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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.° 136
EM l DE AGOSTO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Luís António da Silva Tavares de Carvalho
Sumário.—A sessão é aberta com a presença de 42 Sr s. Deputados, procedendo-se à leitura da acta e dando-se conta do expediente, que tem o devido destino.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Tavares de Carvalho reclama providências contra a carestia da vida.
O Sr. Ministro do Comércio (Pires Monteiro) promete transmitir as suas considerações ao Sr. Ministro da Agricultura.
O Sr. Tavares de Carvalho usa novamente da palavra para explicações, e requere que seja incluído no período de antes da ordem do dia o parecer n.° 124.
O Sr. Jaime de Sousa deseja saber o que pensa o Govêrno acerca da melhoria de vencimentos a, conceder ao funcionalismo público.
O Sr. Presidente do Ministério (Rodrigues Gaspar) dá esclarecimentos.
Para explicações usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva e Pedro Pita.
Entra em discussão a proposta de lei n.° 801, que autoriza o Govêrno a reorganizar os serviços da Aeronáutica Militar.
Usam da palavra os Srs. Cortês dos Santos e Viriato da Fonseca, que ficam com a palavra reservada.
O Sr. Ministro do Trabalho (Xavier da Silva) apresenta uma proposta, de lei sôbre o Bairro Social do Arco do Cego, requerendo a urgência) que a Câmara concede.
O Sr. Almeida Ribeiro, em negócio urgente, justifica uma proposta fixando em quatro horas a duração dó período destinado â ordem do dia. Requere urgência e dispensa do Regimento.
É aprovado.
Entrando a proposta em discussão usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva e Presidente do Ministério.
É aprovada a proposta.
O Sr. Carvalho da Silva requere a contraprova e invoca o § 2.° do artigo 116.º Aprovam 50 Srs. Deputados e rejeitam 6.
É agravada a acta.
Ordem do dia. — Continua em discussão o parecer 717.
Usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva e Cunha Leal, que ficam com a palavra reservada.
Entra em discussão o parecer n.º 761, relativo ao inquilinato.
Procede-se a uma contraprova, pendente da sessão anterior, sôbre a admissão de uma moção do Sr. José Pedro Ferreira. É admitida por 50 Srs. Deputados e rejeitada a admissão por 6.
Usam da palavra os Srs. Pinto Barriga, Almeida Ribeiro e Moura, Pinto, que ficam com a palavra reservada.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte para a próxima segunda-feira, com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão às 16 horas e 30 minutos.
Presentes à chamada 42 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 43 Sr. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Lelo Portela.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
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António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António de Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Maldonado de Freitas.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João Baptista da Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João Salema.
João Vitorino Mealha.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Valentim Guerra.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Correia.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António Vicente Ferreira.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Constando de Oliveira.
Delfim Costa.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho»
Não compareceram os Srs.:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva Castro.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Pereira Nobre.
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Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João Pereira Bastos.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Joaquim Gomes do Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 42 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 35 minutos.
Leu-se a acta.
Dá-se conta do seguinte
Expediente
Oficio
Do segundo juízo de investigação criminal, de Lisboa, insistindo para que os Srs. Cunha Leal, Carvalho da Silva, Francisco Cruz e Pedro Pita compareçam a depor.
Responda-se que já mais de uma vez se comunicou que esta Câmara autorizou os Srs. Deputados supra indicados a depor no processo a que êste ofício se refere.
Representações
Do pessoal menor do Estado, pedindo uma subvenção ou melhoria única a todo o funcionalismo público.
Para a comissão de finanças.
Da Câmara Municipal de Belmonte, sôbre pagamento do imposto ad valorem pelos minerais e derivados exportados pelas emprêsas mineiras.
Para a Secretaria.
Telegramas
Da conferência interparlamentar de Berna (Suíça) pedindo os nomes dos delegados portugueses.
Para a Secretaria.
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Da Associação Comercial de Vizeu, apoiado o projecto suspendendo a legislação do último Ministro da Instrução.
Para a Secretaria.
Da Associação Comercial e Industrial de Figueiró dos Vinhos, apoiando a representação da sua congénere de Santarém, sôbre tributação.
Para a Secretaria.
Da comissão venatória do Seixal, pedindo a discussão da lei da caça.
Para a Secretaria.
Admissões
Proposta de lei
Dos Srs. Ministros do Interior e Finanças, autorizando o Govêrno a despender 15.000$ mensais com os agentes da Polícia Preventiva e de Segurança do Estado em Lisboa.
Para a comissão do orçamento.
Do Sr. Ministro do Comércio, criando dois selos postais, um de 15 e outro de 30 centavos, tendo êste a sobrecarga de «multa» para a subscrição promovida pela comissão executiva do monumento ao Marquez de Pombal.
Para a comissão de correios e telégrafos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente: não estando presente o Sr. Ministro do Trabalho, eu peço ao Sr. Ministro do Comércio o favor de transmitir a S. Exa. que a Câmara Municipal de Grândola pretende que as emprêsas de minas paguem também o imposto de transacção. Se S. Exa. estivesse presente eu referir-me-ia mais detalhadamente a êste assunto; mas como isso se não dá, eu limito-me a fazer chegar ao conhecimento de S. Exa., uma circular que me foi enviada e em que se fazem graves acusações ao Director Geral de Minas, daquele Ministério.
Ao Sr. Ministro da Agricultura eu desejava também fazer algumas considerações. S. Exa. não está presente, e, como o assunto não comporta demoras, eu abordá-lo hei, pedindo ao Sr. Ministro do Comércio para transmitir também a S. Exa. as minhas palavras.
O Sr. Ministro da Agricultura afirmou há poucos dias que o problema da carestia da vida se não resolvia com um simples decreto. Uma tal afirmação é deveras interessante. Eu sei que êle se não resolve só com decretos, mas estou convencido de que sem a publicação de alguns nada se poderá fazer de prático e útil...
O Sr. Maldonado de Freitas: — Um dos decretos que se impõem é o da extinção do Comissariado dos Abastecimentos.
O Orador: — V. Exa. está talvez dentro da razão.
Os factos têm-se encarregado de demonstrar a pouca eficácia dêsse organismo, e estou quási convencido que a sua extinção seria benéfica para o melhoramento da situação actual.
Mas e já que se trata do Comissariado dos Abastecimentos vamos ao caso de que eu me desejava ocupar.
O comissariado adquiriu uma grande partida de açúcar, que era vendido por um preço regular ao consumidor.
O Sr. Maldonado de Freitas: — Êsse açúcar foi adquirido por 27 libras e meia, podendo ser adquirido por 22 libras e meia.
O Orador: — O preço por que êle foi adquirido não sei; o que sei é que êle estava sendo vendido por um preço razoável ao consumidor.
As emprêsas açucareiras, vendo o preço por que no comissariado se vendia êste açúcar, baixaram os seus preços, estando ameaçado de vir a perder o comissariado perto de 2:000 contos no açúcar que adquiri.
O comissariado resolveu então vender o seu açúcar à casa Hornung.
O Sr. Maldonado dê Freitas: — O comissariado pretende ressarcir-se dêsse prejuízo, fazendo-se descontar 20 por cento na venda do azeite e na das batatas, conseguindo assim uma descida dêsses produtos à custa do dinheiro dos outros.
O Orador: — Tenho conhecimento dêsse facto. Nas regiões da Moita e Aldeia Galega, ao produtor da batata, nesta ocasião,
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foi feita a mesma exigência dos 20 por cento, permitindo-se depois a venda livre da restante batata. E assim se está procedendo com outros géneros, para depois se dizer que êsses géneros se vendem no comissariado com 20 a 30 por cento de abatimento!
Feita esta ligeira observação, reservar-me hei para quando estiver presente o Sr. Ministro da Agricultura, para solicitar a S. Exa. medidas enérgicas, porque, embora S. Exa. tenha afirmado que os decretos não resolvem certos assuntos, alguns se vão fazendo — e os piores — como, por exemplo, aquele que acaba de modificar o diagrama do pão, de que resultará o aumento dêsse produto, simplesmente porque a celebérrima moagem diz que perde. E só por isto se publicou um decreto que permite que hoje se estejam fornecendo 7 sacas de primeira por 5 de segunda, quando até aqui o diagrama da extracção da farinha se fazia em quantidades iguais tanto de primeira como de segunda.
Antes de terminar, permita-me o Sr. Ministro do Comércio, que solicite de S. Exa. a dragagem imediata dos canais do Seixal, Barreiro, Aldeia Galega e Alcochete, problema êste para que tenho solicitado a atenção de todos os Srs. Ministros e que urge agora, mais do que nunca, não só para benefício dessas regiões, benefício de que elas carecem em absoluto, mas também para a cidade de Lisboa, que dessas regiões é abastecida de grande número de géneros.
Com a boa vontade que anima o Sr. Ministro do Comércio, e que eu sou o primeiro a reconhecer, estou certo que será destinada do orçamento do seu Ministério a verba necessária para que a dragagem dêsses quatro canais possa ser um facto dentro em pouco.
Tenho dito.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Pires Monteiro): — Ouvi com toda a atenção as considerações do Sr. Tavares de Carvalho e tenho a responder a S. Exa. que, quanto às irregularidades cometidas na Direcção Geral das Minas, o Sr. Ministro do Trabalho, que é uma pessoa inteligente e cheia de boa vontade, saberá dar as providências que o caso requere.
Nesse sentido transmitirei tam fielmente quanto me fôr possível as considerações de S. Exa.
Quanto à dragagem dos canais do Seixal, Barreiro, Aldeia Galega e Alcochete, cuja necessidade se impõe, sinto ter de dizer a S. Exa. que o Ministério do Comércio não dispõe da verba suficiente para proceder a êsses trabalhos. Em todo o caso, eu envidarei os meus esfôrços para ver se consigo realizar, embora parcialmente, o desejo de V. Exa.
O orador não reviu.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente: pedi a palavra para agradecer ao Sr. Ministro do Comércio as palavras que pronunciou sôbre a disposição em que se encontra de satisfazer os pedidos de melhoramentos para o círculo que represento.
Quanto ao caminho de ferro de Alcochete muito agradecido ficarei a S. Exa. se empregar todos os esfôrços no sentido da sua construção se iniciar ràpidamente, pois a verdade é que êste caminho de ferro vai beneficiar não só aquele concelho como os limítrofes e os que estão situados na margem esquerda do Tejo.
Aproveito, Sr. Presidente, a ocasião de estar no uso da palavra para pedir a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que seja incluído antes da ordem do dia o parecer n.° 124.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: eu não venho mais uma vez reclamar contra a prática que se vem seguindo de se inscreverem antes da ordem do dia todos os projectos que vão sendo requeridos nesta Câmara, colocando-os antes daqueles que já estavam inscritos.
Esta prática tem trazido dissabores e uma certa confusão aos trabalhos parlamentares; porém, eu deixo a quem de direito a responsabilidade dêsses factos.
Hoje vou tratar de um outro assunto, para o qual chamo a atenção do Sr. Presidente do Ministério.
Deu-se ontem um facto nesta casa do Parlamento que me parece que precisa ser examinado.
Sr. Presidente: na ordem do dia estavam e continuam a estar propostas de lei como a da actualização dos impostos, para a qual foi requerida urgência, e bem
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assim a que diz respeito à melhoria de vencimentos do funcionalismo público, militar e civil.
Ontem nenhum dêstes assuntos foi discutido e não me consta que ninguém tenha protestado, nem que da parte do Govêrno tenha havido qualquer interferência no sentido de se restabelecer a ordem como estava inscrita.
Sr. Presidente: eu acho legítimo nesta hora em que nos faltam poucos dias para ultimação dos trabalhos parlamentares, sendo uma das propostas mais importantes a que diz respeito a melhoria dos vencimentos do funcionalismo, que o Sr. Presidente do Ministério diga à Câmara o que pensa sôbre o assunto.
Deseja o Govêrno realmente votar a melhoria dos vencimentes ao funcionalismo antes do encerramento dos trabalhos parlamentares?
Sendo assim continua o Govêrno a ter empenho na votação das propostas que estão na ordem, que se destinam especialmente a essa melhoria, ou, pelo contrário, não pensa mais na melhoria dos vencimentos ao funcionalismo?
Eu creio prestar um serviço, não ao funcionalismo público, mas ao Govêrno, à administração do País, ao bom andamento da vida nacional, fazendo estas preguntas ao Govêrno, pois da sua resposta dependerá um bem-estar para o nosso meio social, evitando porventura dissabores para todos nós.
Espero, portanto, Sr. Presidente, de ver ao Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior a fineza da sua resposta.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Rodrigues Gaspar): — Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. Jaime de Sousa fez umas observações menos justas sôbre a atitude do Govêrno perante a questão dos vencimentos do funcionalismo.
Essa questão é uma das que o Governo apresentou na declaração ministerial, declarando que era indispensável atender às condições muito precárias do funcionalismo público, pois ainda hoje eu tive ocasião de receber alguns funcionários que me declararam que nem os lençóis escaparam de ir para a casa de penhores.
É esta realmente a situação em que se encontra o funcionalismo, tanto militar como civil.
O Govêrno, conformo disse na declaração ministerial, pensa em atender à situação do funcionalismo, para o que necessita da aprovação dos pareceres que trazem aumento de receita, como, por exemplo, o da actualização dos impostos, para o que já empreguei todos os esfôrços junto das pessoas representativas dos partidos, no sentido de a sua discussão se efectuar ràpidamente.
Assim, Sr. Presidente, logo que seja votada essa medida, eu pedirei à Câmara que com urgência discuta imediatamente a proposta relativa ao funcionalismo.
A responsabilidade na demora não pertence, pois, ao Govêrno, mas sim à Câmara.
A Câmara votando essas propostas, muito principalmente a dos adicionais, faz com que o Govêrno obtenha pelo menos metade da verba necessária para o aumento dos vencimentos ao funcionalismo.
Numa ocasião em que o Pais olha para os actos da Câmara, em que está constantemente a reclamar as medidas financeiras indispensáveis para a marcha do equilíbrio orçamental; essas medidas sofrem na Câmara uma discussão extremamente longa.
Chamo a atenção da Câmara mais uma vez para a circunstância que se dá. Não se podem aumentar os vencimentos dos funcionários, sem que a Câmara faculte ao Govêrno os meios indispensáveis para lhes poder pagar.
O Govêrno não pode obrigar a Câmara a votar essas medidas, nem tem culpa de que, por vezes, só dêem casos de obstrucionismo, que o País julgará.
Apoiados.
É esta a ocasião do se votarem medidas de alcance financeiro para sairmos da situação crítica em que o País se encontra.
Apoiados.
O Sr. Carvalho da Silva: — Não apoiado.
O Orador: — Só não pode apoiar o que estou dizendo quem tem medo de pagar
aquilo que deve pagar.
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Fala-se nas más circunstâncias financeiras do Puís, mas ninguém quero pagar o que deve pagar de impostos.
Esta é que é a verdade.
Apoiados.
O Govêrno não tem responsabilidade nisto. Fique a responsabilidade ao Parlamento.
Apelo mais uma vez para a Câmara.
É indispensável que o Parlamento habilite o Govêrno com as medidas indispensáveis para a sua acção administrativa.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva (para explicações): — Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Ministério, num discurso infeliz, vem lançar sôbre a Câmara a responsabilidade de ainda se não ter votado a proposta de lei relativa à melhoria de vencimentos ao funcionalismo.
Não tem S. Exa. razão.
A responsabilidade é do Govêrno, da sua incompetência.
V. Exa. sabe, em primeiro lugar, que as propostas de lei apresentadas sôbre actualização de impostos tem sido de tal maneira monstruosas e inexeqüíveis, que se torna impossível a sua aprovação.
Em segundo lugar a culpa é do Govêrno, porque escolheu para Ministro das Finanças uma pessoa incompetente, que ainda não expôs as suas ideas sôbre as propostas de lei em discussão e que se mantém no seu lugar, assistindo, sem emitir a sua opinião, às discussões.
O Sr. Ministro das Finanças teve a ombridade, ao tomar posse da sua pasta, de declarar que nunca tinha pensado em ocupar êsse lugar.
É nestas circunstâncias que o Sr. Presidente do Ministério vem lançar sôbre o Parlamento a responsabilidade de não ter o Govêrno os meios para aumentar os vencimentos ao funcionalismo!
Disse mais o Sr. Presidente do Ministério que eu não quero pagar o que devo pagar.
Não ignora o Sr. Presidente do Ministério que o País não pode pagar mais.
Que não há o direito de exigir do País aumento de impostos, quando as despesas que o Estado faz são absolutamente injustificáveis.
O primeiro dever do Govêrno era apresentar uma medida de redução de despesas.
Emquanto não o fizer, a miséria dos funcionários públicos, como a miséria de toda a gente, há-de continuar. A culpa é do Govêrno, que não faz senão apresentar propostas de lei de créditos especiais, com prejuízo da ordem do dia.
Portanto a responsabilidade de se não terem ainda votado as medidas julgadas indispensáveis é do Govêrno.
Vozes: — Não pode ser. Isso não são explicações.
O Sr. Presidente: — V. Exa. está fazendo um discurso.
O Orador: — O Sr. Presidente do Ministério referiu-se a mim e declarou que eu não queria pagar o que devia pagar.
Eu não sou rico, sou apenas remediado, e tenho visto os meus rendimentos deminuídos. Tenho sofrido, prejuízos nos meus capitais, como tantos outros.
O Sr. Presidente do Ministério recebe mais dos seus vencimentos do que eu tenho recebido até agora.
Duma maneira clara: o País não pode pagar mais do que paga hoje.
Vozes: — Não apoiado!
O Sr. Júlio Gonçalves: — Tem a barriga cheia.
O Orador: — Peço que justifique, como é que estou com a barriga cheia.
O Sr. Júlio Gonçalves: — Todos os grandes proprietários estão fartos de explorar a miséria do País. E assim que estão com a barriga cheia, que de resto já trouxeram da Monarquia para a República.
O Orador: — Em primeiro lugar, não sou um grande proprietário...
O Sr. Júlio Gonçalves: — V. Exa. é o representante deles aqui. .
São os interêsses deles que V. Exa. defende o não os do País.
O Orador: — O que aqui defendo são os interêsses do País e mesmo o capital.
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que V. Exas. tratam como inimigo e que também pertence aos interêsses do País.
Quem tem a barriga cheia, saiba V. Exa., são aqueles que andavam ontem com as botas rotas e hoje gastam à larga l
Apartes da esquerda.
O Sr. Presidente: — Peço a V. Exa. apara se cingir à matéria das explicações.
O Orador: — Repito, portanto, as palavras do Sr. Presidente do Ministério e direi que o Pais é que as pode apreciar devidamente.
No momento em que o País está nesta situação dificílima, é lamentável que haja um Ministro das Finanças que não tenha ideas próprias e se limite a pedir aos contribuintes que paguem para continuar o regabofe em que temos vivido.
Não apoiados da maioria.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita (para explicações): — Sr. Presidente: já no ano passado o Govêrno que então estava no Poder dizia à Câmara que queria aumentar os impostos.
No ano passado esta espécie de coacção não produziu quaisquer resultados, e houve um momento em que o Govêrno, farto de exigir demais, se contentou em querer o aumento que parecia justo e que a -Câmara lhe votou — lembro-me perfeitamente em poucas sessões prorrogadas, uma das quais foi até às 7 horas da manhã, com a assistência dá minoria. Isto quere dizer que a proposta que aumenta os impostos tem tido uma larga discussão, é porque não tem havido o cuidado de conciliar as opiniões. O mal provém talvez de que a maior parte dos que se sentam nas cadeiras do Poder não pagam contribuições, nem têm por onde pagar.
Protestos da esquerda.
O Orador: — Não me perturbam os protestos de V. Exas. Acho justo que se aumentem os impostos e acho justíssimo que se aumentem os vencimentos dos funcionários públicos que vivem na miséria; o que não acho justo é que, a pretexto de aumentar êsses, vencimentos, se vá pedir ao contribuinte a pele, a carne e o êsse.
Entendo que a maneira de conseguir ràpidamente a aprovação dessa proposta nem é com palavras violentas do Sr. Presidente do Ministério nem com ameaças.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai discutir-se o parecer n.° 801 — aeronáutica militar tem a palavra o Sr. Cortês dos Santos.
O Sr. Cortês dos Santos: — Sr. Presidente: reconhecem hoje todos a necessidade que há de reorganizar o serviço da Aeronáutica Militar, e a Câmara confirmou esta necessidade aprovando a urgência e dispensa do Regimento para a proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro da Guerra.
Realmente, dada a importância que para a Câmara tem tudo o que se liga com a defesa nacional, o problema de que nos ocupamos não podia deixar de merecer a maior atenção desta Câmara, mas a urgência, que foi votada impediu que a comissão de guerra pudesse ocupar-se devidamente dêle.
Todavia, não pode a Câmara deixar de reconhecer que existindo uma organização do exército, que é uma organização da República, e que tem sido posta à prova em tantas ocasiões, ela não pode ser posta de parte quando se trate da reorganização dum dos serviços do exército.
É certo que a organização de 1911 não abrangeu,nas suas determinações a Aeronáutica Militar, porque pode dizer-se que esta arma só foi organizada depois da guerra, mas pode muito bem abrangê-la, convenientemente modificada.
Reconhecemos todos também que a maneira como foi organizada entre nós a 5.ª arma não satisfez às necessidades da defesa do País. E agora, pois, ocasião, quando se trata de discutir a proposta que S. Exa. o Sr. Ministro da Guerra trouxe a esta casa do Parlamento, de marcar-se-lhe aquelas directrizes sôbre as quais assenta a organização do exército, que não podem nem devem ser alteradas.
Efectivamente, a organização de 1911 tem tido uma função importantíssima, e,
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embora hoje se reconheça que ela precisa de ser alterada em alguns dos seus pontos, segundo as conclusões da guerra, o que é facto é que não há indicação alguma, de qualquer ordem, que nos leve a pô-la completamente de parte.
Apoiados.
Sendo, Sr. Presidente, a organização militar de 1911 uma obra da República, uma obra do Govêrno Provisório, não admira que os ataques a essa organização se repitam constantemente.
Assim, pertence a esta Câmara, pertenço aos partidos da República a obrigação de defender em toda a parte os princípios republicanos da organização de 1911.
O recrutamento obrigatório, as condições de igualdade em que por essa organização são tratados todos os indivíduos, princípios absolutamente republicanos, nós não os podemos pôr de parte, não esquecendo, no emtanto, que serviços há que necessitam ser modificados.
Trata-se, com esta proposta, de dar uma machadada numa obra importantíssima, que é a obra do Govêrno Provisório da República.
Não pode o Partido Democrático, com as responsabilidades que tem, aceitar qualquer atitude neste sentido.
Eu sei que o Sr. Ministro da Guerra, ao apresentar esta proposta, tem apenas em vista o maior aperfeiçoamento das instituições militares.
Todos nós sabemos que S. Exa., além dum profissional distinto, cujas qualidades são absolutamente conhecidas através da sua vida militar, marcou absolutamente o seu lugar nas campanhas de 1915, em Angola, em que S. Exa. comandou um grupo de esquadrões, mostrando as altas qualidades militares do um oficial um chefe.
S. Exa., que assim tanto se distinguiu nos combates em Angola, e bem assim em Janeiro de 1919, pois, na verdade, S. Exa. foi um dos primeiros oficiais que então se encontraram em Campolide, tomando a chefia das fôrças republicanas contra as que se encontravam em Monsanto; S. Exa., que na guarda republicana tem mostrado a sua competência e a sua fé republicana no desempenho desta alta missão, não devia trazer-nos esta proposta de lei como um remendo a aplicar à organização de 1911, pois que não é de aceitar.
Traga-nos S. Exa. aqui as bases sôbre as quais terá de reorganizar o exército; siga-nos se essa reforma está dentro dessas bases, que nós então não teremos dúvida alguma em considerar esta proposta; mas no momento actual alterar a organização do exército, não faz sentido.
Em que condições se aplicaria a serviço militar adentro do exército se esta organização fôsse posta em vigor?
As condições seriam absolutamente diferentes da organização de 1911.
Sr. Presidente: eu reservo-me para quando se discutir a proposta na especialidade mandar para a Mesa aquelas emendas que, mantendo o espírito da proposta ministerial, não alterem, no emtanto, os termos da organização de 1911, e assim estou certo que a Câmara, aprovando a alteração que vou ter a honra de propor, fará de facto uma obra útil ,e necessária, visto que se é urgente reorganizar, como todos o reconhecem, os serviços da aeronáutica militar, justo é que êles sejam reorganizados dentro dos princípios basilares, dentro dos princípios que regulam e dirigem o nosso exército.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Viriato da Fonseca: — Sr. Presidente: o assunto que está em discussão é bastante importante.
Trata-se da reforma de uma parte do exército, constituída pela Aviação Militar.
Diz-se que é preciso reorganizar essa parte do exército, o eu acho bem; mas pedi a palavra para tratar dêste assunto, porquanto não tendo concordado como membro da comissão de guerra com a contextura da proposta apresentada por S. Exa. o Sr. Ministro da Guerra, tomo agora a palavra em nome do Grupo de Acção Republicana, para apresentar os seus pontos de vista em face dêste grave problema militar.
Faço-o com mágoa, por não ter as qualidades necessárias para neste momento falar sôbre êste assunto.
Ao Grupo de Acção Republicana pertence o general do nosso exército, por todos muito respeitado e considerado, não só pelas suas altas qualidades de militar
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brioso e sabedor, mas também porque foi quem como Ministro da Guerra, promulgou a organização do exército de 1911, o Sr. general Pereira Bastos, que hoje infelizmente está doente gravemente, e não pode sair de casa há muitos dias.
Deveria ser S. Exa. quem viesse aqui apresentar razões fortes e bastantes para convencer a Câmara.
Conheço que não poderei fazê-lo fàcilmente, e tam bem como S. Exa.; porquanto melhor do que eu, S. Exa. conhece não só essa organização como todos os factos que ocorreram durante treze anos de execução dessa organização, que como todas as leis, não sendo perfeita, poderia conter defeitos e faltas que nos treze anos decorridos se evidenciaram, mormente após a Grande Guerra, sendo porém de atender que essa organização, não foi executada integralmente em muitos dos seus importantes pontos, o que muito a prejudicou.
Dois pontos capitais pretendo discutir, ainda que muito ràpidamente, porque não podemos estar com largos discursos.
Em poucas palavras defenderei o que é a orientação do meu grupo sôbre a matéria que aquilo apresenta.
Depois das palavras do Sr. Cortês, que me parece representarem a verdadeira doutrina, pouco mais tenho a dizer.
Procurarei referir em poucas palavras o que penso, apesar do assunto ser de grande monta.
Todos sentem que êle representava no momento em que foi promulgado um passo gigantesco dado pela instituição militar em relação ao que era até ali.
Até ali o exército apesar do ter elementos bons, excelentes, portugueses sempre rijos, sempre valentes, disciplinados e patriotas como dizia Napoleão, elementos que se afirmaram na guerra peninsular e foram elogiadas por Beresford, a organização do exército de então não correspondia às exigências da época em que se implantou o actual regime, nem a época precedente do regime-monárquico.
Todas as leis ou organizações boas em certa época têm de ir caminhando com a evolução, e é preciso ir limando as arestas das leis, para que elas se possam adaptar aos factos que vêm aparecendo.
A organização que vinha desde Beresford, com várias modificações até 1911,
precisava de ser modificada com urgência.
Nem sequer a organização do exército daquele tempo poderia, pela sua quási nula eficácia, justificar o dinheiro que se gastava nesse tempo com o exército.
Era uma necessidade impreterível transformar o exército, para que êle pudesse com eficácia exercer a sua missão de defender a Pátria.
O regime republicano, reconhecendo isso, promulgou em 1911 a célebre organização, cujo fundamento principal era o milicianismo.
E essa organização não mais fazia do que radicar a tradição que desde os primeiros tempos imperou sempre na história do povo português.
Foi essa tradição marcada desde que as hostes de Afonso Henriques, formadas de milicianos, em rijos duros e imprevistos lances firmaram a nossa nacionalidade.
Era o milicianismo que combatia.
Todos conhecem a brilhante História de Portugal, e recordando-a reconhece-se que foi sempre o milicianismo, por assim dizer, a marca dominante no exército português.
Quando as hostes napoleónicas vieram a êste país, pretendendo conquistá-lo, foram brilhantemente combatidas por hostes milicianas, as quais se contrapuseram ao lado das tropas inglesas, a êsses velhos e heróicos soldados franceses, que já quási tinham subjugado a Europa inteira, e aqui receberam o primeiro golpe que veio a destruir a hegemonia napoleónica.
Foi ainda o exército miliciano o que se bateu nas portentosas lutas que se seguiram durante o século XIX.
O milicianismo na nossa terra tem uma tradição de oito séculos.
Depois da guerra que terminou há seis anos, e cujos resultados foram importantíssimos para todos os exércitos do mundo, há que modelar as novas organizações pelas conclusões dessa guerra, mas entendo que modificando convenientemente a organização de 1911, sem a destruir, podemos respeitar aquelas conclusões, conservando as nossas tradições básicas.
Se alguém se levantasse a dizer que a organização de 1911 é má, que não serve à nossa técnica militar, eu contestaria essa afirmação e dir-lhe-ia que essa organização ainda hoje é excelente.
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Tem simplesmente, como iodas as leis, quer matemáticas, físicas ou sociais ou mesmo as empíricas, de sofrer as modificações que o embate e o aparecimento de novos factos ocasionam, fenómeno que o grande Darwiu chamava o efeito da selecção.
Assim o problema militar é um problema de adaptação, de selecção.
Mas não há nada perfeito neste mundo, e esta lei devia ter defeitos, quer subjectivos, da sua própria contextura, quer objectivos em relação aos factos sociais e ao povo a que se tinha de aplicar.
Mas, quer duma maneira, quer doutra, êsses defeitos não são de tal ordem que a deitem por terra; indicara, apenas, a necessidade de modificá-la.
Sr. Presidente: pedindo desculpa de tomar tanto tempo à Câmara com estas palavras que costumo reservar para o meu gabinete de trabalho, passo a apreciar a segunda parte da proposta: a organização da aeronáutica.
Esta organização é necessária, não há ninguém que o não reconheça. Após os acontecimentos que se produziram há porto de mês e meio, provou-se muito bem que se tinha feito desde 1919 uma organização da aviação militar imperfeita, uma organização de momento, como tudo o que tem vindo depois da guerra, em que tudo é provisório, incerto e não definitivo.
Nesta época de incertezas, de conflitos, de ganância, posso mesmo dizer de desordem, financeira económica e social, não pode haver leis, sistemas ou organizações definidas.
Para onde caminha a sociedade, para onde se orienta?!
É um ponto de interrogação, a que todos ps sábios do mundo, nos laboratórios e nos gabinetes, andam procurando responder, mas até hoje ainda ninguém sabe o que será a civilização de amanhã.
Também não se sabe o que será o exército de amanhã. Portanto, devemos ir com cautela e avançar passo a passo.
O Sr. Presidente: — Previno V. Exa. de que é a hora de só passar à ordem do dia.
O Orador: — Apesar de querer ser consizo, ainda me falta dizer algumas cousas e por isso peço a V. Exa. para ficar com a palavra reservada.
O Sr. Ministro do Trabalho (Xavier da Silva): — Sr. Presidente: sendo a primeira vez que tenho a honra de falar nesta Câmara, envio a V. Exa. os meus sinceros cumprimentos, bem como à ilustre Câmara dos Deputados.
Pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de lei sôbre o Bairro Social do Arco do Cego. Trata-se de dar ao Govêrno u faculdade de poder transancionar aquele bairro nas condições da lei n.° 1:594.
Está o Govêrno autorizado a despender uma verba de 5:000 contos — obtidos por empréstimo na Caixa Geral de Depósitos que, além do respectivo juro, pede a importância de 10 por cento - para atender a reparações urgentes que há a fazer no mesmo bairro.
Essas reparações, porém, parece-me que não ascendem a mais desta importância, e por isso entende o Ministro que não será boa administração ir gastar mais 5:000 contos. Há no Bairro do Arco do Cego casas construídas, mas que não têm caixilhos nas janelas, entrando por isso a chuva por essas janelas o deteriorando os pavimentos que já estão completos; há outras já num estado grande de adiantamento; mas sem telhados, estando, pois, expostas à acção do tempo; e ainda há outras casas que tem apenas o madeiramento, estando a estragar-se todas elas.
A autorização que foi concedida ao Govêrno permite que êle despenda 5:000 contos nestas reparações, mas, como já disso a V. Exa., esta verba é insignificante para atender a todas essas reparações, parecendo, pois, que mais conviria fazer apenas as obras julgadas necessárias naquelas casas que já estão quási prontas, deixando as outras sem reparação.
Nestas condições, entendo que a Câmara deve apreciar esta questão para me fornecer elementos bastantes neste sentido o ainda a fira de o Govêrno ficar autorizado a poder negociar com os corpos administrativos, nas condições que já lhe foram dadas para a venda do Bairro Social da Covilhã, a alienação do terreno e edifícios do Bairro do Arco do Cego, e por isso mandei para a Mesa essa proposta, para a qual requeiro urgência.
Tenho dito.
Consultada a Câmara foi aprovada a urgência.
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O Sr. Almeida Ribeiro (para um negócio urgente): — Sr. Presidente: por eleito duma deliberação tomada há poucos dias nesta Câmara, as sessões devem durar até às 21 horas, mas tem sucedido que quási sempre as sessões se têm interrompido por falta de número pelas 20 horas.
Vou mandar para a Mesa uma proposta marcando aos trabalhos da ordem do dia a duração de 4 horas.
Peço para ela urgência e dispensa do Regimento.
Leu-se e foi aprovada a urgência e dispensa do Regimento.
A proposta é a seguinte:
Propomos:
1.° Que até ao fim da actual sessão legislativa os trabalhos da ordem do dia tenham a duração de quatro horas;
2.° Que as primeiras duas horas sejam destinadas à discussão e votação dos pareceres sôbre impostos, quaisquer outros de interêsse financeiro e orçamentos, e as restantes à discussão e votação dos pareceres sôbre o inquilinato; estradas e outros de interêsse geral.
Sala das Sessões, 30 de Julho de 1924.— Almeida Ribeiro — E. Carneiro Franco — Abílio Marçal — João Salema — Marques de Azevedo — Amadeu Vasconcelos — Nunes Loureiro — António Maria da Silva — Vitorino Guimarães.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: a proposta do Sr. Almeida Ribeiro representa, evidentemente, uma confissão, por parte da maioria de que não está disposta a trabalhar aquele tempo que estava marcado na proposta do Sr. Abílio Marçal. E então pregunto, até ao próprio Sr. Presidente do Ministério que há pouco se queixava do que as oposições faziam demorar os trabalhos parlamentares: Não vê S. Exa. que é a maioria parlamentar quem se recusa a trabalhar e colaborar com o Govêrno?
Antes de formular as considerações que esta proposta me sugere, desejaria que o Sr. Presidente do Ministério desse atenção para eu lhe fazer uma pregunta.
Não quero dar ao Sr. Presidente do Ministério razão para que S. Exa. possa justificadamente apresentar queixas como a que há poucas horas aqui foi feita.
Desejava que S. Exa. fizesse o favor de me responder se entende o Govêrno que deve ser aprovada esta proposta, que se traduz em deminuir uma hora na duração dos trabalhos da ordem do dia.
Se o Govêrno julga que pode prescindir dessa hora para a discussão do que há para discutir.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Rodrigues Gaspar): — A redução da hora deponde evidentemente da resolução que a Câmara tomar.
Praticamente tem-se fechado a sessão por falta de número. Parece por conseqüência, que se se reduzir a hora, e a Câmara se resolver a trabalhar, não haverá necessidade de mais tempo de sessão; mas é preciso resolver-se a trabalhar, não só a falar, porque não é êsse evidentemente o interêsse do País.
O Orador: — S. Exa., portanto, julga que não faz falta uma hora para os trabalhos da Câmara.
Não parece o mesmo Presidente do Ministério que há pouco se queixava...
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Rodrigues Gaspar): — Sim, senhor.
O Orador: — Não senhor.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Rodrigues Gaspar): — É preciso que se aproveite êsse tempo.
O Orador: — Então V. Exa. julga que cortada essa hora há tempo para se discutirem as propostas que o Govêrno entende indispensável discutir?
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Rodrigues Gaspar): — Se se convencerem que é preciso estar duas horas a dizer a mesma cousa...
O Orador: — Já tinha a opinião do Sr. Presidente do Ministério: o Govêrno acha que não é necessária essa hora que é tirada para os trabalhos da Câmara, se a Câmara aproveitar o tempo.
Gostaria, portanto, muito que o Sr. Presidente do Ministério se pronunciasse acerca da proposta relativa a impostos.
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Desejava me dissesse qual das propostas que estão em discussão S. Exa. prefere.
O Sr. Agatão Lança: — É necessário discutir, e...
O Orador: — Creio que S. Exa. ainda não é Presidente do Ministério. Sê-lo-há, sê-lo-há um dia.
Mas visto que se pretende irritar as oposições, por forma a que se leve mais tempo a discutir, declaro que êste lado da Câmara se mantém sempre firme no propósito de se não desviar do seu caminho.
Em relação aos impostos, à sua actualização, êste lado da Câmara com a maior lealdade declara que há-de contribuir, tanto quanto em suas fôrças caiba, para evitar essa monstruosidade.
Gostaria, repito, que o Sr. Presidente do Ministério me prestasse, a êste respeito, um pouco de atenção para me poder orientar sôbre qual das propostas apresentadas merece a preferência do Govêrno.
Sendo diminuída a hora destinada ao trabalho da ordem do dia, temos fatalmente que tomar em consideração a quantidade de trabalhos de que a Câmara tem de ocupar-se.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Pedia a V. Exa. para não dizer que a minha proposta se traduz numa diminuição de tempo da sessão.
Nenhuma sessão durou ainda até às 21 horas.
Uma voz: — Já, já.
O Orador: — Não se traduz numa diminuição de tempo, traduz-se apenas numa regularização do que se estava fazendo, na regularização duma situação, o nada mais.
Então a proposta de V. Exa. traduz-se na constatação da impossibilidade da maioria trabalhar até às 9 horas da noite.
É que V. Exa. está convencido que mesmo até às 8 horas da noite a maioria não dá número para a Câmara funcionar.
O próprio autor da proposta, o Sr. Almeida Ribeiro, pessoa muito respeitável, depois das 19 horas não é costume vê-lo aqui, o que lamentamos muito, porque é
uma das pessoas que dentro desta Câmara melhor pode elucidar-nos sôbre as propostas.
Além disso a proposta de S. Exa. tem outro inconveniente: marca quatro horas para os trabalhos da ordem do dia, e então pregunto: sabendo-se que a maioria não está na Câmara das 8 às 9 e das 3 às 4, começando a sessão às 4, entrando-se na ordem do dia às 5, para que a parte relativa à ordem do dia dure 4 horas, deixa de haver o período «antes da ordem» ou não?
O Sr. Almeida Ribeiro: —A minha proposta não altera o Regimento.
O Orador: — Quere dizer que V. Exa. reconhece que a ordem do dia vai durar não 4 horas mas 3, visto que nunca se entra nesse período senão às 5 horas.
Entende pois S. Exa., como o Sr. Presidente do Ministério, que é suficiente o período que vai das 5 às 8 horas para se discutirem os assuntos incluídos na ordem do dia.
Nós não entendemos assim.
Somos de opinião que, havendo algumas propostas da maior urgência, como á do inquilinato e a relativa ao vencimento do funcionalismo público, as 3 horas não bastam.
O Sr. Almeida Ribeiro, o Sr. Presidente do Ministério e em àparte o Sr. Agatão Lança referiram-se ao facto de termos levado muito tempo a discutir o problema da actualização dos impostos.
Sr. Presidente: não damos o nosso voto à proposta do Sr. Almeida Ribeiro e entendemos que, sendo a questão do inquilinato duma urgência absoluta e tornando se indispensável que, antes de findar a sessão legislativa, o Parlamento se tenha pronunciado sôbre ela, era na primeira parte da ordem do dia que tal assunto devia ser incluído.
Logo que a proposta do Sr. José Domingues dos Santos foi aprovada, nós defendemos este princípio.
Os factos se têm encarregado de demonstrar que quem tinha razão éramos nós.
Eu esporo que o Sr. Presidente do Ministério faça o favor do declarar e isto para que depois ninguém me possa acusar de estar a protelar os trabalhos
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parlamentares qual é de todas as propostas, que estão em discussão acerca da actualização dos impostos, aquela que o Govêrno entende que deve ser aprovada.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Rodrigues Gaspar): — Prefiro as que já estão na Mesa.
O Orador: — Mas qual delas?
O Sr. Presidente da Ministério e Ministro do Interior (Rodrigues Gaspar): — A que der o maior rendimento para o Estado.
O Orador: — É então êsse o critério de V. Exa.?
Não importa que ela seja uma monstruosidade?...
Em face disto, Sr. presidente, já V. Exa. e a Câmara, bem, como o País, podem compreender como se justifica que nós, dêste lado da Câmara, façamos tudo quanto nos fôr possível, dentro das normas regimentais...
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Rodrigues Gaspar): — O que é pena é que V. Exa. possa abusar dum Regimento para protelar a discussão dos assuntos, querendo impor-nos a sua vontade.
O Orador: — O que é pena é que haja um Govêrno que possa abusar do Poder, sem ao menos saber o que quere.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É aprovada a proposta do Sr. Almeida Ribeiro.
O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
Procede-se à contagem.
O Sr. Presidente: — Estão sentados 50 Srs. Deputados; de pé 6.
Está aprovada.
Vai entrar-se na ordem do dia.
É aprovada a acta.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Continua em discussão o parecer n.° 717.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr..Presidente: vamos a ver se o Sr. Presidente do Ministério e os Srs. Deputados que tanto se têm revoltada contra atitude dêste lado da Câmara, têm razão nas suas afirmações.
Não tenho sequer esperança de que a Câmara atenda aos argumentos apresentados com muita Maldade e depois dum trabalho honesta e sinceramente feito, tendentes a demonstrar-lhe a monstruosidade das propostas em discussão, Não sei ainda a que hora da sessão de hoje o Sr. Velhinho Correia apresentará a sua nova proposta.
Em cada dia que passa, S. Exa. traz uma proposta nova, que logo se demonstra ser inexeqüível.
Assim, no dia seguinte, o Sr. Velhinho Correia traz de casa outra proposta para substituir a apresentada anteriormente, e embora isso demonstre as faculdades de trabalho de S. Exa., elas são sempre piores do que aquelas que apresentara na véspera.
Sr. Presidente: a proposta apresentada traduz uma extraordinária injustiça, e está perfeitamente do acordo com as afirmações feitas no Barreiro, Oeiras e outras partes pelo Sr. José Domingues dos Santos, e hoje confirmadas nesta. Câmara pelos Srs. Júlio Gonçalves e Presidente do Ministério, cujo critério é êste: o Govêrno profere a proposta que render mais.
Quere dizer, o Govêrno não se preocupa em saber se a capacidade do contribuinte suporta ou não mais encargos; o que quere é arranjar mais dinheiro.
Sr. Presidente: trata-se da contribuição predial rústica, e portanto, dum imposto que incida sôbre géneros de primeira necessidade.
Que importa ao Govêrno que as batatas vão para três escudos e que as couves vão para cinco escudos?
Não se importa; o que pretende é dinheiro para a continuação do regabofe administrativo.
Todavia, êste lado da Câmara não vai por êsse caminho, porque êsses Deputados, como representantes do povo que são, não se esquecem que agravar o custo da vida é agravar ainda mais a situação do Tesouro, tornando o déficit muito maior.
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Sr. Presidente: ouvi nesta Câmara o Sr. Constâncio de Oliveira, que faz parte das bancadas conservadoras da República, clamar a indispensabilidade de se fazer a diferença dos coeficientes a aplicar aos contribuintes, conformo o seu rendimento colectável inscrito na matriz, em 1914.
Ora, Sr. Presidente, esta diferenciação representa apenas uma duplicação da progressão, uma vez que ela já existe no imposto pessoal de rendimento, e, neste ponto, tinha o Sr. Velhinho Correia razão.
O imposto progressivo é, na aparência, muito justo, mas qualquer que seja a doutrina filosófica dos que o defendem, traduz-se sempre no seguinte: Um número muito grande de contribuintes deixar de pagar determinada quantia que um número muito pequeno de contribuintes vai pagar.
E porque a massa colectável, embora distribuída por um número muito pequeno de contribuintes, é considerável em relação à totalidade da massa colectável, aconteceu que aqueles que, tendo de pagar uma taxa maior do que a média, viram-se na necessidade de aumentar os preços dos seus produtos.
A aplicação do imposto progressivo, pela forma como foi feita em 1911, deu em resultado que um número extraordinariamente grande de contribuintes, cêrca de 600:000, deixassem de pagar cêrca de 18 vinténs e meio por ano, ao passo que um reduzido número teve de pagar toda a massa de imposto que os outros deixaram de pagar.
Ora isto traz graves inconvenientes, entre êles o da emigração de capitais, cujo resultado todos nós estamos sofrendo.
Mas, Sr. Presidente, o Sr. Velhinho Correia, seguindo as indicações do Sr. Constando do Oliveira, apresentou uma proposta agravando ainda mais a doutrina defendida pelo Sr. Constâncio de Oliveira.
Chegamos a esta conclusão: o rendimento colectável que se quere atribuir à propriedade rústica, pela aplicação desta proposta, é de 753:000 contos, rendimento que era 1910 era computado em 22:000 contos, de onde se conclui que a media actual da contribuição predial rústica é cêrca de 38,5 vezes o que era.
Todavia, o Sr. Presidente do Ministério acha muito bem, e se eu me lembrasse, de harmonia com a declaração de S. Exa. de fazer uma proposta que se traduzisse na multiplicação deis taxas por 70 ou 80, o Sr. Presidente do Ministério, com aquele critério, acharia que a minha proposta era a que devia ser aprovada.
Mas. Sr. Presidente, não é por igual que será agravada á contribuição predial rústica.
Fica havendo três categorias de contribuintes, e nesta Câmara têm sido apresentadas várias propostas, além da proposta do Sr. Carlos Pereira, que é representante canhoto, no dizer de S. Exa., do Partido Democrático.
A progressão nessa proposta traduz-se em que, de escalão para escalão, cada contribuinte paga mais 24 por cento.
Não conheço nenhum Parlamento onde fôsse possível apresentar uma proposta desta ordem, nem conheço Parlamento nenhum onde uma maioria sustentasse que é fazer obstrucionismo mostrar como tudo isto é feito sôbre o joelho e como de reponte se engendram planos financeiros e se pedem mais impostos, sem se averiguar sôbre que produtos êles incidem, indo agravar talvez os géneros de primeira necessidade.
Mas a maioria acha tudo isto bem; e entende que tudo quanto se diga em contrário a seu respeito é obstrucionismo.
O Sr. Ministro das Finanças teve a hombridade, ao tomar conta da sua pasta, de dizer que não pensava ser levado a êsse lugar.
Não é admissível que numa ocasião destas se aceite, sem preparação, uma pasta tam importante.
S. Exa. foi muito leal na sua afirmação, e tem aqui mostrado a verdade que havia nas afirmações que fez no acto da sua posse.
O Sr. Ministro das Finanças lembra-nos o tempo das escolas, em que havia alunos matriculados e ouvintes, S. Exa., na discussão desta proposta, não se tem manifestado; tem sido apenas um ouvinte.
Só se pronunciou na última sessão, vindo mostrar que não fazia a menor idea do que era a proposta em discussão, proposta do Sr. Velhinho Correia, em substituição doutra proposta de substituição
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que substituía uma outra proposta, também de substituição, do Sr. Álvaro de Castro.
Àpartes.
O Sr. Ministro das Finanças vem dizer que seria melhor o imposto progressivo, e S. Exa. nem ao menos, se deu ao trabalho de verificar que o que estava em discussão era uma proposta de imposto progressivo.
Àpartes.
O Sr. VelhinHo Correia é capaz de sustentar tudo, pois que já sustentou que não mandou emitir notas falsas.
Apartes do Sr. Velhinho Correia.
O Orador: — Mas, Sr. Presidente, o imposto que está em discussão é espantoso, e a Câmara imagina que êle recai sòmente sôbre a contribuição predial rústica, quando afinal são abrangidos muitos outros impostos.
A nada disso a Câmara tem querido atender, e vemos, o que é espantoso, que o próprio Sr. Ministro das Finanças não está bem ao facto do que é a proposta.
Sr. Presidente: os impostos progressivos têm uma escala de progressão, e o Parlamento, sem atender a esta circunstância, tem mantido sempre, apesar das multiplicações do rendimento colectável que têm sido feitas, na mesma escala, sem ser actualizado na proporção aplicada aos coeficientes.
Isto demonstra que há o desconhecimento absoluto daquilo que é um imposto progressivo.
O Sr. Velhinho Correia: — Eu mostrei já a V. Exa. uma emenda que tinha redigida, tendente a obviar aos inconvenientes que V. Exa. apresentou.
O Orador: — A emenda de V. Exa. anão visa êsse facto, porque diz apenas respeito a algumas excepções e não actualiza aquilo que é indispensável.
Quando se trata de um imposto de rendimento, é necessário ter cuidado na maneira como se legisla; mas quando se trata dum imposto sôbre capital, êsse cuidado deve ser ainda maior.
A multiplicação dos coeficientes, sem a respectiva e correspondente actualização da progressão, dá em resultado que a taxa vai subindo ao mesmo tempo que o limite do escalão vai descendo, o que representa uma verdadeira monstruosidade.
Êste lado da Câmara, já chamou a atenção do Govêrno transacto para esta circunstância; já chamou a atenção do Sr. Velhinho Correia para o mesmo assunto, e chamo a atenção do actual Sr. Ministro das Finanças para êste facto.
Seja-me lícito dizer que S. Exa. não é o maior responsável, porque talvez não tenha ainda-tido, tempo de estudar a questão ; mas o Govêrno devia ser o primeiro a não querer que estas propostas fossem votadas sem que a Câmara lhe dêsse o tempo necessário para apreciar e fazer um largo estudo do problema.
Sr. Presidente: vote a Câmara como entender, mas não o fará sem que nós lhe tenhamos mostrado que estas propostas, tal como estão elaboradas, vêm agravar espantosamente o custo da vida, principalmente nos géneros de primeira necessidade, e onerar extraordinariamente, a lavoura, que não pode pagar o que se lhe quere exigir.
Quando tive ensejo de falar sôbre êste assunto e de apresentar a demonstração irrefutável do que afirmava, o Sr. Velhinho Correia apresentou nova proposta.
Usou a seguir da palavra o meu querido amigo, Sr. Morais Carvalho, e nova proposta foi apresentada pelo Sr. Velhinho Correia.
O Sr. Velhinho Correia: — V. Exa. está equivocado.
O Orador: — V. Exa. em Outubro do ano passado apresentou à Câmara a primeira propostas cujos coeficientes eram 8, 12 e 16, fazendo a defesa calorosa dêstes coeficientes.
Demonstrei-lhe o que isso era, e V. Exa., que nesse dia, excepcionalmente, não foi teimoso, limitou-se a dizer que tinha feito uma cousa irreflectida, e, dirigindo-se à Mesa, substituiu essa proposta por uma outra, estabelecendo os coeficientes 8, 9 o 10, sem dizer nada a ninguém.
Até nesse processo V. Exa. não foi original, porque é freqüente nos rapazes das escolas substituíram as provas escritas erradas, sempre que o podem fazer às escondidas dos professores.
Depois o Sr. Velhinho Correia apresentou uma alteração à proposta do Sr. Al-
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varo de Castro, e essa então fixava o coeficiente 16.
Hoje vem apresentar outra proposta com os coeficientes 12, 16 e 20.
É esta a firmeza de opinião que tem o Sr. Velhinho Correia nesta matéria.
V. Exa. devia ao menos pensar que o Parlamento não faz boa figura perante o País, andando todos os dias a mudar de opinião.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ganha Leal: — Sr. Presidente: está em discussão o artigo 1.° duma proposta que visa a actualizar impostos, sendo a primeira actualização a da contribuição predial rústica.
Para se compreender o que de injusto e arbitrário se pretendo realizar com essa actualização, é necessário fazer a história dessa contribuição na República.
A República, fundada com generosas aspirações, procurou marcar bem ò seu espírito legalista e justo, quando, seguindo o critério preconizado pelos seus homens mais notáveis, adoptou a progressividade do imposto.
Àpartes.
Ainda para marcar mais o seu espírito liberal nesta matéria, a República quis fazer certas isenções e estabelecer certos limites.
Muito se discutiu sôbre se haveria ou não motivo para o estabelecimento de tais isenções.
Há quem diga que o contribuir para os gastos gerais da Nação é obrigação que impende sôbre todos os rendimentos, e que a República mal fez quando estabeleceu essas pequenas isenções.
Modernamente entende se que de facto devem ser aliviados do imposto os rendimentos aquém dum certo limite, atendendo-se, inclusivamente, a circunstâncias particulares da vida de cada um, tal como a do número de pessoas de cada família; e assim vemos que êsse pequeno e tímido passo que a República deu no sentido da progressividade do imposto, se nada significou, foi, em todo o caso, a marca indelével dum princípio justo.
Mas acabaram-se, porventura, as injustiças? Não!
A República quis enxertar a justiça na injustiça; o enxerto não pegou, mas ficou
na legislação fiscal sôbre contribuição predial rústica a marca da justiça.
Desde que se não fez a actualização das matrizes, e desde que se tomou como base para multiplicações variadas uma cousa que é, originariamente, errada, a injustiça continua evidentemente a existir na contribuição predial rústica, e até cada vez mais temos vindo acentuando essa injustiça com os sucessivos e constantes acrescentamentos feitos à legislação respectiva.
E de onde provém essa injustiça?
Vamos ver.
Devido às influências de caciques, os grandes proprietários estavam beneficiados na avaliação dos seus rendimentos, e assim tudo quanto seja multiplicar êsses rendimentos muito beneficiados em relação aos das classes menos abastadas, por um coeficiente qualquer, equivale a multiplicar cada vez mais a injustiça e tanto mais quanto maior fôr o coeficiente.
Mas há ainda uma outra cousa.
Portugal, apesar de não ser dos países mais progressivos, sofreu uma larga evolução sob o ponto de vista agrícola. Nos últimos, anos têm sido arroteados muitos quilómetros quadrados de superfície.
Muitos terrenos, que eram ontem simples charneca, estão hoje em produtividade por meio de culturas apropriadas à natureza das terras.
Hoje, portanto, rendem quantias importantes, mas não estão nas matrizes como tal. Ninguém ignora que uma grande parte da propriedade rústica não consta das matrizes.
E não há dúvida que assim é.
Eu posso citar aqui um caso passado com pessoas de minha família.
Por morte do chefe da família foi verificado que talvez um têrço dos seus bens não constava na matriz.
Cito também o seguinte caso sugestivo:
Num concelho do meu distrito uma das melhores propriedades que existem numa vila não figura nas matrizes.
Ignorava-se onde estava a Quinta das Devesas, assim se chama a propriedade, sita — vá lá o nome da terra — em Penamacor.
E estas fugas ao imposto repetem-se, já por falta de inscrição nas matrizes, já por inscrições feitas por valor menor
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que o devido, conseqüência de más avaliações, e ainda porque muitos terrenos que ontem nada valiam se encontram hoje em plena cultura, sucedendo assim terem actualmente um rendimento real e certo.
A República, portanto, ao partir de semelhante base para estabelecer uma pequena progressividade de imposto, não fez obra útil; enxertou, repito, a justiça na injustiça. O enxerto não pegou!
Os ricos continuaram a pagar muito menos do que deviam o os pobres aproximaram-se do pagar, a pouco e pouco, daquilo que deviam pagar.
Em todo o caso uma tal legislação era, não há dúvida, inspirada nos mais nobres e elevados sentimentos de equidade.
Porque é que, em todo o caso, as cousas se fizeram assim?
Porque se partiu do princípio que só a cadastração geométrica do País é que poderá dar qualquer cousa de justo para avaliação de rendimentos.
Creio que não poderá haver êrro maior do que êsse.
A cadastração geométrica só serve para se conhecer da área exata das propriedades.
Não pense ninguém que feita a cadastração geométrica se resolve idealmente o problema.
Não! Talvez sem tantos sacrifícios, nós nos possamos aproximar duma avaliação relativamente mais justa da propriedade rústica e seus rendimentos.
A República não quis atender a cousas que são de considerar para o estabelecimento da tal contribuição progressiva.
Assim, não se fez a discriminação dos rendimentos.
Não se discriminou a parte da renda e ã dos resultados do exercício da indústria agrÍcola.
A República não quis discriminar estas duas cousas e fez mal. Houve uma tentativa para isso se fazer, mas como partia da minha iniciativa, foi votada ao ostracismo.
Eu apresentei uma proposta nesse sentido quando era Ministro o Sr. Inocêncio Camacho e renovei-a quando fui Ministro pela primeira vez; mas não consegui vê Ia apreciada e estudada pela comissão de finanças.
O que temos feito depois disso, em semelhante matéria?
Temos caminhado às arrecuas. Cristalizámos no sistema de multiplicar coeficientes pelos rendimentos colectáveis.
O Sr. Presidente: — São horas de se passar à segunda parte da ordem do dia.
O Orador: — Peço a V. Exa. que me reserve a palavra para continuar na próxima sessão porque, segundo o prometido — ,é o prometido é devido — muito tenho ainda a dizer, com o aplauso ou sem o aplauso da Câmara.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Ficou ontem por lazer a contraprova de admissão da moção do Sr. José Pedro Ferreira. Vai, pois, proceder-se a essa contraprova.
Procede-sé à contraprova.
O Sr. Presidente: — Estão de pé 6 Srs. Deputados e sentados 50.
Está admitida a moção.
Vai prosseguir a discussão da lei do inquilinato.
O Sr. Pinto Barriga: — Sr. Presidente: na última sessão tive ocasião de fazer algumas considerações sôbre a lei do inquilinato.
Não apresentei moção porque era natural não haver número ao votar-se a sua admissão e por conseqüência a sessão seria encerrada.
Assim, hoje tenho a honra do enviar para a Mesa a moção de ordem que se acha justificada pelas considerações que então fiz:
Moção
A Câmara, reconhecendo que, na presente ocasião, a lei do inquilinato deve ser essencialmente uma lei de equidade, entende que deve modificar o regime existente, garantindo aos senhorios um justo crédito ao sou capital e aos inquilinos a estabilidade dos seus arrendamentos, resolvendo-se, tanto quanto possível as questões suscitadas entre as duas partes, mormente sôbre as divergências relativas ao quantitativo da renda, pelo sistema de arbitragem emquanto subsistirem as actuais circunstâncias económicas; e passa à ordem do dia. — Pinto Barriga.
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É precisamente sôbre a generalidade que a Câmara precisa fixar os pontos que hão-de orientar a discussão na especialidade.
Entendo necessário definir-se qualquer critério e êsse é o intuito da minha moção.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É lida na Mesa é admitida a moção do Sr. Pinto Barriga.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: ao pedir a palavra na generalidade dêste debate, não me propus dizer a respeito dele, nem a respeito dos pareceres em discussão, quaisquer palavras que traduzissem apenas os conceitos que, aliás, estão no espírito de todos nós, porque todos nós sentimos que o problema é grave e complexo, que êle é um problema social no mais elevado grau, com interêsses de carácter económico, mas também com interêsses de outra ordem, todos em jôgo, todos a considerar, e a considerar porventura fora do âmbito dos princípios rígidos do direito de propriedade.
As circunstâncias sociais, intimamente ligadas com a crise que a maior parte das nações da Europa vem atravessando, impõem uma espécie de transição em que êsses princípios rígidos, os princípios que tradicionalmente regeram o contrato de arrendamento no direito civil, têm de sofrer algumas restrições.
Sr. Presidente: entre nós o problema do inquilinato dura desde 1914, porque foi nesse ano que se publicaram as primeiras medidas tendentes a favorecer os inquilinos à custa da propriedade urbana, e êsse regime então iniciado tem-se prolongado até hoje, constituindo, inegavelmente, um verdadeiro imposto sôbre 00 detentores dessa propriedade.
Um aparte.
O Orador: - Foi precisamente em 1914, porque, com o início da guerra, com a crise económica que a guerra ocasionou, nós começámos a legislar sôbre inquilinato e legislámos sempre no sentido de assegurar ao inquilino uma tal ou qual estabilidade da sua situação, dentro de certos limites que as circunstâncias económicas gerais não permitiam que fossem muito amplas em matéria de rendas ou de encargos do contrato de arrendamento.
Penso e creio que neste ponto todos estamos de acordo que é indispensável continuarmos ainda por algum tempo num regime especial de inquilinato.
Nesse regime especial terá de manter-se a concessão dalguns favores ao inquilino e, seguindo a orientação até agora adoptada, para que essas garantias dos inquilinos possam subsistir, cumpre exigir o mínimo possível de sacrifícios ao detentor da propriedade.
Evidentemente, êste nosso procedimento desde 1914, como o procedimento dos legisladores dos países de toda a Europa, tem a justificá-lo o conceito, aliás secular em matéria de direito civil, de que a propriedade, por muito respeitável que seja, tem de satisfazer à função social indispensável, pois que no momento em que deixar de a satisfazer deixa de justificar-se.
Apoiados.
A propriedade existe porque secularmente se criou o estado social, uma ordem de cousas que a mantém, que a defende, que a ampara, um pouco à custa de nós todos.
É pela restrição da liberdade de todos na ocupação e posse do - terreno que a propriedade é defendida, que a propriedade se mantém.
O sacrifício de todos nós em favor dos proprietários deixaria de justificar-se precisamente no momento em que a propriedade deixasse de corresponder a um benefício social acentuado.
Êste conceito domina todas as legislações, era do nosso direito, expresso mais ou menos claramente, mais ou menos amplamente, dêsde muito antes até da implantação da monarquia constitucional, e continua ainda hoje a ser verdadeiro e a justificar as restrições que vêem sendo adoptadas há anos a esta parte.
Pensando assim, escusaria de dizer que estou de acordo, era geral, com o projecto vindo do Senado, com as alterações que as diversas comissões procuraram introduzir-lhe, o que ou procurarei e apreciar isoladamente, se puder intervir na discussão na especialidade. Não quero, no em tanto, deixar de aproveitar a minha presença na Câmara neste momento para desde já manifestar a minha opinião quan-
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to a alguns dos pontos abrangidos pelo projecto e pelos pareceres das comissões.
Um dêsses pontos é o que se acha versado no artigo 2.° do projecto dó Senado, artigo cuja supressão pura e simples a comissão de legislação civil propôs. Eu não concordo com a supressão pura e simples do artigo, como não concordo também com o artigo tal como está formulado no projecto do Senado. Entendo que o Poder Legislativo não tem, constitucionalmente, o direito de dizer ao Poder Judicial que pare com as suas acções. A marcha, o intentar e prosseguir duma acção é da essência do Poder Judicial, e o Poder Legislativo não pode a tal respeito intervir, pelo menos como se diz no projecto do Senado.
O Poder Legislativo legisla e pode determinar que as suas leis só apliquem aos vários casos ocorrentes, ou mesmo a quaisquer casos pendentes, visto que a Constituição não o impede, mas o que está no artigo 2.° do projecto do Senado é o ataque directo à acção constitucional do Poder Judicial.
E isto, Sr. Presidente, que nos ensina o conhecimento do que se passa em outros países de instituições democráticas, uns monárquicos, outros republicanos, nos quais sempre se tem visto, na perfeita garantia da independência do Poder Judicial, uma questão imprescindível de ordem e de segurança para todos os componentes do Estado.
Se não fôr assegurada essa plenitude de acção ao Poder Judicial, o cidadão, dum modo geral, sentir-se há, com freqüência, vítima da paixão igualmente nociva, embora sempre bem intencionada, quer do Poder Legislativo, quer do Poder Executivo.
Não é novidade que os componentes do Poder Legislativo são entidades dum organismo essencialmente político, aos quais, com freqüência, a paixão política pode perturbar aquela serenidade que é indispensável manter para que a lei orgânica da instituição, para que a Constituição dum regime, monárquico ou republicano, não seja ofendida a cada momento.
Somos homens, temos paixões, podemos entusiasmar-nos, desvairar-nos mesmo com as questões ocorrentes, perdendo fàcilmente, é condição humana de todos nós, o sangue frio na apreciação duma determinada questão. Se não se confiar esta função, que deve ser criteriosa, ponderada, a alguém que esteja fora do turbilhão político, corremos o risco de não termos defesa bastante na lei fundamental do País.
Sr. Presidente: e se isto acontece em relação ao Poder Legislativo, que, pelo modo como funciona, pelo número de componentes seus, ofereceria ainda relativa garantia de atenuação ao perigo que expus, sucede muito mais acentuadamente perante a acção do Poder Executivo, composto, do poucos homens, que têm de momento a momento de arcar com as dificuldades de acção, porque quanto mais perfeita fôr a democracia mais difícil se torna a acção dos Ministros, no legítimo anseio de ocorreram a todas as necessidades, de satisfazerem quanto possível os interêsses de todos.
O Poder Executivo nem sempre pode ponderadamente, evidentemente, serenamente, avaliar até que ponto a lei fundamental, a lei constitucional, impede uma ou outra medida que êle entende dever adoptar.
Se o Poder Judicial, fora da influência de qualquer dêstes dois outros poderes, com plena liberdade de acção dentro da sua independência, não tiver os meios necessários para ser êle o ponderador, o elemento de equilíbrio entre os outros poderes e todas as classes que compõem um país, a democracia, a organização social derruirá, cairá na desordem por falta de elementos de estabilidade, e se êsse perigo pode existir numa democracia monárquica muito mais acentuado se torna numa democracia republicana, em que não há excepções, correntes nas monarquias, em que há igualdade de todos os cidadãos perante a lei.
Mas, como já disse, se em face dêstes princípios eu não aceito o artigo 2.° do projecto do Senado, também não considero que a sua supressão seja necessária para defesa dessa independência do Poder Judicial.
Sr. Presidente: eu disse já há pouco, e agora em poucas palavras explicarei o meu pensamento, que reputo de plena competência o Poder Legislativo para legislar, até mesmo nos casos já verificados, desde que isso se faça dentro de ter-
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mós razoáveis e se não exceda o que fôr eqüitativo e justo, se não exceda as medidas razoáveis, pondo em confronto os interêsses de todas as classes.
Mas, Sr. Presidente, eu, que não votaria o artigo 2.° do projecto do Seriado, quando manda suspender as acções de despejo, a não ser em casos verdadeiramente restritos, vou propor uma pequena série de disposições que correspondem a necessidades já verificadas nesta questão do inquilinato e do arrendamento de prédios urbanos, para que se apliquem desde já, até mesmo em processos pendentes, até mesmo em todos os processos em que o despejo definitivo ainda se não tenha efectuado.
Vou anunciar à Câmara, rapidamente, algumas dessas disposições que constituem essa pequena série a que acabo de aludir.
Todos nós sabemos, quando não por experiência própria, pelo conhecimento do que se passa no foro, nas comarcas do País, que uma das causas por que muitas vezes se têm frustrado as disposições que procuram assegurar a estabilidade dum inquilino por meio de processos judiciais, é a invocação do facto de contrato de arrendamento não ter sido escrito ou autenticado de modo a prevalecer contra o novo adquirente do prédio, dado em arrendamento a seguir à sua transmissão.
Tem havido, é do conhecimento de todos nós, interpretações várias nos tribunais, uma vez uma interpretação mais ampla para o inquilino, outras vezes mais rígida, dos textos legais.
Ora eu proponho que a disposição do artigo 1.° do parecer da comissão de legislação civil, que considera precisamente êstes casos e que dispensa o título autenticado, se aplique, convertida em lei, a todos os casos de despejo intentado, mas ainda não efectivado definitivamente.
Uma outra das reclamações que têm sido formuladas mais de uma vez, por parte dos inquilinos, e até, desde há longo tempo, em matéria de acções de despejo, é a rigidez das normas legais quanto ao prazo.
Essa rigidez, que nos últimos diplomas que se ocuparam do assunto foi muito atenuada, era absoluta na vigência do Código Civil. O inquilino que não pagasse no próprio dia do vencimento das rendas, ainda que demonstrasse que tinha pago poucos dias depois, era quási sempre, duma maneira inexorável, expulso da sua habitação.
Esta rigidez, como a actual, não me parece que tenha justificação bastante.
Não vejo razão suficiente para que se não permita ao inquilino e até mesmo depois de instaurada a acção o pagamento da renda, embora acrescida por forma a recompensar um pouco o senhorio do incomodo de ter requerido em juízo o despejo.
Não é só esta a única razão. Ainda há uma outra circunstância que influi nos pleitos trazidos aos tribunais.
É sabido que, quando os senhorios não estão satisfeitos com o seu contrato de arrendamento, ou porque reputam a renda insuficiente, ou por qualquer motivo pessoal com o inquilino, procuram todas as maneiras de furtar-se ao recebimento das rendas e depois em juízo pretendem demonstrar que o depósito foi indevidamente feito, que se não verificaram as condições necessárias para se realizar o pagamento da renda. Embora neste momento e minha prática em questões de inquilinato não seja grande, repetidas vezes eu tive ensejo de verificar isto — e tenho verificado o facto em acórdãos publicados.
O inquilino, agora, tem o direito de fazer o depósito durante oito dias, mas êle encontrou sempre por parte do senhorio, ou autor da acção de despejo, a alegação de que o depósito não havia sido legítimo, que não havia sido procurado, que se não recusara a receber a renda, emfim, qualquer expediente tendente á fazer ver que o depósito fora injusto e que não devia ser aceito como pagamento de renda.
Estabelece-se discussão entre o orador e os Srs. Ministro da Justiça (Catanho de Meneses) e Moura Pinto.
Trocam-se vários àpartes.
Vozes: - Ordem, ordem.
O Orador: — O ilustre Deputado Sr. Moura Pinto acaba de chamar a minha atenção para um facto que é de considerar, e que é o das despesas de advogado ou procurador a que o senhorio será obrigado. Não tenho dúvida em concor-
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dar com que de alguma maneira se preveja êste ponto.
Sr. Presidente: uma das disposições que eu procuro também estabelecer com aplicação a todas as causas pendentes ou iniciadas antes desta lei, se em tal vier a ser transformada a proposta em discussão, é a seguinte:
Têm-se por vezes, em várias comarcas do País e ainda há pouco em Lisboa, intentado acções de despejo com o fundamento, em contravenções, por parte do arrendatário, a cláusulas do arrendamento, mas ocorridas com anos de antecedência, como por exemplo, a de o arrendatário, tendo tomado o prédio ou andar para habitação, lá ter pôsto um consultório, isto, porém, há muitos anos, pouco depois do arrendamento iniciado, e com perfeito conhecimento do senhorio que, todavia, porque as circunstâncias económicas incidiram, porque a renda deixou de valer aquilo que valia, se lembra agora dêsse facto e vem argüir que o inquilino deu à casa um fim diverso daquele a que se destinava.
O caso ocorrido há pouco tempo em Lisboa, a que aludi, é o de obras feitas, parece com o conhecimento do senhorio muitos anos antes de intentar a acção de despejo.
Penso que não é legítimo que estejamos a fazer legislação, em que se permita que o senhorio, indefinidamente possa vir reclamar contra obras feitas pelo inquilino, anos e anos depois delas realizadas.
O Sr. José Domingues dos Santos (em àparte): — É uma arma que êles têm para despedir os inquilinos. , Permitem que as obras se façam, mas como não passam o respectivo documento, andam todos os meses a pedir aumento de rendas, sob pena de despedirem o inquilino.
O Orador: — Nestas circunstâncias, proponho que não seja aceito como fundamento de despejo esta infracção por parte do arrendatário, quando sejam decorridos seis meses, depois de ter, por qualquer forma, êsse facto chegado ao conhecimento do senhorio.
Finalmente, e porque não desejo alongar as minhas considerações, a respeito
da justiça do artigo 2.°, eu procuro obviar a uma outra desvantagem, que é o facto de o juiz poder autorizar o despejo provisório quando a impugnação não tenha sido feita em determinados termos.
Sr. Presidente: eu penso que a Câmara não deixará de me acompanhar na minha forma de ver (Apoiados), no sentido de obviar a êste grande inconveniente, estabelecendo que o despejo só será lícito depois de terminada a acção e a sentença ter transitado em julgado.
V. Exas. compreendem que os despejos provisórios trazem sempre graves perturbações e por vezes danos irreparáveis, e, nestas condições, suponho que a Câmara não deixará de prestar a sua atenção a êste ponto importante.
Estas disposições propunha eu que se aplicassem até mesmo às casas construídas antes da vigência desta lei, nas quais se não tenha efectuado o despejo.
Assim nós não ofendíamos a independência do Poder Judicial e respeitávamos a sua liberdade de acção.
Sr. Presidente: mandarei para a Mesa com referência ao artigo 1.° da comissão uma pequena emenda a lavor dos estabelecimentos de beneficência, museus, escolas, etc.
Tenho o cuidado de estabelecer que esta isenção só é concedida quando o instituto quere sair realmente de um prédio para as suas instalações.
Quero ainda referir-me a uma parte do parecer da comissão de finanças referente aos traspasses dos estabelecimentos comerciais e industriais.
Esta questão dos traspasses tem sido freqüentemente agitada nos nossos meios forenses sob o ponto de vista da sua legalidade.
É porventura uma questão interessante, e que em direito constituído poderá ter talvez uma solução.
O arrendamento de imóveis é tradicionalmente um contrato que apenas se transfere ao arrendatário, e sendo assim o arrendatário não pode alienar ou contar como valor vendável o seu direito.
A verdade é que o inquilino comercial e industrial tem, em face da legislação actual, um verdadeiro direito sôbre o prédio, direito de ocupação, direito que as leis lhe reconhecem e que impedem o senhorio de o despedir.
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Porque não havemos de reconhecer que êste direito é um valor?
Estabelecem-se diálogos entre os vários Sr s. Deputados que cercam o orador.
O Orador: — Isto quanto ao inquilinato comercial ou industrial. Quanto ao inquilinato comum, estão dando-se circunstâncias muito parecidas.
O orador é novamente interrompido por vários Sm. Deputados que trocam, simultaneamente, explicações.
O Orador: — Isso só com relação ao anterior, porque o inquilino não pode ser deslocado.
Nas actuais circunstâncias o inquilino é detentor de um direito a respeitar.
Àpartes.
Não há razões, hoje, que justifiquem que o inquilino não possa passar a outrem os direitos de que dispõe.
Apoiados.
Àpartes.
Não criamos direito novo nesse ponto, firmamos o que a prática mostra que é um valor negociável.
Apoiados.
Não se faz mais que reconhecer um direito que aliás hoje já existe e a cada passo se confirma.
Isto é inegável, mas a Câmara resolverá, na certeza que só tem de confirmar o que se pratica todos os dias.
Apoiados.
Àpartes.
O Sr. Moura Pinto (interrompendo): — Tudo que sair fora do que existe fica fora da própria doutrina que se quere estabelecer.
V. Exa. teve dúvidas sôbre o aspecto do traspasse comercial e industrial o eu nesse ponto estou mais adiantado em princípios.
Eu aceito o traspasse do prédio, desde que se destine a fim comercial ou industrial, mas representa um verdadeiro ónus, quando para despejo é necessário o pagamento de vinte anuidades, conformo a legislação.
Àpartes.
Mas V. Exa. vem dizer também que está neste momento verificando que o caso se dá ao inquilinato particular.
E dá-se porquê?
Se se dêsse como função de labor, de orgânica de direitos, de criação de direitos, havia que reconhecer que o facto se dava e estabelecer o direito adequado.
Mas o que foi que originou êsse facto?
O Estado, as Câmaras, todos os organismos que dentro do Estado deveriam ir ao encontro das dificuldades que surgiam da guerra, nada fizeram, deixaram que o assunto se agravasse, uns por timidez, outros por cobardia.
Dêste modo, o problema chegou ao maior grau de gravidade.
Que fizemos então?
Prestamos assistência ao que reputamos mais fraco e que nessa época era o inquilino.
Foi isso no tempo em que eu consegui fazer sorrir a Câmara, chamando aos senhorios «pobres proprietários».
Isso foi um sucesso.
Admitia-se lá que os senhorios chegassem a ser pobres proprietários?!
Não resolvemos a questão, dando razão ao mais fraco.
Mas V. Exa., nesta questão mostra não ter paixão, e eu tenho apenas a paixão da Justiça, sem transformar o direito de assistência num facto de ordem social.
O Orador: — Eu considero o caso essencialmente como um caso de assistência.
Limito-me a constatar o que é de todos os dias: que os inquilinos consideram a habitação como um valor económico.
Não me arrependo de ter agitado êste aspecto do problema.
Referi-me a êle, porque achei interessante a fórmula que a comissão de finanças arranjou para dar aos senhorios o direito de opção, no caso de trespasse de estabelecimentos comerciais ou industriais.
E achei tam interessante que a comissão tivesse tido a boa coragem de o sancionar, que desde logo me propus referir-me a êsse facto e chamar para êle a atenção da Câmara.
Sr. Presidente: dito,isto, devo declarar a V. Exa. que dou como concluídas por agora, as minhas considerações sôbre a proposta em discussão.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
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O Sr. Moura Pinto: — Sr. Presidente: nesta questão do inquilinato que, infelizmente, se deixou agravar, entendo que todos os homens que dalguma maneira têm de exprimir a sua opinião o devem fazer.
Eu encontro-me em circunstâncias especiais, visto que, ocupando em dado momento da nossa política uma determinada posição, procurei arrumar esta questão. Não tive porém tempo de conseguir isso.
Sr. Presidente: em matéria de inquilinato o Estado não tem senão a função de medianeiro.
Nesta questão devemos pôr-nos superiores às paixões que ela possa produzir.
Não devemos ser do partido dos senhorios, nem do partido dos inquilinos.
Sr. Presidente: penso que as circunstâncias da guerra criaram necessidades que forçaram a limitação do direito antigo; mas não penso que essa limitação nos dê, por ora, o direito de criarmos um direito novo.
Só há que criar um direito novo quando com clareza possamos ver se se tratava de uma evolução do direito e não simplesmente de um caso excepcional derivado de circunstâncias também excepcionais.
O direito antigo tem de ter limitações, mas essas limitações têm de ser apenas as justas e necessárias, e procederia de má fé, não seria digno do nome de político, quem quer que fôsse, que ao tratar de restrições, quer dos senhorios, quer dos inquilinos, se pusesse ao lado duma ganância, capaz de todas as malevolências, ou pôr-se ao lado dum patriotismo, duma felonia levada a todos os extremos, assentando a sua moral e carácter em cima destas duas bases, que são fundamentalmente as bases da questão, aquando se azeda, quando é injusta, e que não podem sair dêstes preciosos termos emquanto encontrarem atmosfera, nos meios políticos, propícia para o seu desenvolvimento.
Sr. Presidente: o Estado, dizia eu, tem de ser mediador expectante, espreitando serenamente os acontecimentos, vendo sem que a vista se lhe turve com as perturbações que os variados egoísmos misturam, e escolhendo depois com cuidado e com cautela o que ficar, porque o que ficar é, porventura, um direito a fixar e não seriamos então legisladores se não soubéssemos como é que o Direito faz a sua evolução e quando é que o Direito tem realmente razão de existir ou de se criar.
Por isso uma assemblea legislativa, que nobremente queira tratar desta questão, tem que remover previamente toda a montureira de lixo que uns aos outros atiram às vítimas das circunstâncias criadas pela guerra — e chamo vítimas a senhorios e inquilinos — têm de remover, repito, tudo quanto é, como se diz em Direito, matéria impertinente.
Eu tenho assistido, e, devo dizer, com tristeza, ao espectáculo de ouvir homens cultos, políticos até, e políticos que alguma cousa devem, pelo menos, ao seu país, pelo que dizem ou pelo que afirmam que valem; tenho-os ouvido considerar em conversas, quer elas sejam das ruas, dos comboios ou ante-câmara do Parlamento, a questão pouco mais ou menos neste pé: Então você não sabe a tremenda pouca vergonha que fez noutro dia um senhorio na rua tal?
Fez esta cousa atroz...
E faz-se então uma história, possivelmente verdadeira, e pela qual o senhorio mostra possuir em primeiro lugar ganância, em segundo imaginação e em terceiro crueldade. E vem depois a generalização do comentário:
«São assim todos os senhorios».
Eu não posso queixar-me demasiado daqueles que assim procedem, porque o português, mesmo quando é culto, não procura levar a sua cultura a limites demarcados. Tem uma grande facilidade de generalização e para evitar muitas vezes o trabalho mental; tem sempre o seu caso arrumado e a sua crítica pronta.
Mas se assim é em relação aos senhorios, o mesmo acontece com respeito aos inquilinos de cujo procedimento há sempre quem conta uma história horripilante em que a maldade, a imaginação e o espírito de defesa daquilo que êle julga ser o seu interêsse corre parelhas com os do senhorio.
De forma que antes de tratar duma questão destas vale a pena apontarmos estas circunstâncias para patentear a ne-
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cessidade que nós temos em nos colocarmos acima dos vários interêsses, vendo o problema sem paixão nem simpatias.
Sr. Presidente: o projecto inicial era qualquer cousa como uma sede de justiça, da que o Sr. Catanho de Meneses foi o intérprete.
Êste espírito de justiça, que animou o Sr. Catanho de Meneses, encontra-me a mim solidário também no meu espírito, cedendo aquilo que não posso deixar de ceder, porque, superior a todas as imposições, venham elas do maior número ou de outro qualquer lado, eu tenho uma cousa dentro de mim, que é a minha consciência.
Sr. Presidente: creio que é êste o sistema que devemos adoptar neste Parlamento. Se em boa verdade e em princípio os homens têm n um Parlamento, a sua posição nitidamente esclarecida, não posso compreender que, em problemas em que mais entram a sentimentalidade dos outros e a reflexão nossa, seja lícito ter outra posição que não seja a de simples mediadores dum conflito que deve ser resolvido com a máxima equidade.
O que é um facto, Sr. Presidente, é que a família portuguesa não pode de maneira nenhuma estar sujeita aos caprichos e à ganância de quem quer que seja.
Isto não pode ser, pois a verdade é que não podemos permitir por princípio algum que aqueles que têm o seu lar, a sua vida, sejam expulsos, por ganância ou capricho seja de quem fôr.
É absolutamente indispensável garantir a segurança do domicílio, pois a verdade é que se afirmássemos o contrário disto seríamos até homens de má fé: porém, se isto é assim, eu não posso na verdade compreender também que dentro ou fora da política, radical ou conservadora, sé possa afirmar que o proprietário não tem direito a uma justa remuneração.
Não, Sr. Presidente, isto não é justo, pois a verdade é que sei bem qual o verdadeiro significado desta palavra.
O que eu desejaria é que o conjunto de circunstâncias determinasse o que na verdade é justo, pois não posso compreender também que devido à modificação das circunstâncias, que não resultam da vontade, nem de una, nem de outros, nem dos senhorios nem dos inquilinos, se possa permitir aos senhorios ao dizerem aos inquilinos que se vão embora, visto não poderem pagar mais do que pagavam em 1914.
Isto seria estúpido, e até cruel, e como tal não se pode permitir.
Sr. Presidente: a meu ver, para se poder avaliar bem a verdade e a justiça de remuneração, seria necessário em primeiro lugar saber as condições em que se encontram os inquilinos, e depois saber também quais as condições em que se encontram os senhorios, pois, a verdade é que não é justo considerar uma, deixando a outra de parte, visto que necessário se torna também avaliar o valor da propriedade, e o valor em harmonia com, o que o seu proprietário paga ao Estado.
Quem quiser proceder assim há-de encontrar inequivocamente um princípio de justiça.
Não é completo, eu sei; usa-se até muito dizer em Portugal, quando não queremos abordar um assunto ou não temos ideas bem nítidas, que êle é muito complexo, e assim vamo-nos embora.
Eu sei que mais simples é escrever artigos de legislação, fonte de conflitos, fonte de emaranhadas questões, que depois vêm ao Parlamento, e que nele depois são motivo de largas discussões, voltando por fim à origem para a sua aplicação mais complicados e confusos do que vieram.
Mas, dizia eu que o Sr. Catanho de Meneses tinha encarado um caso, e que êsse caso justo era que fôsse considerado.
Poderia muito bem o Senado ter-se restringido a aprovar o projecto de lei inicial do Sr. Catanho de Meneses, pondo-lhe a seguir um artigo, que, se não me engano, é da autoria do meu correligionário Pedro Pita, relativamente ao aumento das rendas.
Assim, tínhamos acudido a um caso, digamos, clamoroso, e considerado o aspecto do problema em relação aos senhorios e inquilinos.
Teríamos feito uma obra modesta, mas que tinha porventura o mérito de não pretender resolver a grande questão do inquilinato.
Sem querer ser desprimoroso para o Senado, digo entretanto que me faz uma
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certa tristeza considerar que a grave questão do inquilinato, que começa mesmo a ser um motivo político, afinal nos deu apenas êste projecto de lei, que mais parece- um projecto de- lei do lembra lá mais um caso, do que um projecto destinado a resolver a questão.
É preciso, porém, explicar bem as minhas palavras.
Quando digo: lembra lá um caso, afirmo que não tenho propósitos depreciativos para qualquer parlamentar que resolva incluir no projecto de lei sôbre inquilinato todas aquelas modificações que entender.
Ainda há pouco, nós vimos o Sr. Almeida Ribeiro, como espírito superior em isenção, pôr mais uma vez nesta casa do Parlamento, ao serviço dama causa que êle entende de interêsse - público, a sua superior inteligência e a sua integridade de magistrado.
Nós, que nesta Câmara estamos habituados a ver considerar a Constituição como cousa que se aplica ao sabor das conveniências de ocasião, talvez poucas vezes tenhamos ouvido referência à magistratura GGÍHO sendo uma das mais nobres e das mais seguras garantias das liberdades e dos direitos dos cidadãos.
Foi por isso que eu tive o grande prazer de ouvir o Sr. Almeida Ribeiro, que é um dos nossos mais brilhantes magistrados superiores, declarar que reputa como questão fundamental numa democracia a existência e o respeito pelo magistério judicial.
Sr. Presidente: eu vi que a única preocupação do Sr. Almeida Ribeiro foi realmente a de impedir que alguém, apaixonadamente, se convencesse de que podia passar por cima da Constituição ou do Poder Judicial.
Foi bom que essa voz, dando o sinal de alerta, viesse daquele lado da Câmara, para que não seja pela maioria inquinada de parcial e de suspeitosa, e para que se não diga que ela era apenas propósito de obstrucionismo para que não vingasse determinada doutrina.
A magistratura e os outros poderes do Estado devem ao Sr. Almeida Ribeiro um assinalado favor, porque o seu grito não pode deixar de ser ouvido.
Se nós confinássemos no modesto âmbito de resolver a questão como ela inicialmente foi apresentada, o Parlamento tinha feito alguma cousa.
Tinha resolvido um caso que se impunha como questão de justiça pelo inquilino e um caso que se impunha como questão de justiça pelo senhorio.
Mas pretendeu-se, ao sabor de lá vai um caso, resolver a questão.
Há trinta mil casos, todos os dias vindos nos jornais, em que se demonstra a fértil imaginação das duas partes, e nós não teríamos feito uma lei de inquilinato, nós criaríamos uma luta entre inquilinos e senhorios.
Bastarão algumas semanas, e tempo necessário para pôr em função e em acção a argúcia das duas partes, fortemente auxiliadas pela argúcia dos homens de Direito, para se demonstrar quantos factos ficaram por resolver. E os jornais indicarão um grande número.
O que precisamos é formular certas cláusulas que possam atenuar o problema, e não propor cousas que desagradem aos justos interêsses das partes em conflito.
O Sr. Presidente (interrompendo): — Tenho a prevenir o orador que é a hora de encerrar a sessão, e, sé não quere dar por findas as suas considerações, posso reservar-lhe a palavra para a seguinte sessão.
O Orador: — Peço a V. Exa. o favor de me reservar a palavra.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é no dia 4, às catorze horas com a seguinte ordem de trabalhos:
Ordem do dia (com prejuízo dos oradores que se inscreveram):
Proposta n.° 801 — Reorganização da Aeronáutica Militar.
Proposta n.° 736 — Subsídio para instituições de beneficência.
Parecer n.° 794 — Venda de cruzadores.
Parecer n.° 745 — Receitas da Junta Autónoma de Ponta Delgada.
Parecer n.° 704 — Estatutos da Caixa de Sobrevivência dos Funcionários do Congresso.
Parecer n.° 611 – Pensões.
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Sessão de 1 de Agosto de 1924 27
Parecer n.° 637 — Anulando uma dotação do orçamento do Ministério da Marinha.
Parecer n.° 725 — Alterando uma rubrica do orçamento do Ministério do Trabalho.
Parecer n.° 729 — Serviços de Assistência.
Parecer n.° 697 — Admissão de órfãos de bombeiros nos Institutos de Pupilos do Exército.
Sem prejuízo dos oradores que se inscreveram:
Parecer n.° 416 — Promove 20 sargentos no quadro de engenharia.
Parecer n.° 723 — Modificações no regulamento disciplinar do exército.
Parecer n.° 707 — Melhoria de pensões aos reformados civis.
Parecer n.° 743 — Amanuenses da Direcção Geral Militar do Ministério das Colónias.
Parecer n.° 468 — Anulando parte do decreto referente ao tenente-coronel Pimenta de Castro.
Parecer n.° 770 — Modificando o regime de pensões de sangue.
Parecer n.° 595 — Equiparação de oficiais dos correios.
Parecer n.° 638 — Crédito a favor do Ministério da Marinha.
Parecer n.° 677 — Bronze para o monumento dos mortos da Grande Guerra.
Parecer n.° 581 — Suspende as disposições do § 3.° do artigo 30.° da lei de 20 do Março de 1907.
Parecer n.° 235 — Indemnizações reclamadas à Alemanha.
Parecer n.° 765 — Bronze para o monumento ao Marquês de Pombal.
Ordem do dia (primeira parte):
Parecer n.° 717 — Actualiza determinadas contribuições e impostos.
Parecer n.° 668-A — Elevando adicionais.
Parecer n.° 642-C — Empréstimo para as estradas.
Parecer n.° 616-E — Licenceia oficiais e sargentos milicianos.
Parecer n.° 615 — Execução por dívidas.
Parecer n.° 447 — Zonas de turismo e jôgo de azar.
Parecer n.° 568 — Zona franca de Lisboa.
Parecer n.° 611-A — Acumulações.
Segunda parte:
Parecer n.° 761 Modificando o decreto n.° 5:411 sôbre o inquilinato.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 30 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Proposta de lei
Dos Srs. Ministros do Trabalho e Finanças, concedendo designadas autorizações ao Govêrno para alienações de edifícios, terrenos, etc., dos Bairros Sociais.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de previdência social.
Para o «Diário do Governo».
Justificação de falta
Do Sr. Carlos Cândido Pereira, no dia 3 de Julho e seguintes, por motivo de luto.
Para a comissão de infracções e faltas.
Pareceres
Da comissão de guerra, sôbre o n.° 785-B, que autoriza o Govêrno a fornecer o bronze e fundição da estátua a Joaquim Augusto Mousinho de Albuquerque, em Lourenço Marques.
Para a comissão de finanças.
Da comissão dos negócios estrangeiros, sôbre o n.° 617-J, que aprova o acordo entre Portugal e os Estados Unidos da América, renovando e mantendo em vigor a convenção de arbitragem entre os dois países, de 6 de Abril de 1908.
Imprima-se.
O REPACTOR—Herculano Nunes.