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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 141

EM 8 DE AGOSTO DE 1924

Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Francisco Cruz

Sumário.—Abertura da sessão. Leitura da acta. Correspondência.

Antes da ordem do dia. — O Sr. Joaquim de Matos usa da palavra para interrogar a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.

O Sr. Viriato da Fonseca usa da palavra para interrogar a Mesa.

Responde-lhe o Sr. Presidente.

O Sr. Francisco Cruz chama a atenção do Sr. Presidente do Ministério para a maneira condenável como vai correndo a administração do Estado, por parte de alguns dos seus colegas, referindo-se, especialmente, ao mau estado das estradas do País.

Responde-lhe o Sr. Pires Monteiro (Ministro do Comércio).

É aprovada a acta.

É concedida uma licença.

São admitidas à discussão algumas proposições de lei.

É aprovado um requerimento do Sr. Viriato da Fonseca.

Ordem do dia (continuação da discussão da proposta dos duodécimos).

Usa da palavra o Sr. Velhinho Correia, que manda para a Mesa uma proposta de substituição a outra que anteriormente apresentara, na última sessão.

Segue-se no uso da palavra o Sr. Morais Carvalho.

É admitida a proposta apresentada pelo Sr. Velhinho Correia.

O Sr. Presidente do Ministério (Rodrigues Gaspar) responde às considerações dos oradores que o antecederam na discussão.

Segue-se-lhe o Sr. Pedro Pita, fazendo algumas considerações sôbre a proposta do Sr. Velhinho Correia, que em seguida usa da palavra para explicações.

O Sr. Pedro Pita volta a usar da palavra para explicações e, em seguida, procede-se à votação.

É aprovada uma proposta de emenda do Sr. Pedro Pita.

Procedendo-se à contraprova, verifica-se ter sido rejeitada.

É aprovada uma emenda apresentada pelo Sr. Presidente do Ministério.

É rejeitada uma proposta de aditamento do Sr. Velhinho Correia, em prova e contraprova.

É aprovado o artigo 1.º da proposta, salvas as emendas.

Procedendo-se à contraprova, requerida pelo Sr. Pedro Pita com a invocação do § 2.º do artigo 116.º do Regimento, verifica se terem aprovado 46 Srs. Deputados e rejeitado 10.

Lido na Mesa o artigo 2.°, o Sr. Pedro Pita usa da palavra, fazendo largas considerações sôbre a matéria em discussão, ficando ainda com a palavra reservada para a sessão seguinte.

O Sr. Presidente anuncia que vai continuar a discussão da lei do inquilinato.

Usa da palavra, o Sr. Ginestal Machado, que ficara com a palavra reservada da sessão anterior, seguindo-se-lhe os Srs. António Dias (relator) e Pinto Barriga.

Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Sá Pereira chama a atenção do Govêrno para a questão das ajudas de custo.

Responde-lhe o Sr. Ministro do Comércio (Pires Monteiro).

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão às 10 horas e 30 minutos.

Presentes à chamada 38 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 39 Srs. Deputados.

Srs. Deputados que responderam à chamada:

Abílio Correia da Silva Marçal.

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto Ferreira Vidal.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Albino Pinto da Fonseca.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Amadeu Leite de Vasconcelos.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Dias.

António Ginestal Machado.

António Pais da Silva Marques.

António de Paiva Gomes.

António Pinto Meireles Barriga.

Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Carlos Eugénio do Vasconcelos.

Custódio Martins de Paiva.

Delfim Costa. Francisco Cruz.

Francisco Dinis de Carvalho.

Jaime Júlio de Sonsa.

João Vitorino Mealha.

Joaquim Narciso da Silva Matos.

José Cortês dos Santos.

José Joaquim Gomes de Vilhena.

José Mendes Nunes Loureiro.

Luís da Costa Amorim.

Nuno Simões.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.

Sebastião de Herédia.

Valentim Guerra.

Vasco Borges.

Vergílio Saque.

Viriato Gomes da Fonseca.

Vitorino Henriques Godinho.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Albano Augusto de Portugal Durão.

Alberto Lelo Portela.

Alberto de Moura Pinto.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Alberto Tôrres Garcia.

António Albino Marques de Azevedo.

António Correia.

António Maria da Silva.

António de Mendonça.

Armando Pereira de Castro Agatão Lança.

Artur de Morais Carvalho.

Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.

Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.

Constâncio de Oliveira.

Ernesto Carneiro Franco.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Francisco Pinto da Cunha Leal.

Hermano José de Medeiros.

Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

João José da Conceição Camoesas.

João Luís Ricardo.

João de Ornelas da Silva.

João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.

Joaquim Dinis da Fonseca.

José Domingues dos Santos.

José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.

José de Oliveira da Costa Gonçalves.

José Pedro Ferreira.

Lourenço Correia Gomes.

Lúcio de Campos Martins.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Manuel Ferreira da Rocha.

Manuel de Sousa Coutinho.

Matias Boleto Ferreira de Mira.

Pedro Góis Pita.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Abílio Marques Mourão.

Afonso Augusto da Costa.

Aires de Ornelas e Vasconcelos.

Alberto da Rocha Saraiva.

Alberto Xavier.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Álvaro Xavier de Castro.

Amaro Garcia Loureiro.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Américo da Silva Castro.

António Abranches Ferrão.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António Lino Neto.

António Resende.

António de Sousa Maia.

António Vicente Ferreira.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

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Artur Brandão.

Augusto Pereira Nobre.

Augusto Pires do Vale.

Bernardo Ferreira de Matos.

Carlos Cândido Pereira.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Custódio Maldonado Freitas.

David Augusto Rodrigues.

Delfim do Araújo Moreira Lopes.

Domingos Leite Pereira.

Eugénio Rodrigues Aresta.

Fausto Cardoso de Figueiredo.

Feliz de Morais Barreira.

Fernando Augusto Freiria.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Francisco da Cunha Rêgo Chaves.

Francisco Manuel Homem Cristo.

Germano José de Amorim.

Jaime Duarte Silva.

Jaime Pires Cansado.

João Baptista da Silva.

João Cardoso Moniz Bacelar.

João Estêvão Águas.

João José Luís Damas.

João Pereira Bastos.

João Pina de Morais Júnior.

João Salema.

João de Sousa Uva.

Joaquim Brandão.

Joaquim José de Oliveira.

Joaquim Ribeiro de Carvalho.

Joaquim Serafim de Barros.

Jorge Barros Capinha.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José António de Magalhães.

José Carvalho dos Santos.

José Marques Loureiro.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.

José de Oliveira Salvador.

José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.

Júlio Gonçalves.

Júlio Henrique de Abreu.

Juvenal Henrique de Araújo.

Leonardo José Coimbra.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Manuel Alegre.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel Duarte.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Manuel de Sousa da Câmara.

Manuel de Sousa Dias Júnior.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Mariano Martins.

Mariano Rocha Felgueiras.

Mário de Magalhães Infante.

Mário Moniz Pamplona Ramos.

Maximino de Matos.

Paulo Cancela de Abreu.

Paulo da Costa Menano.

Paulo Limpo de Lacerda.

Pedro Augusto Pereira de Castro.

Rodrigo José Rodrigues.

Teófilo Maciel Pais Carneiro.

Tomás de Sousa Rosa.

Tomé de Barros Queiroz.

Ventura Malheiro Reimão.

Vergílio da Conceição Costa.

O Sr. Presidente: — Estão presentes 38 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 34 minutos.

Leu-se a acta.

É o seguinte

Expediente

Oficio

Do Senado, comunicando ter enviado à Presidência da República, para promulgação, a proposta de lei que regula a divisão e aforamento de baldios paroquiais e municipais.

Para a Secretaria.

Telegramas

Da Fraternal dos Inquilinos do Norte, reclamando a urgente aprovação do projecto vindo do Senado sôbre inquilinato.

Para a Secretaria.

Da Associação Comerciai de Cascais, apoiando a representação da sua congénere de Santarém.

Para a Secretaria.

Antes da ordem do dia

O Sr. Joaquim de Matos: — Já ontem solicitei de V. Exa. o lavor de consultar a Câmara a fim de entrar em discussão um projecto que interessa ao distinto professor Sr. Borges Grainha, que tem prestado relevantes serviços à República.

O Sr. Presidente: — Eu não consultei a Câmara, por ser inútil, visto haver já 10 pareceres antes dêsse.

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Além disso, ir-se-ia contra a deliberação da Câmara.

O Orador: — O melhor seria marcar uma sessão especial para discutir êstes projectos.

Apoiados.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — À Câmara compete marcar uma sessão especial para isso. Apoiados.

O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: sinto muito não estar presente o Sr. Ministro do Comércio, e desde já peço a V. Exa. para me inscrever para antes de se encerrar a sessão.

Desejo ao mesmo tempo chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério, que, certamente, se esqueceu de transmitir ao Sr. Ministro do Comércio as minhas considerações.

O que se está fazendo pela pasta do Comércio representa a maior injustiça e imoralidade que se tem praticado.

Contra tais medidas protesto, como cidadão, como republicano e como parlamentar.

Trata-se de estradas, e da celebre estrada de Mação.

Eu quero dizer ao Sr. Ministro do Comércio que estou resolvido a protestar por todos os meios, mesmo os mais violentos, para evitar se salte por cima de quem tem justiça e lhe assiste todo o direito. Vê-se que na administração pública só sé atende ao compadrio e que o Poder Executivo não faz caso do Parlamento; mas eu hei-de obrigá-lo a atender as reclamações dos representantes do povo. Sabe-se o que lá fora se diz do Parlamento; e eu hei de entrar custe o que custar, doa a quem doer, que sôbre nós seja arremessada essa lama. Trabalhei para êste regime e continuo a trabalhar, e não consentirei que tamanhos atropelos se façam dentro do regime republicano.

Apoiados.

O proceder do Sr. Ministro do Comércio é criminoso; mas comigo não brinca.

Eu estou resolvido a fazer com que S. Exa. cumpra o seu dever de cidadão e de Ministro.

Chamo também a atenção da Câmara para o que se está passando na praia da Parede, onde estão estilhaçando um barco a dinamite, vindo cair na praia estilhaços de ferro com 30 e 40 kilos, quando estão lá adultos e crianças que correm grave perigo. Agora tocam uma corneta quando vão fazer os tiros; mas isso não impede que as pessoas e os prédios possam ser atingidos.

O Sr. Ministro deve providenciar para que êstes factos se não repetirem.

Peço providências para êste facto, pois reputo o gravo, para a saúde e segurança dos desgraçados que ali estão.

Por hoje nada mais, pois aguardo a comparência do Sr. Ministro do Comércio. É com S. Exa. que quero tratar do assunto, visto que já pedi providências ao Sr. Presidente do Ministério e não foram dadas.

Quero, frente a frente, preguntar ao Sr. Ministro do Comércio porque foi que não remediu o mal do antecessor do Sr. Ministro do Comércio, que, por politiquice e compadrio, ordenou essa obra, prejudicando gravemente os povos daquela região, desprezando as indicações dos técnicos, dando má aplicação aos dinheiros públicos.

O Sr. Nuno Simões: — Não apoiado.

O Orador: — Pois bem; foi V. Exa. que fez essa porcaria.

O Sr. Nuno Simões: — São palavras, mas não argumentos. Como argumentos não me confunde V. Exa.

O Orador: — O que digo representa a verdade.

Ninguém dirá que não é justo o que vou afirmar.

Chamo a atenção da Câmara.

Todos sabem que as estradas estão intransitáveis e que as reparações não se fazem, pois não se paga aos empreiteiros.

Há muitas construções paralisadas, faltando acabar alguns quilómetros por falta de dinheiro.

O Sr. Nuno Simões tinha despachado bem no processo duma estrada, com vantagem pára os povos.

Porém, depois, por vaidade de alguns políticos, por capricho, despachou noutro sentido.

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A nova directriz dessa estrada importa uma despesa superior a 800 contos, quando, aproveitando os estudos feitos e terrenos oferecidos pelos povos, não seria preciso gastar mais de 100 contos.

No novo traçado há obras de arte a construir, e por isso é mais dispendioso.

Entra o Sr. Ministro do Comércio.

Está presente o Sr. Ministro do Comércio; e, por isso, chamo a sua atenção para êste caso.

Peço ao Sr. Ministro que não respeite a portaria do Sr. Nuno Simões.

O despacho do Sr. Nuno Simões ocasiona uma despesa de 800 contos, e por isso não é moral.

O Sr. Presidente: — Previno o Sr. Francisco Cruz que deu a hora de se passar à ordem do dia.

O Orador: — Estou certo de que o Sr. Ministro do Comércio, dignificando o lugar que ocupa, não cumprirá a portaria do seu antecessor.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — São horas de se entrar na ordem do dia.

O Sr. Francisco Cruz não tem a palavra.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Pires Monteiro): — Serenamente, vou responder ao ilustre Deputado que se referiu ao caso das estradas de Mação.

Encontrei, ao tomar posse da pasta do Comércio, uma representação dos povos dessa região em que solicitavam, que uma determinada estrada se iniciasse por um dos extremos.

Mandei chamar a mim o processo e estudei-o.

Havia uma portaria do meu ilustre antecessor que determinava que a estrada começasse pelo lanço que êsses povos pediam.

Há uma outra começada noutro «extremo; mas eu entendi que não havia argumentos suficientemente fortes para mudar de parecer, quando, de mais a mais, o processo estava concluído.

O Sr. Francisco Cruz: — Era preciso ver os processos.

O Ministro nada fez senão ceder a empenhos.

O Orador: — Eu falo a verdade. Já recebi do meu antecessor o processo concluído.

O Sr. Francisco Cruz: — Eu também falo a verdade. V. Exa. tinha que atender ao parecer dos técnicos.

O Orador: — Peço á V. Exa. que não me interrompa. Eu também não o interrompi.

Preciso falar com serenidade.

O Sr. Francisco Cruz: — É uma imoralidade.

Se o Ministro não tem competência para êsse lugar, vá-se embora.

O Sr. Presidente: — V. Exa. não tem a palavra, Sr. Francisco Cruz.

Continuam os protestos do Sr. Francisco Cruz.

ORDEM DO DIA

Primeira parte

O Sr. Presidente: — Vai-se passar à ordem do dia.

Acta aprovada.

Fedido de licença

Do Sr. Sá Cardoso, 8 dias.

Concedido.

Comunique-se.

Para a comissão de infracções e faltas.

Admissão

São admitidas as seguintes proposições de lei:

Proposta de lei

Dos Srs. Ministros das Finanças e do Comércio, autorizando a Câmara Municipal de Tomar a contratar com a Caixa Geral de Depósitos um empréstimo de 5:000.000$ para a construção do ramal do caminho de ferro da Lamarosa a Tomar.

Para a comissão de administração pública.

Projectos de lei

Do Sr. Cunha Leal, modificando o decreto n.° 4:670, de 14 de Julho de 1918, em relação aos serviços da Caixa Geral

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de Depósitos e à sua administração e fiscalização.

Para a comissão de finanças.

Do Sr. Carlos Pereira, determinando que os testamentos cerrados, depois de rubricados e lançados no livro o auto de abertura ou publicação, sejam registados na administração do concelho ou bairro competente e arquivados.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Do Sr. Prazeres da Costa, regulando a nomeação de condutores de 1.ª e 2.ª classe dos quadros das obras públicas das colónias.

Para a comissão de colónias.

Continua em discussão a proposta dos duodécimos.

O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: desejava saber se está presente o Sr. Ministro das Finanças?

O Sr. Presidente: — Não está, mas está presente o Sr. Presidente do Ministério.

O Orador: — Lamento que S. Exa. não esteja presente, e peço a atenção do Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Presidente do Ministério (Rodrigues Gaspar): — O Sr. Ministro das Finanças está no Senado, mas deve estar a chegar.

O Orador: — Muito obrigado a V. Exa. Sr. Presidente : não pedi a palavra para discutir a generalidade da proposta, pois a sua conveniência é evidente. Sôbre isso não ha dúvidas; mas no artigo 1.° há uma disposição que permite aos Ministros autorizarem todas as despesas.

É preciso esclarecer a sua redacção; visto ficar o Poder Executivo com todas as faculdades de aumentar as despesas do Estado, o que não é bem a letra da proposta, e por isso mando para a Mesa a seguinte

Proposta de aditamento

Artigo 1.°:

E até à data da aprovação desta lei.— O Deputado, Velhinho Correia.

A não ser assim, ficava o Poder Executivo autorizado a aumentar as despesas públicas.

Aos Ministros até convém que se lhes restrinja essa latitude para se livrarem de pressões.

Nestas condições, Sr. Presidente, entendo que tem toda a oportunidade o aditamento que mando para a Mesa, em substituição daquele que ontem tive a honra de submeter à apreciação da Câmara.

Mais algumas considerações, Sr. Presidente, eu desejo fazer a propósito doutros artigos; porém, reservo-as para quando esteja presente o Sr. Ministro das Finanças.

O que eu digo a V. Exa., Sr. Presidente do Ministério, como amigo que sou de V. Exa., e do Govêrno, devendo por isso as minhas palavras ser ouvidas duma certa maneira, não tendo outro intuito que não seja o de servir o Govêrno, para ver se podemos sair da situação em que nos encontramos, é que êste diploma vai servir dum grande instrumento para o aumento das desposas.

Digo-lhe isto, Sr. Presidente, com a máxima lealdade, pois a verdade é que toda a gente clama contra o facto de eu pedir impostos e mais impostos para ver se se consegue o equilíbrio orçamental.

Torna-se necessário, Sr. Presidente, fazer uma política do compressão de despesas, pois, a não ser assim, eu não sei, francamente, onde iremos parar.

Segundo a proposta em discussão, Sr. Presidente, as despesas do Estado vão ser aumentadas em cêrca de 328:000 contos, o que, na verdade, é uma cousa tremenda.

Eu bem sei, Sr. Presidente, que V. Exa. me vai dizer que os serviços públicos estão mal dotados e que não podem continuar como estão.

Sei tudo isso muito bem; porém, o que eu vejo é que o Parlamento tem uma grande relutância em votar impostos, e desta forma eu não sei, repito, onde poderemos ir parar.

A verdade é que é grande a diferença que existe entre o Orçamento do ano passado e o dêste ano, pois se o do ano passado mandava aplicar para todo o ano uma despesa total de 865:000 contos, o dêste ano manda aplicar 1:183:000 con-

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tos, o que representa nada mais, nem nada menos, do que uma diferença de 218:000 contos, não contando com o aumento ao funcionalismo, que anda por 120:000 contos.

Não sei, na verdade, onde vamos parar desta forma, e é esta a razão, Sr. Presidente, porque eu digo e entendo que é absolutamente necessário que estas autorizações não sejam tam largas.

Não julgue o Govêrno que eu, fazendo as considerações que estou fazendo, pretendo por qualquer forma criar-lhe embaraços, ou esteja a fazer obstrucionismo, pois o meu único desejo é que possamos sair da situação em que nos encontramos, que, a continuar, não sei onde nos poderá levar.

Reservando-me, pois, para fazer mais algumas considerações estando presente o Sr. Ministro das Finanças, termino enviando para a Mesa o aditamento a que acabo de me referir.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: começo por estranhar que tratando-se duma proposta de duodécimos e de várias autorizações a conceder ao Govêrno, designadamente pela pasta das Finanças, não se encontre presente o Sr. Daniel Rodrigues.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Rodrigues Gaspar) (interrompendo): — O Sr. Ministro das Finanças encontra-se no Senado, razão por que não se encontra aqui. Eu, porém, dou-me por habilitado a responder a V. Exa.

O Orador: — Agradeço ao Sr. Presidente do Ministério os esclarecimentos que acaba de me dar; no emtanto, eu não farei a propósito dêste artigo as considerações que desejava, tanto mais quanto é certo que elas dizem respeito a umas afirmações aqui feitas pelo Sr- Ministro das Finanças, parecendo-me, portanto, mais conveniente fazê-las na presença de S. Exa.

Confrontando, Sr. Presidente, o artigo 1.°, em discussão, com o § único, eu devo dizer francamente que não sei o que é que o Govêrno entende com os serviços autónomos.

Eu devo dizer, Sr. Presidente, que me parece que a Câmara não deve deixar de aprovar o aditamento ultimamente enviado para a Mesa pelo Sr. Velhinho Correia, tanto mais quanto é certo que o Sr. Ministro das Finanças já ontem aqui declarou que o artigo 1.° não tinha a interpretação que lhe haviam dado, não sei se o Sr. Ferreira de Mira, se o Sr. Velhinho Correia.

Se na letra do artigo se dissesse «já publicados, então havia a restrição que o Sr. Velhinho Correia pretende obter por um outro aditamento que é mais extenso, porque é «até à data em que fôr publicada esta autorização».

Mas como o intuito do Govêrno é, como disse o Sr. Ministro das Finanças, não fazer outras despesas senão aquelas autorizadas pela proposta orçamental e pelos diplomas que forem publicados até à data desta lei, parece-me que não deve haver dúvidas da parte do Govêrno em aceitar a proposta de aditamento do Sr. Velhinho Correia.

Quanto ao artigo 1.°, nada mais tenho a dizer.

Tenho dito.

O orador não reviu.

É lida, admitida e entra em discussão a proposta de aditamento apresentada pelo Sr. Velhinho Correia em substituição duma outra sua, a qual é autorizado pela Câmara a retirar da Mesa.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Rodrigues Gaspar): — Sr. Presidente: pedi a palavra para responder aos ilustres oradores que acabaram de discutir o artigo 1.° da proposta.

As considerações feitas pelo Sr. Velhinho Correia levam-me à conclusão de que S. Exa. recomendou ao Govêrno a compressão das despesas.

Ora o Govêrno tem exactamente no seu programa essa compressão de despesas, de maneira que ninguém poderá pensar que o Govêrno pretende por qualquer forma aumentar as despesas públicas, desde que isso não seja absolutamente indispensável.

S. Exa. disse que tínhamos pensado primeiramente no Orçamento de 1923-1924, e que agora a proposta se refere ao Orçamento de 1924-1925.

Mas exactamente foi o Govêrno que

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tinha iniciado a campanha da redução de despesas que fez o Orçamento de 1924-1925; e, portanto, êle deve satisfazer à condição de reduzir o mais possível as despesas.

O que é impossível é com as escassas verbas do Orçamento de 1923-1924 satisfazer às verbas que exigem os serviços nesta ocasião.

V. Exa. sabe que têm aumentado as despesas, não provenientes da criação de cousas-novas, mas das mesmas cousas já existentes, e a que não pode o Orçamento de 1923-1924 satisfazer cabalmente.

E foi por isso que se propôs que vigorasse o Orçamento de 1924-1925.

Quanto à emenda enviada para a Mesa pelo Sr. Velhinho Correia, o Govêrno aceita-a inteiramente, como j á declaro u ontem o Sr. Ministro das Finanças.

Relativamente à observação do Sr. Morais Carvalho, devo dizer que há na Mesa uma emenda que esclarece ainda mais a doutrina do artigo 2.°

A doutrina do Govêrno para os serviços autónomos é a mesma que para os Ministérios.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: confesso a V. Exa. que tenho medo quando vejo intervir nas discussões o Sr. Velhinho Correia; tenho medo porque S. Exa. tem a habilidade de as complicar todas.

S. Exa. mandou ontem para a Mesa uma proposta de emenda ao artigo 1.°, que representa, quero crer, uma manifestação da parte de S. Exa. o mais normal possível, mas que dá perfeitamente a impressão, a quem a lê, de modificar tudo o que está na proposta.

Toda a gente sabe que quando as leis dizem «diplomas publicados à data», se referem àqueles que são publicados até à data da publicação da lei.

Logo não há necessidade de mais esclarecimentos.

A proposta ou sai clara, ou não é aprovada tam ràpidamente como se deseja.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Velhinho Correia (para explicações): — Sr. Presidente: como parlamentar, tenho uma obrigação a cumprir: é servir, como tenho servido e hei-de servir sempre, emquanto fôr parlamentar, os interêsses do País, não fazendo caso de ameaças, nem de intimações, seja de quem fôr.

Devo dizer a V. Exa. o seguinte: ontem o Sr. Ministro das Finanças e o Sr. Ferreira de Mira interpretaram bem o artigo em discussão, mas a verdade é que, pela leitura que dele se faz, se verifica que, se êle fôr aprovado tal como está, o Poder Executivo fica autorizado a pôr em vigor, sem a necessidade de abertura de quaisquer créditos, todos os diplomas que foram publicados até à data da aprovação desta lei.

Ora o meu aditamento visa a dar a interpretação que S. Exas. ontem definiram.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Pedro Pita (para explicações): — Sr. Presidente: é bem claro o que diz o artigo 1.° da proposta em discussão.

Não se encontra ali a palavra «posteriormente, mas as palavras «até à data da publicação desta lei».

Toda a gente compreende o que isto quere dizer; portanto, não tem razão de ser o aditamento do Sr. Velhinho Correia.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Vai votar-se a emenda do Sr. Pedro Pita.

É a seguinte:

Emenda

Proponho a substituição das palavras «31 de Dezembro» por «30 de Novembro.— Pedro Pita.

É aprovada.

O Sr. António Maria da Silva: — Requeiro a contraprova.

Procede-se à contraprova.

O Sr. Presidente: — Está rejeitada. É aprovada em seguida uma emenda do Sr. Presidente do Ministério.

É a seguinte:

Artigo 1.° Proponho a substituição das palavras «31 de Dezembro» por «30 de Novembro». — Pedro Pita.

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Acrescentar ao final do § único do artigo 1.° o seguinte: «desde que êstes não excedam as verbas respectivas, inscritas na proposta orçamental para o ano de 1924-1925.— Rodrigues Gaspar.

É depois rejeitada a emenda do Sr. Velhinho Correia.

O Sr. Velhinho Correia: - Requeiro a contraprova.

Procede-se à contraprova.

O Sr. Presidente:—Está rejeitada.

Leu-se na Mesa o artigo 1.°, que foi aprovado, salvo as emendas, em contraprova requerida pelo Sr. Pedro Pita.

Leu se na Mesa o artigo 2.°, entrando em discussão.

O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: cada artigo e cada alínea desta proposta representa uma nova autorização pedida pelo Govêrno, ao Parlamento, para ser usada no interregno parlamentar.

E, dada a votação do artigo 1.º, em que intransigentemente se mantiveram quatro duodécimos em vez de três como eu propusera, já nós sabemos que interregno terão os trabalhos parlamentares.

Com efeito, a votação dos quatro duodécimos significa que durante a segunda quinzena do mês corrente e nos meses de Setembro, Outubro e Novembro se pretende dispensar o Parlamento da sua função.

Dispensa-se o Parlamento para substituí-lo na sua função pelo Poder Executivo, e daí todas essas autorizações que constam da proposta, inclusive a de permitir a remodelação dos serviços públicos.

O Parlamento, na situação em que se procurou colocá-lo, fica sem autoridade para cumprir a sua, missão.

Sr. Presidente: como se fôsse pouco a autorização que o Govêrno já tem para cobrar as receitas durante todo o ano, dá-se também autorização para êle, durante quatro meses, isto é, até a abertura da nova sessão legislativa, poder fazer as despesas.

Como não bastasse ainda poder fazer as despesas conforme, a proposta orçamental, mais autorizações se nos podem pelas diversas alíneas do artigo 2.°

Vejamos:

Porque se pede a autorização constante da alínea a)?

Porque não foram inscritas no orçamental de 1923-1924, nem na proposta orçamental do 1924-1925, as quantias que seriam absolutamente necessárias para fazer face às despesas.

Autorizar o Govêrno a reforçar verbas, dotações baseadas na diferença de câmbios, é absolutamente vago.

A proposta orçamental nunca foi discutida na generalidade porque O Ministro que a apresentou, como o que depois a perfilhou, não o pôde fazer.

Há um facto fundamentai: o Sr. Ministro das Finanças talvez me possa responder se é possível calcular verbas que resultem de diferença cambial, visto que o câmbio oscila e varia todos os dias, e não é fácil prever a importância resultante dessas verbas.

Sr. Presidente: isto é inteiramente certo. Simplesmente, ao inserirem se no Orçamento as verbas necessárias para fazer face às despesas, tem de se fazer a previsão e indicar-se qual a verba.

O que se fez? Admitiu-se um ágio para as despesas feitas em ouro e calculou-se essa despesa em relação a êsse ágio.

Presunto à Câmara e a V. Exa.: Se não discutimos a proposta orçamental nem sequer na generalidade, se não sabemos qual foi o ágio que serviu ao Sr. Ministro das Finanças para apresentar esta proposta para fazer os cálculos das verbas que fez incluir nesta proposta, como é possível calculai a quanto monta esta autorização?

Sr. Presidente: é claro (sobretudo se estabelecermos a comparação entre a primeira e segunda parte desta alínea) que não podemos ter outra resposta que não seja a que me antecipei a dar: não é possível calcular uma verba que resulte da oscilação cambial; e também o não é calcular-se o que representa a proposta orçamental.

Isso não tem importância alguma. Que importância tem o facto de saber o Parlamento quais as verbas que se dão â determinados serviços?

Se não há vantagem alguma em que o Parlamento discuta essas verbas para as reduzir, como é sua atribuição, visto que não é sua atribuição aumentá-las,

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como, de facto, também é essa a atribuição do Parlamento, que não pode exercê-la pelas diversas leis-travão que têm sido aprovadas, apesar do que a Constituição expressamente consigna, e contra o que eu tenho protestado, pode contudo reduzi-las!

Mas de que serve assim o discutir?

De facto tem-se reduzido verbas na preocupação dum equilíbrio quando êle não existe.

Suponhamos que, de facto, eram calculadas essas verbas, que na verdade o Sr. Ministro das Finanças reduzia essas verbas; suponhamos que se fazia isso. Não tinha qualquer Deputado o direito de reduzi-las ainda mais?

Esta autorização é para os quatro meses: é para todo o ano económico.

Pretende-se autorizar o Govêrno a reforçar e despender duma só vez dentro dos quatro meses todas as quantias que representam as diferenças cambiais resultantes da diferença cambial, no Orçamento de 1923 a 1924.

Isto é, pretende-se pagar e reforçar; pretende-se pagar duma só vez as quantias que são manifestamente diferentes pelo que se refere a 1923 e 1924.

Pretende-se com esta autorização, pelo que respeita à proposta de 1924 e 1925, cobrar e despender, apenas em cada mês, a importância que representa a diferença?

Esta pregunta, se a faço, é porque sôbre o assunto não tenho prontos esclarecimentos.

Não há dúvida nenhuma de que nesta alínea está, como acabo de demonstrar, uma autorização que é muito maior do que aquela que à primeira vista parece.

Não há dúvida nenhuma de que nestas duas autorizações estão os transportes, telegramas, franquias postais, material, expediente, etc., e que se não trata somente de habilitar o Govêrno a reforçar as verbas da proposta orçamental respeitante aos quatro meses. Vai fazer-se mais; o Govêrno fica autorizado a esta diferença pelo que respeita ao orçamento de 1923 a 1924.

Consta, da parte final da alínea, um saldo a pagar que o Sr. Ministro calcula em 1:200 contos, e é por isso quê pede 1:200 contos.

Mas em quanto importa, ao menos aproximadamente, a verba resultante da primeira parte da autorização?

O déficit calculado em quanto aumenta com os reforços?

Não o diz o Sr. Ministro das Finanças.

Quero crer que o fizesse por uma questão de escrúpulos, e compreendo êsse escrúpulo.

Na verdade o câmbio oscila tam ràpidamente que não é possível poder calcular ou prover a quantia que esta verba representa, verba destinada a reforçar a que está inscrita na proposta orçamental.

O Orçamento não tem, de facto, senão a função de calcular as receitas e as despesas que se cobrarem e efectuarem num determinado ano económico; e, nestas condições, assim como o Ministro das Finanças prevê, e é obrigado a prever, qual o montante dessa verba, também tem de apresentar uma proposta que tem por fim suprir a falta dum orçamento que não foi aprovado, e deve fazê-lo sem que ninguém o possa acusar de ter sido menos cauteloso ou menos escrupuloso fazendo-o, dizendo claramente qual o ágio que tinha servido de base para o seu cálculo,

E então nós tínhamos de ver se êsse ágio, de que S. Exa. fizera uso no seu cálculo, era de facto aquele que estava mais em harmonia com o que se passava e podia prever-se, se a quantia assim encontrada era, de facto, aquela que pudesse parecer a mais certa e a mais aproximada.

Mas, Sr. Presidente, nada disto vimos.

Não sabemos a quanto monta esta verba que o Sr. Ministro das Finanças pede.

Por êste documento vê-se que fica o Govêrno autorizado a reforçar todas as verbas sem que saibamos até onde vai esta autorização — se é uma importância grande ou insignificante.

Há um cálculo que o Sr. Ministro das Finanças muito bem podia fazer: é o que diz respeito ao Orçamento de 1923—1924.

É claro que não posso dizer o mesmo pelo que respeita ao ano económico de 1924-1925.

Há uma outra cousa que S. Exa. podia também ter feito: pedir as quantias que julgasse necessárias para fazer face aos encargos nos quatro meses para que estão votados os duodécimos.

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Supõe o Govêrno que, votada esta autorização, à primeira vista tam simples, fica habilitado a pagar como quiser e quando quizer a quantia que representa a diferença do exercício de 1923-1924, e supõe também que essa autorização vá até o fim do corrente ano económico, permitindo-lhe efectuar o pagamento de todas essas diferenças?

Porque não se diz claramente ao Parlamento quanto custa ao Estado esta diferença?

O Sr. Ministro das Finanças tem elementos para isso, como já demonstrai.

Mas, Sr. Presidente, quererá S. Exa. aplicar.a designação de «diferença cambial» ao excesso do preço de trigo?

Diferenças de cambiais são as que resultam das diferenças entre a compra e a venda de cambiais, são prejuízos resultantes das diferenças de câmbios.

Quando os Governos querem manter o fogo sagrado, vão afirmando que o câmbio melhora e vão atirando cambiais para a praça para não fazer a libra subir, muitas vezes com prejuízos, tendo comprado muito mais caro do que vendem depois ...

O Sr. Cunha Leal: — Se não houvesse o propósito de mascarar ao publico uma administração irregular, tinha-sô evidentemente pedido o reforço das verbas.

O Orador: — Se de facto, na designação de diferenças cambiais, estão incluídos os prejuízos resultantes das diferenças do trigo, quando nesta Câmara sempre ouvi afirmar que o pão político tinha desaparecido, sem que tivesse havido qualquer encargo para o Estado, isso, Sr. Presidente, o mesmo é que procurar ocultar um facto.

Não ignoram V. Exa. e a Câmara que o decreto que regula a compra o venda de cambiais, e sobretudo que o decreto que determina expressamente a obrigação da entrega ao Estado de determinadas cambiais, produto de exportações, têm fatalmente de dar prejuízos.

Só o não dá maior é porque o Estado nesse jôgo tem tido as vantagens que tem tido todos aqueles que em cambiais têm jogado sôbre tudo pela baixa da libra.

E que impor ao indivíduo que exporta que dê ao Estado uma parte das cambiais dos, produtos exportados é dar faculdades de êles darem, pelos preços que quiserem, essas cambiais.

De facto, o indivíduo que exporta vai entregar ao Estado a parte obrigada do valor da exportação, no dia que mais vantagens tem para o fazer.

Sr. Presidente: há pouco mais de um ano o valor do franco sofreu várias oscilações; e o Estado recebeu a maior parte das cambiais ao câmbio maior.

Quere dizer: em oito dias o valor do franco variou entre 1$10 e 1$48.

Depois o franco caiu; e o Estado, que precisava, viu-se obrigado a vendê-lo pelo preço que pôde.

Sr. Presidente: tudo isto pelo que respeita ao ano de 1923-1924, de que falta pairar despesas da gerência respectiva.

É claro que encontrando-se diferenças entre o que está calculado e o que falta pagar, o Sr. Ministro das Finanças tinha encontrado a quantia certa para indicar nesta autorização.

Mais esta autorização é para ficar o Govêrno autorizado a reforçar em todo o ano económico dotações orçamentais?

Isso não o sei, nem o Sr. Ministro das Finanças o diz.

Parece-me que, desde que os duodécimos respeitam a quatro meses, os reforços de verbas devem ser feitos em relação a êsses quatro meses.

Sr. Presidente: fiz considerações pelo que respeita a alínea a) do artigo 2.°

Sr. Presidente: a leitura desta outra autorização, consignada na alínea b), sugere observações semelhantes às que fiz a respeito da alínea a), porque não se apresenta francamente ao Parlamento, que é o País, a situação em que se encontra o Tesouro Público, nem se diz o que é necessário para as referidas despesas.

Em todos os anos só estabelecem estas fantasias nas propostas orçamentais em que se anuncia também redução do déficit e depois se vem pedir reforço de verbas.

Não procedeu assim o leader do meu partido, o Sr. Ginestal Machado, que veio
dizer qual a situação do tesouro do País, e veio apresentar propostas tendentes a fazer face a essa situação.

É isto o que não tenho visto fazer, tendo eu protestado sempre contra a maneira como se fazem os relatórios das

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comissões de finanças das propostas orçamentais.

Êsses relatórios são quási sempre feitas por uma só pessoa, que as assina, e que propõe uma ou outra redução, sem que, a, respectiva comissão tenha avaliado o assunto.

Mas, Sr. Presidente, se a alínea respeita a autorizações que têm por fim reforçar verbas destinadas a ocorrer a diferenças entre receitas e despesas não só do Orçamento de 1923-1924, mas ainda das desposas orçamentais de 1924-1925, é lícito que pregunte: esta alínea b) a que se refere?

Refere-se ao orçamento de 1923-1924 ou à proposta orçamental de 1924-1925?

Francamente não sei.

O que se vê, Sr. Presidente, é que neste serviço e neste Ministério a diferença foi de 6:800 contos.

Aqui está como se calcula.

Aqui está o que representa o tal orçamento que tantas vezes tenho ouvido bradar que é necessário que se discuta, que se vote, porque é uma cousa horrível não ter orçamentos.

Mas, Sr. Presidente, há ainda a notar que se trata duma importância de 6:800 contos, que, apesar da desvalorização da moeda, é ainda uma importância regular.

Pretende-se, reforçar com 6:800 contos a dotação para material e diversas despesas.

Estará certa esta designação?

Será de facto reforço para despesas de material e outras diversas?

Não sei, não tive tempo para ver, visto que esta proposta foi apresentada com urgência e dispensa do Regimento.

Reconheço que fiz mal em não ter procurado, durante a discussão na generalidade,, que o Sr. Ministro das Finanças me dêsse esclarecimentos sôbre alguns pontos que agora tenho estado a examinar.

Ora, Sr. Presidente, se na Orçamento não estavam calculados êstes 6:800 contos para despesas com material. Se nenhuma lei as autorizou, - e eu creio que não –autorizou — até porque o Sr. Ministro das Finanças teria o cuidado de indicar aqui se elas existissem, eu pregunto: com que direito é que essas despesas se fizeram?

E quem me diz a mim que, concedendo esta autorização, eu não vou reconhecer legalidade a essas desposas que se fizeram fora do Orçamento e fora de qualquer lei que a permitisse?

Sr. Presidente: gostaria que o Sr. Ministro das Finanças me dêsse esclarecimentos a êste respeito, porque desejava votar sabendo aquilo que votava.

O Sr. Presidente: — Previno V. Exa. de que faltam apenas 3 minutos para se passar à segunda parte da ordem do dia.

O Orador: — Nesse caso, se, V. Exa. me permite, fico com a palavra reservada para a próxima sessão.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Fica S. Exa. com a palavra reservada.

Vai continuar a discussão da lei do inquilinato.

Tem a palavra o Sr. Ginestal Machado, que com ela ficou reservada da sessão anterior.

ORDEM DO DIA

O Sr. Ginestal Machado: — Sr. Presidente; antes de prosseguir na ordem, de considerações que ontem- tive a honra de fazer nesta Câmara, respeitantes à lei do inquilinato, careço consagrar uns minutos a certa notícia que vem nos jornais.

Diz um jornal de hoje, o Mundo, que uma comissão das juntas de freguesia viera ao Parlamento, que falara comigo (o que é verdade) e que dissera o seguinte, na exposição feita aos seus colegas, ontem reunidos.

Leu.

Sr. Presidente: vários aspectos tem esta notícia, a maior parto dos quais não me interessa.

Os representantes das juntas acham que eu fiz considerações alheias ao assunto. Estão no seu direito. Eu entendo, e parece que a Câmara assim o julgou, pela atenção que se dignou dispensar-me, que as minhas considerações se ligavam com o assunto e que tinham algum interêsse; e realmente, por muito que considereis juntas, tenho de considerar mais os meus colegas desta Câmara. De maneira que me fico com a opinião da Câmara.

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É certo que a comissão das juntas me procurou, e que, como é meu costume e é minha obrigação, a recebi com toda a delicadeza. O que eu disse às juntas, e apraz me declará-lo aqui nesta Câmara, foi que era intuito do meu partido ver se podia contribuir para se encontrar uma fórmula em que coubessem os legítimos direitos das duas partes interessadas.

Realmente, Sr. Presidente, o que aqui se tem dito dêste lado da Câmara demonstra bem que êsse ô o nosso intuito.

O discurso notável do Sr. Moura Pinto revela bem a maneira elevada como dêste lado da Câmara tem sido considerada a lei do inquilinato, e as minhas palavras, se não têm a valorizá-las a sciência do meu colega, têm, entretanto, igual consciência e igual propósito.

De maneira que, como V. Exa. vê, esta afirmação que eu fiz tenho-a cumprido, como cumpro sempre tudo aquilo a que me comprometo, sejam quais forem as conseqüências que daí resultam.

Não disse às juntas que evidentemente desejava que se votasse o projecto do Senado; disse lhes o contrário: que não podia dar-lhe a minha aprovação. Disse-lhe, mais que corria na imprensa que se pretendia fazer uma manifestação política ao Parlamento.

Todos nós sabemos — e calculo poder falar em nome de toda a Câmara — o que devemos ao lugar que ocupamos. (Apoiados). Procedemos segundo a nossa consciência, suceda o que suceder, e não acoitamos qualquer coacção que não provenha dos nossos princípios, da nossa dedicação pelo regime, do nosso patriotismo.

Apoiados.

Quanto a eu ter feito obstrucionismo, deixo a resposta à consciência dos meus colegas nesta Câmara; e, pôsto isto, entrarei na matéria que ontem vinha discutindo.

Quando ontem V. Exa. me anunciou que tinha terminado a hora, ia eu começar a fazer algumas considerações a respeito do artigo 5.° da proposta vinda do Senado, e que a nossa comissão de legislação aconselha a que se aprove. Diz respeito êsse artigo aos chamados coeficientes.

Andamos no regime dos coeficientes, e, infelizmente, em quanto nesse regime andarmos a vida económica da Nação há-de caracterizar-se por ser inteiramente anárquica, inteiramente perturbada, pois que anda fora daqueles carris por onde ela deve seguir para se desenvolver e para corresponder àquilo que é necessário que ela seja.

Em princípio, repugnam-me os coeficientes, seja no que fôr. É fácil legislar, determinando que se aplique o coeficiente 5, 10 ou 20, seja para impostos, seja para inquilinato, seja para os preços da» cousas; mas, francamente, como a acção dos homens não tem uma influência decisiva sôbre as cousas, e estas se determinam por factores de ordem mais profunda, acontece que tudo vai seguindo cada vez pior.

Estamos neste regime, e o que se torna necessário é voltar ao direito comum, estabelecer os contratos nas bases seculares, embora com modalidades diversas, que são as que a experiência nos tem mostrado que permitem o desenvolvimento da actividade económica.

Desejo, a propósito, chamar a atenção da Câmara para uma votação aqui feita ultimamente. Lembro-me de que aqui se votou que os foros fossem multiplicados pelo coeficiente 10. Reparem nisto mesmo aqueles que a respeito da propriedade têm o conceito do Sr. Ministro da Justiça e do Sr. Lino Neto. Por sinal, alguns jornais disseram, que no meu discurso tinha segundo a orientação do Sr. Lino Neto, quando eu disse que perfilhava as referências amáveis, mas de justiça, que o Sr. Ministro fez a S. Exa., pela sua inteligência, pelo seu saber, mas que quanto a doutrina não estava inteiramente de acordo.

A propósito, estranhei que o Sr. Velhinho Correia dissesse que era uma doutrina velha, e eu pedia a S. Exa. que esclarecesse a Câmara a tal respeito, porque nós andamos desde há quatro dias em suspenso, sem sabermos porque a doutrina é velha e não é novíssima.

Mas, Sr. Presidente, vinha eu dizendo que não há muito tempo ainda que nós votámos o coeficiente 10, ou sejam 1:000 por cento, pura os foros. Ora, realmente, mesmo para as pessoas que, como o Sr. Lino Neto, como o Sr. Ministro da Justiça, como tantos parlamentares que aqui se encontram, entendem que a propriedade tem uma função social, êsse vestígio

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de propriedade que há no foro é que nenhuma função social tem. Representa uma função morta — se é que se pode ligar a palavra «morta» à palavra «função» — ao passo que a propriedade real e efectiva do uso das cousas é uma função viva.

Ora, se a êsse vestígio de propriedade se atribui o coeficiente 10, eu pregunto sê não há uma contradição em se querer que para as rendas da propriedade real e efectiva se adopte um multiplicado inferior a 10 também.

Parece-me que nisto não há exagero, nem há ficelle nenhuma do raciocínio.

Chamo á atenção da Câmara para o que acabo de expor.

Não apresento nenhum projecto, visto que, para os meus princípios acerca dêste problema, que é de carácter económico, julgo que todas estas intervenções, coto coeficientes, com limitação de direitos, só servem para evitar a s tia natural solução.

É necessário que se construam mais casas.

À solução do problema é esta, dêem-lhe as voltas que lhe derem.

Por conseqüência, deve permitir-se que os senhorios actuais tenham a remuneração indispensável para se prevenirem contra os riscos de fogo, para repararem as suas casas e para tantos outros encargos inerentes à sua situação de proprietários.

Quando se fala dêste lugar não devemos considerar a vida transitória de cada um de nós, más temos de ver o tenho com mais largueza.

Daqui a vinte anos o problema é inteiramente insolúvel. Nesta data devem encontrar-se num estado lastimável os prédios da capital, principalmente na chamada Lisboa antiga.

Os telhados cheios de erva, os caixilhos sem tinta, etc., Lisboa parecerá uma cidade marroquina, evidentemente antes de Marrocos ser ocupado pela França.

Temos, portanto, de considerar o problema por um aspecto diferente, não considerando apenas o momento presente.

E possível que muita gente pense que o Estado poderia tomar à sua conta a construção de novas casas.

Infelizmente temos o exemplo tristemente eloqüente dos Bairros Sociais.

Temos de contar com a iniciativa particular e para isso é necessário que a
Câmara e os poderes constituídos não manifestem fobia pela riqueza particular, mas que pelo contrário dêem ao capital as garantias suficientes, que possam evitar que ele saia de Portugal e vá frutificar em terra alheia.

Sr. Presidente: acerca do artigo 5.°, eu quero apenas chamar a atenção da Câmara pára esta flagrante contradição estabelecida pelo Senado, dando apenas ao inquilinato particular o direito de multiplicar as rendas de valor da matriz de 1914 por 5 e para os foros se autorize essa multiplicação por 10.

Quero ainda considerar o artigo que trata da arbitragem, com o qual estou inteiramente de acordo.

Duma maneira geral, o que se pretende com isto é estabelecer um principio de equidade na assistência.

Isso disse-o o próprio Sr. Ministro dá Justiça, que apelou para o nosso coração e sentimento, p Dado diante de nós, com toda a sua eloqüência e elegância, a desgraça das pessoas postas na rua sem abrigo, expostas ao frio e à chuva, etc.

Todos estamos convencidos, portanto, de que é um acto de assistência que se pretende praticar. Mas ao meu espírito de justiça e coerência, aos meus princípios de equidade e de lógica repugna aceitar que o Estado obrigue apenas uma parte dos cidadãos portugueses a exercerem á assistência para com os seus semelhantes.

Eu compreendia que se expropriassem as casas; compreendo que nos tempos antigos o Estado sé considerasse o conquistador dentro do país e que dividisse ia propriedade por aqueles que o auxiliavam.

Não estarei evidentemente de acordo com êstes princípios — mas compreendia-os.

Obrigar, porém, uma classe a prestar assistência às outras, é uma cousa que não entra no meu raciocínio.

O Verdadeiro caminho seria o do Estado dar assistência; àqueles que necessitam dela, mas, como se faz na Suíça, indemnizando o proprietário.

Mo sino a assistência tem o seu modo de ser exercida.

Assim, nas Obras de misericórdia, diz-se que se devem, vestir os nus; mas ninguém, por muito caritativo que seja, se

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lembra de mandar vestir no Amieiro uma pessoa que ande nua... Manda-a vestir talvez num algibebe.

Para que havemos de dar assistência de grandeza a pessoas às quais devíamos só dar o necessário?

Já ontem expus a hipótese de pessoas que, tendo mudado de condição social, estão no emtanto a ocupar habitação que já não corresponde à sua situação, social.

Evidentemente que êste acto de assistência em vez de ser justo é perturbador.

Nestas medidas de ordem geral só as comissões de arbitragem poderão evitar que se pratiquem actos de flagrante injustiça.

Havia proprietários rurais que arrendavam uma casa para vir passar uns meses a Lisboa, que tinham casa numa praia e tinham ainda a sua casa na terra.

Ao abrigo desta disposição continuam a pagar uma renda escassa; e, havendo falta de habitações, é inadmissível que alguém tenha três casas para seu uso.

Com a comissão de arbitragem êste facto não poderá continuar a dar-se.

Quem fôr de fora, e quiser ter casa em Lisboa, tem de pagar pelo seu devido preço.

Entretanto, o senhorio que arrendou a alfaiataria por 30$ poderá receber 100$, porque os alfaiates estão levando muito pulos fatos, que aliás não têm a qualidade que antes tinham.

Já vê a Câmara que não devemos estar a proteger essa espécie de inquilinos, quando êles é que deveriam dar assistência aos senhorios, que na sua maioria andam com fatos velhos.

As cousas têm que mudar, e temos que dar assistência doutro modo.

Dê-se assistência aos que dela necessitam; mas em compensação, paguem os ricos o que devem pagar.

Se fôsse possível fazer uma consulta ao País, certamente os inquilinos declaravam que concordavam com o que estou dizendo.

É necessário garantir ao comerciante a sua estabilidade; mas quanto ao resto de assistência, que se lhe quere dar, não deve manter-se-lhe.

As relações entre os preços dos produtos e a produção no seu custo, é hoje diferente do que era em 1914.

É isso um êrro tremendo; e até o Sr. Velhinho Correia concordava nesse ponto comigo.

Se o comércio faz pagar tudo em relação à moeda ouro, porque não havemos de estabelecer êsse princípio que o comerciante pague também ao senhorio na mesma relação?

Já vê a Câmara que, no inquilinato comercial, o que temos é que garantir a estabilidade e garantir as melhorias que tenha introduzido no seu estabelecimento.

Nesse ponto sou o primeiro a dar apoio ao traspasse do inquilinato comercial.

Mas a assistência deve-se dar àqueles que a necessitam, aos pobres, às viúvas necessitadas, aos inválidos e aos funcionários públicos, a todos emfim que tenham poucos proventos.

Aos funcionários cujos vencimentos não são o que deviam ser, devemos assistência, impondo-lhes o cumprimento dos seus deveres.

Eu falo segundo a minha consciência; e aqueles que hão-de examinar os meus actos assim o entenderão.

Sou incapaz de lisongear classes, e entendo que se lhes não podemos dar assistência, como necessitam, devemos dar-lhes direito a um abrigo.

Já se vê que as casas operárias é necessário regulamentá-las, para que não se eleve a tal ponto o seu preço que elas não possam ser habitadas.

A pequena burguesia também precisa de protecção.

Sr. Presidente: quero que a minha opinião fique bem definida neste ponto.

Apesar dos jornais dizerem que eu não respeitara um acordo que se tinha feito, (o que não é verdade, pois nenhum acordo fiz), devo dizer que, se vingasse a Vinha opinião, não daria esta espécie de assistência por êste modo, mas por outro.

Entretanto, reconheço que é necessário que alguma cousa se faça para os cidadãos terem habitação, mas só para aqueles que necessitam dela realmente, porque para os outros repugna-me fazê-lo.

E quem considerar êste assunto, claramente há-de ver que eu tenho razão.

A uns deve dar-se protecção, a outros garantir-se-lhes os direitos legítimos, que no caso do comércio e indústria, é garantir-lhes a estabilidade.

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Poderá fazer-se o que se quiser, mas não fazemos o que é justo.

Realmente, nós não praticamos um acto de justiça se formos a pretexto de beneficiar uma classe, que precisa de benefício, beneficiar outra.

O que fazemos com isso é estabelecer a desarmonia.

Eu como já disse, daria outra assistência; mas como isso não é possível, aceito esta.

O resto não o aceito, ficando por isso, sem responsabilidades.

Falei em meu nome, mas estou convencido de que exprimi o sentir do meu Partido.

Apoiados.

Acerca da generalidade desta lei, muitas outras considerações poderia fazer, mas realmente só fiz aquelas que julguei indispensáveis.

Não me causa estranheza que julguem que foi obstrucionismo, visto que infelizmente os trabalhos parlamentares andam tam desvirtuados no espírito do público que não se compreende que um assunto dêstes, que deveria levar sessões e sessões a discutir, mereça a um homem de competência, que não eu, uma exposição de mais de uma hora.

Mas julgo ter expresso aquilo que era justo exprimir.

Terminando, Sr. Presidente, eu faço votos por que seja possível que a Câmara toda, pondo de parte neste caso divisões sectárias, considerando-se unicamente portuguesa, em presença de um problema que é nacional, proceda como o homem de sciência que está no seu gabinete de trabalho, em presença dos factos, para encontrar aquela verdade que é relativa, única forma de resolver o assunto.

É êste o meu desejo, e, estou certo, será o desejo de toda a Câmara; pois a verdade é que se cada partido quiser seguir o seu caminho, hasteando cada um a sua bandeira, isso não fará senão estabelecer uma confusão.

É isso o que eu não desejo, e faço votos porque assim não seja.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. António Dias: — Sr. Presidente: vejo-me nesta altura na necessidade de
responder aos vários argumentos produzidos contra o parecer da comissão de legislação civil o comercial.

Ò relatório da comissão, Sr. Presidente, indica duma maneira geral as razões que determinaram a mesma comissão a apresentar o parecer que teve a honra de submeter à apreciação da Câmara.

Assim, não me parece necessário desenvolver essa matéria, tanto mais quanto é certo que ela foi largamente desenvolvida e com muito brilho pelos oradores que tem falado sôbre o assunto.

O que eu desejo afirmar a V. Exa. e à Câmara é que a comissão a que tenho a honra de pertencer outro objectivo não teve desde a primeira hora de trabalho que não fôsse o de produzir uma obra de equidade.

A comissão, Sr. Presidente, não viu senhorios, nem inquilinos: viu somente o exercício da sua função parlamentar, no sentido de estabelecer um justo equilíbrio.

Foi o que ela fez e o que não podia deixar de fazer.

Não tem, Sr. Presidente, a comissão a pretensão de ter apresentado um trabalho completo, um trabalho que resolva o assunto por uma forma completa; porém, tem a certeza de que traçou as linhas gerais para que se possa fazer uma discussão ampla e aberta, apresentando-se as modificações que se julgarem indispensáveis, para bem da causa, de forma a que não continuem as contendas entre inquilinos e senhorios.

A seguir-se o sistema que se tem seguido em matéria de inquilinato, agravaremos cada vez mais o problema.

É preciso encarar o futuro e marchar com consciência do que se deve fazer.

Para não alongar a discussão vou desde já notar as diferenças que existem entre o artigo 1.° do Senado e o artigo l.° da comissão de legislação civil e comercial desta Câmara.

Diferenças substanciais não existem.

O artigo do Senado diz:

Leu.

O artigo da comissão diz:

Leu.

Tira-se, por coerência, a parte que na proposta do Senado diz:

Leu.

De resto a substância é a mesma. Mas êste artigo tem a sua história.

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O Sr. Catanho de Meneses, actual e muito ilustre Ministro da Justiça, apresentou no Senado um projecto de lei com um único artigo.

Muito bem fez o Sr. Catanho de Meneses em proceder assim, pois que era preciso obstar aos abusos que se cometiam.

Consignar no seu relatório o que não estava em harmonia com o seu espírito, ia inutilizar êsse mesmo espírito.

Havendo entre a comissão de legislação civil e comercial e a proposta do Senado apenas divergências que não são fundamentais, há portanto a concordância da comissão civil e comercial sôbre o princípio fundamental que determinava o projecto do Sr. Catanho de Meneses.

Ouvi a S. Exa. no seu brilhante discurso, em que S. Exa. mais urna vez se afirma um homem de Estado, que o é, sem dúvida, porque êste é o relato da verdade, sem rapapés que não sei fazer — ouvi a S. Exa. dizer que na jurisprudência dos tribunais há variedades de opiniões a propósito da aplicação do artigo 34.°

Julgados há dando como procedente o argumento quanto a não haver título autêntico ou autenticado.

Há também julgados que dizem que o senhorio não pode transmitir ao habitante do prédio direitos que não tinha.

Nessas condições não é aplicável o artigo 34.°

Ficamos assim numa situação em que essa jurisprudência varia nos mesmos casos, nas mesmas hipóteses.

Isto é: que quando não há título autêntico ou autenticado, tanto pode prevalecer uma como a outra opinião.

Eu pedia ao Sr. Catanho de Meneses me explicasse por que não existe uma lei interpretativa que se aplicaria aos "tribunais em que há casos concretos.

Sugiro a S. Exa. esta idea como base talvez para poder resolver-se o problema do inquilinato.

Uma vez votada uma lei interpretativa, seria aplicada aos tribunais.

Tia muito que tenho opinião de que se torna necessário que, num conjunto de vontades, procuremos encontrar as melhores soluções para os diversos problemas que se devem considerar como vitais para a Nação.

É exactamente por isso que eu lembro êste meio de transigência a todos os lados
da Câmara, para que alguma cousa se possa fazer e lá fora se não diga que o Parlamento está fazendo obstrucionismo a respeito duma proposta de lei que, afinal, é muito precisa, tanto para senhorios como para inquilinos.

Mas o que é, Sr. Presidente, uma lei interpretativa?

É o Código Civil que o diz no seu artigo 8.°

É claro que não podemos ir aplicar a lei interpretativa aos casos julgados ou às convenções que já tenham feito as partes, porque essas criaram uma situação de direito que é indispensável manter.

Quanto ao artigo 1.° da comissão há, efectivamente, o seguinte nas excepções:

Leu.

Êste ponto, que figura no n.° 3.° do artigo 1.° da comissão, é, realmente, diferente daquele que se encontra no do Senado, que diz:

Leu.

A comissão ponderou a enorme latitude que nesta disposição se concedia; e por isso reduziu-a aos limites necessários, isto é, ao cônjuge ou aos herdeiros, vivendo há mais de seis meses com o arrendatário.

Na verdade, a generalidade da disposição do Senado a que conseqüências nos levava?

Quási não haveria ninguém que nela não pudesse ser incluído, beneficiando até dessa vantagem a própria amante de um arrendatário, que com êle vivesse há mais de seis meses.

Mas em nome de que princípios de justiça tal direito se concedia?

Não significava isto uma protecção à família ilegítima?

Um outro ponto que o Sr. Ministro da Justiça tocou é o da parte final do artigo 1.°

Se as leis do inquilinato continuarem seguindo a mesma norma que até hoje, poder-se-há com facilidade demonstrar a teso de que os prédios urbanos ficam fora do comércio e não haverá quem sôbre êles empreste qualquer quantia.

Referiu-se o Sr. Ministro da Justiça à possibilidade de uma remissão feita por ascendente, descendente ou cônjuge.

Estabelece-se diálogo entre o orador e o Sr. Ministro da Justiça (Catanho de Meneses).

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O Orador: — Foi a propósito disso que V. Exa. leu um artigo da lei espanhola...

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses): — Foi o artigo 9.° do decreto de 21 de Junho de 1920, que terá sido sucessivamente prorrogado. Mas eu vou mostrá-lo a V. Exa.:

Como V. Exa. sabe, a legislação espanhola, como outras, tem certas disposições relativas às prorrogações de arrendamentos.

Nós não fizemos assim, estamos num sistema especial.

O que V. Exa. deseja saber é se, durante essa prorrogação, o prédio mudar de dono, assim como entre nós, se mudar de dono emquanto persistam as circunstâncias económicas que deram lugar à lei, o facto da execução anula ou não o contrato de arrendamento.

A lei espanhola diz que não.

O Orador: — Muito obrigado a V. Exa. pela indicação que acaba de me prestar e de que eu precisava por não ter a legislação espanhola.

Reservo-me, porém, para na especialidade tratar dêste assunto, porque me parece um assunto muito importante.

Mas, continuando a desenvolver o pensamento da comissão, entro na análise do artigo 2.°

Êste artigo estabelece duma maneira geral que não mais poderão ser intentadas acções de despejo, que são também suspensas indefinidamente, porque não há limite estabelecido, as acções em curso, e que é destruído o caso julgado, pois que também êste é afectado na última parte do artigo.

Êste ponto é sem sombra de dúvida dos mais importantes e o que deve merecer a melhor atenção da Câmara.

Trata-se de direitos civis, legítimos, porque foram adquiridos à sombra de leis.

Ora, a lei civil, como há pouco demonstrei à Câmara, não tem efeito retroactivo, e não pode tê-lo; porque ai de todos os direitos se êsse efeito fôsse uma realidade!

A incerteza dos direitos passaria a ser um facto: e ai de nós se o precedente entre nós se estabelece!

Propôs a comissão a eliminação total dêste artigo 2.°, e procedeu de harmonia com os seus princípios, porque lá há homens de direito que respeitam a sua consciência profissional.

Homens que conhecem alguma cousa de direito e o que seriam as conseqüências fatais do estabelecimento desta doutrina, assim o entendem também.

Temos uma Constituição que é a base de todos os princípios.

Temos estabelecido o direito de propriedade individual.

Temo-lo estabelecido e absolutamente consignado o princípio da independência e harmonia dos poderes.

É o artigo 6.°

Um poder não é independente, nem mantém a harmonia que deve haver entre os outros poderes, se intervém na esfera da acção dos outros poderes.

Cada poder mantêm-se dentro de si mesmo.

O Poder Judicial deve viver absolutamente independente.

Desde que o Poder Legislativo intervenha na vida do Poder Judicial, não mantém aquela harmonia que constitucional-mente deve haver entre os poderes do Estado; e a independência do Poder Judicial não existe...

As leis não duram eternamente: — duram até haver outra lei nova que as substitua.

Mas até lá obrigam todos a respeitá-las, como obrigam ao cumprimento dos contratos feitos na vigência da respectiva lei.

Leis novas só podem regular para o futuro.

Êstes são os princípios que temos estabelecido, e são os princípios das nações cultas.

Não vem êste princípio consignado de uma maneira geral na Constituição, porque há um direito, um apostolado perante o qual todos se curvam.

A êsse respeito eu posso citar à Câmara o que dizem vários autores:

Leu.

O Sr. Catanho de Meneses, Ministro da Justiça, apresentou ontem várias considerações, e, finalmente, preguntou-me em que legislação do mundo eu encontrei o princípio das comissões arbitrais.

Eu devo-lhe dizer em resposta que en-

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contrei êsse princípio na legislação italiana de 20 de Janeiro de 19^3.

Já vê V. Exa. que não tem razão quando diz que eu não podia ter encontrado tal princípio em nenhuma parte do mundo, mas sim somente no meu espírito.

Disse, Sr. Presidente, e muito bem, o Sr. Ginestal Machado que nós vamos assistir ao espectáculo triste de se ir dar protecção e assistência justamente àqueles que a não necessitam.

Eu, Sr. Presidente, devo dizer que quero protecção e assistência para quem necessita dela, pois, de contrário, seria inútil.

Eu quero, Sr. Presidente, na verdade, que a assistência pública seja elevada ao seu máximo, se é possível, mas que seja fornecida como deve ser, àqueles que necessitam dela, pois, de contrário, isso representará um sacrifício para as outras classes, o que na verdade não pode ser.

O Sr. Ministro da Justiça, Sr. Presidente, não está de acordo com as comissões arbitrais, pois aponta-lhes defeitos.

Não estou, Sr. Presidente, neste ponto de acordo com S. Exa., se bem que tenha por S. Exa. a máxima consideração e estima, pois a verdade é que essas comissões arbitrais devem ser compostas de um juiz de direito, dos inquilinos e arrendatários.

O inquilino puxa para o inquilino e o senhorio puxa para o senhorio, mas lá está em fiel de balança a magistratura judicial, que em todos os casos é digna da nossa maior confiança.

Sr. Presidente: as comissões arbitrais são uma conseqüência dos problemas do inquilinato, que não podem resolver-se dentro das formulas rígidas do direito e que por isso têm de ser resolvidos pelos princípios de equidade.

As comissões arbitrais, quanto a mim, têm uma outra ordem de ideas a seu favor: devem destruir e esmagar aqueles que têm feito o agravamento do inquilinato, aqueles que especulam com a necessidade dos outros.

Quero referir-me aos assambarcadores de casas, gente que ganha rios de dinheiro à custa da miséria e da fome de muitas mulheres viúvas e de muitos filhos órfãos, que não têm o que lhes é absolutamente indispensável para viver.

Apoiados.

Sr. Presidente: eu devo afirmar a V. Exa. e à Câmara o meu muito respeito pela proposta do Senado; mas não posso deixar de notar que ela, em matéria de sublocação é, sem dúvida, deficiente.

O § 1.° do Senado impõe multas pesadas e dias de cadeia a quem infringir estas disposições; mas ao mesmo tempo consente o que parece proibir.

Se não pode arrendar todo o prédio, arrenda parte sem que ninguém lhe peça contas.

Para acabar a especulação, temos de estabelecer doutrina que a própria comissão civil e comercial não chegou a apresentar, para não tornar mais difícil e agravado o problema do inquilinato.

Entendo um dever não demorar extraordinariamente estas considerações.

Parece-me que já afirmei a V. Exa. e à Câmara quais foram os intuitos da comissão de legislação civil e comercial.

Na especialidade tratarei de cada artigo; aí acabarei as considerações que hoje não aduzi.

Torno a repetir que estou aqui como relator, não para defender senhorios ou inquilinos, mas para que se faça uma obra de equidade e justiça.

É esta a aspiração máxima de todos os portugueses: façamos uma obra de conjunto, não queiramos defraudar o Estado nos seus rendimentos, que não recebe o que pode receber, se fizermos uma actualização útil e perfeita das rendas.

Não compreendo também que a classe comercial e industrial, que todos sabemos ter feito lucros que muitos chamam fabulosos, não pague as rendas mesmo aproximadas da actualização.

O prejuízo só o pode ter o pequeno comerciante.

Não deve ter porém carácter ilimitado: deve ter um limite que o próprio legislador tem obrigação de fazer, porque se não faz em Portugal há muitos anos.

É indispensável que o Parlamento atente bem nesta doutrina, porque se deixarmos passar êste projecto corremos o risco de ver amanhã os inquilinos incomodados por um amontoado de acções de despejo.

Sr. Presidente: sabe V. Exa. e sabe a Câmara que tem havido acções fundadas no artigo que li; portanto há necessidade absoluta de terminarmos com os máximos ou mínimos das rendas.

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Como relator, terei ocasião de apresentar uma emenda nesse sentido.

Sr. Presidente: vou terminar.

Não quero fazê-lo, porém, sem dizer que não desejo ser acoimado de não querer a protecção ao inquilino; quero essa protecção, mas quero-a rodeada de todas as garantias.

Quero essa protecção por uma forma efectiva e real; mas quero também que nessas garantias efectivas e reais alguma cousa se dê, o que manifestamente a justiça manda que se dê.

Há inquilinos pobres, mas entre os proprietários vamos encontrar muitos senhorios que por não terem outros recursos hoje lutam com as maiores dificuldades, não lhe dando o rendimento das suas propriedades o suficiente para o seu sustento, para conservar o natural decoro, nem sequer para a conservação habitual dos seus prédios.

Não coloquemos êsses senhorios numa situação de desgraça e de miséria; porque então poderia parecer que é o Estado que propositadamente está fazendo guerra a essa classe.

Nós não guerreamos ninguém; somos de todos e para todos.

O que só queremos é justiça e equidade.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Pinto Barriga: — Sr. Presidente: tenho ouvido aqui uma discussão, a propósito da lei do inquilinato, de doutrinas sociais, as mais divergentes, sustentando uns que a propriedade tem um carácter puramente individual, e outros que tem um carácter puramente social.

Não, Sr. Presidente, a propriedade assume hoje em dia um aspecto ao mesmo tempo individual e social.

Tem realmente um duplo aspecto; e, satisfazendo duma certa forma os interêsses do proprietário, tem também de atender aos interêsses da sociedade.

Estará realmente dentro da função social não dar ao senhorio os elementos até para êle poder fazer obras?

É êste o aspecto que quero reivindicar e que faz com que mais esta vez fale sôbre êste assunto.

Eu sei que é necessário que a propriedade exerça uma função social; mas não
me demonstraram até agora que ela se tenha exercido em favor da sociedade: tem-se exercido apenas a favor dos inquilinos.

Sr. Presidente: sob um aspecto curioso puseram nesta Câmara o problema da retroactividade.

O artigo 2.° tem sido apregoado até como um artigo que vai beneficiar os inquilinos, mas diz êle, entretanto, que continuam de pé as acções de despejo por falta de pagamento de renda, e aquelas em que haja interlocutório.

Ora dêste modo não se defendeu os inquilinos; porque um simples despacho ad hoc faz prosseguir as acções de despejo; mas aquelas que já tenham recurso julgado, essas cessam, o que não está certo.

Mas há mais: o artigo 2.° não pode continuar como está, porque impede até aos senhorios o direito de evitar que os seus prédios caiam.

Ora é indispensável, desde que periga a segurança dos cidadãos, que o senhorio possa fazer o despejo do seu prédio.

Por outro lado, é indispensável que se evite que despejos violentos se exerçam.

Conheço casos interessantes.

Um, por exemplo, era o de um contrato em que se proibia ao inquilino ter cães; mas como êste, esquecendo-se dessa cláusula do contrato, adquirisse dois, o senhorio fê-lo sair de casa violentamente.

A meu ver, Sr. Presidente, esta disposição contida no § 5.° - do artigo 2.° do Senado constitui um perigo, pois a verdade é que, ela anulando as acções de despejo ainda em litígio, não providencia de qualquer maneira sôbre aquelas que, tendo sido injustas, já prejudicaram inquilinos, pois a verdade é que êle diz que poderão também prosseguir as acções pendentes ao tempo da publicação desta lei em que tenha sido já ordenado ou feito o despojo provisório e, se afinal forem julgados improcedentes ou o processo anulado, terá o arrendatário a faculdade de por simples despacho do juiz recuperar a casa arrendada, passando-se para isso mandado, que produzirá efeitos contra quem estiver ocupando o prédio, nos mesmos termos e com as mesmas formalidades determinadas para o despojo.

Isto, Sr. Presidente, não se compreende, mesmo sob o ponto de vista jurídico

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A verdade é que se vai reconhecer um direito, que está fora do direito, o que não faz sentido.

Êste princípio não o encontram V. Exas. nem na legislação belga, nem na francesa, países êstes que se encontram numa situação muito diversa da do nosso.

A França, Sr. Presidente, que se encontra, relativamente à habitação, numa situação muito pior que nós, alargou êste prazo, ao passo que entre nós não se estabelece sanção alguma.

Não me assustam ameaças.

Tive nesta Câmara meu avô e meu pai, que nunca tiveram modo de apresentar as suas opiniões. E eu também não tenho medo.

O que eu quero é que fiquem assegurados os interêsses dos inquilinos e dos senhorios.

Eu estou à vontade nesta questão pois habito uma casa própria.

Sr. Presidente: o Sr. Ministro da Justiça fez um discurso brilhante sob o ponto de vista jurídico.

S. Exa. referiu-se à comissão arbitral e foi buscar o que se faz lá fora; mas não apresentou exemplos quanto a comissões dessa natureza que foram instituídas em vários países como na Itália.

Àpartes.

O princípio da arbitragem impõe-se a toda a justiça: o inquilino que não pode pagar não paga e só paga segundo as suas fôrças, mas o Estado atende a essa circunstância também quanto ao senhorio.

O sistema dos coeficientes também é aceitável. Os coeficientes são porém deminutos, como é o coeficiente 5.

Mas o que é o coeficiente 5?

Uma insignificância.

Tirando as contribuições e despesas de conservação o que fica?

Àpartes.

Sr. Presidente: o que importa é encarar o problema a favor dos pequenos e não dos ricos.

Só se pode conseguir isso por meio de uma comissão arbitral.

Se essa comissão está bem instituída na proposta, isso é uma questão para se apreciar na especialidade.

Más não pode haver melhor sistema, porque se ajusta a todos os aspectos.

Visto ter dado a hora, dou por findas as minhas considerações.

O orador não reviu.

antes de se encerrar a sessão

O Sr. Sá Pereira: — Chamo a atenção do Sr. Ministro do Comércio para uma notícia publicada num jornal, em que se fazem graves acusações à maneira como são pagas algumas ajudas de custo no Ministério do Comércio.

Creio que não se cometerão semelhantes abusos como os que aquela notícia insinua; mas, no emtanto, desejo que o Sr. Ministro do Comércio se pronuncie sôbre o assunto, estando eu certo de que o fará para nos dar um formal desmentido à referida notícia.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Pires Monteiro): — Sr. Presidente: fez bem o Sr. Sá Pereira em se referir aqui ao assunto da notícia a que aludiu, pois que elo é de molde a prender a atenção do Ministro. Como a Câmara sabe, os serviços estão descentralizados, e, por conseqüência, êsses serviços de pagamento de ajudas de custo não estão sob a directa intervenção do Ministro; correm pelos directores gerais.

Mas, em face das informações prestadas por um semanário de Lisboa, semanário que me foi enviado directamente e que tinha sido precedido por uma carta anónima, chamei o único responsável, que é o funcionário que neste momento está ainda exercendo as funções de administrador geral, embora já substituído, não porque me não mereça a maior confiança, mas por não possuir aquelas qualidades que julgo indispensáveis.

Êsse funcionário justificou-se, alegando que na importância indicada estão incluídas não só as verbas de ajudas de custo, mas, também, a respeitante aos vencimentos normais, a qual é, aproximadamente, de 5.000$.

Mas, Sr. Presidente, o funcionário tem de deslocar-se e eu desejaria até que os deslocamentos fossem maiores para se exercer a necessária fiscalização.

O Sr. Sá Pereira (àparte): — Há longos anos que se vem afirmando que no Ministério do Comércio há funcionários que recebem ajudas de custo sem se deslocarem.

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22 Diário da Câmara dos Deputados

O Orador: — Posso afirmar a V. Exa. que, se êsse facto chegasse ao meu conhecimento, imediatamente exerceria uma acção enérgica de repressão. Sou Ministro há pouco mais de um mês e é o Regulamento Disciplinar o que eu melhor conheço nos seus detalhes, porque, infelizmente, o tenho aplicado com freqüência, não na parte que mais desejaria aplicá-lo, que é a que se refere a recompensas, mas, exactamente, na de sanções por faltas cometidas.

Não creio, porém, que o caso que o ilustre Deputado Sr. Sá Pereira acaba de fazer referência se dê, visto que as ajudas de custo são cuidadosamente conferidas pela contabilidade, que se acha a cargo de um funcionário extremamente zeloso e cumpridor dos seus deveres.

Basta dizer que, tendo-se procurado uma ajuda de custo relativa a uma sindicância e que era considerada como insuficiente, e tendo alguém aconselhado a que se fizesse o processo pelo dôbro dos dias para que o sindicante mio ficasse prejudicado, êsse distinto funcionário a que me refiro teve conhecimento do caso e não processou senão aquilo que o interessado tinha direito a receber.

Já vê V. Exa. que quem tem um funcionário, que assim cumpre os seus deveres, está sempre tranqüilo.

Mas, para tranqüilizar a Câmara, devo frisar que a estas ajudas de custo hão-de corresponder a requisições de transportes.

Êste assunto merece-me o maior cuidado; e S. Exa. poderá ficar certo do que o Ministro exercerá uma acção enérgica no sentido de reprimir o que de repressão careça

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Na segunda-feira há sessão às 14 horas.

Ordem do dia, a de hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 20 minutos.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Requerimentos

Requeiro que sejam publicados no Diário do Govêrno o acórdão do Conselho Superior Judiciário proferido sôbre o resultado da inspecção judicial feita aos trabalhos da sindicância aos serviços dos Transportes Marítimos do Estado, de que foi encarregado o juiz de direito Sr. Dr. Pinto Ribeiro, bem como o relatório do inspector e a resposta que aos quesitos por êle formulados apresentou o magistrado sindicante.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 7'de Agosto de 1924.— Viriato da Fonseca.

Aprovado.

Comunique-se ao Sr. Ministro do Comércio.

Requeiro que, pelo Ministério do Comércio e com a maior urgência, me seja enviada cópia do parecer dado pela Divisão de Estradas do distrito de Santarém, sôbre a representação feita pelo povo de Mação e pelos vários organismos locais, rehitiva à construção do lanço de estrada Mação-Pereiro em vez do lanço Ledo-Barracão.

Desejo também cópia do parecer do administrador geral das estradas.

8 de Agosto de 1924. — Francisco Cruz.

Expeça-se.

Representações

Da comissão delegada do funcionalismo público pedindo que a proposta de lei que regulamenta a nova subvenção seja modificada conforme indica.

Para a comissão de finanças.

Da Associação de Classe dos Operários Manipuladores de Fósforos pedindo para que, findo o contrato para adjudicação do exclusivo do fabrico de acendalhas e palitos ou pavios fosfóricos e isca, sejam ouvidos antes de qualquer resolução a tomar sôbre o assunto.

Para a comissão de comércio e indústria

O REDACTOR—João Saraiva.

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