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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 143
EM 12 DE AGOSTO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Sebastião de Herédia
Sumário. — Abre a sessão com a presença de 46 Srs. Deputados.
É lida a acta, que adiante foi aprovada com número regimental.
Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — Continua em discussão o parecer n.º 801 — Reorganização, da aeronáutica militar.
Usa da palavra o Sr. Viriato da Fonseca.
É aprovada a generalidade.
O Sr. Plínio Silva troca explicações acerca da discussão do projecto de lei da sua autoria.
Sôbre a especialidade, o Sr. Viriato da Fonseca requer e, e é aprovado, que as bases e artigos sejam discutidos e votados separadamente.
É aprovado o artigo 1.°
Em contrário da opinião do Sr. Presidente, o Sr. Plínio Silva não considera prejudicado o seu projecto de lei.
Usa da palavra o Sr. Ministro da Guerra (Vieira da Rocha).
Entra em discussão a base 1.ª, sôbre que fala o Sr. Cortês dos Santos, que fica com a palavra reservada.
O Sr. Jaime de Sousa interroga a Mesa sôbre qualquer documento referente à questão da pesca com a Espanha.
Ordem do dia (Primeira parte). — Posta em discussão a acta, e, referindo-se-lhe, o Sr. Nuno Simões requere que na sessão seguinte se discuta o 'acordo com a Companhia dos Tabacos.
O Sr. Afonso de Melo faz uma rectificação.
Usam da palavra os Srs. António Maria da Silva, Pedro Pita e Carvalho da Silva.
É aprovada a acta.
Usam da palavra para explicações, os Srs. Presidente do Ministério (Rodrigues Gaspar), Ginestal Machado, Pedro Pita e Velhinho Correia.
É aprovado um requerimento que o Sr. Ministiro das Colónias (Bulhão Pato) fizera em tempos para que fossem inscritos para discussão os pareceres n.ºs 721 e 726.
O Sr. Carlos Pereira deseja tratar em «negócio urgente» da questão da pesca.
Usam da palavra sobre o modo de votar os Srs. António Maria da Silva, Carvalho da Silva, Ministro dos Estrangeiros (Vitorino Godinho), Caries Pereira, Lopes Cardoso e Maldonado de Freitas.
O requerimento do Sr. Carlos Pereira é rejeitado.
Continua em discussão, na especialidade, o artigo 2.º da proposta de lei n.º 601, referente à autorização para cobrança de duodécimos.
O Sr. Alberto Jordão, que ficara com a palavra reservada, conclui o seu discurso.
Aos oradores precedentes deu resposta o Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues), e manda para a Mesa diversas propostas, que são admitidas.
Ordem do dia (Segunda parte).— Reorganização da lei do inquilinato. É aprovado um requerimento do Sr. Tavares de Carvalho: primeiro para que se dê por discutida a generalidade, sem prejuízo dos oradores inscritos, segundo, para que a sessão se prorrogue até se votar a mesma generalidade.
O Sr. Carvalho da Silva, que ficara com a palavra reservada, conclui o seu discurso.
É lida na Mesa uma carta do Sr. Marques Loureiro, aprovando-se o alvitre do Sr. Presidente, da Mesa ser autorizada a procurar demovê-lo da resolução da renúncia;
Usa da palavra sôbre o facto o Sr. Ginestal Machado.
Manifestam-se neste sentido os Srs. Ginestal Machado, Carlos de Vasconcelos, António Maria da Silva, Pinto Barriga, Dinis da Fonseca, Carvalho da Silva e Ministro da Justiça (Catanho de Meneses).
Às 20 horas é interrompida a sessão para continuar às 22.
Reabre a sessão às 22 horas e 30 minutos, continuando a discutir-se a questão do inquilinato.
Usa da palavra o Sr. Moura Pinto, que apresenta uma moção, que é admitida.
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É autorizado o Sr. Pinto Barriga a retirar a sua moção.
São rejeitadas as moções dos Srs. Pedro Ferreira, Lino Neto, Marques Loureiro e Moura Pinto.
É aprovada a prioridade para a votação do parecer do Senado, que é aprovado nominalmente por 43 votos contra 12.
Encerrou-se a sessão aos 55 minutos, marcando-se a imediata para a hora regimental.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. — Projecto de lei. Pareceres.
Abertura da sessão às 15 horas e 25 minutos.
Presentes á chamada 46 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 39 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco da Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Jaime Júlio de Sousa.
João Baptista da Silva.
João de Sousa Uva.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Luís da Costa Amorim.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António de Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Constâncio de Oliveira.
Delfim Costa.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
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Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Alegre.
Manuel Ferreira da Rocha.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Vergílio da Conceição Costa.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva Castro.
António Correia.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Resende.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Brandão.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 46 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Leu-se a acta e deu-se conta do seguinte
Expediente
Oficio
Do Presidente do Tribunal do Comércio de Lisboa, pedindo autorização para o Sr. Joaquim Ribeiro de Carvalho depor nuns autos de acção de dissolução de sociedade.
Negado.
Comunique-se.
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Carta
Do Sr. José Marques Loureiro, com o pedido de renúncia ao seu lugar de Deputado.
A Câmara deliberou que a Mesa deligencie para que S. Exa. desista do seu propósito.
Antes da ordem do dia
Continuação da discussão do parecer n.° 801 (reorganização da aeronáutica militar)
O Sr. Viriato da Fonseca: — Eu supunha que já tinha terminado as minhas considerações, mas direi ainda que ratifico o que disse quando falei, em nome da Acção Republicana, sôbre a aviação.
O orador não reviu.
foi aprovado na generalidade.
O Sr. Nuno Simões: — Requeiro a contraprova.
Procedendo-se à contagem, ela confirmou a votação.
O Sr. Plínio Silva: — Quando é que V. Exa. põe o meu projecto em discussão?
O Sr. Presidente: — É agora com o artigo 1.°
O Sr. Viriato da Fonseca: — Peço a V. Exa. que seja discutido separadamente um projecto do outro, por bases e artigos.
Foi aprovado.
Foi aprovado o artigo 1.° da proposta do Sr. Ministro da Guerra.
O Sr. Presidente: — Está prejudicado o projecto do Sr. Plínio Silva.
O Sr. Plínio Silva: — Não concordo com o critério exposto por V. Exa., considerando prejudicado o meu projecto.
A minha idea é fazer com que se restabeleça o serviço da aviação, no caso de a proposta não poder ser aprovada até o dia 15.
O Sr. Ministro da Guerra (Vieira da Rocha): — Sr. Presidente: tenho ouvido com a maior atenção as discussões dos ilustres oradores de todos os lados da Câmara, referentes à proposta de lei n.° 801, que apresentei, referente à reorganização da aviação, que o decreto n.° 9:801 dissolveu.
Do projecto se vê, nas considerações que o antecedem, que só motivos muito especiais me levariam a apresentá-lo à consideração desta douta Câmara.
Dos ilustres oradores que falaram, uns contra, outros a favor, observa-se que quási todos concordam com as bases por mim apresentadas, que visam a manter o serviço sem mais delongas, não desprezando ao mesmo tempo os altos princípios de disciplina e moral militar, sem os quais não é possível haver exércitos dignos dêste nome.
O projecto do Sr. Plínio Silva considerar o decreto n.° 9:801 nulo, isto é, colocar a aviação como estava antes do grave acontecimento militar que se deu, viria, caso fôsse votado, agravar de tal maneira a disciplina militar, cujas conseqüências não é fácil de prever o seu resultado.
Sr. Presidente: ter dissolvido o que estava para pôr o que existia, depois dos factos que são do domínio público, afectaria em muito as instituições militares do País, que certamente esta douta Câmara, que tem os mais altos princípios de moral social, creio não deseja aplaudir.
O meu projecto tem por fim obviar a êste inconveniente, ficando o Ministro da Guerra com a faculdade de organizar desde já três esquadrilhas, podendo ao mesmo tempo utilizar o pessoal que está afastado.
Tenho dito.
Entra em discussão a base 1.ª
O Sr. Cortês dos Santos: — Mando para a Mesa uma proposta.
Esta proposta abrange três artigos da proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro da Guerra, e faz a discriminação das repartições, em harmonia com os princípios que acabam de ser votados na generalidade.
Trata-se de conseguir para a aeronáutica militar os mesmos elementos de direcção que tem a organização de 1911 para todas as armas e serviços.
O Sr. Presidente: — São horas de se passar à primeira parte da ordem do dia.
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V. Exa. deseja ficar com a palavra reservada?
O Orador: — Ficarei com a palavra reservada.
O orador não reviu.
A proposta será publicada quando fôr admitida.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se na ordem do dia.
O Sr. Jaime de Sousa (para interrogar a Mesa): — Peço a V. Exa. a fineza de me informar se está na Mesa alguma representação dos industriais que exploram a pesca nas costas de Portugal, contra um pretenso convénio a elaborar entre Portugal e a Espanha. Estiveram ontem no Parlamento várias comissões de interessados nesse assunto, e por isso desejo saber se na Mesa está alguma representação dêsses industriais, protestando contra qualquer convénio com a Espanha a êsse respeito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Na Mesa não há nenhuma representação.
Está em discussão a acta.
ORDEM DO DIA
O Sr. Nuno Simões (sobre a acta): — Ontem pedi para, em negócio urgente, tratar do acordo com a Companhia dos Tabacos. Por sugestão do ilustre Deputado Sr. António Maria da Silva, e em harmonia com os desejos do Sr. Presidente do Ministério, conformei-me com a doutrina de que seria necessário votar antes dessa discussão determinadas propostas de lei. Estava em face do desejo do Govêrno, apresentado pelo Sr. Presidente do Ministério, mas supunha que a votação dessas propostas de lei se faria tam ràpidamente como era desejo do Sr. Presidente do Ministério.
Verifico agora que a discussão dêsses diplomas se vai prolongando, com a ameaça de eu não poder tratar da questão dos tabacos, visto aproximar-se o encerramento dos trabalhos parlamentares.
Dado o modo como está correndo a discussão, nada me garante que eu possa
tratar do acordo dos tabacos antes do encerramento do Parlamento. Nestes termos, entendo ser da minha obrigação requerer que V. Exa. consulte a Câmara sôbre se consente que amanhã, antes da ordem do dia, eu possa discutir a questão dos tabacos. Formularei êste requerimento na devida altura.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, devolver as notas taquigráficas que lhe foram enviadas,
O Sr. Afonso de Melo (sôbre a acta): — Desejo fazer uma rectificação ao que se diz na acta, que não exprime exactamente o que se passou na sessão de ontem.
Diz-se na acta que depois de falar o Sr. António Maria da Silva, acerca do negócio urgente do Sr. Nuno Simões, se resolveu que 6sse negócio urgente fôsse tratado depois de discutidos os projectos de lei em ordem do dia.
Não foi isso que se passou. O que ficou assente, e devia constar da acta, foi que se tratasse da questão dos tabacos logo que se tivessem discutido e votado as propostas de lei sôbre duodécimos e aumento de contribuições, inscritas na primeira parte da ordem do dia, e a lei do inquilinato, na segunda parte.
Não houve referência a outras propostas, ou projectos de lei.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. António Maria da Silva (sobre a acta): — O Sr. Nuno Simões referiu-se à deliberação ontem tomada no tocante ao seu desejo de tratar do acordo com a Companhia dos Tabacos, antes de se encerrar a actual sessão legislativa.
S. Exa. tem o receio de que chegará o dia 15 e não estarão ainda votados os diplomas julgados essenciais, não podendo, assim, tratar dêsse assunto.
Tenho uma impressão diferente de S. Exa. e, como já sei o que representa a discussão dos projectos de lei antes da ordem do dia e na ordem do dia, o que constitui uma trapalhada, uma falta de método e boa ordem em que ninguém se entende, já fiz sentir que é indispensável votar, seja dentro de que prazo fôr, os
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diplomas que estão na ordem do dia e são julgados essenciais à vida do Govêrno.
Não podemos no Parlamento estar a brincar com a nossa situação de representantes do País.
Manifestamente estamos aqui para mais alguma cousa do que para eternizar as discussões.
Todos reconhecem que é necessário e urgente a aprovação de certas medidas, mas no emtanto fazem-se longas discussões.
Quanto à questão dos tabacos, direi ao Sr. Nuno Simões que ela não me assusta, pois a República não pode cair como caiu a monarquia.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita: - Como o Sr. António Maria da Silva sôbre a acta disse tudo quanto quis, eu também o farei, mas não por gosto.
Todos sabem como correm os trabalhos parlamentares, e não é em 4 sessões que se podem aprovar as propostas que estão pendentes.
Parece que a maioria se esquece das lições do passado. Parece que querem que nada se faça. Como é que se há-de discutir a questão do inquilinato e a questão dos tabacos?
Só se podia fazer por um acordo com todos os Deputados, transigindo-se reciprocamente,
Trabalho normal não se pode fazer neste prazo de tempo; só SB poderá fazer trabalho anormal.
Apoiados.
Nada se faz, mas não se diga que é êste lado da Câmara que tem a culpa.
Vozes: — Ora, ora.
Àpartes.
O Orador: — Não vale a pena a indignação.
E momento de dizer tudo.
Àpartes.
Cada um fique com as responsabilidades que lhe couber.
O Sr. Ferreira de Mira disse ao Sr. Presidente do Ministério que só havia uma maneira de tratar o assunto: será chegar-se a um acordo pelo que dizia respeito aos duodécimos.
Nós não podíamos votar o n.° 3.° e parte do n.° 4.° sôbre os impostos, e que na parte respeitante à contribuição predial rústica, deveria ser votada a proposta do Sr. Constâncio de Oliveira, ou outra proposta semelhante.
Sr. Presidente: eu não sei francamente se o facto de se ser nacionalista não nos dá o direito de fazermos uma proposta que seja aprovada.
O Sr. Ferreira de Mira, segundo a conversa que teve com o Sr. Presidente do Ministério, ficou convencido de que S. Exa. tinha concordado com os nossos pontos de vista, e assim no-lo comunicou.
Sr. Presidente: respeitando inteiramente isto, que nós considerámos ser, um compromisso tomado, pedi a palavra sôbre a proposta respeitante aos duodécimos, na generalidade, e em meia dúzia de palavras declarei que o meu partido não concordava com os quatro duodécimos, mas sim com três; que não concordava com o artigo 6.°, da forma como êle estava redigido, não concordando igualmente com o artigo 8.°, cuja eliminação à avia de propor, aguardando para isso a discussão na especialidade.
De facto, Sr. Presidente, quando se discutiu o artigo 1.° pedi a palavra, e confirmando o que havia dito quando da discussão na generalidade, limitei-me a mandar para a Mesa a minha proposta, substituindo as palavras «31 de Dezembro», por «30 de Novembro», não acrescentando mais palavras por estar inteiramente convencido de que isso representava de facto o entendimento havido.
Não procurei justificar a minha proposta, porém a maioria entendeu por bem não a aprovar, pelo que foi requerida a contraprova que confirmou plenamente a primeira votação.
Em face do acontecido, considerámo-nos desde logo desobrigados de quaisquer compromissos, visto que não fomos nós que faltámos ao que havia sido combinado.
Apoiados.
Sr. Presidente: quando empreguei a palavra «convencido», tive o cuidado de a frisar bem, tanto mais quanto é certo que o Sr. Presidente do Ministério declarou que não tinha entendido bem que nós fazíamos questão absolutamente dêsse duodécimo.
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Não há, portanto, como a Câmara vê, outra cousa que não seja o que acabo de expor, e assim julgamo-nos absolutamente desligados, não podendo ninguém dizer que não temos razão, pois a verdade é que não concordamos com as exageradas contribuições que se pretendem fixar só desejando o aumento legítimo segundo a actualização da moeda.
Sr. Presidente: não há necessidade de fazer quaisquer especulações à volta disto. Não é necessário eu dizer que tomo esta atitude para alcançar o lugar de governador da índia, que declaro que não quero, nem que tomo esta atitude por isso que desejo o lugar no Conselho Fiscal dos Caminhos de Ferro do Estado, pois a verdade é que já ontem, antes de se encerrar a sessão, tive ocasião de dizer à Câmara que não pretendo, nem quero, êsse lagar.
Sr. Presidente: o que se torna necessário é que nos reconheçam o direito que temos de manter os nossos pontos de vista e de os fazer vingar.
Não somos daqueles que por cousa alguma dêste mundo sejamos capazes de nos curvar perante uma ameaça.
Apoiados.
Somos suficientemente conhecidos e somos pessoas que não temos medo de ameaças.
Não é com ameaças, que não são necessárias e que podem ser prejudiciais, que se resolvem êstes assuntos. Tratava-se apenas de uma atitude minha e não do meu partido. Está a questão posta como ela é. Não pretendemos evitar que o Govêrno tenha os duodécimos para arrecadar receitas ou fazer face às suas despesas.
Se o Sr. Presidente do Ministério tivesse insistido pelos quatro duodécimos, quando nós lhe pusemos a questão, talvez lhos tivéssemos cedido.
Pelo que respeita às contribuições, repito o que já tive ocasião de declarar a uma comissão de funcionários que me procurou: o Partido Nacionalista reconhece que a situação do funcionalismo é angustiosa, e por isso está disposto a votar a proposta do Govêrno no mesmo dia em que ela fôr apresentada.
Nós votaremos também o aumento de impostos que forem necessários para fazer face a esta despesa.
O que não estamos dispostos é a sacrificar o contribuinte, obrigando-o a pagar 20 para apenas lhe dar 1.
Muitos apoiados.
Se a nossa atitude fOr de intransigência, não se dirá que a nossa atitude ainda nesta hora não foi transigente.
As duas propostas do Govêrno referem-se: uma aos duodécimos e autorizações, a outra ao aumento de contribuições e ao aumento dos vencimentos do funcionalismo público.
Repugna-nos, e em caso nenhum votaremos os artigos 6.° e 8.° da proposta dos duodécimos. Isto quanto à primeira; quanto à segunda, se o aumento de contribuições que se pretende é para fazer face aos vencimentos do funcionalismo, e só para isso, a proposta será por nós aprovada e sem delongas.
Muitos apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: muito pouco tempo tomarei à Câmara para declarar qual a atitude da minoria monárquica.
O Sr. Presidente do Ministério e hoje o Sr. António Maria da Silva declararam mais uma vez quais as propostas de que o Govêrno faz questão. Trata-se da aprovação dos duodécimos.
Mas, Sr. Presidente, é preciso não confundir; se o Govêrno precisa para a sua vida constitucional da aprovação dos duodécimos, conquanto reconheçamos que êsses duodécimos não passam de poeira lançada aos olhos do País, pois não representam uma verdade, nós não criamos dificuldades para a sua votação.
Mas, se à sombra dela, o Sr. Presidente do Ministério pretender arrancarmos autorizações, quais sejam as de fazer do património nacional o que quiser e a poder empenhar os bens da Nação, inclusivamente as colónias, nós não o consentiremos sem os nossos veementes protestos.
O Sr. Presidente do Ministério quere que os duodécimos sejam aprovados?
Pois bem, desista das autorizações.
Só assim suceder, não criaremos nenhumas dificuldades.
Sr. Presidente: ninguém mais do que nós, dêste lado da Câmara, e isto em ré-
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ferência agora aos funcionários públicos, tem clamado que a situação dêsses indivíduos é insustentável.
Achamos até irrisória a proposta apresentada à Câmara, em face do agravamento extraordinário do custo da vida.
Não queira, porém, Sr. Presidente, o Sr. Rodrigues Gaspar misturar uma proposta, tendente a melhorar a situação do funcionalismo, com uma outra, que visa o aumento dos impostos, para à sombra da miséria dos funcionários querer coagir a Câmara a votar esta última.
As propostas de agravamento de impostos, incidindo sôbre géneros de primeira necessidade, agravarão simultaneamente o custo da vida em 40 ou 50 por cento.
De que servirá então conceder-se uma melhoria de 20 por cento aos funcionários públicos, quando paralelamente uma outra proposta lhes vem aumentar o custo da vida em cêrca de 40 ou 50 por cento, como já disse?...
Juntar, pois, estas duas propostas, Sr. Presidente, é agravar ainda mais a situação.
Mas o Sr. Presidente do Ministério diz que precisa do aumento dos impostos para pagar ao funcionalismo. Não é bem assim: todavia, mesmo que a Câmara votasse agora a actualização dos impostos, êles só seriam cobrados em Julho do ano que vem.
Não vejo, pois, inconveniente em que o Govêrno deixe o assunto para Outubro, na próxima reabertura da Câmara.
Não queira o Poder Executivo, repito, especular com a situação dos funcionários, para nos arrancar a votação da proposta das autorizações.
Pelo que respeita ao inquilinato, também ninguém mais do que nós tem desejo de encontrar urna plataforma e que, pôsto de lado o aspecto político, se possa resolver a questão nos termos em que é justo se resolva, de forma a atender as reclamações justas apresentadas por inquilinos e por senhorios.
Queremos que se faça uma lei que, embora não de todo o ponto perfeito, contribua ao menos para a construção de casas e possa facilitar o aumento de rendas numa proporção justa.
Não criaremos quaisquer dificuldades nossas condições, e assim ficará o tempo
preciso para que a questão dos tabacos seja também abordada, como quere o Sr. Nuno Simões e é justo que se faça.
Não depende de nós, mas do Govêrno, a resolução dêstes casos. Desista o Govêrno dalgumas automações, não misture a proposta do funcionalismo com a dos impostos, facilite-nos a maioria uma solução intermédia para a questão do inquilinato, e tudo estará resolvido.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maria da Silva: — Sr. Presidente: há pouco usei da palavra simplesmente porque o Sr. Nuno Simões, discutindo a acta, teve o receio, que parece justo, avaliando o futuro pelo passado, de não poder tratar em negócio urgente do acordo celebrado entre o Govêrno e a Companhia dos Tabacos, porquanto as sessões que restam mal chegarão para tratar dos assuntos anunciados. Não. falei para insinuar, nem para estabelecer celeuma.
Com a consciência do lugar que desempenho e das responsabilidades que sôbre mim impendem, referi-me àquilo que tinha constituído ontem a base duma votação e que é do conhecimento de toda a Câmara.
Não me interessa, absolutamente nada, que qualquer dos membros desta casa do Parlamento possa ter sido insinuado injustamente, porque não me interessa senão o bem da Nação.
Necessariamente conheço, embora resumidamente, aquelas enterites que são lícitas entre políticos, quando delas derive uma vantagem, não para nós, mas para o regime.
Nunca fui duma rigidez extrema, a não ser quando os meus antagonistas entendiam que as suas opiniões deviam sobrelevar as de todos.
Se o Partido Nacionalista fôsse maioria, poderia querer fazer vingar os seus pontos de vista; de contrário, não.
Porque a vida constitucional é assim, feita, natural é que se procurasse evitar uma celeuma que não nobilita ninguém; (Apoiados) mas, entre não se conseguir imediatamente tudo quanto se quere, e o colocar-se a discussão em termos tais que nada se vote com proveito, vai um mundo de distância, e ter-se-ia assim encontrado
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a maneira fácil de as oposições tiranizarem os governos. Era o caos parlamentar que a minoria nacionalista com certeza não deseja, como nós o não queremos.
Apoiados.
Sr. Presidente: absolutamente nada importava a êste lado da Câmara mais ou menos um duodécimo; mas estou convencido que, mesmo que o Parlamento reabrisse em 15 de Novembro, não haveria tempo de votar os orçamentos, nem, talvez, mais um duodécimo. Portanto, não compreendo a questão que se faz neste ponto,
Em todo o caso, devo dizer que se êste lado da Câmara conhecesse o enorme desejo da minoria nacionalista, não levaríamos a nossa rigidez ao ponto de arranjar um a questão prejudicial para o País.
Quanto a diversos artigos das propostas em discussão, em todos os tempos houve um ou outro artigo que pode aguardar melhor oportunidade para ser votado; é claro que não escangalhando nestes termos a sua não votação o efeito da proposta. E se numa discussão tam apaixonada não há maneira de se encontrar uma plataforma onde todos se possam reunir, é certo que esta plataforma se encontra logo quando estão em jôgo os interêsses do País.
Apoiados.
Desde pequeno que ouço dizer que «quando o ano é bom, até os vaqueiros dão leite»; ora, para o caso, pode dizer-se que o Sr. Pedro Pita foi o nosso vaqueiro, porque nos dá mais até do que nós queríamos. Realmente, nós aceitamos inteiramente o ponto de vista do Sr. Pedro Pita.
Mas estou convencido que pondo de lado cousas pequenas que se referem ao modo de cobrança de receitas, a respectiva proposta, apesar dos horrores que o Sr. Pedro Pita indicou, é ainda inferior àquilo que S. Exa. nos propõe, e assim este lado da Câmara acoita a proposta que o Sr. Pedro Pita fez em nome do seu Partido.
Relativamente ainda à questão dos duodécimos, estou convencido que ela está resolvida, desde que é desejo do Sr. Presidente do Ministério, como de muitos Deputados da maioria, que o Parlamento reabra em Novembro.
Nesta conformidade, nós vamos trabalhar com vontade de sair dêste in pace, reunindo-nos todos para defender o País, que é de todos, e não duma coterie, e para vivermos em vida constitucional, a fim de não suceder o mesmo que no ano passado, em que, sabendo-se que o Govêrno não tinha meios para pagar, não lhos deram, obrigando-o a ir para o aumento da circulação fiduciária, facto de que depois o acusaram.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Rodrigues Gaspar): — Sr. Presidente: sou forçado a dizer algumas palavras visto que se fizeram referências a démarches feitas por mim.
Eu tenho pelo Parlamento o maior respeito e a maior consideração (Apoiados), porque é uma instituição que devemos prestigiar, de modo que se imponha à consideração do País.
Apoiados.
Vozes: — Muito bem.
O Orador: — E porque tenho a convicção de que é indispensável que haja respeito pelos trabalhos parlamentares, e que o Parlamento dê o exemplo da ordem e interêsse pela República, não tive dúvida em apresentar a proposta dos duodécimos e autorizações, consultando cada um dos leaders dos partidos e grupos de que se forma esta Câmara.
Não quis apresentar esta proposta, pedindo urgência e dispensa do Regimento, fora destas condições.
Dêste modo, animado de toda a boa vontade de transigir naqueles pontos que não importam vexames quando sôbre êles haja transigência, assim procedi; de modo a prestigiar-se o Parlamento, para o fim de se darem ao Govêrno os meios constitucionais para poder viver no interregno parlamentar.
Não encontrei dificuldades da parte do Partido Republicano Português, da parte dos católicos, e da Acção Republicana, e da parte dos nacionalistas ouvi com toda a atenção o que me dizia o seu representante sôbre os diferentes pontos da proposta dos duodécimos.
Referi-me de facto às autorizações.
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Propunha eu o dia 31 de Dezembro, e pretendia-se-me uma modificação para 30 de Novembro.
Isto podia implicar, foi-me dito, que o encerramento do Parlamento se prolongasse além do mês de Novembro.
Durante oito meses não conseguimos discutir os orçamentos, e seria uma falta de observação dos factos o supor que em 15 dias se poderia aprovar o Orçamento que no prazo de oito meses se não conseguiu ver aprovado.
Da parte dos nacionalistas foi-me dito que apresentavam uma proposta para os duodécimos ficarem limitados a 30 de Novembro.
Disse as razões que me tinham levado a propor duodécimos até 31 de Dezembro.
Outro ponto do desacordo era o artigo 6.°, em que muito se tem falado.
O Govêrno nunca interpretou isto como autorização para constituição dum fundo, mas sim como sendo uma espécie de autorização de que se podia servir.
Aqui é que estava realmente autorização para aquele serviço se organizar com a maior urgência, fazendo-se o inventário e o balanço.
Mas logo que me disseram que isto parecia ser um intento de dispormos do património nacional, podendo levantar grande discussão, eu disse logo que dele eu não fazia questão.
O Sr. Carvalho da Silva: — Mas ontem V. Exa. disse que queria a autorização.
O Orador: — Mas V. Exa. pode continuar a bater no bombo, que eu também gosto...
Mas esta é outra música...
O Sr. Carvalho da Silva: - A música de V. Exa. é talvez a viola.
O Orador: — Esta disposição tinha sido defendida pelos parlamentares dos diversos lados da Câmara.
O Sr. Carvalho da Silva: — Nós não fizemos nada.
V. Exa. disse nos que ia propor duodécimos.
V. Exa. teve a gentileza de nos procurar e dizer que ia apresentar os duodécimos e de nos preguntar se fazíamos obstrucionismo.
Nós nunca fizemos obstrucionismo.
Eu disse então que V. Exa. evidentemente não podia partir do princípio de que nós daríamos apoio ao Govêrno; mas emquanto a fazermos obstrucionismo, isso não.
Não temos, porém, nenhuma responsabilidade no caso.
O Orador: — Tinha sido apresentada a todos os lados da Câmara, mas não fazia questão. Não havia, pois, obstrucionismo.
Foi feita a aprovação do artigo em prova e contraprova.
Eu estava com a impressão de que o dia 31 de Dezembro ficou assente.
Levantei-me com a idea de que era o 31 de Dezembro e aprovei também.
Tive logo conhecimento que da parte dos nacionalistas se declarara que eu havia quebrado o acordo.
Apenas soube isto, dirigi-me ao leader dêsse partido, a dar-lhe todas as explicações, pois que não tinha tido a intenção de tal fazer; que tal não era o meu convencimento. Nada se podia fazer nestas condições por já estar votado o artigo, mas que o Senado o poderia modificar para 30 de Novembro.
A Câmara compreenderá bem que isto foi a demonstração mais cabal de que eu estava disposto a evitar que se fizesse obstrucionismo e a modificar tudo que contrariasse os pontos, de vista especiais do Govêrno, para que os trabalhos parlamentares fossem correndo sem demoras inúteis.
No emtanto eu vi que, apesar de o Sr. Ginestal Machado instar com o Sr. Pedro Pita para que resumisse as suas considerações, S. Exa. continuou falando, e ficou com a palavra reservada para segunda-feira.
Nestas condições, eu vi que o que tinha feito, de transigir em alguns pontos, não tinha dado resultados, porque continuava o obstrucionismo sôbre a proposta, e dêste modo os trabalhos do Parlamento não seguiram com aquela ordem que era indispensável.
Sr. Presidente: foi dito que havia outras combinações sôbre os adicionais.
Eu tinha falado sôbre êsse ponto, mas eram dois assuntos diversos. Um era os
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duodécimos, outro era a questão da actualização dos impostos.
Nesse assunto havia uma proposta do Partido Democrático, e outra do Sr. Constâncio de Oliveira.
Disse, para que não houvesse dificuldades na discussão, que se procurasse um acordo, e fui eu quem pôs o Sr. Velhinho Correia em contacto com o Sr. Constâncio de Oliveira para êsse fim de se combinar com os leaders dos partidos a respectiva votação.
Até ontem não tinha conhecimento de que se tivessem estabelecido quaisquer acordos para uma plataforma, para evitar uma discussão prolongada.
Ontem apareceu também a reclamação relativa aos funcionários públicos, e declarei que essa questão era importantíssima, e de atender, mas que não podia tomar compromissos só' da minha parte, não os tomando os outros.
Eu considero tanto o Parlamento, que queria empregar todos os esfôrços para que o Parlamento não se desprestigiasse pelo obstrucionismo que se tem feito, e a tal ponto, que em verdade devo dizer que êle tem perdido o bom conceito do público.
Dia a dia sinto a onda da revolta contra o Parlamento, pela forma como são demorados os assuntos de alta importância.
Apoiados.
Nós estamos aqui sem coacções para discutir livremente, mas o que é verdade é que dia a dia se fazem discursos que nada significam ou esclarecem, e antes confundem tudo, como tenho observado.
Apoiados.
Dizem que o Govêrno tem afirmado que em três ou quatro" sessões certas questões deviam ser liquidadas. Assim é.
Se não fôsse o obstrucionismo que se tem feito, assim seria.
É preciso não iludir a opinião pública, que vê o que nós fazemos.
Ainda no outro dia o Sr. Ministro da Marinha apresentou uma proposta justificável para a venda de uns navios e para com o produto dessa venda comprar novos elementos de combate naval.
Pois a Câmara viu o obstrucionismo que se fez para que não se fizesse nada, para que não se votasse essa proposta tam simples.
Isto é que tem sido o mal do Parlamento.
Apoiados.
Questões de interêsses limitados discutem-se e votam-se, e questões importantes de administração pública levam dias e dias, sem afinal haver uma resolução.
Não temos tido tempo para tratar de questões importantes, mas a culpa não é do Govêrno, e eu pela minha parte tenho feito todo o possível para o prestígio do Parlamento.
Apoiados.
Apresentei aqui uma proposta de aumento de vencimentos ao funcionalismo; mas para isso era necessário votar o aumento dos impostos.
O Govêrno não pode aumentar as despesas sem aumentar as receitas.
É necessário que se diga que o Govêrno não dá aumentos porque não pode, e nestes precisos termos pôs a questão ao Parlamento, mas o Parlamento não a resolve!
Àpartes.
O funcionalismo vive na verdadeira miséria, e é indispensável, e o mais depressa possível, atender a esta questão.
Apoiados.
Há um outro ponto que agita a opinião pública: a questão do inquilinato.
Não se venha dizer que essa questão é uma especulação política, porque é uma questão importantíssima, que afecta a opinião pública, e que pode trazer manifestos desagrados ao Parlamento; e eu quero muito ao prestígio do Parlamento, desejando que êsses desagrados se não produzam.
O que é necessário, é que o Parlamento corresponda a esta minha vontade de o prestigiar pela conquista da simpatia da opinião pública, que, neste momento, devo dizer, não tem.
Sinto um movimento de revolta contra o Parlamento, porque êle não deixa o Govêrno levar a seu termo a administração pública, impedindo-lhe a votação dos meios necessários.
Sôbre a questão do inquilinato, também essa revolta se faz sentir, tendo eu impedido que se fizesse qualquer coacção.
Sr. Presidente: eu tive de dar estas explicações, porque me foi feita referência directa-
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Eu folgo que os Partidos se convençam da necessidade de trabalharem juntos.
A hora que passa é para meditar, e torna-se necessário ir ao encontro do descontentamento que lavra na opinião pública, porque ela não é indiferente.
Estou certo que, se todos nos convencermos dessa necessidade, podemos levar o País a bom caminho.
Todavia, se o Parlamento entender que deve continuar no mesmo caminho de obstrucionismo, fique êle com a responsabilidade.
Eu folgo em ver que o Partido Nacionalista vota o aumento do vencimento aos funcionários, mas vota igualmente as medidas indispensáveis para fazer face a essa despesa, pois de contrário, êsse aumento não poderia ser satisfeito.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os «àpartes» não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Ginestal Machado: — Sr. Presidente: serenamente vou responder ao Sr. Presidente do Ministério, que infelizmente perdeu um pouco a serenidade no fim do seu discurso; e, tanto a perdeu, que S. Exa. disse à Câmara que tinha evitado que fôsse feita qualquer coacção, como se isso fôsse cousa para lhe agradecermos, e não uma obrigação inerente ao lugar que desempenha.
Interrupção do Sr. Presidente do Ministério, que não se ouviu.
O Orador: — Eu quero dizer à Câmara, que o Sr. Presidente do Ministério, evitando qualquer coacção, não fez mais do que cumprir o seu dever.
Se S. Exa. não quisesse cumprir êsse dever, a minoria nacionalista não se intimidaria com isso, e continuaria a fazer à lei do inquilinato aquela crítica que lhe tem feito, não podendo ninguém afirmar que as considerações produzidas por êste lado da Câmara não foram as mais justas e as mais convenientes para aqueles interêsses que o Sr. Presidente do Ministério não defende com mais cuidado e abnegação do que nós.
Certamente a Câmara não se esqueceu ainda dos discursos dos meus correligionários Moura Pinto e Alberto Jordão, e, quem trata assim uma questão de tanta magnitude, não pode ser acusado de fazer obstrucionismo.
Sr. Presidente: eu pedi a palavra quando o Sr. Presidente do Ministério dava as suas explicações, porque S. Exa. esqueceu-se que fui eu quem na sexta-feira foi dizer que êste lado da Câmara, desde que não se ligassem as duas questões, vencimento a funcionários e aumento de impostos, votaria, fazendo-se assim o acordo.
De resto, o Sr. Presidente do Ministério disse-me que essas questões eram separadas, e, não sendo assim, o acordo fica desfeito.
E a propósito deixe-me a Câmara dizer que não acho bem que se esteja a lançar para a frente de tudo o funcionalismo, porque se êle está na miséria não é com 70$ ou 80$, que lhe dêem, que essa miséria desaparece.
Eu pregunto: quem era o homem político que se atrevesse a fazer o aumento de cinco vezes as contribuições?
Vejam que espécie de política é esta.
Depois, a cobrança dos impostos não é imediata, e, para resolver a questão do funcionalismo, paga-se desde já, aparecendo o dinheiro nos cofres públicos.
Eu não quero dizer que o Sr. Presidente do Ministério faça isto por especulação política, porque S. Exa. é um espírito ilustrado, oficial que deve muito à sua farda e respeito a si próprio, mas deixa-se arrastar pela paixão de um partido.
Evidentemente que se tem de pagar aos funcionários que trabalham, mas não se diga que os aumentos dos impostos são todos para os funcionários públicos.
Sr. Presidente: o que é necessário é cobrar os impostos que se lançaram e que não têm sido cobrados como devia ser, e não produzindo o que se dizia, como por exemplo aconteceu com o imposto sôbre transacções que não têm chegado a dar 100:000 contos.
Êste lado da Câmara não vota impostos que não sejam comportáveis, mas entende que êste assunto deve merecer a atenção de todos os políticos.
Não nos intimidam coacções, venham de onde vierem, e agradeço que S. Exa. dis-
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sesse que tinha evitado que quaisquer pressões viessem até nós, que somos um Poder do Estado, impondo-se ao Poder Executivo que empregue todos os esfôrços para que se conserve livre o Poder Legislativo.
Não se podem instigar contra nós as más vontades dos funcionários públicos, porque êles sabem bem o que a seu favor temos lutado.
Era isto q que tinha a dizer.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: não gosto do responsabilidades que me não pertencem, embora assuma sempre as que deva tomar.
Pedi a palavra quando o Sr. Presidente do Ministério, referindo-se à venda dos navios de guerra, disse que eu tinha falado em quatro sessões, quando só falei em duas sessões, e não foi durante toda a sessão, mas apenas em uma insignificante parte dessas sessões.
Não tenho ainda em meu poder as notas taquigráficas dos meus discursos. Estão ainda na secretaria da Câmara, e por elas se poderá verificar que nos discursos que proferi não fiz obstrucionismo, mas antes apresentei sempre os meus argumentos.
As notas taquigráficas estão na respectiva repartição. Ainda as não revi e desafio, a quem quer que seja que as leia, a dizer se encontra alguma cousa que represente obstrucionismo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Velhinho Correia: — Ouviu a Câmara a declaração de que a minoria nacionalista está pronta a votar os aumentos de contribuições que forem necessários para ocorrer às despesas que resultem do aumento de subvenções ao funcionalismo público.
Para esclarecimento da Câmara, quero declarar que o aumento do funcionalismo vai custar 120:000 contos e que a proposta que está na Mesa sôbre aumento de adicionais deve produzir, se não forem votadas outras medidas, 33:450 contos.
Os números que acabo de indicar não podem ser contestados, pois a êles cheguei por elementos que para meu estudo colhi nas repartições do Estado.
São, portanto, números exactos, e que nos mostram que fica a descoberto a quantia, números redondos, de 90:000 contos para o cômputo das novas subvenções.
Tudo que se possa obter pelas propostas que estão na Mesa não chega para as subvenções e, portanto, parece uma brincadeira a declaração aqui produzida.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vou pôr à votação o requerimento do Sr. Ministro das Colónias, para serem inscritos para discussão os pareceres n.ºs 721 e 726.
Procedendo-se à votação, foi aprovado.
O Sr. Pedro Pita: — Requeiro a contraprova.
Procedeu-se à chamada.
O Sr. Presidente: — Está aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: — O Sr. Carlos Pereira deseja tratar em negócio urgente da questão das pescas.
Vou, pois, consultar a Câmara.
O Sr. António Maria da Silva (sobre o modo de votar): — Êste lado da Câmara não pode aprovar que se discuta êsse negócio urgente, a não ser na devida oportunidade, e ela não pode ser outra senão a que deriva da situação que a Câmara estabeleceu a quando do acordo dos tabacos,
Só se poderá tratar dêsse negócio urgente depois de tratado o assunto proposto pelo Sr. Nuno Simões.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar): — Uso da palavra sôbre o modo de votar para declarar que se a maioria não aceita que se trate agora do negócio urgente do Sr. Carlos Pereira, pelo receio de que a oposição gaste muito tempo à Câmara com a sua discussão, eu tomo o compromisso de a minoria monárquica
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apenas fazer considerações breves que não levarão mais de dois a três minutos, e neste caso os trabalhos da Câmara não serão prejudicados no seu rápido seguimento pelo facto de se tratar do negócio urgente do Sr. Carlos Pereira.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vitorino Godinho): — Sr. Presidente: creio que em poucas palavras se liquida êste incidente.
Já no Senado declarei que não se trata actualmente de nenhum convénio com a Espanha sôbre pesca.
Trata-se apenas de um estudo sôbre a maneira* de se evitar conflitos futuros no exercício da pesca.
Não se trata de qualquer convénio.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — O assunto do meu negócio urgente é do mais alto interêsse para o País.
Não é exagero dizer que a indústria da pesca é a principal indústria portuguesa.
Não era meu propósito fazer obstrucionismo num assunto desta natureza.
Diz o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que se trata de estudar a maneira de evitar conflitos futuros. Eu sinto que a maneira de isso se conseguir é exercer eficazmente a jurisdição portuguesa nas águas territoriais.
Eu sei que se pretenderam lançar artifícios de ordem internacional, para constituir direito nas conferências de Bruxelas e de Madrid, a fim de se chegar a conclusões diversas.
Então o limite das águas territoriais ia além de três milhas, no desejo da Espanha; hoje, porventura, que as condições da pesca variaram, pretende-se fazer contra-vapor.
É contra isso que me oponho em nome dos mais altos interêsses do País.
Aproveito o ensejo para pedir ao Sr. Ministro da Marinha que mande fiscalizar
a costa de Peniche, para evitar que se dê a devastação da sardinha com o emprego
do dinamite.
Estou certo de que S. Exa. providenciará por forma a que não deixemos perder uma das nossas grandes riquezas.
O orador não reviu.
O Sr. Lopes Cardoso: — Êste lado da Câmara vota o negócio urgente pôsto pelo Sr. Carlos Pereira.
Não fazemos mais do que interessar-nos numa questão que é de alto interêsse para o País.
As palavras do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não nos tranqüilizam inteiramente e, portanto, entendemos que a questão deve ser debatida quanto antes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Maldonado de Freitas: — Poderá parecer à Câmara estranho que eu tenha pedido a palavra sôbre o modo de votar, mas não é para admirar, visto que represento uma região da qual faz parte uma porção da nossa costa marítima.
Tenho recebido de Peniche e de outros pontos variados telegramas, em que se me queixam de ter aparecido muitas toneladas de peixe, por virtude do emprego da dinamite das traineiras a vapor (espanholas) que agora aparecem de novo infringindo as leis de pesca.
Porém, como não é êste o caso para que pedi a palavra, vou referir-me ao caso da comissão nomeada para tratar com o Govêrno Português, a mesma que o Govêrno Espanhol escolhera em 1915; porém, o Govêrno Português, não sei porque motivos, é que não entregou o estudo do mesmo assunto àquelas pessoas que já em 1915, em Madrid, souberam defender os nossos interesses com honradez e proficiência.
Sr. Presidente: um ponto que quero frisar, é que da comissão portuguesa faz parte alguém que também defende em parte o ponto de vista que mais satisfaz os interêsses da Espanha. Êsse cavalheiro tem armações em Portugal e em Espanha, em Aiamonte, e nestas circunstâncias, entendo que o Govêrno deve fazer substituir imediatamente êsse senhor, pois a sua pessoa, pelas opiniões que já manifestava, está justamente levantando alarme entre as classes piscatórias, e evitando decerto o bom êxito dos trabalhos dessa comissão.
Tenho dito.
Foi rejeitado o negócio urgente requerido pelo Sr. Carlos Pereira.
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O Sr. Presidente: — Vai continuar a discussão da proposta de duodécimos, e no uso da palavra sôbre o artigo 2.° continua o Sr. Alberto Jordão.
O Sr. Alberto Jordão: - Sr. Presidente: já ontem fiz considerações sôbre a alínea a) do artigo 2.°, em discussão.
Vou hoje analisar a alínea b). Nela estabelece-se que o Govêrno fica autorizado a abrir no Ministério das Finanças, a favor do Ministério da Justiça, determinado crédito, para ocorrer a certas despesas que vêm aqui estipuladas.
Sr. Presidente: nós que conhecemos as necessidades nacionais, sabemos que estas verbas têm de ser votadas, mas, todavia, eu chamo a atenção da Câmara para a forma como são tratados êstes assuntos.
Na maioria delas falta tudo que depende do Estado, e não falta nada do que depende das câmaras municipais. Neste país, em que a República é um facto, são os municípios que têm condições para proceder, e se o não fazem sempre é por culpa do poder central.
A alínea está redigida de tal maneira que a não compreendo. Sou professor de ensino secundário, mas não sou professor de português, e não compreendo esta redacção.
Por mais que faça não é possível saber o que quere o autor. Talvez por deficiência minha.
Muito desejaria, pois, que o Sr. Ministro das Finanças esclarecesse o assunto para na altura conveniente saber o que voto.
Vejamos a alínea d).
A guarda fiscal é realmente uma das corporações que mais serviços tem prestado.
Muito mais teria a dizer se não fôsse a falta de tempo; mas na altura conveniente o farei com mais largueza.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas quê lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Ouvi com muita atenção as considerações feitas pelos diversos Sr s. Deputados sôbre o artigo 2.°
Não perdi nenhuma das considerações de S. Exas.
Há duas considerações a atender. Uma delas é relativa a câmbios e a outra relativa a verbas para dotação dos serviços da polícia preventiva e de segurança do Estado.
Quanto à primeira, devo dizer que não há disparidade de critério entre as duas partes desta alínea, pois que se por um lado se computa em 1:200 contos a verba necessária para cobrir a diferença de câmbios, e por outro se não indica a verba indispensável, isso depende do facto da primeira verba estar averiguada e a outra ser simplesmente presumível.
O Govêrno está, pois, no uso destas autorizações, colocado perante uma barreira que não pode ultrapassar, e essa barreira é a divisa cambial.
Como as despesas em ouro têm de ser feitas de harmonia com essa divisa, seria um abuso, mesmo um crime, autorizar despesas além daquelas que foram calculadas sôbre a divisa cambial, no momento em que as despesas tiveram de ser pagas.
Os cálculos feitos pelas repartições competentes não podem ser postos em dúvida.
Quanto às considerações feitas pelo Sr. Pedro, Pita, relativas à verba de 188 contos para a polícia preventiva, devo dizer que elas são realmente procedentes, tanto que tenciono enviar para a Mesa uma proposta de eliminação da alínea e).
Diversas razões foram aduzidas sôbre as alíneas do artigo em discussão, e todas elas com fundamento em que o Govêrno não trazia à Câmara cifras exactas. Dispenso-me, por desnecessário, referir-me a cada uma dessas razões. Direi, no emtanto, que em relação aos serviços da consulta externa do Hospital da Estrela, se êles, apesar de já montados, se não encontram em eficaz laboração, é simplesmente devido à falta de dotação. É uma dotação deminuta em comparação especialmente com os grandes serviços que podem ser prestados por essa institui-
To das estas alíneas se referem a verbas que podem ser averiguadas nas repartições de contabilidade respectivas, e sôbre as quais não tenho elementos para apresentar neste momento a V. Exa.
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Pelo que diz respeito ao pagamento em moeda estrangeira; já me ouviram declarar que os pagamentos são feitos dentro dos limites que justamente a diferença cambial impõe.
Devo dizer que o Orçamento de 1924-1925 foi feito na proporção mais aproximada ao tempo em que foi apresentado, e, assim, êle está hoje longe de corresponder às necessidades do Estado.
Há necessidades e encargos do Tesouro que é indispensável satisfazer, impondo a deminuição do valor da moeda o refôrço das verbas apresentadas.
Estamos numa situação em que nunca podemos prever o que seja o cálculo orçamental.
Outros elementos são necessários, e êsses são os que constam das propostas que vou ter a honra de mandar para a Mesa.
Aqui têm V. Exas. uma nova série de autorizações, que o Govêrno tem muito pesar de solicitar de V. Exas., mas que são absolutamente necessárias para cobrir contas antigas e honrar o crédito do País.
Não é agora ocasião de discutir a legitimidade com que foram feitas estas despesas, que creio bem serem justificadas.
O que temos hoje é de saldar e honrar os compromissos da Nação.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foram lidas, admitidas e entraram em discussão as propostas do Sr. Ministra das finanças, e serão publicadas quando sôbre elas se tomar uma resolução.
Segunda parte
O Sr. Presidente: — Vai recomeçar a discussão da lei do inquilinato.
O Sr. Tavares de Carvalho requere: primeiro, para que se dê por discutida a generalidade, sem prejuízo dos oradores inscritos; segundo, para que a sessão se prorrogue até se votar a mesma generalidade.
O Sr. Carvalho da Silva: — O nosso desejo muito sincero é que seja votada nesta Câmara e no Senado a proposta acerca da matéria do inquilinato,
Nestas condições, não negamos o nosso voto ao requerimento do Sr. Tavares de Carvalho, na esperança de que a maioria demonstre que os seus intuitos nesta matéria são votar as emendas, realmente justas e razoáveis para satisfação das aspirações de inquilinos e senhorios.
Apoiados.
O orador não reviu.
É aprovado o requerimento do Sr. Tavares de Carvalho.
O Sr.. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: reatando as considerações que ontem interrompi, com aquela serenidade que se impõe num assunto desta gravidade, procurarei, tanto quanto possível, responder, o que aliás é fácil porque 03 argumentos apresentados não têm valor, ao Sr. Ministro da Justiça.
Examinando a questão do inquilinato, se nós consultamos a legislação dos diversos países que se têm ocupado mais especialmente dêste assunto, e são êles em número de 20, nós chegamos à conclusão de que êste problema grave em iodos os países tem de ser encarado por diversos aspectos, conforme os casos que em cada um dêsses países originaram a legislação que se promulgou. Assim, não andaremos longe da verdade se considerarmos que naqueles países que mais estiveram metidos na guerra, houve três razões principais para o agravamento da crise da habitação: a paralização da construção durante o espaço da guerra, o grande número de casamentos adiados por motivo da guerra, e que ocasionaram grande procura de casas logo que ela terminou, e ainda — esta razão muito variável de nação para nação! — a perda das colónias e de outras terras para alguns países, forçando milhares de famílias, que não queriam viver em território estrangeiro, a procurar casas na sua pátria, são êstes os países que em circunstâncias mais graves se encontraram em matéria de inquilinato; e entre êles um há que viu essa crise mais agravada, a Alemanha, que o Sr. Ministro citou, mas que se não pode comparar com outras nações, e muito principalmente com. a nossa.
Houve também outros países que pela sua situação neutral viram afluir a si os estrangeiros fugidos aos horrores da guerra, como a Espanha e a Suíça, e houve ainda outros em que a crise se fez sentir, mas em proporções mais insignificantes.
Sr. Presidente: nestas condições, nós encontramos, ao ler a legislação dos di-
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versos países, bem claramente marcada a diversidade de factores; mas apesar disso nós encontramos tombem que os ataques por êste eleito do problema da habitação tem factores comuns, factores que se traduzem primeiro em procurar remediar o mal, a causa fundamental dêsse mal, isentando de encargos a construção de novas casas, pois não há maneira de resolver o problema do inquilinato sem se procurar fazer a construção de novas casas.
Dada a falta de casas que há em todos os países, o que se torna necessário são medidas fortemente vantajosas para os proprietários, levando-os assim à construção de novos prédios, pois a verdade é que não há país nenhum, a não ser Portugal, creio eu, em que se não tenham estabelecido isenções completas de contribuições a todas as casas que sejam construídas durante um prazo largo, de 15 anos, por exemplo.
Sr. Presidente: começarei pelos países a que o Sr. Ministro da Justiça mais demoradamente se referiu, e como a Alemanha foi o primeiro país a que S. Exa. aludiu, será a êle que me vou também referir.
Sr. Presidente: para que a Câmara possa ver o que se passa na Alemanha, eu vou o mais resumidamente possível lazer a história de toda a legislação do inquilinato na Alemanha desde o início da guerra.
A primeira providência foi adoptada em 7 de Agosto de 1914, concedendo uma moratória para os pagamentos de rendas dos mutilados.
A segunda providência foi adoptada em 15 de Dezembro de 1914, criando uma comissão de conciliação para essas moratórias.
Já vê o Sr. Ministro da Justiça, que tanto combateu as comissões de conciliação, que se esqueceu, quando se referiu à Alemanha, que elas foram lá propostas e estabelecidas pela comissão de legislação civil e criminal.
O decreto de 7 de Outubro de 1915 estabelece quanto a despojos de casas.
Foi em 26 de Julho de 1917 que se estabeleceu a restrição sôbre aumentos de retidas.
Fica assim, demonstrado que na Alemanha, citada pelo Sr. Ministro da Justiça, foram instituídas as comissões de conciliação, dando os melhores resultados, Vou ler a forma por que eram constituídas essas comissões conciliatórias.
O Sr. Ministro da Justiça veio citar um país, para demonstrar exactamente o contrário do que S. Exa. defendia e afirmava.
Parece que a Alemanha, ao estabelecer essas comissões, estava com os olhos no Sr. Catanho de Meneses, e queria responder com a sua legislação as considerações que S. Exa. fez nesta discussão, ficando provado que a constituição dessas comissões era a mesma que a que estabelece a comissão de legislação civil desta Câmara.
Depois vem a lei de 23 de Setembro de 1918, que tornou obrigatória uma declaração dos proprietários sôbre os aumentos de rendas permitidos por essa comissão, e em 29 de Julho de 1919 publicou-se um novo decreto relativo a diversos pontos da matéria.
Durante esta legislação, até 24 de Março de 1922, quanto a rendas e quanto a despejos, houve legislações várias, nos vários Estados alemães.
Estabeleceu-se a liberdade contratorial mas estabelecia-se o máximo das rendas.
Todo o prédio que se construísse a partir do 1919 estava isento de qualquer restrição estabelecida na lei.
Contudo, quando o proprietário quiser beneficiar desta faculdade, terá de pagar.
A lei federal estabelece para toda a Alemanha o seguinte, que vou ler, e que representa uma lei transitória, e como tal não reforma o direito existente.
Vamos a ver como se estabelecem as rendas na Alemanha.
É dividida a renda em três partes: uma parte, despesas de administração, despesas de conservação e despesas de grandes reparações.
Como é que se faz o aumento da renda?
Cada municipalidade se encarrega disso. Já vê portanto V. Exa. — e longo de nós esteja a desgraça de uma depreciação da moeda como na Alemanha — que sempre as rendas foram aumentando, e sempre aumentando nesta proporção, de mês para mês.
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Isto era o que então se aplicava, mas ainda isto era pouco em relação ao agravamento do custo da vida e, em tais condições, em 4 de Agosto de 1923 o Govêrno Federal, estabelecendo a mais ampla liberdade, acabou com todas as restrições em matéria de inquilinato comercial e industrial.
Deu isso mau resultado, como entre nós daria o regresso a uma liberdade assim, de modo que em 7 de Novembro do mesmo ano o Govêrno Federal se viu obrigado a revogar o anterior decreto.
Porque o princípio era justo, porque estava no espírito de todos, e se via a necessidade de voltar ao direito comum, logo em 1 de Dezembro seguinte era publicado um novo decreto relativo a inquilinato comercial e industrial, pelo qual, não só dando a liberdade absoluta, como dantes, no emtanto se estabeleciam os termos da actualização.
Tudo isto prova que a Alemanha queria passar a um regime de liberdade de rendas, e bom é irisar também a circunstância do que tanto se não trata duma modificação no direito estabelecido que, ao contrário do que sucede em Portugal, não é pela pasta da Justiça que ali correm êstes assuntos, mas sim pelas pastas do Trabalho e Previdência Social. Isto prova claramente que apenas se pretende estabelecer assistência aos inquilinos necessitados e nunca modificar o.direito estabelecido. E, assim, a Alemanha, apesar da extraordinária depreciação da sua moeda, em 31 de Dezembro de 1923 estabeleceu o regime de rendas que vigora naquele país, e que nós não queremos para Portugal, porque entre nós daria os piores resultados.
Mas alguma razão a Alemanha teve para assim proceder.
Estabeleceu-se que, a principiar em 1 de Fevereiro e a acabar em 1 de Outubro dêste ano, as rendas fossem mensalmente aumentadas numa certa percentagem para se não entrar logo de um momento para outro num regime de completa actualização. Assim, só no dia 1 de Outubro é que estarão completamente actualizadas as rendas dos prédios urbanos na Alemanha. Mas porque fez a Alemanha isto?
Fê-lo porque num relatório muitíssimo bom fundamentado do seu Ministro do Trabalho reconheceu que o que se tornava essencial para o problema da habitação era promover a construção de novas casas e baratear as suas rendas. Ficou
estabelecido que se fará a actualização em ouro, mas 50 por cento vão para o Estado e para um fundo destinado à construção de casas, por forma, a que essas casas, representando construções feitas sem encargos de capital, com completa isenção de contribuições, vão estabelecer a concorrência, promovendo o barateamento da habitação.
Assim, tendo começado em 1 de Fevereiro e acabando em 1 de Outubro essa actualização, conta já ter então 200 milhões de marcos ouro, e em 30 de Junho de 1926 terá mais 600 milhões. Nessa altura deixarão os proprietários de contribuir com os 50 por conto da actualização, passando a pagar a contribuição predial que hoje se não cobra.
Antes disso também na Alemanha existia, como em quási todos os países afecctados pela crise de habitação, um imposto locativo pago pelo inquilino.
Referiu se o Sr. Catanho de Meneses à política distributiva que existe na Alemanha com relação a casas. Mas, antes de me referir a êsse ponto, deixe-me S. Exa. que lhe diga, que na matéria do artigo 2.° do Senado a lei que vigora na Alemanha é de Julho de 1923.
Quere dizer, quando êsses prejuízos graves se representam péla necessidade de o proprietário ir habitar a sua casa, êles constituem um fundamento de despejo na Alemanha.
Eu pregunto então só um país em que se reconhece ao proprietário êste direito é um país que considera que a propriedade é uma função social, ou um país que a considera um direito que os Estados devem e têm de respeitar.
Mas vamos agora à parte da política distributiva a que S. Exa. se referiu. Essa política não foi só adoptada na Alemanha, mas em quási todos os países que pertencem ao grupo a que me referi, isto é, aqueles que perderam províncias e até colónias, e que viram afluir para determinados pontos do seu território centenas de milhares de pessoas que não queriam deixar de viver na terra da sua Pátria. A Alemanha era um país que pelo seu rápido desenvolvimento, desde 1871, não
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tinha visto resolvido o problema da habitaçcão, como o não pode ver nenhum país em que o extraordinário desenvolvimento industrial faz notar, em proporções espantosas, o facto do urbanismo.
Para que isto se demonstre basta dizer a V. Exa. que a guerra veio surpreender a Alemanha, país que então se encontrava no apogeu do sou desenvolvimento, numa fase em que o urbanismo, que era sempre o factor que impedia a, solução do problema da habitação, pelo deslocamento das grandes massas de população que afluíam aos centros industriais. Nestas condições, a Alemanha tinha fatalmente, ao vir a guerra, de sentir as suas conseqüências, em matéria de habitação, mais fortemente do que qualquer outro país.
Depois, durante a guerra, a construção paralisou por completo, o que seria, só por si, um factor bastante para que o problema revestisse um carácter quási aflitivo.
Outro factor, e também importante, está no número de casamentos efectuados depois da guerra.
Para que se veja bem a influência dêsse factor, vou ler á Câmara alguns números.
Depois, além disso, a Alemanha foi o país que mais sentiu a necessidade de acudir aos seus nacionais que debandavam das províncias desanexadas e das colónias, procurando acolhimento na mãe-Pátria.
Para que igualmente se veja a importância dêste factor, eu leio à Câmara a estatística respectiva.
A Câmara vê, pois, por esta estatística quanto tais circunstâncias excepcionais colocaram a Alemanha na obrigação de adoptar providências extraordinárias, para não deixar sem abrigo centenas de milhares dos seus filhos.
Mas foram essas providências atentatórias do direito de propriedade?
Não.
A Alemanha não fez mais do que tomar medida idêntica à que nós tomamos sempre que um destacamento, tendo de abandonar os seus quartéis, impõe a necessidade de alojar os seus oficiais e soldados em casas particulares. Assim sucedeu à Alemanha, que por intermédio das comissões especiais obrigou os proprietários de casas a nelas receber as pessoas vindas de outros pontos.
Mas o que tem isto que ver com qualquer restrição a estabelecer normalmente?
Demonstrado assim o que acontece na Alemanha, e porque o Sr. Catanho de Meneses, se referiu seguidamente a Espanha, eu vou citar várias passagens da legislação espanhola, para que a Câmara veja quanto é errónea a suposição em que muita gente está, de que o direito de propriedade é uma cousa que não existe lá fora.
Êle é respeitado em toda a parte, porque representa o estímulo capaz de produzir o desenvolvimento de uma sociedade.
Em primeiro lugar, Sr. Presidente, vejamos o que diz a lei espanhola de 20 de Junho do 1920 no seu artigo 4.°
Quere dizer, num país que tem levemente depreciada a sua moeda, estabelece-se um aumento de 10 a 20 por cento nas rendas, e bem assim todos os aumentos que correspondam a encargos sofridos pelo proprietário.
Sr. Presidente: também a lei espanhola não se esquece que, do local para local, o valor das rendas varia, e por isso permite que o aumento das rendas esteja equivalente ao das casas próximas.
Mas, Sr. Presidente, vejamos também a alínea a) do artigo 3.° da lei espanhola. Veja V. Exa., Sr. Presidente, como a lei espanhola se assemelha à lei portuguesa, e como lá fora é respeitado o direito de propriedade.
Citou o Sr. Ministro da Justiça a Itália, como sendo um dos países em que a legislação tinha todas as cousas que S. Exa. quere estabelecer.
Vamos ver o que se encontra na legislação italiana.
Sussurro.
O Orador: — Eu assim não posso continuar.
O Sr. João Camoesas: — Ainda bem.
O Orador: — V. Exa. diz ainda bem; mas talvez aprendesse alguma cousa ouvindo-me.
O Sr. João Camoesas: — Não acredito.
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O Orador: — Não acredita que possa aprender?
Eu é que não entendi nada quando o ouvi falar.
Citou o Sr. Ministro da Justiça a legislação italiana, e eu começo por dizer a V. Exa. o que disse o Sr. Mussolini no seu relatório de 18 de Janeiro de 1921. Vendo o que a Itália estabelece no artigo 1.°, vê-se que o Sr. Catanho de Meneses foi buscar a Itália pára demonstrar quanto é prejudicial o regime das comissões de conciliação.
Essas comissões existem na Itália precisamente nos termos em que aqui se pretendiam estabelecer.
Como são constituídas essas comissões?
Um representante dos proprietários, um dos inquilinos, sendo presidida por um magistrado.
Não tem recurso das sentenças.
S. Exa. veio ainda dizer que essa lei se aplicava às acções pendentes.
Sim, mas pelo artigo 4.° é transferido para as comissões de arbitragem o julgamento dessas questões.
Nestas condições, já V. Exa. vê, quanto à Itália, que ela não pode ser assim considerada.
Mas uma das cousas a que mais se opõe o Sr. Catanho de Meneses é a de o senhorio ir habitar uma das suas propriedades, quando não tenha casa para habitar.
Sou absolutamente contrário à liberdade concedida ao senhorio para êle poder despedir Q inquilino, o que daria os mais revoltantes resultados.
Mas, entre duas pessoas que não têm uma casa para habitar, sendo uma a sua proprietária e a outra não, nós não devemos hesitar em dar a preferência àquela que é dona da casa.
O contrário é à negação completa do direito de propriedade.
Apoiados.
Já demonstrei que a Alemanha e a Espanha tem esta disposição que acabo do citar, mas afirmo também que a Itália a tem no artigo 7.° da sua lei de inquilinato.
Em todas as três nações está claramente estabelecido que o proprietário pode com a sua família ir habitar a sua casa quando não tenha casa onde habite.
É revoltante o saber-se que um pequeno proprietário que mora na província, mas que tem de vir para Lisboa, é obrigado a dar 700$ por mês por uma casa ordinária, quando tem o seu prédio arrendado por algumas rendas irrisórias.
Apoiados.
Seguiu-se, na enumeração de leis que o Sr. Catanho de Meneses fez, a França.
Pois o actual Govêrno, que não pode ser apodado de conservador, ainda há um mês, pouco mais ou menos, apresentou à Câmara e fez votar uma lei em que se mantêm as comissões de conciliação e em que são estabelecidos princípios que um distinto advogado francês comenta devidamente.
E devo dizer mais que na França se publicou uma larga legislação sôbre inquilinato desde a guerra.
Poderia ler alguns artigos da lei publicada em 4 de Março de 1918, em que claramente se define que esta lei é destinada ao regresso ao direito comum, restringindo assim, pouco a pouco, o número de pessoas protegidas pela lei, e em que se estabelece protecção para o inquilino pobre, mas não se obriga o senhorio pobre a dar protecção a um inquilino rico que todos os dias sai de automóvel, porque enriqueceu de repente, emquanto paga ao seu senhorio uma verdadeira miséria.
E, Sr. Presidente, essas bases não podem ser estabelecidas e adoptadas senão pélas comissões de conciliação, compostas em condições de imparcialidade, isto é, compostas por um representante dos inquilinos, outro dos proprietários e presidida por um juiz, que é quem mais condições de imparcialidade pode ter e oferecer para servir de árbitro e resolver qualquer contenda que possa haver entre inquilinos e proprietários.
Referiu se depois, Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Justiça à Bélgica.
Eu tenho também, Sr. Presidente, aqui a lei da Bélgica; porém, eu vejo justamente por ela que a paixão do Sr. Ministro da Justiça o levou a fazer uma afirmação que não corresponde à verdade dos factos, dizendo que lá fora já não existe o direito de propriedade, direito êste que já passou à história.
Eu vou mostrar, respondendo assim aos vários apartes que me têm sido dirigidos, e satisfazendo da mesma forma
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assim os desejos da opinião pública, quais os países em que o proprietário, desde que não tenha casa para habitar, para si ou sua família, tem o direito de a reclamar.
Sr. Presidente: os países em que esta disposição existe, isto é, em que os proprietários podem reclamar para si, ou para sua família, casa para habitar, são os que vou ler.
Pregunto à Câmara se quere continuar a ser Câmara de um país em que não há direito de propriedade.
Pregunto à Câmara se quere representar um país que não tem outro semelhante senão na Rússia.
Todos os países reconhecem que esta é a forma eqüitativa de resolver a questão.
Proteger os povos, mas não à custa de sacrifícios.
Proteger os inquilinos, mas não à custa dos senhorios que estão na miséria.
Todos os países têm a sua organização e só o nosso está divorciado de todos êles.
Esta lei não representa mais do que um expediente que não resolve o problema da habitação.
Só a construção de casas poderia resolver o problema, e o que cá se faz é dificultar a construção.
Lá fora protege-se a construção, dão-se até prémios.
Há leis económicas a que não se pode fugir.
A procura e a oferta são os factores mais importantes e que representam um papel de grande valia.
Ninguém quere proteger quem disso não fôr merecedor.
Olhamos aos interêsses do povo, sem qualquer interêsse político.
Àparte do Sr. Constando de Oliveira que não foi ouvido.
O Orador: — V. Exa. pode apresentar um projecto para que os prédios construídos agora não tenham restrições è isso será certamente aprovado.
Pela depreciação da moeda, ninguém quere construir casas porque o juro não é compensador.
Todos os países tiveram em consideração êsse princípio, e assim, havendo bastantes construções, já os inquilinos não estão sujeitos a espoliações.
Sr. Presidente: o Sr. Ministro da Justiça disse que devemos olhar ao direito ao lar, à habitação, e que quem tinha que se sacrificar eram aqueles que eram menos numerosos, de onde devemos concluir que, sendo os proprietários menos numerosos, êles é que têm que se sacrificar.
Tenho ouvido a todos como a S. Exa. apregoar o direito ao lar, mas para que haja êsse direito, a primeira cousa que é preciso é que haja casas, e o Sr. Ministro da Justiça, com a sua lei, o que faz é que não se construam casas.
Sr. Presidente: creio ter demonstrado o que se tem legislado lá fora em matéria de inquilinato, mas devo dizer ainda que nesta questão do inquilinato se têm dado cousas extraordinárias.
Ninguém, mais do que eu, tem procurado encontrar a maneira de tornar possível a conciliação entre senhorios e inquilinos, e condenado os abusos que, duma parte e doutra, se têm vindo praticando.
Nestas condições, sinto-me à vontade nesta questão.
Infelizmente constata-se que a política, em vez de facilitar a solução do problema, provoca antagonismos entre inquilinos e senhorios, quando a verdade é que o dever dos representantes da Nação está em tratar os assuntos com imparcialidade.
Sr. Presidente: eu tive ensejo de receber nesta casa do Parlamento, como Deputado, os representantes da Associação de Inquilinos de Lisboa.
Apresentaram-se justos e sensatos nas suas reclamações, e eu mostrei-lhes as vantagens das comissões de conciliação, para se dar protecção só a quem de protecção carecesse.
Tanto os representantes dos inquilinos, como os dos senhorios, estavam de acordo com a criação dessas comissões; mas o Sr. Ministro da Justiça, cego pela paixão, vem condenar essas comissões, e deixando-se dominar pela paixão até ao ponto de se esquecer que, como mestre distintíssimo que ó, foi quem me ensinou, numa comissão de que ambos fizemos parte, a- defender essas comissões, como única maneira de se resolver a questão do inquilinato.
Pois é S. Exa. que as condena agora com aquele entusiasmo que nós aqui vimos em S. Exa.
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Então o Sr. Catanho de Meneses dizia que era preciso tirar da chicana dos tribunais as questões do inquilinato e arranjar,, portanto, as comissões de arbitragem.
Lembro-me que a S. Exa. eu disse que já na França existia êsse sistema, ao que S. Exa. retorquiu que não sabia, acrescentando:
«Tem graça! Como eu encontrei uma solução que já, foi adoptada lá fora! Parece-me que é a única que se pode encontrar».
Sr. Presidente: a entidade que mais reclamou contra as comissões de conciliação é a associação dos inquilinos do Pôrto, chamada A Fraternal dos Inquilinos.
Pois essa associação dirigia em 1921 uma representação ao Parlamento, em que pedia a instituição das comissões de arbitragem e de conciliação.
Essa associação enviou o ano passado a Lisboa alguns representantes seus, com os quais tive a honra de trocar algumas impressões.
Falei-lhes das comissões de arbitragem e conciliação, como fórmula de resolver o problema e com isso concordaram.
Mas muito mau é que por espírito de política se procure desorientar aqueles que sinceramente empregam os seus esfôrços no sentido de encontrarem uma solução satisfatória para todos, porque com êsse procedimento só se consegue agravar de cada vez mais esta questão, da qual se deveria arredar toda a política.
Tenho aqui também uma representação dirigida ao Parlamento pela Associação Industrial Portuguesa, no mesmo sentido.
Assim pensa a Associação Industrial Portuguesa, e pensam todos quantos têm a noção clara de quanto neste país, porventura, mais do que em qualquer outro, é indispensável estimular o trabalho e a produção que há-de criar matéria colectável, capaz de salvar-nos.
O contrário é que se pretende fazer, agravando o problema da confiança e, conseqüentemente, a divisa cambial, fazendo com que em Portugal, onde a construção de prédios fazia afluir tanto ouro do Brasil, êsse ouro deixe de entrar, com enorme prejuízo para o barateamento da vida. Mau caminho é êsse que, afinal, não aproveita a ninguém.
Queremos uma protecção eficaz, real, verdadeira, para os inquilinos pobres.
Queremos que se procure intensificar a construção porque essa é, também, a forma de encarar de frente o problema de habitação e se não trate apenas de olhar para efeitos políticos, para expedientes de ocasião que só aproveitam a um número reduzido de inquilinos, deixando que todos os restantes se encontrem na situação de não poder arranjar dinheiro para pagar as rendas fabulosas das casas modernas.
Queremos o barateamento da construção, a isenção completa de contribuições para as novas construções e a abolição da contribuição de registo para a primeira transmissão do imóvel. Desejaríamos, também, prémios de construção, porque é assim que se procede em toda a parte onde o problema é encarado a sério. Queremos as comissões de conciliação, porque queremos convencer os proprietários e os inquilinos de que a hora é de sacrifício para todos e que é da acção comum de todos que há-de resultar uma possível solução para o problema, porque não queremos irritar classes umas contra as outras.
Terminou o Sr. Catanho de Meneses o seu discurso por dizer que é necessário olhar para a situação duma legião de senhorios pobres. Nós desejamos que a êsses inquilinos se conceda uma protecção eficaz, mas não queremos que, em nome da protecção que êles na verdade precisam, se vá dar protecção a ricos, como podem ser a própria moagem ou outras quaisquer emprêsas dessa natureza que possam ter arrendadas propriedades de senhorios pobres. E, Sr. Presidente, proteger a moagem contra senhorios pobres é tam revoltante como não proteger os inquilinos pobres contra a ganância dos senhorios ricos. Mas, sem aquela palavra sempre brilhante do Sr. Catanho de Meneses, sem querer chamar o sentimento da Câmara para nenhum efeito especial, eu direi que há uma classe que merece o respeito e a consideração de toda a gente: é a dos novos pobres.
Essa classe é a dos novos pobres, e novos pobres são essas viúvas e êsses órfãos a quem um chefe de família deixou um pequeno prédio, como garantia do seu futuro, como cousa indispensável para o seu sustento.
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E toda essa legião dos novos pobres que merece a protecção do Estado.
Todos temos que reconhecer as dificuldades gerais da vida, porque todos os dias as vemos e sentimos.
Julgo ter dito o bastante para que a Câmara veja que em toda a parte, ao contrário do que aqui foi afirmado, a propriedade representa um direito sempre respeitado.
Todos têm. o dever de saber as restrições que no momento actual se impõem ao direito de propriedade, e que quem não souber olhar o problema social por uma maneira consentânea com o espírito da época, não resolverá, agravará êsse problema.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — O Sr. Marques Loureiro enviou à Mesa da Câmara uma carta renunciando ao seu mandato.
S. Exa. faz muita falta nesta Câmara pelas suas brilhantes qualidades de carácter e de inteligência.
Espero que a Câmara declinará na Mesa o encargo de procurar demovê-lo do seu propósito.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Ginestal Machado: — Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer que me associo sinceramente às palavras de V. Exa., aos seus desejos, que são os desejos de toda a Câmara.
Apoiados.
São também os meus desejos, muito especialmente,
Como parlamentar, o Sr. Marques Loureiro é um orador distinto; não faço favor nenhum em o dizer, e a Câmara certamente corrobora a minha afirmação.
Apoiados.
Muito prazer tenho em manifestar a justa consideração e a estima que tenho pelo Sr. Marques Loureiro.
Desejaremos que êsse equívoco desapareça, e que S. Exa. volte a ocupar o seu lugar nesta Câmara.
Afirmo êste desejo em meu nome e no do Partido Nacionalista.
Apoiadas.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando restituir, nestes termos, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Sr. Presidente: em nome do Grupo Parlamentar de Acção Republicana, faço votos por que V. Exa. consiga que o ilustre Deputado Sr. Marques Loureiro retire o seu pedido de renúncia.
Para êle vão os nossos votos, esperando que V. Exa. consiga o desideratum desejado, a que o ilustre Deputado tem direito pelo seu saber.
O orador não reviu.
O Sr. António Maria da Silva: — Sr. Presidente: em nome dêste lado da Câmara tenho a dizer que o Sr. Marques Loureiro é um parlamentar distinto e só um mal entendido o terá levado a tomar a resolução que tomou.
O Sr. Marques Loureiro é um distinto ornamento desta Câmara, e certamente compreenderá que deve modificar a sua atitude e nesse sentido julgo que devem ser feitos todos os nossos esfôrços.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pinto Barriga: — Sr. Presidente: em meu nome e no dalguns Srs. Deputados independentes, associo-me às palavras de V. Exa., para que o ilustre Deputado Sr. Marques Loureiro regresse aos trabalhos parlamentares.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: é com o maior prazer que dêste lado da Câmara se faz a declaração da muita consideração que nos merece o Sr. Marques Loureiro, e por isso fazemos votos para que as diligências que vão ser feitas junto de S. Exa. sejam coroadas de êxito, e que S. Exa. volte breve ao Parlamento, onde a sua proficiência jurídica é bem reconhecida.
Todos temos visto a maneira de S. Exa. trabalhar nesta Câmara, e isso faz com que seja sentida a sua falta.
Por isso faço votos por que o Sr. Marques Loureiro renuncie à atitude que tomou e que os esfôrços de V. Exa., Sr. Presidente, nesse sentido sejam coroados de êxito.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Carvalho da Silva: — O Sr. Marques Loureiro é um dos nossos colegas que tratam todas as questões com a maior competência, e por isso êste lado da Câmara associa-se com o maior entusiasmo à proposta de V. Exa., Sr. Presidente.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses): — Sr. Presidente: o Govêrno não pode ser indiferente à manifestação que a Câmara acaba de fazer ao Sr. Marques Loureiro, que trata todas as questões com o maior conhecimento delas, e assim está de acordo com a proposta de V. Exa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Câmara; considero aprovada a minha proposta.
Em virtude do adiantado de hora, interrompo a sessão até às 22 horas.
Eram 20 horas.
O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.
Eram 22 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Moura Pinto.
O Sr. Moura Pinto: — Sr. Presidente: considerando-me no uso da palavra dentro da ordem, eu passo a ler a moção que vou mandar para a Mesa. Devo dizer a V. Exa. que, usando da palavra pela segunda vez, o faço com a menor contrariedade.
Não sou daqueles que tomam tempo à Câmara com inutilidades ou caprichos de qualquer espécie.
Por virtude de circunstâncias que eu considero de gravidade, eu entendo que toda a acção política que fôr exercida no sentido de satisfazer vaidades, caprichos, ou ambições pessoais, é indiscutivelmente uma má política, que se não deve fazer num país que se encontra, pode dizer-se, a dois passos da ruína.
Entendo, pois, Sr. Presidente, que os homens devem ser cautelosos, pondo de parte todas e quaisquer ambições pessoais.
Não tenho ambições e desafio quem quer que seja a que me prove o contrário.
Eu entendo que a República está seguindo por mau caminho, pois a verdade é que a República não se estabeleceu em Portugal como um regime de especulação nem de perseguições, a não ser contra aqueles que não acautelem os interêsses do Estado, ou que tenham uma moral duvidosa.
Eu entendo que a República se estabeleceu como um regime de ordem e de justiça, e não para remir republicanos, pois, se assim fôsse, eu não estaria aqui. E regime de especulação outra cousa não é a lei que não respeita as crenças de cada um; regime inviável para aqueles que julgam que em Portugal se podem levantar questões que se não levantam em países que se podem considerar países mestres na organização dos governos.
Em Portugal só se podem levantar as questões que o País comporta, pois sendo um pequeno país, de pequenos capitais, país de pequena indústria, não somos outra cousa senão um país de cousas médias, de interêsses médios, que é preciso respeitar, que é preciso alentar, em que é preciso criar todas as condições dê progresso.
Não temos em Portugal grande indústria a expropriar; não temos em Portugal partilhas de terras a fazer; não temos em Portugal grandes fortunas a tributar.
Se quisermos seriamente, sem preconceitos vãos e sem doutrinarismos novos, olhar para a situação do País, temos de reconhecer que Portugal vive dentro da mediania, dentro da modéstia que não comporta os voos gigantescos que alguns dos nossos políticos querem fazer sôbre êle.
Há uma cousa que parece que se vai gradualmente reconhecendo: é que a República, numa dúzia de anos de estabilização, conseguiu radicar-se no espírito da classe média.
É com êste espírito que ela tem de viver.
Ela não é amparada pelos grandes capitalistas mas pelo capitalismo duvidoso de certa rua da cidade de Lisboa; ela não é garantida pelos grandes agricultores que há em Portugal; ela não é garantida pelo grande comércio, se é que
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em Portugal há um grande comércio. A meia dúzia de grandes industriais, ou grandes comerciantes, não vale a pena considerar para o cômputo das garantias que oferece a estabilidade do regime.
O regime vive, pois, em Portugal, pelo que se pode chamar modestos proprietários, modestos comerciantes e modestos industriais.
Estas são em Portugal as fôrças sôbre as quais se pode apoiar o regime.
Falta muito em Portugal uma qualidade, que é o bom senso, e não podemos ir procurar êsse bom senso senão dentro destas classes médias, que representam para mim a fôrça e a resistência da raça.
Não podemos argumentar em Portugal com exemplos similares do estrangeiro.
Na França, na Inglaterra, os dois grandes países que constituem para Portugal qualquer cousa, como os figurinos, tenho tido ocasião de ver na minha modesta, mas necessária observação de político, que existe o bom senso em todas as camadas, nas mais avançadas e mais retrógradas.
Assim num dado momento a França e a Inglaterra são tomadas por assalto por uma —corrente digamos assim — ultra-conservadora.
Há ainda que fiar no bom senso e no equilíbrio que essas classes conservadoras são capazes de manter, insusceptíveis de se apaixonarem nas suas medidas, na sua acção vitoriosa sôbre as correntes opostas.
Mas é preciso acentuar que não é fácil o assalto à opinião pública para uma conquista do Poder.
Como vivem em França e Inglaterra as classes avançadas?
E com orgulho que podemos constatar que dentro das classes avançadas existe um equilíbrio tam grande, como se a conquista do Poder tivesse sido feita pelas classes conservadoras. Quere dizer, qualquer que seja a corrente que prevaleça nos países largamente educados para o progresso, nos países onde haja opinião pública, há sempre um equilíbrio, um bom senso, de forma que conservadores e radicais só impõem de tal arte, que não é possível levantarem-se as outras classes, por terem, em frente de si o orgulho vitorioso, ou o capricho, ou a vã glória do mando daqueles que venceram.
É que nos países assim grandes, os homens que vencem têm uma prudência enorme em usar da vitória, o os homens que são vencidos sentem que o foram em face de uma opinião e não de um capricho de quem quer que seja.
Ou criamos em Portugal um estado de consciência análogo, ou nós nos perdemos.
E perdermos um regime que é condição do progresso de um país, é já muito; mas, perder uma Pátria, é um crime, e o que se está fazendo representa capricho pessoal dos homens, dos homens que não têm princípios doutrinários, dos homens que não têm estudado nada, dos homens que não falam nada, dos homens que não apostolizam nada e apenas se vão apoiar nos egoísmos, nos interêsses, nas paixões mesquinhas, seja de quem fôr.
A êsses homens, que eu não poderei designar por um termo que seria duro, eu chamarei apenas insensatos, porque nos levam inconscientemente para um queimadouro, onde ninguém se salvará, nem mesmo êles próprios.
Apoiados.
Vã popularidade? Desejo de agradar?
Não sei.
Ausência de carácter, especulação feita em torno de cousas vãs, de inúteis cousas, do mentirosas cousas, ou criminosas, cousas?
É possível.
Mas isso não é governar.
Se os homens dentro dos partidos se não encontram bem, tenham a coragem de sair dos partidos onde não cabem e façam novos partidos.
Apoiados.
Há largos anos que vivo dentro do mesmo partido.
Sirvo dentro do mesmo partido, tenho o respeito exacto pelos outros partidos, que não posso deixar de ter, porque quero tolerância, e o triste defeito dos portugueses é a intolerância malévola, porque é caprichosa, porque não repousa em doutrinas.
Sr. Presidente: nós estamos há largos dias metidos dentro de uma questão, em que de um lado não existe senão a idea fundamental da classe média, e do outro um fantasma duvidoso, em que se não sabe que ideas há.
Não pode ser.
Precisamos de saber até onde os parti-
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dos são a expressão de uma corrente nacional, ou até onde são correntes pessoais que não representam dentro do País senão desejos e vanglorias de mando.
Esta questão do inquilinato estava de há muito resolvida, se, no final de contas, os homens que devem ser legisladores e não depositários de cousas, por mais justas que sejam, deliberassem considerar a valer êste problema.
Mas, porque não acontece assim, encontrámos os nossos esfôrços a debaterem-se no ar, por falta de disciplina dos organismos, que deviam dar o exemplo.
Encontrámo-nos a debater com inutilidades e caprichos, sem querermos atacar a fundo a questão.
Sr. Presidente: em Portugal a questão do inquilinato está a começar, ao contrário do que sucede em outros países, onde já está acabada, e, se não fôsse a muita confiança que tenho no Parlamento, eu diria que não queremos resolver nada mas apenas dar uma solução de momento que prorrogue novas irritações, novos incidentes, que dêem margem a que, semestralmente, como nas outras leis de inquilinato, apareçam também estadistas a que eu chamarei semestrais.
Em todos os países se tende para o regresso ao direito comum, e seriam insensatos todos os homens que quisessem estabelecer leis firmes sôbre circunstâncias movediças.
Em todos os países, os legisladores procuram acautelar o Direito antigo, e fazem bem.
A República Portuguesa estabeleceu-se em determinadas normas, afirmadas nos tempos da propaganda, e alguma responsabilidade eu tenho delas.
Nestas circunstâncias, eu pregunto a V. Exa., Sr. Presidente, e à Câmara, para que postergar êsses princípios e essas afirmações, somente porque circunstâncias excepcionais se nos apresentam em campo!
Para que postergar êsses princípios e essas afirmações, se eu faço parte do número de Deputados que afirmaram, acima de tudo, o Direito antigo, se nós afirmámos que aquelas eram as disposições, dentro das quais os, cidadãos julgavam exercer a sua actividade profissional, trabalhando!
Eu compreendo que Deputados independentes dissessem que circunstâncias derivadas de um grande cataclismo os obrigavam a manter determinada doutrina, mas são cegos que não vêem, surdos que não ouvem.
Eu fiz aqui o meu primeiro discurso, nesta casa do Parlamento, e mostrei logo quais as ideas de transigência, dêste lado da Câmara.
Nós queremos a tranqüilidade do domicílio, mas queremos a justa compensação daqueles que são proprietários.
Nós queremos uma República nobre e honrosa, mas vamos por mau caminho, pois todos estão obcecados, ou vivem dentro de um capricho.
Sr. Presidente: se da parte de um partido dos católicos, ou dos Deputados independentes, ou do grupo de Acção Republicana, partir uma idea aceitável, porque não se vai por diante com ela?
Há palavras que valem mais pela retumbância do que pelas ideas que representam, e assim a palavra radical, se não fôr bem dirigida, pode dar lugar a questões bem confusas e perigosas dentro do País.
Há quem, em nome da palavra radical, queira arrancar todas as raízes que julga más, para edificar um novo edifício.
Não sei até que ponto a palavra radical está perturbando os espíritos.
Nós vivemos muito de imitação, quando eu queria que fôssemos originais.
Nós vemos o que se está fazendo em Inglaterra, em França e na própria República dos Soviets, essa obra colossal dos Soviets, que sob o ponto de vista económico organizaram uma estatística para verem e avaliarem as medidas que teriam de promulgar, uma obra grandiosa, que nós não temos.
E preciso que nós meditemos bem nisto.
Meditando, nós veríamos, que a sua obra económica tende ao alargamento da cultura e ao regresso à abominável e criminosa moeda ouro; que na Rússia se pretende dar incremento às indústrias que podem constituir uma base de progresso na vida económica e financeira.
Na Rússia encontramos alguma cousa que não encontramos na nossa República, que não me atrevo a considerá-la sovietista, porque não dou aos pequenos homens quê a perturbam categoria suficiente para lhes chamar chefes dos soviets.
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Pregunto se não vale a pena considerar que não podemos afastar do regime todas aquelas iniciativas e todas aquelas dedicações capazes de pôr a República acima de tudo para a paz de que precisamos.
Aos meus colegas da extrema direita eu direi que não podendo o País ser salvo por uma monarquia, há que, realmente, mantê-lo e fazê-lo progredir dentro duma República.
Mas se tenho de afirmar isto à extrema direita, também tenho de preguntar o que é que hei-de dizer na propaganda; e assim eu pregunto a V. Exa. o que é que uma pessoa pode fazer encontrando-se entre êstes dois dilemas, isto é, entre uma República que pode ser perigosa para o País e a impossibilidade de se regressar à forma antiga.
Metido, entalado, permitam-me o termo, pois que é pouco parlamentar, entre uma monarquia, que é impossível, e uma República radical, que não tem razão de existir, eu pregunto a V. Exa. que dados tenho eu para fazer essa propaganda perante êsses homens que estão dentro da República, pequenos proprietários rústicos, pequenos e modestos proprietários urbanos, pequenos e modestos industriais e pequenos e modestos comerciantes?
Não sou, Sr. Presidente, pessoa que possa fazer essa propaganda, pois a verdade é que tenho o vicio da República.
Nós, os que pertencemos ao Partido Nacionalista, não temos o património da defesa do regime, pois a verdade é que a responsabilidade da situação em que nos encontramos pertence em grande parte ao Partido Democrático; porém, entendo que êsse partido não pode fazer essa defesa em quanto não modificar radicalmente o seu programa.
Tenha o Partido Democrático a coragem de fazer tábua rasa das afirmações feitas na propaganda, tenha o Partido Democrático a coragem de afirmar novos princípios e novas ideas, e então o meu Partido poderá bem com o Partido Democrático, porque, engrossado com a opinião consciente do País, nós não mais seremos minoria, porque passaremos a ser maioria, modificando assim o tabuleiro da nossa política.
Afirmam V. Exas. que não respeitam a propriedade, que têm pela família, ligeira molécula sujeita às mais radicais modificações, um determinado desdém e que não respeitam as crenças dos outros.
E depois disso, vamos para as eleições.
V. Exas. farão as suas afirmações, nós faremos as nossas.
Se formos os vencidos, governarão V. Exas.
Mas dentro dêste país, que continua a ser católico a despeito da Lei da Separação, que tem proprietários a despeito das promessas da divisão dos incultos que não sei onde estão, estou convencido de que nós não seríamos os vencidos mas sim os vencedores.
E, a propósito de incultos, permitam-me V. Exas. que eu laça uma ligeira digressão.
Os incultos ou são propriedades que precisam dum largo tempo de pousio e do auxilio da Companhia da União Fabril (Risos) para poderem produzir, ou são as serranias da minha Beira, que têm doas utilidades: logradouro dos povos e dos gados.
E no dia em que um estadista colossal conseguir realizar a obra maravilhosa de fazer cultivar as charnecas ou as extensas planíces do nosso país, teria de defrontar-se com as serranias de Manteigas, Gerez, Marão, Gardunha e Serra da Estrela, destinadas ao pasto do gado, sem o qual não teríamos lãs, nem manteigas, nem queijos.
São êstes, Sr. Presidente, os baldios que estão em Portugal em maré de incultos. Mas êles não pertencem a ninguém, pertencem à colectividade, às juntas de freguesia, pertencem aos povos, de que eu, nem mesmo socorrendo-me de Herculano, poderia precisar a origem.
E ai de quem atentar contra essas propriedades; que são de qualquer forma bolchevistas!
Esta é a propriedade comum, êste é um regime comunista na sua mais pura acepção o ninguém tolerará que ela seja cultivada.
De forma que neste aspecto, como em todos os outros, eu tenho a impressão de que os nossos estadistas devem ser obrigados pelo Parlamento a irem passar, pelo menos os meses de Setembro e Outubro, lá fora.
Estou convencido que, se os estadistas classificados de 10 valores para cima fôs-
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sem passar dois meses na província, modificariam a sua opinião radicalmente.
Isto que alguns deles apregoam não é afinal outra cousa senão lisonjear paixões, para casos particulares.
Cada cidadão está pois dentro do seu caso.
Pregunto porém: porque é que não hão-de ser iguais, em gravidade, os casos dos senhorios e os cases dos inquilinos?
Contam-se vários casos; a mim contaram-me ainda há pouco tempo o caso curioso dum gaioleiro.
Um gaioleiro quis construir um prédio, e não tinha dinheiro para isso.
Pediu emprestado, convencido de que, peticionando a uma casta nova na República, podia fàcilmente Construir por tal processo.
O dinheiro não lhe chegou, e teve de pedir mais, creio que 100 contos, além duns 70 contos, que já tinha pedido. Julgava-se o credor suficientemente garantido porque o prédio oferecia segurança acima de todas as inclemências do próximo inverno.
Então o nosso gaioleiro chegou-se junto de um seu credor, e disse-lhe que era impossível pagar-lhe, mus que lhe entregava o prédio.
Chegou-me a penalizar, declarou o credor, a tristeza e a consternação dêste pobre devedor.
Adiante.
O credor aceitou o prédio, e, quando tomou posse dos títulos de arrendamento, reconheceu que os arrendamentos de casas para cima de dez divisões estavam feitos nesta época por 100$ por mês, dizendo-lhe mais cada inquilino que para obter esta modesta renda tinha somente sido obrigado a pagar 10 contos.
Como eram doze inquilinos, êste modesto construtor tinha arranjado 120 contos, além dos 100 que tinha arrancado a êsse miserável e execrando capitalista.
Êste é um dos casos que, se nós tivéssemos de resolver um a um, nunca mais acabávamos de notar,
É uma pessoa que muito estimo, e que dentro desta Câmara tem o valor duma honestidade afirmada em doze anos de fé republicana, e que portanto merece toda a consideração e estima, me contou o caso, que de resto é vulgar, de um seu parente se ver inibido de habitar um prédio que é seu, tendo de viver numa casa de renda, porque o patriota que ocupa a sua casa não está disposto a dela sair, ainda quando o verdadeiro senhorio que a comprou tem de viver num casebre, que não comporta sequer a sua família, sem outra razão que não seja esta: já cá estou!
Sr. Presidente: se nós quiséssemos com justiça resolver a questão do inquilinato, resolvíamo-la, porque não sou capaz de conceber qualquer homem que não tenha dentro de si um princípio de justiça e acima de tudo porque, desde que os Deputados entram aquela porta, êles são para mim todos iguais, em carácter e espírito de justiça.
Estou plenamente convencido, e foi isso que no meu primeiro discurso expus à Câmara, que, se nos desprendêssemos inteiramente dos casos que conhecemos e tratássemos de arranjar normas que regulassem com equidade e justiça o problema do inquilinato, nós teríamos grosso modo resolvido êsse problema.
Julgo que éramos capazes de resolvê-lo na medida porque êle tem sido resolvido noutros países.
Não o queremos resolver, porque tal Deputado tomou o compromisso de que, se não se aprovasse tal artigo, nada passará.
Mas outro tem o compromisso de que, se passar êsse tal caso, nada passará; e assim dentro de compromissos que respeitam ao capricho de pessoas, ou a casos de coacção que não são aqueles que somos chamados a resolver, nós damo-nos por incapazes de resolver um problema de solução fácil.
É até chegado o momento de preguntar à Câmara porque não aceita ela o princípio, das comissões.
É curioso até dizer que, tendo eu ontem sido solicitado por determinados organismos para ir ouvir as suas razões, lhes falei nas comissões arbitrais, e êles me responderam, preguntando:
Mas, Sr. Deputado, quem é que preside a essas comissões?
Digo isto a V. Exas., porque entendo que é útil e salutar que nós nos consideremos alguma cousa de grande dentro do Legislativo.
A minha resposta foi esta:
Mas, como condição de justiça e imparcialidade, os presidentes não podem dei-
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xar de ser senão membros do Poder Judicial!
Se tivesse a certeza que V. Exas. não revelavam o que digo, dir-lhes-ia que me objectaram que «os juizes são todos talassas»!
Isto não pode ser!
Pôr em dúvida que um Poder do Estado não serve o regime, pôr em dúvida que o Poder Judicial, ao qual me honro de pertencer, Poder quê vive em miséria e que não tem em Portugal nenhuma situação privilegiada, (Apoiados), emquanto o Legislativo se procura cercar de todos os privilégios, e os tem pela natureza da sua função, afirmar que a razão por que não se querem as comissões é porque os seus presidentes, sendo juizes, não merecem confiança ao regime, é deixar um regime coxo, porque um regime que tem de viver com três poderes, e só pode viver com dois, não tem uma vida muito garantida.
Apoiados,
Mas é falso, redondamente falso!
Não existe em Portugal uma magistratura inquinada da falta de virtudes que lhe é imputada; mas, se existe, £ porque não se remodela?
Apoiados.
Não era muito mais simples que todos aqueles organismos, reconhecendo que um determinado Poder do Estado faltava à sua missão, viessem impor ao Legislativo a remodelação dêsse Poder em condições de garantir a fôrça, a virilidade, a fortaleza do regime?
Um homem, como sou, que não tenho paixões que não sejam realmente as que importam dentro dos bons princípios à defesa do regime republicano, devo dizer desassombradamente à Câmara que, tendo reconhecido que determinado Poder do Estado não merecia garantias ao regime, estaria pronto a votar aquelas medidas que, não sendo de natureza ofensiva dos princípios morais e da Constituição, dessem, no emtanto, a segurança de que nenhum Poder faltaria à sua missão. Mas emquanto isso se não votar, emquanto não houver a coragem de afirmar que dentro do regime qualquer Poder falta à sua missão, eu não posso aceitar como bom o argumento de que determinadas comissões não servem, porque os seus presidentes não merecem confiança ao regime.
Respondendo até às considerações do Sr. Ministro da Justiça, devo dizer que em Portugal já funcionam tribunais arbitrais, como, por exemplo, nas questões de trabalho.
Eu não posso considerar o júri comercial senão um tribunal especial de arbitragem, e não posso considerar que o juiz ou juizes de direito que a êle presidem não mereçam as devidas garantias, pois todos se julgam contentes com a garantia que êsse júri lhes dá.
Creio que o Sr. Ministro da Justiça alega que sendo es? a comissão constituída por um faccioso senhorio e por um faccioso inquilino deixará, em última análise, 9, solução da questão ao juiz de direito.
Sr. Presidente: seja existem em Portugal instituições arbitrais, para que havemos facciosamente calcar legitimes direitos ?
Então não quiseram introduzir modificações no júri comercial, e não surgiram logo os protestos contra êsse facto?
Não quero que se ponha de lado, más é uma cousa para se modificar na sua estrutura. Se a comissão é perigosa, mais perigoso é um homem só. Mas ponham dois, três homens pelo senhorio, pelo inquilino.
Eu sei que há países cuja legislação marca um só homem. Dois, três homens não hão-de ser todos abomináveis e com espírito faccioso. Não se pode supor isso. Nesta Câmara há uma maioria e uma minoria, e eu estou certo de que, embora ás vezes nos vençam pelo número, e não nos vencem sempre, é porque a consciência de cada um lhes impede de o fazerem.
As comissões modificadas reputo-as boas. O princípio fundamental da lei deve ser a equidade. Quanto ao juiz de direito, êsse só pode julgar em face de documentos e de provas, e muitas vezes as provas não são boas e os documentos nada dizem.
O juiz de direito está metido dentro da lei e não pode sair para fora dela.
Os organismos administrativos que ontem me procuraram não se manifestaram contra as minhas ideas. Os representantes dêsses organismos disseram-me que
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até se realizavam divórcios para se pôr o inquilino na rua. Eu sabia dêsses casos.
A hora já vai adiantada, e eu vejo conversar-se por todos os lados; vá lá também um pouco de conversa. Eu sei, mas V. Exa. talvez ignore, que há senhorios que, metidos dentro do coeficiente 2,5, vivem na miséria, e a situação especial que se criou dentro do lar, por deficiência de vencimentos, é pavorosa (Apoiados), e é natural que isso leve até o divórcio, que eu digo ser um exagero, mas, pelo menos, deve levar à separação.
Ser inquilino e raciocinar, ser senhorio e raciocinar, é fácil; mas ser legislador, e ter de acalmar as paixões dum e outro, é muito difícil.
É preciso ter muita serenidade, e mais inteligência que senhorio e inquilino.
Sr. Presidente: o que é um facto é que os casos multiplicam-se, e eu a êste respeito posso-lhes contar um deles que se passou com um senhorio do meu conhecimento.
Um indivíduo que possuía um prédio com meia dúzia de inquilinos, pelo qual tinha um rendimento de ÍÒU$ mensais, era casado, sem filhos, e tinha uma vida regalada; o rendimento chegava-lhe, e não fazia nada.
Êsse homem que nada fazia, pelo que criou uma grande obesidade, passando até mal, hoje, com as diversas leis sôbre inquilinato que se têm publicado, não lhe chegando êsses 150$, viu-se na necessidade de arranjar um lugar qualquer num clube em Alcântara, e a fazer outros serviços para arranjar mais algum dinheiro para poder viver, o que tem feito com que êle perdesse a obesidade que tinha e passe melhor de saúde.
Eu escuso de dizer que se esta lei tivesse êste fim, consideraria os seus autores mais do que estadistas.
O que é um facto, Sr. Presidente, é que só as comissões podem, a meu ver, resolver os casos difíceis, o que aliás é bem fácil, pois que desde que na prática se visse que elas não davam o resultado desejado, poderiam com facilidade ser dissolvidas.
Declaro a V. Exa. que, se o Estado votasse a expropriação, dentro de determinadas medidas, dos prédios, eu não partiria nenhuma carteira. Votaria contra, falaria contra, empregaria todos os meus esfôrços, dentro do meu partido para evitar que essa medida se tornasse numa realidade, mas não praticaria nenhum daqueles actos que são o supremo recurso das oposições.
O Estado pagava, ficava com os prédios e fazia compreender aos cidadãos portugueses que é necessário construir.
Mas, Sr. Presidente, o que a Câmara tem de dizer ao País é se esta lei é transitória ou é para ficar, porque se assim fôr, estou certo que ninguém mais construirá em Portugal.
Constrói o Estado, constroem as juntas de freguesia, constroem emfim os próprios inquilinos.
Sr. Presidente: se assim é, se esta lei é para vigorar transitoriamente, nós não fazemos normas de direitos, mas normas provisórias. Nestas circunstâncias, essas comissões ficariam para resolver todos aqueles incidentes que a cada passo surgem, e que representam o espírito de maldade ou velhacaria de qualquer das duas partes.
Disseram-me, quando objectei que talvez o caminho da coacção não fôsse o melhor, e que o caminho do convencimento era o mais conveniente dentro duma democracia, que não discordavam inteiramente.
Julgo mesmo haver sugestões de vária ordem, compromissos e promessas descabidas, que imperaram mais no seu espírito que as boas e sensatas razões.
Os senhorios tinham sido levados a um esfôrço de defesa que não podemos estranhar nem considerar elementos criminosos, porque a maior parte, como a Câmara sabe representando a legítima defesa, deve ser considerada como circunstância atenuante.
Repito: não sei o que possa haver de exagerado, pelas circunstâncias produzidas numa família que vivia de certa maneira.
Por dois ou mesmo dez casos exagerados, tenho de pedir a V. Exa. me perdoe lendo o decreto.
Nada mais justo, nada mais honesto, nada mais necessário.
Presunto: em nome de que atropelo, eu que sou, a prazo limitado, possuidor duma cousa, a vou desde certa hora transferir?
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Em nome de que infâmia e vilania isto se pode fazer, sem escrúpulos e sem moral?
Por um traspasse, cobrando, antecipadamente, em meu proveito rendas ou valores que me compensem à larga da trapaça que vou fazer, arrendarei a outrem por um preço vil um prédio que ficará para sempre nas mãos da pessoa que o arrendou ou na dos seus descendentes. E dar-se há êste infame caso: é que quando o verdadeiro proprietário, por minha morte, tomar conta do prédio, não encontra o prédio, mas sim uma burla: encontra uma propriedade em piores condições do que hipotecada, pois a hipoteca ainda se cancela.
Mas há ainda o caso do artigo 10.°
Estamos chegados ao caso de divórcios.
Como homem de leis e em nome dos mais sagrados interêsses da família e da nacionalidade, eu cito um caso, e ponho em confronto os males que sucederiam: marido casado em regime dotal ou mesmo em regime de separação de bens, com mulher que tivesse trazido prédios urbanos dos quais o casal viva.
O marido burlão, jogador, troca-tintas, emfim, arrenda os prédios que são da mulher, como administrador do casal, e cobra dos inquilinos, a troco de compensações em traspasses, rendas vis. Depois disto vai para o divórcio, atirando a mulher para a miséria, e ficando com o dinheiro dêsses traspasses na sua mão.
Pode fazê-lo, dando um pontapé na mulher, atirando-a para a miséria e ficando com o dinheiro para jogar e para todos os seus vícios, deixando-lhe apenas uns casebres, pelos quais ela não receberá senão aquilo por que o vilão arrendou por quantia insignificante.
A quem aproveita isto? É caso para se preguntar. Andaremos dentro dum caso de indústria? Pregunto se o que me emociona é o caso ou a pessoa. Porque se é o caso, que é repugnante, está bem: mas se é a pessoa, está mal.
O Sr. Sá Pereira: — Não parta a carteira!
O Orador: — Ganhei dentro da República o direito de partir, pelo menos, a minha!
A Câmara perdoará a paixão que, de quando em quando, imprimo às minhas palavras.
Devo dizer a V. Exa., Sr. Presidente, e garantir à Câmara, que nenhum dos casos que aqui apontei e dos que desejo salvaguardar é caso concreto que tenha chegado ao meu conhecimento, muito embora eu tenha recebido indicações, solicitações e pedidos vários, que eu, como Deputado, julgo ter o direito de ouvir.
Não reputo nenhum de V. Exas. deminuído pela circunstância de trazer ao Parlamento qualquer caso que mais tenha impressionado o seu espírito; a única responsabilidade que lhes imputo é a de não quererem dar por uma forma genérica a solução a um agrupamento de casos e limitarem a sua crítica a simples hipóteses isoladas.
Entendo mesmo que uma comissão de legislação devia funcionar como uma espécie de caixa de requerimentos e que todos os casos fossem levados ao seu conhecimento. E o legislador, na impossibilidade de atender casos especiais, teria de considerar a generalidade daqueles casos que mais despertavam a sua atenção como factores perturbadores da sociedade, e em torno deles arranjar as normas que a todos satisfizesse.
Lamento que o Sr. Ministro da Justiça, a cujo espírito de concórdia presto homenagem, não tenha pôsto a sua autoridade de jurisconsulto e de homem de Estado em defesa dessa solução genérica.
As comissões, Sr. Presidente, a meu ver, são realmente o único organismo que poderá resolver o problema.
Não vejo outro meio, pois a verdade é que, repito, com facilidade elas mais tarde poderão ser dissolvidas com um simples decreto, caso cheguemos à conclusão de que elas são inúteis.
Creio bem que não se chegará a reconhecer a sua inutilidade, pois estou certo, repito, de que seria essa a única forma de se resolver o assunto.
Sr. Presidente: os argumentos que se têm apresentado contra a nomeação dessas comissões não são, na verdade, de considerar, pois a verdade é que elas, com os poderes a que me tenho referido, poderão prestar relevantes serviços, muito superiores até ao próprio Supremo Tribunal de Justiça.
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Eu defendo êste princípio, não porque o argumento me tivesse sido fornecido por alguém, por algum magistrado, mas sim por quem defende a doutrina do artigo 2.°
Esta é, minha opinião, pois tenho a certeza de que só as comissões poderão apreciar devidamente o assunto e resolvê-lo da melhor forma possível.
Haveria a dignidade e a capacidade para ir até o ponto de averiguar a justiça com que cada uma das partes fazia a sua reclamação, e, assim, as comissões teriam possibilidade de apreciar um dos factos mais importantes da lei do inquilinato. Um dos problemas graves do inquilinato ó, de formas várias, a questão das rendas.
Para mim, que não sou senhorio dos que fazem pressão aos inquilinos, porque tenho inquilinos que só pagam o que podem pagar, não tenho nenhuma acção neste momento, porque todos pagam o que é justo pagarem.
Por circunstâncias especiais da minha vida não poderia estar filiado nos mais radicais partidos.
A doutro da proposta com as limitações que as circunstâncias impõem, a questão do inquilinato é uma questão de coeficientes.
É justa e honesta esta convicção.
As comissões apreciarão êstes factos.
Apoiados.
O meu propósito seria manter a função do senhorio e do inquilino num justo equilíbrio.
De maneira que se um inquilino pode actualizar a sua renda, que a actualize.
Há alguém que dentro de um prédio vive com a sua vida de comerciante, industrial ou de profissão liberal e que tem os seus rendimentos, actualizados?
Pois bem: paga ao senhorio, como paga ao alfaiate, ao sapateiro, ao teatro, porque não deixa de lá ir.
Mas há alguém que vive dentro do mesmo prédio ou doutro e não conseguiu ainda ver actualizados os seus lucros?
Para êsse é que deve ir a nossa protecção, porque êsses não podem pagar pela simples razão de que não têm com quê.
Eu contesto que esta situação possa ser resolvida por juizes de direito, mas compreendo que possa ser resolvida por homens de sã, consciência.
As comissões serviriam ainda de conciliadoras das partes.
Elas, pelo conhecimento que tinham das partes, haviam de tirar muitas esperanças aos senhorios gananciosos e aos inquilinos que querem explorar vivendo na casa alheia, por preços que êles nem querem que se saiba.
Diz-se que as comissões seriam um alfobre de incidentes e questões complicadas.
Respondo: os tribunais são igualmente um alfobre de incidentes, de chicanas e de questões cuja resolução, intrincada e complexa, atravessa umas poucas de instâncias, e nem sempre é justa, pôsto que seja sempre legal.
De resto, as comissões evitariam imensos incidentes, porque ficariam com uma competência que vai até ao ponto de poderem fazer determinados inquéritos, porque estou plenamente convencido que muitos dos cidadãos que vivem dentro desta República, especialmente em Lisboa e Pôrto, desejariam até certo ponto que se não fizessem às suas fortunas particulares.
Apoiados.
O senhorio tenderia para a actualização, o inquilino não a quereria, e assim aquele recorreria para as comissões.
Sr. Presidente: estou completamente convencido que o inquilino dirá ao senhorio: eu não posso pagar 300$, mas pago 150$.
Sr. Presidente: são estas as considerações, de ordem geral que tinha a fazer, mas, quanto à matéria de cada artigo, reservo-me para tratar dela na especialidade, em que a apreciarei artigo por artigo.
Devo dizer que dentro do meu partido ninguém está disposto a submeter-se a caprichos, nem a subordinar-se a uma obra má, inútil e prejudicial.
Como já disse, reservo-me o direito de apreciar, artigo por artigo; reservo-me o direito de usar de todas os armas legais de que o parlamentar se pode servir, e não deixarei passar uma lei que vai desacreditar um regime.
Não faço especulação política, e a maioria sabe que lhe não tenho sido hostil, (Apoiados), mas não posso aprovar uma lei que não serve ao senhorio, nem ao inquilino, e que desprestigia o regime.
Apoiados.
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Sr. Presidente: eu procurarei por todas as formas colaborar numa obra útil, mas também por todas as formas impedirei que se vote uma lei má.
Apoiados.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas,
Moção
A Câmara reconhecendo que, dadas as actuais circunstâncias excepcionais, a solução do problema do inquilinato deve obedecer a preceitos de equidade que, acautelando devidamente a necessidade e garantia de habitação, o exercício de honestas actividades morais e sociais, respeitem o direito da propriedade, na medida que aquelas circunstâncias aconselham, sem prejuízo do regresso ao direito comum, logo que elas cessem, continua na ordem do dia.— Alberto de Moura Pinto.
Leu-se a moção do Sr. Moura Pinto, e foi admitida.
O Sr. Presidente: — Está encerrada a discussão, na generalidade.
O Sr. Pinto Barriga: — Peço a V. Exa. para consultar a Câmara, a fim de eu retirar a minha moção.
Foi autorizado.
Moção
A Câmara, reconhecendo que, na presente ocasião, a lei de inquilinato deve ser essencialmente uma lei de equidade, entende que deve modificar o regime existente, garantindo aos senhorios um justo crédito ao seu capital, e aos inquilinos a estabilidade dos seus arrendamentos, resolvendo-se, tanto quanto possível, as questões suscitadas entre as duas partes, mormente sôbre as divergências relativas ao quantitativo da renda, pelo sistema de arbitragem, emquanto subsistirem as actuais circunstâncias económicas, e passa à ordem do dia.— Pinto Barriga.
Leu-se e foi rejeitada n moção do Sr. Pedro Ferreira.
Foram rejeitadas igualmente as moções dos Srs. Lino Neto, Marques Loureiro e Moura Pinto.
Moções
A Câmara dos Deputados, reconhecendo que o projecto e os pareceres em discussão são insuficientes, por si só, para resolver o problema do inquilinato, passa à ordem do dia.— José Pedro Ferreira.
A Câmara dos Deputados, coerente com anteriores deliberações sôbre matéria de arrendamentos, afirma o seu propósito de as honrar, na justa consideração dos direitos e correlativas obrigações de senhorios e inquilinos, e continua na ordem do dia.— José Marques Loureiro.
A Câmara, reconhecendo que a legislação sôbre o inquilinato se deve desenvolver dentro do regime da propriedade individual, embora com largas restrições, no interêsse social, passa à ordem do dia.— A. Lino Neto.
O Sr. Morais Carvalho: — Requeiro a contraprova.
Feita a contraprova, confirmou a votação.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se o parecer.
O Sr. Pedro Pita: — Qual parecer?
O Sr. Presidente: — O parecer da comissão.
O Sr. Velhinho Correia: - Requeiro prioridade para o parecer do Senado.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se o parecer do Senado.
O Sr. Pedro Pita: — Requeiro votação nominal.
Foi aprovado.
Procedeu-se à votação nominal.
Aprovaram 43 Srs. Deputados e rejeitaram 12.
Foi aprovado.
Disseram «aprovo» os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
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Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João Baptista da Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luis Damas.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes do Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Santana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Disseram «rejeito» os Srs.:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
António Ginestal Machado.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Custódio Maldonado de Freitas.
João de Sousa Uva.
José Pedro Ferreira.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Lúcio de Campos Martins.
Pedro Góis Pita.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão terá lugar à hora regimental com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia (com prejuízo dos oradores que se inscrevam):
Parecer n.° 801, sôbre reorganização da aeronáutica militar.
Parecer n.° 791, crédito de 44:126073 a favor do Ministério das Colónias.
Parecer n.° 656, crédito de 17:200.0000 a favor do Ministério das Colónias, e os n.ºs 736, 794, 745, 704, 611, 637, 725, 729 e 697 em tabelas.
(Sem prejuízo dos oradores que se inscrevam):
A de hoje.
Ordem do dia: A de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 55 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Projecto de lei
Artigo 1.° Emquanto não forem reorganizados os serviços de aeronáutica militar, continua em vigor a legislação que regulava êste serviço até 30 de Maio de 1924.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Saia das sessões da Câmara dos Deputados, 5 de Agosto de 1924. — Plínio Silva.
Prejudicado.
Pareceres
Da comissão de administração pública, sôbre o n.° 811-A, que cede à Câmara
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Sessão de 12 de Agosto de 1924 35
Municipal de Tomar a garantia de juro de 7 por cento para emissão dum empréstimo de 5:000.000$ para construção do ramal do caminho de ferro de Lamarosa a Tomar.
Para a comissão de caminhos de ferro.
Da comissão de finanças, sôbre o n.° 804-C, que cria dois selos, postais, revertendo o produto da venda para a subscrição do monumento ao Marquez de Pombal.
Imprima-se.
O REDACTOR—Sérgio de Castro.