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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 153

EM 10 DE NOVEMBRO DE 1924

Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Vergílio Saque

Sumário.— Aderia a sessão com a presença de 88 Srs. Deputados, é lida a acta e dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. — O Sr. Pires do Vaie ocupa-se de assuntos de instrução que interessam à freguesia de Arcozelo e ao concelho de Gouveia. Responde-lhe o Sr. Ministro da Instrução (Abranches Ferrão).

O Sr. Pires do Vale tem a palavra para explicações.

O Sr. Tavares de Carvalho pregunta se foram tocadas medidas relativamente à facilitarão das transferências de fundos de Angola para a metrópole. Responde-lhe o Sr. Ministro das Colónias (Bulhão Pato).

O Sr. Jorge Nunes trata da distribuição de ver Lias para estradas e manda para a Mesa um projecto de lei, com o requerimento de urgência e dispensa do Regimento, Responde-lhe o Sr. Ministro do Comércio (Pires Monteiro).

É aprovada a acta.

São concedidas licenças.

Fazem-se admissões.

Ordem do dia. — É submetido à votação da Câmara o requerimento do Sr. Jorge Nunes, a fim de que se conceda a urgência e a dispensa do Regimento para o seu projecto de lei.

Sôbre o modo de votar tem a palavra o Sr. José Domingues dos Santos, que combate o pedido de dispensa do Regimento.

O Sr. Jorge Nunes, defendendo o seu ponto de vista, declara contentar-se com a votação da urgência.

O Sr. Carvalho da Silva usa também da palavra sôbre o modo de votar.

É votada a urgência para o projecto.

O Sr. Sá Cardoso, em nome do Grupo da Acção Republicana, manda para, a Mesa e justifica uma moção relativa ao debate, que se travou a propósito do incidente produzido na Faculdade de Letras do Pôrto.

O Sr. Leonardo Coimbra é autorizado a retirar a moção que sôbre o mesmo assunto havia apresentado.

É admitida a moção do Sr. Sá Cardoso e submetida à discussão.

Tem a palavra o Sr. Jorge Nunes, que, falando em nome da minoria nacionalista, manda para a Mesa uma moção sôbre o assunto em debate.

É admitida esta moção e posta em discussão.

O Sr. Morais Carvalho, em nome da minoria monárquica, justifica e manda para a Mesa uma moção relativamente ao caso que se discute.

E admitida e sujeita à discussão.

O Sr. Lino Neto, em nome da minoria católica, também justifica e envia para a Mesa uma moção, que é admitida e posta à discussão.

O Sr. Hermano de Medeiros requere prioridade para a moção do Sr. Jorge Nunes. Rejeitado.

O Sr. Jorge Nunes requere a contraprova que confirma a rejeição.

É aprovada a moção do Sr. Sá Cardoso.

É rejeitada a moção do Sr. Jorge Nunes, mas, em seguida, aprovada em contraprova requerida pelo Sr. Artur Brandão.

É rejeitada a moção, do Sr. Morais Carvalho,o qual requere a contraprova, que confirma a rejeição.

É aprovada a moção do Sr. Lino Neto.

Lê-se e é pôsto à discussão o parecer n.º 779,pelo qual se reintegra no lugar de director das obras públicas do Estado da, índia o ^engenheiro civil Caetano Marques de Amorim. É aprovado sem discussão.

Lê-se, para entrar em discussão, o parecer n.° 781, relativo à promoção a alferes, nas vagas ocorridas no quadro de oficiais de Administração de Saúde das Colónias, de todos os sargentos ajudantes e primeiros sargentos das companhias de saúde coloniais, em determinadas condições.

É aprovado sem discussão.

O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues) justifica e manda para a Mesa uma proposta de lei, para a qual requere a urgência e dispensa do Regimento, relativa ao pagamento de letras.

O Sr. Lopes Cardoso, em nome da minoria nacionalista, declara que esta votará a urgência e dispensa, mas deseja determinados esclarecimentos.

O Sr. Carvalho da Silva expõe as circunstân-

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cias em que a minoria monárquica vota o requerimento do Sr. Ministro das Finanças.

Votado o requerimento, lê-se a proposta de lei que entra em discussão.

Usam da palavra os Srs. Ministro das Colónias (Bulhão Pato), Jorge Nunes, Carlos de Vasconcelos, Nuno Simões, Carneiro Franco e Carvalho da Silva que fica com a palavra reservada.

Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Lino Neto reclama contra a perseguição de que está sendo vitima o pároco da freguesia de Vila Cã, concelho de Pombal, respondendo-lhe o Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues).

O Sr. António Maria da Silva ocupa se de falsas acusações de ordem política que lhe foram feitas.

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.

Abertura da sessão às 15 horas e 20 minutos.

Presentes à chamada 48 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 43 Srs, Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.

Alberto Ferreira Vidal.

Amadeu Leite de Vasconcelos.

Amaro Garcia Loureiro.

António Albino Marques de Azevedo.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Correia.

António Dias.

António Pais da Silva Marques.

António Pinto de Meireles Barriga.

Artur Brandão.

Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

Augusto Pires do Vale.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Carlos Cândido Pereira.

Carlos Eugénio de Vasconcelos.

Constâncio de Oliveira.

Custódio Maldonado de Freitas.

Francisco da Cunha Rêgo Chaves.

Francisco Dinis de Carvalho.

Germano José de Amorim.

Jaime Júlio de Sousa.

João Pina de Morais Júnior.

Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.

Joaquim Dinis da Fonseca.

Joaquim Narciso da Silva Matos.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José Carvalho dos Santos.

José Mendes Nunes Loureiro.

José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.

José Pedro Ferreira.

José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.

Júlio Gonçalves.

Juvenal Henrique de Araújo.

Leonardo José Coimbra.

Lúcio de Campos Martins.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Luís da Costa Amorim.

Manuel Alegre.

Manuel Ferreira da Rocha.

Manuel de Sousa Dias Júnior.

Mariano Martins.

Nuno Simões.

Pedro Góis Pita.

Pedro Januário do Vale.Sá Pereira.

Tomás de Sousa Rosa.

Vergílio Saque.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Entrarem durante a sessão os Srs.:

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Albano Augusto de Portugal Durão..

Alberto de Moura Pinto.

Alberto da Rocha Saraiva.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Abranches Ferrão.

António Ginestal Machado.

António Lino Neto.

António Maria da Silva.

António de Paiva Gomes.

Armando Pereira de Castro Agatão Lança.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Artur de Morais Carvalho.

Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.

Bernardo Ferreira de Matos.

Custódio Martins de Paiva.

Delfim Costa.

Ernesto Carneiro Franco.

Feliz de Morais Barreira.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

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Hermano José de Medeiros.

Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

João José Luís Damas.

João de Ornelas da Silva.

João Pereira Bastos.

João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

Joaquim Brandão.

Joaquim José de Oliveira.

Joaquim Ribeiro de Carvalho.

José Cortês dos Santos.

José Domingues dos Santos.

José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.

Lourenço Correia Gomes.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel de Sousa Coutinho.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Matias Boleto Ferreira de Mira.

Sebastião de Herédia.

Vasco Borges.

Viriato Gomes da Fonseca.

Não compareceram os Srs.:

Abílio Correia da Silva Marçal.

Abílio Marques Mourão.

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Afonso Augusto da Costa.

Aires de Ornelas e Vasconcelos.

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Alberto Lelo Portela.

Alberto Xavier.

Albino Pinto da Fonseca.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Álvaro Xavier de Castro.

Américo da Silva Castro,

António Alberto Tôrres Garcia.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António de Mendonça.

António Resende.

António de Sousa Maia.

António Vicente Ferreira.

Augusto Pereira Nobre.

Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

David Augusto Rodrigues.

Delfim de Araújo Moreira Lopes.

Domingos Leite Pereira.

Eugénio Rodrigues Aresta.

Fausto Cardoso de Figueiredo.

Fernando Augusto Freiria.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Francisco Cruz.

Francisco Manuel Homem Cristo.

Francisco Pinto da Cunha Leal.

Jaime Duarte Silva.

Jaime Pires Cansado.

João Baptista da Silva.

João Cardoso Moniz Bacelar.

João Estêvão Águas.

João José da Conceição Camoesas.

João Luís Ricardo.

João Salema.

João de Sousa Uva.

João Vitorino Mealha.

Joaquim Serafim de Barros.

Jorge de Barros Capinha.

José António de Magalhães.

José Joaquim Gomes de Vilhena.

José Marques Loureiro.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

José de Oliveira da Costa Gonçalves.

José de Oliveira Salvador.

Júlio Henrique de Abreu.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Manoel Duarte.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Manuel de Sousa da Câmara.

Mariano Rocha Felgueiras.

Mário de Magalhães Infante.

Mário Moniz Pamplona Ramos.

Maximino de Matos.

Paulo Cancela de Abreu.

Paulo da Costa Menano.

Paulo Limpo de Lacerda.

Pedro Augusto Pereira de Castro.

Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.

Rodrigo José Rodrigues.

Teófilo Maciel Pais Carneiro.

Tomé José de Barros Queiroz.

Valentim Guerra.

Ventura Malheiro Reimão.

Vergílio da Conceição Costa.

Vitorino Henriques Godinho.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Fez-se a chamada.

Eram 15 horas.

O Sr. Presidente: — Estão presentes 38 Srs. Deputados.

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Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Foi lida a acta.

Dá-se conta do seguinte

Expediente

Carta

Do Sr. Alberto Xavier, declarando que se desliga do Grupo Acção Republicana, tomando na Câmara dos Deputados a posição de independente.

Para a Secretaria.

Ofícios

Do Ministério da Guerra, pedindo para ser inscrita no orçamento do mesmo Ministério a quantia de 70.000$ para um picadeiro e gimnásio coberto no Colégio Militar.

Para a comissão do Orçamento.

Do Ministério das Finanças, enviando 18õ exemplares das notificações à proposta orçamental de 1924-1925.

Para s Secretaria.

Do Sr. João de Sousa Carvalho, pedindo a comparência do Sr. Francisco da Cunha Rêgo Chaves, no dia 8, na Direcção Geral das Alfândegas.

Arquive-se.

De um grupo de combatentes da Flandres e África, pedindo amnistia para todos os combatentes da Grande Guerra.

Para a Secretaria.

Representação

Da Câmara Municipal do Portimão, pedindo que seja esclarecido o § único do artigo 4.° da lei n.° 1:640.

Para a Secretaria.

Telegramas

Dos combatentes da guerra, do Pôrto, pedindo amnistia em comemoração do armistício.

Para a Secretaria.

Da Câmara Municipal do Seixal, pedindo a aprovação da obra governativa do actual Ministério.

Para a Secretaria.

Do Centro Republicano de Águeda, dos pais dos alunos e da Câmara Municipal de Águeda, protestando contra a extinção da Escola Primária Superior daquela vila.

Para a Secretaria.

Do Sindicato Agrícola de Arcos de Valdevez, pedindo para serem atendidas as reclamações da Associação Comercial de Lisboa.

Para a Secretaria.

De Júlio de Sousa e outro de Vila Nova de Paiva, pedindo para ser negada aprovação ao projecto de lei concedendo às filhas solteiras dos professores primários certas regalias.

Para a Secretaria.

Requerimento

Da Sociedade «Mealheiro do Povo», do Pôrto, fazendo considerações sôbre a lei do inquilinato.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de

Antes da ordem do dia

O Sr. Pires do Vale: — Sr. Presidente: pedi a palavra estando presente o Sr. Ministro da Instrução, a fim de chamar a atenção de S. Exa. para dois assuntos, aliás do pouca monta, e por isso peço a S. Exa. que me desculpe ocupar o seu precioso tempo com cousas mínimas de que não costumam curar os pretores.

Desde que a política está infestada duma multidão de homens de génio, de grandes talentos, de formidáveis capacidades, acontece que as pequeninas cousas, as tais chamadas mínimas e insignificantes, são constantemente prejudicadas, e acontece também que a soma dessas cousas mínimas redunda quási sempre num prejuízo nacional muito importante.

É assim que a nossa obra de fomento tem sido descurada e é assim que as reclamações locais, por mais legítimas o fundamentadas que sejam, por mais nacional que seja o seu objectivo, não são atendidas, porque os homens públicos preocupam-se só com grandes cousas,

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com reformas importantíssimas, e, quando se trata duma escola, respondem-nos que estão em causa os interêsses superiores da educação e do ensino. Mas tudo fica neste — perdõe-se-me o termo — charlatanismo, nestas parangonas, deixando-se para trás as reclamações locais, mesmo quando elas são de grande utilidade para o País.

Sr. Presidente: há perto de quatro anos que venho pedindo sucessivamente aos vários Ministros da Instrução que têm passado pelas cadeiras do Poder, pedindo até pessoalmente, de chapéu na mão, que, em nome do Estado, S. Exas. se dignem aceitar uma casa que gratuitamente oferece a Junta de Freguesia de Arcozelo para uma escola, e todavia ainda até hoje não consegui que um só dos Ministros que têm passado pela pasta da Instrução tratasse desta pequenina cousa.

Esta casa foi deixada por um benemérito da instrução, para fins escolares, à junta de freguesia, que a foi utilizando conformo pôde como escola.

As condições da casa, porém, para ser adaptada a escola, eram insuportáveis, mas, como essa casa sofreu uma grande valorização, a junta conseguiu encontrar pretendentes que lhe davam por ela o dinheiro necessário para a construção dum bom edifício escolar.

Nestas condições, por meu intermédio, dirigiu-se ao Estado, a fim de resolver o assunto de maneira prática, entregando o dinheiro proveniente da venda da casa ao Estado, para êste mandar construir um edifício apropriado a escola.

Mas o Estado, que por vezes nem sequer manda reparar os edifícios escolares que lhe pertencem, não se preocupou nunca com esta aquisição gratuita duma boa escola.

A única cousa que consegui até à data foi que um dos Ministros da Instrução, o Sr. João Camoesas, mandasse vistoriar o edifício.

A vistoria fez-se efectivamente, e confirmou as minhas alegações e as alegações da junta.

Pois o actual titular da pasta da Instrução, a quem, logo no começo das suas funções ministeriais eu apresentei, talvez pela vigésima vez, as minhas reclamações, ainda até hoje não deu andamento nenhum à questão e a casa lá continua sem utilidade absolutamente para nada. Lá continua aquela freguesia, que tem uma afluência escolar enorme, a ter a sua escola funcionando em condições péssimas, e o Estado, que se encontra riquíssimo, o que desempenha muito bem as suas funções, está saturado de exercer essas funções e tam saturado que já se enfastia e despreza as oportunidades de continuar a prestar os seus serviços à causa da instrução.

Outro ponto a que desejo referir-me é aquele que diz respeito à extinção da Escola Primária Superior de Gouveia.

As palavras de exórdio com que comecei as ligeiras considerações que acabo de fazer têm agora, se é possível, melhor e mais cabal justificação.

É moda desdenhar do caciquismo e tam ao exagero se levou a moda que o Parlamento foi até o ponto de acabar com as suas sessões destinadas à apreciação de assuntos regionais, para se ocupar apenas de questões magnas, de cousas superiores.

Ao pé destas, o caso de que vou ocupar-me é naturalmente insignificante.

Por isso peço ao Sr. Ministro da Instrução me releve o atrevimento de chamar para êle a sua atenção, atenção que certamente lhe é por completo absorvida pelos vastos planos a cujos magníficos resultados S. Exa. faz referência no relatório há dias lido nesta Câmara pelo Sr. Presidente do Ministério...

O Sr. Nuno Simões (interrompendo): — V. Exa. não se dá com o Sr. Ministro do Comércio?

S. Exa. resolvia ràpidamente o caso transformando a Escola Primária Superior de Gouveia em escola comercial e industrial.

O Orador: — Não posso seguir o caminho sugerido por V. Exa. pela razão de que já foi seguido pelo Sr. Ministro da Instrução que, na sua qualidade de colega, se encontra, decerto, em melhor posição do que eu.

Devo declarar que, ao tratar dêste assunto, me não movem quaisquer intuitos de natureza partidária.

Se; efectivamente, êsse propósito dominasse no meu espírito, eu teria então que dirigir ao Sr. Ministro da Instrução os

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meus aplausos pelo acto praticado por S. Exa.

A extinção da escola primária superior de Gouveia representa, porém, um prejuízo para os interêsses nacionais, em cuja defesa, exclusivamente, me encontra neste momento.

O Sr. Ministro da Instrução com a sua atitude mostra claramente que se deixou influenciar por um critério estreitamente particularista.

Não discuto agora - reservo-me para o fazer quando do caso pormenorizadamente me ocupar na interpelação que vou mandar para a Mesa — se o critério de S. Exa. é bom ou mau.

Limito-me a apontar o facto de se privar um grande centro industrial, como é Gouveia, da única escola que possuía.

S. Exa. procurou por todas as formas provar que era bom filho de Seia.

Acabo de ler nos jornais que se levou á assinatura a criação de uma escola industrial e comercial nesta última vila.

Não tenho senão que aplaudir S. Exa. por êsse facto; mas Gouveia precisa mais da referida escola do que Seia, porque tem mais fábricas.

O Sr. António Dias (interrompendo): — Seia tem tantas fábricas como Gouveia.

O Orador: — Em Seia há mais. V. Exa. não as contou.

Em Gouveia há 12 ou 15.

O Sr. Presidente: — V. Exa. já excedeu o tempo.

Vozes: - Fale, fale.

O Orador: — Eu terei muita ocasião de demonstrar êste ponto; por agora só direi que o Sr. Ministro da Instrução achou ensejo de patentear o seu amor por Seia, como já tinha mostrado por amigos e pessoas de família.

O Sr. Ministro da Instrução Pública (Abranches Ferrão): — Eu desejava que V. Exa. provasse essas insinuações.

Tudo quanto tenho feito tem sido dentro da lei.

O Orador: — Dentro da lei pode fazer-se muita cousa.

Estabelece-se diálogo entre o orador e o Sr. Ministro da Instrução,

O Orador: — Quanto a Gouveia, extinguiu uma escola cujas tradições excediam em valor as de quási todas as escolas primárias superiores do país, haja em vista os prémios que obteve na exposição do Rio de Janeiro, que foram os mais altos e honrosos que se concederam.

Aqui tem S. Exa., com toda a franqueza e sem nenhuma espécie de insinuações, o que eu tinha a dizer sôbre o assunto, terminando como comecei, isto é, dizendo que espero ainda voltar a êle, para o que aguardo uns documentos do que necessito a fim de orientar uma interpelação cuja nota oportunamente enviarei para a Mesa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Instrução Pública (Abranches Ferrão): — Sr. Presidente: são dois os assuntos a que se referiu o ilustre Deputado Sr. Pires do Vale.

Começou S. Exa., antes de se referir a qualquer deles, por fazer um preâmbulo acerca dos homens que têm ocupado as cadeiras do Poder, e que geralmente apresentam grandes planos e grandes reformas, deixando completamente no esquecimento umas pequenas cousas que, todavia, possuem grande importância para as localidades.

Devo dizer que as considerações feitas por S. Exa. a êsse respeito não se entendem comigo, porque não sou partidário de grandes planos e disso tenho dado provas na gerência da pasta que me honro de sobraçar.

Quanto ao que S. Exa. disse relativamente à escola de Arcozelo, não quero dizer que S. Exa. não tenha razão.

No Ministério da Instrução existem várias reclamações de parlamentares e não parlamentares sobre-o Estado em que se encontram diversas escolas, havendo oferecimentos que, na verdade, não têm sido aceitos.

Pode V. Exa. ter a certeza de que já dei as necessárias instruções ao chefe da respectiva repartição, no sentido de serem aceitos êsses oferecimentos, visto o Estado não poder presentemente proceder à construção de novas escolas, como seria para desejar, podendo mesmo afirmar que já alguma cousa se tem feito nesta ordem de ideas,

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Relativamente à escola de Gouveia, devo dizer em abono da verdade que S. Exa., falando sôbre o assunto, revelou uma susceptibilidade doentia.

O Sr. Pires do Vale (interrompendo): — Muito obrigado a V. Exa., mas não necessito de socorros clínicos.

O Orador: — V. Exa., a propósito do caso, referiu-se a interêsses eleitorais, quando tal se não dá.

No tempo do Govêrno Cunha Leal fui eleito Deputado por Seia, não porque ò tivesse solicitado, visto que até o meu empenho era não aceitar a candidatura, mas sim para satisfazer os desejos do Presidente do Ministério, que manifestou e defendeu o parecer do que todos os Ministros fossem eleitos Deputados.

De resto, Sr» Presidente, não compreendo a indignação de S. Exa. contra a extinção da escola de Gouveia, quando é certo que S. Exa. não protestou contra os decretos publicados, não só pelo Sr. António Sérgio, como pelo Sr. Helder Ribeiro, em virtude dos quais foram extintas quási todas as escolas primárias superiores.

Trocam-se Àpartes.

O Orador: — V. Exas. deixem-me explicar bem o assunto. O decreto Helder Ribeiro não suprimia todas as escolas primárias superiores, porque pretendia reorganizá-las.

O Sr. Pires do Vale: — Isso estava no papel e ninguém acreditava que se fizesse, como há muitas pessoas que duvidam de que o decreto de V. Exa. vá por diante.

O Orador: — Isso é uma cousa para se ver. Relativamente às escolas primárias superiores, devo dizer a S. Exa. que encontrei, quando subi ao Poder, uma situação criada. Estavam por um lado extintas (decreto António Sérgio) e por outro lado mantidas em certas bases (decreto Helder Ribeiro).

Encontrei-me assim numa situação embaraçosa o além disso com mais do 500 professores desempregados. Há quem entenda que essas escolas deviam representar a continuação do ensino geral, e há outros que entendem que elas devem constituir o ensino profissional adequado a cada região.

O Sr. Pires do Vale parece que é partidário desta opinião, pelo que lhe acabo de ouvir; S. Exa. disse que se devia continuar a manter a escola primária superior de Gouveia, mas com o ensino comercial e industrial.

A maior freqüência das escolas primárias superiores é a das que estavam nas capitais do distrito, com pequenas excepções. Aí funcionavam as antigas escolas normais primárias, depois transformadas em escolas primárias superiores.

Entendi que devia conservar estas escolas primárias superiores nas capitais de distrito, autorizando-as ao mesmo tempo a fundir-se com as de ensino comercial, industrial, agrícola, marítimo, etc., que aí porventura existissem. Desta maneira, o objectivo que para muita gente devem ter as escolas primárias superiores conseguia-se, se essas escolas, além de darem uma cultura geral, dessem também uma educação profissional.

Pensei em manter as escolas primárias superiores, com carácter profissional o pondo-as onde fôsse necessário, mas sabem V. Exas. o que a comissão encarregada pelo Sr. Helder Ribeiro de fazer as bases para remodelação do ensino primário superior me disse?

Que eu não tinha professores que pudessem estar à testa dessas escolas.

O Sr. Nuno Simões: — Mas então são competentes para agora serem nomeados para as escolas de ensino técnico?

O Orador: — V. Exa. compreende que entre 500 professores há-de haver pelo menos alguns competentes.

O Sr. Nuno Simões: — Desejava saber qual tem sido o critério da selecção. Trocam-se apartes.

O Orador: — V. Exas. deixem-me expor o meu ponto de- vista e depois farão as críticas que entendam dever fazer.

Por esta forma que indico, V. Exas. teriam escolas que, ao mesmo tempo que ministravam o ensino geral, habilitavam para a vida profissional. Mantinham-se as escolas primárias superiores, mas dando-se-lhes uma finalidade própria nas sedes

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de concelho, em lugar de as continuar a manter como pequenos liceus. Isto interessa tanto ao País que há muitos indivíduos que preferem as escolas profissionais às outras.

Relativamente ao caso da criação duma escola em Seia, devo dizer que Seia é proporcionalmente um meio comercial e industrial importante, mesmo mais importante que Gouveia.

Esta vila, na sede da comarca, tem mais fábricas do que Seia, mas, no concelho todo, Seia tem mais indústria do que Gouveia e eu não fiz mais do que cumprir um dever espalhando a instrução.

Só S. Exa. me quis-colocar em situação desprimorosa para com os meus eleitores, isso para mim é-me indiferente.

Façam o que quiserem, porque eu aceito o seu veredictum.

Referiu-se S. Exa. a uma conversa particular, permita me que eu também -a ela mo refira. S. Exa. solicitou-me para eu pedir ao Sr. Ministro do Comércio que criasse uma escola em Gouveia e eu disse que era natural que isso se fizesse, porque o Govêrno estava autorizado a transformar essa escola.

Mas pregunto a S. Exa.: Se, o Govêrno reduziu grande número de liceus centrais e nacionais, porque o ensino liceal deve estar mais concentrado, é natural que se transformem essas escolas em liceus?

Parece-me que respondi cabalmente às considerações do Sr. Pires do Vale.

O orador não reviu.

O Sr. Pires do Vale (para explicações): — O Sr. Ministro da Instrução, num àparte, disse que tinha sempre procedido de harmonia com a lei e que isso não acontece a todos. Destas palavras poderia depreender-se que se estava fazendo uma insinuação.

O Sr. Ministro da Instrução Pública (Abranches Ferrão): — Não me referi a ninguém em especial.

O Orador: — Eu tenho o direito de exigir que S. Exa. explique a frase proferida, porque, se S. Exa. sabe que eu haja praticado qualquer acto menos legal e o não diz, claramente me assiste o direito de julgar a insinuação como feita por uma pessoa desqualificada.

O Sr. Ministro da Instrução Pública (Abranches Ferrão): — Eu disse, deforma geral, que nem todos tem praticado actos legais: não me quis referir especialmente a ninguém.

O Orador: — Disse S. Exa., há pouco, que eu quis indispô-lo com os seus eleitores. Eu não sou capaz disso. Porventura e S. Exa. o meu rival? S. Exa. é que quis fazer aquilo de que me acusa.

O Sr. Ministro da Instrução Pública (Abranches Ferrão) (interrompendo): — O que se fez não foi de um modo especial para Gouveia.

Também ficaram extintas as escolas primárias superiores de Abrantes, das Caldas e de outras terras.

O Orador: — Em conclusão, direi que se, em face do que se fez, alguém poderá ser suspeito do ter querido colocar mal qualquer individualidade, êsse alguém não serei eu, mas sim S. Exa. alvejando a minha pessoa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente: achando-se presente o Sr. Ministro das Colónias, peço a S. Exa. a fineza do conceder uns momentos de atenção para aquilo que vou dizer e sôbre o que desejo ser informado.

Quero referir-me ao importantíssimo problema da transferência de fundos das nossas colónias, especialmente de Angola.

Já várias vezes tenho tratado do assunto nesta Câmara e volto hoje a êle, porque, com certeza, o Sr. Ministro das Colónias já tem feito o seu estudo sôbre um tam sério problema e poderá assim dar os esclarecimentos precisos que muito interessantes serão para todos nós e muito especialmente para quem se encontra na impossibilidade de fazer as transferências de fundos, pois que o Banco Ultramarino se recusa a fazê-las, senão por completo, pelo menos em relação a verbas de maior vulto. Todos compreendem os graves inconvenientes que uma tal situação produs. É, de facto, são grandes êsses inconvenientes.

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É um deles o caso de muitos residentes nas colónias terem a impossibilidade de enviar fundos para pagamento das despesas feitas por pessoas de família que têm aqui na metrópole, umas a educar e outras em tratamento médico.

O Banco Ultramarino não faz as transferências que são necessárias, nem mesmo que se lhe pague 30 por cento de prémio.

Espero que o Sr. Ministro das Colónias me informe dos resultados a que, porventura, tenha chegado pelo estudo a que, repito, por certo, já procedeu, a fim de que eu possa elucidar as pessoas que se me dirigem sôbre o assunto, a solicitarem-me que interrogue S. Exa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Colónias (Bulhão Pato): — Sr. Presidente: em resposta às considerações que o Sr. Tavares de Carvalho acaba- de fazer, tenho a dizer o seguinte:

Sabem S. Exa. e a Câmara que a missão do Ministro das Colónias, nos termos da organização financeira das colónias, é apenas de fiscalização e orientação. Todavia, ao Ministro incumbe o dever de elucidar os Srs. parlamentares de tudo quanto a elas respeita. É por via do Ministro que a Câmara tem de ser informada.

Assim, vou dizer o que se me oferece relativamente ao caso que foi aqui ventilado pelo ilustre Deputado a quem estou respondendo. A questão das transferências está incluída no problema geral da província de Angola. Tem de ser resolvido em conjunto.

Sabe a Câmara, porque foi público, as circunstâncias em que êste Govêrno tomou conta da administração pública, relativamente a Angola.

A província de Angola tinha dívidas por fornecimentos de material e não podia fazer transferências, porque o Banco Ultramarino se negava a fazê-las, visto que não tinha coberturas na metrópole. Emfim, êste Govêrno encontrou-se perante uma situação difícil.

O Sr. ex-Alto Comissário de Angola, Norton de Matos, para fazer face aos encargos existentes — veio isto no relatório feito por S. Exa. — contava com o recurso a um empréstimo com a Companhia dos Diamantes, em condições que foram presentes a esta Câmara, com um empréstimo do Banco Ultramarino, de cêrca de 2:400 contos, ouro, e ainda, porventura, com um suprimento à Caixa Geral de Depósitos.

Foi esta a situação que encontrei ao assumir êste lugar.

Quanto ao empréstimo com a Companhia dos Diamantes, aqui discutido, entendeu o Govêrno transacto, e também o actual, que essa operação não deveria efectivar-se nas condições do contrato provisório. Foi, pois, posta de lado uma tal operação, senão por completo, pelo menos na sua parte essencial.

O Banco Ultramarino recusou-se a fornecer escudos correspondentes a êsses 2:000 e tantos contos, ouro, e parece-me que fez bem, porque o excesso de papel em Angola seria um êrro financeiro que se traduziria num êrro económico.

Também o suprimento que se pretendia da Caixa Geral de Depósitos não teve efectivação, visto que a Caixa, no momento em que foi solicitada, disse que não o podia fazer, porque não tinha, então, disponibilidades.

Em conclusão: todas as esperanças do Sr. Norton da Matos se perderam e, portanto, havia que recorrer a outros meios.

Está-me ouvindo o actual Sr. Alto Comissário de Angola, Rêgo Chaves, que tem tido um trabalho fatigante a que poucos homens podem resistir. Não digo isto por elogio, mas por homenagem à verdade, pois sou testemunha do muito que S. Exa. tem feito.

Todavia, a verdade é que na política, como na guerra, é necessário êxito e êsse êxito ainda não apareceu. Ainda não podemos vencer a situação gravosa por que passa a província de Angola.

O problema a que o Sr. Deputado se referiu não pode resolver-se em separado; há-de ter uma solução em conjunto com os outros problemas que interessam à colónia.

O remédio — vou já prevenindo — não será positivamente um rebuçado, mas uma pílula difícil de engolir. Será o financiamento de Angola por meio de empréstimo com a Companhia dos Diamantes, ou por meio de auxílio da metrópole.

Mas não é o momento para me pronunciar abertamente.

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O Sr. Jaime de Sousa (interrompendo): — Êsse auxílio será à província ou ao Banco Ultramarino?

O Orador: — No de que de mim depender, e emquanto eu fôr Ministro das Colónias, êsse auxílio será feito exclusivamente à província.

A minha orientação será esta.

Neste momento nada mais posso dizer.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Q Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: eu bem quereria poupar o Sr. Ministro do Comércio, mas S. Exa. parece que está apostado em se colocar sempre numa situação merecedora das maiores censuras da parte daqueles que não têm a felicidade de ser do número dos seus amigos pessoais, mais ou menos ligados a S. Exa. por quaisquer laços partidários.

Li nos jornais que o Sr. Ministro do Comércio tem feito uma larga distribuição dos fundos disponíveis para conservação e construção de estradas.

Está claro que S. Exa. não teve ocasião de no verão fazer qualquer visita a vários pontos do país, naturalmente porque não teve ensejo de ser convidado para qualquer festa.

Êsses pontos foram esquecidos completamente.

Foi-me feita uma reclamação, para a qual chamo a atenção muito especial de S. Exa., pedindo-lhe que, ao menos, procure ser, em vez de Ministro duma parte da Câmara, Ministro do País.

Apoiados.

Quero referir-me a um troço de estrada de grande importância, no norte do país que liga Jugueiros a Fafe.

Tanto sob o ponto de vista industrial como comercial é importante.

Já foi feita a S. Exa. uma reclamação neste sentido, mas nada se conseguiu. A distribuição das verbas não me parece o mais conforme com os interêsses locais.

Não me tem chegado o uso da palavra antes da ordem do dia, visto o Sr. Tavares de Carvalho ter, creio, o monopólio de falar nesse tempo. Por isso aproveito o ensejo para mandar para a Mesa um projecto de lei, que merecerá a atenção da Câmara, pois trata de manter o curso complementar de letras no Liceu de Camões.

Não faço a sua defesa, não o justifico, visto que se impõe a todos. Peço para êle a urgência e a dispensa do Regimento.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Pires Monteiro): — Sr. Presidente: visitei as estradas mais importantes, e não posso deixar de dizer que a verba votada de 15:000 contos se destina a grandes estradas. As outras verbas são exíguas.

Há um imposto local, destinado a aumentar os vencimentos dos cantoneiros. São dois mil contos para êsse fim. A principal dificuldade para a construção e reparação de estradas são os cantoneiros. Com os vencimentos que recebem não há ninguém que queira ser cantoneiro.

Para as estradas de Lisboa, Sintra e Cascais tenho destinadas as verbas dentro das possibilidades do orçamento.

O Sr. Maldonado de Freitas (interrompendo): — Ainda hoje vi uma lista de verbas que V. Exa. tem dado para estradas.

Tem, portanto, sido pulverizada a verba.

O desenvolvimento industrial precisa de estradas; para as regiões industriais é que V. Exa. deve ter verba.

O Orador: — O Sr. António Fonseca apresentou aqui uma lei sôbre estradas. A discussão foi iniciada.

Fez-se o empréstimo; mais nada.

O Sr. Agatão Lança: — Desejo lembrar a V. Exa. o facto de nas regiões oficiais mentirem.

V. Exa. mesmo me respondeu, que não tinha verba para estradas.

O Orador: — Não tem razão as considerações que V. Exa. acaba de lazer.

O Sr. Agatão Lança: — Eu fui ao Ministério e disseram-me que não havia verba, e isto foi-me dito pelo administrador geral das estradas. Então V. Exa. não falou verdade.

O Orador: — O que posso dizer a V. Exa. é que o administrador geral das estradas

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não foi menos verdadeiro. O que disse foi a expressão da verdade.

Tenho dito.

O orador não reviu.

É aprovada a acta.

Pedido de licença

Do Sr. Alberto Xavier, pedindo 30 dias de licença.

Concedido. Comunique-se.

Para a comissão de infracções e faltas.

Projecto de lei

Do Sr. Carlos Pereira, regulando a execução da advocacia.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

ORDEM DO DIA

Prossegue o debate sôbre a moção do Sr. Leonardo Coimbra

O Sr. Presidente: — O Sr. Presidente do Ministério, embora esteja melhor, não pode vir ainda hoje à Câmara.

Foi pôsto à votação o requerimento de urgência e dispensa do Regimento f eito pelo Sr. Jorge Nunes para o seu projecto de lei.

O Sr. José Domingues dos Santos (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: o assunto dêste negócio urgente não é para discutir de ânimo leve.

Apoiados.

Quem fez a reforma teve um princípio em vista e não é agora que se pode alterar o que lá está.

Entendo que êste assunto devo ser enviado a uma comissão que o apreciará devidamente.

O orador não reviu.

O Sr. Jorge Munes: — Nada tenho a observar com respeito ao que diz o Sr. José Domingues dos Santos no sentido de não ser votada a dispensa do Regimento.

Devo dizer a V. Exa. que o meu propósito consiste apenas em manter o que existe.

O Govêrno do Partido do Sr. José Domingues dos Santos, dizendo que não fazia ditadura, não fez outra cousa.

Apoiados.

Foi uma ditadura franca, embora não confessada.

A população escolar do curso complementar de letras é obrigada a freqüentar o Liceu de Passos Manuel, a despeito dos inconvenientes que dêsse facto resultarão para muitos estudantes.

Não quero, porém, manter o meu pedido de dispensa do Regimento para que a discussão se possa fazer em melhores condições.

Requeiro só a urgência.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: não conhecemos o projecto de lei do Sr. Jorge Nunes, que êle diz ser assinado por todos os lados da Câmara. Os Deputados dêste lado da Câmara não assinaram o projecto.

Já nos temos referido várias vezes a tal forma da discussão com dispensa do Regimento.

Não concordamos, por isso, com as considerações do Sr. Jorge Nunes, e fazemos votos per que o Sr. José Domingues dos Santos, com cuja doutrina concordamos, possa, como leader democrático, manter esta atitude e faça vingar a nova orientação.

Votamos, pois, contra o requerimento do Sr. Jorge Nunes.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — O Sr. Jorge Nunes pretende modificar o seu requerimento na parte respeitante à dispensa do Regimento, da qual desiste. Os Srs. Deputados, que aprovam têm a bondade de se levantar.

É aprovada a urgência.

O Sr. Presidente: — Estavam inscritos para falar acerca da moção do Sr. Leonardo Coimbra os Srs. José Domingues dos Santos e Pinto Barriga. Tem a palavra o Sr. José Domingues dos Santos.

O Sr. José Domingues dos Santos: — Desisto da palavra.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Pinto Barriga.

Como não está presente tem a palavra o Sr. Sá Cardoso.

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12 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Sá Cardoso: — Sr. Presidente: na sessão passada o Sr. Américo Olavo, em nome do Grupo da Acção Republicana, pôs a questão em termos tais que me parecem ser aqueles que mostram bem como as cousas são.

Falaram já vários Srs. Deputados e vejo que a questão tomou um aspecto diverso.

O Grupo da Acção Republicana não vota a moção do Sr. Leonardo Coimbra.

Se as palavras atribuídas ao professor a quem aludiu o Sr. Leonardo Coimbra são verdadeiras e foram escritas ou proferidas, reclamam qualquer medida enérgica, pois não pode continuar ministrando o ensino num estabelecimento do Estado quem assim se manifesta, falando ou escrevendo.

Mas há ainda outro aspecto da questão. O Parlamento nada tem que ver com o caso, porém, desde que veio à Câmara, era ao próprio Parlamento que competia resolvê-lo, se não estivesse correndo uma sindicância. Eis porque não voto a moção.

O que se deve fazer é aguardar o resultado da sindicância.

Apoiados.

Depois do Ministro lançar o seu despacho, conforme o resultado a que se chegar, então é que a Câmara poderá julgar.

Nestas condições, mando para a Mesa uma moção em nome do Grupo da Acção Republicana, declarando que não vota aquela que já foi lida na Mesa.

A moção é a seguinte:

A Câmara, afirmando a sua consideração pelo Sr. Leonardo Coimbra, resolve aguardar o procedimento do Sr. Ministro da Instrução e passa à ordem do dia.

10 de Novembro de 1924.— Sá Cardoso.

O orador não reviu.

O Sr. Leonardo Coimbra (para um requerimento): — Requeiro a V. Exa. se digne consultar a Câmara sôbre se permite que retire a minha moção.

Foi autorizado.

Foi lida na Mesa e seguidamente admitida a moção apresentada pelo Sr. Sá Cardoso.

O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: tem- sido velha praxe desta Câmara, tratar sempre de assuntos que, naturalmente, se prendem com a disciplina, com o respeito pelas leis, emfim, com tudo que interessa ao país. Mas esta Câmara tem tido sempre um cuidado especial de alhear-se completamente de todas as questões que envolvam um carácter pessoal.

Sr. Presidente: é certo que muitas vezes se levantam na Câmara queixumes, reclamações e protestos contra a acção de qualquer servidor do Estado, mas isso é sempre feito para chamar a atenção de quem de direito, e neste caso é ainda o Poder Executivo quem intervém e resolve.

Assim, o Partido Nacionalista, sem de forma nenhuma querer colocar-se contra ou a favor de quem quer que seja, e ainda porque a questão de que se trata assumira em certa altura um carácter pessoal, tem a honra de mandar para a Mesa uma moção pela qual guiará o seu procedimento.

Sr. Presidente: o Partido a que tenho a honra de pertencer, em todas as emergências, tem afirmado sempre doutrina; e nestas condições precisa de a esclarecer. Se é lícito chamar a atenção do Poder Executivo para quem infringe as leis, e se coloca em situação tal que nada merece da República, não menos certo é também que nos devemos alhear sempre o mais possível de tudo aquilo que possa ter a menor parcela de carácter pessoal, para que não possam acoimar-se de parciais aqueles que devem ser escravos da lei.

Sr. Presidente: ninguém suponha que na moção que vou ler e mandar para a Mesa tenho o intuito de aplaudir ou censurar o procedimento seja de quem fôr. Não.

Não assisti às últimas sessões da Câmara, e por isso encontro-me perfeitamente à vontade, devendo repetir mais uma vez que o Partido Nacionalista não deseja cobrir o Poder Executivo. O Partido Nacionalista reserva o direito de apreciar a atitude de qualquer servidor do Estado, seja qual fôr a sua categoria, e, enviando esta moção para a Mesa, declara que por ela pautará o seu procedimento, não votando as do Partido Democrático e do Sr. Sá Cardoso, por serem diametralmente opostas à sua.

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A moção é a seguinte:

A Câmara dos Deputados, reconhecendo que não deve interferir com o seu voto na questão em debate, sem prejuízo de vir a apreciar, em devido tempo, o proceder do Poder -Executivo, passa à ordem do dia.— O Deputado, Jorge Nunes.

Tenho dito.

O orador não reviu.

É lida a moção e admitida.

O Sr. Morais de Carvalho: — Sr. Presidente: muito poucas palavras; unicamente as bastantes para dizer a V. Exa. e à Câmara quais são os móveis que levam a minoria monárquica a votar no sentido em que o vai fazer.

E muito poucas palavras, porque já na sessão anterior, falando em nome dêste lado da Câmara, tive a honra de dizer o que pensávamos sôbre o assunto em debate.

Entendemos, como o Sr. Jorge Nunes, que ao Parlamente não compete imiscuir-se num assunto que não é da sua competência.

Por isso não podemos votar qualquer moção que nos seus considerandos contenha qualquer palavra que possa prender, ainda que ao de leve, os movimentos do sindicante.

Votaremos a moção do Sr. Jorge Nunes; porém, como disse na sessão anterior, o procedimento do Sr. Ministro da Instrução, nos factos já decorridos, não satisfez êste lado da Câmara.

Entendemos que o Sr. Abranches Ferrão não procedeu com a energia e cuidado que as circunstâncias exigiam.

Votaremos a moção do Sr. Jorge Nunes, embora ela não nos satisfaça em absoluto, porque a achamos incompleta.

Nestas condições, tenho a honra de enviar para a Mesa a seguinte

Moção

Considerando que, se o Poder Legislativo deve ser cioso dos seus direitos e prerrogativas, também lhe impende não invadir a esfera de acção dos outros poderes;

Considerando que no caso que se debate não é manifestamente ao Parlamento que cabe intervir e resolver;

Considerando mais que o Sr. Ministro da Instrução, nos actos agora praticados em relação à sindicância corrente, não procedeu com a energia e a ponderação que as circunstâncias reclamavam, a Câmara continua na ordem do dia. — Morais Carvalho.

É lida e admitida.

Ò Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: sem prejuízo da consideração devida a qualquer dos membros desta Câmara, não posso deixar de declarar, em nome da minoria católica, que acho que não é aqui que tem um lugar próprio esta questão.

Por parte dos oradores interessados notei e vi que foram produzidas acusações gravíssimas.

Essas acusações estão pendentes de uma sindicância, e é perante esta que devem ser julgadas.

E então, por parte dêste lado da Câmara, pediremos severas contas ao Govêrno.

É assim, Sr. Presidente, para marcar uma posição própria, a minoria católica manda para a Mesa a seguinte

Moção

A Câmara, reconhecendo que o conflito levantado tem meios próprios de solução em outros Poderes do Estado, tanto mais que constitui objecto de uma sindicância que está seguindo seus termos pelo Ministério respectivo e cujos resultados oportunamente apreciaremos, passa à ordem do dia. — A. Lino Neto.

É lida e admitida.

O Sr. Sá Cardoso: — Sr. Presidente: pedi a palavra para solicitar de V. 'Ex.a a fineza de consultar a Câmara sôbre se permite que eu altere a minha moção.

Desejava acrescentar-lhe a palavra «deputado», que me escapou ao copiá-la.

Consultada a Câmara, foi autorizado.

O Sr. Presidente: — Como não se encontra mais ninguém inscrito, vai proceder-se à votação das moções apresentadas.

O Sr. Hermano de Medeiros: — Sr. Presidente: requeiro a prioridade para a moção do Sr. Jorge Nunes.

Foi rejeitado.

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14 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Jorge Nunes: — Requeiro a contraprova.

Feita a contraprova, deu o mesmo resultado.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se a moção do Sr. Sá Cardoso.

Lida na Mesa e submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se a moção do Sr. Jorge Nunes.

É lida e rejeitada.

O Sr. Artur Brandão: - Requeiro a contraprova.

Feita a contraprova, é aprovada.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se a moção do Sr. Morais Carvalho.

Foi rejeitada em prova e contraprova, requerida pelo Sr. Morais Carvalho.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se a moção do Sr. Lino Neto. Foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se, para entrar em discussão, o parecer n.° 779. Leu-se.

É o seguinte:

Parecer n.° 779

Senhores Deputados. — Pelo projecto de lei n.° 772-C, vindo do Senado, é reintegrado no lugar de director das obras públicas do Estado da índia o engenheiro civil Caetano Marques de Amorim e revogada a portaria ministerial de 29 de Julho de 1923 que lhe deu por finda a comissão.

Lendo-se o parecer da 2.ª Secção do Senado verifica-se que tanto essa Secção como o Senado aprovaram aquele projecto na suposição que o engenheiro Amorim tinha sido injustamente perseguido quando o Ministro das Colónias determinou que lhe fôsse dada por finda a comissão que estava exercendo na índia, acto que também foi considerado ilegal.

Ora as nomeações e as exonerações são actos administrativos que os Ministros praticam baseados em leis que os autorizam. Logo, se o acto administrativo do Ministro das Colónias, expedindo a portaria ministerial de 29 de Julho de 1923, é ilegal, isto é, se não foram respeitadas as disposições legais que regulam as nomeações e as exonerações dos directores das obras públicas das colónias, só uma cousa há a fazer: anular essa portaria.

Na verdade anula-se o que é ilegal e só se revoga o que não é conveniente manter-se, mas que é legal.

O Senado, propondo-nos a revogação da portaria de 29 de Junho de 1923, reconhece que ela é legal, se bem que no parecer da Secção se diga que não foram observadas as disposições legais aplicáveis.

A vossa comissão de colónias tem uma opinião absolutamente contrária à do Senado.

A portaria que se pretende revogar é rigorosamente legal e nenhuns direitos legítimos foram preteridos pelo Ministro que a subscreveu.

Pelo Regulamento Geral das Direcções e Inspecções de Obras Públicas das Colónias, aprovado pelo decreto de 11 de Novembro de 1911, os engenheiros prestando serviço no Ministério das Colónias e os engenheiros prestando serviço nas colónias fazem parte do um quadro comum à metrópole e às colónias.

Pela mecânica dêsse regulamento, quando um engenheiro ingressa no quadro, obtém uma nomeação definitiva, mas a seguir deve ser colocado, ou no Ministério, ou nas colónias, e então faz-se a respectiva nomeação para uma comissão transitória.

Portanto, os direitos que qualquer engenheiro do quadro permanente das obras públicas das colónias tem à posse do lugar que estiver exercendo em comissão, e é sempre em comissão que exerce qualquer lugar, só existem durante o tempo que a lei fixar como duração da comissão.

A disposição que regula o tempo da comissão de director das obras públicas d» índia é o artigo 127.° e seu § único da Carta Orgânica do Estado da índia (decreto n.° 3:266, de 27 de Julho de 1917), que lhe fixa o tempo de cinco anos.

Q engenheiro Amorim exerceu êsse cargo durante cinco anos. Ao ser exonerado não foram preteridos nenhuns dos seus direitos e o projecto do Senado procura conferir-lhe direitos que não possuía. Conseqüentemente é uma recompensa.

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A vossa comissão não conhece os motivos que levaram o Senado a dar esta recompensa, pelo que lhe é desfavorável.

O projecto do Senado tem um inconveniente. Como torna vitalício, na pessoa do engenheiro Amorim, um lugar de comissão, altera por meios indirectos a Carta Orgânica da índia.

A vossa comissão de colónias não pode aprovar esta maneira de modificar leis ou decretos regulamentares.

Tem ainda outro inconveniente — substitui-se, sem razões importantes, ao Sr. Presidente da República, a quem compete, pelo n.° 4.° do artigo 47.° da Constituição Política da Republica Portuguesa, nomear ou exonerar os funcionários civis ou militares, na conformidade das leis.

Pelas razões expostas, a vossa comissão de colónias é de parecer que deveis rejeitar o projecto de lei n.° 772-C.

Sala das sessões da comissão de colónias, 15 de Julho de 1924.— Abílio Marçal — Paiva Gomes — Ferreira da Rocha — E. Carneiro Franco — Lúcio Martins — Viriato da Fonseca (cora declarações) — F. G. Velhinho Correia — Jaime de Sousa — Delfim Costa — Mariano Martins, relator.

Proposta de lei n.° 772-C

Artigo 1.° E reintegrado no lugar de director das obras públicas do Estado da índia o engenheiro civil Caetano Marques de Amorim, ali colocado pela portaria ministerial de 24 de Julho de 1917.

Art. 2.° Ficam revogadas as disposições em contrário e especialmente a portaria ministerial de 29 de Julho de 1923 que lhe deu por finda a comissão.

Palácio do Congresso da Republica, em l de Julho de 1924.— António Xavier Correia Barreto — João Manuel Pessanha Vaz das Neves.

Projecto de lei n.° 658

Senhores Senadores.— Pelo n.° 2.° do artigo 26.° da Constituição da República, compete ao Congresso velar pela observância das leis.

E, assim, cumpre tomar conhecimento da presente exposição feita pelo engenheiro civil Caetano Marques de Amorim, em que diversas e flagrantes inobservâncias da lei são apontadas.

Serão as suas queixas justas e fundamentadas?

Não me resta dúvida.

Êle documenta largamente a sua exposição, citando a legislação em que baseia as suas afirmativas e que é concludente.

Do exame das disposições legais e dos documentos com que é instruída a exposição conclui-se realmente que, emquanto o engenheiro Marques de Amorim tem sido preterido nos seus direitos como já lhe foi reconhecido pelo tribunal competente (documento n.° 1), outro tem sido indevida e ilegalmente beneficiado, donde resulta uma dupla falta de observância dessas disposições—na preterição de quem tem direito e no favor a quem o não tem.

E o facto é tanto mais de estranhar quanto é certo que o preterido e prejudicado prova que além de ser um verdadeiro republicano (documento n.° 14) é «competente, dedicado ao serviço, muito zeloso nos interêsses da Fazenda, como o reconhece o próprio governador geral nas suas informações.

Se, porém, o Senado reconhecer a justiça da reclamação, que me parece evidente, deve, a meu ver, procurar remediar a anormalidade — o que dentro das suas atribuições só pode fazer-se por meio dum projecto de lei.

E, para a hipótese de assim resolver, o projecto poderia ser o seguinte, que proponho:

Artigo 1.° E reintegrado no lugar de director das obras públicas do Estado da índia o engenheiro civil Caetano Marques de Amorim, ali colocado pela portaria ministerial de 24 de Julho de 1917.

Art. 2.° Ficam revogadas as disposições em contrário e especialmente a portaria ministerial de 29 de Julho de 1923 que lhe deu por finda a comissão.

Sala das Sessões do Senado, 12 de Maio de 1924. — Pedro Chaves, relator.

O Sr. Presidente: — Está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: — Como ninguém pede a palavra, vai votar-se.

Foi aprovado sem discussão.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se para entrar em discussão o parecer n.º 781.

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16 Diário da Câmara dos Deputados

É o seguinte:

Parecer n.° 781

Senhores Deputados. — Em 15 de Dezembro de 1919 realizou-se nas colónias um concurso para o provimento das vacaturas existentes, ou que vierem a ocorrer, no quadro dos subalternos do corpo da Administração de Saúde das Colónias, concurso mandado abrir por ordem do Ministro das Colónias, a qual foi comunicada aos governadores pela circular n.° 371, de 12 de Março de 1919.

A êsse concurso foram indevidamente admitidos dois sargentos ajudantes o foram promovidos a alferes antes dos outros sargentos ajudantes que obtiveram classificação no concurso.

Os prejudicados recorreram da preterição, recurso que foi atendido pelo Conselho Superior de Disciplina e Promoções do Exército Colonial.

O decreto de 9 de Setembro de 1923 (publicado no Diário do Govêrno n.° 272, 2.ª série, de 22 de Novembro de 1923) homologa a consulta dada ao Ministro das Colónias.

No Diário do Governo, porém, fez-se somente a publicação da parte dispositiva, omitindo-se toda a parte expositiva, provavelmente por ser muito extensa. E nesta que se encontram censuras à Direcção Técnica de Saúde, porque, por actos por ela praticados é que houve ocasião de promover indevidamente dois sargentos ajudantes, com injusta preterição de outros.

O original do decreto encontra-se na actual Repartição Técnica de Saúde.

Pelo decreto citado os dois sargentos ajudantes indevidamente promovidos continuam sendo alferes, mas supranumerários ao quadro, até que sejam promovidos todos os sargentos ajudantes que estavam nas condições legais para serem admitidos ao concurso realizado em 15 de Dezembro de 1919.

O relatório que precede o projecto de lei apresentado no Senado e o parecer da 2.ª Secção do Senado são omissos sôbre os factos que ficam apontados, mas diante deles desaparece toda a aparência de justiça com que o projecto de lei se reveste, antes se verifica que êle vai prejudicar, desde que seja convertido em lei, alguns dos alferes do quadro de saúde das colónias, pretendendo anular os efeitos dêste acórdão do Conselho Superior de Disciplina e Promoção do Exército Colonial, homologado por decreto.

Em vista do que fica exposto, a vossa comissão de colónias é de parecer que deveis rejeitar o projecto de lei n.° 764-D.

Sala das sessões da comissão de colónias, 16 de Julho de 1924.— Lúcio Martins — Paiva Gomes — Prazeres da Costa — F. G. Velhinho Correia — Viriato da Fonseca (com restrições)—Abílio Marçal — Ferreira da Rocha — Delfim Costa — Mariano Martins, relator.

Proposta de lei n.° 764-D

Artigo 1.° Aos oficiais do quadro de Administração de Saúde das Colónias, promovidos nos termos do decreto de 6 de Maio de 1911, ser-lhes há mantido, para todos os efeitos, na respectiva escala o número de ordem representativo de antiguidade, que conquistaram pela classificação obtida no concurso a que se refere o citado decreto de 6 de Maio de 1911, não lhes sendo portanto aplicável
a lei n.° 1:041, de 30 de Agosto de 1920.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Palácio do Congresso da República, 24 de Junho de. 1924.— António Xavier Correia Barreto — Francisco Vicente Ramos.

Projecto de lei n.° 642

Senhores Senadores. — A data da lei n.° 1:041, de 30 de Agosto de 1920, havia vários candidatos aprovados no último concurso, efectuado em Dezembro de 1919, com direito à promoção a alferes do quadro de oficiais de Administração de Saúde das Colónias, nos termos da legislação anterior;

Considerando que alguns deles foram promovidos a êste pôsto, respeitando-se-lhes êsses legítimos direitos; e

Atendendo a que a lei n.° 1:041, de 30 de Agosto de 1920, não prevendo o caso de a esta data existirem militares com direito à promoção a alferes de Administração de Saúde das Colónias, adquirido ao abrigo da lei anterior não legislou transitoriamente acêrca deles;

Atendendo ainda a que o decreto n.° 7:523, de 23 de Maio de 1921, e de-

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creto legislativo colonial n.° 6, de 8 de Fevereiro de 1924, reconhecendo o direito de promoção a alferes aos candidatos aprovados no referido concurso, não salvaguardam inteiramente êsses legítimos direitos a todos os candidatos que nele obtiveram aprovação;

Sendo portanto de íntegra justiça generalizar a todos os concorrentes que tomaram parte no aludido concurso e que nele obtiveram aprovação, a regalia consignada no artigo 1.° do decreto n.° 7:523. de 23 de Maio de 1921, de modo a não admitir dúvidas; bem como ao subseqüentemente publicado, decreto legislativo colonial n.° 6, de 8 de Fevereiro de 1924, que concedendo a faculdade de promoção aos que atingiram ou venham a atingir o limite de idade, não salvaguardara os direitos daqueles, até quanto à sua antiguidade; e

Convindo por isso também regular a forma como deve ser contada essa antiguidade, no pôsto de alferes, aos aludidos candidatos, a fim do não virem a ser prejudicados e antes assegurando os seus legítimos direitos às futuras promoções no respectivo quadro de oficiais: tenho a honra de submeter à vossa apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São mantidas as promoções a alferes, nas vagas que ocorreram no quadro de oficiais de Administração de Saúde das Colónias, a todos os sargentos-ajudantes e primeiros sargentos das companhias de saúde colonial que foram ao último concurso para aquele pôsto e nele obtiveram aprovação; contando-se-lhes a antiguidade respectiva a cada classe segundo a ordem da sua classificação, nos termos do § 2.° do artigo 13.° do Regulamento de Promoções de 6 de Junho de 1911, e referente à data em que se deu a vaga.

§ único. Não terá execução a lei n.° 1:041, de 30 de Agosto de 1920, emquanto existirem militares nas condições expressas neste artigo, não podendo os que tenham atingido ou venham a atingir o limite de idade, facultado por decreto legislativo colonial n.° 6, de 8 de Fevereiro de 1924, e legislação anterior, ocupar maior antiguidade de promoção, validando-se assim os direitos que os candidatos adquiriram pela aprovação no referido concurso e garantindo-lhes as suas promoções aos postos imediatos no respectivo quadro de oficiais.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões do Senado, 4 de Maio de 1924.— Ribeiro de Melo.

Senhores Senadores.— O presente projecto de lei visa a restabelecer legítimos direitos conquistados em concursos feitos nos termos de diplomas legais, nomeadamente o decreto de 6 de Maio de 1911, que no seu artigo 40° impunha como condição indispensável para a promoção a alferes do quadro de Administração de Saúde das Colónias a aprovação num concurso, do qual resultava, segundo a classificação, o número de ordem com que ficavam colocados os oficiais na respectiva escala.

Posteriormente à lei n.º 1:041, de 30 de Agosto do 1920, eliminou a prova de concurso, base da conquista do número de ordem na escala, ficando apenas a antiguidade a marcá-la.

Essa lei esqueceu porém o caso de nessa data existirem já militares com direito à promoção a oficiais do quadro de Administração de Saúde das Colónias, direito conquistado pelo concurso a que se referia a legislação anterior, e daí resultou a necessidade da publicação do decreto n.° 7:523, de 23 de Maio de 1921, diploma ainda incompleto, porque também não salvaguardou os legítimos direitos adquiridos por aqueles que, tendo sido aprovados em concursos, já tinham sido promovidos a alferes.

E êsse esquecimento que o presente projecto de lei pretende remediar, determinando que a colocação dos oficiais promovidos anteriormente à lei n.º 1:041, para o quadro da Administração de Saúde das Colónias, foi dada e é mantida pela classificação que êles justamente conquistaram nas provas do concurso, que constituía uma selecção estabelecida pela lei de 6 de Maio de 1911, selecção que a lei n.° 1:041 fez desaparecer.

Sendo esta a intenção do presente projecto de lei, parece-nos que ficaria bem expressa num artigo que substituindo o do referido projecto, fôsse assim redigido:

Artigo 1.° Aos oficiais do quadro de Administração do Saúde das Colónias,

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promovidos nos termos do decreto de 6 de Maio de 1911, ser-lhes há mantido, para todos os efeitos, na respectiva escala o número de ordem representativo de antiguidade que conquistaram pela classificação obtida no concurso a que se refere o citado decreto de 6 de Maio de 1911, não lhes sendo portanto aplicável a lei n.° 1:041, de 30 de Agosto de 1920.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das sessões da 2.ª secção, 29 de Maio de 1924.— João Carlos da Costa, relator.

Foi aprovado sem discussão.

O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Sr. Presidente: peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que eu trate em negócio urgente do pagamento de letras em dívida à província de Angola.

Àpartes.

É aprovado o negocio urgente.

O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — É do conhecimento da Câmara que um certo número de créditos da província de Angola, cujos interêsses relativamente a letras representam 15 por cento dos fornecimentos feitos à mesma província por conta do crédito de 3 milhões de libras, têm dado aso a que o nosso crédito seja mal conceituado no estrangeiro.

Tem-se notado um certo azedume justificado por não haver o Govêrno já providenciado quanto ao pagamento dessas letras, mas devo dizer que o Govêrno não tem podido fazer êsse pagamento, apesar de se tratar de honrar compromissos que deviam ser respeitados. Pelo que foi votado nesta Câmara, o Govêrno, porém, não o podia fazer sem a necessária consulta.

As letras têm sido protestadas à maneira que se vão vencendo.

Àpartes.

Tem-se afirmado que o Govêrno devia pagar essas letras.

Àpartes.

Eu vou ler à Câmara o parecer do Conselho Superior de Finanças a tal respeito.

Leu.

Efectivamente, nos termos da lei n.° 772, a hipótese não estava prevista.

Àparte do Sr. Morais Carvalho que não foi ouvido.

Também foi consultada a Procuradoria Geral da República, que disse o seguinte:

Leu.

A hipótese que se dá é de grande gravidade, mas pode tornar-se simples trazendo à Câmara uma proposta de autorização para se proceder ao devido pagamento.

Êsse pagamento deve ser feito pelo orçamento da província de Angola até o fim do ano económico.

Não sei o que a Câmara poderá resolver, mas entendo que esta obrigação imposta à província de Angola já é muito para apreciar.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Lopes Cardoso: — Sr. Presidente: êste lado da Câmara entende que se deve votar a urgência e dispensa pedidas pelo Sr. Ministro das Finanças para se tratar do crédito a que S. Exa. se refere.

Na ocasião de se votar a respectiva proposta diremos o que entendermos sôbre ela, mas não posso deixar de estranhar que o Sr. Ministro das Finanças não tivesse já tomado qualquer resolução sôbre o assunto, devendo êste lado da Câmara pediu-lhe responsabilidades sôbre o caso, que é gravíssimo, como S. Exa. reconhece.

É realmente estranho que o Govêrno, que tantas vezes provoca debates, que tantas vezes usa e abusa de autorizações, não tivesse conseguido meios de fazer o pagamento de tais letras.

Lamentamos que assuntos desta natureza fossem trazidos à Câmara ainda sem uma solução, quando o Govêrno, por sua conta, em assuntos menos urgentes, muitas vezes tem infringido a esfera do Poder Legislativo.

Votaremos a urgência e a dispensa do Regimento, mas requereremos um inquérito rigoroso que diga onde é que está a culpa de quem deixou sem pagamento tantos milhares de libras.

Tenho dito.

O orador não reviu.

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O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: também nós, dêste lado da Câmara, queremos ver honrados os compromissos do Estado, e lamentamos que os Governos da República deixem chegar as questões nacionais ao estado a que elas chegam; mas desde que as cousas estão neste pé só temos de honrar o nome do Estado, e creio que não se agravaria a situação se esperássemos mais um dia para que amanhã fossem publicados no Diário do Govêrno os pareceres a que se referiu o Sr. Ministro das Finanças; doutra forma não daremos o nosso voto.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Procedendo-se à votação, foi dispensado o Regimento.

Foi lida na Mesa a proposta de lei dos Srs, Ministros das Finanças e Colónias, autorizando o pagamento das letras aceitas pelo Alto Comissário da Provinda de Angola por conta do crédito de 3.000:000 de libras.

É do teor seguinte:

Artigo 1.° É autorizado o Govêrno a pagar a importância das letras aceites pelo Alto Comissário da província de Angola, até a cifra de libras 60:000, relativas a 15 por cento da importância dos fornecimentos feitos àquela colónia por conta do crédito de libras 3.000:000, conforme o contrato de 7 de Abril de 1922, autorizado pela lei n.° 1:272, de 26 de Maio do mesmo ano.

§ único. O montante dêsse aval será inscrito no orçamento da província de Angola para 1924-1925, devendo ser restituído ao Tesouro da metrópole, com o juro da taxa de desconto no Banco de Portugal, até 1 de Julho de 1925.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

O Sr. Ministro das Colónias (Bulhão Pato): — Sr. Presidente: fui interpelado por vários Srs. Deputados acerca dêste assunto e não respondi imediatamente, aguardando a resposta do Chefe do Govêrno à questão política, para mais tarde responder sôbre as minhas responsabilidades neste assunto.

O Ministro das Colónias tem duas espécies de responsabilidade? no assunto; uma que é privativa do Ministério das Colónias e outra que é colectiva com o Govêrno.

Antes de entrar no assunto devo explicar à Câmara que só tenho uma acção fiscalizadora e orientadora nas colónias, visto elas terem a sua autonomia económica e financeira.

Não muito depois de tomar posse — não posso precisar a data — estava eu em Conselho de Ministros quando recebi uma carta da casa. Fonseca, Santos & Viana, dizendo que iam ser apresentadas umas letras para pagamento referentes a Angola.

Levado o assunto a Conselho de Ministros, em virtude de não haver nem dinheiro nem lei que autorizasse êsse pagamento, foi resolvido que o Ministro das Colónias se entendesse com a casa Fonseca, Santos & Viana para fazer uma reforma, o que não se conseguiu por a casa ter dito que o pagamento era improrrogável.

Nesse mesmo dia telegrafei para Angola e de lá responderam-me que era impossível fazer o pagamento por falta de fundos.

Levado o assunto novamente a Conselho, não houve remédio senão deixar protestar as letras.

Foi resolvido então levar ao Parlamento uma proposta de lei para se pagarem as letras.

É êste ò assunto em discussão. Eu tenho a impressão de que a província de Angola não pode prescindir do auxílio financeiro da metrópole. Como prestá-lo não sei, nem é a mim que compete dizê-lo.

Eis, Sr. Presidente, o que eu julguei do meu dever declarar à Câmara em face da proposta que o meu colega da pasta das Finanças acaba de apresentar.

Como Ministro das Colónias, parece-me que não me podem ser tomadas responsabilidades; como membro do Govêrno, as que me cabem assumo-as inteiramente.

O orador não reviu.

O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: é profundamente lamentável tudo o que rodeia a proposta apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças.

Eu não compreendo — e causará, certamente, o pasmo do País inteiro — as afirmações feitas, primeiro pelo Sr. Mi-

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nistro das Finanças ao declarar que o Govêrno Português não tinha sabido ou não tinha querido honrar os seus compromissos, segundo pelo Sr. Ministro das Colónias ao dar-nos a informação, que nos deixa aterrados, de que vai muito além das 60:000 libras o capital representado pelas letras protestadas, cujo total S. Exa. declarou ignorar, o que é simplesmente fantástico.

Apoiados.

Trata-se dum assunto que não pode passar de ânimo leve. É preciso, custe o que custar, que o País saiba quem é que, pela sua negligência ou teimosia, concorreu para criar uma tam vergonhosa situação.

Pregunto a V. Exa. se, pela alínea f) do artigo 1.° da lei n.° 1:272, o Sr. Ministro das Finanças não tinha base bastante para pedir um bill de indemnidade, que nenhum Parlamento lhe regatearia, para honrar os compromissos do País.

Sempre considerei estas leis inconstitucionais, porque o Govêrno nunca poderia delegar poderes nestas condições, mas, uma vez que a Câmara assim votou, são leis do País.

Deveríamos honrar a nossa assinatura, sobretudo depois daquele desgraçado decreto do Sr. Álvaro de Castro sôbre a dívida externa, com o qual tam mal feridos ficámos em todos os mercados financeiros, sobretudo nos da Europa, com os quais mais transaccionamos. Mas fechou o Parlamento em 24 de Agosto, é do conhecimento, desde o princípio do mês, que o aviso do vencimento chegou à casa Fonseca, Santos & Viana, e o Govêrno, como se se tratasse da cousa mais simples dêste mundo, não teve sequer um lampejo de bom senso, para não dizer de patriotismo, convocando uma reunião extraordinária do Congresso.

Apoiados.

Estivemos em risco de reünir porque houve um grupo do Partido Democrático que entrou em luta acesa contra outro, estivemos arriscados a reunir, somente para assistir aqui a uma luta de galos dentro do mesmo Partido. Pois, tratando-se do brio da Nação, de um acto que era indispensável para honrar um aval firmado pelo Govêrno Português, o Govêrno entendeu que não era preciso, que não era conveniente a convocação do Congresso,

Êste caso, que à primeira vista parece limitar-se ao pedido de autorização para a abertura de um crédito, não pode assina passar em julgado.

É indispensável que se apure, que se esclareça tudo, a fim de que, findo êsse inquérito, possamos saber o que há de verdade sôbre o assunto.

O Sr. Ministro das Colónias já nos foi dando a triste notícia de ser indispensável, dentro em breve, auxiliar a província de Angola.

Para nós, isto é, para todos aqueles que têm os olhos postos nas nossas colónias, consideradas a redenção da metrópole, como havemos de ficar agora em face desta declaração, que nos vem mostrar que aquilo quê era a nossa esperança, não é mais do que um novo e importante agravamento da nossa situação económica?!

Estão, Sr. Presidente, vingados todos aqueles — incluindo o meu Partido — que não quiseram acompanhar nesta Câmara a obra de fomento do Sr. Norton de Matos.

Aqui está a resposta à maioria da Câmara, isto é, a resposta a todos aqueles que foram favoráveis à obra de fomento do antigo Alto Comissário de Angola, Sr. Norton de Matos.

Por aqui se vê que,o Sr. Norton de Matos criou uma situação triste a que estamos assistindo, qual é a de que o Sr. Rêgo Chaves, Alto Comissário de Angola, não se encontra com fôrça nem com os elementos indispensáveis para poder desempenhar o seu cargo.

O Sr. Rêgo Chaves, homem cujo talento e faculdades de trabalho todos nós conhecemos, não dispõe dos elementos indispensáveis para bem poder ocupar o seu lugar.

Tudo isto vem demonstrar quanta razão temos tido dizendo que nunca deveria de lá ter saído o anterior Alto Comissário.

Fontes de receita sabemos nós que tem Angola, mas sabemos que essas estão absorvidas por operações financeiras realizadas por êsse Alto Comissário.

É nesta altura que o Sr. Ministro das Colónias nos vem dizer que Angola não tem vintém e que tem de ser tutelada.

Mas, Sr. Presidente, qualquer casa comercial sabe o prazo dos seus compro-

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missos e só não os honra só por dois motivos só pode explicar: ou porque não tem ou porque não quere. Ora o Estado português ainda não está nas condições de não poder; o Estado português foi muito negligente e dessa negligência resultou uma condenação profunda que afectou o crédito do Estado, o qual se reflecte no crédito dos particulares, prejudicando muitas operações financeiras que estavam em estudo em numero sãs praças estrangeiras.

Lá fora dirão que nós nem pagamos nem ao menos temos uma desculpa honesta; não pagam porque não têm vergonha!

E neste momento, em que o Estado Português está vendo valorizado o escudo, que se desvaloriza o seu brio pelo não cumprimento do um indeclinável dever; que era honrar o crédito português.

Sr. Presidente: não quero alongar a discussão, nem pela minha parto alguma cousa produzir que possa embaraçar ou dificultar a liquidação imediata dêstes compromissos, mesmo à custa do todos os sacrifícios. Mas o que tenho é autoridade para intimar o Govêrno a apresentar à Câmara um relatório circunstanciado, minucioso, de onde conste tudo o que diga respeito às operações financeiros realizadas por Angola, sobretudo com base no crédito de 3 milhões de libras, para que se possa saber como, quanto e até quando caem sôbre nós as datas fatídicas de vencimentos do letras com o aval português, para assim nos prepararmos o tempo a fim de evitar uma situação que seja para nós uma vergonha.

Concluo, portanto, por exigir — é o termo; não peço, porque quando a honra duma Nação está em jôgo, por ter sido mal defendida, um Deputado da Nação não podo, exige — que o Govêrno com datas e números esclareça a Câmara.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Sr. Presidente: perante a circunstância premente de se ter de satisfazer uma letra ou letras protestadas, é indubitável que nós não podemos deixar do dar o nosso voto à, proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro das Colónias.

No emtanto, o facto é sintomático e representa a falta absoluta dos processos
que o Sr. Ministro das Colónias enunciou à Câmara quanto à acção do seu Ministério perante a autonomia colonial, e que são a fiscalização o a orientação. Realmente, se tivesse havido fiscalização constante das contas das colónias, nessa autonomia financeira tam criticada, mas que não é culpada de tudo isto, — se tivesse havido a fiscalização constante de todos os Ministros à província de Angola, esta colónia não teria chegado à situação em que se encontra e não teria de vir pedir - ao Parlamento uma soma enorme de sacrifícios da Mãe-Pátria, porque não é só do 15:000 - libras a sua dívida, mas, segundo informações que tenho, do aproximadamente 1.000:000 de libras. Quere dizer, por falta de fiscalização, por se abandonarem as colónias a uma autonomia que chegou às raias da independência, colocou-se a província de Angola nesta situação. E foram os super-homens em que muitos acreditaram mas em que eu nunca acreditei — o as provas estão patentes —, que levaram a província a esta enorme crise!

Acerca dêstes super homens eu também mostrei à Câmara o que só está passando com a província de Moçambique.

Em Londres e em Paris, com uma imperial comitiva, o Alto Comissário do Moçambique tem despendido milhares e milhares de libras, que segundo informações atingem a cifra de dez mil, mas o que ainda é mais grave, é que parte dessa quantia tem sido retirada da província, da verba destinada a estudos de caminhos de ferro.

É claro que; amanhã ou depois de amanhã, virá o Sr. Ministro das Colónias ao Parlamento pedir que se acuda à província de Moçambique, desfalcando ainda ' mais uma vez as finanças da metrópole.

Isto, com franqueza, não é prestigiar a autonomia financeira, que deve cifrar-se no princípio de que qualquer colónia deve, financeiramente, bastar-se a si mesmo.

A Acção Republicana pede ao Sr. Ministro das Colónias que elucide a Câmara, sôbre o procedimento havido para com o Sr. Alto Comissário, e reserva-se o direito de, no debate político, apreciar actos que não só desprestigiaram as finanças públicas, mas colocaram mal financeiramente o País.

Tenho dito.

O orador não reviu.

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O Sr. Ministro das Colónias (Bulhão Pato): — Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. Carlos do Vasconcelos acentuou, e muito bem que ao Ministro das Colónias compete a fiscalização das colónias, e, pela minha parte, devo dizer que tenho exercido essa função, com a maior amplitude.

Tenho rejeitado diplomas administrativos, mandado emendar outros e orientado as questões de forma a comprimir as despesas e arrecadar o mais possível as receitas.

Com respeito ao passado do Angola, não posso evitá-lo. No presente, tenho evitado, no que tenho podido, diferentes despesas.

V. Exas. sabem bem que o passado de Angola foi devido não só à influência do Sr. Norton de Matos como à desvalorização da nossa nota, que acarretou consigo o descalabro da nota de Angola.

Todavia, alguma cousa se tem feito, devido em grande parte à inteligência, zêlo e qualidades de trabalho do Sr. Rêgo Chaves, tendo eu orientado e fiscalizado.

Com referência a Moçambique não há motivos para alarme.

Devido a providências tomadas ainda no tempo do Sr. Brito Camacho, a província conseguirá obter o que deseja, tendo-se levantado quantias mesmo sem empréstimo.

Àpartes.

O Sr. Brito Camacho (interrompendo): — As despesas que têm de ser pagas não as fiz eu, andando essa dívida por 200:000 libras.

Àpartes.

O Orador: — O que é certo é que eu estou convencido de que a província se desenvolverá no seu fomento, devido às grandes iniciativas particulares.

Como a Câmara sabe, o Sr. Vítor Hugo de Azevedo Coutinho partiu na intenção de ir contrair um empréstimo, e foi para Londres, mas a ocasião era péssima.

Era uma ocasião em que todas as entidades que poderiam intervir no assunto estavam ausentes.

Também o Sr. Vítor Hugo entendia que não devia entender-se directamente com os banqueiros e financeiros, mas com os comerciantes.

Àpartes.

O que posso afirmar é que as dívidas a pagar foram autorizadas pela própria província e tenho o cuidado de analisar todos os diplomas que de lá vêm.

Não creio que a cifra apresentada pelo Sr. (Carlos de Vasconcelos seja exacta.

Àparte do Sr. Carlos de Vasconcelos, que não foi ouvido.

O Orador: — O que sei é que foram as despesas autorizadas pelo Conselho da província, não sei mais nada.

As contas terão de vir para o Ministério das Colónias pois o Conselho tem de dar contas e eu terei ocasião de as apreciar.

Àpartes.

O Orador: — Sr. Presidente: o que eu posso dizer e que tenho a impressão de que a província só há-de levantar o desenvolver pelo seu próprio esfôrço.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Sr. Presidente: as minhas palavras não se referem ao Sr. Ministro das Colónias, mas ao Ministério das Colónias, porque a responsabilidade dos factos sucedidos em Angola não pode caber ao actual Ministro das Colónias; o que eu pregunto a S. Exa. é quando trará ao Parlamento os diplomas que anulou.

O Sr. Ministro das Colónias, referindo-se a Moçambique, apregoa os esfôrços que aquela província tem feito para melhorar a sua vida, mas esquece-se de que o Alto Comissário tem em suas mãos um documento que o autoriza a levantar um empréstimo de 500:000 libras, o que pode levar a província à mesma situação de Angola.

É necessário que o Sr. Ministro das Colónias não descure êste importantíssimo assunto.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Nuno Simões: — Sr. Presidente: a questão pode apresentar um aspecto político, mas êsse não me interessa; o que me interessa é o seu aspecto económico e administrativo, sem que ao fazer esta confissão eu queira opor-me ao direito que

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os parlamentares têm de verberar o procedimento do Govêrno.

A questão tem um aspecto administrativo que eu vou estudar e apreciar neste momento, e que é o crédito dos 3 milhões.

Apoiados.

O problema é mais vasto.

Na lei que o Parlamento votou, em que se autorizou o Govêrno a utilizar e deixar utilizar pelos particulares o crédito de 3 milhões de libras, expressamente se estabeleceu que à Câmara seriam dadas contas do uso que dessa lei se fizesse.

Admitamos que é agora a altura de serem dadas à Câmara contas do uso feito de tal autorização.

Quando se discutia aqui nesta Câmara a proposta de lei do Sr. Portugal Durão, então Ministro das Finanças, tantas reservas se fizeram sôbre êsse crédito que lícito era supor que desde então até agora, passados já mais de dois anos, tivesse sido esgotado o crédito referido, principalmente na parte relativa a particulares.

Porém tal não sucede.

Era objectivo do Sr. Portugal Durão, como S. Exa. aqui declarou, procurar fazer as importações normais da Inglaterra no ano de 1922-1923, com dispêndio mínimo de 15 por cento em relação ao que anualmente se fazia. Mas as tais importações normais não devem ter sido feitas, porque ainda agora há mais de l milhão por utilizar e ainda neste momento não chega a 300:000 libras o utilizado pelos importadores.

Quere dizer, não se alcançaram as vantagens que o Sr. Portugal Durão dizia esperar do crédito de 3 milhões.

Sr. Presidente, foi o Estado quem principalmente utilizou êsse crédito. E têm-no utilizado sem, ao contrário do que a lei determina, dar nenhumas contas ao Parlamento.

Fez-se mais.

Em certo momento autorizou-se a abertura de um crédito de 200:000 libras para a aviação.

Mas então não houve sequer o cuidado, que era fundamental, de averiguar se havia ou não verba orçamental que o permitisse.

Fez-se isso porquê?

Porque em matéria de administração pública continuamos a reincidir nos velhos erros e a não ter respeito algum pelas leis e por aquilo que nós próprios aqui votámos.

Chegámos a mais de dois anos do anúncio à Câmara e ao país dum crédito que nesse momento o Ministro das Finanças supunha vantajoso, e encontramos êsse crédito distribuído, num montante que não chega a 300:000 libras, aos importadores particulares, que aliás têm satisfeito religiosamente os seus compromissos, à excepção de meia dúzia, cuja idoneidade devia ter sido previamente apurada.

Por outro lado vemos o Estado fazer a utilização quási integral dêsse crédito em variadíssimas cousas, sem plano, que foram até à aquisição de gado em Inglaterra, que pouco tempo depois teve de ser vendido, naturalmente porque não era, nem nunca havia sido preciso.

Quero isto dizer que o Estado utilizado êsse crédito o pior que podia.

Sr. Presidente: gostaria de que o Govêrno tivesse aproveitado esta ocasião em que a Câmara tem de discutir a aplicação dada ao crédito dos 3 milhões de libras, para trazer aqui um largo e documentado relatório acerca do uso que dele fez, para vermos até que ponto se levaram os actos de pura vontade pessoal, alguns dos quais o Parlamento já teve necessidade de corrigir.

Refiro-me ao crédito para a aviação, em que o Parlamento teve de autorizar o pagamento da primeira anuidade.

Tenho em meu poder uma nota das letras vencidas, e que foram pagas posteriormente ao seu vencimento, mas sem protesto, porque protestadas apenas foram as da província de Angola.

Essas letras montam não só às que em 15 de Maio se admitia já como não podendo ser pagas no prazo estabelecido, porque montaram a números muito superiores àqueles que os Srs. Ministros das Finanças e das Colónias, na sua proposta, consideram como representando a dívida a pagar pelo Govêrno Português, em nome da província de Angola, e dizem respeito à Agência Geral de Angola, ao Comissariado dos Abastecimentos o à Administração dos Caminhos de Ferro do Estado.

E quando estamos a apurar responsabilidades, sem querer afastá-las de quem as tem, nem deminuir as que pesam sôbre quem quer que seja, é necessário que

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se apurem com imparcialidade e sereno espírito de justiça, para que não estejamos a bater em quem realmente não tenha que ser batido ou a passar culpas a pessoas que porventura incorreram em graves responsabilidades.

Passando propriamente à questão da Província de Angola, nos precisos termos em que os Srs. Jorge Nunes e Carlos de Vasconcelos puseram essa questão, eu tenho de a pôr também.

Entendo que o Parlamento não pode negar a autorização ao Govêrno para pagar aquilo que a Província do Angola deve, aquilo que-o país deve, porque, que me conste, Angola ainda faz parte integrante do território nacional.

Há meses que em volta das dívidas da Província de Angola se vem fazendo uma
larga campanha que nem sempre — quero acreditá-lo — tem sido norteada por
boa fé.

Ainda há dias se afirmava que não era a 26:000 libras que montavam as letras protestadas, mais sim a 200:000.

Publicou-se isto num jornal de maior circulação e até agora nenhum desmentido oficial foi feito a, essa notícia, a não ser uma nota, parecendo também de carácter oficioso — porque o carácter oficioso não faltava à primeira,— que dizia que eram apenas 15:000 libras.

Tantos são os motivos do descrédito que neste momento pesam sôbre a Província de Angola, tantas as dificuldades que pesam sôbre a sua economia privada, que necessário é procurarmos ter toda a ponderação e todo o rigor em notícias que mais não servem que para agravar uma situação já dificílima, como daqui a pouco o Sr. Rêgo Chaves, com o conhecimento que tem da questão, há-de dizer à Câmara.

Era necessário que o Govêrno explicasse, precisa e concretamente, de que letras se trata, e que aval é êste quê aqui se invoca.

Suponho para mim que não se trata do qualquer aval especialmente dado pelo Estado Português, mas apenas do aval que o Govêrno da metrópole deve às suas colónias, quando contraiam, dívidas — isto apenas dentro do regime de autonomia administrativa em que vivemos e do estabelecido nas cartas orgânicas das colónias.

Parece-me que os Srs. Ministros das Finanças e das Colónias poderiam ter realmente esclarecido a situação.

Diz-se agora que o govêrno de Angola não tinha possibilidade legal para a autorização do crédito, mas quando se discutiu nesta Câmara o crédito dos 3 milhões proposto pelo Sr. Portugal Durão, preguntou-se aqui se se devia ou não utilizar-se para as colónias.

Porque não consta que as colónias não sejam portuguesas e portugueses os serviços que lhes dizem respeito, observei que a utilização poderia fazer-se e fez-se dentro perfeitamente da lei.

Doutra forma o Govêrno não se teria oposto a que este facto fôsse tratado com tanta falta de elementos, e teria averiguado responsabilidades que impendessem sobre quem quer que fôsse culpado de se não ter cumprido a lei.

Sr. Presidente: êsses 10 por conto que foram retirados fora do crédito, são os 15 por cento que constituem aquelas 520:000 libras que havia a juntar ao chamado crédito de 3 milhões de libras.

O Govêrno exige aos importadores particulares garantias o pode, quando essa garantia do qualquer maneira não seja suficiente, exigir aos Bancos o que lhes era dado.

Não se entende assim relativamente às entidades oficiais.

O que sucede na província do Angola, por ter letras protestadas, é devido a isto, porque não seria do aceitar que o Banco Nacional Ultramarino de qualquer modo pudesse consentir no protesto de letras, tendo o Govêrno dado as garantias que deu.

Segundo creio, e nisto desejo ser esclarecido pelo Sr. Ministro das Colónias, trata-se da parte do 15 por cento da província do Angola.

O Sr. Ministro das Finanças e o Sr. Ministro dos Colónias me informarão e à Câmara se assim é, porque, considerando-se em certos meios as províncias ultramarinas e os serviços públicos como qualquer particular, para efeito da utilização dêste crédito, de estranhar será que faltasse como garantia o aval de qualquer entidade bancária.

Sr. Presidente: as minhas considerações visam, pois, a pedir a S. Exas. e particularmente ao Sr. Ministro das Fi-

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nane,as, que elucide a Câmara completamente sôbre o estado em que só encontra o chamado crédito de três milhões de libras.

Os números concretos que procurei trazer à Câmara, informei-me dolos há meses, o, naturalmente, carecem de rectificação; mas, o que é necessário é que o País saiba se todas as garantias que o Govêrno português se comprometeu a dar para a efectivação dêste crédito se realizaram a tempo e horas de a amortização se fazer nos termos estabelecidos na lei.

Sr. Presidente: tratando-se do crédito de 8 milhões de libras, parece-me que não será demais, por minha parte, insistir numa questão que já tratei no debate político e que diz respeito à prorrogação do prazo, para pagamento dos encargos dêsse crédito, para 1930.

Sabem V. Exas. que o Govêrno Inglês autorizou há meses o alargamento para 1930 do prazo para o pagamento de todos os encargos da utilização do crédito de 3 milhões de libras, negociações que foram encetadas no Govêrno do Sr. Álvaro de Castro.

Escuso de encarecer as vantagens de toda a ordem que podem derivar para o mercado cambial do facto de o prazo ser prorrogado de 1927 para 1930, especialmente sabendo-se a situação em que se encontram as províncias de Angola e Moçambique relativamente à utilização do crédito.

Nestas circunstancias, desejo que os Srs. Ministro das Finanças o Ministro das Colónias informem a Câmara do estado das negociações, reservando-me o direito de usar novamente da palavra após as declarações de S. Exas., porque me parece que é necessário aproveitar esta oportunidade para, sôbre o decreto dos 3 milhões de libras, dizer-se tudo quanto há a dizer, evitando muitos males que dele podem derivar o reduzindo ao mínimo os males que já derivaram.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carneiro Franco: — Sr. Presidente: na minha qualidade de Deputado por Angola, não posso deixar passar este debate sem usar da palavra.

Antes do mais nada, Sr. Presidente, eu quero fazer a declaração do que sou de
opinião de que a proposta apresentada a esta Câmara pelo Sr. Ministro das Finanças deve merecer a aprovação da Câmara; mas antes disso permita-me V. Exa. e a Câmara que ou acerca dela bordo umas ligeiras considerações.

Não só o Sr. Ministro das Finanças, como o Sr. Ministro das Colónias, nas declarações que fizeram a esta Câmara, declararam que no Conselho de Ministros se haviam apresentado dúvidas acerca do pagamento das letras protestadas.

Devo dizer em minha opinião que tanto o Conselho de Ministros, como qualquer entidade oficial, que possa ser consultada sôbre o assunto, não poderá ter dúvidas, acerca da obrigação dêsse pagamento, desde o momento em que o mesmo pagamento se deva efectuar, pois a verdade é que não só a leitura do decreto, como a leitura do contrato, nos dá a impressão absoluta de que êle se deve fazer.

Desde que a província de Angola contraiu ama obrigação, o pagamento tem de efectuar-se.

Mesmo que a lei não fôsse clara, e pudesse haver dúvidas, o Ministro das Finanças da República e o Conselho de Ministros tinham a obrigação de o fazer, visto que o crédito da província de Angola estava em jôgo.

O ilustre Deputado Sr. Jorge Nunes, quando falou sôbre o assunto, teve, a meu ver, uma frase que eu considero infeliz.

Disse S. Exa. que por causa de Angola anda o nosso crédito pelas ruas da amargura na praça de Londres.

Ora eu direi que, por culpa das faltas cometidas pelos Govêrnos, anda pelas ruas da amargura não só o crédito do Angola, como o crédito do País.

Disse também o Sr. Jorge Nunes que as colónias não são o que todos nós esperávamos, isto é, que não vem de lá o ouro que precisamos para aqui viver.

As colónias não são para isso, e necessário se torna que todos se convençam do que as colónias não são um manancial de ouro.

O Sr. Jorge Nunes com as palavras que pronunciou, e que de alguma maneira afectaram o crédito do Angola, ficou ainda assim atrás das que pronunciou o Sr. Carlos do Vasconcelos. S. Exa. afirmou que tem a certeza de que as dívidas de Angola se aproximam de um milhão de libras.

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O Sr. Carlos de Vasconcelos (interrompendo): —Aproximadamente, a dívida flutuante de Angola andará por essa importância.

O Orador: — Sr. Presidente: é curioso constatar que o protesto das letras de Angola, que o Govêrno deixou arrastar desde há meses, coincide precisamente com a campanha internacional que se está fazendo à volta das nossas colónias e sobretudo de Angola.

Ninguém desconhece que neste momento se debate lá fora na imprensa de vários países, aquilo que foi o trabalho de muitos anos, acerca das esferas de influência nas províncias portuguesas, principalmente em Angola e Moçambique.

É curioso notar também que essa campanha coincidiu com o momento em que o crédito de Angola foi abalado.

Para terminar, eu quero ainda dizer que em minha opinião, não foi um desperdício que se fez na compra de material, à sombra do crédito dos 3 milhões de libras, porquanto êle se tornava indispensável para o desenvolvimento económico da província e porquanto, duma maneira geral, êle veio contribuir para que a situação melhorasse. A província é rica. Atravessa neste momento uma crise que é sobretudo bancária.

O Banco Nacional Ultramarino, Sr. Presidente, e o Banco Colonial têm arrastado há meses uma controvérsia com a província de Angola, o que na verdade, muito a tem prejudicado.

É preciso não deixar de olhar para êste lado da questão.

As colónias mais tarde ou mais cedo terão receitas para os seus encargos, e o Estado também terá de ajudar as colónias para que saiam do estado financeiro difícil em que agora se encontram e para que melhorem o seu crédito no estrangeiro e na própria metrópole.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: das sessões que se podem chamar edificantes para a República, não conheço nenhuma como esta de hoje.

Depois dos casos dos Transportes Marítimos, temos mais um escândalo, conforme se vê das declarações do Sr. Ministro das Colónias e de alguns Srs. Deputados.

Há dias foi publicado nos jornais um documento do Conselho Superior Judiciário relativo aos Transportes Marítimos do Estado, em que se via que havia nada menos de cem processos instaurados que nenhum seguimento tinham tido.

Nesta Câmara tenho ouvido afirmar que, se na República há escândalos, ela sabe castigá-los, mas o que é certo é que nesta questão de Angola, não só não castigou o responsável de tais escândalos, mas foi mais longe, pois que o nomearam embaixador para Londres.

Êsse criminoso, responsável por uma tal situação de Angola, está representando, para vergonha nossa, o nosso país, no próprio momento em que são protestadas as letras por culpa dele emitidas.

Sr. Presidente: como português, sinto-me envergonhado por não ver que o primeiro acto dêste Parlamento, ao retinir de novo, tenha sido propor a demissão imediata do Sr. Norton e tolere que êle continue representando o nosso país junto da corte inglesa, quando todos sabem que a sua obra produziu as conseqüências desastrosas que o Sr. Ministro das Finanças quere ocultar.

É edificante esta sessão. Ela demonstra bem a moral da República; ela demonstra bem quanto a República, sacrificando o nome da Pátria, sacrificando o crédito do país, procura antes, e acima de tudo, cobrir e premiar os homens que criminosamente aviltam a nação. E, como se não bastasse ter havido um Alto Comissário de Angola que se premiou fazendo-se nomear nosso embaixador em Londres, já hoje se ouviu nesta Câmara dizer, sem que o Sr. Ministro das Colónias o negasse, que o Sr. Alto Comissário de Moçambique, com a sua comitiva, saindo da metrópole há dois meses, já gastou 11:000 libras na viagem, o que representa mais de 1:500 contos.

Eu pregunto se há escândalo mais tremendo e completo do que num pais arrumado e em que se exigem aos portugueses todos os sacrifícios, se permitir que um Alto Comissário continue a gastar desta forma por que tem gasto, desembolsando os cofres do Estado de mais de 1:500 contos.

Mas, para que o país saiba, como se

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não bastasse a enunciação dêstes factos, ainda se acha normal e regular, e o Parlamento não se indigna, que se afirme que é da verba dos caminhos de ferro de Moçambique que sai o dinheiro para êsse escandaloso regabofe em que tem andado o Alto Comissário da província.

Entretanto, em tudo isto há um mistério, um mistério que o Govêrno não que-ré desvendar. E não quere desvendá-lo um Govêrno que não hesita em vir ao Parlamento pedir para se discutir uma proposta de lei desta natureza, com urgência e dispensa do Regimento! Querele fazer tudo às escuras, procurando encobrir todos os escândalos que existem na administração da República.

Orgulha-se, contudo, êste lado da Câmara de ter dito que não devia ser votada a urgência e dispensa do Regimento para a proposta de lei do Sr. Ministro das Finanças. Votaram-na todos os Deputados republicanos, mas são agora muitos deles que vêm revoltar-se contra o facto de se estar a discutir pela forma como se discute, sem conhecimento algum da questão, vindo assim dar razão à minoria monárquica.

O Sr. Presidente: — É a hora de se encerrar a sessão. V. Exa. deseja terminar ou quere ficar com a palavra reservada?

O Orador: — Fico com a palavra reservada.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Vai passar-se ao período de

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: acabo de ser informado, por um telegrama que tenho aqui presente, de que alguns desordeiros, de cumplicidade com o delegado do Govêrno no concelho de Pombal, intimaram o pároco da freguesia de Vila Chã a abandonar a freguesia e a casa onde habita, até sábado próximo. Trata-se evidentemente dum atontado contra as liberdades e garantias asseguradas pela Constituição.

Como não estamos num país de bárbaros, nem no tempo do célebre João Brandão, julgo que interpreto o sentir desta Câmara e do país protestando contra um facto tam insólito e tam extraordinário de violência.

Como não está o Sr. Ministro do Interior, e sinto que a sua ausência seja por motivo de falta de saúde de S. Exa., eu dirijo-me ao Sr. Ministro das Finanças, pedindo-lhe que procure quanto antes empregar a sua acção no sentido de que providências sejam tomadas pelo Govêrno para impedir que tal violência se efective e para garantir a integridade pessoal do referido pároco, que é o reverendo Cândido Augusto de Sousa, bem como a defesa dos seus haveres. Espero que o Govêrno não deixará de proceder como o caso requere.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Sr. Presidente: tomei devida nota da reclamação do ilustre Deputado Sr. Lino Neto. Não sei em que possa ter-se fundamentado a autoridade-administrativa. Presumo que não se trata dum padre pensionista, e assim, segundo a lei, não tem direito a casa. Os pensionistas é que, por via de regra e por uma tolerância, se mantêm nas casas.

O Sr. Lino Neto (interrompendo): — Não se trata só do despejo da casa. Trata-se do abandono da freguesia. Mas a causa de todas estas violências é a circunstância de o padre não consentir que se façam procissões sem licença do bispo, e compreende-se que assim seja, porque as procissões têm de ser feitas segundo a ortodoxia católica.

Êsses desordeiros entendem dever fazer procissões independentemente da autorização eclesiástica, e, assim, estamos assistindo a todos êstes actos de violência e de nenhum respeito pela ordem.

O Orador: — Registo as palavras de S. Exa. e farei a devida comunicação ao Sr. Presidente do Ministério, e êle, por certo, providenciará.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. António Maria da Silva: — Sr. Presidente: numa das últimas sessões eu

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tive ensejo de, em resposta ao ilustre Deputado Sr. Pedro Pita, proferir várias expressões que, não sendo impróprias do Parlamento, correspondem a uma definição exacta de actos que se praticam. As vilanias têm a classificação que merecem.

Há infelizmente vários vilões na sociedade portuguesa. Há realmente vários «capoeiras» neste País. Já numa sessão passada eu usei desta terminologia que até pode considerar-se do favor para algumas pessoas.

É um caso realmente para deplorar e não se pode manter uma atitude desta ordem.

Eu tenho andado toda a minha vida orientado por determinados princípios de que não me arrependo, mas tenho também sido incessantemente vilipendiado; porém, a êsses, que assim procedem, cuspo-lhes no rosto o meu maior deprêzo.

Sr. Presidente: não é com estas infâmias que me conseguem deminuir.

Acusam-me de quê?

Eu até já fui dado como perdoando de mais; mas é infame o que se tem praticado nos últimos dias. Tem-se dito que tenho tido conferencias com A, B o C; que vivo em boas relações com os radicais, com os de 19 de Outubro. Ora toda a gente sabe o que êles me querem, que é o mesmo que em 19 de Outubro. E ligava-me eu a êles para qualquer conjura!

O pior é que todas as insinuações, todas as calúnias são anónimas, e assim eu não encontro na minha frente alguém a quem possa tomar a responsabilidade das suas afirmações. As responsabilidades não se tomam, as insinuações e as calúnias continuam e os seus autores sentem-se radiantes, julgando, por êsse processo, que fazem mudar as situações políticas, ansiosos como estão de mudarem também.

Seja, porém, como fôr, eu é que não estou disposto a modificar toda a minha estrutura política e o meu passado, acompanhando êstes processos para manter a categoria que tenho e que ô alguma.

De resto já não há tantos crédulos como muitos julgam, embora as infâmias se propaguem em Portugal com a velocidade de um expresso.

Sr. Presidente: eu não desejava tornar muito tempo à Câmara, mas como há quem deseje que tudo se averigue muito bem, não podia deixar de pronunciar estas palavras.

Pois bem; não quero entreter por mais tempo a atenção da Câmara, e a pessoas que usam de tais processos, e que com tanta leviandade tratam, a honra alheia, só posso cuspir-lhes todo o meu deprêzo, se é que a sua cara estanhada ainda merece, ao menos, êste meu gesto.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — A próxima sessão é no dia 12, à hora regimental, com a seguinte ordem do dia;

Debate sôbre a declaração ministerial.

Proposta de lei que autoriza o Govêrno a pagar a importância das letras aceites pelo Alto Comissário em Angola.

Pareceres n.ºs 816, 787, 783, dados para hoje, e pareceres,n.ºs 104, 793, 639 e 645 (e).

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Projectos de lei

Do Sr. A. Crispiniano, proibindo o fornecimento de cocaína ou morfina fora dos preceitos regulamentares.

Para o «Diário do Govêrno».

Do Sr. Adolfo Coutinho e mais nove Srs. Deputados, mantendo no Liceu de Camões o curso complementar de letras.

Aprovada a urgência.

Para a comissão de instrução secundária.

Para o «Diário do Govêrno».

O REDACTOR—Avelino de Almeida.

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