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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 151
(EXTRAORDINÁRIA)
EM 6 DE NOVEMBRO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Maximino de Matos
Sumário.— Abre a sessão com a presença de 51 Srs. Deputados.
É lida, a acta, que adiante se aprova com número regimental.
Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia.— O Sr. Ministro da Justiça (Catanho de Meneses) comunica que o Sr. Presidente do Ministério (Rodrigues Gaspar) não pode comparecer à sessão por motivo de doença.
O Sr. Hermano de Medeiros insta pela remessa de documentos.
Em negócio urgente, o Sr. Almeida Ribeiro manda para a Mesa um projecto de lei referente à cédula pessoal.
Pede a urgência e a dispensa do Regimento, o que é aprovado.
Usam da palavra os Srs. Ministro da Justiça, Morais Carvalho e Juvenal de Araújo.
O projecto de lei é aprovado cora dispensa da Leitura da última redacção.
O Sr. Carlos de Vasconcelos trata da taxa de trânsito dos telegramas que passam pela provinda de Cabo Verde, e que ainda não foi entregue, referente ao ano de 1923, à mesma província, como lhe não foi entregue o navio dos Transportes Marítimos que lhe era destinado.
Responde o Sr. Ministro do Comércio (Pires Monteiro), seguindo-se o Sr. Carlos de Vasconcelos, para explicações.
O Sr. Jorge Nunes troca explicações acerca da nomeação de um professor para a aula de inglês na Escola Comercial de Ferreira Borges.
Ordem do dia.— O Sr. Presidente deseja que a Câmara se manifeste sôbre se deve continuar o debato político acerca da declaração ministerial na ausência, por doença, do Chefe do Govêrno.
Usam da palavra os Srs. Pedro Pila, Lopes Cardoso, António Maria da Silva, Paulo Cancela de Abreu, Nuno Simões, Carlos Pereira, Ministro da Justiça, José Domingues dos Santos, Jorge Nunes, Jaime de Sousa, Álvaro de Castro e Almeida Ribeiro.
A Câmara, em prova e contraprova, decide que se aguarde a presença do Sr. Presidente do Ministério para prosseguir o debate.
Em negócio urgente, e da tribuna, o Sr. Leonardo Coimbra ocupa-se de assuntos referentes à Faculdade de Letras na Universidade do Pôrto, terminando pela apresentação de uma moção referente aos actos do professor Francisco Manuel Homem Cristo.
Dá explicações o Sr. Ministro do Comércio.
A moção é admitida, sendo concedidas a urgência e a dispensa do Regimento para a sua discussão.
Usa da palavra o Sr. Ministro da Instrução (Abranches Ferrão).
Segue-se o Sr. Homem, Cristo, que fica com a pala um reservada.
Encerra-se o sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte, à hora regimental.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão.— Uma substituição em comissão parlamentar — Negócio urgente — Um requerimento.
Abertura da sessão às 15 horas e 15 minutos.
Presentes à chamada 51 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 64 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto do Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
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Américo da Silva Castro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Pais da Silva Marques.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim Brandão.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Ventura Malheiro Reimão.
Entraram durante a sessão os Srs:
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim Costa.
Ernesto Carneiro Franco.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Carvalho dos Santos.
José Cortes dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
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Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Sebastião de Herédia.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Não compareceram os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Lelo Portela.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Mendonça.
António Resende.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
David Augusto Rodrigues.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Salema.
João do Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
Júlio Henrique do Abreu.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel do Sousa da Câmara.
Mário de Magalhães Infante.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 51 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 16 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Ofícios
Do presidente do Centro Republicano Português de S. Paulo, Brasil, apresentando um libelo contra o cônsul português naquela cidade, o Dr. José Augusto de Magalhães.
Para a Secretaria.
Do Senado, comunicando ter aprovado a seguinte proposta interpretativa:
«As melhorias de vencimentos e subsídios concedidos pela lei n.° 1:668 a todos os funcionários civis e militares, magistrados judiciais e do Ministério Público e parlamentares são concedidas a partir da data fixada no artigo 12.° da mesma lei».
Para a comissão de finanças.
Do Ministério das Colónias, satisfazendo, em parte, ao requerido pelo Sr. Carneiro Franco, sôbre vencimentos ao general Sr. Gomes da Costa.
Para a Secretaria.
Telegramas
Das Associações Comerciais da Guarda, Sintra, Lamego, Macedo de Cavaleiros, Santo Tirso, Santarém, Vila Real de Santo António, Barreiro, Lagos, Sines, Coimbra, Faro, Guimarães, Barcelos, Reguengos, Alcobaça, Aldeia Galega, Nelas, Alenquer, Pombal, Penafiel, Castelo Branco, Régua, Vila Real, Aveiro, Cascais e dos comerciantes de Campo Maior, Sindicato Agrícola de Barcelos, Liga Co-
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mercial de Lojistas de Setúbal, Liga Agrária do Norte, Sindicato Agrícola de Santarém, Associação de Lojistas da Covilhã e Sindicato Agrícola de Salvaterra, contra a lei n.° 1:663, sôbre selagem de bebidas e perfumarias. Para a Secretaria.
Dos importadores e retalhistas de tabacos do Pôrto, pedindo a revogação do acordo dos tabacos.
Para a Secretaria,
Dos industriais de lanifícios da Covilhã, pedindo medidas que resolvam a crise desta indústria.
Para a Secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses): — Sr. Presidente: pedi a palavra para comunicar à Câmara que o Sr. Presidente do Ministério, por incómodo de saúde, não pode assistir à sessão de hoje.
Tenho dito.
O Sr. Hermano de Medeiros (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: haja não sei quantos meses que requeri que pelo Ministério da Instrução Pública me fossem enviados determinados documentos, os quais nunca chegaram.
Pregunto a V. Exa. se 6 ocasião de V. Exa. intervir de forma a que êles me sejam enviados o mais ràpidamente possível, o a se eu tenho de fazer novo requerimento.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — V. Exa. não necessita de fazer novo requerimento. Vou novamente instar junto das estações competentes para que os referidos documentos sejam fornecidos com brevidade.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Muito obrigado a V. Exa.
O Sr. Almeida Ribeiro (para um negócio urgente): — Sr. Presidente: pedi a palavra para um negócio urgente porque, realmente, de um caso urgente se trata. Embora seja pouco propenso a reconhecer a urgência de qualquer assunto, para discussão imediata nesta Câmara, o assunto de que vou ocupar-me e, pelas circunstâncias que o acompanham, de carácter urgente.
Sr. Presidente: trata-se da exigência da cédula pessoal, que à sombra, do artigo 1:344 do Código do Registo Civil foi feita por um decreto publicado em Abril dêste ano.
Pelo decreto a que me acabo de referir, a cédula pessoal passou a ser exigida, não só àqueles que sendo registados como nascidos depois dessa data, mas também a todos os cidadãos portugueses vivendo no País, quer por nascimento ou naturalização.
A êstes últimos foi, pelo artigo 9.° do aludido decreto, estabelecido um prazo de três meses, prazo que já foi prorrogado por duas vezes, e que dentro de breves dias está a terminar.
Sr. Presidente: se o prazo da última prorrogação expirar subsistindo a legislação actual, uma grande parte da população portuguesa, senão a maioria, estará inibida de praticar os actos mais elementares da vida cotidiana, por falta da cédula pessoal, na maior parte dos casos não tirada, por dificuldades resultantes da aglomeração de pretendentes, falta de certidões, etc.
Nestas condições, parece-me que se de verá tomar uma medida mais radical, não no sentido político usual da palavra, mas no sentido de maior alcance do que a simples prorrogação. Em minha opinião esta não bastará, visto que as dificuldades que agora surgem serão as mesmas que hão-de surgir daqui a dois ou três meses.
Por êste motivo vou mandar para a Mesa um projecto de lei, que tem o assentimento de grande número de membros desta Câmara, no sentido de a cédula pessoal deixar de ser obrigatória para todos quantos nasceram anteriormente à data do decreto regulamentar.
Sr. Presidente: êste projecto não é tam ofensivo do sistema da cédula pessoal como poderá parecer ú primeira vista.
O Código do Registo Civil, ao promover a exigência da cédula pessoal, declarou que ela se baseava no registo civil; e assim
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dêste modo, não sei se será lícito ao Poder Executivo, no cumprimento da disposição legal, exigir a cédula pessoal àqueles que não estão inscritos naquele registo, e sim no registo paroquial, e tanto mais que, neste registo, apenas figura o nome próprio do indivíduo, e só raramente era inscrito o nome todo.
Como V. Exas. vêem, o nome próprio não identifica ninguém; há milhares de Antónios, de Joaquins, e apesar de a cédula conter a filiação, isso não basta, quando não tenha o retrato e as impressões digitais.
Mas, Sr. Presidente, seja como fôr, o que é facto é que, existindo 6 milhões de portugueses, apenas talvez um milhão possui a cédula pessoal, pelo que, a não ser tomada uma providência, dentro de poucos dias os 5 milhões restantes ver-se hão em sérias dificuldades para praticar os actos mais elementares da vida social, como assinaturas de escrituras e tantos outros.
Por êste projecto de lei a cédula torna-se obrigatória para todos os que agora estejam inscritos no registo civil, e ao mesmo tempo torna-se facultativa para todos que quiserem usar de todas as vantagens que a lei actualmente em vigor assegura.
É êste o projecto de lei que tenho a honra de mandar para a Mesa.
Peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se concede a urgência e dispensa do Regimento para o projecto de lei.
O orador não reviu.
Projecto de lei
A obrigatoriedade da cédula pessoal, imposta pelo decreto n.° 9:591, de 14 de Abril de 1924, a todos os portugueses, inscritos ou não no registo civil, tem encontrado na sua efectivação pratica tais dificuldades, que só torna urgente providenciar de modo a evitarem-se graves perturbações na vida civil, principalmente daqueles que habitam fora dos grandes centros da população do país.
Com êsse intuito temos a honra de submeter à vossa consideração o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Não é obrigatória em caso algum a requisição nem a apresentação da cédula pessoal referente a indivíduo nascido anteriormente a 14 de Abril de 1924, subsistindo, porém, para aqueles que a exibirem, todas as vantagens consignadas na legislação em vigor.
Art. 2.° Fica assim alterado o regulamento aprovado por decreto n.° 9:091, de 14 do Abril de 1924, e revogada a legislação em contrário.
Sala das sessões da Câmara dos Deputados, 6 de Novembro de 1924. — António Dias — Sá Pereira — António Pais — Lopes Cardoso — Alfredo de Sousa — M. B. Ferreira de Mira — A. Portugal Durão — José de Oliveira da Costa Gonçalves— José Mendes Nunes Loureiro — António Pinto Barriga — José Joaquim Gomes de Vilhena— A. de Almeida Ribeiro — Alberto Vidal—Custódio de Paiva — Américo Olavo — Pedro Pita — Juvenal de Araújo — João de Ornelas da Silva — Manuel Ferreira da Rocha — António Vicente Ferreira — Manuel Fragoso — Marques da Costa — Vergílio Saque —Jaime de Sousa — A. Paiva Gomes— Vitorino Guimarães — João José Luís Damas— Albino Pinto da Fonseca — Pina de Morais — Tavares Ferreira — Viriato Gomes da Fonseca — João Marques Loureiro.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses): — Pedi a palavra para fazer algumas observações sôbre o assunto.
O decreto de 4 de Abril dêste ano, publicado durante o Govêrno do Sr. Álvaro de Castro, tinha um pensamento honesto, que é mester acentuar, qual era satisfazer à promessa já há muito feita no artigo 344.° do Código do Registo Civil.
É verdade que se têm levantado graves dificuldades na aplicação do decreto, dificuldades de duas espécies.
As primeiras resultam da própria natureza das disposições do decreto. Às segundas posso chamar de natureza meramente prática, e consistem na má interpretação dada àquele documento.
Dois meios havia para prover de remédio a êste mal. Um seria a promulgação do um determinado prazo, não para que êsse diploma ficasse redigido como estava, mas para que se estudassem as alterações a introduzir-lhe, que a prática já tivesse demonstrado serem necessárias. Outro seria aquele proposto pelo ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro, com o qual estão de acordo todos os lados da Câmara.
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E claro que nestas circunstâncias tenho de submeter-me à deliberação da Câmara, devendo, contudo, dizer que, como Ministro da Justiça, se tivesse de emitir a minha opinião, era pela prorrogação, para que se pudesse devidamente estudar o assunto grave e melindroso para a vida jurídica do indivíduo.
O orador não reviu.
O Sr. Morais Carvalho: — O projecto de lei que o Sr. Almeida Ribeiro enviou para a Mesa, e para o qual a Câmara votou, a urgência e dispensa do Regimento, tem, segundo o próprio Sr. Deputado declarou, a assinatura de vários Srs. Deputados.
O Sr. Almeida Ribeiro, jurisconsulto distinto, que muito estimo, teve ontem a amabilidade de vir a êste lado da Câmara preguntar se queríamos também subscrever o projecto de lei que S. Exa. acaba de apresentar.
Eu agradeci a atenção de S. Exa., renovando publicamente agora os meus agradecimentos. Mas nós não quisemos assinar êsse projecto de lei, porquanto a êsse respeito e para me servir dos termos empregados pelo Sr. Almeida Ribeiro, somos ainda mais radicais do que S. Exa. que desejaríamos era que a cédula pessoal fôsse abolida pura e simplesmente.
Apoiados.
Tal como foi instituída, representa uma redundância a mais, uma complicação a mais ha vida dos cidadãos, porque, impondo obrigações novas, não dá aos cidadãos um único direito que êles até hoje não tivessem já pela legislação em vigor.
Apoiados.
Exige-se a cédula pessoal para tantos casos da vida de cada um, porém não se dá compensação nenhuma aos cidadãos que têm de sofrer incómodos e dispensas para obter essa cédula, que lhes não traz vantagem alguma no sentido que referi para que serve a cédula pessoal?
Não se pode abrir um sinal no tabelião, segundo a legislação vigente, sem a apresentação da cédula pessoal e a apresentação de duas testemunhas abonató-rias.
Se a apresentação da cédula dispensasse a apresentação das testemunhas, estaria bem, mas tal não sucede.
Nestas condições, não se compreende para que é que a cédula pessoal, nos termos em que foi instituída, se mantenha ainda para aqueles que nasceram posteriormente a 14 de Abril dêste ano.
Parece-me que as considerações produzidas pelo ilustre Deputado, autor do projecto de lei, levam à conclusão de que a cédula pessoal devia ser obrigatória, desde que foi instituído o Registo Civil em Portugal.
O ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro não o entendeu assim, naturalmente para não tornar o Registo Civil antipático.
Feitos êstes reparos, feita a declaração por que não assinamos a proposta de abolição da cédula pessoal com carácter obrigatório para todos os indivíduos nascidos anteriormente à publicação dêste decreto, nós não desejamos opor quaisquer dificuldades de maior à aprovação dessa proposta, que, não nos satisfazendo, ainda tem ao menos o merecimento de representar entre dois males o menor.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Juvenal de Araújo: — Sr. Presidente: ao tomar a palavra sôbre o projecto que enviou para a Mesa o Sr. Almeida Ribeiro e para o qual S; Exa. pedia a urgência e dispensa do Regimento, devo dizer que fui um dos parlamentares que deram o apoio à doutrina nele contida. No emtanto, ao votá-lo, não o posso fazer sem algumas considerações.
O decreto que estabeleceu a cédula pessoal obrigatória e aprovou o respectivo regulamento determinou que os mais elementares direitos ou devores dos cidadãos eram condicionados pela apresentação dêsse documento. E assim não se podia intervir em qualquer contrato celebrado perante escrivão, não se podia requerer um simples despacho de importação ou exportação, não se podia tomar posse de qualquer cargo público, nem tomar parte em qualquer concurso sem a apresentação da cédula pessoal.
Em face destas disposições tam rígidas e expressas, houve muitos cidadãos portugueses que acorreram às respectivas repartições a obter a sua cédula para estar ao abrigo da lei e para que amanhã, não surpreendidos pela extinção do prazo
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e sua não prorrogação, pudessem estar -munidos dos documentos que a lei considerava essenciais e indispensáveis para o exercício dos seus direitos. E foi assim que se fizeram despesas e sacrifícios que não foram pequenos e que nós devemos tanto mais considerar quanto é certo que foram feitos pelos menos ricos e poderosos, que são os que mais só arreceiam sempre de, dum momento para o outro, serem encontrados fora da lei.
E agora que o Parlamento, por um mais aturado estudo da questão, pretende emendar a mão do Govêrno que publicou o decreto de 14 de Abril de 1924, tenho o direito de preguntar: Quem vai indemnizar êsses cidadãos? Não perigará, com isso o prestígio do próprio Estado?
Isto vem provar a leviandade com que muitas vezes se decreta em Portugal, obrigando a executar medidas vexatórias que no dia seguinte têm de ser postas de parte.
O Govêrno actual não tem culpa do decreto, mas podia reflectir nos decretos que não são justos nem constitucionais.
Chamo a atenção para êstes factos, que não são honrosos, e que é preciso evitar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovada a urgência e dispensa do Regimento.
Leu-se o artigo 1.° e foi aprovado.
Leu-se o artigo 2.° e, foi aprovado.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Requeiro a dispensa da leitura da última redacção. Foi aprovado.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Sr. Presidente: por uma disposição legal, a Administração Geral dos Correios e Telégrafos tem que entregar na província de Cabo Verde 50 por cento do rendimento das taxas dos telegramas que passem por S. Vicente.
Depois de muito trabalho recebeu-se o rendimento de 1922, mas até hoje não foi possível receber o rendimento do 1923. A culpa da falta do cumprimento legal não é do Sr. Ministro das Colónias, que tem insistido com a Administração dos Correios e Telégrafos, nada tendo conseguido.
O Sr. Nuno Simões preguntou onde é que se ia buscar o rendimento para pagar os novos vencimentos aos funcionários dos correios.
E ao rendimento que devia ir para Cabo Verde que se vai buscar o quantitativo para fazer face a êsse bodo.
É preciso cumprir a lei.
A outro ponto me quero referir: é a venda, ou antes a troca de um vapor dos Transportes Marítimos, quando era preciso mandar para Cabo Verde um vapor de alto bordo.
Além disso eu sei que o vapor índia não tem condições de navigabilidade o que não pode ser convertido em condições de navegar. O que sucedeu foi não só ficar prejudicada a província de Cabo Verde, mas até o próprio Estado, pois o aproveitamento dêsse navio é um bluff! Se o Sr. Ministro do Comércio queria olhar pelos interêsses do Estado, só tinha que fazer uma cousa: era pôr em praça êsse navio sem condições, como a lei lhe facultava.
Pregunto ainda: em que condições vai S. Exa. adquirir um rebocador de alto mar para a Guiné?
Espero a resposta a estas preguntas para continuar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Pires Monteiro): — Sr. Presidente: agradeço as considerações que o ilustre Deputado acaba de fazer, pois que permitem que eu dê à Câmara explicações muito claras e sinceras.
Referiu-se S. Exa., em primeiro lugar, ao pagamento das taxas de Cabo Verde. Êste assunto tem sido tratado pelo Govêrno, e ainda há duas semanas recebi do Sr. Ministro das Colónias um ofício chamando a minha atenção para êsse facto, e eu tomei aquelas providências que me impõe o dever dos serviços a meu cargo.
Pelo que respeita aos correios e telégrafos já ontem um ilustre Deputado aludiu à possibilidade de só aumentarem as taxas em conseqüência do decreto que melhorou os vencimentos dos respectivos funcionários.
Sôbre êste assunto estou disposto a trazer todos os documentos, mas posso desde já dizer que o respectivo decreto foi ela-
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borado de forma a não acarretar encargos.
Com respeito à venda do vapor Índia devo referir que após a minha entrada no Ministério ràpidamente foi entregue a Cabo Verde o vapor Minho. A lei, no seu artigo 9.°, afirma que o Govêrno pode comprar um rebocador de alto mar para Cabo Verde, e, ouvidas as estações competentes, disseram que bastava a venda do vapor índia para readquirir um rebocador de alto mar.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — A proposta que se apresentou era de um estrangeiro?
O Orador: — Não aceitei proposta alguma, porque não tinha aberto concurso.
Eu não poderia nunca assumir semelhante responsabilidade, aceitando essa proposta, e assim fiz o que devia, isto é, enviei essa proposta para a comissão liquidatária.
Foi isto o que eu fiz, pois a verdade é que o Ministro não tinha que tomar conhecimento de semelhante proposta.
O Govêrno, Sr. Presidente, não fez mais do que cumprir a lei, como era o seu dever.
Pode V. Exa. ter a certeza absoluta que foram cumpridos os artigos 8.°, 9.° e 10.° da lei n.° 1:577, que fixa rigorosamente, como a Câmara muito bem sabe, as condições em que se deviam realizar as praças.
O Govêrno não podia fazer mais, repito, do que fez.
Relativamente à compra de um rebocador de alto mar para a provinda de Cabo Verde, acho muito justas as aspirações do ilustre Deputado o Sr. Carlos de Vasconcelos, pois na verdade Cabo Verde possui um dos melhores portos do mundo; mas a aquisição dêsse rebocador de alto mar tanto pode ser feita desde já, como daqui a três ou cinco anos, visto que a lei não diz que êle deva ser adquirido imediatamente.
Acho muito justos os desejos do Sr. Carlos de Vasconcelos, porém o Govêrno não tem culpa absolutamente nenhuma de que o Parlamento não tivesse introduzido na lei uma disposição pela qual fôsse obrigado a adquirir êsse rebocador de alto mar imediatamente.
Creio, Sr. Presidente, ter demonstrado cabalmente à Câmara que o Govêrno cumpriu inteiramente a lei, não se tendo afastado, absolutamente nada, do rigoroso cumprimento da lei n.° 1:077.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos de Vasconcelos (para explicações): — Ouvi as explicações, e agradeço-as, do Sr. Ministro do Comércio.
Sôbre a questão das taxas telegráficas, sei que S. Exa. tem poderes para impor aos seus subordinados o cumprimento da lei. Se dentro em poucos dias ela não fôr cumprida, eu voltarei à questão, na certeza do que a Câmara toda me acompanhará, exigindo o cumprimento da lei.
Quanto ao vapor índia devo dizer o seguinte:
Dizem os jornais e eu tenho dados para acreditar que é verdade, que foram apresentadas duas propostas, uma de 3:000 libras e outra de 3:300 libras.
Uma das propostas dizia que a índia seria aproveitado para a navegação.
Foi então escolhida a proposta das 3:000 libras, para base da praça, declarando-se em todos os jornais que não se permitia a praça aos navios que fossem destinados a serem desmanchados. Nessas condições a praça foi restrita, rendendo apenas 6:000 libras
Diz o Sr. Ministro do Comércio que só daqui a cinco anos é que poderá ser entregue à província do Cabo Verde o rebocador de alto mar, porque só então o arrematante do vapor índia entrará com a respectiva importância.
Se entrar, digo eu, pois tenho razões para duvidar.
Tenho a certeza que, amanhã, o arrematante do vapor índia irá, ao abrigo daquela disposição a que se referiu o Sr. Ministro de Comércio, pedir ao Govêrno licença paro desmanchar o aludido vapor.
Por meio do um sofisma será o Estado prejudicado em algumas centenas de contos.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Pires Monteiro): — V. Exa. labora num êrro.
Sem quebra do muito respeito que tenho por V. Exa., dir-lhe hei que V. Exa. não conhece a lei.
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Os indivíduos que apresentaram a proposta de 3:300 libras podiam ter coberto os lances. Uma vez que ficassem com o vapor, poderiam pedir para desmanchá-lo, ao abrigo de uma portaria que o Sr. Nuno Simões, quando. Ministro do Comércio, fez publicar.
O Orador: — O Sr. Ministro do Comércio não tez mais do que confirmar o que ou disse.
Valendo-se de uma disposição da lei, amanha, o arrematante do vapor índia, que declarara arrematá-lo para o pôr a navegar, solicitará licença para desmanchá-lo.
O vapor índia não vale só 6:000 libras. Se fôsse pôsto em praça com todas as facilidades de poder ser desmanchado em portos nacionais, valeria 9:000 a 10:000 libras.
Se V. Exa. não sabe isto, pode informar-se.
Devo declarar que o único corrente que conheço é aquele que apresentei ao Sr. Ministro do Comércio, e a quem S. Exa. disse que se entendesse comigo, em seguida ao que eu o devolvi a S. Exa.
Não se pode sofismar uma lei aqui votada, para que a província de Cabo Verde esteja cinco anos à espera que se faça a liquidação do adjudicamento do vapor índia, para só então ela receber o rebocador de alto mar.
Eu voltarei ao assunto.
Tenho dito.
Ô orador não reviu.
O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: chamo a especial atenção do Sr. Ministro do Comércio para o que vou dizer.
Quero referir-me ao conflito pendente acerca do provimento de um logar de professor e da nomeação de um director para a Escola Comercial de Ferreira Borges.
Eu devo começar por dizer que não conheço, nem tenho quaisquer afinidades ou interêsses com qualquer pessoa que faça ou tenha feito parte do corpo docente da referida escola.
Apenas porque se trata de um abuso do Poder, com manifesto deprêzo pela lei e de se satisfazer interêsses pessoais ou políticos, é dever meu chamar a atenção da Câmara para êste conflito, certo de que o Sr. Ministro do Comércio, ouvindo-me, há-de reconhecer o seu êrro, e, reconhecendo-o, vivendo nós em regime parlamentar, há-de emendar a mão, porque nunca ficou mal a ninguém fazê-lo quando reconhece que não cumpriu o seu dever de respeito rigoroso pelas leis.
Por um decreto com fôrça de lei de 1919, não havia professores, contratados nas escolas comerciais. Entendeu, porém, o Sr. Nuno Simões, nosso ilustre colega, quando Ministro do Comércio, que devia, por uma simples portaria, renovar êste decreto com fôrça da lei de 1919, e então consentiu que fossem admitidos, como contratados, professores nas escolas comerciais, como já o eram pelo diploma a que acabo de me referir nas escolas industriais.
Não sei por que razões houve necessidade de preencher uma vaga da cadeira de inglês na Escola Comercial de Ferreira Borges. Era Ministro do Comércio ao tempo o Sr. Helder Ribeiro, que assumira essas funções interinamente, dado o voluntário abandono dessa pasta pelo Sr. Nuno Simões, que até então só conservara à frente dêsse Ministério. A S. Exa. fora apresentada uma exposição documentada, com todo o interêsse pessoal e político, para que essa vaga fôsse provida em determinada pessoa absolutamente estranha ao corpo docente dessa Escola, pessoa que podendo ser — não o contesto - uma autêntica capacidade, no emtanto outras provas não tem dado até hoje além do 5.° ano dos liceus.
Não tenho o propósito de ferir ou apoucar ninguém, nem estou aqui para defender interêsses feridos, seja de quem fôr.
Na escola em questão havia três professores do seu quadro habilitados a reger a cadeira de inglês, e um deles havia ministrado já o ensino de inglês numa escola do estrangeiro.
Pois o Sr. Helder Ribeiro entendeu que nenhum dêsses três professores pertencentes à escola era pessoa competente para ocupar a cadeira de inglês e, contra lei expressa, houve por bem contratar um professor. Porém as observações que lho fizeram, perante os textos legais, foram do tal ordem que S. Exa., reconhecendo o sou êrro, resolveu não dar seguimento à sua resolução.
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Veio depois o Sr. Pires Monteiro, que, entendendo que os solos do Estado servem para agradar ou desagradar a amigos ou adversários, se ofereceu para nomear o indivíduo em questão para o lugar de professor de inglês da Escola Ferreira Borges.
Quere dizer: o Sr. Helder Ribeiro, meu amigo e antigo colega de Ministério, teve pelo cargo que desempenhou uma noção mais alta e clara dêsse lugar do que tem do seu o Sr. Pires Monteiro, que parece aproveitá-lo apenas para tomar parte em quantas festas só realizam por êsse país fora.
Dá-se a circunstância de êsse professor ter de tomar posse do seu cargo, e assistimos então ao espectáculo de o director dessa escola, bem como o seu corpo docente, se negarem obstinadamente a realizar êsse acto.
O director acaba por pedir a sua demissão, dos restantes professores ninguém aceita o cargo de director, e então o Sr. Pires Monteiro, com a mesma facilidade com que fizera a primeira nomeação, nomeia director da escola um indivíduo que lhe era estranho; ainda mais, um indivíduo que nem sequer exercia o professorado em qualquer parte.
Escusado é dizer que de todos êstes atropelos à lei resultaram conflitos que eu me abstenho de citar, mas que são profundamente atentatórios da disciplina escolar.
Sr. Presidente: vamos todos por um caminho errado. E preciso que tenhamos sempre diante dos olhos o dever de respeitar à lei e de moralizar a acção do Estado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Pires Monteiro): — Sr. Presidente: referiu-se o ilustre Deputado Sr. Jorge Nunes a um caso para o qual já havia sido chamada a minha atenção pela minoria monárquica.
Trata-se, no dizer do Sr. Jorge Nunes, do incidente da Escola Comercial Ferreira Borges, incidente pelo qual, aliás, não dei.
O Sr. Jorge Nunes está mal informado e alterou a ordem cronológica dos acontecimentos, dando-lhes um aspecto que êles não têm.
Ao abrigo duma disposição legal foi nomeado para professor dessa escola determinada pessoa, cujos documentos me dão a convicção que se trata de alguém absolutamente competente para é cargo para que foi nomeado.
O Sr. Jorge Nunes: — V. Exa. dá-me licença, para não estar, a pedir novamente a palavra?
O Orador: — Sim, senhor.
O Sr. Jorge Nunes: — Em primeiro lugar, se V. Exa. invoca uma disposição legal, há-de reconhecer que a nomeação por contrato derivou de um decreto que não é nada legal.
V. Exa. devia fazer a nomeação por proposta dá Escola, e nem consultou o director da mesma.
O Orador: - A nomeação foi feita nos termos da lei. O contrato foi mandado fazer pelo director da Escola, e aqui é que começa a questão com S. Exa. Êle não se recusou a fazer o contrato, mas pediu a demissão, tendo eu o desprazer de lha dar.
Também não nomeei qualquer professor da Escola para director, nem convidei ninguém para êsse lugar. Nomeei uma pessoa que ao abrigo da lei podia nomear, porque se a lei que reorganizou o ensino das escolas comerciais diz que só pode ser nomeado director da escola qualquer professor do seu corpo docente, há todavia a lei geral, que é a lei fundamental das escolas, que diz que os directores das escolas devem ser da escolha do Govêrno.
De resto, não há conflito algum, visto que o conselho escolar da Escola Ferreira Borges j A tem reunido sob a presidência do novo director, a Escola está a funcionar e a sua freqüência não tem deminuído, antes pelo contrário teria aumentado se a capacidade da Escola o permitisse.
Estou absolutamente a bem com a minha consciência!
É certo que um grupo de alunos tem feito uma campanha, mas isso não se tem repercutido na disciplina da Escola, e eu quereria que o Sr. Jorge Nunes verificasse isso pelos seus próprios olhos.
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Não me alongo em mais considerações, porque está a dar a hora para se passar à ordem do dia.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jorge Nunes (para explicações): — Sr. Presidente: quem ouvisse agora falar o Sr. Ministro do Comércio poderia acreditar que S. Exa. estava a falar com o coração nas mãos, mas S. Exa. partiu de afirmações que não são nada absolutamente conformes com as Disposições legais,
Disse o Sr. Ministro do Comércio que o director da Escola não se opôs a assinar o contrato do professor contratado, mas pediu de seguida a sua demissão.
Ora o que é que isto significa?
Significa que êste homem pundonoroso, que queria colocar acima do tudo, não só o prestígio da Escola, mas também o seu prestígio, não querendo esgrimir com uma entidade que com certeza no fim o venceria, entendeu que devia abandonar o lugar que ocupava, porque melhor ficaria nessas condições.
Das palavras do Sr. Ministro do Comércio poderia concluir-se que aquele homem era pau para toda a obra, quando êle apenas deu uma lição de luva branca a S. Exa.
Disse mais o Sr. Ministro do Comércio que podia nomear fora do corpo docente da Escola qualquer director, apesar da lei que reorganizou o ensino das escolas comerciais não o consentir, porque há uma lei de carácter geral que o autoriza a nomear quem quiser; mas o que S. Exa. não declarou é que essa lei é anterior o que, portanto, foi revogada pela lei especial que se lho seguiu.
E não quero que fiquem sem reparo algumas palavras que S. Exa. pronunciou, não vá alguém supor que quis apoucar as qualidades da pessoa que é agora director. Não pus em dúvida a sua competência moral ou scientífica, o apenas o que disse e mantenho é que a lei não foi mantida na sua nomeação.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Deu a hora de se passar à ordem do dia, Está em discussão a acta.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como ninguém peça a palavra, considero-a aprovada.
Faz-se a substituição na comissão de redacção, que adiante vai publicada.
O Sr. Presidente: — A Câmara ouviu a declaração do Sr. Ministro da Justiça, de que o Sr. Presidente do Ministério não poderia, por incómodo de saúde, embora passageiro, assistir à discussão da declaração ministerial que estava na ordem do dia. Não sei se a Câmara quererá prosseguir o debate na ausência do Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Pedro Pita (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: não se entenderia nada daquilo que se está a passar se não se soubesse que há um propósito de adiar a discussão.
Para evitar equívocos e, sobretudo, para que se não entenda que há um frete a fazer, emquanto se fazem combinações com Deputados que não pertencem à maioria, e querendo absolutamente varrer a minha testada, não querendo colaborar naquilo que toda a gente sabe que está a fazer-se, desejo que o incidente não passe sem fazer a declaração de que eu, pelo menos, não estou feito nisso.
Sr. Presidente: em todas as cousas se faz especulação, e é conveniente evitá-la sempre que fôr possível. Tem-se procurado à roda de boatos, que se têm estabelecido de pretensas combinações feitas entre o Partido Democrático e o Partido a que tenho a honra de pertencer, dar balões de oxigénio ao Govêrno, na idea de que o meu Partido vai feito nessas combinações. Eu não falo em nome do meu Partido; não tenho função partidária para tal, mas falo por ruim: não estou feito nisso.
Toda a gente sabe que se anda em manobras de entendimentos dentro da própria maioria para se chegar a uma solução.
Se pretendem protelar a discussão, protelem-na, mas fica absolutamente entendido que êsse acôrdo em que se falou e se pretendeu fazer, não passou da fantasia de quem o inventou. E muito mais prático esclarecer a situação, sem necessidade de estar a manter uma cousa que daqui por diante já não sorve, por ninguém acreditar nela, Esta declaração que faço.
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um pouco por impulsividade própria, o toda a gente sabe que eu sou um nadinha impulsivo, é principalmente porque no momento em que o meu ilustre correligionário Sr. Jorge lumes pedia a palavra para explicações, eu ouvi que alguém lhe entregava um recado da parte dum dos nossos colegas nesta Câmara, que tem categoria dentro do Partido Democrático, para que demorasse essas explicações; o eu entendi dever chamar a atenção do meu correligionário, dizendo-lhe que para fretes eu não estava disposto, e que justamente a êsse pedido correspondia o dever de falar o menos possível.
Sr. Presidente: está posta a questão, pelo menos com clareza, e se outro merecimento não teve a minha intervenção no assunto, ela serviu, no emtanto, para esclarecer uma situação que estava propositadamente a fazer-se escura.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lopes Cardoso: — Sr. Presidente: estranho imenso que o Govêrno tivesse trazido a esta Câmara um relatório dos seus trabalhos durante o interregno parlamentar, e que lhe tivesse dado o nome pomposo de declaração ministerial, buscando assim encontrar nos elementos do bloco o apoio que, pelo visto lhe faltava para governar. O Govêrno, tendo apresentado essa declaração ministerial, que um ilustre Deputado oposicionista considerou, e com razão, muito mais extensa do que a primeira com que aqui se apresentou, e que, por sinal, lacónica era, estranho é que da parte dos leaders dos diversos agrupamentos políticos, que apoiam o Govêrno, se não levantasse uma voz para significar o seu apoio à obra governativa durante o interregno parlamentar.
A meu ver, bastava esta significativa atitude doa ilustres leaders dos vários agrupamentos que apoiam o Govêrno para êste reconhecer que os seus dias estavam contados, e que não mais podia presidir aos destinos da Nação. Assim, de facto, V.Exa., Sr. Presidente, tinha anunciado que iria passar-se à ordem do dia, por não haver quem quisesse emprestar meia dúzia de palavras de apoio ao Govêrno. Felizmente as oposições, que em alguma cousa têm o seu dever, pedindo
explicações, deram aso a que os diversos Deputados pudessem inscrever-se e se abrisse um debate especial nesta matéria.
O equívoco que existia agravou-se com o silêncio dos elementos do bloco que apoiam o Govêrno, e com o facto de alegando-se a doença, do Sr. Presidente do Ministério, se vir pedir o adiamento duma questão de que pode resultar a queda ou a conservação do Govêrno. Nós todos estamos convencidos do que essa desconjuntada harmonia entre os elementos do bloco cada vez está mais longe de representar uma perfeita unidade de pensamento.
Falou o meu ilustre correligionário Sr. Pedro Pita em qualquer combinação entre um e outro lado da Guinara para dar vida por mais alguns, dias ao Govêrno. Eu, que em caso algum, sendo do Govêrno, teria provocado nesta hora grave uma questão, política, porque do que precisamos é de quem nos governe, considerando só prejudiciais às discussões de frioleiras políticas; eu que, sendo do Govêrno, não traria aqui a declaração ministerial, e que pertencendo ao bloco, desde que essa declaração aqui veio me levantaria para dar o meu apoio ao Govêrno, neste momento discordo inteiramente do que esta questão seja adiada. É preciso que êste equívoco não continue. E preciso que daqui se saia sabendo-se se o Govêrno fez ou não qualquer cousa de bom para o País, se é ou não necessária a sua conservação, e as únicas pessoas que podem definir esta situação são os leaders que o apoiam.
Por nossa parte não é a nós, que nunca apoiamos êste Govêrno senSo quando entendemos que devíamos colaborar com êle para uma obra nacional; não é a nós, repito, que nos compete resolver o problema. Aceitámo-lo como está pôsto, como oposição sempre correcta e vigilante, mas as circunstâncias exigem que se defina inteiramente a situação. Estão presentes os ilustres leaders dos diversos agrupamentos partidários; estão também quási todos os membros do Govêrno, e se é certo que o Sr. Presidente do Ministério se encontra ausente, está aqui quem fale por êle.
Uma questão política desta ordem foi debatida em Conselho de Ministros, e foi concertada entre os membros do Poder
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Executivo; não pode, pois, ser ignorada por nenhum dos Ministros, e todos devem dar-se por habilitados a responder, como habilitados estarão os leaders do bloco para definir a sua situação perante o Parlamento.
Tudo o que não seja isto é uma ficção; é ainda mais: é uma burla constitucional perfeita! Se o Govêrno quere viver inconstitucionalmente, só o conseguirá depois de todos nós termos definido aqui as nossas atitudes. O Govêrno tem de sair? Haja quem tenha a coragem de apresentar uma moção de confiança ou desconfiança, e todos nós nos pronunciaremos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Ninguém pediu o adiamento da discussão; fui eu que expontâneamente tomei a liberdade de consultar a Câmara a tal respeito.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Lopes Cardoso: — Agradeço a V. Exa. a sua explicação, mas antes que V. Exa. a tivesse feito já nós sabíamos que ela se ia formular.
O Sr. Presidente: — Tenho a dizer a V. Exa. n que, ao declarar que o Sr. Presidente do Ministério está doente, não pedi o adiamento da discussão.
V. Exa. é que tomou a iniciativa de me atribuir a intenção dêsse adiamento.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Lopes Cardoso: — Agradeço as explicações de V. Exa.
Estou convencido de que V. Exa. fez essa declaração expontâneamente, e nada nos disse do adiamento. Mas nós já sabíamos o que ia fazer-se.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. António Maria da Silva: — Sr. Presidente: pelo que vejo, há o desejo de que se seja claro, de que haja a máxima clareza. Mas, como por vezes sucede em circunstâncias idênticas, essa clareza pode conduzir às trevas.
Na penúltima sessão o Sr. Presidente do Ministério, por cortesia para com a Câmara, teve a gentileza, de ler o seu relatório sôbre os trabalhos do Govêrno no interregno parlamentar.
Por causa certamente de se atribuir a êsse relatório o papel de «declaração ministerial», visto ser encimado com essas palavras, é que assim foi considerado. Mas creio que o motivo da convocação não pode ter, pela leitura dêsse documento, o significado parlamentar que se pretende.
O Congresso foi convocado ao abrigo da Constituição, disse eu, como se tem feito em idênticas circunstâncias.
Interroguei a Mesa nessa altura, prestando a minha homenagem, aliás merecida, ao procedimento do Sr. Presidente do Ministério.
Colocou-se a questão política no debate, quando apenas se deveria discutir a lei de meios.
Escusamos de nos iludir uns aos outros; não conseguimos isso. Devemos pôr de parte a questão política e fazer em primeiro lugar um trabalho que mereça respeito ao País. Precisamos prestigiar o Parlamento.
Repilo as acusações feitas, e o contrário só nos pode levar a resultados perniciosos, e já tem dado páginas sangrentas à República.
Já disse numa assemblea política que não receio a luta dos monárquicos, sem que isto represente qualquer falta de deferência pelos seus delegados neste Congresso. O que receio são as lutas entre republicanos.
Mas temos de fazer justiça a todos. Simplesmente o que desejaria era que se não fôsse embora êste Govêrno, pois que nada se lucra com a modificação ministerial.
Apoiados.
Não estou disposto, e sem receio falo, a apoiar qualquer situação que não me pareça conveniente para o País.
Apoiados.
Estou disposto a combater com vivacidade, e todos os que mo conhecem sabem que tenho energia bastante para definir situações.
Não falo em meu nome pessoal. Tenho a responsabilidade dos meus actos. Quem fala em nome dos honrados princípios republicanos necessàriamente tem de se sujeitar ao modo de ser político, e não pessoal.
Apoiados.
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O que digo é o que me parece útil para a República.
Os partidos fizeram-se para qualquer acção útil à Nação. Não se fizeram para infantilidades, nem para clientelas, nem para golpes de preto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: nós fazemos votos ardentes pelo restabelecimento do Sr. Presidente do Ministério.
Vozes: — Muito bem.
O Orador: — Ardentemente desejamos que o seu incómodo seja mais aparente que real.
Cumprido êste dever de cortesia, que traduz a nossa maneira de sentir pessoal, devo declarar que não vamos meter-nos em questões do família, nem manifestar estranheza por se haver originado um debate demorado.
Nós não queremos entrar em questões de política, tanto mais que a causa do adiamento é a doença do Sr. Presidente do Ministério, o que é lamentável. Mas isso não é o bastante para êste aditamento, visto que tem quem o substitua, nomeadamente os Ministros que são visados, tanto mais que o Regimento prevê este facto, e ninguém pode admitir que êsses Ministros não estejam habilitados a responder aos oradores.
É lamentável que a propósito da doença do Sr. Presidente do Ministério se
queira fazer especulação política, evitando que o Govêrno caia na altura que deve cair.
Apesar da melhoria cambial, nós não concordamos com o adiamento da discussão.
Muito mais teria a dizer, mas o meu estado de saúde não mo permite, e por aqui findo as minhas considerações.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Nuno Simões: — Sr. Presidente: lamento a doença do Sr. Presidente do Ministério, e lamento-a sinceramente, fazendo votos para o seu rápido restabelecimento.
Por mais que o Sr. António Maria da Silva diga que estranha os processos usados nesta Câmara, por não seguirem as velhas praxes parlamentares, o que é certo é que S. Exa. empregou a palavra «capoeirismo», que também não está nessas praxes. Não sei se capoeirismo terá o significado de calão brasileiro, de um instrumento cortante, ou ainda o do uma luta de galináceos, e que-S. Exa. sinta a crista a sangrar. Em qualquer dos casos, nada tenho com isso, e o que tenho a dizer ao Sr. António Maria da Silva e que não sou pessoa apostada em deitar o Govêrno em terra, nem está nos meus hábitos entrar em cábulas políticas. Pelo contrário, sempre que se apelou para o meu patriotismo e republicanismo, soube sempre cumprir o meu dever, e no que respeita ao Govêrno não produzi nenhum acto que pudesse criar-lhe dificuldades.
Eram estas explicações que eu tinha a dar quanto aos adiamentos de que se fala; emquanto aos fretes e capoeirismos, esses não interessara ao País.
O que interessa ao País é que se administre bem!
Para isso se conseguir, não é por meras palavras, que não correspondem bem aos interêsses.
Terminando, deve dizer que, como costumo, tomo a responsabilidade de tudo quanto digo, e espero que o Sr. António Maria da Silva declare à Câmara se as palavras que proferiu se entendem comigo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maria da Silva: — Como há pouco disse, todos os Deputados que não são novatos sabem que eu sempre tomei a responsabilidade do que disse, e hei-de fazê-lo sempre que tenha oportunidade para isso.
O Sr. Nuno Simões teve a singular idea de tirar palavras, deslocando-as da situação em que eu as tinha colocado, e por isso não só pode entender comigo a frase «crista sangrenta».
Não tenho crista, e, se a tivesse, não a tinha a sangrar; o que sangra e tem sangrado é o meu coração por tudo quanto se tem passado na existência da República.
Creio conhecer suficientemente os homens do meu ou de diferente arraial, e
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desejaria que quando êste Govêrno só retirasse não fôsse substituído por outro que faça maior mal à República.
Apoiados.
Disse que desejaria que das divisões de republicanos não viesse mal à República, e maior mui do que aquele que possa vir praticado pôr monárquicos; e é um facto que ninguém contesta, que da desunião republicana tem resultado virem para a República, verdadeiros aventureiros políticos.
A referência que fiz aos «capoeiras» políticos não tinha aplicação às palavras do Sr. Nuno Simões. Da desunião de republicanos é que pode vir mal à República; e repito isto para ensinamento de todos, para que não se repitam factos que se têm dado na história do regime.
Todos que me ouvem sabem o que quero dizer, como conhecem os factos que se têm passado.
É-me indiferente que êste Govêrno caía, e pelo facto de um papel ter a designação de declaração ministerial, depois das dificuldades por que temos passado, não acho conveniente um debate político; e pregunto se isso melhora a nossa situação, se melhora a nossa administração e se será conveniente a substituição do Govêrno.
Tenho dito.
G orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: o Sr. Ministro da Justiça teve o cuidado de ser a primeira pessoa nesta Câmara a dizer que se encontrava doente o Sr. Presidente do Ministério, o que todos nós lamentamos, e S. Exa., depois desta declaração, não abandonou o seu lugar de Ministro, como não declarou que estava habilitado a substituir S. Exa. nos termo§ que são habituais nesta Câmara, parecendo que a sua presença significava que estava ali para substituir S. Exa. no debate.
Estranhei portanto o aviso da Presidência, e não compreendo a alusão que foi feita a «capoeiras» políticos.
Sr. Presidente: ou vim com prejuízo da minha saúde marcar a minha atitude nesta Câmara quando se tratava de um acordo relativo aos tabacos, que eu considerava dos piores na matéria.
Tive o cuidado de mandar um telegrama à Presidência da Câmara, dizendo que votaria contra êsse acordo.
Eu queria ver julgar êste Govêrno, que em matéria de tabacos fez um acordo que é pior que o decreto n.° 4:510, de Sidónio Pais, o que me obrigou a mandar para a Mesa uma moção em que dizia o que a Câmara sabe.
Eu dizia isso para fixar aqui a minha posição ante os interêsses nacionais.
Sr. Presidente: não havia no meu Partido, nem no seu Directório, ninguém capaz de abafar a minha voz.
Sr. Presidente: a êste Govêrno muito há que dizer.
Sr. Presidente: com relação à assistência, o Sr. Ministro do Trabalho quis estender a mão à caridade pública, e, para isso, fez festas no Centro Almirante Reis, dando ali espectáculos.
Sr. Presidente: que concepção de assistência e de previdência social têm os homens públicos da República!
Portanto, Sr. Presidente, há a necessidade de tratar do todos êstes assuntos.
Pela pasta das Colónias, por exemplo, há casos também a apreciar.
Que significa essa política das companhias magestáticas?
Elas hoje já não significam nada.
Eu sei o que é a acção dessas companhias, segundo uma frase inglesa.
Não, Sr. Presidente, não posso preocupar-me com as palavras laceis que qualquer queira proferir.
Nós não devemos nada a ninguém, nem à República; e assim, se um dia formos ao Govêrno, iremos lá com aquele direito com que têm lá ido os outros, e isto para não dizer com mais direito.
Assim, Sr. Presidente, eu termino as minhas considerações ficando bem com a minha consciência o deixando ao Govêrno as responsabilidades que êle criou.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses): — Sr. Presidente: devo declarar à Câmara que ouvi com a máxima atenção as considerações feitas pelo Sr. Carlos Pereira; porém, S. Exa., devo declará-lo em abono da verdade, está fora da lógica.
Eu, no cumprimento do um dever de cortesia, vim à Câmara declarar em nome
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do Sr. Presidente do Ministério que êle, por um incómodo de saúde, não podia comparecer hoje nesta casa do Parlamento.
Sr. Presidente: é de prever que o incómodo do Sr. Presidente do Ministério o iniba de vir hoje, apenas, a esta casa do Parlamento, e assim deve o ilustre Deputado Sr. Carlos Pereira compreender muito bem que não devia eu nestas circunstâncias assumir a responsabilidade de declarar que me achava habilitado para o substituir.
Estou absolutamente convencido que o incómodo de saúdo do Sr. Presidente do Ministério é passageiro, não vendo por isso motivos para os reparos apresentados pelo Sr. Carlos Pereira.
Relativamente, ao que S. Exa. disse sôbre o contrato dos tabacos, S. Exa. sabe muito bem que o assunto, conforme foi deliberado pela Câmara, está entregue a uma comissão, o assim mais natural era que S. Exa. esperasse ocasião oportuna para fazer então uma crítica tam larga como anunciou.
Conseqüentemente, eu tenho de concluir, salvo o devido respeito por tam ilustre Deputado, que S. Exa. podia falar com toda a impetuosidade que lhe dão os seus verdes anos, ruas também corri a ponderação que nestas circunstâncias se deve exigir.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. José Domingues dos Santos: — Sr. Presidente: não é por muito correr que se chega mais depressa; não é por muito gritar que melhor nos fazemos ouvir; não é por muito ameaçar que mais nos fazemos temer. Tenho mais medo das pessoas que têm serenidade bastante para ver os homens e os acontecimentos, segui-los de perto e precaverem-se.
Sinto as ameaças cá de dentro, conheço as ameaças lá de fora, mas nem umas nem outras me impedirão de seguir o caminho que entendo dever seguir. Nem umas nem outras me impedirão de dizer nesta Câmara, ou lá fora, aquelas verdades que julgo dever proclamar.
Sr. Presidente: não compreendo bem como, a propósito da doença do Sr. Presidente do Ministério, se fizeram declarações políticas, inteiramente inoportunas, (apoiados) e se fizeram ameaças inteiramente inconcebíveis.
O que há a discutir neste momento?
É se devemos ou não aceitar a proposta do Sr. Presidente, aguardando que o Sr. Presidente do Ministério só restabeleça.
Sr. Presidente: não sou pessoa que disfarce os meus pensamentos, ou gaste palavras inúteis.
Entendo que o Sr. Presidente do Ministério é responsável pela política geral do Gabinete; entendo também que, sendo passageira a doença do S. Exa., como felizmente nos foi anunciado pelo Sr. Ministo da Justiça, a Câmara deve aguardar que S, Exa. aqui possa comparecer, para ouvir as queixas dos que tiverem de que se queixar, para ouvir os reparos daqueles que entenderem devê-los fazer, para ouvir os louvores daqueles que hosanas lhe queiram entoar.
Não entendo a questão política de outra forma, e porque é esta a minha opinião, sem combinação com alguém, julgo poder afirmar que o Partido Republicano Português concorda com a proposta de V. Exa.
Sr. Presidente: o Sr. Pedro Pita aproveitou a oportunidade para lavar a sua responsabilidade em quaisquer acordos ou conluios que porventura se tenham feito na Câmara ou nas ante-câmaras. Não sei se houve conluios ou acordos; mas se os houve, Sr. Presidente, não foram feitos em nome do Partido Republicano Português.
O Partido Republicado Português não faz acordos, não precisa do fazer outros acordos além daqueles que estão feitos, pela formação natural do actual Ministério. Os acordos que tem feito são aqueles que constam de bloco republicano que apoia o Ministério.
Não fizemos outros acordos, nem ninguém está habilitado a fazê-los.
Nestas circunstâncias, entendo que posso declarar em nome do Partido Republicano Português que concordamos com a proposta de V. Exa., aguardando que as melhoras do Sr. Presidente do Ministério se apressem, de forma a que S. Exa. possa vir ao Parlamento assistir à continuação do debate político.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: depois das considerações que fiz, dirigidas ao' Sr. Ministro do Comércio, constou-me que algumas apreciações se fazem a propósito de supostas combinações políticas, tendentes a suspender ou a continuar a discussão sôbre a declaração ministerial.
E como já lhe quiseram dar um vulto de tal natureza, que poderia supor-se que um acordo político tinha sido feito, vejo-me na necessidade do usar da palavra para expor os factos à Câmara com toda a clareza, para evitar falsas interpretações e para que não sejam deturpadas intenções absolutamente alheias a qualquer propósito reservado.
Encontrava-me ou nesta sala, próximo do Sr. Almeida Ribeiro, quando o Sr. Álvaro de Castro, dirigindo-se a S. Exa. e a mim, naturalmente preguntou se achávamos conveniente continuar a discutir a declaração ministerial na ausência do Sr. Presidente do Ministério. O Sr. Almeida Ribeiro apenas se pronunciou com um ligeiro encolher de ombros. Ao passo que eu, sinceramente e sem qualquer objectivo político oculto, declarei que era velha praxe parlamentar ser o chefe dum governo o único responsável pela política geral do gabinete. Eu já tive ocasião de fazer parte de vários governos e nunca mo senti capaz de responder por outra política que não fôsse a do meu Ministério.
Passados momentos, e quando eu já não pensava no caso, o Sr. Jaime de Sonsa, dirigindo-se-me, fazia-me observação semelhante à que me havia sido feita pelo Sr. Álvaro de Castro. Ao Sr. Jaime de Sousa respondi precisamente nos mesmos termos em que tinha respondido ao leader da Acção Republicana, ao que S. Exa. me objectou, e muito bem, que não sabiá como poderia ser interpretado o seu alvitro suspendendo o debate político, pertencendo elo à maioria da Câmara.
Mais uma vez sem propósitos políticos — porque se propósitos políticos há da minha parte são apenas os de ver o actual Govêrno substituído - eu apontei a S. Exa. o caminho que se me afigurava ser o mais conveniente..
Pouco depois era procurado no meu lugar pelo Sr. Ministro da Justiça, para agradecer a parte que eu tomasse na resolução de se adiar o debato político até restabelecimento do chefe do Govêrno.
Depois teceu-se uma intriga política, porque interrogando eu o Sr. Ministro do Comércio, alguém se mo dirigiu pedindo-me para prosseguir o discurso ou para acabar com êle.
Confesso que se me dirigiu um Deputado, que não sei quem foi, pedindo-me para continuar ou para acabar; e muitas vezes, V. Exas. sabem, isso acontece para demorar uma questão e dar tempo a que ela se resolva.
O Sr. Pedro Pita, indignado, disse-me então: «Acabe já».
Não procedi conforme ao pedido, mas...
O Sr. Pedro Pita (interrompendo): — Quando me dirigi a V. Exa. disse: «Não vou feito nisso».
Foi isto o que disse.
O Orador: — Diz o meu amigo e correligionário que se me dirigiu dizendo que não ia feito nisso.
Risos.
Mas eu não podia esquivar-me a um pedido que me fizeram.
Devo concluir por dizer que nestes termos essa tal intriga política cai inteiramente pela base.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa: — Tendo iniciado ontem as minhas considerações neste debate político, desnecessário será dizê-lo, defendi o princípio de que as explicações deviam acabar no mais breve espaço de tempo.
Nenhum intuito podia mover-me, desejando esclarecer o ponto político sôbre só é necessária ou não a presença do Sr. Presidente do Ministério neste debate.
Pretende definir a minha situação em face do Govêrno, para se saber se se deve pedir a saída dos Ministros.
Antes de continuar êste debate, deve apreciar-se êste ponto.
Entende que só deve aguardar a presença do Sr. Presidente do Ministério, o ilustre leader do partido, para a continuação do debate.
A minha situação é esta: esperarei até que mo seja dada a palavra para continuação dêsse mesmo debate.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Álvaro de Castro: — Não tencionava falar, mas visto que o Sr. Jorge Nunes se referiu a mim, vou unicamente confirmar as palavras do Sr. Jorge Nunes, e dizer a V. Exa., Sr. Presidente, que o meu grupo concorda com o Sr. José Domingues dos Santos o que o acompanha na votação.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Visto o Sr. Jorge Nunes se referir a mim, eu direi o mesmo que o Sr. Álvaro de Castro.
Quanto ao modo de proceder, já aqui foi expresso pelo ilustre leader do meu partido, o Sr. José Domingues dos Santos, e assim, sôbre o assunto, nada mais tenho a dizer.
O orador não reviu.
Posto à votação se o debate não devia continuar, assim foi aprovado.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
Feita a contagem, foi confirmada a votação.
De pé 5 Srs. Deputados.
Sentados 94 Srs. Deputados.
Negócio urgente
O Sr. Leonardo Coimbra (na tribuna): — Sr. Presidente: eu não tencionava realmente entrar no debate político, mas as considerações que tenho a fazer não pedem em absoluto a presença do Sr. Presidente do Ministério, e assim eu posso muito bom tratar o assunto que desejo na ausência de S. Exa.
Pela primeira vez na minha vida vou tratar de um assunto que se prende com a minha pessoa, e parece que tenho um demónio cá dentro que me domina, como a, Sócrates, e me diz que não devia falar; mas eu sei o que êle quere, e por isso falarei, mas declarando que lamento ter que tratar de casos pessoais, ocupando-me de mim.
Mas eu não venho tratar exclusivamente da minha pessoa, mas sim tratar da minha Faculdade de Letras do Pôrto; vou tratar de alguma cousa profundamente nacional, mais que nacional, humana. Vou tratar da honra e dignidade dêste Parlamento, desta Pátria, e de muitos homens dêste Parlamento; vou tratar dalguma pousa que é de lástima e dor.
Vai tratar-se dum inquérito, deferido pelo Sr. Ministro da Instrução, a essa Faculdade a propósito de uma calúnia, e vai mostrar-se que àparte as calúnias e os insultos que são fáceis de fazer quando, sobretudo, os homens que os fazem não têm a coragem de se bater no campo da honra, existo no indivíduo que me difamou o baixo sentimento da ingratidão.
A Faculdade de Letras do Porto - deixem-me V. Exas. fazer um pouco do história—r foi fundada há pouco tempo, sendo o projecto que a criou da iniciativa dessa figura nobre, heróica e simpática que era António Granjo. Foram nomeados os seus primeiros professores pelo Ministro da Instrução Pública de então, Sr. Joaquim de Oliveira, por intermédio do Sr. Sá Carneiro, seu chefe de Gabinete.
Foram feitas gentis instâncias para que eu fôsse assumir a direcção dessa Faculdade, mas eu, sistematicamente, não disse nunca que sim nem que não, até que por fim me decidi, porque, na modéstia do que valho, entendi que podia honestamente dirigir a Faculdade de Letras.
O obstáculo que tinha determinado a minha hesitação, acerca da aceitação do lugar de director dessa Faculdade, foi o natural escrúpulo que eu tive de que porventura se dissesse que a minha acção ministerial, a favor da criação da Faculdade de Letras do Pôrto, havia sido exercida na intenção de destinar para mim o lugar de director.
Tendo exposto esta circunstância ao Sr. Ministro da Instrução Pública do então, S. Exa. nomeou-me e eu entrei para a Faculdade.
Entrou nessa ocasião para professor do mesmo estabelecimento um dos homens da República que mais ou menos tem caluniado todos, que só tem vivido para a calúnia, que não teve pejo em chamar «pulha de bem» a uma das maiores e venerandas figuras do regime, ao Sr. Dr. António José de Almeida.
A entrada dêsse professor fez-se com o meu consentimento, sem que eu tivesse protestado, porque não julgo nem julgarei os homens incapazes de regeneração. Por mais insociável que um homem se tenha mostrado, sempre compreendo que êsse indivíduo, ao ver aproximar-se a morto,
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pode pensar a sério na vida e decidir-se, emfim, a esquecer os seus ódios. Mas êsse homem deve à minha amizade actos que ninguém que tenha um pouco de consciência moral poderá deixar de recordar.
Se alguém fizesse por mim o que eu fiz por êsse homem, e êle me esbofeteasse, eu não teria coragem de me desafrontar.
Um dia, no momento em que êsse homem era castigado e preso em virtude duma questão que se suscitou entre êle e o general Dantas Baracho, fui eu quem conseguiu levar à cadeia a visitá-lo o seu próprio filho, que tinha as relações cortadas com o pai.
Mais ainda: quando numa campanha entre pai e filho os insultos ferviam e se desencadeavam, eu, mais do que ninguém, trabalhei para que acabasse essa vergonha e para que da parte do filho êsses insultos deminuíssem.
Sr. Presidente: será cobardia, mas eu julgo que se tivesse um dia a desgraça de meu filho ficar mal comigo e se houvesse um homem que me congrassasse com êle nas horas difíceis da vida, será cobardia, repito, mas, se êsse homem me esbofeteasse, eu não mo defendia!
Pois o homem que tudo isso me deve deu entrada na minha Faculdade — êle que era um insociável e que não houve nenhum homem público, nenhum nome honrado que êle não insultasse. Pois eu recebi-o, o com êle convivi durante três anos! E que eu não julgo ninguém incapaz de regeneração; eu que sei que nó seu coração, no fundo, alguma cousa de bom há-de ter, eu tive a ilusão, Sr. Presidente, de me supor o Moisés daquela rocha e que um pouco de água pura poderia fazer brotar daquele penhasco.
Êsses três anos de convivência foram três anos de transigências dá minha parte, foram três anos dum esfôrço permanente para retirar da cabeça dêsse homem que eu era seu inimigo, e tanto assim foi que mais de uma vez se me dirigiu, a dizer-me que outros professores lhe diziam que o queriam fazer instrumento contra mim. E êsse homem, que se julga a mais alta mentalidade do Portugal, foi bem o mais banal dos homens!
Exigiu de mim que castigasse um aluno que lhe respondera inconvenientemente,
dizendo-me que não voltaria à Faculdade sem que êsse aluno fôsse castigado e eu respondi que se fazia um processo e que êle seria castigado.
Pouco tempo depois recebia uma carta dêsse homem, dizendo: «ou os senhores expulsam êsses garotos, ou eu faço escândalo no meu jornal».
Poucos dias depois essa campanha apareceu, pois julgara, talvez, que eu ainda fôsse conversar com êle e intentar alguma cousa para que não rebentasse essa campanha de calúnias e ódios.
Mais duas cartas foram dirigidas ao reitor e ao professor Mendes Correia, e nessa carta se apelava para o Conselho, ameaçando-o, dizendo que, se o Conselho não expulsasse o garoto, a própria Faculdade sentiria o que era o pêso de uma campanha.
Pois muito bem: podem falar à vontade, pois que para mim pouco me importo com isso, visto que aguardo com serenidade que justiça seja feita, tanto mais quanto é certo que eu já tive a glória do ver a forma como êsses rapazes se portaram, facto êsse que se deve única e simplesmente à grande amizade que êles me têm.
Encontra-se nesta casa do Parlamento um Deputado, que é o Sr. Pina de Morais, que sabe bem a amizade que êles me têm e que poderá, portanto, confirmar o que acabo de dizer.
Sr. Presidente: as infâmias, as calúnias e as cartas que recebi em minha casa eram tantas que eu vi-me na necessidade de recorrer para o Conselho, tendo tido o cuidado de não tomar qualquer resolução individual, mas sim por intermédio do Conselho, de que aliás faço parte como director da Faculdade.
Foi o que eu fiz; porém, as infâmias e as calúnias foram a tal ponto que chegaram a insultar e a injuriar um filho meu de 10 anos.
É preciso ser-se muito cruel para chegar ao ponto de insultar uma pobre criança de 10 anos, crueldade na verdade, Sr. Presidente, que poderia fàcilmente fazer perder a serenidade àquele que era seu pai.
Corno se fizeram também algumas insinuações à Faculdade do Letras da Universidade do Pôrto, a Faculdade viu-se na necessidade de enviar para o Ministé-
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rio da Instrução um ofício nos seguintes termos.
Leu.
Quero dizer, o que queria não era fugir ao inquérito, mas sim estabelecer que tinha competência quem já tinha dado provas públicas o mostrou desejo que a sindicância se fizesse para esclarecer o assunto.
Eu sei que o Sr. Ministro da Instrução me vem dizer que não havia nada que determinasse e permitisse mandar fazer processo disciplinar.
Com efeito, nós, por ignorância das cousas de jurisprudência, não tínhamos juntado é corpo de delito, que creio assim se chamar êsse documento de base do processo.
Mas o Sr. Ministro podia dizer que se juntasse o corpo de delito, e nós mandaríamos êsse corpo de delito, que ora constituído por todos os jornais em que se fazia a campanha.
Mas não se procedeu assim.
Aparece o inquérito, e êle é feito de modo que um mês antes já se sabia que ele seria feito e quem o fazia.
Um mês antes houve quem ouvisse dizer, indo num comboio, que se ia fazer o inquérito à Faculdade de Letras, o quem era o sindicante.
O Sr. Ministro teve conhecimento de tudo isto.
Foi nomeado o sindicante e começou a sindicância.
Eu estava ausente.
Recebi um ofício para comparecer e a sindicância tomou logo um aspecto de que havia acusados e acusadores.
O Sr. Homem Cristo mobilizou ás cinco pessoas que, excluindo duas, no Pôrto me odiavam.
Essas pessoas nada podiam afirmar contra mim, e deu-se até o caso interessante do virem ter comigo, declarando que nada tinham que dizer contra a minha pessoa, como sucedeu com o alferes Piadinhas, que disso que era chamado, mas que já sabia a razão por que se fazia o inquérito.
Quere dizer: que só porque se era amigo dêsse homem supunha-se — e veremos até onde isto ia — serem todos meus inimigos para mo caluniarem» Pois bem, êsse veio dizer-me que iria depor quanto eu quisesse a êsse respeito.
Nessa sindicância há também uma carta em que se diz que o assinante foi solicitado para depor isto ou aquilo contra mim. E um outro indivíduo foi convidado para uma ceia-pândega para se ver se numa embriaguez o convenciam a ir depor em meu desfavor.
Mas o sentimento de repulsa foi de tal ordem contra êstes factos, que o sindicante viu logo que se tratava duma infâmia urdida contra a honra dum homem. E foi essa a tal inconfidência que parece ter ocasionado uma nulidade suprível para o processo de sindicância.
Não me interessa que o processo seja anulado; o que me interessa é que num jornal do Pôrto se tivesse dito que o processo ia ser anulado.
O Sr. Ministro da Instrução nada tem com isto, mas eu exijo que S. Exa. diga, para honra do nós todos, se é outro o motivo que o leva a anular o processo, para que se não possa dizer (que é isso que- se quere, a fim de tirar o efeito à campanha de carinho que para mim tem vindo de todas as partes do País) que houve um Ministro que descobriu no processo tantas poucas vergonhas contra mim, que teve que o anular.
Sujeito-me a todas as sindicâncias, mas não estou disposto a consentir que do procedimento dos Ministros por falsas declarações que êles fazem se possa concluir que os erros de ofício dos sindicantes de alguma maneira venham a cair contra nós para nos explorar.
Apoiados.
Sr. Presidente: as acusações e campanhas de calúnia contra mim dividem-se em vários capítulos. O das infâmias e insultos pessoais não me interessa. Não tenho que demonstrar a ninguém a minha honestidade pessoal. Sou tão honesto como tantos outros. Tenho dentro da minha alma aspirações de beleza como tantos outros.
Tenho dentro de mim instintos animais que a vontade não refreia. Não sou perfeito; nunca o disse. Mas tenho na minha vida, vida profissional e vida pública, tanto de honestidade como aqueles que maior a têm. Essas acusações desprezo-as inteiramente.
Mas há acusações que tentam envolver segundas pessoas. Tanta ignomínia se quere afirmar, que se disse que um livro
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meu publicado, chamado Adoração, era um conjunto de cartas de namoro a uma senhoril que tinha passado na minha Faculdade, como aluna.
E porque isso envolve insídias graves, a isso quero responder.
Todas as acusações dos homens do Pôrto, que constituem êsse grupo que está mamando à teta do Ministério do Comércio, parece que caíam nesse pormenor.
Estão aqui Deputados que depuseram o ainda outros que conhecem o caso. Pois bem!
Isso não é mais nem menos do que uma lírica escrita por mim há dez, doze e dezoito anos.
Eu não sou D. Juan!
Não tenho nada de conquistador!
Mas estaria no meu direito em tomar quem entendesse para musa dos meus livros subjectivamente amorosos.
A aleivosia é tam infeliz que o recurso consistiu em apelar para um livro que colecciona o que eu já escrevi há dez anos, há catorze anos e até há dezoito anos!
Eis a grande e única acusação contra a minha pessoa, a que quis responder e respondi.
Quanto aos que me acusam pessoalmente, eu só tenho a dizer-lhes que tenho um profundo desprêzo de tudo quanto parto de acusações nesse sentido, dessas pessoas, porque no fundo da minha alma há piedade para todos os homens, e dói muito ver homens de cabelos brancos, porventura já bem perto da morte, sem uma claridade de ternura, sem nenhuma ansiedade de confraternização social.
Essas acusações são ridículas e não me interessam!
As acusações doutra, ordem!
Quais são?
Constituem em dizer que eu sou estúpido o escrevo mal.
Com efeito escrevo mal, porque escrevo pior do que devia escrever. Decerto que sou estúpido; não entendo a décima parte do que queria entender dos mistérios da vida.
Mistérios da vida e homens têm uma larga zona de sombra para mim!
Mas o que me importa agora é mostrar a incapacidade de quem acusa.
Para isso me bastará frisar algumas das acusações feitas.
Algumas acusações eu quero, pois, frisar para mostrar a nulidade intelectual daquele que me faz acusações.
Pegou um dia num dos meus livros o encontrou esta expressão: «Dados imediatos da consciência». Entende então que é burro quem escreveu isto. Êsse homem ignora que foi um grande filósofo que a êsse conceito me autorizou.
Tom êle um livro, e tendo eu de referir-me a êle, como modificar o nome?
De rosto, não faço à Câmara a injúria de supor que tenho dúvidas sôbre a significação destas palavras: «Dados imediatos da consciência».
Nós apreendemos na nossa consciência dados imediatos.
Outra acusação grave-: a de que eu falava nas «criptogâmicas da sombra». Na verdade, em certa altura dum livro eu falava nas «melindrosas criptogâmicas da sombra». Ora, quem escreve isto, que é perfeitamente estúpido, não pode ser professor.
É claro, porém, que as plantas que vivem na humildade, como as avencas, os fetos, são, na realidade, melindrosas criptogâmicas. Eis no que consiste a cultura dum homem que julga ter o prestígio e o privilégio do talento e da honra.
Mas o mais grave é que tudo era acompanhado daquela linguagem que não poupa ninguém. (Apoiados). Não há um homem honrado e distinto da massa anónima que a linguagem viperina dêsse indivíduo não tenha procurado atingir. E porque assim é, e porque ao Sr. Ministro da Instrução faltaram documentos para formular desde logo um processo, permitir-me hei ler à Câmara duas ou três passagens.
Leu.
Meus senhores: isto pode realmente produzir o riso, porque há factos que são para isso. Nem isto mesmo o devia produzir. (Apoiados). Não é para colaborar numa obra, não é para trabalhar, não é para representar o povo, defender os altos interêsses da Nação que êsse homem aqui vem, mas apenas para dizer, como um valente: «Não tenho medo de ninguém!».
Isto não é para rir, e menos ainda o é que êsse homem, que não tem poupado ninguém, tenha escrito êste outro bocado:
Leu.
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Vejam, agora V. Exas. se é lícito que seja professor, se é lícito que esteja a educar a sociedade um homem que assim escreve!
Muitos apoiados.
Mas há alguma cousa mais grave, e neste momento, eu, que daqui a poucas horas terei de falar da figura grandiosa de Nun'Álvares, daquele que na batalha de Atoleiros jogou a vida para conquistar a independência da Pátria, daquele que, depois do ter invocado Deus, ajoelhou a beijar a própria terra de Portugal, num. beijo de amor, para a meter em seu coração, para que êste deixasse de ser carne e se transformasse na própria terra que lhe deu o ser — eu digo quanto me pesa na alma o ter de ler outro bocado, onde a loucura da linguagem vai, tam longe que atinge as proporções dum verdadeiro crime Ode lesa Pátria.
Ouçam, meus senhores:
Leu.
Meus senhores: eu não tenho comentários a acrescentar a isto. É professor de História numa Universidade de Portugal um homem que acaba de escrever «que a Pátria Portuguesa perdeu todo o direito de existir livremente».
Eu pregunto se é decente que esteja calado perante isto.
Não será ocasião de pegar num chicote e escorraçar o vendilhão do templo?
Muitos apoiados.
A campanha tem afirmações graves, como esta:
Leu.
As actas do Conselho Escolar estavam falsificadas. Esta calúnia é de tal ordem que não merece discussão. Como é que um homem como é Sr. Augusto Nobre podia levar o livro das actas para o falsificar?
Outra calúnia:
Leu.
Ainda que fôsse verdadeiro, a culpa não ora da Universidade, mas da secretaria da Faculdade, que se enganara.
A última acusação tremenda é que eu sou um gatuno!
Leu.
Eu, que na minha casa tenho uma modesta mobília, sou acusado de:
Leu.
Êsse homem que não vinha ao Parlamento, à sombra das suas funções parlamentares, continuou a mandar receber os seus ordenados no fim de cada mês.
Falou ainda das viagens ao estrangeiro dos professores da Faculdade. Não só se podiam fazer como deviam, pois assim o manda o regulamento.
Eis, meus senhores, as terríveis acusações.
Os maiores insultos eram bolsados contra a Faculdade.
Um homem que foi meu companheiro de colégio procurou Homem Cristo, pedindo-lhe que acabasse com essa campanha.
Disse que acabaria se o reitor fôsse demitido.
Demitir quem honrava o ensino e a Pátria!
Não podia calar por mais tempo estas palavras, perante o insulto, a calúnia.
Insultou, dizem, que um meu filho. Não quero crer, porque se o soubesse, e não o quero saber, desforçar-me-ia. Mas insultou a Pátria, a Pátria que êle diz ter perdido o direito a ser independente!
Isso não lhe perdôo.
Apoiados.
A êsse homem, que isso fez, quero dizer-lhe que se lembre que é um velho e que a morte o espreita. Tem feito a desgraça do próprio lar e a desgraça de tantos lares.
Lembre-se que contas lhe serão tomadas da sua aleivosia deter caluniado e insultado a sociedade portuguesa.
Quero mandar para a Mesa uma proposta; mas esquecia-me dizer a V. Exas. os números dos jornais que aqui tenho.
Leu.
Vou terminar.
Porventura virão novos impropérios e insultos; não me importa. Uma nova onda, de insultos virá. Não me importa.
Uma nova onda de lama e miséria virá como tantas que se têm levantado ao abrir-se a boca daquele homem. Terminarei dizendo que esta Pátria, que é o Portugal de Nuno Álvares Pereira, tem percorrido todo o mundo. Não há planeta em que os portugueses não pusessem palavras de amor e saudade.
Pátria que desejaria fôsse tam pequenina que a pudesse meter no meu cora-
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cão; ou o meu coração tam grande que a pudesse conter.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas e em, que se lhe rogava o preenchimento das «leituras».
Moção
Considerando que o professor da Faculdade de Letras da Universidade do Pôrto, Francisco Manuel Homem Cristo, se tem afirmado publicamente como elemento do desordem, agredindo e insultando os seus superiores hierárquicos, os seus colegas e alunos;
Considerando que nem os mais altos, representantes da Nação têm sido poupados na sua linguagem escrita insultuosa e imoral;
Considerando que o mesmo professor publicamente tem desacatado e ofendido a bandeira da República e até afirmado que a Pátria não tem direito à independência:
A Câmara convida o Sr. Ministro da Instrução a proceder imediatamente com a prontidão e a energia que o caso requere.— Leonardo Coimbra.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Pires Monteiro): - V. Exa. diz-me quem são os dois professores que não entraram mas foram indicados?
Está correndo o processo para saber a quem cabe o direito.
O orador não reviu.
Foi lida e admitida a proposta apresentada pelo Sr. Leonardo Coimbra.
Seguidamente foi aprovada a urgência e dispensa do Regimento, requerida pelo mesmo Sr. Deputado.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Abranches Ferrão): — Sr. Presidente: para elucidar a Câmara acerca da minha acção no incidente a que se referiu o ilustre Deputado Sr. Leonardo Coimbra, poucas palavras precisarei de dizer.
Depois de estar no meu gabinete como Ministro da Instrução havia algum tempo, apareceu-me o Sr. Homem Cristo, que eu não conhecia, e que mo disse pouco mais ou menos o seguinte:
«Tenho informação que você é um homem capaz de fazer justiça. Contra o meu
nome têm sido feitas acusações, atacando-me sôbre o ponto de vista moral e scientífico.
Foi mandada fazer uma sindicância aos actos praticados na Faculdade de Letras do Pôrto.
Peço a você que faça justiça, mandando continuar o processo, de maneira a averiguar-se completamente a verdade.
O Sr. Leonardo Coimbra (em àparte): — Esse professor foi o que atacou o sindicante nomeado!...
O Orador: — Disse ao Sr. Homem Cristo que eu não conhecia nada do processo nem da campanha que se havia levantado, mas que avocaria a mim o processo, podendo S. Exa. ter a certeza de que faria justiça com toda a imparcialidade, fôsse contra quem fôsse.
Avoquei a mim o processo e o que é que nele vi?
Vi um despacho lançado pelo Sr. João Camoesas, então Ministro da Instrução.
Realmente o sindicante foi nomeado, mas a certa altura mandou dizer para o Ministério da Instrução que não podia continuar o inquérito ou sindicância, porque se levantaram certas dificuldades na Universidade do Pôrto.
Continuando a ler o processo, encontrei depois uma comunicação do Sr. reitor da Universidade do Pôrto.
O que se depreende do processo é que o princípio havia qualquer pedido parte da Faculdade de Letras ao Sr. João Camoesas para que só procedesse a um inquérito geral aos serviços da mesma Faculdade.
O Sr. João Camoesas mandou proceder a essa sindicância, mas por várias razões ela tem-se arrastado, e quando cheguei ao Ministério da Instrução encontrava-se no ponto que já disse à Câmara.
Sr. Presidente: em face dos documentos constantes do processo, eu entendi do meu dever, como Ministro da República, que acima de tudo põe a justiça que deve pôr nos seus actos, mandar continuar a sindicância que tinha sido ordenada por um dos meus antecessores.
Ora a Faculdade de Letras dizia que antes de se ordenar o inquérito devia ser
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instaurado um processo disciplinar ao professor Homem Cristo.
Mas eu pregunto a V. Exas. como é que podia mandar instaurar um processo disciplinar a um homem contra quem não havia acusação no processo...
O Sr. Leonardo Coimbra (interrompendo): — Havia a campanha pública.
O Orador: — Mas eu tenho obrigação de saber o que êsse senhor diz ou escreve?
V. Exas. é que tinham obrigação de dizer as razões por que devia ser levantado o processo disciplinar.
O Sr. Leonardo Coimbra (interrompendo): — Mas a lei de imprensa obriga os jornais a mandarem um exemplar para o Ministério da Instrução.
O Orador: — Perdão! Para o Ministério da Justiça.
Mas, Sr. Presidente, eu lancei um despacho que mandei publicar no Diário do Govêrno.
E da forma por que procedi bem mostrei que não tinha outro desejo que não fôsse o de esclarecer a verdade.
O Sr. Leonardo Coimbra: — Eu não acusei V. Exa.
O Orador: — Eu sei isso; mas eu falo para esclarecer a Câmara acêrca da minha atitude.
Em certa altura eu procurei realmente um homem que dêsse todas as garantias de imparcialidade e que tivesse o intuito de achar a verdade, doesse a quem doesse.
Não foi fácil, como V. Exas. compreendem, encontrar quem se prestasse a fazer essa sindicância por circunstâncias variadas.
Indicaram-me o Sr. Agostinho Fortes, que eu não conhecia, mas disseram-me que êle reunia as qualidades indispensáveis para chegar a uma boa conclusão, e que, pelo seu temperamento, diligenciaria por que se harmonizassem as cousas de maneira a tudo correr o melhor possível, o que, aliás, seria o meu grande desejo.
Dei instruções verbais e escritas ao Sr. Agostinho Fortes, aconselhando-o a que
procedesse com a maior serenidade, e que apurasse bem a verdade para se fazer justiça.
O Sr. Agostinho Fortes partia para o Pôrto. Disse-lhe que quando surgissem dificuldades que viesse a Lisboa para vermos, a melhor forma de as resolver; o inquérito seguiu os seus tramites, e, com grande espanto meu, em certa altura recebi esta comunicação:
Leu.
Eu pregunto à Câmara se eu, como Ministro da Instrução, conío jurisconsulto e professor do direito podia admitir que um sindicante, por maior que fôsse a minha confiança nele, se sobrepusesse ao Ministro, fazendo um julgamento antes de me entregar o resultado da sindicância.
Seria, se tal consentisse, dar a impressão de que eu era parcial e que, propositadamente, tinha mandado uma pessoa à Universidade do Pôrto para proceder daquela forma.
É claro que em face destas circunstâncias o que eu fiz, muito naturalmente, foi entregar o processo tal como está, sem o ler, a um outro sindicante, fazendo-lhe ver a urgência que existe em proceder como deve e apresentar o mais depressa possível o seu relatório, porque eu tenho a, coragem moral necessária para, fazer justiça sem contemplações com pessoa alguma.
Preguntou-me o Sr. Leonardo Coimbra se eu conheço alguma cousa dos depoimentos feitos, e se pode inferir-se desses' depoimentos alguma cousa contra a sua dignidade. Eu respondo que não conheço absolutamente nada. E se me preguntarem se o Sr. Agostinho Fortes procedeu tendenciosamente, eu responderei que acredito que não.
Foi o que se chama uma precipitação do Sr. Agostinho Fortes, mas uma precipitação que não se compreende muito bem num homem que sabe quais são os seus deveres de sindicante. O seu papel era averiguar e fazer com que a verdade se apurasse, fazendo em seguida um relatório, para depois o Ministro resolver da forma como entendesse.
Ora, nestas condições, parece-me que procedi de maneira a honrar o lugar que desempenho.
Muitos apoiados.
Procedi, repito, com inteira justiça, e
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tanto assim que o próprio Sr. Leonardo Coimbra numa conversa que comigo tevê se convenceu de que eu tinha razão.
Quanto às outras considerações feitas pelo ilustre Deputado Sr. Leonardo Coimbra, não me referirei a elas, por isso que entendo que, dizendo elas respeito a uma sindicância que está correndo, o melhor que há a fazer é esperar o resultado dêsse inquérito para proceder depois como fôr de justiça.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Nem o Sr. Leonardo Coimbra, fez a revisão dos seus a àpartes.
O Sr. Homem Cristo: — Sr. Presidente: devo em primeiro lugar dizer a V. Exas. que é a primeira vez que assisto a uma sessão tam vergonhosa, e creio não ter precedentes nos anais parlamentares.
Disso o Sr. Ministro da Instrução que está correndo uma sindicância, è assim não sei que necessidade havia do Sr. Leonardo Coimbra vir para aqui confundir as cousas, como confundiu.
Parece-me que o mais razoável seria esperar pelos resultados dessa sindicância; porém, S. Exa., se assim o não fez, foi porque está convencido absolutamente das faltas graves que tem praticado. Nom de outra forma se pode explicar o facto.
A Câmara assistiu serenamente ao que aqui se acaba de passar, tendo-se chegado ao ponto de se empregarem até palavras insultuosas, sem se chamar o orador à ordem, o que aliás não admira visto tratar-se do Sr. Leonardo Coimbra.
Se o caso se dêsse comigo, seria diferente, não sendo aliás êstes casos para admirar, visto quê vivemos num país de ladrões.
Vozes: — Não pode ser, não pode ser!
O Sr. Presidente: — Não posso permitir que V. Exa. continue nesses termos.
O Orador: — O facto de eu dizer que vivemos num país de ladrões não quero dizer que todos sejam ladrões.
Vozes: — Não pode ser, não pode ser!
O Orador: — O que eu vejo é que a Câmara não quero que eu fale, naturalmente
porque não está disposta a ouvir as verdades.
Com tanta gritaria quási não posso falar; mas o que é certo é que só digo as verdades, e por isso não tenho medo de ninguém.
Os senhores protestam, quando o seu dever era aplaudir-me.
Dizendo o que tenho dito, faço-o porque estou no uso legítimo da minha defesa.
O Sr. Leonardo Coimbra veio para aqui tratar dêste caso, e não são estas questões que fazem com que a República seja considerada.
Àpartes.
O Sr. Leonardo Coimbra fartou-se de faltar à verdade, e só veio trazer aqui o caso desta sindicância para satisfazer o seu ódio pessoal.
Àpartes.
Nesta Câmara quási todos são homens de leis, mas parece que acham bem que viesse para aqui o assunto duma sindicância que está correndo!
Apartes.
V. Exas. todos são contra um homem só, mas eu sinto-me porém à vontade, porque digo as verdades.
Os senhores são na verdade os homens desta situação.
Àpartes.
Vozes: — Sr. Presidente: isto não pode continuar. Fora, fora!
Uma voz: — Sr. Presidente: V. Exa. tem que lhe retirar a palavra.
Grande agitação na sala.
Alguns Srs. Deputados aproximam-se, do orador.
O Orador: — O Sr. Deputado que mo antecedeu no uso da palavra disso tudo quanto quis, sem protestos de ninguém.
Em tudo que tenho dito tenho inteira razão.
O Sr. Leonardo Coimbra veio para aqui referir cousas que constam dos jornais que redijo.
Àpartes.
Quere dizer: êle leu tudo, absolutamente tudo, e está tam ferido que aproveitou os ódios que há nesta Câmara contra mim para poder resolver neste meio uma quês-
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tão que não pode resolver lá fora numa sindicância.
É a prova de que êsse homem mentiu e êle disse que me esbofeteava.
Mas não, porque eu fazia-lhe saltar os miolos...
Uma voz: — Oh! Oh!...
Outra voz: — Então V. Exa. vem armado para aqui?!
O Orador: — Oh! Não. Chegue-se cá o primeiro; chegue-se o que está ahi a falar.
Vozes: — Não pode ser, não pode ser!
Agitação.
O Sr. Presidente: - Chamo a atenção da Câmara.
O Orador: — A culpa é de V. Exa. Se V. Exa. não tivesse permitido a forma de falar do Sr. Leonardo Coimbra, eu também não falava assim!
O Sr. Carlos de Vasconcelos: - Isto não pode ser!
O Sr. Presidente: — Eu nada ouço. V. Exas. não deixam ouvir.
O Sr. Ferreira da Rocha: — A Câmara é de todos, todos podem falar; e só compete à Presidencial intervir quando o julgue necessário.
O Orador: — O sindicante aproveitou a ocasião, porque se há muitos filósofos na Câmara sistematicamente contra mim, há outros que o estão porque não sabem como os factos se passaram.
O sindicante, ia dizendo, aproveitou a ocasião de ter terminado a sindicância, na qual declarava que eu era um homem de honra e um professor competentíssimo, para com dois amigos jornalistas mandar uma notícia para os jornais onde se escondia essa afirmação.
O Sr. Leonardo Coimbra: — Isso é mentira!
Vozes: — Deixe-o lá.
O Orador: — Não é mentira, não.
Mas diz-se que o sindicante afirmara que a sindicância era um amontoado de ignomínias.
Onde estavam elas, porém!?
Estavam naquilo que eu tinha dito, ou naquilo que tinham dito as testemunhas?
É necessário que V. Exas. pesem isso bem; é que nesta sindicância havia muitas testemunhas, umas que foram incomodadas, outras que o sindicante não quis incomodar. Ora já é estranho que o sindicante não interrogasse todas as testemunhas; mas as testemunhas livremente fizeram as afirmações que entenderam.
E se vamos passar diplomas de incapacidade moral a todas as testemunhas, como fez o Sr. Leonardo Coimbra, até a algumas que eram seus íntimos amigos, então acabou-se a justiça; a justiça é uma burla, porque a justiça faz-se por provas desta natureza.
Como disse a V. Exa. há no processo numerosas testemunhas que ainda não foram ouvidas.
Os mais importantes não foram ouvidos.
Outrossim pregunto à Câmara, como é que na Faculdade que abriu no dia 16 de Outubro, nesse dia, às 7 horas da tarde, lá estavam jornalistas, professores, alunos e gente de fora, todos para ouvirem o comício do Sr. Agostinho Fortes! .
Estava ou não tudo preparado; era ou não era um estratagema?
Foi ou não isto provocado por Leonardo Coimbra?
Como é que podia estar tanta gente na Faculdade às 7 horas?
Não era natural que a essa hora lá estivessem jornalistas. Do que é que estavam à espera?
O sindicante cometeu um acto contrário a todos os princípios.
E o que significa isto que se vem fazer hoje à Câmara dos Deputados?
Tudo o que se tem feito tem sido uma monstruosidade.
Depois, para que se pede um processo disciplinar?
Sr. Presidente: diz o Sr. Leonardo Coimbra que não vou à Faculdade há dois anos e que não venho ao Parlamento, mas prova-se que eu nunca lá faltava e que era pontual, até o dia que os professores só incompatibilizaram comigo.
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Não tenho vindo ao Parlamento por não me permitir os meus afazeres e a minha saúde, mas eu logo avisei os meus eleitores, que só cá viria tratar de questões regionais.
Eu sei que a vontade era cortarem-me o lugar, mas para o lazer tinham que passar pelo mesmo desgosto, pelo mesmo enxovalho outras pessoas que era preciso poupar.
A Faculdade há muito que devia estar extinta.
A sindicância não foi por diante, quando era êsse o meu interêsse, e fui eu próprio pedir ao Ministro que fizesse seguir a sindicância.
Quando foi do Govêrno do Sr. Ginestal Machado, eu fui procurar S. Exa. e pedi-lhe que fizesse seguir a sindicância.
O que se apura é que o Sr. Leonardo Coimbra não me quere lá dentro, quere êle ser só o dono, como se a Faculdade fôsse uma cousa dele e não do Estado.
A Faculdade é do Sr» Leonardo Coimbra.
Pois no tempo da monarquia havia mais liberdade nestas cousas, porque, sendo eu capitão de um regimento, e tendo-me o coronel chamado por causa de certo artigo contra êle, publicado num jornal — preguntado só êsse artigo era meu, eu respondi-lhe:
— Não, senhor, não é meu.
— Mas sabe quem o escreveu?
— Não sei e, se o soubesse, não o diria, porque só o poderia saber por uma confidência e, se o divulgasse, praticaria um atentado aos ditames do dever e da honra.
— Pois se ou soubesse quem era o autor do artigo não lhe queria fazer mal, mas apenas dizer-lhe que, se não estava bem, se fôsse embora,
Sabe V. Exa., Sr. Presidente, o que lhe respondi?
Respondi-lhe o seguinte:
— Assim como a 1.ª companhia do 1.° batalhão não é pertença do seu capitão, também o regimento não é propriedade do V. Exa.
E êle calou-se.
O Sr. Leonardo Coimbra disse aqui que eu invectivo por ódio toda a gente, esquecendo-se dos altos serviços que tenho prestado à moralidade desta terra estando presente uma pessoa, o Sr. Brito
Camacho, que não me desmente. Quando S. Exa. era governador do Moçambique eu recebi de lá centenas de cartas pedindo para o atacar.
Chegaram-me a fazer propostas para ir a Moçambique, com passagens pagas, ver o que se passava, para atacar o Sr. Brito Camacho.
Respondi sempre que não, porque o Sr. Brito Camacho pode ter todos os defeitos, mas não é ladrão, e eu estou mesmo convencido de que a guerra de má vontade contra êle movida era proveniente de actos honestos que estava praticando.
Uma voz: — É o activo!
O Orador: — O activo, sim, senhor.
Mas tenho nele mais alguma cousa.
Quando vim do exílio não hesitei em defender os democráticos, porque eram então os partidários da guerra, e disso resultou, como já disse, o terem-me votado moções de saudação nos seus congressos. Quando estavam presos e eram perseguidos por toda a gente — e disto é testemunha o Sr. António Maria da Silva, que esteve preso comigo — não hesitei em defendê-los, porque sôbre êles se estavam praticando todas as violências e arbitrariedades de que eu era testemunha. E amanhã eu hei-de preguntar ao Dr. Leonardo onde estava no dia da «leva da morte», quando a turba assaltava o hospital para me matar e ao Sr. António Maria da Silva.
Hei-de-lhe preguntar onde estava na noite em que livrei o Sr. Dr. Magalhães de Lima, com quem estava de relações cortadas, de ser afogado por um polícia que no seu quarto do hospital entrou para êsse fim.
Nessa ocasião onde estava o Dr. Leonardo?
Êsse homem, forte e robusto, ofereceu porventura o seu peito às balas inimigas?
Ofereceu-se para ir combater pela sua Pátria que corria perigo?
O orador ficou com a palavra reservada.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os àpartes não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
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O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã com a seguinte ordem de trabalhos:
Ordem do dia:
Debate sôbre a declaração ministerial.
Debate sôbre a moção do Sr. Leonardo Coimbra.
Parecer n.° 779, que reintegra no lugar de Director das Obras Públicas do Estado da índia o engenheiro Caetano Marques de Amorim.
Parecer n.° 781, que altera o número de ordem;na respectiva escala do oficiais do quadro da administração de saúde das colónias.
Parecer n.° 816, que considera de utilidade pública e urgente as expropriações para fins de educação física.
Parecer n.° 645-(c), orçamento do Ministério da Instrução Pública.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Substituição
Na comissão de redacção substituir o Sr. Júlio Henrique de Abreu pelo Sr. Vergílio Saque.
Para a Secretaria.
Negócio urgente
Poço a palavra para tratar, em negócio urgente, de cousas do ensino referentes à Faculdade de Letras da Universidade do Porto.— Leonardo Coimbra.
Aprovado.
Requerimento
Requeiro que pelo Ministério do Comércio, com a máxima urgência, me sejam enviadas: 1.° Cópia das propostas apresentadas ao concurso ultimamente realizado para adjudicação das docas e oficinas do porto de Lisboa. 2.° Cópia de todos os relatórios, exposições e mais documentos apresentados no acto do concurso e que se relacionem com êle.
Sala das Sessões, õ de Novembro de 1924.— Jaime de Sousa.
Expeça-se.
O REDACTOR—Sérgio de Castro.