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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.° 127
EM 21 DE JULHO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Abertura da sessão. Leitura da acta. Correspondência.
Antes da ordem do dia.— O Sr. Tavares de Carvalho deseja saber se o Sr. Ministro da Justiça julga oportuno requerer a discussão imediata da lei do inquilinato.
Responde-lhe o Sr. Catanho de Meneses (Ministro da Justiça).
O Sr. Tavares de Carvalho ocupa-se ao estado das estradas do Barreiro, respondendo-lhe o Sr. Pires Monteiro (Ministro do Comércio}.
O Sr. Sá Cardoso chama a atenção da Câmara para a necessidade de discutir sem demora os pareceres n.ºs 581 e 468.
O Sr. Bulhão Pato (Ministro das Colónias} requere a urgência e a dispensa do Regimento para uma proposta de lei.
O Sr. Jaime de Sousa pregunta a razão por que não foi ainda aplicada a lei da amnistia, ultimamente votada pela Câmara.
Responde-lhe o Sr. Ministro da Justiça.
Voltam a usar da palavra, para explicações, os Srs. Jaime de Sousa e Ministro da Justiça.
São aprovados os requerimentos do Sr. Sá Cardoso e Tavares de Carvalho.
O Sr. Presidente declara que vai votar-se o requerimento elo Sr. Ministro das Colónias.
Usam da palavra, sôbre o modo de votar, os Srs. Carvalho da Silva e Hermano de Medeiros que requere a divisão do requerimento do Sr. Ministro das Colónias em duas partes: a urgência e a dispensa do Regimento.
É aprovado êste requerimento.
Aprovada a urgência, o Sr. Carvalho da Silva requere a contraprova e invoca o § 2.º do artigo 116.° do Regimento.
Efectuada a contraprova, verifica-se terem aprovado os Srs. Deputados e rejeitado 5.
É aprovada em seguida a dispensa do Regimento.
Entram em discussão as emendas do Senado ao parecer n.º 738.
São aprovadas.
Entra em discussão o parecer n.° 724, usando da palavra os Srs. Carvalho da Silva, Ferreira da Rocha, Ministro das Colónias, Jaime de Sousa e Delfim Costa, que manda para a Mesa uma proposta de emenda.
O Sr. Presidente declara que vai passar-se à ordem do dia.
São aprovadas as actas.
A Câmara concede algumas autorizações e licenças.
São admitidas à, discussão várias proposições de lei.
A Câmara recusa a palavra para um negócio urgente ao Sr. Cancela de Abreu.
Efectuada a contraprova requerida pelo mesmo Sr. Deputado, que invoca o § 2.º do artigo 116.° do Regimento, verifica-se terem aprovado 6 Srs. Deputados e rejeitado 51.
Ordem do dia. —(Continuação da discussão das emendas do Senado do parecer n.º 649).
Usam da palavra os Srs. Velhinho Correia, que manda para a Mesa uma moção, e Carvalho da Silva.
É lida e admitida a moção do Sr. Velhinho Correia.
Seguem-se no mo da palavra os Srs. Daniel Rodrigues (Ministro das Finanças), Almeida Ribeiro e Ferreira de Mira.
O Sr. Portugal Durão requere autorização para retirar a moção que apresentara numa sessão anterior.
É concedida.
O Sr. Carvalho da Silva requere votação nominal para o artigo em discussão.
É aprovado.
O Sr. Presidente anuncia que vai votar-se a moção do Sr. Velhinho Correia.
Usam da palavra sôbre o modo de votar os Srs. Carvalho da Silva e Velhinho Correia.
Voltando a usar da palavra o Sr. Carvalho da Silva requere que a moção do Sr. Velhinho Correia só seja votada depois da votação do artigo 4.º, e no caso de ser aprovado com o seu respectivo parágrafo.
É aprovado.
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2 Diário da Câmara dos Deputados
Procedendo-se à votação nominal do artigo 4.º disseram «rejeito» 63 Srs. Deputados e «aprovo» 1.
É aprovada a moção do Sr. Velhinho Correia.
Lido na Mesa o artigo 5.°, entra em discussão, sendo rejeitado.
Entrando em discussão o artigo novo, do Senado, usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva, Ferreira de Mira, Ministro das Finanças, Morais Carvalho, Carvalho da Silva e Álvaro de Castro.
Procedendo-se à votação do artigo novo, é aprovado.
Efectuada a contraprova, a requerimento do Sr. Carvalho da Silva, que invoca o § 2.º do artigo 116.° do Regimento, verifica-se ter sido aprovado por 43 votos contra 13.
Ordem do dia (Segunda parte). — (Continuação da discussão do orçamento do Ministério da Instrução).
O Sr. Correia Gomes envia para a Mesa o parecer da comissão de finanças sôbre a lei do inquilinato.
Usam em seguida da palavra os Srs. Morais Carvalho e Baltasar Teixeira, que manda para a Mesa um projecto de lei, para o qual pede a urgência e a dispensa do Regimento.
Aprovado êste requerimento, o Sr. Morais Carvalho requere a contraprova com a invocação do § 2.º do artigo 116.° do Regimento.
Efectuada a contraprova, verifica-se terem aprovado 31 Srs. Deputados erejeitado 12, número insuficiente para validar a votação.
Procede-se à chamada e, verificada a falta de numero, o Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia:
Abertura, da cessão às 15 horas e 29 minutos.
Presentes à chamada 48 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 34 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Ferreira Vidal.
Amaro Garcia Loureiro.
António de Abrandes Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Vicente Ferreira.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Brandão.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Ferreira da Rocha.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Lelo Portela.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Dias.
António Lino Neto.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
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Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim Costa.
Francisco da Cunha Rogo Chaves.
Hermano José de Medeiros.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Cortês do Santos.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Não compareceram à sessão os Srs.:
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alvos da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leito Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo do Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Vitorino Henriques.
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4 Diário da Câmara dos Deputados
Procede-se à chamada pelas 15 horas.
O Sr. Presidente (às 16 horas e 30 minutos): — Responderam à chamada 46 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão. Vai ler-se a acta. Lê-se a acta.
Lê-se depois o seguinte
Ofícios
Do Centro Escolar Democrático e Recreativo de Lordelo do Ouro, Pôrto, e da Comissão Municipal Política do Partido Republicano Português de Setúbal, pedindo a aprovação das alterações do Sr. José Domingues dos Santos à Lei da Separação.
Para a Secretaria.
Da Liga Comercial dos Lojistas de Setúbal, apoiando a representação de 28 de Junho último, das juntas de freguesia, de Lisboa, sôbre regime tributário.
Para a Secretaria.
Do Director da Escola Industrial Machado de Castro, convidando o Sr. Presidente da Câmara a assistir à abertura da exposição dos trabalhos escolares do ano lectivo findo, no dia 21 do corrente, pelas 16 horas.
Para a Secretaria.
Do Juízo de Direito da 3.ª vara da comarca de Lisboa, pedindo a comparência naquele Juízo, no dia 2 de Agosto próximo, pelas 16 horas, dos Srs. Amadeu Leite de Vasconcelos, Alberto Cruz, Delfim de Araújo e António Resende, para deporem como testemunhas numa acção de despejo.
Comunique-se quê se torna preciso indicar a acção em que os Srs. Deputados aqui citados têm de depor.
Do Senado, comunicando que, por lapso, deixaram de ser incluídos na última redacção da proposta de lei relativa à lei do sêlo os §§ 7.° e 8.°
Para a comissão de redacção.
Do Ministério do Interior, respondendo ao pedido no ofício n.° 425 para o Sr. Hermano de Medeiros.
Para à Secretaria.
Do Ministério das Colónias, respondendo ao ofício n.° 425, que comunicou o requerimento do Sr. Ernesto Carneiro Franco.
Para a Secretaria.
Telegramas
Da junta de freguesia de Salvada, Beja, contra esbulho de bens pela comissão central da execução da Lei da Separação.
Para a Secretaria.
Da Federação Socialista do Pôrto, do Centro Socialista do Bomfim e do Centro Socialista de Paranhos, protestando contra a cédula pessoal.
Para a Secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente: como está presente o Sr. Ministro da Justiça solicito a atenção de S. Exa. para o que vou dizer.
Desde que chegou a esta Câmara o projecto de lei, vindo do Senado, referente à questão do inquilinato, tenho todos os dias solicitado da Mesa, no que fui atendido, que empregue os seus esfôrços junto das comissões respectivas a fim de elas darem o seu parecer o mais ràpidamente possível sôbre êsse importante projecto.
Consta-me que só falta o parecer da comissão de finanças, mas estou na disposição de requerer à Câmara, logo que S. Exa. se dê por habilitado a acompanhar a sua discussão imediata, mesmo sem parecer, a votação de tam momentoso assunto.
Aguardo uma resposta do Sr. Ministro da Justiça para saber se posso já fazer êsse requerimento ou tenho de esperar por ocasião oportuna.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses): — Sr. Presidente: eu fui um dos que trabalharam sincera e afincadamente para que o projecto de lei sôbre o inquilinato apresentado no Senado fôsse lá aprovado com a maior rapidez, e portanto deve V. Exa. calcular que o mesmo desejo por certo me anima nesta Câmara.
Já vi o processo vindo do Senado e verifiquei por isso que já há parecer das comissões.
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Agora mesmo, ao entrar nesta Câmara, pedi ao Sr. Presidente que com a maior urgência mandasse imprimir êsses pareceres para que logo que êles fossem distribuídos na Câmara se começasse a sua discussão, por isso que já me considero habilitado para entrar nela.
O orador não reviu.
O Sr. Tavares de Carvalho (para explicações): — Sr. Presidente: eu interrompi as minhas considerações para ouvir o Sr. Ministro da Justiça, a fim de saber se S. Exa. concordava que eu requeresse a discussão imediata do projecto de lei sôbre inquilinato. Como S. Exa. disse que aguardava a impressão dos pareceres, eu reservo-me para, após a soa distribuição, pelos Srs. parlamentares, solicitar da Câmara, se fôr necessário, essa discussão, com prejuízo de assuntos de menor importância.
Desejo também chamar a atenção do Sr. Ministro do Comércio para o estado lastimoso em que se encontra a estrada distrital n.° 16 que atravessa o Barreiro. Há quem atribua responsabilidades à câmara municipal daquela vila, por não cuidar do troço de estrada que a atravessa, e que constitui uma das suas ruas mais importantes, quando afinal a culpa não é soa, porque a estrada não lhe pertence e não está autorizada a repará-la. Desejava, por isso, aquela câmara municipal, solicitar a cedência daquele troço de estrada, para o melhorar e dotar com os benefícios necessários; mas, antes disso, encarregou-me de saber do Sr. Ministro do Comércio qual a sua opinião a êste respeito, e é isso o que peço que S. Exa. me diga. Pode ser reparado, convenientemente, o troço da estrada que atravessa a vila do Barreiro, ou é entregue à câmara para ela poder mandar reparar, como se fôsse uma rua?
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Pires Monteiro): — Sr. Presidente: se o desejo da Câmara Municipal do Barreiro puder ser satisfeito nos termos da lei, o Sr. Tavares de Carvalho poderá comunicar a câmara que imediatamente o satisfarei quando êle chegar às minhas mãos.
Realmente, o problema das estradas é daqueles que desde o primeiro momento
preocupam a atenção do Govêrno que tenciona mesmo, por meu intermédio, brevemente requerer à Câmara que discuta êste assunto, cuja resolução considero urgentíssima.
O orador não reviu.
Ó Sr. Sá Cardoso: — Sr. Presidente: chamo a atenção da Câmara para o facto de já estar há dias na Mesa o parecer dado pela comissão respectiva a uma emenda vinda do Senado acerca do projecto de lei que apresentei quando da greve dos transportes.
Parece-me que a não discussão dêste parecer causa prejuízos à economia nacional, além de poder dar lugar a uma nova greve.
Pedia, pois, a atenção para o caso; a fim de que êste parecer entrasse em discussão logo que fôsse possível.
Ao mesmo tempo, pedia para ser inscrito no período de «antes da ordem do dia» o parecer n.° 468, já há muito distribuído.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Porei à votação da Câmara o requerimento de V. Exa. na devida altura.
O Sr. Ministro das Colónias: — Sr. Presidente: peço à Câmara a urgência e dispensa do Regimento para uma proposta de lei que se refere a um suprimento de 1:500 contos à província de Timor, a fim de ela entrar em discussão imediatamente.
Esta proposta está há muito pendente da discussão e não visa a suprir deficits ou a pagar a funcionários.
Nada disso, visa apenas a dar por agora recursos à província para repatriar duas companhias de landins que estão pesando no orçamento da província. Devo ainda dizer que esta proposta tem a concordância do Sr. Ministro das Finanças.
Espero, por isso, que a Câmara não lhe negue a urgência.
Requeiro também a urgência e dispensa do Regimento para o projecto de lei do Sr. Rodrigues Gaspar que se refere à contagem da antiguidade dos juizes do ultramar. Êste projecto é muito simples e tem parecer favorável das comissões.
Espero também que a Câmara o vote.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Jaime de Sousa: — Não está presente o Sr. Ministro da Guerra nem o Sr: Ministro da Marinha, mas está presente o Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos, e eu folgo com a presença de S. Exa., porque desejava saber — e comigo uma parte da opinião pública — por que razão a lei da amnistia que foi votada nesta Câmara e publicada no Diário do Govêrno, de 15 do corrente, faz amanhã oito dias ainda não foi posta em execução.
É uma pregunta que se formula e a que não é fácil dar resposta.
Desejava por isso que me fôsse dada a explicação dêste facto por algum dos três Ministros, por onde correm os assuntos da lei da amnistia.
Peço pois, ao Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos que me diga quais as razões por que não foi posta em execução essa lei, visto que se conservam ainda presos não só os militares como os civis, abrangidos pela lei da amnistia, assim como não foram ainda considerados pela amnistia os delitos de imprensa.
Certamente que não é por falta de diligência, ou devido a qualquer preceito burocrático que ainda não foi posta em execução a lei da amnistia.
Há qualquer razão que obsta a isto.
Em nome da opinião pública, peço ao Sri Ministro da Justiça o dos Cultos que esclareça a Câmara.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses): — A amnistia compreende duas classes de pessoas: militares e civis. Nos militares estão compreendidos os desertores.
Quanto aos demais militares devo dizer que é preciso que venha na Ordem do Exército a amnistia, para que legalmente ele se torne um facto.
Ora eu estou informado do que a Ordem do Exército ainda não publicou a
Quanto aos civis, como V. Exa. sabe, existem os processos a respeito dêsses civis e não são os juizes respectivos que por sua iniciativa vão examinar os processos e declaram que êste ou aquele indivíduo é abrangido pela amnistia.
São os indivíduos que se julgam abrangidos pela lei da amnistia que fazem os seus requerimentos aos respectivos juizes
que examinam os processos e verificam se êsses indivíduos devem ou não aproveitar das disposições da lei da amnistia.
Por conseqüência, se os presos civis ainda não aproveitaram da amnistia, é porque ainda não fizeram os seus requerimentos nesse sentido.
Quanto aos militares, posso informar que pelo Ministério da Guerra se segue a doutrina de se publicar na Ordem do Exército a amnistia para ela ser aplicada.
O Sr. Jaime de Sousa: — Então os civis continuam nas prisões emquanto não apresentarem os requerimentos para serem abrangidos pela amnistia?
E, quanto aos militares, é preciso que a lei da amnistia venha publica na Ordem do Exército?
O Orador: — Nos indivíduos que estão presos há verificação de crime ou não há.
O crime não é classificado como tal senão depois da verificação; e a verificação faz-se por meio de processo.
Aos presos aos quais tem de ser aplicada a amnistia, e cujos processos ainda não estão pendentes nos tribunais, é necessário que pelo Ministério do Interior se dêem as ordens para que sejam amnistiados, desde que requeiram nesse sentido.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: em primeiro lugar, os meus agradecimentos ao Sr. Ministro da Justiça, que acaba de esclarecer a Câmara em tudo quanto é do sou conhecimento.
Disse S. Exa. que a demora na aplicação da lei é devida à demora da publicação da Ordem do Exército.
Sr. Presidente: eu não compreendo que, por virtude dessa demora, se mantenham a ferros grande quantidade de indivíduos que, evidentemente, não têm culpa da demora e lentidão com que funcionam as máquinas de impressão do Estado.
Se, realmente, a amnistia abrange êsses prisioneiros, é natural que fôsse dada ordem para que fossem postos em liberdade, embora mais tarde se publicasse a lista dos nomes.
Sr. Presidente: a amnistia é uma obra de justiça o não uma obra do meia justi-
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ca, que consinta em esperar que um dia se publique determinado documento oficial, a fim de se porem em liberdade os delinqüentes.
O Sr. Ministro da Justiça referiu-se àqueles delinqüentes que não estão presos, mas são, unicamente, objecto do um processo que está correndo; mas eu cito, especialmente, aqueles que se encontram nas prisões e sôbre os quais já recaiu uma sentença, e que não podem fazer as démarches a que S. Exa. aludiu.
Sr. Presidente: pela parto que diz respeito ao Ministério da Justiça, está bem; mas pelo que respeita aos Ministérios da Guerra e Marinha, francamente o digo, não compreendo a demora que tem havido, apesar de a lei ter sido publicada no. dia 15 do corrente.
Agradecendo as explicações do Sr. Ministro da Justiça, mantenho as afirmações que há pouco fiz, lamentando, profundamente, que a lei ainda não tivesse tido execução.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses): — Sr. Presidente eu creio que não me fiz compreender bem na resposta que há poucos minutos dei ao Sr. Jaime de Sousa, a quem agradeço as suas palavras de verdadeira gentileza.
S. Exa. disse que pelo Ministério da Justiça tudo corria bem, não acontecendo outro tanto nos Ministérios da Guerra o da Marinha.
V. Exa. compreende...
O Sr. Jaime de Sousa (interrompendo): — V. Exa. dá-me licença?
A maior parte dos prisioneiros tinham já guia para embarcar para as colónias; aias essa determinação foi sustada por motivo da lei votada.
O Orador: — V. Exa. compreende que se torna necessário proceder ao exame cuidadoso dos processos, para se verificar se estão ou não nas condições estabelecidas na lei da amnistia, pois presos há que estão reclamando o benefício dessa lei, quando por ela não estão abrangidos.
Sr. Presidente: não basta que a lei seja publicada, para que os presos saiam em liberdade; é necessário o estudo ponderado e reflectido dos processos, pára que não se caia no arbítrio.
Isto é o que se pratica nos tribunais.
Nestas condições, é preciso que os indivíduos que se julgam abrangidos pela amnistia requeiram que ela seja aplicada, a fim de, repito, não se cair no arbítrio, estou convencido, V. Exa. não quere.
Quanto àqueles que ainda não estão condenados, tem igualmente de se estudar o processo, e, porventura, de se proceder a averiguações, para então lhes sei' aplicada a amnistia.
V. Exa. sabe que há processos que estão em seguimento. Não estão completos; e as autoridades não podem aplicar a amnistia arbitrariamente.
O orador vão reviu.
Foi aprovado que entrasse em discussão o parecer n.° 468.
Foi aprovado que entrasse era discussão o parecer n.° 743.
O Sr. Presidente: — O Sr. Ministro das Colónias requereu urgência e dispensa do Regimento para os pareceres n.ºs 689 e 724.
O Sr. Carvalho da Silva: — V. Exa. sabe que está em discussão, o projecto das Misericórdias, que não sé pode adiar.
Apoiados.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Requeiro que seja dividido em duas partes o requerimento do Sr. Ministro das Colónias.
Foi, aprovado.
Foi aprovada a urgência para o requerimento do Sr. Ministro das Colónias.
O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
Procedeu-se à contagem: de pé 5 Srs. Deputados, sentados 50.
Foi aprovada a urgência.
Foi votada a dispensa do Regimento.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Requeiro a contraprova.
Feita a contraprova, deu o mesmo resultado.
Entram em discussão as emendas lidas do Senado ao projecto n.° 738.
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8 Diário da Câmara dos Deputados
São as seguintes:
Alterações introduzidas pelo Senado à proposta de lei n.° 738:
Artigo 1.° Aprovado.
§§ 1.°, 2.° e 3.° Aprovados.
Artigo 2.° Aprovado.
Artigo 3.° As importâncias das multas provenientes das transgressões dos regulamentos ou posturas dos corpos administrativos continuam a ser arrecadadas pelos cofres que a elas tenham direito, nos termos da legislação em vigor anteriormente à lei n.° 1:581, de 11 de Abril de 1924.
Artigo 4.° Aprovado.
Palácio do Congresso da República, 11 de Junho de 1924.— António Xavier Correia Barreto — Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Aprovada a redacção do Senado.
Para a Presidência da República.
Leu-se o parecer n.° 724.
É o seguinte:
Parecer n.° 724
Senhores Deputados.— A vossa comissão de colónias, tendo apreciado devidamente a presente proposta de lei, da autoria dos Srs. Ministros das Colónias e Finanças, e tendo em conta a gravidade do estado financeiro em que se debate, há muito tempo, a colónia de Timor, entende que é realmente indispensável habilitar aquela colónia com os meios necessários a fazer face às suas despesas mais urgentes, até aquele momento, que urge, em que se tomem medidas tendentes a sair da situação deficitária.
Entre essas despesas, aparece como inadiável a que resulta do regresso a Moçambique da companhia de infantaria indígena, ali em serviço há mais de quatro anos, tempo êste superior àquele por que os soldados landins que a constituem foram recrutados, o que prejudica fundamentalmente futuros recrutamentos de landins, já em Moçambique habituados a que se cumpra rigorosamente a cláusula da sua encorporação, que marca o seu período de serviço militar, e cuja observância rigorosa tem facilitado naquela colónia os serviços de recrutamento, com vantagem para todos aqueles que aproveitam os óptimos serviços dos soldados landins.
Alongar-nos, pois, em considerações tendentes a demonstrar os inconvenientes que daí resultam é desnecessário.
Por sua vez a segurança da colónia e o prestígio da nossa soberania exigem que aquela fôrça seja substituída por uma outra, indígena ou europeia, e nesta conformidade a vossa comissão de colónias entende dever adicionar ao artigo 2.° da presente proposta de lei o seguinte:
§ único. A totalidade dêste empréstimo é exclusivamente destinada ao transporte de pessoal e material entre a colónia e a metrópole, e entre aquela e outras colónias e vice-ver sã.
Fica por esta forma assegurado o cumprimento das obrigações acima citadas, e que não têm sido cumpridas, especialmente porque as fôrças do cofre da colónia o não têm permitido.
É assim a vossa comissão de colónias dá a sua aprovação à presente proposta de lei.
Sala das Sessões, 9 de Maio de 1924.— Alfredo Rodrigues Gaspar — Francisco Coelho do Amaral Reis — Prazeres da Costa — Lúcio Martins (com restrições) — Paiva Gomes — Viriato da Fonseca — E. Carneiro Franco — Jaime de Sousa — Delfim Costa, relator.
Senhores Deputados.— A proposta de lei n.° 707-A visa a abrir um crédito especial pelo Ministério das Finanças, a favor do Ministério das Colónias, da importância de, 1:500.000$ para reforço dos depósitos da colónia de Timor, na Caixa Geral de Depósitos.
Este crédito, segundo a proposta de lei respectiva, é apenas considerado como um empréstimo da metrópole à colónia de Timor, pois que no artigo 2.° da proposta se diz que a província de Timor promoverá oportunamente, nos termos da base 67.ª do decreto n.° 7:008, de 9 de Outubro de 1920, a realização das operações de crédito que forem julgadas necessárias para reembolsar o cofre da metrópole da importância que nos termos desta lei lhe é adiantada.
Nesses termos, a vossa comissão de finanças dá o seu parecer favorável à proposta.
Sala das sessões da comissão de finanças, 16 de Maio de 1924. — Paiva Go-
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Mês — Jaime de Sousa — Vergílio Saque — A. Portugal Durão (com restrições) — Amadeu Vasconcelos — Pinto Barriga (com declarações) — Carlos Pereira (com restrições) — Lourenço Correia Gomes, relator.
Proposta de lei n.° 707-A
Senhores Deputados.— A província de Timor atravessa, há muito tempo, como é do domínio público, uma grave crise financeira.
Como conseqüência dessa crise alguns serviços dessa colónia acham-se quási por completo desorganizados.
A colónia não podia enviar para a metrópole as quantias necessárias para os encargos que aqui tinha e para as despesas que precisava fazer, e o Ministério das Colónias, por falta de verba, não satisfazia as requisições de pessoal e material vindas daquela colónia.
Urge pôr termo a êste estado de cousas, porque alguns serviços, mormente os que dizem respeito à segurança e ordem pública da província, não podem por mais tempo ser descurados.
Não despender agora algumas centenas de contos, que a colónia poderá pagar em breve, pode ter como resultado vir a gastar-se num futuro, que pode não estar longe, muitos milhares de contos e agravar ainda mais a situação da colónia.
Nestas condições, temos a honra de submeter à vossa apreciação a seguinte proposta de lei;
Artigo 1.° É aberto no Ministério das Finanças, a favor do das Colónias, um crédito especial de 1:500.000$ a inscrever sob a rubrica «crédito para reforço dos depósitos' da colónia de Timor na Caixa Geral de Depósitos», no capítulo 2.° da despesa extraordinária do orçamento do segundo dos referidos Ministérios fixado para o corrente ano económico de 1923-1924.
Art. 2.° A província de Timor promoverá oportunamente, nos termos da base 67.ª do decreto n.° 7:008, de 9 de Outubro de 1920, a realização das operações de crédito que forem julgadas necessárias para reembolsar o cofre da metrópole da importância que, nos termos desta lei, lhe é adiantada.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 11 de Abril de 1924. — O Ministro das Finanças, Álvaro de Castro — O Ministro das Colónias, Mariano Martins.
O Sr. Carvalho da Silva: — Temos mais uma prova do mau caminho por que vamos.
Eu cumprimento o Sr. Ministro das Colónias; mas lembro a S. Exa. que por esta forma não temos tempo de ler nem de estudar os projectos.
O Sr. Ferreira da Rocha: — Sr. Presidente: o projecto apresentado é a continuação do sistema que se tem seguido na administração pública.
O Sr. Ministro das Colónias, que é antigo colonial, sabe que isto pode conduzir à bancarrota da colónia.
Êste projecto do Sr. Ministro das Colónias já é de há quatro anos.
Eu não tenho responsabilidades no caso, porque a primeira proposta foi por mim apresentada.
No meu entender, a Câmara deverá rejeitar esta proposta de lei e indicar ao Sr. Ministro das Colónias a necessidade de indagar se a colónia de Timor tem ou não maneira de reduzir as despesas e aumentar as receitas, tornando assim desnecessária a intervenção da metrópole para acudir às despesas das colónias, como aquela a que se refere esta proposta.
Só depois de constatada a impossibilidade de equilíbrio do orçamento de Timor e que se poderá justificar a aprovação da proposta que está sendo discutida.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Q Sr. Ministro das Colónias (Bulhão Pato): — Sr. Presidente: começo por agradecer ao Sr. Ferreira da Rocha as palavras amáveis que S. Exa. me dirigiu.
A proposta que se discute não é da minha iniciativa, como a Câmara sabe; mas perfilho-a inteiramente, visto que considero necessário convertê-la em lei.
Não tem razão o Sr. Carvalho da Silva para dizer que esta proposta caiu de chofre na Câmara, visto que ela lhe foi apresentada em 16 de Maio.
De então para cá têm tido os Srs. Deputados tempo suficiente para a estudar.
Estou de acordo com o Sr. Ferreira da Rocha quando S. Exa. diz que as colónias
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devem bastar-se a si próprias, procurando reduzir as suas despesas e aumentar as suas receitas.
Mas isso não nos pode levar a não acudirmos às suas necessidades quando elas recorram ao auxílio da metrópole nos momentos em que de facto careçam dêsse auxílio.
Para que a colónia de Timor possa levar a efeito a política que se impõe de reduzir despesas e aumentar as receitas, é necessário que lá esteja um governador.
Um simples encarregado do Govêrno não poderá fazer essa obra.
Ora o governador não vai para a colónia porque não dispõe da verba de 1:500 contos a que a proposta em discussão se refere.
É, pois, absolutamente urgente a votação desta proposta.
O Sr. Carvalho da Silva: — V. Exa. pode informar-me sôbre quanto ganha, em escudos, o governador?
O Orador: — De momento não posso dar-lhe essa informação.
O Sr. Delfim Costa: — Ganha 9 contos ouro.
O Sr. Carvalho da Silva: - Como quere V. Exa. que a metrópole tome êsses encargos quando já a obrigam ao grande sacrifício de pagar 300 contos por ano ao governador?
O Orador: — Mas então V. Exa. quere que a província esteja sem governador?
(Trocam-se, simultaneamente, vários àpartes).
O Orador: — Sr. Presidente: por último devo declarar que não é exacto que os funcionários estejam sem receber os seus vencimentos.
O que sucede é receberem com atraso.
Se eu me mantiver neste lugar por algum tempo que se veja, eu mostrarei como a província de Timor poderá dar-nos a garantia de se bastar a si própria.
Por agora o preciso é que se vote esta proposta.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: não é de facto uma afirmação gratuita o dizer-se que a província de Timor é uma região riquíssima.
Sr. Presidente: a colónia portuguesa de Timor é de facto riquíssima, pois a verdade é que tem todas as possibilidades não só agrícolas, como mineiras.
O que é facto, porém, é que ela está de há muito completamente abandonada, devido à grande distância a que se encontra da Mãe Pátria, e bem assim à falta de competência dos governadores que para lá se têm mandado, os quais a tem administrado por largos anos sem que na metrópole se saiba o que por lá se passa.
Os governadores têm feito a administração que lhes parece, fazendo até política na colónia.
É absolutamente necessário, Sr. Presidente, que sejam nomeados governadores com absoluta competência, que tenham aquela autoridade necessária que provém dos conhecimentos que tenham da região, e bem assim dos conhecimentos de administração, pois só assim ela «e poderá desenvolver e progredir.
A província de Timor tem, de facto, Sr. Presidente, todas as condições para se desenvolver, desde que tenha uma boa administração, como tem acontecido com a província da Guiné Portuguesa, que, na verdade, está actualmente exportando mais do que importa.
Entendo, pois, que é de toda a conveniência que a província de Timor se aproxime tanto quanto possível da Guiné, isto é, de forma a que se possa conseguir o seu equilíbrio financeiro.
Sr. Presidente: é justamente isto o que se pretende, e é êste o fim que tem em vista a proposta de lei em discussão, a qual é da iniciativa do Sr. Ministro das Colónias anterior, e que é perfilhada pelo actual titular da pasta das Colónias.
Trata-se, Sr. Presidente, de habilitar a província a desde já entrar num caminho de redução de despesas, as quais estão, na verdade, pesando largamente sôbre o seu orçamento, o que fàcilmente se poderá conseguir aprovando-se a proposta que se encontra em discussão.
Assim, Sr. Presidente, com um pequeno empréstimo de 1:500 contos eJa poderá fàcilmente entrar no caminho desejado, pois a verdade é que sem isso não
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se poderá fazer o equilíbrio financeiro que se pretende.
Entendo, pois, que é de toda a urgência e vantagem que se vote sem demora êste pequeno auxílio que vem pedir-se para a província de Timor. A verdade é que se pode considerar uma despesa produtiva a despesa que tem por fim acabar com outras despesas.
É esta a razão por que eu dou o meu voto a esta proposta de lei, fazendo, todavia, a afirmação a V. Exa. e à Câmara de que o meu desejo é que da votação dêste empréstimo saia o início daqueles planos de compressão de despesas e aumento de receitas que são absolutamente indispensáveis para que a província entre na prosperidade, por forma a deixar de ser uma colónia deficitária, para passar a ser uma possessão que dê rendimentos positivos. Outra cousa não é de esporar duma província riquíssima que apenas exige que a administrem bem, tornando-se assim um bom auxiliar da Mãe-Pátria.
O orador não reviu.
O Sr. Delfim Costa: — Sr. Presidente: não me parece caso para alarmes a aprovação do presente projecto. Não se trata de um empréstimo feito pela metrópole à província de Timor; trata-se tam somente, e nos termos do decreto n.° 7:008, de fazer um suprimento a essa colónia, que, será liquidado a seu tempo.
Estou habituado a ver a Câmara preocupar-se demasiadamente sempre que se lhe pede dinheiro para as colónias. A Câmara tem em muitos casos razão; mas, como já disse, no caso presente não se trata de pedir dinheiro, mas sim dum simples suprimento, no fim de contas destinado a obter uma economia e ao mesmo a dar cumprimento a um contrato, visto que, no primeiro caso, a província de Timor se vê livre dum pesado encargo, qual é o da manutenção de duas companhias de landins que nessa província prestam serviço, e no segundo caso se licenciam os soldados que constituem essas duas companhias.
Em Moçambique o recrutamento dos soldados landins faz-se por três anos; e desde que foi governador o Sr. Manuel Maria Coelho 6sse recrutamento deixou de ser uma mistificação e os respectivos contratos passaram a ser expressamente cumpridos. Ora os soldados que fazem parte das duas companhias de landins actualmente em Timor foram recrutados há já perto de seis anos, quando os seus contratos os obrigavam a prestar serviço durante três anos.
Creio que esta razão, só por si, é suficiente para justificar a aprovação da proposta em discussão.
Sr. Presidente: - termino enviando para a Mesa uma proposta de emenda.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ordem do dia.
Foram aprovadas as actas das duas sessões anteriores.
É lido na Mesa o seguinte:
Expediente
Ofícios
Do juiz de direito da comarca de Paços de Ferreira, pedindo autorização para que o Sr. Alberto Cruz possa depor no dia 24 do corrente, no tribunal daquela comarca.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Do juiz sindicante aos actos do director geral da Casa da Moeda, pedindo autorização para serem ouvidos os Srs. Vitorino Guimarães, Velhinho Correia e Lúcio de Azevedo,
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Do delegado do Procurador da República no 2.° juízo de investigação criminal, pedindo indicação dos nomes de alguns Srs. Deputados que possam depor num processo crime contra o ex-Ministro das Finanças, Sr. Velhinho Correia.
Para a Secretaria.
Fica sôbre a Mesa.
Fedidos de licença
Do Sr. Mariano Martins, trinta dias. Do Sr. Aníbal Lúcio de Azevedo, dez dias.
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Do Sr. Pedro de Castro, vinte e cinco dias.
Do Sr. Plínio Silva, oito dias.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Admissão
São admitidos à discussão os seguintes
Projectos de lei
Do Sr. Sebastião de Herédia, extinguindo os quadros privativos das Administrações Gerais das Estradas e Turismo, Edifícios e Monumentos Nacionais e Serviços Hidráulicos, a que se referem os decretos n.ºs 7:037, 7:038 e 7:039, de 17 de Outubro de 1920.
Para a comissão de administração pública.
Dos Srs. Joaquim Matos e António Resende, determinando que o valor dos bens
imobiliários dotados ou doados seja calculado em relação à, época em que se
houver de fazer a colação.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
O Sr. Presidente: — O Sr. Cancela de Abreu deseja ocupar-se, em negócio urgente, do grave conflito ocorrido no Parque de Eduardo VII, entre fôrças da polícia e da guarda republicana.
Os Srs. Deputados que aprovam tenham a bondade de levantar-se.
É rejeitado.
O Sr. Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova. Invoco o § 2.° do artigo 116.°
feita a contraprova é novamente rejeitado por 31 Srs. Deputados contra 6.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ordem do dia: discussão do parecer n.° 649.
ORDEM DO DIA
O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: na discussão das emendas que vieram do Senado à proposta de autorização, da autoria do Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças do Govêrno transacto, a minoria monárquica, pela boca do Sr. Carvalho da Silva, chamou a atenção da Câmara para os perigos que poderiam advir da aprovação do § único do artigo em discussão, dizendo S. Exa. que a provação dêste parágrafo era de molde a aumentar duma maneira considerável a circulação fiduciária! E acrescentava S. Exa., apoiado pelo Sr. Ferreira de Mira: não faz sentido que se estabeleçam certas penalidades para o aumento da circulação fiduciária e que no mesmo artigo haja um parágrafo em que se declare exceptuada determinada hipótese, como que a permitir que por essa excepção se fizesse o aumento da circulação, anteriormente condenado. Êste raciocínio, feito por S. Exa., era acompanhado dêste outro: por esta disposição, em harmonia com a convenção de 29 de Dezembro, se podia aumentar sem limites a circulação. Eu direi, porém, a S. Exa. que pelo funcionamento dessa convenção nunca se poderia chegar a êsse resultado, como S. Exa. pretendia. Não havia razão para Asses ataques, visto Que as notas emitidas o eram sempre em representação de valores-ouro de igual para igual.
Sr. Presidente: há um ponto fundamental que escapou aos Srs. Deputados da oposição que falaram: os Srs. Carvalho da Silva e Ferreira de Mira.
É um aspecto que S. Exas. não consideraram e que é muito interessante.
Eu estou tranqüilo e satisfeito com as declarações do Sr. Ministro das Finanças, cujo propósito é de não aumentar a circulação fiduciária; mas os reparos que vou fazer não se referem a S. Exa. O caso é outro.
Pela lei do empréstimo no artigo 8.°, diz-se:
Leu.
Temos portanto:
1.° Acabar-se com a convenção;
2.° Criar-se nova emissão;
3.° Aumentar-se o fundo de maneio das cambiais.
Vários àpartes.
O perigo está em se aumentar a circulação seu caução ouro.
Foi êste o aspecto por que eu vi a questão e que passou despercebido a S. Exas.
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O Sr. Carvalho da Silva: — Não passou; mas as razões que V. Exa. apresenta não têm razão de ser.
A convenção está revogada.
O Orador: — Não está. V. Exa. sabe que está em pleno vigor; e não pode deixar de estar emquanto o Ministro das Finanças assim o entender. Isto não tem perigo emquanto estiver no Poder o actual Sr. Ministro das Finanças; mas como S. Exa. não estará lá sempre, temos de nos precaver.
Eu entendo que se deve eliminar êste § único.
Leu.
Quere dizer, não se pode aumentar a circulação fiduciária além dos limites.
Mas não se pode realizar êsse aumento além de trinta dias de publicação da lei.
Todas as quantias autorizadas por lei já estão feitas, e êste parágrafo resulta portanto inútil.
Portanto, se na discussão que esta lei há-de ter no Congresso se demonstrar que êste parágrafo é absolutamente inútil, não há perigo que se emitam notas.
Por isso mando para a Mesa uma moção nestes termos:
Moção
A Câmara, reconhecendo a inutilidade do § único do artigo 4.° da proposta em discussão, visto que pelo texto do mesmo artigo se mantêm a doutrina e as modalidades da Convenção de 29 dê Dezembro de 1922, entre o Estado e o Banco de Portugal, porquanto os limites para a circulação representativa dos valores ouro, nos termos do § único do artigo 14.° da lei de 29 de Julho de 1857, são os especificados nesse mesmo parágrafo, interpretado como na Base 2.ª da lei n.° 1:501, e conforme a parte final da Base 2.ª do decreto n.° 4:144, do 23 de Abril de 1918, passa à ordem do dia. — O Deputado, F. G. Velhinho Correia.
Êste parágrafo único não tem necessidade de existir.
Êste texto não destrói a Convenção. E o que é preciso dizer para que amanhã se não possa dispensar esta convenção.
Mando para a Mesa a moção.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente : até que emfim o Sr. Velhinho Correia vem concordar em que êste § único, introduzido pelo Senado, representa um perigo, porquanto à sua sombra podia aumentar-se a circulação fiduciária sem limite, apenas com a da Convenção de 21 de Dezembro de 1922.
A Câmara impede que, porventura, o Govêrno possa emitir cêrca de um milhão de contos de notas.
Simplesmente o Sr. Velhinho Correia, não querendo reconhecer a razão dos nossos argumentos, como aliás é de uso nesta Câmara que fomos quem chamou a atenção da Câmara para êste facto, disse que não é o argumento por nós apresentado o que deve ter-se em consideração.
Não tardou, porém, muito tempo em reconhecer que o nosso intuito é que o parágrafo não possa subsistir.
É o argumento por nós apresentado que demonstra ser um perigo o parágrafo.
S. Exa. referindo-se ao artigo 8.° da lei n.° 9:424, que determinava que da importância total havia de deduzir-se a parte do fundo de móveis, entendeu que se podia emitir os 30:000 contos. E por isso começou a emitir notas. Mas não pensava na lei n.° 1:501, que diz:
Leu.
Portanto, o que constitui crime é o aumento da circulação fiduciária além dos limites determinados.
Vamos a ver o que diz o artigo 1.°:
Leu.
Êste é, portanto, o limite além do qual se não pode passar, aprovado na Câmara dos Deputados.
O § único diz:
Leu.
Não há nada mais claro. Havia a sanção para toda a espécie de circulação excedendo-se êsse limite.
Mas desde que para êste fundo de móveis se podia exceder êste limite marcado na lei não havia sanção absolutamente alguma.
O Poder Executivo ficava colocado numa situação difícil se não fôsse publicado o artigo 4.°
Por êste artigo não podem aplicar-se as disposições do Código Penal, e quem emitir notas além dos limites tem a impunidade garantida.
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É um argumento importante que não pode, de maneira alguma, deixar de merecer a atenção da Câmara, que não pode aprovar êste parágrafo.
Nestas condições só tenho de bem dizer a hora em que levantei aqui esta questão, porque prestei um serviço ao país.
O Sr. Velhinho Correia: — V. Exa. não viu bem o aspecto da questão...
O Orador: — O que V. Exa. quere é arranjar maneira de aprovar hoje o que ontem reprovava, mas eu não me importo.
O Sr. Velhinho Correia : — O artigo 8.° estabelece o fundo de maneira que, uma vez criado, anula a Convenção.
O Orador: — O artigo que V. Exa. não cumpriu. O Sr. Vitorino Guimarães emitiu 20:000 contos.
V. Exa. por fim veio a concordar comigo.
A sombra desta disposição V. Exa. não pode de maneira alguma aumentar a circulação fiduciária e não põe dúvida, em que a Câmara rejeitará êste parágrafo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É lida e admitida a moção do Sr. Velhinho Correia.
Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Sr. Presidente: o parágrafo em discussão efectivamente não era absolutamente necessário, e só tinha pôr fim definir uma situação em matéria delicada.
Mas fizeram-se considerações para demonstrar que por uma interpretação duvidosa se poderia por urgência das necessidades do Estado fazer com que se lançasse não dessa interpretação, para fazer um aumento de circulação fiduciária.
Tenho portanto, de manter o meu ponto de vista, que é que num caso dêsses uma execução mais limitada estava indicada.
E, dadas as explicações do Sr. Velhinho Correia, eu devo dizer que estava de acordo com a eliminação dêste parágrafo.
O Sr. Carvalho da Silva, (interrompendo): — Nos termos da moção do Sr. Velhinho Correia, vamos cair no extremo oposto, não permitindo mesmo a emissão de notas para o Fundo de Maneio. Apartes do Sr. Velhinho Correia.
O Orador: — Não me parece que possa haver dúvidas sôbre a interpretação do que fica disposto; e assim concordo com a eliminação do referido parágrafo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: pedi a palavra, não porque entenda que a Câmara necessite de esclarecimentos, porque ela já tem a noção clara do assunto; mas como tive responsabilidades no respectivo projecto, quanto à sua redução entendi que devia fazer algumas considerações.
O Senado alterou o projecto, modificando o corpo do artigo que se discute.
Ficou estabelecido na lei que a emissão de notas por qualquer pretexto seria Considerada crime punível.
Mas, Sr. Presidente, pela alteração do Senado, fica permitida a emissão de notas, nos termos da convenção de 23 de Dezembro de 1923.
Eu tenho estado em divergência absoluta com os processos financeiros que se têm vindo seguindo.
Desde que seja lícita a emissão de notas para outros fins que não sejam as necessidades do Estado, continuamos a aumentar a nossa circulação fiduciária e a desvalorizar a nossa moeda, e a depreciar a nossa riqueza e os nossos capitais.
Sr. Presidente: isto que tenho dito, e que representa o meu modo de ver, tem confirmação pelos números que foram publicados pelo Sr. Ministro das Finanças anterior, quando apresentou aqui o pedido para cobrar receitas e pagar despesas.
No relatório dessa proposta vem um mapa da circulação fiduciária, mapa que chega só até uma data bem atrasada.
As contas com o Banco de Portugal, estão bem atrazadas e não passam aquém de Junho.
Reputo isto simplesmente vergonhoso — digo-o mais uma vez — quando situações de Bancos, como o Banco de Franca, Banco de Inglaterra e Banco Alemão são publicadas na semana seguinte àquela a que dizem respeito.
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Não compreendo, portanto, como a Direcção Geral da Fazenda Pública não possa publicar dias depois a situação do Banco de Portugal.
Há agencias?
Há sucursais?
Mas os outros bancos também têm agencias e sucursais.
Então pode continuar esta situação de não se publicarem estas notas desde 12 de Junho último, isto ó, há mais de um mês?
Mas, dizia eu, Sr. Presidente, que no relatório dessa proposta de lei, o então Ministro das Finanças inseriu um mapa com que pretendeu demonstrar que o Govêrno do que, fazia parte e a que presidia não tinha desde certa data aumentado uma nota sequer à circulação fiduciária.
Era absolutamente verdadeira a afirmação; constava já das publicações feitas pelo Banco de Portugal, e que êste mapa confirmava.
Efectivamente, desde 23 de Janeiro que a circulação fiduciária representativa de débitos do Estado se mantinha inalterável, até à data em que o mapa fechou, 18 de Julho.
Pois, Sr. Presidente, apesar disto a circulação fiduciária aumentou sempre: pelo próprio mapa que o Ministro das Finanças de então apresentou, verifica-se o aumento constante da circulação fiduciária.
Assim é, Sr. Presidente, que a partir de 23 de Janeiro o total da circulação fiduciária, que estava em 1:400:000.000$, passou para 1:429:000.000$, ou seja um aumento de 20:000 contos numa semana.
Na semana seguinte a circulação fiduciária passou para 1:450:000.000$, quere dizer, 21:000 contos de aumentos numa semana.
Nas duas seguintes houve uma deminuição:
Que me importa a mim — a mim contribuinte, a mim português, a mim que apenas mo interesso pelo desenvolvimento da riqueza geral — que a circulação fiduciária não aumentasse por efeito de débitos do Estado, mas porque as cambiais, de exportação a isso obrigassem?
Fez-se isto por uma convenção, seja ela que convenção fôr? De acordo, não discuto a ilegalidade. Fez-se isto por virtude de um contrato com o Banco de
Portugal? De acordo que assim seja. O que afirmo é que quanto mais notas se emitirem nós veremos cada vez mais deminuir o valor da nota, veremos cada vez mais depreciado o escudo.
É êste o meu modo do ver que tenho exteriorizado por mais de uma vez nesta Câmara e continuo a manter.
Diz-se que mesmo que a circulação fiduciária seja aumentada por efeito da conversão de cambiais de exportação de que o Estado se apropria, a desvalorização do escudo não é possível.
Sr. Presidente: não tenho a êsse respeito razões absolutamente algumas convincentes que me levem a aceitar essa afirmação.
Ainda mesmo que o movimento de notas emitidas pela representação dessas cambiais ouro seja mantido rigorosamente dentro dos limites do valor das próprias cambiais, ainda mesmo que isso se faça, a verdade é que as cambiais ouro consomem-se, ao passo que as notas ficam. E ficam constantemente a desvalorizar, a agravar a nossa situação.
Para que estamos então nós aqui a clamar com freqüência que são os especuladores, os homens dos câmbios, que especulam com as notas quando somos nós, nós, Poder Legislativo, que fazemos o pior mal no sentido dêste agravamento de circulação fiduciária, porque, repito, não temos feito outra cousa há alguns anos a esta parte. Nós é que somos os principais culpados.
Sr. presidente: não sei se estou em êrro; mas é esta opinião que tenho manifestado, por mais de uma vez. A mim queria-me parecer que, após trinta dias da publicação desta lei, o Estado podia adoptar as medidas financeiras necessárias para ocorrer a esta situação; mas enganei-me, porque vejo que as pessoas que conhecem de perto, o modo como as necessidades do Estado podem ser supridas, entendem que é necessário que só mantenha êste estado de cousas. Mantenha-se, embora; eu conservo êste ponto de vista ao qual acrescento a convicção absolutamente sincera de que os grandes especuladores, aqueles que provocam a queda do escudo não são os banqueiros, não são os cambistas, aqueles que negoceiam com o dinheiro como podem negociar com. qualquer outra cousa,
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somos nós, nós Estado, nós Poder Legislativo, nós Ministros, aqueles que superintendem nestas cousas como dirigentes da Nação, que pelo nosso proceder não podemos estancar duma vez estas emissões de notas.
Sr. Presidente: repito, não tenho a pretensão de que o meu modo dever seja acertado. Vejo que toda a gente afirma que é preciso manter-se essa possibilidade de emissões de notas para efeito de conversão de cambiais de exportação. Mantenha-se, embora; e a Câmara fará bem tendo em conta as necessidades do Estado. Mas devo dizer mais uma vez que não concordo, desde o princípio, com a política seguida a propósito das cambiais ouro.
Sr. Presidente: diz-se que todos os países têm usado dêste expediente, que, afinal de contas, é tudo quanto há de mais conducente ao desânimo e de mais inconveniente às actividades económicas do país.
Porventura podemos ter a pretensão de aplicar melhor o ouro da economia nacional do que a própria economia nacional?
Quando o Estado se mete em questões comerciais dêste género, é um verdadeiro desastre. Por muito boa que seja a Vontade dos seus agentes, o que é inegável é que o Estado tem dado provas, e vai-as dando dia a dia, de que não pode nem sabe substituir-se à actividade particular.
Haja em vista que o Estado, com todos os seus recursos, não conseguiu, a quando da greve dos padeiros, abastecer a cidade de Lisboa de pão.
Ora se o Estado não conseguiu normalmente abastecer uma cidade de 600:000 habitantes, como poderá substituir à actividade particular para fazer a distribuição do ouro pela economia de um país de 6.000:000 de habitantes?
Estabelece-se conversação entre os Srs. Velhinho Correia, Portugal Durão e, Carlos Pereira.
O Orador: — Cada um tem o direito de defender-se.
Não há nenhum capitalista que não queira ter os seus capitais num ponto onde possa fàcilmente dispor deles.
Isto é uma verdade económica, aliás muito lógica.
Sr. Presidente: estou convencido, cada vez mais, de que efectivamente o equilíbrio do orçamento por si só não basta.
O equilíbrio do orçamento significa que o Estado ocorreu às suas necessidades dentro das receitas de que dispunha. Mas isso não basta, porque se ao mesmo tempo continuar a caça — é êste o verdadeiro termo — aos valores ouro, a emigração dos capitais continuará a dar-se. Se não houver riqueza particular não pode haver riqueza do Estado.
Eu concordo em que o artigo do Senado corresponde a uma compreensão mais prática e mais aceitável das necessidades actuais do Estado. A Câmara vai certamente votá-lo, àparte a redacção.
Mas o que eu desejaria era que em breve entrássemos no caminho da normalidade.
As verdades económicas, são sempre as mesmas; os factores é que variam, e é necessário conhecê-los para os resolver.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ferreira de Mira: — Sr. Presidente: pedi à palavra para explicações na sessão passada, quando eslava falando sôbre a matéria que se discute hoje o ilustre deputado Sr. Álvaro de Castro.
Era então minha intenção agradecer ao Sr. Ministro das Finanças os esclarecimentos que tinha dado à Câmara, a meu pedido, e ao mesmo tempo dizer a atitude que ia tomar nas votações, tanto na matéria como da moção que fora apresentada.
Tinha, em referência às que eu havia dito, o ilustre deputado Sr. Álvaro de Castro afirmado que a moção apresentada pelo Sr. Portugal Durão seria bastante para me satisfazer e aos outros oradores desta Câmara, que encontraram no § único, que se discutia, matéria para alarme, sôbre o que pudesse fazer-se de futuro.
Devo dizer, Sr. Presidente, que afirmava na sessão passada, como afirmo hoje, que não posso dar o meu voto ao § único, vindo do Senado. Êsse parágrafo, em meu entender, nada faz para que continue a exercer-se o movimento de maneio nos termos que têm sido seguidos e eram aceitos por S. Exa. o Ministro, e tanto podia dar lugar a que se lhe dêsse interpretação que redundasse num aumento de circulação fiduciária, que os Srs. Carvalho da Silva e Velhinho Correia, apre-
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sentando fórmulas, cada um por seu lado, S. Exas. foram de opinião que êsse aumento se podia realizar. Se assim é, se a introdução na lei do parágrafo do Senado pode dar lugar a tam divergentes interpretações, isso é mais uma razão para que a Câmara não o vote.
Sr. Presidente: falando na última sessão, eu teria dito que rejeitava o § único tal como veio do Senado, mas em todo o caso aprovaria a moção do Sr. Portugal Durão, para o caso em que a Câmara, vendo o assunto sob outro aspecto diferente do que eu o via, quisesse manter a redacção do Senado.
Sr. Presidente: já hoje ouvi dizer ao Sr. Ministro das Finanças que aceitava de bom grado que fôsse recusada a aprovação do parágrafo em discussão; mas alarmou-me ouvir o ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro, com a situação que tem dentro da maioria e na Câmara, dizer que ela naturalmente iria votar o parágrafo vindo do Senado.
Se assim é, torna-se ainda oportuna a minha declaração de que tal êrro não se fará com o meu voto.
Embora se me dêsse ensejo para isso por pessoa de toda a autoridade, julgo eu que na discussão da simples emenda em que se está, discussão, não dum projecto de lei, mas da divergência da doutrina manifestada pelo Senado sôbre um projecto de lei, não me é lícito alargar-me sôbre a questão financeira, em geral.
O ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro, de inflacionismo, falou da questão do maneio das cambiais; e relativamente à questão do inflacionismo, eu só tenho a dizer que, não me parecendo azado o momento para discutir êsse assunto, quando rejeito o § único do Senado simplesmente tenho em vista que, a dar-se a inflacção, ou antes, que a tornar-se indispensável a inflação ela deve ser feita claramente, dizendo-se a verdade ao Parlamento e ao País, e não por qualquer interpretação forçada ou hábil da lei.
Também, quanto a mim, não é ocasião de apreciar a medida tomada pelo Sr. Portugal Durão sôbre a situação de cambiais.
Em teoria, entendo que tem toda a razão o ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro, quando afirma que isso traz uma grave perturbação e que é necessário voltarmos aos tempos normais em que tal se não dava.
Mas, quanto a proceder-se já a sua reforma ou à necessidade de se esperar mais algum tempo, parece-me ser um assunto que eu não posso debater neste momento a propósito da discussão de uma emenda do Senado.
Temos apenas de se votar o que aqui se votou primeiramente ou o que o Senado aprovou, sem podermos já alterar por qualquer forma a estrutura, a essência da proposta de lei que estamos apreciando.
Há, Sr. Presidente, uma frase que tem sido proferida em diversos tons por vários Srs. Deputados e a que eu preciso referir-me. É o que atribui ao equilíbrio orçamental toda a virtude de nos valorizar o escudo.
Creio que basta olhar para a situação presente, que basta considerar que pelo Sr. Ministro das Finanças do Govêrno transacto foi apresentado um relatório em que se dá êsse equilíbrio orçamental como em proximidades de ser um facto, sem que a tal tivesse correspondido, na verdade, uma melhoria no valor do escudo, porque para se tentar êsse equilíbrio orçamental se tomaram, justamente, medidas que atacaram fortemente o crédito do País. Não se conseguiu cousa alguma com essa marcha para o equilíbrio orçamental porque várias medidas tomadas pelo Govêrno de então aumentaram o descrédito, fizeram com que se retraíssem todos e com que, como acabamos de ouvir dizer, colocassem cada vez mais capitais portugueses em domínios estrangeiros.
Sr. Presidente: tendo eu, embora sem qualquer intuito de censura, lembrado que o ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro se tinha estendido para fora da simples discussão que o caso requeria, porventura tenho estado caindo no mesmo vício.
Só tenho, pois, de concluir dizendo que rejeitarei a § único do Senado, aprovando, visto que o Regimento desta casa outra cousa não permite, a redacção que tanto ao artigo como ao seu § único foi dada pela Câmara dos Deputados.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O orador não reviu.
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18 Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Portugal Durão (para um requerimento): — Sr. Presidente: em vista das declarações do Sr. Ministro das Finanças peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se autoriza que eu retire a minha moção.
É autorizado.
O Sr. Carvalho da Silva (para um requerimento): — Sr. Presidente: requeiro votação nominal para o projecto do Senado sôbre o artigo 4.° e seu parágrafo.
É aprovado.
São lidos na Mesa o artigo 4.° e o § único da Câmara dos Deputados e o artigo 4.º e o § único do Senado.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se em primeiro lugar a moção do Sr. Velhinho Correia.
Um àparte do Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Velhino Correia (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: a um equívoco do Sr. Carvalho da Silva, pois a minha moção foi apresentada para explicar a doutrina votada na Câmara dos Deputados com a qual concordo.
O Sr. Carvalho da Silva (para um requerimento): — Sr. Presidente: requeiro que a moção do Sr. Velhinho Correia seja votada depois da votação do artigo 4.° e seu § único do Senado.
É aprovado.
Procedeu-se à chamada para a votação nominal do artigo 4.° e seu § único do Senado.
O Sr. Presidente: — Disseram «rejeito» 63 Srs. Deputados e «aprovo».
Está rejeitado.
Disseram «rejeito» os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto do Portugal Darão.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
António Albino Marques de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Dias.
António Lino Neto.
António Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís dá Costa Amorim.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximiniano de Matos.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião Herédia.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
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Disse «aprovo» o Sr.:
António Pinto de Meireles Barriga.
E aprovada a moção do Sr. Velhinho Correia.
Leu-se o artigo 5.° da Câmara dos Deputados e foi rejeitado.
Leu-se o artigo novo.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: tem êste artigo a maior importância.
O Sr. Álvaro de Castro, inimigo intransigente da circulação fiduciária é agora partidário do aumento ilimitado da circulação fiduciária.
Êste artigo novo é nem mais nem menos do que um alargamento da circulação fiduciária.
A Câmara agora andou muito bem rejeitando a emenda do Senado.
Pela lei n.° 1:424 criam-se 40:000 contos de moeda sendo 20:000 de 1$ e 20:000 de $50.
Pela emenda do Senado eleva-se ao triplo, isto é, eleva-se a 120:000 contos a moeda.
O Sr. Carlos Pereira (interrompendo).— «A má moeda expulsa a boa» é um princípio consagrado.
O Orador: — Deus queira que nem V. Exa. nem ninguém o veja.
Lançar mais 120:000 contos de moeda no mercado, é o mesmo que aumentarem mais 120:000 contos a circulação fiduciária.
Porventura os 120:000 contos lançados no mercado são ou não, da mesma forma, moeda que vem aumentar a oferta sem paralelamente aumentar a procura?
E, sendo assim, não vêm êles agravar o custo da vida e fazer-nos continuar no mesmo caminho?
O Sr. Álvaro de Castro, quando Ministro das Finanças, foi mais longe, porque publicou dois decretos à sombra da lei n.° 1:424: o n.° 9:718 e o n.° 9:719.
O n.° 9:718 estabeleceu no artigo 1.°:
Leu.
O Sr. Carlos Pereira: — Como V. Exa. vê, trata-se da simples troca. Desde que há substituição, não há aumento.
O Orador: — V. Exa. está absolutamente em branco na matéria pelo que vejo o que acabei de ler não se refere às moedas más, a que aludi, mas à maneira de aumentar a moeda ilimitadamente.
No § 3.° diz:
Leu.
Portanto, êstes 120:000 contos são pare substituir as cédulas em circulação.
Mais adiante diz-se:
«Até limite não marcado».
Quere dizer que o Sr. Presidente do Ministério, Álvaro de Castro, foi ao decreto n.° 9:718 e autorizou-se a cunhar moeda nesta importância, sem limite marcado.
Agora quere uma autorização para emitir mais 120:000 contos de moeda que não é aquela a que se refere o artigo que acabo de ler.
Portanto são, Sr. Presidente, 120:000 contos; e desta forma V. Exa. há-de ver que daqui a pouco nós ver-nos hemos obrigados a andar com um caixote, como os que levaram a prata para Londres, visto que a República para acudir às necessidades do Tesouro e paTa equilibrar o déficit orçamental, se vê na necessidade de proceder à cunhagem de moeda, e mais moeda, representando isto além de tudo mais um imposto extraordinário lançado sôbre o País, representando também um lucro de amoedação (segundo o relatório do Sr. Álvaro de Castro, que acompanhou a lei de meios) de 40:000 contos.
Já por aqui V. Exas. estão vendo a tendência que esta República tem para a fabricação de moeda falsa, pois a verdade é que não é outra cousa senão fabricar moeda falsa o que se pretende fazer.
A Câmara, Sr. Presidente, está vendo quais os desejos do Sr. Álvaro de Castro, pois a verdade é que S. Exa. vendeu a prata, vendeu o ouro e estaria disposto a vender tudo quanto pudesse representar o património nacional.
Sr. Presidente: a Câmara sabe bem já qual a opinião dos Deputados esquerdistas, que agora já não são esquerdistas; mas sim, segundo um discurso feito ontem no Barreiro pelo Sr. Ramos de Miranda, canhotos; e assim já nós todos ficamos sabendo que essas medidas canho-
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tas serão idênticas às apresentadas pelo Sr. Álvaro de Castro.
O Sr. Velhinho Correia: — Apoiado!
O Orador: — V. Exa. também é canhoto?
O Sr. Velhinho Correia: — Eu sou inimigo do aumento da circulação fiduciária!
Apartes de vários Deputados da maioria.
O Orador: — V. Exas. serão quando muito irmãos da canhota!
Mas, Sr. Presidente, vê-se que os que se dizem mais esquerdistas não fazem senão defender aumentos da circulação fiduciária.
Êste caminho é deveras mau; não se marcar limites a uma circulação fiduciária qualquer que ela seja, é contribuir para o agravamento do custo da vida.
Quero, por isso, ver se a maioria da Câmara que constantemente se manifesta contrária aos aumentos da circulação fiduciária, vai votar esta nova modalidade de aumento, prestando assim um péssimo serviço ao País.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ferreira de Mira: — Sr. Presidente: mais uma vez tenho que me dirigir ao Sr. Ministro das Finanças pedindo esclarecimentos, e mais uma vez tenho que acentuar que se o faço, não tendo S. Exa. responsabilidades do que foi votado no Senado, é unicamente porque estamos discutindo esta matéria a requerimento de S. Exa.
Segundo o artigo novo introduzido pelo Senado na proposta de lei, trata-se de elevar ao triplo aquela emissão de moeda subsidiária que foi autorizada pela lei de 15 de Maio de 1923.
Nos termos do artigo 9.° da mesma lei, essa emissão podia ser de 40:000 contos; agora elevando-se ao triplo pode, portanto, ser de 120:000 contos.
Diz o artigo 9.°
Leu.
Não tenho verificado se existe essa sobrecarga nas notas de um escudo e de meio escudo. Creio que não existe.
Se assim é, pregunto: a essas notas que andam em circulação correspondem aquelas moedas que o Estado vai emitir nos termos do artigo 9.° que já li?
Quere dizer: à medida que entre em circulação a nova moeda metálica, vão sendo inutilizadas iguais somas de notas de um escudo e de meio escudo?
Sendo assim haverá a contrapartida. Mas, se assim não fôr, então vamos ter um aumento de circulação.
Ainda há pouco o Sr. Almeida Ribeiro falou muito de inflacionismo.
Quanto a mim essa política é desculpável. Nunca é boa.
Não posso, pois, compreender que se proclame um anti-inflacionismo e que disfarçadamente se faça o inflacionismo.
Se é uma substituição da moeda papel por uma nova moeda metal, está bem; mas, se assim não é, melhor seria pedir autorização para aumentar a circulação fiduciária em mais 80:000 contos.
Se o Sr. Ministro me dissesse que o lançamento no mercado desta nova moeda tem a sua contrapartida na retirada de iguais somas de moeda papel, eu dou a minha aprovação ao artigo vindo do Senado. De contrário não a poderei dar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Sr. Presidente: são muito de considerar as observações feitas pelos ilustres oradores que usaram da palavra sôbre o assunto.
Efectivamente as preguntas que S. Exas. fazem têm fundamento.
À proporção que se vai retirando a cédula da Casa da Moeda, em contrapartida recebe-se moeda metálica que vai substituir a cédula do Banco. Além disso temos que contar com certos factores, entre êles o psicológico que não vem para o caso e que faz com que, porventura, uma grande parte da moeda emitida seja amealhada. E, não há dúvida de que a moeda emitida lá largo lucro ao Estado.
O Sr. Ferreira de Mira: — É como se fôsse um brinquedo...
O Orador: — Substitui o papel que tem todos os inconvenientes e que se deteriora; inconvenientes que V. Exa. como
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higienista e médico conhece muito bem. Essas notas são mais caras ainda que a amoedação que estamos a realizar.
Portanto não posso dizer em cifra exacta nem qual o lucro da amoedação, nem qual a vantagem da moeda divisionária para a nossa vida industrial; mas o que afirmo é que essa moeda traz vantajosos lucros e vem substituir uma moeda indesejável.
Se V. Exa. disser que a cifra é arbitrária, eu direi que ela apresenta uma aproximação.
A cifra exacta não posso dizê-la, porque a técnica da Casa da Moeda deixa muito a desejar.
O Sr. Ferreira de Mira (interrompendo): — Desde que se põe em circulação um grande número de moedas, recolhem notas? Isso é que eu desejava que V. Exa. dissesse.
Àpartes.
O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo).— Uma vez recolhidas, essas notas são substituídas por notas de maior valor?
Àpartes.
O Orador: — O que eu digo à Câmara, em resumo, é que essa medida é necessária nesta situação anormal que atravessamos e com ela deve o Estado aproveitar.
Tenho dito.
Àpartes.
O orador não reviu.
O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: as explicações do Sr. Ministro das Finanças não são de molde a tranqüilizar a Câmara.
S. Exa. com uma franqueza que é para louvar declarou que não possuía neste momento conhecimento exacto dos relativos números certos, mas felizmente encontra-se nesta Câmara o Sr. Álvaro de Castro, anterior Ministro das Finanças, que certamente não deixará encerrar esta discussão sem apresentar os esclarecimentos e os números que S. Exa. diz não possuir.
Dêste lado da Câmara esperamos que o Sr. Álvaro de Castro use da palavra
para orientar a Câmara a fim de ela poder dar o seu voto.
Disse o Sr. Daniel Rodrigues que, à medida, que as novas moedas fossem lançadas no mercado, seriam recolhidas as notas de 1$ e de $50 do Banco de Portugal.
Para que essa explicação do Sr. Ministro das Finanças nós pudesse tranqüilizar inteiramente, seria necessário que S. Exa. pudesse fazer a afirmação, que não foz, de que as novas moedas metálicas a emitir, que podem ir até 120:000 contos, se fôr aprovada a emenda do Senado, são da mesma importância que as notas de $00 e de 1$ em circulação. Então sim; mas só então, é que se daria uma substituição: retiravam-se notas e lançava-se no meio circulante o seu equivalente em moeda metálica.
Não sendo assim não se trata de uma substituição, mas sim de um aumento de circulação como disse o Sr. Carvalho da Silva, meu ilustre correligionário.
A Câmara pode votá-lo, mas não pode alegar ignorância, visto que dêste lado das bancadas monárquicas já lhe foi chamada a atenção para o caso.
Já a propósito de um outro aumento de circulação fiduciária que se queria fazer, numa das sessões anteriores, chamámos para o caso a atenção da Câmara; e felizmente que as nossas considerações foram atendidas, pois pela votação que se fez verifica-se que tínhamos razão.
Sr. Presidente: por cada 40:000contos de moeda metálica que o Govêrno lançar em circulação, o Estado terá, a serem verdadeiros os números exibidos pelo Sr. Álvaro de Castro, um lucro de 32:000 contos da amoedação. Então não são novas moedas que se vão lançar; são apenas umas fichas. Nunca podem ter valor intrínseco superior a 8:000 contos.
E por conseqüência isto ainda uma forma nova que pode ser engenhosa, mas que não deixa de ser prejudicial, de lançar uma nova tributação sôbre o país, de obrigar os portadores de moeda a comprarem por 40:000 contos aquilo que das bancadas do Govêrno se diz que não vale mais que 8:000 contos!
Ficamos aguardando as explicações que, por certo, o Sr. Álvaro de Castro não vai deixar de dar à Câmara, sôbre os números em que se baseou para pedir a ele-
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vação, até o triplo, do limite constante da alínea a) do artigo 9.° da n.º 1:424, de Maio do ano passado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: uma vez que o Sr. Álvaro de Castro não quis dar-nos a honra do nos esclarecer, pedi à palavra para mostrar mais uma vez a S. Exa. quanto está em êrro relativamente à idea de que a substituição dás notas a que se refere a emenda do Senado, em discussão, representa notas tiradas da circulação. Eu disse a S. Exa. que não; e vou mostrar provas que tenho toda à razão em face do contrato de 1918 com o Banco de Portugal, que diz:
Lê.
Quere dizer, como disse a V. Exa.: estas notas retiradas da circulação podem ser substituídas por notas emitidas de maior valor.
Creio que o Sr. Vitorino Guimarães, cuja atenção solicito, como pessoa muito autorizada sôbre êstes assuntos, é da mesma opinião do que eu.
Portanto, trata-se dum aumento de circulação fiduciária referente a 120:000 contos, pelo que respeita às notas de 1$ e $50. Além disso, há um aumento correspondente á cunhagem das moedas de $20, $10 é $05, que também não têm limites fixados no decreto ditatorial do Sr. Álvaro de Castro.
Veja, pois, á Câmara o que vai votar.
Tenho dito.
O Orador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidenta: pedi a palavra para dar explicações ao Sr. Carvalho da Silva.
Sem contestar que esteja escrito no contrato de 1918 o que S. Exa. leu, o que contesto e que isso tenha a extensão que S. Exa. lhe deu.
Quando aqui foi discutido o empréstimo de 6,5 por cento, o Govêrno ficou autorizado à emitir moedas de 1$ e $50, duma certa liga metálica, para substituir as notas emitidas pelo Banco de Portugal de 1$ $50.
Portanto a situação, ao cunhar-se a moeda, de $50 e 1$, traduz-se na retirada das notas emitidas pelo Banco de Portugal, sem que êsse Banco possa fazer acrescer a essa circulação mais o quantitativo dessas notas.
O Sr. Carvalho da Silva: - Essas notas, fazendo parte do limite autorizado, são substituídas por notas maiores.
Quando aqui se discutiu essa lei foi um dos pontos versados pelo Sr. Vitorino Guimarães, pelo Sr. Barros Queiroz e outros, que assentaram nesta doutrina.
O Orador: — Não é nada disso. Nem as notas do $50 e 1$ faziam parte da circulação própria do Banco, nem tam pouco êle tinha o direito de as lançar, mas sim o Estado.
Não são as notas-prata, a que se refere o contrato com 6sse Banco, as que estão em causa.
A lei é clara nesse ponto. Emitida a moeda a que ela se refere, retiram-se todas essas notas da circulação, sem que, repito, o Banco possa acrescer à sua circulação mais êsses 18:000 contos.
O Sr. Carvalho da Silva: — O Estado podia lá ir buscar mais 40:000 contos.
O Orador: — Com a lei dos 6,5 por cento podia; mas assim não pode. Desde que o Estado emite a moeda representativa dessas notas não pode dizer ao Banco que introduza na sua circulação mais notas em numero correspondente às notas que agora se retiram.
O Sr. Carvalho da Silva: — Não è essa a opinião do Sr. Vitorino Guimarães.
O Orador: — Mas V. Exa. está-me ouvindo a mim ou ao Sr; Vitorino Guimarães? S. Exa. tem uma opinião e eu outra.
O Sr. Carvalho dá Silva diz que essas notas estão incluídas na alínea d). Não estão tal.
Quando o contrato de 1918 fala em notas, refere-se às notas que o Banco é autorizado a emitir; a alínea d) do contrato do 1918 não pode referir se a outra cousa.
Àparte do Sr. Carvalho da Silva, que não se ouviu.
O Orador: — Tanto assim só compreendeu que, quando se fez a lei referente ao
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empréstimo, só fez referência não à alínea d], mas ao decreto de 1891, que estabeleceu para o Banco a faculdade de emitir essas notas.
Trava-se diálogo entre o orador e o Sr. Carvalho da Silva.
O Orador: — De maneira que a retirada das notas do 1$ e do $50 e o lançamento no mercado da moeda metal traduzem-se numa deminuição, em parte, da existência do numerário, embora se traduzam num aumento dêsse mesmo numerário.
Observação do Sr. Morais Carvalho,
O Orador: — Isso é que eu não posso evitar.
Não me parece que seja uma Cousa para modificar esta medida.
É um empréstimo...
O Sr. Carvalho da Silva: — É um imposto aliás.
O Orador: — Vem a ser um empréstimo;
Não é feito por intermédio do Banco, mas creio que é muito mais vantajoso fazer-se assim.
Nova interrupção do Sr. Morais Carvalho.
O Orador: — O que se pode discutir é se de facto é vantajoso para o Estado o substituir a circulação papel pela circulação metal.
Quanto às notas dê pequeno valor, a vantagem é enorme, representando ainda o lucro que resulta da deminuição do custo.
V. Exa. não pode calcular!
O custo da circulação do papel de pequeno valor é caríssimo em relação ao valor facial.
A substituição da moeda papel pela moeda metal é sempre vantajosa, acarretando lucros para o Estado, que não são de desprezar.
É êste um facto a ter em consideração.
Mas é preciso ver o problema com a largueza que êle comporta.
É preciso que haja mais de 40:000 contos, para que possa manter-se.
Ó sistema da moeda metálica cujo valor facial fôsse igual à moeda papel ficaria a mais do triplo.
Só com essa quantia é que é possível.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Não há mais ninguém inscrito. Vai votar-se.
É aprovado o artigo 5.º
O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
Feita a contraprova verificou-se estarem sentados 43 Srs. Deputados, e em pé, 13 tendo sido portanto confirmada a votação.
O Sr. Correia Gomes: — Mando para a Mesa o parecer da comissão sôbre o projecto de lei que altera a lei do inquilinato.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à
ORDEM DO DIA
Discussão do orçamento do Ministério
Pública
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Morais Carvalho.
O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: há-de haver seguramente um mês que pedi a palavra sôbre o orçamento do Ministério da Instrução e tantas têm sido as vezes, desde então, que a Câmara tem preterido a discussão dêste assunto, por outros, que cheguei ao convencimento de que, na realidade, o Parlamento não quereria mais ocupar-se de discussão dos orçamentos.
Sr. Presidente: não tenho comigo os apontamentos resultantes do meu pequeno estudo sôbre êste orçamento; e por isso não posso nêste momento fazer as considerações que me propunha fazer da primeira voz que foi o assunto discutido.
Demais, cabe-me a palavra nesta discussão depois do falar um dos Srs. Deputados que melhor conhecem o assunto da instrução em Portugal: o Sr. Ferreira de Mira.
Bastaria essa circunstância para eu não estar a alongar as minhas considerações, repetindo talvez o que, com mais autoridade do que a que ou tenho, já foi apresentado à Câmara.
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24 Diário da Câmara dos Deputados
Sr. Presidente: a propósito dêste orçamento já alguns Srs. Deputados versaram o problema transcendente da nossa instrução e dos assuntos que com ela se prendem.
E até me recordo que o Sr. Jordão interpelou o Ministro da Instrução, de então, sôbre o que pensava, acerca do ensino secundário dos estudos clássicos, à maneira do que se fez em França.
Sr. Presidente: desejaria que o Sr. Abranches Ferrão informasse o país, por intermédio do Parlamento, de quais são os pontos cardeais que vão orientar a sua acção como 'Ministro da Instrução.
Outro assunto, de que tenho alguns apontamentos para tratar, é o que se refere às escolas normais superiores.
A êsse respeito eu tencionava interpelar o Sr. Helder Ribeiro, que então era Ministro da Instrução, com referência a um decreto que ditatorialmente publicou, para que S. Exa. explicasse a publicação dêsse decreto, pois que não o poderia fazer.
Não está S. Exa. já nesse Ministério da Instrução; mas isso não obsta a que o Sr. Abranches Ferrão diga alguma cousa acerca do que pensa fazer em relação às escolas primárias superiores.
Não quero sair da terminologia que lhes chama superiores, mas toda a Câmara sabe que realmente são inferiores.
Àpartes.
O Sr. Ferreira de Mira criticou o parecer da comissão de instrução pública, parecer que nos é apresentado quási em pé de guerra, visto que o assinam quási que exclusivamente oficiais do exército que constituem a totalidade dessa comissão.
Não posso deixar de acompanhar o Sr. Ferreira de Mira nas suas considerações, porque também entendo que os pareceres devem ser elaborados com minúcia, com conhecimento de causa, e não feitos assim ao correr da pena.
A precipitação com que foi elaborado êste parecer mereceu as censuras do Sr. Ferreira de Mira.
Sr. Presidente: é quási certo que a discussão sôbre êste orçamento não termina hoje; e a propósito da discussão na especialidade, estando eu já de posse dos elementos que tinha, coligido acerca de cada um dos capítulos que V. Exa. foi
sucessivamente pondo em discussão, farei as considerações que entender.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Baltasar Teixeira: — Sr. Presidente: há tanto tempo já que se entrou na discussão do orçamento do Ministério da Instrução que me parece que a todos nós, Deputados, se impõe o dever de abreviarmos tanto quanto possível esta discussão para prosseguirmos noutros trabalhos.
A propósito do orçamento do Ministério da Instrução muitas considerações se podiam fazer e algumas já se fizeram. O Sr. Alberto Jordão, por exemplo, fez um verdadeiro concurso para Ministro.
O Sr. Ferreira de Mira: — E saiu aprovado!
O Orador: — O Sr. Ferreira de Mira também demonstrou mais uma vez a sua alta competência como pedagogo e como professor duma Universidade de Lisboa.
Eu vou limitar-me a tratar apenas de dois pontos de que julgo indispensável ocupar-me imediatamente. Refiro-me à situação das escolas primárias superiores e à situação criada por um recente decreto para alguns liceus da província.
Porque o tempo é dinheiro, vou ver se condenso o mais possível as minhas considerações.
Não ignora a Câmara que, pela lei n.° 1:344, de 26 de Agosto de 1922, foi o Govêrno autorizado a reorganizar os serviços públicos e a fazer a compressão dos quadros dos diferentes Ministérios e organismos deles dependentes. Os Governos que se têm sucedido têm feito a compressão dalguns dos quadros das escolas e doutros organismos do Estado; e em relação às escolas primárias superiores usou-se dessa atribuição para reduzir de doze para nove os professores, reduzindo também o pessoal menor.
O Parlamento no ano passado, por ocasião da discussão do orçamento do Ministério da Instrução, aprovou o projecto de lei da comissão do Orçamento, projecto que veio a converter-se na lei n.° 1:448, de 12 de Julho de 1923. Por essa lei foi sancionado o decreto de 17 de Novembro de 1922, isto é, o Parlamento entendeu
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que o Govêrno tinha usado bem da autorização concedida pela lei n.° 1:344, e sancionou o que o Govêrno fez sôbre o assunto.
O Govêrno não pode, portanto, usar mais da faculdade conferida pela lei n.° 1:344 em relação às escolas primárias superiores. É p artigo 27.° da Constituição que o diz. É insofismável esta prescrição constitucional, e assim o entendeu o Govêrno presidido pelo Sr. Ginestal Machado, que apresentou aqui uma proposta de lei no sentido da supressão pura e simples das escolas primárias superiores. Quere dizer, o Govêrno do Sr. Ginestal Machado entendeu que só por si não podia adoptar essa medida, e quis obter a sanção do Parlamento.
Seguiram-se outros Governos, e um Ministro houve que, pelo decreto n.° 9:354, de 7 de Janeiro de 1924, suprimiu as escolas primárias superiores.
Êsse Ministro, depois de ter suprimido as escolas primárias superiores, queria uma autorização para a reorganização das mesmas escolas, e, assim, mais tarde aparece no Diário do Govêrno um decreto reorganizando-as; não vale a pena analisar êsse decreto, porque êle é nulo e inconstitucional. Se assim não fôsse, era interessante preguntar a que tipo de escolas êle obedece.
O que é estranho é que, tendo precedentemente sido extintas as escolas primárias superiores, por êsse decreto sejam restabelecidas uma para cada distrito. <_ p='p' distrito='distrito' de='de' as='as' ou='ou' existem='existem' das='das' não='não' cabeças='cabeças' escolas='escolas'>
Há um decreto que diz que sim, e há outro que diz que não.
O Sr. Ferreira de Mira: - É na realidade?
O Orador: — Na realidade existem, e preciso é que continuem a existir. E se agora aproveito o ensejo para mandar para a Mesa uma proposta, é exactamente porque é necessário que o Parlamento se pronuncio desde já sôbre o assunto.
Parece que o que acabo do dizer, em poucas palavras, é bastante para justificar a minha proposta que visa a considerar nulos o decreto n.° 9:354, que suprimiu as escolas primárias superiores, e o decreto que restabeleceu algumas dessas
escolas, para que fiquem unicamente em vigor o decreto n.° 8:491 e a lei n.° 1:448, de 19 do Junho de 1923, pelos quais ficavam existindo todas as escolas primárias superiores com os seus quadros reduzidos.
Eu sei que as escolas primárias superiores têm muitos inimigos. Não tenho tempo para estar neste momento a fazer a defesa dessas escolas, mas devo dizer a V. Exas. que os argumentos que tenho visto apresentar contra as escolas primárias são de uma pobreza tam grande, que efectivamente causa lástima ver que pessoas de alta envergadura intelectual perfilham essas campanhas, certamente porque a elas não têm prestado a devida
As escolas primárias superiores têm a sua função que é reconhecida em todo o mundo, pois não há país civilizado onde elas u ao existam.
Diz se que elas são liceus reduzidos. Será verdade; mas isso só nos deve levar a fazer com que elas desempenhem a função que devem desempenhar.
Também os liceus existem há muitos anos, e, no entanto, só há pouco tempo êles começaram a ser alguma cousa que se veja.
As escolas primárias superiores foram criadas aproveitando-se em parte o professorado das escolas distritais sem que se lhes dêsse um inspectorado e sem que o pessoal docente tivesse programa convenientemente aprovado.
É tempo de se arrepiar caminho, e é fácil fazê-lo, desde que um ministro cuide atentamente dêsse problema.
Estou convencido de que o Sr. Abranches Ferrão, pessoa a cujas qualidades presto a minha homenagem, o fará se lhe derem tempo para isso.
O problema das escolas primárias superiores está resolvido em muitos países do mundo, e nós sem copiarmos servilmente o que lá se faz podemos adaptá-lo ao nosso meio.
Mas tratemos agora dos liceus.
Sr. Presidente: devo começar por declarar que já mais de uma vez, nesta Câmara, eu manifestei a opinião de que os liceus da província deviam ser todos nacionais, excepto os que ficassem junto das universidades, que deviam ter a categoria de centrais.
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Afirmei isto, muitas vezes, e até hoje não encontrei motivos para mudar de opinião.
Mas o que ultimamente se fez pelo decreto n.° 9:677, de 13 de Maio dêste ano, é que não tem defeza nenhuma.
Por êste decreto, uns liceus ficaram centrais, outros semi-centrais e outros nacionais.
Mas porque ficaram uns liceus centrais, outros semi-centrais e ainda outros nacionais?
O decreto não diz, mas, parece que o Sr. Ministro, se baseou em quatro argumentos: aumento da economia, o da freqüência, o da situação geográfica e o da falta de material didático e de gabinete.
Relativamente ao primeiro argumento, economia, devo lamentar que, quando se fazem reduções de despesa no Estado, elas começam sempre pelos estabelecimentos de ensino.
O Sr. Ferreira de Mira, na última sessão em que se tratou do orçamento do Ministério da Instrução pública, apontou-nos o verdadeiro quadro de miséria que vai pela faculdade de medicina.
O que se tem feito, chega a ser criminoso (apoiados). Por esta forma, o ensino superior não pode desempenhar a sua missão. (Apoiados). Ou se tem outro critério, ou melhor será fechar as universidades (Apoiados), e outros estabelecimentos de ensino (Apoiados).
Ou se ensina como deve ser, ou não se ensina nada (Apoiados}.
Êste estendal de miséria é uma vergonha, para todos nós (Apoiados).
Como se isto fôsse pouco, ainda por economia passaram alguns liceus de centrais a nacionais, e o critério, que a isso obedeceu foi o critério geográfico. Foi um critério dos mais infelizes, pois não se atendeu à freqüência.
Tenho pena de que não esteja presente o Sr. Ministro, e eu já há muito tempo tinha prevenido S. Exa. de que desejava fazer estas observações.
Leu.
Ora, S. Exa. parece que não sabe que quem tem de seguir um curso superior vai logo para a localidade onde pensa seguir êsse curso.
S. Exa. está enganado, julgando que os aludas, do Liceu de, Lamego passam para o de Viseu.
Com as de Portalegre e Beja sucede o mesmo.
Não há nada mais falso do que o critério adoptado.
Apoiados.
Um aluno do Liceu de Portalegre para ir estudar a Évora, tem que vir primeiro a Lisboa.
A maior parte dos liceus, excepção feita aos de Lisboa, Pôrto e Coimbra, que foram elevados a centrais, foram-no mediante o compromisso tomado pelos corpos administrativos de pagarem ao Estado o excesso de despesa que adviesse da elevação casses liceus a centrais.
O decreto a que me refiro traz um mapa, pelo qual se verifica que poucos foram os corpos administrativos que, cumprindo Q compromisso tomado, pagaram ao Estado êsse excesso de despesa.
O Estado, porém, nunca os obrigou a satisfazer o que, se havia estabelecido.
Todos sabem as dificuldades com que lutam os corpos administrativos; e, desde que viram que o Estado era o primeiro a esquecer-se do compromisso tomado, visto que nem um simples ofício se enviou lembrando-lhes a sua obrigação, é claro que êles nada pagaram.
O Estado está, no emtanto, ainda a tempo de tomar um procedimento decisivo, ou obrigando os corpos administrativos a entrar nos cofres públicos com aquilo que êles lhe devem, ou faz passar êsses liceus de centrais a nacionais.
Depois, não se compreende bem o critério seguido em relação a certos corpos administrativos, aos quais foi permitida a elevação a centrais dos respectivos liceus e a outros se negou essa faculdade.
Porque?! Não sei.
O outro argumento que serviu para a elaboração dêste infeliz decreto foi a falta de material didáctico e de gabinete.
Nota-se essa falta, mas não só faz no relatório que antecede o decreto a indicação de quais os liceus que têm bom material e de quais os que o não têm, naturalmente porque no Ministério da Instrução não há os elementos indispensáveis para o fazer.
Sr. Presidente: da rápida apreciação que fiz dêste decreto assalta-me imediatamente a impressão de que ele foi feito às cegas. É triste confessá-lo, mas é verdade,
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Dá-se o caso de ter sido apresentada nesta Câmara uma proposta sôbre a reorganização do ensino, proposta que está em estudo nas comissões, tendo já sido escolhidos os seus relatores.
É de crer que num futuro próximo, possivelmente na próxima sessão legislativa, êsse diploma seja discutido nesta Câmara.
Êste diploma — e não me cega a amizade pelo seu autor, parecendo-me que sou simplesmente eco do que em toda a parte em que as cousas de instrução são discutidas, se diz — é um documento que honra o seu autor e que honra o país.
Apoiados.
Poderá divergir-se num ou noutro ponto dele, mas na sua estrutura geral não pode deixar de ser adoptado.
Sr. Presidente: fala-se muito em que a indisciplina e a venalidade são grandes, etc.
Isto é mais ou menos verdadeiro, mas êsse fenómeno, que muita gente atribui a causas diversas, atribuo-o eu e mais pessoas a uma causa única: à falta de instrução.
Realmente, sem escolas devidamente organizadas, sem a educação devidamente organizada, nós devemos continuar a ter a indisciplina que temos tido até aqui e os jovens sindicalistas continuarão a fabricar bombas, só para terem o prazer de matar.
Ora êste problema é úrgico. E indispensável que êle seja resolvido dentro de pouco tempo; o então é que nós devemos considerar se os liceus, como é minha opinião, devem ser na sua quási totalidade nacionais e apenas centrais os que estiverem junto das universidades. Agora adoptar uma medida que vai perturbar por completo o ensino liceal por êsse país fora e vai causar prejuízos, irremediáveis para as terras em que êsses liceus têm sede acho que é uma péssima medida.
Apoiados.
Por conseqüência, mando para a Mesa um projecto de lei, pelo qual são anulados por ilegais os dois decretos relativos às escolas primárias superiores, e que foram promulgados depois da lei aqui aprovada, que tinha reduzido os quadros dessas mesmas escolas, e além disso é suspenso também o decreto que baixou a nacionais alguns liceus, até que o Congresso da República se pronuncie sôbre a proposta de lei que reorganiza o ensino em geral.
Para êste projecto de lei peço urgência e dispensa do Regimento.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É lido e admitido o projecto de lei enviado para a Mesa pelo Sr. Baltasar Teixeira.
Aprova-se a urgência e dispensa do Regimento requerida.
O Sr. Morais Carvalho: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
Procede-se à contraprova.
O Sr. Presidente: — Estão sentados 31 Srs. Deputados e de pé 12.
Não há número.
Vai fazer-se a chamada para a votação nominal.
Procede-se à chamada.
Disseram «aprovo» os Srs.:
Albano Augusto do Portugal Durão.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Pais da Silva Marques.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
Luís da Costa Amorim.
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Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Vergílio Saque.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Disseram «rejeito» os Srs.:
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António de Abranches Ferrão.
António Correia.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Ernesto Carneiro Franco.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Pedro Góis Pita.
Viriato Gomes da Fonseca.
O Sr. Presidente: — Disseram «aprovo» 33 Srs. Deputados e «rejeito» 13.
Não há número.
A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, com a seguinte ordem:
Antes da ordem do dia (sem prejuízo dos oradores que se inscrevam): Parecer n.° 724, crédito especial de 1:500:000$ a favor do Ministério das Colónias.
Parecer n.° 684 que estabelece a contagem de tempo aos juizes do ultramar e a que estava em tabela.
(Sem prejuízo dos oradores que se inscrevam):
A que estava marcada em tabela; e Parecer n.° 743, que estabelece a forma
de recrutamento dos amanuenses da Direcção Geral Militar do Ministério das Colónias.
Parecer n.° 468, que anula a parte do decreto de 31 de Maio de 1919 que substituiu a pena de demissão aplicada ao tenente Manuel Gonçalo Pimenta de Castro.
Ordem do dia:
A que estava marcada, menos o parecer n.° 649.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 20 minutos.
Documentos mandados para durante a sessão
Requerimento
Requeiro que entre em discussão, antes da ordem do dia, sem prejuízo dos oradores inscritos e dos pareceres em discussão, o parecer n.° 743.— Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Aprovado.
Alterações
Introduzidas pelo Senado à proposta de lei n.° 649, que autoriza o Govêrno a suspender a execução de qualquer diploma emanado do Poder Legislativo, de que resulte aumento de despesa.
Aprovados os artigos 1.° e 5.° e a rejeição do artigo 5.° da Câmara dos Deputados.
Receitado o artigo 4.°
Comunique-se ao Senado.
Parecer
Da comissão de finanças, sôbre o n.° 734-C, que altera a lei do inquilinato. Imprima-se com urgência.
O REDACTOR — João Saraiva.