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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.° 135

EM 31 DE JULHO DE 1924

Presidência do Exmo Sr. Alberto Ferreira Vidal

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
António Pinto de Meireles Barriga

Sumário.— Abre a sessão com a presença da 38 Srs. Deputados. Lê-se a acta, que adiante é aprovada com número regimental, e dá-se conta do expediente. São admitidas proposições de lei, já publicadas no «Diário do Governo».

Antes da ordem do dia.— O Sr. Tavares Ferreira apresenta uma proposta referente ao pagamento dos vencimentos aos professores primários.

O Sr. Tavares de Carvalho manda para a Mesa um requerimento, que é aprovado, e fala sôbre o jôgo de azar e carestia da vida.

Respondem os Srs. Presidente do Ministério (Rodrigues Gaspar) e Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia).

O Sr. Francisco Cruz censura as condições de construção de uma determinada estrada, respondendo o Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Cunha Leal trata da administração da provinda de Angola com respeito ao Sr. Norton de Matos e ao Sr. Almeida Santos. O chefe do Govêrno responde e o Sr. Cunha Leal replica.

Contra o requerimento do Sr. Tavares de Carvalho e sôbre «o modo de votar», manifestam-se Srs. Pedro Pita, Carvalho da Silva e Viriato da Fonseca.

Ordem do dia.— (Primeira parte).— Continua a discutir-se o parecer sôbre a alienação de navios do Estado.

O Sr. Pedro Pita, que ficara com a palavra reservada, ainda não conclui o seu discurso.

O Sr. Carlos de Vasconcelos requere que o respectivo parecer baixe às comissões.

O Sr. Correia Gomes requere que a comissão de finanças possa reunir no dia seguinte durante os trabalhos da sessão.

Trocam-se explicações entre o Sr. Presidente e os Srs. Carvalho da Silva e Correia Gomes, sendo aprovado o requerimento dêste Sr. Deputado, bem como um outro do Sr. Abílio Marçal, para que nas mesmas condições peita, reunir a comissão de colónias.

(Segunda parte).— Continua a discutir-se o projecto de uma nova lei de inquilinato.

O Sr. João Camoesas, que ficara com a palavra reservada, termina o seu discurso, seguindo-se o Sr. José Pedro Ferreira, que apresenta uma moção de ordem, que não chega a ser votada por falta de número.

Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão. Projecto de lei. Pareceres.

Abertura da sessão às 10 horas e 37 minutos.

Presentes 38 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 49 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Alberto Ferreira Vidal.

Alberto Lelo Portela.

Amadeu Leite de Vasconcelos.

Amaro Garcia Loureiro.

António Alberto Tôrres Garcia.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Ginestal Machado.

António País da Silva Marques.

António Pinto de Meireles Barriga.

Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

Augusto Pires do Vale.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Carlos Cândido Pereira.

Carlos Eugénio de Vasconcelos.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Ernesto Carneiro Franco.

Francisco Cruz.

Francisco Dinis de Carvalho.

Francisco Pinto da Cunha Leal.

Jaime Júlio de Sousa.

João José da Conceição Camoesas.

João Salema.

Joaquim Narciso da Silva Matos.

José Cortês dos Santos.

José Mendes Nunes Loureiro.

José Pedro Ferreira.

Júlio Gonçalves.

Lúcio de Campos Martins.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Luís da Costa Amorim.

Manuel Alegre.

Mário Moniz Pamplona Ramos.

Pedro Góis Pita.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.

Sebastião de Herédia.

Valentim Guerra.

Viriato Gomes da Fonseca.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abílio Correia da Silva Marçal.

Abílio Marques Mourão.

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Albano Augusto de Portugal Durão.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Alberto de Moura Pinto.

Alberto da Rocha Saraiva.

Albino Pinto da Fonseca.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Álvaro Xavier de Castro.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Abranches Ferrão.

António Albino Marques de Azevedo.

António Correia.

António Lino Neto.

António Maria da Silva.

António de Mendonça.

António de Paiva Gomes.

Armando Pereira de Castro Agatão Lança.

Artur de Morais Carvalho.

Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.

Bernardo Ferreira de Matos.

Constâncio de Oliveira.

Custódio Martins de Paiva.

Delfim Costa.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Hermano José de Medeiros.

Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

João Baptista da Silva.

João Estêvão Águas.

João José Luís Damas.

João Luís Ricardo.

João de Ornelas da Silva.

João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

João Vitorino Mealha.

Joaquim Dinis da Fonseca.

José António de Magalhães.

José Domingues dos Santos.

José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.

Lourenço Correia Gomes.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Manuel Ferreira da Rocha.

Manuel de Sousa Coutinho.

Ma tias Boleto Ferreira de Mira.

Vergílio Saque.

Vitorino Henriques Godinho.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Adolfo Augusto, de Oliveira Coutinho.

Afonso Augusto da Costa.

Aires de Ornelas e Vasconcelos.

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto Xavier.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Américo da Silva Castro.

António Dias.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António Resende.

António de Sousa Maia.

António Vicente Ferreira.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Artur Brandão.

Augusto Pereira Nobre.

Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Custódio Maldonado de Freitas.

David Augusto Rodrigues.

Delfim de Araújo Moreira Lopes.

Domingos Leite Pereira.

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Eugénio Rodrigues Aresta.

Fausto Cardoso de Figueiredo.

Feliz de Morais Barreira.

Fernando Augusto Freiria.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Francisco da Cunha Rêgo Chaves.

Francisco Manuel Homem Cristo.

Germano José de Amorim.

Jaime Duarte Silva.

Jaime Pires Cansado.

João Cardoso Moniz Bacelar.

João Pereira Bastos.

João Pina de Morais Júnior.

João de Sousa Uva.

Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.

Joaquim Brandão.

Joaquim José de Oliveira.

Joaquim Ribeiro de Carvalho.

Joaquim Serafim de Barros.

Jorge Barros Capinha.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José Carvalho dos Santos.

José Joaquim Gomes de Vilhena.

José Marques Loureiro.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.

José de Oliveira da Costa Gonçalves.

José de Oliveira Salvador.

José de Vasconcelos de Sousa Nápoles.

João Henrique do Abreu.

Juvenal Henrique de Araújo.

Leonardo José Coimbra.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel Duarte.

Manuel de Sousa da Câmara.

Manuel de Sousa Dias Júnior.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Mariano Martins.

Mariano Rocha Felgueiras.

Mário de Magalhães Infante.

Maximino de Matos.

Nuno Simões.

Paulo Cancela de Abreu.

Paulo da Costa Menano.

Paulo Limpo de Lacerda.

Pedro Augusto Pereira de Castro.

Rodrigo José Rodrigues.

Teófilo Maciel Pais Carneiro.

Tomás de Sousa Rosa.

Tomé José de Barros Queiroz.

Vasco Borges.

Ventura Malheiro Reimão.

Vergílio da Conceição Costa.

O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 15 minutos. Procedeu se à chamada.

O Sr. Presidente: — Estão presentes 38 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 38 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Representações

Da Junta Geral do distrito de Aveiro, pedindo a aprovação duma lei que eleve as actuais percentagens estabelecidas na alínea c) do artigo 1.° da lei n.° 1:453.

Para a comissão de administração pública.

Da Câmara Municipal de Proença-a-Nova, pedindo um diploma pelo qual as câmaras municipais possam exigir das emprêsas mineiras o pagamento do imposto ad valorem, pelos minerais e derivados exportados.

Para a Secretaria.

Da Associação Lisbonense de Proprietários, contra certas disposições da lei do inquilinato.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Da Associação Comercial de Santarém, pedindo que seja restabelecida a antiga tributação, acabando com a variedade de impostos.

Para a comissão de finanças,

Ofícios

Do Ministério das Finanças, para que seja inserida no Orçamento para 1924-1925 a importância de 260.000$, destinada à Junta de Crédito Público para os trabalhos de criação, emissão e entrega de títulos definitivos do fundo de 6 ½ por cento de 1923 (ouro).

Para a comissão do Orçamento.

Do mesmo Ministério, satisfazendo ao requerido pelo Sr. Daniel Rodrigues e comunicado em ofício n.° 440.

Para a Secretaria.

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4 Diário da Câmara dos Deputados

Do Ministério das Colónias, respondendo ao ofício n.° 455, sôbre o requerimento do Sr. Viriato Gomes da Fonseca.

Para a Secretaria.

Do Centro. Socialista de Ermezinde, contra a exigência da apresentação da cédula pessoal para realização de vários actos civis.

Para a Secretaria.

Telegramas

Da Câmara Municipal de Estremoz, pedindo a aprovação do projecto de lei que lhe cede certos terrenos.

Para a Secretaria.

Da comissão venatória de Faro, pedindo a aprovação do projecto de lei sôbre caça.

Para a Secretaria.

São admitidas as seguintes proposições de lei, já publicadas no «Diário do Govêrno»:

Proposta do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros aprovando, para serem ratificados, os protocolos que respeitam às convenções relativas a conflitos de lei em matéria de casamentos, divórcios e tutela de menores e às convenções sôbre direitos e deveres dos cônjuges e sôbre interdição e análogas providências de protecção.

Para a comissão dê negócios estrangeiros.

Idem, dos Srs. Ministros da Guerra, Marinha e Colónias, reconhecendo o direito a reparações aos cidadãos portugueses que se invalidaram na defesa da Pátria.

Para a comissão de guerra.

Idem, dos Srs. Ministros do Comércio e Finanças, autorizando a Administração Geral dos Caminhos de Ferro do Estado a nomear para outros serviços os empregados que, tendo bom comportamento e informações, foram inutilizados em serviço.

Para a comissão de caminhos de ferro.

Projecto de lei do Sr. Sebastião de Herédia, aplicando à importação das bebidas alcoólicas e licorosas no distrito do Funchal e despachadas pela alfândega desta cidade, os mesmos encargos tributários que oneram os artigos similares despachados nas alfândegas do continente.

Para a comissão de agricultura.

Idem, do mesmo Sr. Deputado, aplicando no imposto ad valorem que reverte a favor das câmaras municipais do Funchal as disposições que regulam a cobrança e arrecadação do referido imposto no arquipélago dos Açores.

Para a comissão de administração pública.

Antes da ordem do dia

O Sr. Tavares Ferreira: — Tenho recebido várias reclamações dos professores primários para lhes serem pagos os vencimentos do ano económico de 1922-1923. Como o orçamento do Ministério da Instrução foi retirado da discussão, eu vi-me na necessidade de apresentar um reforço de verba, que mando para a Mesa, pedindo a V. Exa. que no momento oportuno o ponha à discussão, com dispensa de todas as formalidades regimentais.

O orador não reviu.

O Sr. Tavares de Carvalho: — Mando para a Mesa o seguinte requerimento:

Requeiro para que seja incluído no período de «antes da ordem do dia», com prejuízo dos oradores que se inscrevam, o parecer n.° 697, que garante a admissão dos filhos dos bombeiros falecidos no Instituto Feminino de Educação e Trabalho e Pupilos do Exército.

Sr. Presidente: desejo chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério, a fim de S. Exa. me dizer se tenciona fechar as casas de jôgo.

Joga-se em todo o País, principalmente em Lisboa e em Espinho.

Na linha de Cascais, e em todas as povoações que serve, se joga. E de porta aberta e francamente!

Chamo também a atenção do Sr. Ministro da Agricultura, e como é a primeira vez. que me dirijo a S. Exa., faço-

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-lhe os meus cumprimentos, aguardando com ansiedade os trabalhos de S. Exa. quanto à forma de modificar a carestia da vida, que cada vez aumenta por uma forma assustadora, que S. Exa. certamente conhece muito bem.

Espero que S. Exa. com a sua energia de rapaz, com inteligência e conhecimentos, proceda por forma a modificar êste estado lastimoso de cousas, metendo na ordem todos aqueles que nos roubam e envenenam.

O Sr. Presidente do Ministério (Rodrigues Gaspar): — Respondendo a V. Exa., direi que hei-de reprimir o jôgo, bem como tudo que esteja fora da lei.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia): — Cumpre-me, primeiro que tudo, agradecer as homenagens recebidas de todos os lados da Câmara, não por vaidade, e acrescentando que espero cumprir o que prometi.

Obrigado a todos.

Com respeito às considerações do Sr. Tavares de Carvalho, tenho a dizer a S. Exa. que o problema é muito complexo, e não se pode resolver com decretos.

Apoiados.

Estamos em face dum problema económico que é muito difícil, pois não se resolve com essa pressa que S. Exa. quere.

O Sr. Tavares de Carvalho:- Eu não pedi pressa a V. Exa.

O Orador: — O que prometo a V. Exa. é que cumprirei o que prometi.

O orador não reviu.

O Sr. Francisco Cruz: — Chamo a atenção do Sr. Presidente do Ministério, a fim de transmitir ao Sr. Ministro do Comércio as minhas considerações acerca do estado miserável em que se encontram as estradas.

Há uma estrada que está estudada e que há-de ligar a Malveira à Lousa.

Ora, todas as estradas devem ligar o mais directamente possível pelos ramais os pontos mais afastados com os centros importantes.

Há muito tempo que está estudada, pelo caminho mais curto, a estrada de Malveira à Lousa, havendo já sido construído am lanço. Nestas condições, era natural que se continuasse a construção da estrada que serve os respectivos concelhos.

Porém, por política, vai proceder-se à construção de novas estradas, desprezando os estudos já feitos por técnicos, gastando-se nas novas estradas cêrca de 800.000$. Note-se que para a estrada seguir o traçado que, por efeito duma reles politiquice, por um capricho, se quere projectar, é necessário fazer obras de arte, o que não acontecia se a estrada seguisse por pontos mais curtos.

Os povos repudiam a forma como se quere fazer construir essa estrada, pondo de parte os interêsses daqueles concelhos, gastando-se mais dinheiro, e isto simplesmente por capricho de caciques que obtiveram o despacho do Sr. Ministro neste sentido.

Chamo a atenção do Sr. Presidente do Ministério para que transmita a minha reclamação ao seu colega do Comércio. Espero que o Sr. Presidente do Ministério não consinta que dentro do seu Govêrno se cometam desperdícios e actos de má administração. Confio esta causa a S. Exa.

Espero que S. Exa. dará satisfação aos povos daqueles concelhos, fazendo inteira justiça, não deixando que se pratiquem actos de imoralidade.

Na primeira oportunidade chamarei a atenção do Sr. Ministro do Comércio para êste assunto, e S. Exa. honrará a República, atendendo a reclamação que acabo de formular.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Rodrigues Gaspar): — Ouvi com toda a atenção o Sr. Francisco Cruz, e vou recomendar o assunto ao Sr. Ministro do Comércio, convencido de que S. Exa. há de procurar resolvê-lo em harmonia com os interêsses gerais, pondo de parte quaisquer ambições de carácter pessoal.

As estradas são factores de utilidade geral, que muito importam à economia do País.

O Sr. Ministro do Comércio há de solucionar esta questão, como convém aos

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superiores interêsses das instituições republicanas.

Ô orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal: — Variadíssimas vezes, nesta Câmara dos Deputados, nos temos revoltado contra o que chamamos os excessos dê linguagem dos Deputados de todos os matizes.

Quando às vezes se fala aqui em venalidades, em administração ruinosa e criminosa, quando se fala nos Poderes Públicos, como sendo encobridores de criminosos, os protestos dos Deputados são exaltados, e temos a impressão que de facto alguma cousa de anormal sé passou na administração pública, e que são sinceros os protestos para se entrar no bom caminho, pelo que só temos que nos honrar, pois queremos conhecer os factos para o efeito de se entrar francamente no caminho da administração severa dos dinheiros do Estado.

Ora eu tenho a impressão de que nunca o compadrio foi tam grande, de que nunca à corrupção foi iam profunda como agora, e tenho mais a impressão de que os representantes do Estado não querem a ordem, não querem a disciplina dentro da sociedade portuguesa; não querem, em suma, a severa administração dos dinheiros públicos.

Vozes: — Não apoiado!

O Orador: — Fui das pessoas que nesta Câmara trataram da administração da província de Angola, e trouxeram ao conhecimento do público vários factos pouco próprios de honrar essa administração.

Tive o desgosto do constatar que a Câmara dos Deputados havia pôsto a coberto, com um direito que imo a honrava, a administração do Sr. Norton de Matos, mas nunca tive dúvida da ruindade dessa administração e da sua cobertura, pois eu sabia muito bem que o Sr. Norton de Matos tinha gasto tanto, tinha comprado tanto, tinha, corrompido tanto na província de Angola, que não havia maneira de acabar com os admiradores que S. Exa. linha conquistado com a sua corrupção. Mas eu compreendia também que se tinha gasto tanto na compra dos seus admiradores, a tanto por cabeça, que, afinal, não havia dinheiro que chegasse para continuar a comprar.

Sabia perfeitamente que o Sr. Norton de Matos seria contra aqueles que fossem contrários à sua administração, e constatei que corria de boca em boca que uma pessoa proclamava que o Sr. Norton de Matos levara Angola à ruína, e, que essa pessoa era o actual Sr. Presidente do Ministério.

Em todo o caso, o Sr. Alfredo Rodrigues Gaspar entendeu por bem não dar razão ao boato que corria.

O Sr. Norton de Matos tinha praticado em Angola factos graves, cousas que deshonravam uma administração pública. Mas não obstante, a maioria conservava se cega aos meus ataques, conservava-se surda perante as minhas acusações, cobrindo o Sr. Norton de Matos, legando-se a êle, como um homem vivo se pode ligar a um cadáver.

E o Sr. Norton de Matos, obtida uma estrondosa vitória dentro do Parlamento, continuou a administrar.

Aqui do Lisboa administrou Angola; daqui mudou as suas directivas para Angola e depois para Londres, com o intuito evidente de voltar a administrar Angola.

Houve apenas um português que garantiu que o Sr. Norton de Matos não voltaria a administrar Angola. Êsse português fui eu, que conhecia tam bem como o Sr. Rodrigues Gaspar a administração daquela província.

S. Exa. vai para Londres; procura dinheiro, procura resolver a situação com os empreiteiros, manda telegramas para lá a dizer que voltará a administrar a província, e a êsse respeito vem hoje na Época um telegrama do Alto Comissário, com a data de 24 de Abril dêste ano.

A certa altura o Sr. Norton de Matos resolveu fazer o escândalo do novo empréstimo com, a Companhia dos Diamantes, caso êste que o Govêrno anda estudando, e sôbre o qual eu espero ainda ser esclarecido durante esta sessão legislativa.

Ora, sendo o empréstimo contraído em condições que não honram de modo algum a nossa província de Angola, S. Exa. reconhecia que êle não podia continuar a viver ali.

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O certo é que o Sr. Norton de Matos, não se sentindo já bem em Angola, pediu o lugar de embaixador em Londres, e o Govêrno concedeu-lhe êsse cargo. Houve várias pessoas que se revoltaram contra semelhante facto.

Esta questão teve um aspecto público e um aspecto particular.

O aspecto particular é aquele que respeita ao barulho havido nos grupos políticos, sobretudo no Democrático, acerca dessa nomeação. Consta que as pessoas que mais se revoltaram contra êsse facto, classificando-o de ignominioso, foram os Srs. Rodrigues Gaspar e Vitorino Godinho, actual Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Rodrigues Gaspar disse aí à boca fechada, e certamente o Sr. Domingos Pereira o não oculta, que o Sr. Norton de Matos queria levar Angola à ruína. S. Exa., contudo, apresenta aqui a opinião, que a pouco e pouco se vai transformando, até se fixar no conceito de que o Sr. Norton de Matos era tam bom governador como certamente vai ser um bom embaixador.

É preciso dizer que a reviravolta que no Sr. Rodrigues Gaspar se operou me causou profunda surpresa. E vem a propósito contar que um íntimo amigo meu, o Sr. Vergílio Costa, falando com um dos mais categorizados Deputados da maioria, que teve já convite para ocupar elevadas posições na nossa administração colonial, ouviu dêsse Deputado que o Sr. Rodrigues Gaspar tinha remorsos, de não ter exercido contra o Sr. Norton de Matos, quando esteve na pasta das Colónias, aquela acção que podia ter exercido, o que não fez, dadas as circunstâncias que revestia o exercício da função do Sr. Norton de Matos. Quere dizer, S. Exa. reconhecia que a acção do Sr. Norton de Matos era perigosa para os interêsses públicos, mas não teve a coragem de proceder, porque o Sr. Norton de Matos exercia adentro do Parlamento e da República uma posição quási que intangível.

Era a explicação que se dava, pelo menos, para as palavras tam violentas do Sr. Rodrigues Gaspar, e para as suas reticências não monos violentas, porque nos recordamos que quando S. Exa. falou, mais do que as suas palavras falaram as suas reticências.

Cai o Govêrno do Sr. Álvaro de Castro; sobe o Govêrno do Sr. Rodrigues Gaspar, e, ao que me consta, ainda não estava marcado o dia para o Sr. Norton de Matos apresentar as suas credenciais. Mais me consta ainda que os Governos Português e Inglês tinham acordado em se fazer a apresentação das credenciais no mesmo dia. O Rei de Inglaterra não podia receber o Sr. Norton de Matos senão no dia 11 ou 12.

O Govêrno anterior, contudo, deixou o encargo de fixar êsse dia ao Govêrno posterior, presidido pelo Sr. Rodrigues Gaspar, o que prova que êste podia muito bem ter deixado do marcar êsse dia.

Seguiu-se a apresentação do Govêrno do Sr. Rodrigues Gaspar nesta Câmara, e nós, como oposição, não quisemos desde logo fazer sentir ao Sr. Rodrigues Gaspar o que podia haver de irregular no seu procedimento, que, na verdade, não é muito próprio, procedimento que não dignifica nada a República.

O Sr. Rodrigues Gaspar, no emtanto, apresentava-se no Govêrno como sendo um homem muito diferente do que fora na oposição, com respeito ao Sr. Norton de Matos, embaixador.

Se bem que nós tivéssemos lavrado o nosso protesto, em obediência aos interêsses da Pátria e da República, a administração da província de Angola vai estoirando por todos os lados, estoirando por todas as costuras.

Têm-se dado várias complicações financeiras, estoirando a administração por todos os lados, não havendo dinheiro para liquidação de certos contratos feitos pelo Sr. Sousa Machado, pois a verdade é que os créditos que havia tinham pouca garantia, pelo motivo das pessoas que tinham sido credoras por êsses créditos.

O que é um facto é que, a certa altura, e já de Londres, o Sr. Norton do Matos enviou um telegrama para Angola, dizendo que era preciso absolutamente levar a firma Sousa Machado & C.a a fazer essas liquidações, sob pena de lhe serem penhorados todos os bens.

Porém a firma Sousa Machado & C.a respondeu dizendo que, se tal ordem não fôsse derrogada, só veria na necessidade de publicar toda a correspondência trocada entre a firma e o Alto Comissário Norton de Matos,

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A ordem veio de facto, tendo-se dado à firma Sousa Machado & C.a o prazo de um ano para fazer essas liquidações.

Como estas, há muitas outras irregularidades, que hão-de ficar na história da administração da província de Angola.

Querem V. Exas. saber quem é que representava em Angola o Sr. Norton de Matos para êste efeito?

Era o Sr. Almeida Santos, amigo muito querido do Sr. Norton de Matos, que o tem acompanhado desde os tempos da preparação da guerra; porém, se bem que dissesse que desejaria muito, quando voltasse, não ver um único papel fora do seu lugar, o que é facto é que a província está sem dinheiro, queixando-se os funcionários de não receberem os seus ordenados.

Sr. Presidente: a primeira pessoa que foi convidada pelo Govêrno para Alto Comissário, foi o Sr. Paiva Gomes, Deputado da Nação.

Eu quero daqui afirmar, se bem que esteja de relações cortadas com o Sr. Paiva Gomos, que me alegrou a notícia, pois a verdade á que S. Exa. não é nem tranpolineiro, nem ladrão: é uma pessoa inteligente, que podia muito bem fazer uma boa administração.

Mas o Sr. Paiva Gomos não aceitou, é a certa altura os jornais disseram que seria nomeado governador geral o Sr. Almeida Santos, o homem que tinha sido o braço direito do Sr. Norton de Matos, e que podia ser seu encobridor.

Eu entendi dever prevenir o Govêrno que o Sr. Almeida Santos era na administração de Angola o criado servil do Sr. Norton de Matos e que não seria honesto nomear o Sr. Almeida Santos para regular as contas do Sr. Norton de Matos, porque seria um encobridor dos seus desmandos.

Sr. Presidente: não mo posso associar a actos dêstes, praticados pela República, nomeando governador uma pessoa que pode ser indicada como sendo um réu.

Declaro que não quero ser outra cousa senão republicano, mas não deixarei de lutar até à última para patentear os desmandos do Sr. Norton de Matos.

Quis ontem ocupar-me, em negócio urgente, desta questão, mas não me foi consentido, e falei hoje; mas ontem teria apresentado uma moção, se a palavra, nos referidos termos, me tivesse sido concedida.

Mas hoje não vale a pena apresentar a moção, e só quero afirmar mais uma vez que, como leader do Partido Nacionalista, preveni o Sr. Rodrigues Gaspar que considerava o Sr. Almeida Santos como encobridor das irregularidades do Sr. Norton de Matos, e que nestas condições o Partido Nacionalista, para honra da República, não podia fazer outra cousa, senão impedir a vida normal do Govêrno presidido pelo Sr. Rodrigues Gaspar.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Rodrigues Gaspar): — Sr. Presidente: compreendo muito bem que a oposição discuta os actos do Govêrno, e qual a sua orientação política, mas não compreendo que essa oposição proceda precisamente nos termos em que o Sr. Cunha Leal tratou a questão.

Eu gosto que as questões sejam tratadas de uma maneira clara, sem a mais pequena confusão, e por isso vou recontar o que se passou, para que de uma vez para sempre fique bem esclarecida a minha situação, relativamente ao assunta do que S. Exa. se ocupou.

Devo desde já declarar que nunca foi meu sistema tratar quaisquer questões quer nas antecâmaras, quer pelos corredores.

Só trato de questões importantes, como estas, onde elas devem ser tratadas.

Durante o tempo que estive no Ministério das Colónias nunca cheguei à conclusão que o Alto Comissário de Angola estava a fazer uma obra de ruína, porque então teria tomado as necessárias providências para evitar tal cousa.

Nunca o disse no Parlamento, nem o disse nos seus corredores e, por conseqüência, o Sr. Cunha Leal está mal informado a êsse respeito.

Sr. Presidente: tendo eu condenado no Senado as condições em que foram criados os Altos Comissários, e não me arrependo dessa atitude, quando fui Ministro das Colónias, não quis, no emtanto, de maneira alguma praticar qualquer acto que pudesse prejudicar a sua acção, para que não se concluísse que eu só que-

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ria proceder de modo a provar-se que eu tivera razão.

Quando se trata de altos interêsses do País, ponho a minha individualidade fora dá discussão.

Todos sabem que eu reconhecia o Sr. Norton de Matos como um grande colonial, por ser um homem conhecedor das colónias e pela sua inteligência e acção.

Todos diziam que Angola ia passando por uma grande transformação, e que o Sr. Norton de Matos estava concorrendo para o seu desenvolvimento.

Quando se levantou nesta Câmara a questão entre os Sr s. Cunha Leal e Norton de Matos, eu nem sequer entrei nessa discussão.

Mas vi que às acusações feitas pelo ilustre leader do Partido Nacionalista tinha havido uma resposta concludente da parte do Sr. Norton de Matos. Não sei que houvesse vontade da parte de ninguém em encobrir quaisquer faltas.

O que eu senti foi que todos concordavam em que era indispensável que o homem que iniciara, sob o regime dos Altos Comissários, uma administração em Angola sob o ponto de vista do desenvolvimento da província, continuasse nesse mesmo esfôrço, de maneira que não se pudesse acusar quem o substituísse de não ter pôsto em execução um vasto plano de ressurgimento daquela província.

Todos concluíam por não se dever negar ao Sr. Norton de Matos a possibilidade de concluir a sua obra; e S. Exa. mesmo dissera que necessitava de estar na província de Angola seis a sete anos, para ver coroado de bom êxito todo o seu plano de administração.

Dá-se, porém, o caso de ser exonerado o Alto Comissário de Angola, e eu, então, que entendia que quem se havia metido em tam vasta obra deveria levar a sua missão até ao fim, não para ruína de Angola, mas para salvação, precisamente, de Angola, ao ver que se tinha dado a exoneração ao Alto Comissário para ir desempenhar outra missão — a de embaixador em Londres — levantei essa questão, aqui, nesta Câmara.

Porque é que o fiz?

Eu bem procurei fazer-me entender.

Condenava o acto de se ter desviado duma missão importante um homem que tinha grandes responsabilidades na administração de Angola.

Se eu me calasse sôbre tal caso, quando amanhã, em condições idênticas, eu tivesse, porventura, de atacar qualquer outra individualidade que não fôsse do Partido Democrático, alguém poderia dizer que eu não tinha autoridade para o fazer, visto que me calara relativamente a um correligionário meu.

O Sr. Cunha Leal: — E não a tem, porque o conserva embaixador em Londres.

O Orador: — Precisamente porque eu estou na República para defender princípios e nada mais, quero manter-me dentro deles, tomando as atitudes que a minha consciência me indique como melhores, sem me importar de ser agradável ou desagradável a quem quere que seja.

Por isso mesmo, repito, quis pôr em foco aquilo que eu entendi ser um êrro. Eu não estava na oposição; eu estava no Partido que dava apoio ao Govêrno.

Não há aqui contradição entre um homem que estava na oposição e hoje está no Govêrno.

É um homem que estava na maioria e hoje está no Govêrno.

Expliquei qual era a minha intenção. Critiquei o acto da saída do Sr. Norton de Matos de Angola, por isso que eu previa que grandes dificuldades haviam de surgir para que outro Alto Comissário fôsse continuar essa administração.

A resposta que me foi dada pelo Sr. Presidente do Ministério, de então, foi que o Sr. Norton de Matos não voltaria para Angola, visto a sua saúde não lho permitir, e que tinha sido nomeado embaixador em Londres.

Eu não critiquei essa nomeação. O que eu critiquei foi a saída do Sr. Norton de Matos de Angola.

Claramente disse que não possuía elementos para afirmar que o Sr. Norton de Matos não devia ir para Londres.

O que disse foi que ele não devia sair de Angola.

Esta é que é a verdade.

Agora estou no Govêrno.

Se eu tivesse encontrado pendente a exoneração do Sr. Norton de Matos, e o exonerasse, então, sim, teria havido con-

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tradicção entre o que eu afirmara e o acto que praticava.

Mas isso não faria eu.

Todos por certo me fazem a justiça de acreditar que eu não faria semelhante cousa.

Quando cheguei ao Govêrno, já encontrei q Sr. Norton de Matos exonerado ,do seu lugar de Alto Comissário e colocado na Embaixada em Londres.

Que elementos tenho eu agora para dizer que se vai anular essa nomeação?

Mesmo que se anulasse a nomeação, eu não podia obrigar o Sr. Norton de Matos a voltar para Angola.

Nesse caso só praticaria um acto que se poderia atribuir a vingança.

O ilustre leader do Partido Nacionalista falou também na maleabilidade que eu pudesse ter neste ou noutro assunto.

É a primeira vez que eu sou acusado como maleável; em geral, ao que me consta, sou considerado como muito rijo, de maneira que não me desagrada a classificação.

Devo, porém, dizer que não tenho pie ser maleável numa questão destas.

Também S. Exa. se referiu a um facto que eu devo explicar, com toda a franqueza, como se passou.

A administração de Angola estava como que paralisada; desde que dali saiu o Alto Comissário.

Quem ficou à frente daquela administração, na sua qualidade de Presidente do Conselho Legislativo da Colónia, foi o Sr. Almeida Santos, que pediu a sua exoneração.

Então, o Sr. Ministro das Colónias nomeou um governador de distrito para ocupar a posição do Sr. Almeida Santos.

Pediu também a sua exoneração.

Tornava-se pois necessário que alguém se ocupasse dessa administração.

Não era fácil mandar imediatamente um Alto Comissário.

O Sr. Ministro das Colónias, em presença de tal conjuntura, entendeu que era preciso nomear alguém que estivesse na colónia, e que essa pessoa deveria ser a que tivesse maior categoria.

O Sr. Cunha Leal falou-me sôbre o Sr. Almeida Santos, dizendo que êsse senhor, uma vez nomeado, poderia ser considerado como encobridor de actos da administração do Sr. Norton de Matos.

Eu declarei a S. Exa. que não via razão alguma para supor tal, pois não compreendia como se pudessem encobrir actos de administração.

A aceitar como legítima essa suposição, então não haveria maneira de encontrar na colónia alguém que pudesse interina: mente desempenhar o cargo de governador.

Todas as pessoas com categoria para o cargo foram mais ou menos nomeadas pelo Sr. Norton de Matos e, portanto, a dúvida subsistiria em todos os casos, e ficaria portanto o problema sem solução.

A nomeação do Sr. Almeida Bastos não foi qualquer cousa que significasse agravo ao leader do Partido Nacionalista.

Eu bem sei que o Sr. Cunha Leal está animado da melhor vontade para que a República não seja acusada de faltas na administração pública.

Eu sei isso, mas devo dizer que a paixão política nos pode, por vezes, levar a proferir frases que podem ser exploradas per elementos, que andam sempre como que a procurar motivos de escândalo.

Chamo a atenção de S. Exa. para isso.

Papa isto eu chamo, repito, a atenção do leader nacionalista, e dir-lhe hei que é muito injusto.

Nós devemos procurar por todas as formas cobrir a República de todos os ataques que lhe são dirigidos na ânsia de a derrubar.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Presidente: — O Sr. Cunha Leal pediu a palavra para explicações.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Cunha Leal: — Ouvi com a atenção, como me cumpria, a resposta do Sr. Rodrigues Gaspar Presidente do Ministério.

Se essa resposta não me satisfez, teve o condão de jungir S. Exa. à responsabilidade dos actos do Alto Comissário.

O que se provou, foi que o Sr. Norton de Matos estava prestando um mau ser-

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viço do País, 0 nestas Condições não devia o Sr. Rodrigues Gaspar concordai com ã nomeação do ar. Norton de Matos para embaixador em Londres.

Assim, V. Exa. têm que ficar jungidos com êle:

Assim é que está certo;

V. Exas. hão-de ficar amarrados aos escândalos que se praticam em Angola.

Agora foi o Sr. Norton de Matos para embaixador em Londres, e foi para baixo comissário em Angola o Sr. Almeida Santos.

Já me foi dito que escrevesse eu um novo livro, como o Calígula em Angola, com o título de César em Londres.

Eu hei-de trazer de Angola, nem que seja pela gola do casaco, o baixo comissário que se nomeou.

Nós não queremos ninguém da nossa parte para aquele lugar. Não queremos ir nem para Alto nem para Baixo Comissário. Não solicitamos a V. Exa. a nomeação para quem quer que seja; mas queremos salvar a nossa responsabilidade nos desmandos de Angola, e não queremos ser encobridores, porque nos repugna êsse papel.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do interior (Rodrigues Gaspar): — Nem ninguém.

O Orador: — Não queremos ser encobridores, neste momento, mas como as palavras têm uma significação, e se invocam especialìssimamente nesta ocasião, devo dizer que elas traduzem, hão á opinião do Deputado Cunha Leal, mas a opinião do Partido Nacionalista.

Apoiados.

Êle entendeu que, pela minha boca, era preciso revelar o que se passou na província de Angola, na sua administração. Referir os favoritismos, os desperdícios, como a compra de automóveis luxuosíssimos que foram encomendados no estrangeiro e estão chegando lá. Êstes factos e outros.

Tome V. Exa. a iniciativa de mandar fazer, por quem quer que seja, um inquérito, e suspenda o baixo Comissário.

Faço isto, e eu peço depois a intervenção do Parlamento, porquê fatalmente a questão tem de sei tratada no Parlamento.

Não queremos que sejam entregues as arcas da província a quem não lhe compita, porque elas são de nós todos.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Rodrigues Gaspar): — Sr. Presidente: eu disso, em «àparte», ao Sr. Cunha Leal, ilustre leader do Partido Nacionalista, quando S. Exa. disse «fixemos posições», acusando-me de eu e a maioria estarmos intimamente ligados aos erros da administração de Angola, eu disse que para fixar uma posição são necessárias, pelo menos, duas,coordenadas: uma era dada por S. Exa., outra era a que eu devia dar, não concordando absolutamente nada com a que S. Exa. dava.

Quando eu queria que o Sr. Norton de Matos continuasse à frente de Angola, não queria especificar que a administração era modelar. Simplesmente queria significar que estava o seu plano ainda em começo;

O Sr. Cunha Leal: — Seis anos era o preciso para dar cabo da província.

O Orador: — O Alto Comissário dizia que só em seis ou sete anos se poderiam ver os frutos da sua obra.

Sejamos justos. Qual seria o homem que numa administração tam importante, como é a da província de Angola, não tivesse acusações e defesas?

Isso sucede a todos nós.

Muitas vezes somos acusados de cousas que nunca pensamos fazer.

O que se compreende é que não havia graves erros, porque os factos apontados por S. Exa. agora não o foram nessa ocasião. São factos posteriores. Não tínhamos, pois, uma base para dizer que não continuasse a obra iniciada em Angola, quando toda aquela província, pelo menos nessa ocasião, apoiava a obra que estava fazendo o Sr. Norton de Matos.

O Sr. Cunha Leal: — V. Exa. faz-me a fineza de me permitir uma interrupção?

Num jornal em que colaborava o próprio Sr. Norton de Matos se escreveu o que vou ler.

Leu.

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O Orador: — Mas houve algum facto em que se provasse qualquer acusação concreta, que impedisse que êsse homem fosse nomeado, pelo Ministro das Colónias, governador interino da província de Angola?

É caso para averiguar.

O Partido Nacionalista, diz S. Exa., não tem responsabilidades. Mas ninguém está a pedir responsabilidade ao Partido Nacionalista.

O Sr. Cunha Leal: - Nem as queremos ter.

O Orador: — O Govêrno tem tratado de averiguar todos os erros da administração de Angola. Acho bem que o Partido Nacionalista não queira responsabilidades; mas não se pode dizer que o Govêrno não trata de averiguar êsses erros. Havemos de tornar claras todas as cousas da administração republicana.

Mas nesta ocasião reúne a comissão internacional de Londres, de que faz parte o nosso embaixador, e é bom que se reflita nas conseqüências que podem ter estas discussões.

O Sr. Cunha Leal: — Eu refleti tanto quanto V. Exa. refletiu quando pronunciou, as palavras sendo Ministro o Sr. Domingos Pereira.

Lembrou-se - V. Exa. desta circunstância que nos aponta?

O Orador: — Eu então estava a condenar a saída de Angola do Sr. Norton-, de Matos.

Era uma cousa completamente diferente.

Não tinha sequer sido nomeado nessa ocasião.

O Sr. Cunha Leal: — Não foi isso que se compreendeu em Londres.

O Orador: — Sr. Presidente: neste instante, trata-se da substituição do Sr. Almeida, Santos.

Apresente-me V. Exa. acusações concretas de faltas cometidas pelo Sr. Almeida Santos na administração de Angola, que êsse homem será imediatamente demitido, e eu direi que V. Exa. tem razão nos factos que aponta.

Mas não basta dizer que há suspeitas de que êle encobriu faltas.

Creio ter respondido duma maneira clara ao ilustre leader nacionalista.

O Sr. Cunha Leal não pode ver qualquer intuito do Govêrno, diferente daquele que manteve, sempre, para prestígio e respeito das instituições republicanas, pondo a claro qualquer falta que se der na administração pública.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Cunha Leal não fez a. revisão dos seus apartes.

Foi aprovada a acta.

O Sr. Presidente: — Vou pôr à votação o requerimento do Sr. Tavares de Carvalho.

O Sr. Pedro Pita (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: trata-se de fazer inscrever no antes da ordem do dia mais um projecto, tolhendo assim o único período da sessão em que os Deputados podem apresentar as soas reclamações, porque antes de se encerrar a sessão não há oportunidade de usar da palavra para êsse efeito, visto que às 21 horas já cá não está quási ninguém.

Parece que há a preocupação de fazer desaparecer êsse período da sessão, contra o que eu levanto o meu protesto.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: o requerimento do Sr. Tavares Carvalho é muito simpático, mas nós não lhe podemos dar o nosso voto, porque vem concorrer para nos ser cerceado o direito que ternos de usar da palavra antes da ordem do dia, para fazermos as nossas reclamações é exercermos a nossa fiscalização.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Viriato da Fonseca (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: eu pre-gunto a V. Exa. se o requerimento do Sr. Tavares de Carvalho é com prejuízo dos

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projectos que já estão marcados para serem discutidos antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: — Êste requerimento não prejudica a discussão dos projectos já inscritos para antes da ordem do dia.

Foi aprovado em prova e contraprova solicitada pelo Sr. Pedro Pita, com invocação do § 2.° do artigo 116.° do Regimento pelo Sr. Carvalho da Silva, por 43 votos, contra 15 votos, o requerimento do Sr. lavares de Carvalho.

ORDEM DO DIA

Primeira parte

O Sr. Presidente: — Continua em discussão a proposta sôbre a venda de navios.

Tem a palavra, para prosseguir nas suas considerações, interrompidas ontem, o Sr. Pedro Pita.

O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: já ontem tive ocasião de dizer nesta Câmara que estou convencido, convencidíssimo, que o pouco que se aproveita dos trabalhos parlamentares é principalmente devido à circunstância de não haver para com as minorias aquela elementar cortesia de ao discutir-se qualquer proposta ou projecto de lei as consultar.

Quando de facto uma pessoa pretende que outra tenha para com ela certas atenções, costuma dirigir-se-lhe.

Nos grupos políticos já se observou esta praxe, que infelizmente agora está posta de parte; e digo infelizmente, porque daí resulta prejuízo para o trabalho parlamentar e para a própria Nação, desperdiçando-se aquele tempo que poderia ser utilizado se previamente tivesse havido qualquer combinação.

Chega-se mais fàcilmente a um acordo, numa conversa, do que numa discussão.

Houve sempre, em todos os Parlamentos, maiorias e minorias, e nunca deixou de haver da parte da maioria determinadas atenções para com as minorias.

Hoje porém essas atenções desapareceram, e ainda há poucos momentos a maioria, que devia ser a primeira a respeitar os direitos das minorias, porque muitas vezes delas necessita, para que haja número suficiente para a sessão funcionar, contribuiu mais uma vez para inibir os Deputados de poderem fazer as suas reclamações antes da ordem do dia.

Sr. Presidente: continuando propriamente na apreciação da proposta que só discute, eu não tenho dúvida em afirmar mais uma vez a muita consideração e respeito que me merece o Sr. Ministro da Marinha, pessoa que desassombradamente já nos deu ensejo aqui de apreciarmos as suas qualidades, ao discutir-se a proposta da amnistia aos implicados no movimento de 10 de Dezembro.

As minhas palavras portanto não podem sequer envolver qualquer referência menos agradável para S. Exas.

Sr. Presidente: esta proposta de lei, que teve a infelicidade de ser apresentada nesta Câmara num momento em que todos mais ou menos estávamos mui dispostos pela marcha que iam seguindo os trabalhos parlamentares, tem a infelicidade de voltar num momento em que essa indisposição se acentua e é pior.

Todavia essa circunstância em nada influirá na apreciação que terei de fazer dos termos dela.

Esta proposta, tam simples na aparência e concebida em termos tam resumidos, tem de facto aspectos diversos pelos quais a devemos considerar.

Assim sob o ponto de vista de utilidade prática e das vantagens económicas que dela possam resultar para o Estado, já ontem tive ensejo de fazer várias considerações.

Supondo — e tenho de admitir esta suposição — que de facto os navios ou alguns deles não estão completamente inutilizados, isso me basta para condenar a proposta, porque sei muito bem que o produto que se obtém da sua venda não chega para comprar a quilha de um outro navio.

Em segundo lugar, não tenho, como já ontem frisei à Câmara, elementos alguns de apreciação pelo que respeita à possibilidade de serem reparados êsses navios.

Recordei ontem, o é interessante na, verdade recordá-lo, que já houve na nossa marinha de guerra um navio-condenado para o serviço, navio insignificante até pelo seu valor militar, e que, reparado convenientemente, se transformou num

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navio que ainda há bem pouco tempo era considerado o melhor de toda a nossa frota: o Vasco da Gama.

Ainda hoje quando passei perto do rio vi. o cruzador S. Gabriel, parecendo, nas suas linhas airosas, pronto para todo o serviço, quando afinal dizem que é um navio condenado.

Não sei, mas qualquer cousa se segreda que êste navio ainda podia ser aproveitado para qualquer serviço da armada.

Não vou, Sr. Presidente, repetir à Câmara as considerações que ontem fiz pelo que respeita ao aspecto que eu chamarei moral desta proposta, não referirei de novo as invocações que êstes navios vêm fazer no nosso espírito pelo que respeita à sua passada acção e aos nomes gloriosos que têm pintados nos cascos; não lembrarei de novo à Câmara que foi o S. Gabriel que fez essa viagem da volta ao mundo para instrução de aspirantes, viagem que está na memória de todos; não frisarei que a nossa esquadra ,está hoje tam reduzida que chega a ser crueldade reduzi-la ainda mais.

Não vale a pena insistir nos pontos de vista que ontem abordei pelo que respeita ao momento que atravessamos e à certeza que é fácil ter de que a venda dêsses navios ou não chegará a realizar-se, por ficar deserta a praça, ou terá de ser feita ao desbarato; mas não é de mais insistir em pontos de vista da importância dêste que desejo frisar uma vez mais.

Sabe V. Exa. a situação em que se encontra a praça, sabe V. Exa. a dificuldade que há, ainda para aqueles que de maior crédito sempre têm gozado, de poder obter-se créditos que ontem eram até considerados insignificantes, e que hoje não se realizam mesmo com as melhores garantias.

Sr. Presidente: se assim é, se a falta de escudos é tal que dessa falta resulta não só a paralisação das construções como a paralisação de todos os negócios, como é que pode pensar-se em pôr à venda navios que valeriam, se obtivessem justo apreço, quantias muito elevadas, mas que assim não será possível obter.

Mas, admitida a hipótese de se obterem essas quantias, não seria esta operação mais um factor para retirar da circulação as quantias que em circulação se encontram?

Não seria mais um processo para tornar mais raros os escudos, já hoje tam raros?

Não seria mais um factor da carestia da vida?

Acaso ignora V. Exa. o Sr. Presidente, que a maior parte dos empréstimos não sé, obtêm hoje com juro inferior a 20 e 25 por cento e que, portanto, a falta de escudos vai tornar mais elevado êsse juro?

Mus, há mais alguma cousa.

Acresce a esta circunstâncias mais uma, não menos importante, e por mim já ontem apontada, e é que só compra navios quem de navios carece e, no momento em que está à venda mercadoria similar e melhor, certamente a procura vai toda para a mercadoria melhor.

Concretizando, desde que está a proceder-se neste momento à venda dós vapores dos Transportes Marítimos do Estado, como se compreende que alguém vá preferir a êsses vapores os velhos arcaboiços dos navios de guerra, que para cousa alguma podem ser aplicados, com mais vantagem do que os outros vapores?

Em todo o caso, Sr. Presidente, e chamo para isto a atenção de V. Exa. são justamente êsses navios e a sua venda a prova absoluta da verdade que existe na afirmação que ontem fiz, do mal que à praça e ao custo da vida pode representar a alienação de mais êstes navios.

Mas, Sr. Presidente, não terão contribuído para que mais raro se torne o escudo êsses navios que têm sido vendidos, os depósitos feitos se é que têm sido feitos?

As quantias mínimas que por lei são exigidas aos arrematantes não terão contribuído de algum modo para fazer escassear a moeda?

Fixou-se em 20 por cento, somente, a quantia que havia de ser depositada em seguida à arrematação de cada um dos navios adjudicados em praça. Tenho de reconhecer, sem sacrifício e sem esfôrço, que, se a quantia a depositar fôsse maior, ela representaria alguma cousa muito prejudicial para a situação do mercado, porque se é certo que nos cofres do Estado entraria uma quantia muito maior, também não é menos certo que essa quantia seria retirada do mercado onde tam necessária ela é.

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Em todo o caso, Sr. Presidente, repare V. Exa. naquilo que está a fazer-se: navios que vão à praça por preços insignificantes, que só obtêm lanços menores é que nem mesmo a faculdade de os arrematantes pagarem de pronto somente 20 por cento facilita; a sua venda.

Tal é o estado da praça.

E é no momento em que todos êsses navios estão para liquidar, em que praças sucessivas se anunciam sem resultado algum, que o Sr. Ministro da Marinha vem juntar a todos êsses mais três navios, cuja venda vem propor à Câmara.

Mas, pregunto:

Quanto se calcula que produza a venda dêstes navios?

Sr. Presidente: isto não é indiferente, e eu vou dizer a razão porquê.

Se, de facto, se pretende apurar uma insignificância, ocorre preguntar ainda, se valerá a pena vender os navios.

Vê, pois, a Câmara que 8ste ponto não é de todo indiferente e demonstra bem a falta de esclarecimentos que existe na proposta.

Sr. Presidente: desejava ainda que o Sr. Ministro da Marinha me esclarecesse, e à Câmara, se os navios estão absolutamente inaproveitáveis, e se os técnicos nacionais, que fizeram as respectivas vistorias, chegaram a êsse resultado.

Consultaram-se alguns dos mais importantes construtores navais?

Sr. Presidente: não pretendo pôr em dúvida a competência dos engenheiros portugueses, mas não me admira que êles não tenham a experiência que possuem os engenheiros que têm feito a sua vida em outros arsenais do mundo, e não me admira, igualmente, que êles não tenham a facilidade de ver como possível uma reparação que pelos outros já tinha sido feita.

Nestas circunstâncias é impossível a reparação, porque os navios, pelo seu estado, já não permitam, ou é impossível porque o seu custo é excessivo?

É êste um outro ponto de vista, que se torna absolutamente necessário esclarecer, porque se reduzimos a escudos determinada quantia, para a podermos comparar com outra, é indispensável que reduzamos, esta outra, também a escudos.

Assim, se eu pretendo saber quanto me custa a reparação dum navio, tenho de reduzir a escudos as libras, francos ou liras, que me exigirem por ela, e de reduzir igualmente a escudos a importância que me pedirem por um navio novo, para saber, se é ou não barata a reparação.

Sr. Presidente: recordo-me que, a propósito do Almirante Reis, vi nos jornais um cálculo que me chamou a atenção, pois calculava-se em escudos a respectiva reparação, e em esterlino o custo de um navio novo.

Não pretendo dizer que a pessoa que foi encarregada de organizar os cálculos os tivesse feito pelo modo por que vieram publicados nos jornais, mas o que verifiquei é que êles não tinham sido convenientemente feitos.

Como a Câmara vê, nas minhas considerações não encarei a questão senão sob o aspecto que nos é apresentado na proposta.

Mas, porque gosto de ser claro no meu raciocínio, eu vou concretizar em duas preguntas algumas das passagens das minhas considerações.

São os navios considerados incapazes porque não podem ser reparados?

Estão os navios julgados incapazes porque as suas reparações atingem um preço que não vale a pena gastar?

Admitida a primeira hipótese, pregunto: Chegou-se a essa conclusão por vistorias que engenheiros especializados tivessem feito?

Preguntou-se às casas construtoras se os navios estavam de todo impossibilitados de receber reparações?

Mas, se não foi admitida a primeira hipótese, vamos à segunda, e nestas condições pregunto:

Verificou-se com cuidado qual seria o custo dessas reparações, pedindo-se os respectivos orçamentos?

Houve algum concurso para estabelecer concorrência, e, portanto, estabelecer o melhor preço?

São estas as observações que me sugere a afirmação de que os navios estão impossibilitados de prestar os serviços a que eram destinados.

A proposta não traz nenhuma justificação, e por êste motivo sou forçado a preguntar a razão por que se não aproveitam em outra cousa e se resolveu vendê-los.

E eu pregunto à consciência daqueles que me ouvem: não há outra solução?

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Verificado que êsses navios não podem continuar a ser navios de guerra, não há outro caminho senão o de os vender?

Quanto a mim, ponho já a resposta a estas preguntas com estas outras:

Então os navios não podem ser aplicados pelo próprio Estado ã depósitos? E os materiais empregados na construção dêstes navios, quando desmanchados, não seriam também de utilidade para o Estado, se êste os empregasse para outros navios?

E não adviria daqui para o Estado um melhor resultado, sob õ ponto de vista monetário?

E assim, Sr. Presidente, vem a propósito preguntar ainda:

Fez-se a avaliação nas condições a que acabo de referir-me?

Verificou-se qual seria de maior vantagem para o Estado, se a venda dos navios, se à venda ou aproveitamento da sucata?

Tudo isto nós desconhecemos e eu julgo, Sr. Presidente, absolutamente indispensável, para que aos, conseqüentemente, possamos votar esta proposta, o esclarecimento dêstes pontos.

Com efeito, quem poderá afirmar, que os navios desmanchados e vendida depois a respectiva sucata, não produziriam um maior benefício para o Tesouro do que a sua simples vendas tal como êles se encontram ?

Quem pode mesmo afiançar que no desmanchar dêstes navios não se encontrarão porventura peças novas, que possam ser utilizadas nas construções, que (ouvi dizer) se estão a fazer no Arsenal?

Posta a questão nesta Câmara nos termos em que o foi, não é demais que nós, para a votar, procuremos esclarecer-nos completamente.

Ocorre-me ainda, além das já anteriormente formuladas, dirigir mais esta pregunta ao Sr. Ministro da Marinha:

As peças aproveitáveis dêsses navios (se as há) não mereceriam, com efeito ser utilizadas noutras reparações que muitas vezes representam um dispêndio avultado?

Sr. Presidente: é claro, repito, que eu não tenho, infelizmente, a competência suficiente para discutir um assunto dêstes.

Apoiados.

Procuro vê-lo, como o deve ver qualquer pessoa que se interêsse pelo assunto e para quem o objecto em exame é por acaso um navio como, de resto, podia ser uma mesa ou uma cadeira.

Diz-me todavia, o meu raciocínio que as preguntas que formulei são absolutamente justificadas, e natural é, por conseqüência, que eu deseje sôbre elas ser elucidado.

Sr. Presidente: eu tenho examinado à proposta sob o ponto de vista da afirmação que ela contém, de que os navios estão em condições de não serem aproveitados, mas resta apreciar ofim que se tem em vista com a quantia que se obtiver.

É ainda á proposta que nos diz que ela será aplicada na reparação de material naval.

Mas, suponhamos que êstes três navios produzem uma quantia apreciável e suficiente para a acquisição de outro barco.

Nestas condições, o Sr. Ministro dá Marinha, se o quisesse fazer, tinha novamente de vir pedir autorização ao Parlamento, porque, pelos termos em que a proposta está, só pode aplicar a verba que, se obtiver da venda dos navios na reparação de material naval, e a mais nada.

Sr. Presidente: admito apenas esta hipótese para mostrar quanto é incompleta a proposta, e ainda porque, como a Câmara vê, só posso basear o meu discurso em hipóteses, visto a proposta nada dizer á êste respeito;

Mas sendo assim, se o destino da verba é só o indicado, temos de aceitar uma de duas: ou o material naval está por tal forma deteriorado que Carece de uma reparação importantíssima ou o Sr. Ministro da Marinha tem antecipadamente a certeza de que a verba a obter é deveras insignificante.

Sr. Presidente: é êste um caso importante a ponderar, visto que a nossa marinha de guerra está reduzida a dois cruzadores, quatro destroyers, quatro submarinos e três canhoneiras.

Mas, sendo nós um País colonial importante, podemos Continuar vivendo nesta miséria?

Eu não percebo nada de estratégia não percebo nada de guerra mas o que compreendo é que uma das nossas colónias

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pode de um momento para o outro exibir que sé transporte ràpidamente para Já determinado número de soldados, e nós seremos obrigados a fretar um navio estrangeiro para levar as nossas tropas.

Isto é muito de ponderar.

Sr. Presidente: a proposta não diz mais nada.

Vejo-me obrigado a formular hipóteses, e a procurar responder eu mesmo, com as varias respostas que elas me sugerem, para mostrar os inconvenientes que podem resultar.

Ainda, sôbre a aplicação a dar ao produto da venda dos navios, eu desejo formular mais as seguintes preguntas:

É de facto intuito do Sr. Ministro da Marinha destinar exclusivamente a reparações navaes o produto da venda dos barcos?

O Sr. Ministro exclui a possibilidade de aplicar êsse produto à compra de material naval?

Repito, Sr. Presidente, tal como está redigida a proposta, se ela fôr convertida em lei, o produto da venda dos navios só poderá ser utilizado em reparações, e nunca para a compra de novo material naval; porém se êste é o intuito do Sr. Ministro da Marinha, S. Exa. tem um remédio, qual é o de na discussão na especialidade apresentar uma emenda nesse sentido, isto é, de poder fazer a aplicação a fins diversos que não sejam, reparações.

Na verdade o nosso material naval está num estado verdadeiramente lastimoso, e assim natural é que êste produto seja absolutamente absorvido.

Mas, examinada a proposta nestes termos eu pregunto se é legítimo que uma proposta, que aparentemente não tem importância, mas que tem a importância que eu tenho mostrado a V. Exa., se apresente com pressa à Câmara, para ela a aprovar ràpidamente, quando ela não foi devidamente estudada pela comissão respectiva.

Sr. Presidente: eu pertenço ao número daqueles que não têm fé nenhuma pelo trabalho das comissões, pois sei muito bem, que, se um dos membros dessas comissões apresenta um determinado trabalho, os outros geralmente o assinam com mais ou menos declarações, para não terem responsabilidade, apresentando-se na
maioria dos casos o respectivo parecer que geralmente não é lido.

Sr. Presidente: não concordo com esta maneira de trabalhar; eu procurei sair da,s comissões a que pertencia, porém não tenho dúvida em trabalhar nelas, como trabalho aqui.

Mas tenho dúvida absolutamente em pôr o meu nome por baixo de tal parecer, embora pudesse fazer as minhas declarações, e nestas condições não faz falta o trabalho que as comissões façam.

Um trabalho nestas condições não dá garantias, e não terá o meu voto.

Àpartes.

Sr. Presidente: em todo o caso tinha a garantia que o respectivo relator teria de procurar os esclarecimentos que me faltam, e que a proposta não tem, para só poder discutir êste problema, como deve ser discutido.

Sr. Presidente: é sabido o clamor que levantou no País a venda do alguns dos nossos navios de guerra.

Já ontem me referi a êste assunto, e não me quero alongar sôbre êle.

Mas não quero terminar sem dizer que ao passar hoje no Terreiro do Paço, e ao ver o S. Gabriel, elegante, inteiro, ainda com os fogões e os mastros, completo, emfim, tive a impressão que está ainda capaz de navegar, e lembrei-me que nesta Câmara estava uma proposta, que porventura eu teria de votar, sem que no emtanto ela tivesse vindo acompanhada dos necessários esclarecimentos.

Tive pena, confesso, porque estou convencido de que êsse. navio desaparecerá, sem ser substituído por outro.

Àpartes.

Sr. Presidente: estamos hoje reduzidos apenas aos cruzadores S. Gabriel e Almirante Reis, e interrogo-me sôbre só não haveria exagero na resolução que se quere tomar.

O Almirante Reis e o Adamastor estão amarrados ambos no meio do rio, sem fogões, sem mastros, verdadeiras barcaças, com o aspecto de embarcações perdidas.

Pregunto se realmente não haverá engano, e se onde está o nome de S. Gabriel não deve estar o de Adamastor.

Admito que o estado do navio que parece melhor, seja pior que o do outro.

Sr. Presidente: ter-se ia poupado o Adamastor, que representa alguma cousa para

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os portugueses que estão fora do País, pois que com o dinheiro deles foi construído?

Estão de facto êsses navios em condições de sofrerem reparações?

Eu não sei se esta hipótese é admissível, e que os navios estão em condição de prestar serviços.

A República encontrou uns certos navios quando foi implantada.

Vendem-se navios, protesta-se; depois esquece-se, e volta-se a vender.

Agora, Sr. Presidente, que temos navios nessas condições, e eu lembro-me perfeitamente da insistência com que se pediu a entrega da barca flores dos Transportes Marítimos do Estado, para ser utilizada pela marinha de guerra.

Na, verdade não se sabe bem se havia, ou não, necessidade em se requisitar êsse barco.

Não me pouparei em pedir ao Sr. Ministro da Marinha esclarecimentos sôbre o relatório da sua proposta, com os elementos indispensáveis, pois o Sr. Ministro tem de facto, como não pode deixar dê ter, pareceres de técnicos, condenando êsses barcos, isto é, julgando-os absolutamente em condições de não poderem já sofrer reparações.

Eu estou absolutamente certo que o Sr. Ministro da Marinha não deixará de esclarecer a Câmara a êste respeito, pois tenho quási a certeza de que S. Exa. possui os elementos suficientes para poder basear a sua afirmação, isto é, propostas de casas estrangeiras para o efeito de as confrontar sôbre preços.

O Sr. Presidente: — Devo prevenir V. Exa. de que são horas de se passar à segunda parte da ordem do dia, podendo-se V. Exa. assim o entender, ficar com a palavra reservada para a sessão de amanhã.

Vozes: — Fale, fale!

O Orador: — Visto que o Regimento me permite ficar com a palavra reservada; prefiro continuar amanhã as minhas considerações.

O orador não reviu.

O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Sr. Presidente: requeiro a V. Exa. que consulte
a Câmara sôbre se permite que o projecto em discussão baixe às comissões.

O Sr. Lourenço Correia Gomes (em nome da comissão de finanças): — Sr. Presidente: eu requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que a comissão de finanças reúna amanhã durante a sessão.

O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: peço a V. Exa. que me elucide sôbre se a comissão de finanças se encontra constituída nos termos regimentais,-isto é, só ela tem presidente?

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — A comissão de finanças tem número suficiente para reunir, e o seu presidente, Sr. Barros Queiroz, ainda não foi substituído.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: - A comissão, nos termos regimentais, não pode reunir-se sem ter o seu presidente.

No momento em que de todos os problemas, no País o mais importante é o financeiro, não faz sentido que a comissão de finanças não tivesse feito ainda a escolha do novo presidente;

Peço a V. Exa. Sr. Presidente o favor de fazer com que a comissão de finanças se complete quanto antes, para então poder trabalhar.

O orador não reviu.

O Sr. Lourenço Correia Gomes (para explicações): — Sr. Presidente: mais uma vez eu tenho de lamentar a intervenção do Sr. Carvalho da Silva.

S. Exa. é sempre infeliz quando quere procurar por qualquer forma impedir que se trabalhe dentro desta casa do Parlamento.

O Sr. Carvalho da Silva errou mais uma vez.

Por emquanto a comissão de finanças ainda considera seu presidente o Sr. Barros Queiroz, porque não tomou ainda resolução em contrário, nem elegeu quem o substituísse.

A reunião de amanhã é para resolver assuntos que respeitam a si própria, e nesse momento ela resolverá sôbre o assunto do Sr. Barros Queiroz, comunicando em seguida a sua resolução à Mesa.

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Não é aos Srs. Deputados que a comissão de finanças tem de dar informações, mas é à Mesa, que por seu turno as comunicará aos Srs. Deputados.

A comissão de finanças pode julgar conveniente que o Sr. Barros Queiroz continue como seu Presidente, como muito se honrou que êle o tenha sido e como muito se honrará que o continue a ser.

Apoiados.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Carvalho da Silva (para explicações): — Sr. Presidente: poucas palavras. O Sr. Correia Gomes lamentou a minha intervenção no debate, e eu, por minha vez, lamento a sua intervenção, que foi infelicíssima.

Realmente, S. Exa. até sustentou que podia ser o presidente da comissão de finanças um morto! Seria talvez mais lógico que o fôsse para uma comissão que está morta. Felizmente, o Sr. Barros Queiroz está vivo, e espero em Deus que o seja por muitos anos. Mas o que é certo é que o Sr. Barros Queiroz, para o efeito de presidente da comissão de finanças, e até para o de Deputado, é um morto, pois declarou há muitos meses que não voltava à Câmara.

Também o Sr. Correia Gomes disse que a comissão de finanças não tem que dar conta dos seus actos à Câmara. Não é bem assim: tem que dar conta, mas por intermédio da Mesa, e foi por isso que eu me dirigi à Mesa. Tenho dito.

O orador não reviu.

É aprovado o requerimento do Sr. Correia Gomes.

O Sr. Abílio Marçal (para um requerimento): — Sr. Presidente: peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que a comissão de colónias reúna amanhã durante a sessão.

Consultada a Câmara, é aprovado o requerimento.

O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

Procede-se à contraprova.

O Sr. Presidente: — Estão de pé 8 Srs. Deputados e sentados 53.

Está aprovado.

Continua em discussão o parecer n.° 761.

ORDEM DO DIA

Segunda parte

Inquilinato

O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: farei a diligência por ocupar o menos possível a atenção da Câmara.

Ontem referi-me à técnica parlamentar adoptada em relação ao. projecto que se discute, para discordar inteiramente dela, por me parecer inconveniente. Realmente, a meu ver, as comissões das duas, casas do Parlamento deviam ter-se circunscrito ao projecto de lei inicial do Sr. Catanho de Meneses, que tinha apenas dois artigos, dada a urgência que o aspecto que êle abordava impunha, reservando para outra oportunidade, em que o trabalho parlamentar se pudesse fazer mais consciencioso, a modalidade dos outros aspectos que a experiência tivesse determinado.

A seguir iniciei um certo número de considerações de ordem geral, incitadas por algumas palavras que vários Deputados que ontem me tinham precedido no uso da palavra proferiram, no sentido de provar que a intervenção do Estado, pelo que respeita ao aluguer de casas de habitação, está inteiramente modificada pelos factos, e êste é um fenómeno que não se nota apenas em Portugal. Efectivamente, o Estado deve hoje proteger as pessoas que não têm domicílio, e a quem as suas condições económicas não permitem uma fácil aquisição.

O Estado é obrigado, pela sua própria função, a não se desligar dêste aspecto do problema, a não deixar agir livremente leis económicas que momentaneamente se desadaptarem das exigências fundamentais e elementares da vitalidade humana. Em toda a parte do mundo esta intervenção se fez directamente por uma restrição de liberdade de arrendar, por uma regulamentação do preço das rendas, e, indirectamente, pela aplicação duns certos estímulos de construções.

Entre nós enveredou-se também pelo caminho indirecto de auxílio às constru-

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coes, pretendendo-se realizar os chamados Bairros Sociais, processo de que também lançaram mão outros países, como, por exemplo, a Inglaterra, que construiu por conta do Estado cêrca de 6:000 casas para as classes pobres; mas infelizmente praticaram-se erros tremendos em relação a êsses Bairros Sociais, e, a meu ver, pior do que tudo o que se diz a cêrca da sua administração, foi a paralisação das obras na altura em que se encontravam, porque não seria difícil provar que se se tivesse continuado as construções, apesar de todos os, erros administrativos, os prejuízos actuais para o Estado seriam inferiores àqueles que derivam da não terminação dessas construções.

Basta dizer-se que a verba hoje considerada necessária para a simples conservação das obras já feitas, é superior àquela que seria necessária naquela altura para a terminação dos Bairros Sociais.

Apoiados.

Como quer que seja, dois aspectos bem nítidos reveste hoje a questão do inquilinato. Em primeiro lugar, a insegurança da estabilidade do lar, a possibilidade, não por erros da lei, mas por más interpretações da sua letra, de se constituírem sociedades com o fim de fazerem o negócio do despejo, colocando muitas centenas de famílias em situações angustiosas. A êste aspecto do problema procurou atender o Sr. Catanho de Meneses, apresentando um projecto de lei claro, simples, concreto que devia ter tido uma resolução parlamentar em poucos dias, porquanto a sua aprovação não prejudicava os trabalhos ulteriores das duas casas do Parlamento, no sentido de se atenderem os aspectos jurídico e social do problema do inquilinato em Portugal.

Um outro aspecto também caracterizado e definido é o da representação monetária do preço da renda estabelecendo um coeficiente de oposição à desvalorização da moeda.

Sr. Presidente: discordo inteiramente dos pareceres que as comissões elaboraram em relação a esta proposta, introduzindo matéria nova neste problema. Êsses pareceres, que pretendem trazer ao problema uma solução total e completa, são muito deficientes e complicados em demasia.

Afigura-se-me por isso que esta Câmara devia considerar apenas as disposições respeitantes aos dois aspectos a que me referi, e deixar para o momento em que aqui chegasse a proposta o estudo completo e detalhado de todos os outros aspectos.

Se assim fizéssemos, teríamos cumprido o nosso dever, porquanto doutra forma vamos estabelecer regras gerais de duvidosa eficácia, que vão complicar a questão do inquilinato, originando inúmeras questões.

Estabelecendo certas providências desligadas umas das outras o mesmo é que contribuir para o caos, em vez de procurar a pacificação social e a normalização económica e política do País.

Não pode, portanto, merecer nem a nossa simpatia, nem a nossa aprovação a solução que foi tomada.

Não é, repito, que eu não julgue inteiramente indispensável a consideração do problema em todos os seus aspectos, até para que, numa larga discussão em que possamos fazer um pouco de legislação comparada, nós outros provemos com os factos que em matéria de inquilinato, ao contrário do que se diz, não somos os mais audaciosos do mundo.

Apoiados.

As mais atrasadas instituições políticas foram mais longe do que nós, e puseram em prática preceitos retroactivos no uso da propriedade muito mais audaciosos do que aqueles de que nós lançamos mão.

Reflita a Câmara se a resolução e estudo particular do problema em toda a sua complexidade nos levará tam longe, que não seremos capazes de, neste terminar de sessão, obter a sanção às exigências imperiosas da questão.

Tenhamos em consideração a questão importante por meio da adopção de regras adequadas ao estado existente da sociedade, e deixemos o resto, não para uma oportuna ocasião longínqua mas para o tempo necessário para o estudo dum plano completo de disposições, considerando todos os aspectos do problema.

Quis provar a V. Exa. que a técnica não é inventada por mim.

A América do Norte é um país em que mais se acentua a crise de habitação.

Em 1919, o professor Whilme realizou várias conferências sôbre o problema, e

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a América do Norte pôde fornecer ao legislador um conjunto de elementos scientíficamente seleccionados, em virtude dos quais poderia legislar na matéria com a consciência com que é mister legislar em assunto de tamanha gravidade e delicadeza.

É assim que temos de fazer aqui.

O problema da habitação é fundamental na sociedade do nosso tempo, dentro do ponto de vista da vida humana, porque o Estado não pode desinteressar-se condições higiénicas das populações.

fundamental e interessante, dentro do ponto do vista social, porque não podem os Estados ignorar que a velha indústria, chamemos-lhe assim, ou comércio da construção deixou de ter a eficácia natural na proporção das necessidades das populações, e urge determinar o problema de construção urbana adequada a essas necessidades.

Interessante é também, dentro do ponto de vista económico, que nos ponhamos em frente de realidades que muitos não querem ver, e das quais há uma insuficiência absoluta.

Nós vemos instituições económicas tal como elas viviam antes de 1914, e não podemos de maneira alguma deixar de procurar as causas para considerar o problema em todos os seus aspectos com a coragem que é mister.

Não devemos prolongar por mais tempo a eliminação de causas do progresso social e económico, para bem se produzir, com intensidade e com a necessária coragem. %

Trata-se da aprovação da proposta do Sr. Catanho de Meneses, actual Ministro da Justiça (Não apoiados, apoiados) adoptando-se, porventura, aquelas disposições que possam actualizar, em certa medida, o valor do preço das rendas.

O rosto deve ser considerado na devida oportunidade, que não há-de vir longe.

Uma voz: — Lá para as calendas gregas.

O Orador: — Oportunidade que não há de vir longe, porque não devemos trair a função desta casa do Parlamento, como há pouco fazia o Sr. Pedro Pita, usando da palavra, não como instrumento de colaboração parlamentar, mas de dificultação da vida parlamentar, o que reverte em seu desprestígio.

Apoiados.

Assim continuando, afirma-se a sua ineficácia, porque, quer queiram quer não queiram, não podemos estar no exercício das funções que devemos exercer.

Por conseqüência, a Câmara há-de, em oportunidade indefinida, considerar êste problema e outros problemas, a cuja consideração se dedicarão ilustres parlamentares.

Entendo que não é a hora de andar a fazer oposição com fins partidários.

Procedendo assim, traía-se a função fundamental que determina a própria função que aqui representamos.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. José Pedro Ferreira: — Sr. Presidente: em conformidade com o Regimento mando para a Mesa a minha moção, que diz o seguinte:

Moção

A Câmara dos Deputados, reconhecendo que o projecto e os pareceres em discussão são insuficientes, por si só, para resolver o problema do inquilinato, passa à ordem do dia.— José Pedro Ferreira.

Sr. Presidente: ao entrar na discussão do projecto e pareceres sôbre a lei do inquilinato em debate, prometo ser breve porque não quero de nenhuma forma concorrer para protelar a questão que dia a dia vem agravando e que por isso já de há muito devia estar resolvida com equidade e justiça para as duas classes interessadas.

Apoiados.

A lei do inquilinato em vigor há uns anos a esta parte tem feito com que o Estado e os proprietários sejam as principais vítimas da crise proveniente da sempre crescente desvalorização da nossa moeda: o Estado por não ter cobrado contribuição predial urbana em correspondência com as suas despesas; os proprietários por não se lhes permitir o aumento das rendas em relação ao aumento do custo da vida, mão de obra e material de construção.

Àpartes.

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Devido a essa lei injusta tem o Estado perdido milhares de contos e têm-se reduzido quási à miséria os proprietários, especialmente os pequenos proprietários, e isto em nome de uma protecção que, em parte, não se justifica como passo a demonstrar...

Àpartes.

O inquilinato comercial tem elevado os seus lucros a 30 vezes mais; os funcionários públicos, que estão mal pagos (Apoiados), recebem 10 e 15 vezes mais que em 1914, e os operários elevaram os seus salários 30 e 40 vezes mais.

Ao passo que isto sucede, proíbe-se que os proprietários urbanos recebam renda superior a 2,5 para o inquilinato da habitação e 3,5 para o inquilinato comercial a mais do que recebiam em 1914!

Conforme fica demonstrado, era justo que as rendas fossem actualizadas com relação aos inquilinos comerciantes e operários, visto os seus lucros e vencimentos estarem também actualizados; só os empregados públicos não poderiam pagar as rendas actualizadas, mas não podemos estar a legislar tendo apenas em vista a situação dessa classe.

O Estado, desde que aumente a contribuição predial urbana, pode e deve aumentar o vencimento dos funcionários públicos, a fim de êstes, sem sacrifício, poderem igualmente pagar actualizada a renda da casa onde habitem. E, depois, Sr. Presidente, êste estado de cousas traz outros, graves inconvenientes.

Os pequenos proprietários estão impossibilitados de fazer reparações nos seus prédios, e um prédio que não é reparado durante 20 anos fica arrumado se não fôr concertado e conseqüentemente inabitável.

Teremos de olhar para essa questão se não quisermos registar mais catástrofes, como aquelas que há pouco enlutaram o País, especialmente a cidade de Lisboa.

É necessário também atender à extraordinária desigualdade em que estão os proprietários rústicos, dos proprietários urbanos, com relação a rendimento.

Sr. Presidente: eu, nesta questão, estou à vontade porque não sou proprietário urbano.

Para pôr bem em foco essa desigualdade de rendimento basta citar à Câmara êste facto concreto:

Há nas Caldas da Bainha dois irmãos que herdaram, por óbito do pai, dois prédios então de igual valor, sendo um rústico e outro urbano, pois que cada um foi partilhado na importância de 9.600$.

O urbano estava arrendado por 480$ por ano, e o rústico por 800 alqueires de trigo, que nessa época tinha o preço de $60 por alqueire, dando, portanto, a totalidade do trigo importância perfeitamente igual àquela que rendia o prédio urbano.

Ora como o artigo 5.° do projecto aprovado pelo Senado não permite que ao inquilinato comercial e industrial sejam aumentadas 10 vezes as rendas de 1914, estando a funcionar um hotel no prédio em questão, ficara êste prédio a render apenas 4.800$, de que há a deduzir ainda a despesa de seguro contra o risco de fogo, despesa que nunca poderá ser inferior a 576$ por ano.

O prédio rústico, estando, como ainda hoje está, arrendado por 800 alqueires de trigo, renderá, 12.0QO$ por ano, e isto fazendo a conta apenas a 15$ por cada alqueire.

O proprietário urbano tem ainda a mais do que o proprietário rústico as importantes despesas de conservação dos prédios.

Deixou um pai esta herança julgando que ficavam os filhos em iguais circunstâncias, e passados anos dá-se uma desigualdade tam grande!

O proprietário, do hotel instalado no referido prédio tem elevado 30 a 40 vezes mais a diária aos seus hóspedes, ao passo que, pela aprovação do artigo 5.° do parecer do Senado, só paga 10 vezes mais de renda!

Isto é verdadeiramente iníquo. É uma escandalosa protecção aos inquilinos com assombrosos prejuízos para os senhorios. Se porventura o prédio rústico a que me venho referindo estivesse em 1914 arrendado a dinheiro e pela mesma importância por que estava arrendado o prédio urbano, isto é, pela lei há pouco votada pelo Parlamento com relação à renda das propriedades rústicas, ainda êste ficava com uma diferença de rendimento anual, a menos, na importância de 2.016$.

Mas, Sr. Presidente, não são só os proprietários urbanos as únicas vítimas

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da lei do inquilinato em vigor e em perspectiva.

Outras vítimas há: são os novos inquilinos, que estão pagando 60 e 70 vezes mais.

Nós não podemos aprovar uma lei em que não há igualdade. Os proprietários antigos tiram do seu capital apenas 1 por cento, ao passo que os de agora tiram 30 e 40 por cento.

Conforme digo na minha moção, nem o projecto, nem os pareceres resolvem a grave questão do inquilinato.

Eu sei que há Violências por parte dos senhorios, mas sei também que as há por parte dos inquilinos e tudo por falta de uma lei adequada e justa.

A aprovação do artigo 2.° do projecto, visa a sancionar abusos, escândalos e revoltantes deslealdades, sobretudo no que diz respeito a despejos por falta de pagamento: eu sei dum homem que tendo de deixar, por falta de pagamento, uma casa em que nem sequer habitava ou exercia qualquer comércio ou indústria, foi depois de ver proferida a sentença de despejo, pedir ao senhorio para ficar mais um tempo, e o senhorio por ser bondoso, permitiu; pois êsse homem logo que apareceu o projecto do Senado, foi embargar a sentença, dando para ganhar tempo, 66 testemunhas, entre as quais, há algumas residentes no estrangeiro e nas colónias.

Outra violência são as sublocações.

Alugam-se quartos a 200$ e 300$, por mês em casas, cuja renda é de 20$ ou 30$!

Outro caso concreto: um indivíduo que tem um prédio alugado, na Rua dos Bacalhoeiros, por 200$ por ano, pediu aos inquilinos para lhe ceder 6 um compartimento para um seu filho instalar um escritório.

O inquilino atendeu a solicitação, mas cobra-lhe de renda 150$ por mês!

Isto é espantoso, e só por si faz a completa condenação do escândalo das sublocações que, pelo parecer em discussão, continuam a permitir-se.

Sr. Presidente: se por um lado não. E vejo que o parecer das comissões e o próprio projecto resolvam o assunto do inquilinato, parece-me também que êle não é resolvido pelos alvitres apresentados por todos os ilustres oradores que me antecederam.

O Sr. Carvalho da Silva apresentou um alvitre muito interessante, mas que me parece impraticável no nosso país: a assistência do Estado ao pequeno inquilino.

O Sr. Carvalho da Silva: — Não apresentei êsse alvitre: citei êsse exemplo da Suíça.

O Orador: — Seria realmente uma cousa ideal, mas atenta a situação do Tesouro Público, ela é impraticável.

Vejo também nas comissões de arbitragem, propostas pela comissão de legislação, um grande inconveniente.

Essas comissões, segundo aqui se diz, seriam compostas de três membros, um indicado pelos inquilinos, outro pelos senhorios e outro seria o juiz de direito, não havendo das deliberações destas comissões qualquer recurso.

Ora é natural que o indivíduo indicado pelos senhorios, defenda a causa dos senhorios, que o indicado pelos inquilinos defenda naturalmente a causa dos inquilinos, mas o juiz de direito?

Eu devo dizer, que tenho o maior respeito pela magistratura portuguesa, pela sua imparcialidade, mas o que é certo é que posso desconfiar que algum juiz seja mais ou menos inclinado aos senhorios ou aos inquilinos, resultando daí, evidentemente, grandes desigualdades, pois que numas partes se resolveria a favor do inquilino e noutras a favor do senhorio, tratando-se possivelmente de casos idênticos.

São êstes graves inconvenientes que vejo, tanto nos pareceres, como no projecto em discussão, e estou certo que na discussão da especialidade serão melhorados consideràvelmente.

Não me iludo: não se resolverá certamente contra a vontade do Sr. Ministro da Justiça e do Sr. José Domingues dos Santos, mas tenho a maior confiança nestes dois homens públicos; ambos êles são dotados de muita inteligência o perfeitamente orientados por um espírito de justiça, e estou certo que nesta questão hão-de mostrar mais uma vez essas excelentes qualidades.

Tenho dito.

Foi lida a moção na Mesa.

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O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: pedi a palavra sôbre o modo de votar, para dizer a V. Exa. que a importância dêste assunto exige que a sua discussão seja acompanhada do número de Deputados, pelo menos, é claro, como em todos os assuntos desta ordem, exigido pelo Regimento.

Como V. Exa. vê, numa questão desta magnitude, a maioria está representada por oito ou dez dos seus membros.

O orador não reviu.

Posta a moção à votação, foi admitida.

O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

Fez-se a contraprova.

O Sr. Presidente: — Estão sentados 44 Srs. Deputados e 3 de pé.

Não há número.

Vai fazer-se a chamada.

Fez-se a chamada.

E Disseram «aprovo» os Srs.:

Abílio Marques Mourão.

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Alberto Ferreira Vidal.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Alberto da Rocha Saraiva.

Albino Pinto da Fonseca.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Amadeu Leite de Vasconcelos.

Amaro Garcia Loureiro.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Alberto Tôrres Garcia.

António Albino Marques de Azevedo.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Ginestal Machado.

António Maria da Silva.

António Mendonça.

António Pais da Silva Marques.

António Pinto de Meireles Barriga.

Artur de Morais Carvalho.

Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Constâncio de Oliveira.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

João José Luís Damas.

João de Ornelas da Silva.

Joaquim Narciso da Silva Matos.

José António de Magalhães.

José Domingues dos Santos.

José Mendes Nunes Loureiro.

José Pedro Ferreira.

Júlio Gonçalves.

Lourenço Correia Gomes.

Luís da Costa Amorim.

Mário Moniz Pamplona Ramos.

Matias Boleto Ferreira de Mira.

Pedro Góis Pita.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Sebastião de Herédia.

Valentim Guerra.

Vergílio Saque.

Vitorino Henriques Godinho.

Disse «rejeito» o Sr. João José da Conceição Camoesas.

O Sr. Presidente: — Disseram «aprovo» 43 Srs. Deputados e «rejeito». Não há número.

A próxima sessão é amanhã, 1 de Agosto, às 14 horas, sendo a ordem de trabalhos:

Antes da ordem do dia (com prejuízo dos oradores que se inscrevam):

A que estava marcada e parecer n.° 697, que garante a admissão no Instituto Feminino de Educação e Trabalho e no Instituto Profissional dos Pupilos do Exército de Terra e Mar aos filhos dos bombeiros portugueses falecidos por desastre ou em virtude de desastre no desempenho do seu serviço.

(Sem prejuízo dos oradores que se inscrevam):

A que estava dada.

Ordem do dia: A que estava marcada.

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas, e 10 minutos.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Projecto de lei

Do Sr. Carlos Pereira e mais oito Srs. Deputados, encorporando na área

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administrativa da freguesia de Nogueira, concelho de Braga, os edifícios e terrenos actualmente na posse da Irmandade de Santa Maria Madalena do Monte, com sede na Serra da Falperra. Para o «Diário do Governo».

Pareceres

Da comissão de administração pública, sôbre o n.° 781-E, que extingue os quadros privativos das administrações gerais das estradas e turismo, edifícios e monumentos nacionais e serviços hidráulicos.

Para a comissão de finanças.

Da comissão de finanças, sôbre o n.° 776-D, que autoriza o Govêrno a nomear 2.° secretário de legação o terceiro oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros, bacharel António Ferreira de Sousa.

Imprima-se.

Da comissão de administração pública, sôbre o n.° 725-B, que teria a freguesia de Silveira, no concelho de Tôrres Vedras.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

O REDACTOR—Sérgio dê Castro.

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