz.
Hermano José de Medeiros.
João de Ornelas da Silva.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Carvalho dos Santos.
Foi lido o artigo 4.°
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: aí está a obra do Govêrno, aí estão os amigos do povo, nesta hora das esquerdas, nesta hora em que se diz que se vão atender os interêsses do povo; aí estão os que ontem afirmavam que se não devia emitir nem mais uma nota.
Sussurro na sala.
O Orador: — Eu sei que é um processo cómodo êste de fazer barulho para se não deixarem ouvir as verdades que se dizem dêste lado da Câmara.
O Sr. Álvaro de Castro e o Sr. José Domingues dos Santos, um nesta casa do Parlamento, outro junto à praia de Oeiras, declararam que não se aumentaria a circulação fiduciária.
Todavia o que agora se discute não é mais do que uma autorização para o aumento ilimitado da circulação fiduciária.
Vozes: — Apoiado!
Vozes: — Não apoiado!
O Orador: — Esta é a verdade e a sinceridade dos amigos do povo, que falam com aquela verdade e sinceridade com que o fez o Sr. Velhinho Correia, que quando Ministro das Finanças afirmava no seio das comissões do seu Partido e no jornal do seu Partido que não aumentava nem mais uma nota, e entretanto aumentava ilegalmente centenas de milhares de contos de Anotas falsas.
O Sr. Álvaro de Castro, o inimigo da circulação fiduciária, o que não queria nem mais uma nota na sua obra ditatorial, publicou dois decretos que constituem a demonstração mais completa da falta de sinceridade das suas afirmações.
Como V. Exas. sabem, pela convenção com o Banco de Portugal, de Dezembro de 1922, foi criado o chamado «Fundo de Maneio» das cambiais de exportação, cujo maquinismo consiste no seguinte:
O Estado, para adquirir as cambiais de exportação, pede ao Banco a conta cor-
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pondente em escudos, e as cambiais são descontadas no Banco, de onde não podem ser retiradas sem o Estado ter reposto as notas que para êsse efeito foram emitidas.
Mas vem o Sr. Álvaro de Castro, o inimigo da circulação fiduciária, o amigo do povo, o homem que quere fazer a defesa da República, arrancando tudo a quem tem, para meter nas alhibeiras dos republicanos, e publicou o decreto n.° 9:415.
Quere dizer, o Sr. Álvaro de Castro pretende o seguinte:
O Banco empresta os escudos, emite notas correspondentes à importância das cambiais, e como a segunda parte da convenção obriga o Govêrno a repor os escudos para retirar as cambiais, essa desapareceu.
Trocam-se àpartes.
O Orador: — Mas não pára aqui a obra do Sr. Álvaro de Castro.
O Sr. Álvaro de Castro, publicando êste decreto ditatorial, tem de aceitar uma destas premissas: ou defende que o aumento de circulação fiduciária melhora sensivelmente o câmbio, ou então tem de reconhecer que abusou da autorização parlamentar que lhe foi dada, praticando um acto ditatorial.
Estamos para ver agora qual a sinceridade com que a maioria tantas vezes declarou que se opunha ao aumento da circulação fiduciária.
Mas o Sr. Álvaro de Castro fez mais.
Pelas leis vigentes, é o Banco de Portugal obrigado a publicar semanalmente o seu boletim, com a nota circunstanciada do estado da circulação fiduciária.
Pois o Sr. Álvaro de Castro, o homem que diz saber defender os interêsses do povo e que se arroga extremo defensor da Constituição e do regime parlamentar, não hesitou em publicar o artigo 8.° do decreto n.° 9:418, que diz o seguinte:
Leu.
E êste Govêrno, que ainda ontem se declarou inimigo do aumento da circulação fiduciária, ao vir aqui no primeiro dia depois da sua apresentação, iniciara a sua obra por pedir que entrem imediatamente em discussão as emendas do Senado.
Sr. Presidente: o Sr. Almeida Ribeiro, ao discutir-se nesta casa do Parlamento a
monstruosa autorização, propôs-lhe o artigo que está em discussão, destinado a abranger pelas disposições do Código Penal os membros do Poder Executivo que emitam notas além daquelas autorizadas por lei, mas o Senado certamente por inspiração do Sr. Álvaro de Castro, acrescentou a êste artigo um parágrafo exceptuando os Ministros destas disposições do Código Penal, isto é concedendo-lhes a impunidade no caso de aumentarem ilegalmente a circulação fiduciária.
Sr. Presidente: está feita irrefutavelmente a demonstração do que afirmei à Câmara, e pregunto ao Sr. Ministro das Finanças:
Onde está a sinceridade da declaração ministerial?
Onde está essa hora das esquerdas?
O que os esquerdistas pretendem, ao declararem se defensores dos interêsses do povo, é levar êste país a uma situação irremediável.
Vende-se a prata, vende-se o ouro, abusa-se das autorizações concedidas pelo Parlamento. É uma verdadeira liquidação do País.
Sr. Presidente: gostava muito de ouvir a opinião, dos Srs. José Domingues dos Santos e Álvaro de Castro a êste respeito para avaliarmos a sinceridade das suas afirmações e para vermos se continuamos a ser enganados como nos tempos da propaganda em que ao povo se prometia bacalhau a pataco. Em nome de defesa da República, o Govêrno e o bloco parlamentar querem republicanizar o Banco de Portugal, a fim de destruírem a pequena resistência que ainda encontram nele, para que êste regabofe continue à vontade sem que se saiba da verdadeira situação das suas contas.
Sr. Presidente: tenho dito o suficiente acerca dêste artigo, e quando se discutir o outro, eu demonstrarei à Câmara que se procura também aumentar 80:000 contos de cunhagem, operação com os mesmos efeitos perniciosos que os da circulação fiduciária.
Houve um homem que tinha a alcunha de O Mineiro e que fabricava muito bem moeda falsa. Talvez elo se encarregasse de fabricar mais barato a moeda que os governos têm emitido.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Ferreira de Mira: — Sr. Presidente: tendo sido o Sr. Ministro das Finanças quem requereu que entrassem em discussão as emendas do Senado, chamo a atenção de S. Exa. para as considerações que vou fazer.
Não era o Sr. Daniel Rodrigues Ministro, como não é parlamentar, quando a Câmara dos Deputados se pronunciou sôbre a proposta inicial, nem quando o Senado votou as suas emendas.
Poderia portanto S. Exa. dizer que não tinha a menor responsabilidade neste assunto, senão fôsse o facto de vir aqui hoje requerer a sua imediata discussão.
Discute-se presentemente a emenda do artigo novo que não tem pendant na Câmara dos Deputados.
Quanto à redacção do artigo devo dizer que me causou surpresa se tivesse alterado; porquanto, até em alguns termos, se eu sei o que quere dizer, é uma cousa inteiramente diferente do que aqui foi votado.
Interrupção do Sr. Velhinho Correia.
O Orador: — Diz-me o Sr. Velhinho Correia que julga ser a emenda do Senado do meu colega e correligionário Sr. Alfredo Portugal. Não quero saber, não lhe importa saber que o seja.
Julgo-me na obrigação de demonstrar ao Sr. Velhinho Correia e a Câmara que essa nova redacção, seja qual fôr a sua paternidade, é muito infeliz.
Que se dizia no artigo da Câmara, dos Deputados?
Dizia-se:
Leu.
«Ao abrigo» ... Eu bem sei que ao abrigo do disposto num Código Penal pode ser, inclusivamente, a cadeia.
Mas não é assim. Se não há realmente um motivo para alterar o sentido de Câmara dos Deputados; pregunto porque em vez de «sanção» fica o «abrigo»?
Interrupção do Sr. Velhinho Correia.
O Orador: — De maneira que devemos procurar fixar aquilo que estava no artigo da Câmara dos Deputados. É pelo menos esta â doutrina.
Mas, por agora, a parte para que peço a atenção da Câmara e do Sr. Ministro das Finanças é, especialmente, a constante do § único.
A Câmara não me perdoaria se eu reeditasse argumentos apresentados já perante ela pelo Sr. Carvalho da Silva.
Simplesmente quero chamar a atenção da Câmara e do Sr. Ministro das Finanças para o que representa de verdade esta asserção.
O que se quere?
Quere-se que não haja um aumento de circulação fiduciária que não seja estabelecido pelas leis existentes. Quere-se depois que haja sanção penal.
Para que então esta excepção?
Para permitir que, pelo menos, não haja sanção penal, quando seja aumentada por êste processo a que o § único faz menção.
Tudo isto indica, portanto, que fica proibido, sob sanção penal, o aumento da circulação fiduciária, mas que fica permitido êsse aumento em casos especiais.
O Sr. Ministro das Finanças far-me-ia uma grande fineza se me elucidasse sôbre êste assunto, falando claramente.
Desta forma poderemos, perante aqueles que nada sabem de matéria de finanças, perante a parte inculta da nossa população, enganar o país durante algum tempo; mas não enganaremos os homens de finanças que sabem perfeitamente como e quando estas cousas se fazem.
É um verdadeiro êrro ocultar a verdade nestes assuntos e o próprio público a quem se diga que a circulação fiduciária não foi aumentada, se ela realmente o foi há-de sentir-lhe os efeitos pouco tempo depois na carestia da vida.
Êste parágrafo é tudo quanto há de mais vago. Se se pretende aumentar a circulação fiduciária, é preferível dizê-lo ao país, explicando essa necessidade claramente, a fazer êsse aumento por portas travessas.
Sr. Presidente: creio que há ama cousa ainda de importância em relação à situação financeira que o Estado possa vir â ter, e essa cousa importante é a confiança. Não se tem confiança no Estado, não só tem confiança no Govêrno? não se tem confiança em nós, se o público encontrar que em nós não há absoluta seriedade.
Pela minha parte nem uma graça nem um chiste; acho estas cousas muito pesadas e não* quero ligar a minha responsa-
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bilidade a qualquer cousa que não seja bastante clara e bastante séria.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Sr. Presidente: ouvi com a máxima atenção as considerações que dois ilustres parlamentares fizeram sôbre o artigo em discussão.
Quanto ao corpo do artigo devo dizer ao Sr. Ferreira de Mira que efectivamente a redacção vinda do Senado não será a mais precisa sob o ponto de vista jurídico; a sua terminologia deixa talvez um pouco a desejar; não obstante, péla leitura do conjunto do artigo, compreende-se perfeitamente qual será a intenção do legislador.
Mas devo dizer que não me preocupa a redacção, preocupa-me sim a matéria contida na disposição; essa é que acho absolutamente necessária e conquanto nem como parlamentar nem em qualquer outra qualidade tenha a responsabilidade da iniciativa, em todo o caso não tenho dúvida em fazê-la minha. E digo-o porquê: tomando conhecimento das medidas aqui apresentadas para valer à situação perigosa, melindrosa, em que se encontram as finanças públicas, entendi que essas medidas são necessárias, e outras mesmo seria necessário aqui trazer se o momento fôsse oportuno.
Portanto, repito, a matéria do artigo é absolutamente necessária e não, tenho dúvida em assumir a responsabilidade que me possa resultar do não cumprimento das suas disposições.
Não tenho receio do incorrer na sanção tremenda que ali está indicada, pela razão simples de que não se faz aumento de circulação fiduciária; pelo menos, eu nunca sancionaria essa infeliz medida.
Diz-se: mas há uma contradição entre o corpo do artigo e o parágrafo que permite uma emissão ilimitada do papel moeda.
Permitam-me V. Exas. que discorde dêsse ponto do vista o não abunde nos receios que V. Exas. têm. Trata-se duma cousa simples, corrente, estabelecida, o permitam-me V. Exas. que eu lamento o esfôrço expendido pelo Sr. Carvalho da Silva, a sua indignação, que, por fôrça, não pode ser sadia para ninguém. Só Exa. sabe que não é com cousas tristes que o organismo se sente bem.
Entendo que o Sr. Carvalho da Silva muito tardiamente sentiu as dores dessa disposição que a Câmara dos Deputados, parece-me, não pode deixar de votar porque êle está de harmonia com as nossas necessidades.
Essa disposição está na lei há muito tempo.
S. Exa. que conhece a nossa legislação, pelo menos aquela que tem sido aqui trazida, sabe perfeitamente, que existe uma convenção com o Banco de Portugal, chamada convénio, para o maneio das cambiais de exportação.
No Banco de Portugal abrem-se duas contas, uma em escudos e outra em ouro; são interdependentes, pois que quando uma aumenta deminui a outra. Quando o Estado deposita no Banco de Portugal 9 cambiais de exportação, emitem-se notas, quando as cambiais são vendidas os escudos são automaticamente retirados.
Não receiem V. Exas. que haja, aumento de circulação fiduciária porque o Estado precisa constantemente dessas cambiais de exportação, o Estado e a praça. O nível, pois, da circulação fiduciária mantém-se.
Interrupção do Sr. Ferreira de Mira.
O Orador: — Há leis que fixam o quantitativo da comissão e outras que O não fixam, como aquela que diz respeito ao convénio.
Interrupções dos Srs. Velhinho Correia e Carvalho da Silva.
Vários àpartes.
O Orador: — Não façamos questão de palavras. O facto é só um: toda a circulação que não tenha lastro-ouro é limitada.
S. Exa. sabe que têm uma grande influência na praça as cambiais.
S. Exa. sabe que há um contrato que rege as relações entre o Estado e o Banco de Portugal.
Fique S. Exa. certo de que nós não estamos no propósito de fazer política das esquerdas, nem é com êste assunto que vamos defender a República; defendemos a Nação (Apoiados), defendemos todos os pontos de vista patrióticos, mesmo os de V. Exa., Sr. Carvalho da Silva.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: começarei as minhas considerações precisamente com aquelas palavras por que, concluiu as suas o Sr. Ministro das Finanças: não se trata neste momento de fazer política partidária, trata-se tam somente de acautelar os interêsses da nação. Mas, Sr. Presidente, é um caso gravíssimo o sucedido com o § único introduzido pelo Senado ao artigo tal como fora da Câmara dos Deputados e que impunha as penas que no Código Penal se destinam aos falsificadores de selos, cunhos e marcas e a todos aqueles que contribuíssem para aumentar a circulação fiduciária além dos limites marcados na lei.
Sr. Presidente: o artigo em discussão consta do seu corpo propriamente dito e de um § único que foi acrescentado pelo Senado.
No corpo do artigo, tal como o Senado o aprovou, encontra-se um disparate, desculpe-me V. Exa. a expressão; no § único encontra-se, não obstante a interpretação do Sr. Ministro das Finanças, que suponho sincera, o veneno.
Quanto ao corpo do artigo, tem a Câmara de optar entre dois textos: ou o da Câmara dos Deputados ou o do Senado.
O texto aprovado nesta Câmara é sensivelmente o mesmo, ou, melhor, é precisamente o mesmo na sua doutrina que aquele que o Senado estabeleceu, com a diferença de que a Câmara dos Deputados empregou uma linguagem jurídica, ao passo que o Senado empregou termos que juridicamente não podem ser taxados.
Assim, a Câmara dos Deputados tinha dito que «todo aquele que permitisse aumento da circulação fiduciária além dos limites estabelecidos pela lei incorreria numa determinada sanção».
O Senado, não sei porquê, embirrando com estas palavras, que aliás eram técnicamente perfeitas, disse «que todos os que praticassem os referidos actos ficariam ao abrigo das disposições do mesmo Código».
Ficar ao abrigo duma pena é um contrasenso jurídico; é que se fica é incurso numa determinada pena.
Eu não compreendo, pois, Sr. Presidente, que o Sr. Ministro das Finanças, concordando com a doutrina, não opte pelo texto da Câmara dos Deputados quanto ao corpo do artigo.
Mas vamos agora à parte mais importante: vamos ao § único.
É, na realidade, para admirar, se alguma cousa pudesse ainda causar admiração dentro dêste regime, que os homens que aqui e lá fora, nos comícios ou nas reuniões populares, perante um público ingénuo, faziam a apologia duma política contrária ao aumento da circulação fiduciária, que declaram guerra aberta contra o lançamento de novas notas na circulação, se arvorem em paladinos de disposições legais que não podem significar senão o aumento encapotado dessa circulação. É para admirar que sejam êsses homens aqueles que neste momento querem ser paladinos duma disposição legal que favorece o aumento da circulação fiduciária.
Quere dizer: êsses paladinos, que tanto se insurgiam contra o aumento das notas, fazem o mal e a caramunha; fazem o mal porque ajudam a lançar mais notas na circulação, e a caramunha porque se levantam contra os outros que votaram o aumento.
Sr. Presidente: pelo fundo de maneio criado para as cambiais de exportação o Estado tem direito a retirar para as suas necessidades e para influir no movimento das cambiais 7õ por cento dessas cambiais.
Para a mecânica desta operação são abertas no Banco de Portugal duas contas, uma em escudos e outra em ouro.
Mas como naturalmente o Estado não dispõe dos escudos necessários, sucede que, pelo fundo de maneio criado, o Banco de Portugal emite notas correspondentes ao valor das cambiais que o Estado adquire e debita o Estado por essa importância e, assim, o Estado lança essas notas no mercado.
Isto foi estabelecido para o fundo não aumentar ilimitadamente, e assim o Estado paga o dinheiro correspondente às notas lançadas no mercado.
Por um decreto de 11 de Fevereiro de 1924, com o n.° 9:415, o Govêrno ficou autorizado a modificar os termos da convenção respeitante ao fundo de maneio, de forma a que possa dispor do saldo do depósito ouro e a ordenar livremente, aqui é que está a questão, a transferência e utilização de cambiais de exportação adqui-
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ridas. Quere dizer: pelo mecanismo da operação, tal como fora posta primitivamente em execução, o Govêrno não tinha o direito de ordenar livremente a transferência e utilização dessas cambiais, porque o uso delas ficava condicionado, como já disse, pelo movimento da conta com o Banco de Portugal. Foi dessa prisão que o Govêrno quis libertar-se, mas o libertar-se dela é aumentar sem limites a circulação fiduciária.
Dir-me hão: o decreto já está publicado; não é necessário, portanto, o § único que tanta celeuma levanta. Não é assim. Segundo o texto votado na Câmara dos Deputados, qualquer entidade que directa ou indirectamente contribua para que a circulação fiduciária seja aumentada, além do limite marcado na lei, incorre na sanção do artigo 231.° do Código Penal. Ficava sujeito às penas de falsário, e a essa pena ficavam sujeitos o Govêrno que fizesse êsse aumento, e o director do Banco que consentisse o lançamento de notas na circulação, além do limite da lei.
Então aparece êste § único, para que possam emitir-se mais notas, sem que dessa emissão resulte a pena do artigo 231.° para quem colaborar na emissão, desde que as notas sejam relativas ao fundo de maneio das exportações. Veja-se quanto tem de perigoso êste § único. A Câmara, votando êste parágrafo, dá ao Poder Executivo o direito de aumentar sem limites e sem fiscalização a circulação fiduciária.
Reparem nisto todos quantos se apresentam como defensores da política de não aumentar a circulação fiduciária.
Mas diz o Sr. Ministro que não é assim que interpreta o § único.
É isso, porém, uma opinião de S. Exa., e ninguém pôde supor que S. Exa. esteja sempre naquele lugar. Mas se o Sr. Daniel Rodrigues está na intenção de não aumentar a circulação fiduciária além do limite da lei, não compreendo porque faz então questão dêste § único.
Para sustentar a necessidade dêste parágrafo, diz que há duas espécies de circulação fiduciária: há a que tem limite e há a que não tem limite.
E acrescenta: é da segunda categoria a circulação resultante das cambiais de exportação e, portanto, o § único votado no Senado é absolutamente indispensável para que, daqui para futuro, não fique vedado ao Estado o continuar a utilizar-se dessas cambiais.
Parece-me que S. Exa. não tem razão.
As notas emitidas para se ocorrer às necessidades do Tesouro, no que respeita a cambiais de exportação e reexportação, têm também um limite, o limite marcado pela convenção de 1922. Não é fixo êsse limite. Evidentemente, não é.
Mas então não há limites variáveis?
O Sr. Velhinho Correia: — Então estamos de acordo.
O Orador: — Então dispensemos o § único.
O Sr. Velhinho Correia: — É a minha opinião.
O Orador: — Para as cambiais de exportação há limite marcado na convenção.
O Govêrno pode lançar notas na circulação para o efeito das cambiais de exportação até a concorrência do valor das cambiais, e portanto, trata-se de uma circulação que tem um limite legal, que já está abrangido no corpo do artigo.
Não há necessidade dêste § único, que pode dar lugar a que se lancem, sem conta nem medida, mais notas, de modo a cavar cada vez mais fundo a depreciação da nossa moeda.
O Sr. Velhinho Correia disse que eu tinha razão quando afirmei que, para a circulação corresponder às cambiais de exportação, havia também um limite marcado na lei, e neste ponto S. Exa. discorda do Sr. Ministro das Finanças, que acabou de sustentar do seu lugar que a circulação respeitante às cambiais não tinha limite, e que por êsse motivo julgava indispensável a introdução do § único.
Sr. Presidente: o Sr. Velhinho Correia que tanto pode dentro do bloco, em matéria financeira, porque não só é o relator de todas as propostas que têm sido trazidas à Câmara, pelo Govêrno do bloco, mas também o inspirador, senão o autor de muitas delas, bem podia exercer a sua influência junto do Sr. Ministro das Finanças, a fim de que S. Exa. dispense êste § único, visto que, nas mãos de qualquer outro Ministro, pode dar lugar a
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grandes perigos, porque é uma arma para aumentar indefinidamente a circulação fiduciária.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Portugal Durão: — Sr. Presidente: vou mandar para a Mesa a seguinte moção, a fim de esclarecer a interpretação que se deve dar ao § único do artigo 4.°
É a seguinte:
Moção
A Câmara, reconhecendo que as disposições do § único do artigo 4.° não permitem ao Govêrno manter uma circulação especial destinada ao maneio das cambiais de valor superior ao valor das cambiais depositadas no Banco de Portugal, passa à ordem do dia.
17 de Julho de 1924.— Portugal Durão.
Eu creio que a razão de ser do § único foi devida tam somente ao facto seguinte: o Govêrno tem depositadas, por exemplo, no Banco 1:000 libras de cambiais, o que, ao câmbio do dia, dará 156 contos de notas.
Se, porventura, o Estado fôsse depositar mais 1:000 libras, com o artigo 4.°, o Banco ficava inibido de emitir notas correspondentes a essas libras.
Foi para obviar a êste inconveniente que se estabeleceu o parágrafo.
Não desejo tomar mais tempo à Câmara, porque suponho que a minha moção esclarece o assunto completamente.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi lida na Mesa, e seguidamente admitida, a moção do Sr. Portugal Durão.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: na verdade, a infeliz redacção aprovada np Senado carece de ser modificada no sentido de só lhe dar uma forma jurídica. Quando ela foi aprovada naquela Câmara, eu não estava presente, mas a idea foi sugerida por mim, em virtude de uma conversação que tive com a direcção do Banco de Portugal, que me declarara que, sentindo-se abrangida pelo artigo votado pela Câmara dos Deputados, não podia fazer mais emissão de circulação fiduciária para corresponder às cambiais de exportação.
Aprovaria, se estivesse presente na sessão do Senado, o parágrafo em discussão, mas o meu propósito seria aquele que já expus, e que consistia em não usar da circulação fiduciária, senão daquela para que estivesse autorizado.
Parece-me, na verdade, que a emenda como veio do Senado não dá lugar a aumento da circulação fiduciária, não autorizando por isso o Govêrno senão para os fins da necessidade das cambiais.
O Sr. Portugal Durão mandou para a Mesa uma moção no sentido de dar uma interpretação restrita unicamente à aplicação dessa circulação e creio que o Sr. Ministro das Finanças a aceita e eu aceito-a também, pois tenho responsabilidades, e desejo igualmente que a Câmara dos Deputados opte pela interpretação mais segura.
O Sr. Dr. Ferreira de Mira fez também várias considerações, mas no fundo concorda com a moção do Sr. Portugal Durão.
Creio que assim ficam todos satisfeitos e tranqüilos com a aprovação da moção, excepto o Sr. Carvalho da Silva.
Não houve o mínimo interêsse de aumentar a circulação fiduciária; não se aumentou de facto, e só o Sr. Carvalho da Silva é que diz que foi aumentada.
Tive o cuidado de apresentar os números oficiais e pela nota do governador do Banco de Portugal verifica-se que a circulação não foi aumentada.
Muita gente lê nos números publicados pelo Banco de Portugal e julga que a circulação foi aumentada porque não sabe que há duas circulações.
Há pessoas que levam o seu sistema radicalista até o ponto de considerarem aumento de circulação as quantias que apenas resultam de operações de tesouraria.
Entendo que determinados números referentes a situações várias, nem o Ministro tem de os pedir, nem a Câmara tem de lhos conceder.
Mas trata-se duma situação normal. O Banco tem de dar ao Estado o aumento da circulação própria do Banco, da circulação para seu serviço próprio.
As exportações não entram diariamente numa quantia certa; mas conforme o ex-
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portador entende conveniente ou não empregar as cambiais.
Não era possível ao Ministro das Finanças obter do Banco aumento pelo maneio das cambiais, porque êle não o faz sem serem entregues as cambiais.
O Estado faz a venda de escudos por intermédio dos exportadores que carecem dum pagamento.
Não podia deixar de usar da palavra para esclarecer o assunto que, aliás, estava esclarecido pelo Sr. Carvalho da Silva.
Nisto só faço justiça a V. Exa.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia: discussão do orçamento do Ministério da Instrução.
O Sr. Cancela de Abreu: — Requeiro que seja prorrogada a sessão até ser votada a generalidade do orçamento que está em discussão.
Vamos trabalhar.
Àpartes.
O Sr. Presidente: — Vou pôr á votação o requerimento do Sr. Cancela de Abreu, que acaba de ser feito.
Posto à votação, foi rejeitado.
O Sr. Morais Carvalho: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
Procede-se à contraprova.
O Sr. Presidente: — Aprovaram 48 Srs. Deputados e rejeitaram 3.
Não há número.
Vai proceder-se à chamada.
Fez-se a chamada.
Disseram «aprovo» os Srs:
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto da Rocha Saraiva.
Álvaro Xavier de Castro.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Pinto de Meireles Barriga.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Custódio Martins de Paiva.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
João José Luis Damas.
João de Ornelas da Silva.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Mendes Nunes Loureiro.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Vergílio Saque.
Disseram «rejeito» os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Ginestal Machado.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
Artur de Morais Carvalho.
Constâncio de Oliveira.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Cruz.
Jaime Júlio de Sousa.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Serafim de Barros.
José Carvalho dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
Lourenço Correia Gomes.
Luís da Costa Amorim.
Marins Boleto Ferreira de Mira.
Pedro Góis Pita.
Vasco Borges.
Viriato Gomes da Fonseca.
O Sr. Presidente: — Aprovaram 29 Srs. Deputados e rejeitaram 23.
Não há número.
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A próxima sessão é amanhã, 18, às 14 horas com a seguinte ordem do dia:
Antes da ordem:
Pareceres n.ºs 736, 731, 754, 611, 416, 723 e 707 já na tabela.
Ordem do dia (primeira parte): Projecto n.° 649, que autoriza o Govêrno a suspender a execução de diplomas legislativos (emendas do Senado) e a que estava marcada, n.ºs 668-A, 717, 642-C, 616-E, 615, 447, 568, 611-A.
Segunda parte:
Parecer 645 (c) Orçamento da Instrução.
Parecer 645 (a) Orçamento das Colónias.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Parecer
Da comissão de colónias, sôbre o n.° 764-D, que mantém as promoções a alferes, no quadro da Administração de Saúde das Colónias, aos sargentos das companhias coloniais que foram ao último concurso e obtiveram aprovação.
Imprima-se.
Declaração de voto
Declaramos que, sé estivéssemos presentes na sessão de ontem, teríamos rejeitado a moção do Sr. Cunha Leal.
17 de Julho de 1924.—A. Portugal Durão — Ernesto Carneiro Franco — António Maria da Silva—Artur de Almeida Ribeiro.
Para a acta.
O REDACTOB—Avelino de Almeida.