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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 157
«EXTRAORDINÁRIA»
EM 17 DE NOVEMBRO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Manuel da Sousa Dias Júnior
Sumário. — Aberta a sessão com a presença de 31 Srs. Deputados, leu-se a acta e deu-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia.— O Sr. Ferreira da Rocha ocupa-se da necessidade de sé reduzir o quadro da magistratura de segunda instância em Angola.
Responde-lhe o Sr. Ministro das Colónias (Bulhão Pato).
Usa novamente da palavra o Sr. Ferreira da Rocha, para explicações.
O Sr. Joaquim Brandão trata do péssimo estado em que se encontra a estrada de Cacilhas a Cezimbra e dos inconvenientes dêste facto.
Responde-lhe o Sr. Ministro do Comércio (Pires Monteiro).
O Sr. Tavares de Carvalho pondera as vantagens que resultariam da redução das tarifas ferroviárias para o barateamento do custo da vida.
Responde-lhe o Sr. Ministro do Comércio.
O Sr. Pamplona Ramos agradece o voto de sentimento por motivo da morte de sua irmã.
O Sr. Rêgo Chaves comunica à Câmara o falecimento, por desastre, do oficial aviador Emílio de Carvalho, em Angola, e propõe um voto de sentimento a que se associam representantes dos vários lados da Câmara.
O Sr. Portugal Durão, em negócio urgente, tratou de uma campanha na imprensa estrangeira contra o nosso domínio colonial.
Responde-lhe o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vitorino Godinho).
O Sr. Ministro das Colónias alude também ao assunto.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros manda para a Mesa uma proposta de lei aprovando, para ratificação, uma emenda ao artigo 34.° da Convenção Internacional de Navegação Aérea, de 13 de Outubro de 1919.°
O Sr. Ministro da Guerra (Vieira da Rocha) manda para a Mesa uma proposta de lei sôbre promoções de oficiais de engenharia e artilharia a, pé.
O Sr. Ministro da Marinha (Pereira da Silva) manda para a Mesa uma proposta de lei regulando a aplicação do imposto de farolagem.
Ordem do dia. — É aprovada a acta.
Fazem-se admissões.
Prossegue o debate sôbre a proposta de lei n.° 831 referente ao pagamento de letras em dívida pela província de Angola.
Usa da palavra o Sr. António Maria da Silva, que apresenta duas moções e as justifica.
Intervém ainda no debate os Srs. Carlos Pereira, Portugal Durão, Ginestal Machado e Rêgo Chaves.
Antes de se encerrar a sessão.— O Sr. Morais Carvalho ocupa-se das melhorias votadas para as pensionistas do Estado, respondendo-lhe o Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues).
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a mesma ordem.
Abertura da sessão às 15 horas e 25 minutos.
Presentes 37 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 46 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Alberto Ferreira Vidal.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Ginestal Machado.
António Maria da Silva»
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
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António Vicente Ferreira.
Artur Brandão.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Custódio Martins de Paiva.
Ernesto Carneiro Franco.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
José Domingues dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Correia.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Constâncio de Oliveira.
Delfim Costa.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Cosia.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel de Brito Camacho.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Pedro Góis Pita.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto do Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Mendonça.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Augusto Pereira Nobre.
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Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Pereira Bastos.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira Salvador.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Júlio Henrique de Abreu.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Às 10 horas, principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 37 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 10 horas e 15 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Senado, enviando uma proposta de lei que altera o regulamento do Ensino Elementar do Comércio.
Para a Secretaria.
Para a comissão de instrução especial e técnica.
Do Ministério da Instrução, acompanhando uma representação do conselho escolar do Liceu de Pedro Nunes com respeito à extinção do curso complementar de letras do mesmo liceu.
Para a comissão de instrução secundária.
Do Sr. Luís M. Nunes da Ponte, agradecendo o voto de sentimento pela morte de seu pai, Dr. José Nunes da Ponte.
Para a Secretaria.
Do Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito ao extinto Ministério dos Abastecimentos, pedindo autorização para o Sr. Marques Loureiro, secretário daquela comissão, se ausentar durante alguns dias em serviço de inspecção.
Autorizado.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Representações
Da Associação dos Alunos da Faculdade de Letras de Lisboa, pedindo que o
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curso do Magistério Primário Superior continue a existir nas Faculdades e Escola Normal Superior.
Para a comissão de instrução superiora
Da comissão do pessoal contratado e assalariado do Comissariado Geral dos Abastecimentos, pedindo a suspensão do decreto extinguindo o Comissariado.
Para a comissão de administração pública.
Telegramas
Da Câmara Municipal de Seia, agradecendo a criação da Escola Comercial e Industrial de Seia e protestando contra os ataques do Sr. Pires do Vale ao Sr. Ministro da Instrução Pública por ela ter sido criada.
Para a Secretaria.
Da Associação dos Comerciantes de Cereais do Norte de Portugal, protestando contra o pedido de suspensão do decreto extinguindo o Comissariado dos Abastecimentos.
Para a Secretaria.
Dos industriais vidreiros da Marinha Grande, que se encontram com as suas fábricas fechadas por efeito da lei do sêlo nas bebidas engarrafadas, pedindo uma solução em harmonia com a representação da Associação Comercial de Lisboa.
Para a Secretaria.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de
Antes da ordem do dia
O Sr. Ferreira da Rocha: — Sr. Presidente: desejo pedir a atenção do Sr. Ministro das Colónias.
Todos nós nos temos aqui referido às despesas de Angola, e à necessidade inadiável de se ser económico na administração dessa/ colónia.
Sucede, porém, que a colónia de Angola, por intermédio do seu governador, propôs a redução do número de juizes da Relação, que, actualmente, é de sete.
Esta é também uma das medidas do Alto Comissariado; em Angola, de facto, não há sete juizes, pois suponho que nunca ali estiveram mais de quatro, andando os outros três a passear por Lisboa, ou cousa parecida.
A redução, que se pede, é de sete para cinco, e eu creio que ninguém, nem mesmo o actual Alto Comissário, terá dúvidas em que ela merece imediata aprovação.
No emtanto, Sr. Presidente, sei que a medida não foi aprovada, porque dava lugar a que fôsse demorada a promoção de dois juizes, que pretendem ascender à Relação, e sei também que se movem adentro ,do Ministério das Colónias, não da parte do Sr. Ministro, influências no intuito de se conseguir que os juizes sejam primeiro promovidos, fazendo-se depois a redução e dando isto como resultado ficarem dois juizes adidos.
A administração de Angola precisa de fazer economias, e todos nós sabemos que a Relação daquela província não precisa de ter sete juizes, pois, sendo o seu movimento incomparavelmente menor que o da Relação da índia, onde são tratadas questões de Macau e Timor, fica bem servida com cinco juizes.
Nestas circunstâncias, desejo e peço a S. Exa. o Ministro que resolva primeiro sôbre a proposta, antes de fazer as promoções.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Colónias (Bulhão Pato): — Sr. Presidente: muito breves palavras, em resposta às considerações feitas pelo Sr. Ferreira da Rocha.
Efectivamente, o Govêrno Geral de Angola, depois da saída do Sr. Norton de Matos, propôs a redução de dois juizes no quadro da Relação daquela colónia.
Submeti essa proposta ao exame do Alto Comissário, Sr. Rêgo Chaves, e S. Exa. disse-me que achava bem todas as reduções que coubessem dentro dos interêsses gerais da província, mas quanto a esta não podia dar uma resposta definitiva, por não conhecer detalhadamente a situação.
Disse-me ainda S. Exa. que é intenção sua pedir um inquérito às questões judiciárias de Angola, e que só depois se poderia pronunciar por uma forma definitiva.
É esta a razão por que não suprimi, imediatamente, os dois lugares.
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Devo dizer, Sr. Presidente, que tenciono mandar a Angola uma comissão de inquérito, composta por juizes da Relação, e só após a apresentação do respectivo relatório podemos julgar se é conveniente, ou não, reduzir os dois lugares de juizes.
Todavia, se me demonstrarem, e o Sr. Alto Comissário o entender, que é necessário fazer essa redução, eu fá-la hei imediatamente.
Por último, devo acrescentar, pôsto que o Sr. Ferreira da Rocha não me tenha acusado de ter afilhados, que não tenho absolutamente nenhum compromisso para fazer isto ou aquilo.
Era igualmente meu propósito não fazer promoções no quadro da magistratura, sem ter resolvida, em primeiro lugar, a questão de Angola.
Nestes termos, posso afirmar que não ordenei qualquer promoção para Angola, sem que se resolva o caso desta colónia.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ferreira da Rocha: — Agradeço a resposta do Sr. Ministro das Colónias. A parte final do seu discurso satisfez-me por completo. S. Exa. não ordenará promoções no quadro da magistratura judicial, segundo a legislação colonial, sem ter resolvido o caso de Angola.
Isso me basta.
Em relação à primeira parte, quando S. Exa. disse que mandou ouvir o Alto Comissário de Angola para conhecer a sua opinião pessoal sôbre as promoções do quadro dos juizes, desejo acentuar, em princípio, que o Alto Comissário em Angola só é Alto Comissário em Angola, para êsse efeito, no dia em que tomar posse do seu cargo em Loanda.
Até então, só como ilustre colonial merece ser ouvido pelo Sr. Ministro das Colónias o por isso o seu conselho pode e deve ser acatado por S. Exa.
Apesar disso tudo, a proposta que está presente é aquela que, legalmente, foi feita pelo Conselho Legislativo de Angola.
É sôbre essa proposta que o Sr. Ministro das Colónias tem de pronunciar-se aprovando ou rejeitando, e mandando ouvir o Conselho Colonial e elucidando-o sôbre os motivos da rejeição.
É o que manda a lei.
Devo dizer acerca do que se tem escrito sôbre os serviços da 2.ª instância de Angola que a razão por que se encontram tantos juizes está unicamente na sem cerimónia da criação de lugares que ameaçava transformar Angola em um império.
Por isso o número de juizes deve ser reduzido, regressando-se à situação anterior, visto que o movimento da Relação de Angola é de certo inferior ao da Relação da índia.
Isto deve levar o Sr. Ministro das Colónias à convicção, qualquer que seja a conclusão a que se chegue, de que semelhante número de juizes é demasiado em Angola.
Portanto, os esclarecimentos especiais são desnecessários.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Joaquim Brandão: — Sr. Presidente: quero chamar a atenção do Sr. Ministro do Comércio para o estado deplorável em que se encontra a estrada n.° 79 que conduz de Cacilhas a Cezimbra. S. Exa., que conhece muito bem os negócios da sua pasta, não deve ignorar que aquela estrada merece todos os carinhos porque, além de ser de grande trânsito geral, é percorrida todos os dias por 35 a 40 camiões que conduzem de Cezimbra o peixe destinado a Lisboa.
Ora a capital está a braços com a carência absoluta de pescado em virtude da greve dos vapores de pesca, e, emquanto em Lisboa se vive na mais precária necessidade de peixe, em Cezimbra amontoam-se na praia quantidades brutais de pescado de várias qualidades, por falta de condução, sendo vendido por todo o preço para adubo das terras, o que nem sequer traz grande vantagem para a agricultura, porquanto é pobríssimo.
Assim, a cidade de Lisboa perde êste peixe, o qual minoraria muito as dificuldades de abastecimento com que luta actualmente.
Sr. Presidente: desejava que o Sr. Ministro do Comércio dedicasse a êste assunto todo o interêsse, tanto mais que qualquer quantia que S. Exa. destinasse a esta estrada seria largamente compensada pela valorização do pescado e concomitantemente pelo aumento do rendi-
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mento do imposto respectivo que é, como se sabe, importantíssimo, pois vai até 7,5 por cento.
Por conseguinte, tudo quanto se destine àquela estrada não é senão de vantagem para o Estado e para a colectividade.
Já que me estou referindo a êste assunto, chamo, a atenção de S. Exa. para outra estrada que conduz de Cacilhas a Azeitão, a qual é o único meio de comunicação entre a capital e o sul do País.
Se, porventura, se dêsse, por qualquer motivo, uma paralisação do caminho de ferro do Sul o Sueste, Lisboa via completamente cortadas as comunicações entre o sul e a capital por virtude dessa estrada estar intransitável.
Lamento que S. Exa. A não tenha ocasião de transitar por ela, para averiguar de visu quanta justiça e verdade se contém na minha informação e quanto são de atender as minhas considerações.
As estradas desta natureza têm uma larga importância num país que não é do turismo, mas quer ser considerado como tal.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Pires Monteiro): — Sr. Presidente: ouvi as palavras pronunciadas pelo Sr. Joaquim Brandão e posso dizer a S. Exa. o que já tenho, repetido nesta casa do Parlamento: que conheço a justiça das suas reclamações, mas que neste momento não é possível pelo orçamento atender à precária situação em que se encontram as nossas estradas.
O Parlamento autorizou o Govêrno a contrair um empréstimo de 15:000 contos e, dentro dessa autorização, o Govêrno publicou um decreto regulamentar, atendendo especialmente à estrada entre Lisboa o Pôrto o a estrada entre Cacilhas e Faro.
Estamos, porém, inibidos de mandar proceder a essa reparação, como desejaríamos, visto que as verbas orçamentais são exíguas e os rendimentos provenientes da lei que autorizou êsse empréstimo de 15:000 contos não estão ainda arrecadados.
Há hoje um grande número de vagas de cantoneiros, apontadores e chefes de conservação, devido a exigüidade dos vencimentos que lhes são atribuídos, e êsse problema não pode deixar de ser atendido pelo Parlamento.
Como o Sr. Joaquim Brandão não ignora, está entregue já a esta Câmara a chamada lei das estradas e, caso ela seja aprovada, nós poderemos então resolver metodicamente o problema das grandes reparações.
Não é o Sr. Joaquim Brandão a primeira pessoa que se me dirige neste sentido, pois já recebi reclamações até da própria Câmara Municipal que me ofereceu a pedra britada para as reparações.
Julgo absolutamente justas as reclamações apresentadas,e atendê-las hei nas deminutas possibilidades de que disponho.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente: o assunto a que há pouco se referiu o Sr. Joaquim Brandão, isto é, a reparação das estradas no círculo de Setúbal, já tem sido por mim tratado.
De todas as vezes que o tenho procurado, S. Exa. o Ministro do Comércio tem diligenciado, com a melhor boa vontade, atender as minhas reclamações dentro das possibilidades de que pode dispor.
O Sr. Ministro do Comércio sabe que tenho aqui tratado dia a dia do problema do barateamento do custo da vida. e hoje aproveito o ensejo de S. Exa. estar presente para pedir-lhe que me informe se as companhias dos caminhos de ferro e principalmente os serviços de caminhos de ferro do Estado estão dispostos, em face da melhoria cambial, a estudar a forma de baixarem o custo dos transportes.
Para, como Deputado da Nação, ter direito a pedir que o comércio baixe os preços dos vários géneros, é necessário dizer-lhe que os caminhos de ferro deminuíram as suas tarifas, porque, desde que as companhias dos caminhos de ferro e os serviços do Estado continuem a cobrar preços exorbitantes pelos transportes, os vários produtos hão-de, fatalmente, custar caro também.
Estou convencido de que o Sr. Ministro do Comércio não descurou este assunto, mas como até hoje não vi que esta questão tenha sido tratada, nem que a própria Administração Geral dos Caminhos de Ferro do* Estado tenha modificado as ta-
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rifas, ou peço a S. Exa. que estude o caso com atenção, porque é evidente que a melhoria cambial, que ultimamente se tem feito sentir, influirá directamente no custo do carvão e de outros produtos utilizados pelos caminhos de ferro e que vêm do estrangeiro e que os preços das tarifas podem e devem ser reduzidos. Tenho dito.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Pires Monteiro): — Sr. Presidente: a questão que o Sr. Tavares de Carvalho levantou a propósito das tarifas ferroviárias é uma questão que não me tem passado despercebida. Devo, no emtanto, informar S. Exa. e a Câmara de que ainda não chegámos à ocasião de as tarifas poderem ser deminuídas, pelo menos no que diz respeito aos caminhos de ferro do Estado, visto que o orçamento foi feito com a libra a 126$, tendo a libra pouco tempo depois subido a um câmbio muito mais elevado.
Nestas circunstâncias, houve um déficit considerável nos caminhos de ferro do Estado e por isso não é ainda ocasião de baixar as tarifas.
Julgo que o problema necessita de ser estudado. E justamente pelos caminhos de ferro do Estado que a deminuição de tarifas deve iniciar-se, para haver autoridade moral de exigir às companhias particulares que façam o mesmo.
Em todo o caso, vou estudar o assunto, de harmonia com os justos desejos do Sr. Tavares de Carvalho.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pamplona Ramos: — Sr. Presidente: pedi a palavra para agradecer, reconhecidamente, à Câmara o voto de sentimento que aprovou pelo falecimento de minha estremecida irmã.
Tenho dito.
O orador não reviu
O Sr. Rêgo Chaves: — Sr. Presidente: acabo de receber de Loanda uma dolorosa noticia que vem enlatar o País e em especial a aviação militar. O telegrama que me comunica essa notícia diz o seguinte:
«Dolorosamente comunico a V. Exa. que o aviador Emílio Augusto de Carvalho, ao aterrar anteontem, às 10 horas da noite, no campo da aviação depois de um vôo sôbre a cidade, foi vítima dum desastre, fracturando logo a base do crânio, falecendo hoje do madrugada, pelas 5 horas. O funeral realiza-se na segunda-feira. Sentidamente, comigo, toda a província deplora o acontecimento, apresentando à família do extinto, a V. Exa. e ao Govêrno sentidos pêsames».
O tenente aviador Sr. Emílio Augusto de Carvalho, cujo nome é bem conhecido como oficial e como aviador, ainda ultimamente realizou o circuito de Angola, demonstrando aquele arrojo e aquela perícia que são bem característicos nos nossos aviadores.
Proponho que seja aprovado um voto de pesar por êste doloroso acontecimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Colónias (Bulhão Pato): — Sr. Presidente: em nome do Govêrno, associo-me, com toda a mágoa, ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Rêgo Chaves.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maria da Silva: — Sr. Presidente: pedi a palavra para me associar, em come do Partido Republicano Português, ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Rêgo Chaves.
Lamentando profundamente o desastre em que perdeu a vida um oficial dos mais distintos, não posso deixar de registar que os nossos aviadores têm bem demonstrado, pela sua heroicidade e pelo seu espírito de sacrifício, as altas qualidades da nossa raça.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Garcia Loureiro: — Sr. Presidente: em nome dêste lado da Câmara, associo-me ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Rêgo Chaves.
É com viva emoção que o faço, porquanto fui companheiro na Escola de Guerra do tenente aviador Sr. Emílio de Carvalho.
As suas altas qualidades como militar e como cidadão presto, neste momento, o preito sentido da minha homenagem.
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O tenente Sr. Emílio de Carvalho, tendo realizado o recente circuito de Angola, levava nas asas do seu avião o nome glorioso de Portugal.
Associo-me, pois, em meu nome pessoal o em nome do Partido Nacionalista, ao voto de sentimento proposto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Viriato da Fonseca: — Sr. Presidente: em nome do Grupo de Acção Republicana, associo-me comovidamente ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Rêgo Chaves.
É mais um herói que baqueia no seu pôsto, cumprindo o seu dever. É mais uma vítima da aviação, dessa aviação à qual Portugal inteiro deve tanto reconhecimento pelos seus actos de heroicidade.
Associo-me, pois, em nome dêste lado da Câmara, ao voto de sentimento proposto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Juvenal de Araújo: — Sr. Presidente: associo-me, em nome da minoria católica, ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Rego Chaves.
O tenente aviador Sr. Emílio de Carvalho encontrou a morte numa dessas emprêsas tam genuinamente portuguesas, tam próprias das tradições da nossa Pátria.
O extinto pertence ao número daquelas figuras da nossa história que nas horas más que a nacionalidade atravessa surgem sempre no nosso caminho, com a sua santidade ou com a fôrça do seu heroísmo, a pôr diante de nós a flor duma esperança.
É com os olhos postos num exemplo tam grande que a minoria católica se associa ao voto proposto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: pedi a palavra para me associar ao voto de sentimento que acaba de ser proposto nesta Câmara pela morte do aviador militar Sr. Emílio de Carvalho.
É sempre com profundo sentimento que vemos morrer quem está ao serviço da
Pátria, mormente quando se trata de um oficial como era o falecido.
Assim, associo-me, como disse, ao voto proposto pelo Sr. Rêgo Chaves.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carneiro Franco: — Sr. Presidente: não podia deixar de me associar ao voto que foi proposto pelo, falecimento do Sr. Emílio de Carvalho, pelo facto de ser Deputado por Angola.
O falecido era um distinto aviador e muito se dedicava à reorganização dos serviços de Angola que foram ultimamente suspensos.
Oxalá que a sua memória sirva de incentivo para que essa reorganização se faça e não desapareça com a sua morte.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Em vista das manifestações da Câmara, considero aprovado o voto de sentimento, proposto pelo Sr. Rêgo Chaves.
O Sr. Portugal Durão (para um negócio urgente): — Sr. Presidente: por várias vezes nesta Câmara se tem aludido ao grave perigo que ameaça as nossas colónias pela ambição dos estrangeiros, sendo êsse um assunto que fortemente tem alarmado a opinião pública.
Não há muito que no XX Siecle, de Bruxelas, houve referências à situação das nossas colónias e à sua situação financeira.
Êste assunto é de alta importância e não pode deixar de interessar o Parlamento e a atenção dos Srs. Ministros das Colónias e dos Negócios Estrangeiros, que certamente alguns esclarecimentos poderão dar e até dizer se já promoveram algum desmentido a tais notícias, para mostrar que Portugal não abandona as suas colónias, nem permite que tais afirmações se façam, não devendo também os nossos aliados permitir essa campanha.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vitorino Godinho): — Sr. Presidente: já no Senado tive ocasião de dizer, em resposta ao Sr. Querubim Guimarães, que
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o artigo do XXe Siècle, de Bruxelas, não passava de uma atoarda, e que, assim que tive conhecimento dêsse artigo, telegrafei ao nosso representante para que o fizesse desmentir.
Agradeço ao Sr. Portugal Durão ter trazido a esta Câmara um assunto que necessita ser esclarecido.
As informações do XXe Siècle eram categóricas.
Interrogado o Govêrno Inglês, respondeu, porém, que nunca pensou em qualquer entendimento que visasse as nossas colónias e muito menos para atender qualquer pretensão alemã.
A êste respeito, posso ler à Câmara um memorandum que foi entregue ao nosso embaixador em Londres.
As informações vindas de Londres confirmaram as que recebi.
Na reunião de embaixadores, o Sr. Chamberlain teve ocasião de dizer ao Sr. Norton de Matos as mesmas palavras que o embaixador em Londres me comunicou.
Passo a ler as passagens mais interessantes do telegrama que recebi:
Em 2 de Novembro. — A Época reproduziu uma notícia que tinha sido publicada nó XXe Siècle, de Bruxelas, no sentido de que o Govêrno Britânico sugerira ao Govêrno Francês que Moçambique e Angola poderiam ser postos à disposição da actividade colonial alemã.
O embaixador de Sua Majestade foi autorizado pelo secretário de Estado de Sua Majestade para os Negócios Estrangeiros a declarar que o facto narrado pelo XXe Siècle é absolutamente falso.
O Times, de Londres, tem vindo publicando, recentemente as Cartas Secretas de Tirpitz.
Vê-se pelo Times, de 28 e 29 de Outubro, que Tirpitz fez as seguintes afirmações:
1.ª Haldane começou por abrir horizontes, os mais amplos possíveis, prometeu-nos toda a Angola, etc., etc.
2.ª ... Nesta altura as delicadas negociações para um acordo anglo-alemão marchavam muito bem, sôbre a base de compensar a Alemanha com possessões coloniais em África, que seriam obtidas de Portugal.
O embaixador de Sua Majestade foi autorizado também a negar a veracidade destas afirmações.
O Govêrno de Sua Majestade, longe de sugerir ao Govêrno Alemão que adquirisse as colónias portuguesas em África, chamou a atenção do Govêrno Alemão, em 1914, para a essência do chamado Tratado Anglo-Português, de Windsor, no qual a Grã-Bretanha renovou a confirmação das estipulações do tratado de aliança de 1661, pelo qual ficou obrigada a defender as colónias e possessões portuguesas».
Já vê o Sr. Portugal Durão qual foi o meu procedimento, e não podia ter outro.
Mandei imediatamente desmentir os boatos, e creio que S. Exa. ficará satisfeito com a minha resposta e a Câmara esclarecida sôbre o assunto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Colónias (Bulhão Pato): — Sr. Presidente: depois do que disse o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros pouco tenho a acrescentar, mas devo dizer que as palavras do Sr. Portugal Durão me dão motivo a não ficar silencioso.
Não podia ficar indiferente perante os factos que se passavam e tive de me informar no Ministério das Colónias.
A infiltração de alemães não existe; apenas se tem dado a de capitais.
As pessoas que têm entrado e saído são as normais, à roda de mil, o que não é para admirar numa colónia tam grande.
Armas têm entrado, mas simples caçadeiras e pistolas, não passando dumas 500 e trazidas por nacionais. Como V. Exa. vê, nada há para alarme, pois dentro das fronteiras nada se passa que seja contrário à nossa colónia.
São estas as informações que posso dar à Câmara.
O orador não reviu.
O Sr. Portugal Durão: — Agradeço as declarações que fez o Sr. Ministro e pelas quais se vê que a nossa velha aliada Inglaterra tem pugnado pelos, nossos direitos; mas não devemos descansar, antes provar com o nosso estorço que não consentiremos a mais pequena influência de qualquer nação dentro da nossa colónia.
O orador não reviu.
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O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vitorino. Godinho): Mando para a Mesa uma proposta de lei aprovando, para ratificação, uma emenda ao artigo 34.° da Convenção Internacional de Navegação Aérea, de 13 de Outubro de 1919.
O Sr. Ministro da Guerra (Vieira da Bocha): — Mando para a Mesa uma proposta de lei sôbre promoções de oficiais de engenharia e artilharia.
O Sr. Ministro da Marinha (Pereira da Silva): — Mando para a Mesa uma proposta de lei regulando a aplicação do imposto de farolagem a que se refere o artigo 7.° e seus parágrafos do decreto n.° 8:383, de 25 de Setembro de 1922.
Admissão
Projectos de lei
Do Sr. Crispiniano da Fonseca proibindo o fornecimento da cocaína ou morfina fora dos preceitos regulamentares.
Para a comissão de legislação criminal.
Dos Srs. Paiva Gomes e Amadeu de Vasconcelos tornando extensivo à Junta Geral do Distrito de Viseu o preceito de excepção consignado no § 1.° do artigo 1.° da lei n.° 1:453, de 26 de Julho de 1923.
Para a comissão de administração pública.
É aprovada a acta.
ORDEM DO DIA
Continuação do debate sôbre a situação financeira de Angola
O Sr. António Maria da Silva: — Mando para a Mesa, em cumprimento dos preceitos regimentais, estas duas moções de ordem:
A Câmara dos Deputados, considerando que é indispensável conhecer a importância dos encargos financeiros contraídos pela Colónia de Angola e as condições em que foram assumidos, bem como da utilidade e legalidade da aplicação das suas receitas, quer ordinárias, quer extraordinárias, passa à ordem do dia.
17 de Novembro de 1924.— António Maria da Silva.
A Câmara dos Deputados reconhece que o Govêrno procedeu de harmonia com os preceitos legais, apresentando a proposta de lei em discussão, e passa à ordem do dia.
17 de Novembro de 1924.— António Maria da Silva.
Sr. Presidente: por - circunstâncias várias, não assisti ultimamente a todas as sessões; mas permito-me a afirmação de que duas cousas resultaram dêste debate. A nota de pagamento, sôbre isto não pode haver dúvidas, tem de se satisfazer, e para isso tem de se aprovar quanto antes o projecto.
Quanto ao outro assunto, pode o Parlamento deter-se na análise, mas é indispensável que o Poder Executivo esclareça.
Outra cousa é preciso fazer: a averiguação do que se passou e para isso poderá o Govêrno nomear quem quiser, que pode ser o próprio Comissário ou quem de direito.
Quanto ao Ministro das Finanças apresentar a proposta, não podemos levar a mal êsse excesso de legalidade, pois perante a lei assim tinha de proceder.
Não é preciso dizer mais para justificar as minhas moções de ordem.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: o regimento diz que um orador, sempre que se inscreva sôbre a ordem, deve começar por enviar para a Mesa uma moção de ordem que sintetizará a doutrina que se propõe defender. Efectivamente, assim se tem procedido sempre. Nunca vi—o esta a primeira vez — um Deputado enviar para a Mesa duas moções.
Em presença dum facto que pode constituir um mau procedente, desejo saber em que disposição do Regimento S. Exa. se fundamentou para admitir na Mesa as duas moções que acabam de ser lidas.
Se, porém, V. Exa. está resolvido a admitir o precedente, que êle ao menos seja extensivo a todos os Deputados.
O Sr. Presidente: — Não vejo disposição alguma no Regimento que impeça
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qualquer Sr. Deputado de apresentar duas moções.
O Orador: — Mas o Regimento fala em moção, no singular, a não ser que S. Exa. admita que se diga «duas moção».
O Sr. Presidente: — Quem interpreta o Regimento é a Mesa.
São admitidas e entram em discussão as moções.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: seria uma injustiça tremenda acusar o actual Govêrno de ser o causador do protesto das letras, motivo da actual discussão.
Não! O Govêrno, neste particular, não tem nenhumas culpas e quem lhas imputar procede sem razão e comete uma injustiça.
Agora do que o Govêrno tem culpas, e culpas tam tremendas que o inabilitam de continuar naquelas cadeiras, é de não ter impedido que o protesto se efectivasse, ou pagando a as letras, ou vindo ao Parlamento, se êste estava aberto, o que nós ainda ignoramos, uma vez que o Govêrno ainda nos não elucidou com honestidade sôbre a data em que os protestos se fizeram.
Mas êste silêncio só pode levar-nos à convicção de que os protestos efectivamente se fizeram a tempo de o Govêrno vir ao Congresso pedir que o habilitasse a honrar os compromissos da Nação e digo da Nação porque não quero dizer de Angola.
Por muito que nos liguemos às teorias, a verdade é que para os interêsses nacionais e adentro do bom senso, que nem isso aqueles homens tiveram — o crédito de Angola não é senão o crédito do País.
Isto é que devia estar sempre bem presente no espírito de todos, para nos não levar a fazer afirmações ainda mais espantosas do que as de Von Tirpitz.
Quando no mundo inteiro se afirma que o critério sociológico é aquele que deve determinar toda a colonização, há alguém que se atreve a afirmar que Angola nos não dá lucro.
Um Parlamento que em pleno século XX alberga um tal critério sôbre colonização é um Parlamento que não sabe prezar o bom nome da acção colonizadora do País que diz representar.
Mas, reatando, Sr. Presidente, nós vemos que o Govêrno, pouco se preocupando com o crédito da Nação, deixou protestar as letras.
Não as pagou, nem veio ao Parlamento, Não veio ao Parlamento porque esteja estava fechado?
Não o sabemos, mas os Srs. Ministros das Finanças e das Colónias hão-de dizê-lo por honra própria.
Mas dêmos de barato que o Parlamento estava fechado; porque é que o Govêrno, em nome dos interêsses nacionais, o não convocou extraordinariamente?
Apoiados.
O Govêrno é, portanto, réu e réu que não merece absolvição.
Apoiados.
Mas procuremos ainda um motivo do seu procedimento.
Acaso o Govêrno estava em presença de circunstâncias que o impediam de convocar o Parlamento?
É possível. Mas então o Govêrno só tinha um caminho: pagar, pagar, honrando os compromissos da Nação e vindo depois ao Parlamento pedir um bill de indemnidade.
Qual seria dos homens desta Câmara que fôsse capaz de negar, para honra do crédito da Nação, um bill de indemnidade?
Nenhum, para honra de todos nós, que nos encontramos aqui, lhe negaria um bill de indemnidade; porém, para honra própria, o que lhe negaremos é mais um minuto de vida.
Sr. Presidente: já V. Exas. estão vendo que, pára se ser capaz de honrar compromissos, não é preciso ter talento, basta apenas ter um bocadinho de bom senso, e foi isso justamente o que o Govêrno não teve.
Sr. Presidente: o caso é do pagar ou não pagar e todos estamos de acordo em pagar, mas talvez fôsse bom termos ficado nisto: pagar honradamente os compromissos da Nação, deixando para noutra altura se discutirem as causas,ou as circunstâncias que levaram até o protesto das letras, e não prosseguindo no insulto.
É preciso respeitar a reputação dos homens, tanto mais quanto é certo que o
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ex-Comissário de Angola tem assento nesta casa do Parlamento.
É conveniente que nos respeitemos uns aos outros, não fazendo insinuações, e ainda pela razão que não temos um absoluto conhecimento de como os factos se passaram.
Agora, Br. Presidente, falando-se do inquérito, já se menciona o nome do inquiridor, o actual Alto Comissário de Angola, que eu tenho quási a certeza de que não aceita semelhante papel.
O Sr. Rêgo Chaves (interrompendo): — Não tenha V. Exa. dúvidas sôbre isso.
Pode V. Exa. ter a certeza absoluta de que foi uma cousa que eu declarei, ao tomar posse do meu lugar: que não aceitaria, de maneira nenhuma, o papel de inquiridor, tanto mais tratando-se do meu antecessor.
O Orador: — Vejam V. Exas. como a gente deve fazer justiça aos homens. Dizendo que tinha quási a certeza de que o actual Alto Comissário não aceitava o papel de inquiridor, não me enganei; S. Exa. está disposto a ir para lá administrar e mais nada.
Sr. Presidente: não quero procurar saber as razões que levaram Angola a esta situação; devo porém dizer que a conversão dos francos belgas em libras assustou muita gente; mas, Sr. Presidente, o que na verdade há, a considerar é que há um Govêrno que, perante um assunto desta magnitude, não se importou com o crédito da Nação, não procurou resolver o caso por um acto próprio de administração, vindo depois ao Parlamento pedir um bill de indemnidade que nós não negaríamos para honra da Nação.
Era êste um acto de bom senso, que, na verdade, o Sr. Ministro das Finanças não praticou, pois que não soube respeitar os compromissos nacionais.
Para terminar, Sr. Presidente, devo dizer somente o seguinte: é que os homens passam e a Nação fica e pelo interêsse da Nação temos de sacrificar os homens.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Portugal Durão: — Sr. Presidente: nesta altura do debate, em que a Câmara já está cansada de ouvir falar sempre no mesmo assunto e dificilmente a poderei interessar, é meu dever limitar o mais possível as minhas considerações e tomar-lhe muito pouco tempo.
Vou apenas fazer mui rápidas considerações, apresentar uns certos pontos de vista e porque não ficaria bem com a minha consciência, como velho colono em Moçambique, se não viesse aqui dizer também o pouco que sei do assunto.
Devo começar por felicitar o Sr. Ministro das Colónias pela notícia que nos deu, de que se está reduzindo bastante a dívida da nossa província de Moçambique, e a notícia deve ser para todos nós tanto mais agradável quanto é certo que S. Exa. não acrescentou que essa dívida se estava reduzindo, à custa de outra dívida.
A redução da dívida de Moçambique é um caso de altíssima importância. É a prova de que as despesas estão diminuindo, embora eu saiba, de certeza absoluta, que não estão sendo reduzidas como era possível reduzi-las.
E, Sr. Presidente, visto ter de tratar da situação financeira de Angola, que intimamente se prende com a da metrópole, eu não posso deixar de felicitar o Sr. Ministro das Finanças pela melhoria cambial que tem conseguido, devido, sem dúvida, ao zelo e competência que S. Exa. tem pôsto ao serviço desta causa. Com isto não quero, porém, significar que abdique das minhas opiniões já aqui apresentadas.
Toda a gente tem hoje medo de falar da melhoria cambial, porque todos os que duvidam dos benefícios que dela resultam para o País são considerados traidores que desejam a desvalorização do escudo, ou porque recebem os seus rendimentos em ouro, ou porque têm os seus capitais no estrangeiro.
Em face duma tal chantage, que não é da opinião pública, mas de meia dúzia de
ignorantes ou mal intencionados, muita gente se exime a apresentar a sua opinião.
Sr. Presidente: eu já ouvi uma vez, nesta Câmara, o Sr. Álvaro de Castro, antigo Presidente do Ministério, dizer que tencionava deixar actuar os elementos naturais para levar o câmbio até à paridade.
Ainda há poucos dias o Sr. Ministro das Finanças também aqui falou na paridade.
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Pareceu-me, porém, que S. Exa. não se referia à paridade legal, mas a outra que não precisou.
É preciso que nos entendamos!
As nossas dívidas contraídas depois da guerra, expressas em escudos à paridade antiga, representam qualquer cousa de verdadeiramente esmagador.
Se por um milagre qualquer fôsse possível levar hoje o escudo à paridade o restabelecer a sonhada felicidade neste atribulado País, as conseqüências seriam que só por virtude das dívidas contraídas pelo Estado para com o Banco de Portugal, e do aumento da dívida flutuante, a Nação encontrar-se-ia a braços com uma dívida cifrada em cêrca de 300 milhões de libras, que, ao juro de 6 por cento, daria o encargo anual, não contando com a amortização, de 18 milhões de libras, ou seja mais do que era o total das receitas de Portugal, antes da guerra.
Isto prova que é - impossível ao País saldar os seus compromissos, se o câmbio voltar à paridade legal. E prova ainda mais. Prova que o problema do câmbio tem de ser resolvido pelo estudo e não pela fantasia ou pela paixão.
É preciso resolvê-lo pelo trabalho de todas as competências dêste País, estejam onde estiverem. É necessário averiguar qual é a solvabilidade do País.
Estabelecida a confiança, normalizada a nossa situação financeira, a nova paridade em torno da qual se deverá estabilizar o câmbio só pode ser determinada pela nossa solvabilidade.
Quanto podemos pagar? Esta é que é a questão.
Devo dizer com desassombro que a obra a fazer, para solução dêste problema, não pode ser de um só Partido. Tem de o ser de todos.
Tem de se assentar em qual a paridade em que é possível ao País honrar os seus compromissos e continuar a viver sem ter de sobrecarregar o contribuinte com uma carga fiscal esmagadora.
O problema não se resolve com frases.
Quando ouço dizer que a divisa de 1 3/8 não corresponde à situação económica do País, dá-me vontade de rir.
Atira-se com uma frase e fixa-se um número: é pueril!
Para fixar números são necessários cálculos. Só depois deles é que se poderá
chegar a números, e depois de feitos todos os cálculos, quantas vezes, em matéria cambial, nem os factos demonstram que os resultados estão certos.
Uma empresa comercial, fazendo o seu balanço, acharia fàcilmente qual a quantia a distribuir pelos seus credores. No Estado, o processo evidentemente não pode ser o mesmo. Teremos de ou deixar os factores económicos actuar normalmente até que o câmbio, sustando a sua marcha, passe a oscilar durante algum tempo em torno duma corta divisa, ou então, fixando o valor a atribuir ao nosso débito, determinar essa divisa, o para ela procurar caminhar sem perturbar a vida económica da Nação.
O caminho da melhoria cambial é por vezes mais penoso que o caminho inversamente percorrido. E se entre nós se tem dado a brusca variação cambial que temos observado sem fortes comoções, se o País aparentemente, pelo menos, não está sendo perturbado pela forte oscilação cambial, é porque, exceptuando uma pequena diferença no preço dos géneros de importação, tudo continua ao mesmo preço.
De resto, os preços não tinham atingido o nivel correspondente à paridade cambial e. isto por virtude daquele fenómeno conhecido pelo nome de inércia dos preços.
Determinada a nova paridade e atingida esta, o que se torna indispensável é' a estabilização da moeda.
Tenho dito e direi sempre que é indispensável restituir à moeda a sua função de medida de valores e que, emquanto não conseguirmos que a nossa moeda seja estável não poderá haver tranqüilidade no país.
Qual é a influência que a solução dada ao nosso problema cambial deve ter na situação económica e financeira de Angola?
Disse aqui o Sr. Rêgo Chaves que a província de Angola, ao abrigo da lei que a autorizou a contrair empréstimos, realizou no Banco Ultramarino empréstimos sucessivos que atingem a importância total do 165:000 contos, se bem me recordo.
Foi até 60:000 contos a autorização concedida, tendo a província contraído empréstimos no Banco Ultramarino até
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um valor que não atinge 8:000 contos ouro.
Foram êsses empréstimos que ao câmbio do dia atingiram a soma de 165:000 contos.
Sr. Presidente: nestes três meses, com a melhoria cambial, o valor da dívida aumentou 33 por conto e, se a divisa cambial continuar a melhorar, a província é afectada correspondentemente.
Se o câmbio chegar, ao par, Angola, que recebeu 165:000 contos papel, ficará a dever 165:000 contos ouro, e dar-se-há essa situação paradoxal de à sombra de uma autorização para contrair empréstimos até 60:000 contos ouro, tendo de facto utilizado apenas cêrca de 8:000, ficar devendo 165:000 contos ouro. Eis mais um exemplo dos absurdos a que pode levar a melhoria cambial se ela não obedecer a um plano, se as necessárias precauções não tiverem previamente sido tomadas.
Sr. Presidente: a situação da província de Angola, tal como o Sr. Rêgo Chaves tam claramente apresentou, traduzindo-se por uma dívida total de 3.500:000 libras fora o empréstimo de 1917 e o empréstimo do álcool, para quem conhece essa província, os seus recursos vastíssimos, a sua larga capacidade de produção, está longe de ser alarmante.
Apoiados.
Dizer que a província de Angola está esgotada, está arrumada, porque tem essa dívida, é atentatório do bom senso.
Apoiados.
É atentatório da dignidade humana dizer-se uma barbaridade desta ordem.
Apoiados.
Pode ter havido erros; houve os decerto e porventura graves, mas não é afectado por isso o futuro da província de Angola.
Podemos estar inteiramente tranqüilos quanto ao futuro.
Não acontece, porém, o mesmo relativamente ao presente.
A província de Angola tem de pagar até fim do corrente ano, além das 60:000 libras agora pedidas, mais 58:347 contos conforme consta dos documentos que o Sr. Ministro das Finanças pôs à disposição da Câmara.
Mas não basta pagar estas quantias é necessário ainda habilitar a província a realizar as suas transferências de fundos.
Para resolver o problema das transferências não vejo senão uma solução: abrir um crédito à província.
Suponhamos que é indispensável, para resolver o problema das transferências de Angola, abrir um crédito de 30:000 contos.
Com os 58:000 contos de que falei, temos números redondos. 90:000 contos.
Ao câmbio actual, são cêrca de 900:000 libras.
Êste é que é um dos aspectos graves dos problemas de Angola, que urge resolver sem demora.
E censura-se o Govêrno por não ter convocado o Parlamento para o caso das 60:000 libras! Que é esta quantia em faço da importância total dos encargos imediatos da província?
Se fôsse Govêrno, eu não teria convocado o Parlamento; confesso-o com a sinceridade de que costumo usar.
Eu mandava pagar as letras. Não consultava a Procuradoria da República,
Se a lei n.° 1:575 autorizou a redução dos juros da dívida externa, também autorizava a pagar as letras do Estado.
Apoiados.
Esta é a minha maneira de pensar.
De resto, só agora o Govêrno possui os necessários elementos de apreciação e seria inútil vir à Câmara sem êsses elementos.
O Sr. Lopes Cardoso: — Sem elementos nenhuns. O Govêrno não os trouxe à Câmara.
O Orador: — Eu tenho-os na minha mão. Se V. Exa. os quiser, também os terá: trouxe-os o Govêrno.
O Sr. Jorge Nunes: — O Govêrno já os tinha antes do vencimento das letras.
O Orador: — Não os tinha, só agora os tem. Creio ter o direito de esperar que ninguém, ao tratar uma questão desta natureza, me acuse de faccioso.
Não o sou, nunca o fui. Ainda há pouco fui dos que, ao tratar da questão da redução dos juros, estive ao lado da minoria, arriscando-me mesmo a ser acusado de indisciplinado no meu partido. O que eu disse foi-me tam somente ditado pelos interêsses superiores do país, como
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eu os entendi e entendo. E ponho sempre êsses interêsses acima das conveniências partidárias.
Não me arrependi ainda do que disse então. Mas voltando ao assunto.
Como nós costumamos apelar para o que se diz no estrangeiro; se a Câmara não se cansa, eu vou ler a V. Exas. uma pequena notícia publicada no jornal The Times, em 13 dêste mês, e que há pouco traduzi, notícia que vem inserta na página financeira, e, conseqüentemente, lida por toda a gente a quem êste assunto interessa.
A notícia é a seguinte:
«No começo de 1922 foi feito um acordo com o British Export Credit Department para o financiamento de mercadorias exportadas para Portugal, tendo sido fixada em 3.000:000 libras a importância do crédito concedido, pagável em prestações até 1927, ficando o Govêrno Português responsável pela importância.
Dêste crédito foi utilizada a importância de cêrca de 2.000:000 libras, incluindo 900:000 libras que foram aproveitadas na compra de material de caminho de ferro para a província de Angola, a qual tem uma administração financeira independente da metrópole.
A colónia está neste momento sofrendo uma crise financeira e lutando com dificuldades em obter os fundos necessários para o pagamento das prestações em dívida, e apela para o Govêrno da metrópole. Entretanto, a lei que autorizou o Govêrno Português a utilizar o crédito não previu essa utilização fora de Portugal, e o Conselho Superior de Finanças, a quem o assunto foi submetido, foi de opinião que não existe lei que permita ao Govêrno satisfazer aquele pagamento.
Não se trata evidentemente do repúdio da dívida. Trata-se tam somente de dificuldades de ordem técnica e de carácter interno, e que podem ser resolvidas de várias maneiras, com uma lei decretada pelas Câmaras. Ainda o Govêrno pode, por exemplo, adiantar à província de Angola as quantias necessárias.
Quem ler esta notícia, que põe a questão nos seus devidos termos, conclui logo que não se trata de um caso que afecte a honra do país, mas de uma questão de
formalidades a preencher, demoradas sempre, e que os ingleses conhecem tam bem como nós, e a que chamam o red-tape.
Por conseqüência, Sr. Presidente, não vejo que ao Govêrno caiba responsabilidade nesta questão, porque, se é certo que as letras foram protestadas durante a gerência do actual Govêrno, o que é indubitável é que o dia do seu vencimento foi anterior ao da sua posse, e nesse dia elas não foram pagas, nesse dia deixou de ser honrada a nossa assinatura. As letras foram descontadas em Londres pelo Middland Bank, e mandadas à cobrança pela casa Fonsecas, Santos & Viana. Apresentadas a pagamento, não foram pagas; logicamente foram protestadas. Por culpa do actual Govêrno? Por culpa do anterior?
Elas foram protestadas porque Angola contraiu compromissos superiores às suas fôrças, e os Governos da metrópole tiveram de estudar a forma de os saldar.
Porque é que em torno desta questão, com a qual o Govêrno nada tem, se faz uma campanha desta natureza?
O Sr. António Maria da Silva (em àparte): — E para entreter a debilidade.
O Orador: — Sr. Presidente: a situação financeira de Angola é grave pela sua acuidade. O Govêrno certamente se verá obrigado a trazer à Câmara qualquer proposta para saldar os débitos da província, ou terá do obter no estrangeiro qualquer cousa como 90:000 contos, para fazer face aos encargos da província até o fim do ano. Se o Govêrno propuser a realização dum empréstimo, não terei dúvida era o aprovar, porque êle não será desta vez o carro triunfal que os Altos Comissários julgam indispensável à sua entrada na colónia, com aquela noção de que um Alto Comissário não é um administrador, mas uma cornucópia.
Sr. Presidente: já que falei em empréstimo, devo dizer à Câmara que uma vez, estando eu no Ministério das Finanças, se passou o seguinte facto:
O Poder Central tinha mandado emissários a Londres procurar a realização dum empréstimo. O governo da província de Moçambique, aproximando-se dos mercados de Londres, tratava da negociação dum empréstimo. O governo da
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província de Angola tinha também mandado emissários à América para tratarem da negociação dum empréstimo. Quere dizer, andavam todos, Portugal e duas das suas colónias, por êsses mundos, de mão estendida à finança internacional, nem sempre de 1.ª classe, e o resultado é que ninguém conseguira nada.
Êste facto afecta de tal maneira o crédito e dificulta tanto a obtenção de qualquer auxílio financeiro em qualquer país do mundo, que a Alemanha estabeleceu uma lei pela qual todos os estados e municípios ficam proibidos de negociar seja que empréstimo fôr, sem ser por intermédio do Ministro das Finanças.
Para êste facto chamo a atenção dos Srs. Ministros das Colónias e das Finanças, porque é indispensável que, mesmo os empréstimos autorizados pelo Parlamento, não sejam negociados sem a intervenção do Ministro das Finanças.
É inadmissível que esteja uma comissão em Londres, semanas e meses, a negociar um empréstimo, e que o Ministro das Finanças não saiba o que se está
O Sr. Ministro das Finanças (interrompendo): — É preciso reformar as leis
orgânicas.
O Orador: — A lei orgânica não prevê, mas não proíbe a intervenção do Ministro.
O Sr. Ministro das Finanças (Interrompendo): — Mas a intromissão seria abusiva.
O Orador: — Sr. Presidente: eu devo dizer à Câmara que concordo com as moções do Sr. António Maria da Silva. A primeira diz:
Leu.
Então é possível que o Alto Comissário possa administrar Angola sem conhecer previamente a importância dos encargos financeiros da província, sem minuciosamente conhecer a sua situação financeira?
O Sr. Rêgo Chaves (em àparte): — Leia V. Exa. o resto.
O Orador: — Diz ainda a moção:
Leu.
Então S. Exa. não há-de averiguar se as obras iniciadas na província são ou não úteis?
O Sr. Rêgo Chaves não vai para Angola ficar mudo e quedo, pois que o país e o Govêrno precisam de elementos para apreciar a sua acção. Todo o país espera que êle seja um bom administrador, e para o ser é preciso averiguar tudo quanto se passa na província de Angola.
O Sr. Rêgo Chaves (interrompendo): — O que é preciso é administrar.
O Orador: — S. Exa. não pode fazer tábua rasa do que se tem passado, porque a sua administração tem de ser a conseqüência lógica das administrações anteriores.
Hoje parece ponto assente aqui e em Angola que a administração anterior é uma administração que todos devem condenar. Mas a verdade é que até há pouco toda agente fazia os mais rasgados elogios ao Sr. Alto Comissário Norton de Matos, como eu ouvi ainda não há muito tempo, quando passei pelos portos da província. Então, lá como cá, era oporão quási unânime de que Angola caminharia seguramente para uma fase de enorme prosperidade e chegava-se a dizer que em á breve se encontraria em situação de ser o grande celeiro da metrópole.
Todos estavam convencidos de que a obra que o Sr. Norton de Matos realizara em Angola seria de efeitos quási instantâneos. E eu que passei alguns anos a trabalhar na província de Moçambique, e que conheço, portanto, praticamente os anos que são necessários para se obterem resultados de qualquer empreendimento, preguntava a mim próprio como seria possível alcançar de um momento para outro, em Angola, essa maravilha que tantos sonhavam.
Eu que conheço a África do Sul, do tempo em que de Lourenço Marques para Joanesburgo se ia em carro boer, que assisti à acção que foi desenvolvida para tornar o Niassa e a Rodésia naquilo que hoje são, e vi que só depois de muitos anos de trabalho e de muito despêndio de capitais se conseguia obter alguns resultados positivos, é que sei que nada se consegue sem tempo, sobretudo em África.
Não era crível que Angola pudesse
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ser transformada de um dia para outro nesse Eldorado salvador do País.
Mas, Sr. Presidente, em Angola havia uma imprensa, havia uma opinião pública e havia funcionários, alguns deles muito competentes.
Existia um Conselho Legislativo, representando toda a província, distrito por distrito. Pois bem! de nenhum dêstes elementos partiu qualquer movimento de protesto ou manifestação de desacordo com a acção do Alto Comissário. Estavam todos de acordo com os planos dêsse Alto Comissário que foram sempre aplaudidos pelo Conselho Legislativo e, portanto, se houve erros, há muita gente que neles tem a sua cota parte de responsabilidade; se houve crimes, há muito e muito cúmplice.
Não se compreende que, agora, todos êsses que aplaudiam se ponham ao largo, e, renegando todas as afirmações feitas quer nos jornais, quer em cartas para a metrópole, quer em festas oferecidas ao Alto Comissário digam: «esse homem é um inepto! êsse homem é um criminoso!»
Isto é demais. Não estou a defender o Sr. Norton de Matos.
S. Exa. não está em Angola, onde devia estar, porque não quis voltar para lá; e, se quisesse defender-se, tinha aqui, nesta Câmara, o seu lugar para o poder fazer.
O que eu quero é acentuar que a autonomia financeira das colónias tal como está não é nada.
Não é autonomia das colónias, mas porventura um processo de criar tiranetes no meio de uma multidão de irresponsáveis.
Se queremos continuar a ter colónias, e se pretendemos administrá-las convenientemente, é indispensável que o regime em que actualmente se encontram seja modificado por forma a que não seja possível darem-se cousas como aquelas de que ultimamente nos temos ocupado em relação a Angola. Se tanto fôr necessário volte-se à forma primitiva.
Sr. Presidente: a política que Angola seguiu, sob a acção do seu ex-Alto Comissário, foi a que, naturalmente, agradava a toda a província. Gastava-se muito dinheiro, mas todos aproveitavam alguma cousa com isso.
Mas fez-se alguma cousa?
Fez-se realmente; iniciou-se pelo menos ama obra de fomento.
Não cabia, é certo, na capacidade financeira da província e do nosso crédito e por êsse motivo no dia em que chegaram os primeiros vencimentos a honrar no estrangeiro, e tendo sido esgotadas todas as coberturas que a província tinha na metrópole e no estrangeiro, houve a falência, vieram as letras protestadas e a província não pôde continuar a sua obra. Mas, seja como fôr, alguma cousa ficou feita: há muitas estradas, muito material de caminhos de ferro, estudos de vários trabalhos a realizar, emfim, chamaram-se fortemente as atenções do País e do estrangeiro para Angola.
Posso afirmar que o potencial económico de Angola aumentou extraordinariamente.
Entretanto Sr. Presidente, que se passara na metrópole?
Já sabemos que na província, a imprensa, a opinião pública e o Conselho Legislativo não impediram, antes apoiaram sempre a administração, que hoje todos dizem mal orientada, feita pelo Alto Comissário; mas por seu lado qual foi a atitude do Ministério das Colónias?
Em boa verdade, não posso deixar de fazer esta pregunta, de estudar êste aspecto da questão.
Não me refiro aos Ministros que têm passado pela pasta das Colónias, nem ao actual Sr. Ministro. Refiro-me à entidade Ministério das Colónias.
Que organismo é êsse que após dois anos dessa tam reclamada obra de Angola, e no dia em que aparecem letras protestadas para se pagarem, não tem elementos que habilitem o Govêrno a expor claramente ao País a situação financeira da província?
Como é que isto pode suceder?
Sucede porque não há no Ministério das Colónias uma única repartição que se interêsse, que esteja, a par do que se passa nas colónias. Parece incrível, mas é assim. Até mesmo nem um único jornal da África do Sul ali se encontra!
Se a Câmara me permite, eu abusarei um pouco mais da sua atenção para lhe contar um caso que se passou comigo há muitos anos.
Regressando de Moçambique depois de ter percorrido toda a região da África do
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Sul, desde o lago Niassa ao Cabo da Boa Esperança, e encontrando-me em Londres, pediu-me um amigo meu, muito relacionado no Ministério dos Colónias, para me apresentar ao Sub-Secretário de Estado das Colónias.
Acedendo ao pedido que se me fazia, fui apresentado ao Sub-Secretário de Estado, que depois duma ligeira conversa me pediu para sôbre a Rodésia e Nyassaland dar uns pequenos esclarecimentos a um funcionário, em face de um mapa contendo toda a África.
Estabeleceu-se conversa sôbre assuntos da região e, durante duas horas, fui largamente interrogado sôbre tudo quanto de interessante pudesse contar da minha viagem.
Dois dias depois, era convidado para um lunch na sede da South África Company.
Trocando-se impressões sôbre Victoria Falls, tive ocasião de notar que seria muito interessante que aos viajantes fôsse fornecido um pequeno mapa das quedas de água, com os necessários esclarecimentos.
Não tardou o Sub-Secretário de Estado a mandar agradecer a minha visita, e algumas semanas após a minha chegada a Lisboa era-me enviado pela South África um pequeno mapa que tinha mandado fazer conforme as minhas indicações:
Vim para Lisboa, e poucos dias após o da minha chegada, eu, ainda ingénuo, fui ao Ministério das Colónias, de uniforme n.° 2, como então se usava, apresentar os cumprimentos ao Ministro.
Estivo três horas à espera de ser recebido.
Vi passar vários caciques e vários pretendentes e eu que nada pretendia, mas que também nada valia, no fim de três horas desisti e fui-me embora, pedindo ao secretário para dizer ao Sr. Ministro que mais sacrifício fizera em passar ali três horas do que três anos em África.
A questão é que nós não temos política colonial.
Apoiados.
Não há um programa colonial (Apoiados), o como não o temos como pode o Ministro orientar a acção dos Altos Comissários, como pode fixar as directivas da sua administração?
Eu nunca governei colónias e por isso pregunto àqueles que as têm governado
se têm recebido instruções sôbre a colónia que vão governar.
Agora, chegou a Pretória o Sr. Azevedo Coutinho, e vejo pelos jornais que vai negociar a convenção com o Transvaal.
Qual é a política que vai seguir-se nessas negociações com o Transvaal?
Sr. Presidente: estou cansado e peço a V. Exa. que consiga estabelecer o silêncio, pois não posso levantar mais a voz, e desejo ser ouvido.
O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara.
O Orador: irá pois era lá admissível, se tivéssemos política colonial, que se prolongasse o caminho de ferro de Moçambique, que nada tem que transportar, de preferência a pôr-se em condições de funcionamento o caminho de ferro de Ambaca, onde as mercadorias aguardam semanas e meses para ser transportadas?
Gasta-se dinheiro e dinheiro sem garantia alguma da província e remuneração ou utilidade, sem necessidade alguma, e depois não há dinheiro para aquilo que é de extrema necessidade.
Permitiu-se à Rodésia, de igual modo que ao Transvaal, que recrutasse indígenas para os seus trabalhos mineiros e, no emtanto, a Zambézia não se desenvolve por falta de braços.
Assim, amanhã as colónias inglesas do sul virão chamar-nos ineptos por não desenvolvermos os nossos territórios, quando tal facto é derivado da circunstância de cedermos os braços que nos são necessários para êsse desenvolvimento.
Então se tivéssemos política colonial, podíamos lá desinteressar-nos como nos desinteressamos do caminho de ferro de Benguela, que tam valioso elemento de valorização podia ser para a província de Angola, quando fôsse buscar o cobre das minas de Catanga, que hoje ainda vai sair pela Beira, mas que amanhã poderá ir para a Swakopmand ou Banana?
Iniciaram-se as obras no porto de Loanda que, na verdade, por agora não precisa mais do que aquilo que já tem.
E no Lobito para quê?
Onde havia os capitais necessários para a realização dessas obras? O Ministro das Colónias não sabia isto?
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sabia que iam ser tomados enormes compromissos?
E que diremos dás fomes de Cabo Verde?
Todos os anos se pede dinheiro para os famintos de Cabo Verde, que são já uma instituição nacional.
E que diremos de Timor, onde todos os anos há déficit, para cobrir o qual os Governos todos os anos vêm ao Parlamento pedir uma verba?
Agora mesmo, Sr. Presidente, se vão iniciar as negociações, para uma convenção com o Transvaal.
Estamos nas vésperas de se dar um passo que pode, para muitos anos, talvez para todo o sempre, comprometer o futuro da nossa província de Moçambique.
Não pode o Govêrno — não digo hoje, mas qualquer dia - explicar à Câmara, nas suas linhas gerais, qual é a política que tenciona seguir em tal matéria?
Bem sei que pode haver pontos confidenciais, mas — e para isto chamo a atenção do Sr. Ministro das Colónias — o que é indispensável é que no nosso País e no Transvaal se saiba que há um certo número de princípios de que não abdicamos, de interêsses que de maneira nenhuma estamos dispostos a abandonar.
Apoiados.
Sr. Presidente: vou concluir, fazendo os meus sinceros votos por que a Câmara resolva ràpidamente esta questão, porque ela nada vale comparada com todos os interêsses que estão em jôgo e ainda porque um assunto em que o Govêrno não teve a mais pequena interferência não pode transformar-se num debate político.
E terminarei agradecendo à Câmara a atenção que me prestou, que muito me lisonjeia, mas que, sobretudo, prova uma cousa: é que podemos ser todos modestos portugueses — e eu sou de todos o mais modesto — mas queremos continuar a ser modestos portugueses de um Portugal grande!
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ginestal Machado: — Sr. Presidente: começo por me congratular com o regresso do Sr. Presidente do Ministério a esta Câmara e sinceramente o faço,
porque tal facto significa que a saúde de S. Exa. vai melhorando.
Muito estimarei que S. Exa. ràpidamente se restabeleça por completo; apenas lamento que ainda não esteja completa-mente restabelecido.
Congratulo-me, também, com a presença do ilustre Presidente do Ministério nesta Câmara, porque V. Exa. poderá, certamente, trazer para o debate esclarecimentos que ainda nos faltam e elucidarmos quanto àqueles pontos desta questão que interessam à política geral do Govêrno, pontos que por nenhum dos ilustres colegas de S. Exa. aqui foram versados nos dias sucessivos em que tem ocupado a atenção da Câmara a chamada questão de Angola.
Se o Sr. Presidente do Ministério não estivesse presente, naturalmente, dispen-sar-me-ia de usar da palavra, visto que dêste lado da Câmara a questão, em si,
está já suficientemente esclarecida.
Acerca dela e logo quando sob o modo de votar vários Deputados entenderam dever falar, os dois ilustres leaders nacionalistas, Srs. Jorge Nunes e Lopes Cardoso, usaram da palavra.
Depois, o Sr. Ferreira da Rocha, meu ilustre correligionário e um dos coloniais mais distintos, não só dos que têm assento no Parlamento, mas de todo o País, ocupou-se da questão de Angola com uma precisão, com uma clareza, com um conhecimento invulgar o com uma incontestável competência, e seria, realmente, da minha parte pretensão ridícula o tentar trazer aqui alguma cousa mais além do que pelo Sr. Ferreira da Rocha foi dito.
Acerca da acção que o Partido Nacionalista entende dever adoptar-se, o meu ilustre amigo, Sr. Lopes Cardoso, hoje leader dêste Partido, foi claro e preciso, usando até de grande energia ao sublinhar essa acção.
Assim, como disse, eu bem me podia dispensar de usar da palavra.
Não posso trazer novidades, não posso trazer informações ou esclarecimentos, mas apenas aproveitar-me daqueles que aqui têm sido dados e sôbre êles chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério, visto que não tem podido assistir ao debate.
Antes de entrar propriamente na questão, permita-me V. Exa. que eu abra
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um parêntesis, um episódio — que até já episódio se chamou à questão de Angola.
Quando o ilustre Deputado, Sr. Portugal Durão, que sempre ouço com atenção e proveito, fazia o elogio do Sr. Ministro das Finanças, cuja obra ainda não condenei, visto que aguardo os seus resultados para depois então a apreciar, e folguei até que dessa obra S. Exa. falasse porque assim tive ocasião de constatar que a- respeito dela e das suas possíveis conseqüências é Sr. Portugal Durão, que possui uma competência que eu não tenho, pensa da mesma maneira que eu já tenho exteriorizado em entrevistas nos jornais, nessa ocasião, dizia eu, o Sr. Paiva Gomes, num àparte e em voz baixa, disse que nós, os nacionalistas, e pela minha boca, fazíamos monopólio das competência» financeiras e que queria ver o que nós faríamos, apelando o Sr. Portugal Durão para todas as competências, estivessem onde estivessem e até mesmo fora dos chamados partidos constitucionais.
E S. Exa. referiu-se ao que dizia um jornal acerca do que eu disse ontem numa festa nacionalista, festa que foi, acima de tudo, essencialmente republicana e cheia de fé.
Mas eu, que tomo sempre a responsabilidade do que faço, gosto também de tomar apenas aquela que me compete pelos meus actos.
Tive o cuidado, Sr. Presidente, de frisar que no meu Partido existem pessoas e das mais competentes em assuntos financeiros,
Eu estou certo de que a Câmara não me negará a veracidade desta afirmação.
Eu disse mais ainda, Sr. Presidente, que não havia unicamente um ou dois homens no meu Partido nas condições que frisei, mas os bastantes para formar até sucessivos ministérios.
Eu estou convencido, repito, de que a Câmara não me negará igualmente a veracidade desta outra afirmação.
Não quero dizer com isto que nos outros partidos não existam também autênticos financeiros; nós temos os nossos, êles têm os seus e o País ajuizará quais são os mais competentes.
Sr. Presidente: vou entrar agora propriamente na célebre questão das letras
de Angola e para renovar os esclarecimentos que aqui têm sido trazidos. Começo por declarar a V. Exa. e à Câmara que um dia, antes de essa questão ser presente ao Parlamente, o Sr. Ministro das Finanças quis ter a gentileza de vir ao meu lugar mostrar a proposta que ia apresentar.
E, dizendo eu a S. Exa. que não era o leader do meu Partido, designando-lhe as pessoas a quem poderia dirigir-se, S. Exa. me respondeu que tinha gosto em que eu a lesse.
Desde êsse momento, eu disse logo ao Sr. Ministro das Finanças que estava de acordo com a opinião de que o Estado Português devia honrar Os seus compromissos e que tinha a certeza de que era êste o sentir do Partido Nacionalista, mas que entendia — e nisto também não era diferente o pensamento do meu Partido — que era absolutamente preciso aplicar sanções.
S= Exa. não me respondeu o nem eu lhe pedi a sua opinião, porque chegaria a ser um desprimor, porquanto, com a sua consciência recta, S. Exa. por certo não discordaria dos nossos pontos de vista que frisei.
Tenho também a convicção de que a resposta dos ilustres leaders do meu Partido foi idêntica àquela que eu dei ao Sr. Ministro das Finanças — e nem podia ser outra — isto é, que o Estado não podia fugir ao cumprimento dos seus compromissos.
Sr. Presidente: eu já tinha tido ocasião de emitir igual critério quando ainda ultimamente se discutiu a célebre actualização dos impostos — assunto que com esta designação trouxe para esta Câmara o Sr. Velhinho Correia, o «homem dos coeficientes».
É preciso não esquecermos que a honra colectiva é a honra de cada um de nós.
Eu declarei ultimamente que as funções do Estado impõem actualmente que, sob o ponte de vista moral, a sua acção seja normativa.
E esta a doutrina que segue o Partido Nacionalista e creio que será a que seguirá a Câmara, como o tem insinuado já no decorrer dêste debate e como o mostrará, estou certo, nas votações que hão-de seguir-se ao encerramento dele.
Mas, quando o Sr. Ministro das Finan-
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ças me deu a honra de me procurar para me mostrar a proposta que no dia seguinte mandou para a Mesa, julguei, quando a li, que era um caso que tinha aparecido de repente ao Govêrno e que o Govêrno quisesse salvar os créditos da nação, e viesse ao Parlamento e aqui dêsse as explicações que entendesse necessárias, e que quisesse acudir a mais êsse roubo igual a outros que ultimamente têm sido feitos à Nação.
Mas enganei-me, como vi, quando ouvi o Sr. Ministro das Colónias que, apesar da sua idade, conserva o seu espírito juvenil ainda cheio de entusiasmos e ilusões.
O Sr. Ministro das Colónias com sinceridade e certa ingenuidade, cousas que andam quási sempre juntas, confessou que há mais de sessenta dias que o Govêrno sabia que letras do Estado por êle aceitas tinham sido protestadas, e digo Estado, porque as nossas colónias fazem parte da Nação, e a ela estão subordinadas.
A êste respeito devo dizer que o Sr. Ministro das Colónias apresentou uma doutrina errada, quando declarou qual era a sua acção quanto às colónias, lendo até uma parte da reorganização das colónias, aquela parte que se copiou da Constituição, e dizendo que a sua acção era simplesmente fiscalizadora, e que assim não podia saber o que lá se passava.
Se realmente êsse facto se dá e as colónias tem uma autonomia que vai até as questões financeiras, isso seria terrível.
Mas essa doutrina não seria a da Constituição.
Se essa doutrina só executou em Angola, precisamos combatê-la por todos os meios e chamo a atenção do Sr. Ministro das Colónias para a base n.° 92 que o Sr. Ferreira da Rocha já citou.
Quando o Sr. Rêgo Chaves disso que ia esclarecer a Câmara, tomei nota de algumas das suas palavras a respeito desta malfadada questão e para elas chamo a atenção do Sr. Ministro das Colónias.
Como S. Exa. vê, a intervenção da metrópole pode fazer-se sentir, o tinha de só fazer sentir, neste caso de que nos estamos ocupando, e, se S. Exa. tivesse reparado no que diz a lei n.° 1:972, no sou artigo 6.°, veria que tinha razão para conhecer o que ali se passava.
S. Exa. pretendeu ilibar-se de toda a responsabilidade do que ali só passou e
não quero saber o objectivo que tinha em vista ao fazê-lo, mas o que é certo é que S. Exa. lavou as mãos a respeito do caso, do mesmo modo que a história consagra a respeito de determinado caso em certo 4ia.
Não me compete saber por que o fez, mas as responsabilidades que podia ter repartia-as por todo o Govêrno.
Eu, sem querer defender o Govêrno, entendo que S. Exas. sabendo o que se passava, devia ter prevenido o Govêrno, desde que essa colónia não cumpria o seu dever, quando aliás devia estar prevenido com as reservas necessárias e inscrever no seu orçamento as quantias devidas para poder honrar os seus créditos, para honrar os da metrópole, porque as colónias fazem parte de Portugal.
Apoiados.
De modo que a doutrina do Sr. Ministro das Colónias não é exacta, nem é a que convém e antes deve desaparecer.
Foi por não se poder tocar na administração de Angola, por ela ser intangível, que sucedeu o que vemos, quando aliás se dizia que dessa administração se haviam de ver os resultados, que seriam extraordinários e que haviam de assombrar todos nós.
Essa política não pode continuar, nem o Govêrno a pode defender, indo até o ponto, se fôr necessário, de fazer o desaparecimento dos altos comissários, porque o que é preciso é respeitar a lei.
Se é certo que o Govêrno não tinha responsabilidades no que se passava em Angola, se o Sr. Ministro das Colónias não tinha quem o informasse, se o Govêrno não tem responsabilidades ha maneira como foram concedidos os créditos gastos, o que é certo é que o Govêrno tem sempre as responsabilidades nas horas críticas.
Também eu o ilibo de toda a culpa o, assim, não venho fazer-lhe uma acusação infundada que poderia até prejudicar aquelas, verdadeiras e justas, que já fiz e tenho ainda de fazer.
O Govêrno entendeu que o dever de pagar era uma questão de brio nacional e que cada hora que passava mais agravava a situação.
Mas se o Govêrno assim pensava, mais uma razão que nos leva a não compreender a sua atitude neste caso.
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Pois se o Govêrno foi tam solícito e fértil em usar e abusar das autorizações que lhe foram concedidas e até daquelas que o não foram, porque é que se encheu de tantos escrúpulos em acudir a uma situação que êle era o primeiro a reputar tam perigosa para o bom nome do País, ainda tam recentemente abalado, quanto ao pagamento integral dos seus compromissos, pelos célebres decretos sôbre os juros da divida externa e sôbre os tabacos, decretos que, infelizmente, ainda não não foram revogados?
Se o Govêrno julgava que era indispensável e urgente prover Angola dos recursos necessários para fazer face aos seus compromissos, não se compreende, realmente, em primeiro lugar, que o Govêrno não dêsse mais essa beliscadura na Constituição se tinha que a dar, e de alguma maneira obtivesse os escudos necessários para os converter em libras, a fim de proceder aos necessários pagamentos.
O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Verdadeira urgência era pagar no acto do vencimento. Tudo o resto foram conseqüências.
O Orador: — Folgo com a declaração de V. Exa. porque fico sabendo que não existia essa urgência. Mas se não havia urgência porque não veio a proposta detalhadamente esclarecida com todos os elementos da apreciação e análise, como que dando a impressão de que se tratava duma medida cuja urgência se impunha de tal maneira que nem sequer havia podido fazer-se uma justificação?
Sr. Presidente: Tito Livio dizia já no seu tempo que era preciso que a lei fôsse uma cousa inexorável e surda.
Efectivamente num regime republicano a lei tem de ser assim a para todos igualmente.
Se realmente o Govêrno demorando, não pagando nem vindo ao Parlamento, pretendeu fazer esquecer os desregramentos da administração de Angola, não andou bem.
Digo isto, não porque tenha os ouvidos abertos ao que por aí se diz a tal respeito, mas pelas afirmações aqui já produzidas.
O Alto Comissário de Moçambique esteve dois ou três meses em Londres com uma comitiva que nem antigamente os vice-reis.
Mas, voltando ao caso de Angola, direi que ouvi já aqui palavras proferidas pelo Alto Comissário que falou em descalabro...
O Sr. Rêgo Chaves: — Não é bem assim.
O Orador: — Mas o Sr. Ministro das Colónias disse mais, que tinha havido um grande abalo.
O abalo foi tam grande que até abalou o espírito do Sr. Ministro das Colónias que nada pôde dizer sôbre Angola e só se referiu às dívidas de Moçambique, as quais se justificam e bem.
Eu estou certo de que o Sr. Presidente do Ministério, que é um homem honrado, virá dizer que se faça o inquérito à administração de Angola o que se tome qualquer sanção sôbre quem procedeu mal.
Atendendo ao que nos foi aqui dito pelo actual Alto Comissário de Angola, que nos citou aqui vários números e se referiu à aquisição de 600 quilómetros de via para a construção do caminho de ferro de Ambaca a Malange, o que na verdade deve custar muito dinheiro, não podendo essa construção ser feita de um momento para o outro, porquanto, com os técnicos necessários, nunca poderá levar menos de 10 anos.
Além disto, há também a considerar o restante material, a que o Sr. Alto Comissário aqui se referiu, máquinas, vagões e carruagens, que por lá se encontram expostos ao tempo, visto que não há um único hangar para o recolher e necessàriamente se há-de deteriorar por não poder ser tam cedo utilizado.
Não se compreende que, não podendo o material ser utilizado tam cedo, êle fôsse adquirido com tamanha urgência, razão por que digo, e tenho quási a certeza, de que, para própria honra das pessoas que efectuaram as compras, a Câmara não deixará de estar de acordo e vai votar que realmente se faça um rigoroso inquérito, pois, de contrário, razão terá o Sr. Carvalho da Silva para dizer que êste será um dos maiores escândalos da República, ou, para melhor dizer, dos homens da República, porque o regime nada
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tem com os homens, visto que prevaricadores os tem havido em todos os regimes, como os houve no tempo da monarquia.
Presto a minha homenagem ao Sr. Carvalho da Silva, que é um homem de bem; tenha, porém, S. Exa. a certeza de que o inquérito há-de ser feito, porque, se o não fôsse, razão teria S. Exa. para dizer que êste será um grande escândalo, o que tenho a certeza, repito, não acontecerá.
O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — V. Exa. acha justo que o Sr. Norton de Matos continue em Londres, emquanto a sindicância não fôr feita?
O Orador: — Já tive ocasião de dizer a V. Exa. que essa falta não deve recair sôbre o regime; mas sim sôbre o Govêrno, que lá o mantém.
O meu Partido, que é um Partido constitucional, que amanhã pode sentar-se nas cadeiras do Poder, já aqui o disse numa moção em que manifestava o seu critério de que nenhum funcionário implicado na administração de Angola poderia exercer qualquer função antes de concluído o inquérito.
Essa moção foi redigida com cuidado e não para iludir ninguém.
O Partido Nacionalista honra-se de cumprir aquilo que promete.
Sr. Presidente: como disse o Sr. Portugal Durão, e como já tinha lembrado o ilustre Deputado e meu amigo Sr. Pina de Morais — que ouço também sempre com muito agrado — á preciso olhar com olhos de portugueses para as nossas colónias.
Não é fazendo esquecer os escândalos, não é querendo fazer fugir às responsabilidades dêsses escândalos seja quem fôr, que nós poderemos concorrer para que as atenções do País se voltem para as colónias, que nós conseguiremos que o nosso domínio colonial se desenvolva e progrida à devida altura.
Precisamos de reparar para as nossas qualidades de colonizadores e continuar a obra magnífica que os nossos maiores realizaram com directivas definidas.
É indispensável definir a nossa política colonial, como muito bem disse o Sr. Portugal Durão,
Não é deixando de castigar aqueles que prevaricam, não é querendo encobrir aqueles, que se afastaram do caminho que deviam seguir, que nós realizaremos a obra que nos compete como portugueses.
Tenho a certeza de que dentro em pouco tempo esta Câmara terá dado o exemplo do seu espírito, não só republicano como português, fazendo justiça e mandando proceder a um inquérito rigoroso, sem olhar às figuras, por mais altas que tenham sido, e que êsse inquérito possa colocar muito baixo.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem!
O orador não reviu.
Muito bem!
O Sr. Rêgo Chaves: — Sr. Presidente: no acto da minha posse no Ministério das Colónias tive ocasião de declarar que não iria exercer qualquer acção sindicante a respeito da administração de Angola.
Apoiados.
Desde a primeira hora marquei bem a minha posição a êsse respeito, e não estou arrependido de ter feito tal declaração, porquanto vejo, a dois meses e meio dêsse acto, que haveria quem supunha que a minha missão, como Alto Comissário de Angola, fôsse a de fazer um inquérito aos actos do meu antecessor.
Sr. Presidente: não interpreto, não interpretei, nem interpretarei a minha missão por essa forma.
A minha missão, a missão que pretendo desempenhar em Angola, é uma missão de continuidade de administração, de valorização dos materiais que foram adquiridos na administração anterior, o fomento da província.
É isso que me interessa e me levará a Angola.
Não me leva a Angola o desempenho de qualquer missão de inquérito ou sindicância sôbre actos, sejam de quem fôr.
Declarei também, no acto da minha posse, que não hesitaria na aplicação de sanções necessárias, se durante o meu governo me surgissem quaisquer actos que fossem puníveis.
Não hesitaria na aplicação de quaisquer penas, para castigo de actos cometidos criminosamente.
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Ninguém apresentou actos criminosos, cometidos com intenção criminosa; e fazer inquéritos de carácter pessoal não posso.
Os factos que foram criticados por mim, alguns deles são de administração, que nos podem ter criado embaraços para agora; mas que em si não representam qualquer acto criminoso, nenhum facto criminoso, qualquer atentado moral. Podem ser actos de má administração, fora dos recursos orçamentais de que se poderia dispor.
Mas não teriam sido adquiridos êsses materiais pelo seu verdadeiro valor?
Quem poderá dizer que êsses contratos não são a expressão da verdade?
Porque se há-de descobrir nos contratos qualquer acto criminoso?
Ignoro êsses actos.
Rêgo Chaves, Alto Comissário de Angola, não poderá ir fazer qualquer sindicância contra o seu antecessor.
Apoiados.
Apresentei a situação de Angola, tal como ela se me afigura nesta hora, citando, verba a verba, toda» a» suas dívidas e necessidades mais instantes, separando o que era situação externa e interna adentro das fronteiras de Angola.
Mas nenhuma frase do meu depoimento nesta Câmara autoriza ninguém a supor que tenha querido envolver nessa responsabilidade moral o meu antecessor.
Apoiados.
Mesmo quando proferi as palavras que o Sr. Ginestal Machado reproduziu no seu discurso...
O Sr. Ginestal Machado: — Palavras referentes à administração de Angola.
O Orador: — Não me referi exclusivamente à administração de Angola.
Todos conhecem factos dêsses sem ser em Angola. Também não posso envolver quaisquer pessoas nas responsabilidades dos tais descalabros de que falei.
Referi-me, falando em Angola, à situação futura de Angola.
Tratava de providências a tomar.
Nesta altura não tenho dados para apresentar; não devo cometer uma imprudência.
Más dentro de poucos dias talvez os tenha para poder remediar a situação futura monetária de Angola, para evitar os males da situação actual.
Quando apresentei à Câmara, verba por verba, as dívidas de Angola, mostrei quam insuficientes eram as medidas governamentais para fazer face à situação de Angola, que está passando por uma crise grave.
As 60:000 libras não são mais que 15 por cento duma quantia maior.
No emtanto a Câmara tem continuado a pedir-lhe encargos.
O mal é muito maior: 60:000 libras são 15 por cento, repito, duma maior verba.
Não falei só no crédito de 3.000:000 de libras.
Tive ocasião de dizer à Câmara que 336:000 libras são urgentíssimas.
Não posso ir para Angola com uma dívida inteiramente impossível de liquidar na primeira gerência e, para a dividir por anuidades, necessito de realizar negociações que resultem em benefício e proveito da província.
Disse mais à Câmara que, se no decurso das minhas negociações chegasse a um ponto em que reconhecesse não poder obter bom êxito, entenderia dever sacrificar o meu lugar, para que outro, depois e com a maior fôrça que lhe resultaria do meu sacrifício, pudesse vir negociar em melhores condições; E continuo ainda a pôr o meu ponto de vista: em política, o sacrifício de um dá, muitas vezes, uma maior segurança para o que vem depois.
Sr. Presidente: a situação de Angola, que se vê descrita nos jornais e sôbre a qual se ouvem conversas em todos os cafés, é apresentada como sendo uma situação miserável de que Angola não pode sair.
Nunca da minha boca saiu qualquer palavra que pudesse dar essa idea. Angola pode com o sacrifício das anuidades da sua divida actual. O que não pode é liquidar a sua totalidade já na primeira gerência.
Tem enormes mananciais de riqueza, alguns até escavados pelo próprio Sr. Norton de Matos. A orientação de todos êsses mananciais foi dada por S. Exa.
Devemos-lhe a justiça do reconhecimento de tal facto.
S. Exa. viu perfeitamente qual a importância que para a província de Ango-
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Ia podia ter a organização de uma empresa como a Companhia dos Diamantes, como a do Amboim, como a do Fomento de Angola, como a do Petróleo, e tantas outras manifestações de actividade. Soube até, no contrato com a Companhia dos Diamantes, fazer um escalonamento de créditos que é um verdadeiro plano financeiro.
Pena foi que não tivesse submetido êsse plano e as aquisições de materiais às possibilidades da província. Se se chegar a ir a Angola, não são as montanhas de material que existem no quilómetro 5 da linha de Malange que nos hão-de embaraçar.
Pelo contrário, nessas montanhas de material estão, os recursos do novo fomento de Angola. O que é preciso é destinar êsse material a outras linhas, de modo a estar todo aplicado em menor número de anos.
Um àparte.
O Orador: — Ainda bem que, uma vez ao menos, houve uma colónia que conseguiu arrancar um dente à metrópole, tendo lá materiais que valem êsse dente.
Vários àpartes.
O Orador: — Sr. Presidente: na missão que eu desejo desempenhar em Angola, irei, portanto, fazer o aproveitamento de todo êsse material, irei mobilizá-lo quanto antes e pô-lo à disposição do fomento da província.
Essa é a obra que há a realizar. Não dará grande nome, mas, no final, há-de dar a certeza de ter cumprido um dever e de o ter cumprido honestamente. Tendo aceitado o lugar de Alto Comissário, não imaginei usar com êle um papo, mas sim constituir uma mochila. É assim que me tenha comportado dentro da missão que aceitei, tem sido a trabalhar desde o dia em que tomei posse, sempre com ordem de marcha e com muita pena do não poder partir por as circunstâncias não o permitirem. A situação interna de Angola exige que eu vá para Loanda com as dívidas que a V. Exas. mencionei transformadas em qualquer cousa que a província possa suportar, exige que lá apareça com remédios imediatos para a sua situação bancária, para a sua situação monetária e para a sua situação orçamental, que é
uma situação de déficit. De resto, sob a direcção do governador interino, que é dos funcionários mais ilustres das nossas colónias, em Angola está-se trabalhando com um élan admirável e verdadeiramente digno do nosso aplauso. O Conselho Administrativo está realizando uma obra de resultados imediatos, promovendo consideráveis economias.
O que, evidentemente, não é possível é a colónia vencer, por si só e numa só gerência, todas as dificuldades que a cercam.
Temos muito que ver é que examinar nas companhias de Angola. Não há que fazer inquéritos para assacar responsabilidades a alguém, mas há que os organizar para melhor se puderem discriminar os recursos a obter nas próximas gerências.
Um dêsses inquéritos é junto das companhias onde há representação do Estado.
Todas as companhias onde Angola tem os seus representantes estão nesta hora em íntima ligação comigo por intermédio dos administradores por parte do Govêrno. Vou ler à Câmara as instruções que dei a êsses administradores o que poderão dar a V. Exas. uma idea das minhas intenções durante o exercício do cargo que vou desempenhar em Angola.
Leu.
Devo dizer, em abono da verdade, que gosto de fazer justiça a todos, e assim não posso deixar de dizer que relatórios há dessas companhias que estão inteiramente dentro do critério da minha circular.
Vejo que nestes primeiros anos necessário é seguir uma política de íntima relação com essas companhias, para bem de toda a acção administrativa da província.
Por tudo isto já a Câmara está vendo quais são as minhas intenções, pois na verdade o meu único desejo é prestar um serviço ao País, sendo êste na verdade o meu modo de sentir, mas de modo algum aceitarei, pode a Câmara estar certa disso, o lugar de sindicante.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Antes de sã encarar a sessão
O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção
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26 Diário da Câmara dos Deputados
do Sr. Ministro das Finanças, ou para melhor dizer, para lhe preguntar quando é que S. Exa. entende que se pode dar às pensionistas do Estado a melhoria de situação que a lei ultimamente votada pelo Parlamento lhes concedeu.
Quando se tratou da melhoria anterior concedida pela lei de 1923, se não estou em êrro, seguiu-se uma orientação, relativamente às pensionistas do Estado que estão lutando verdadeiramente com a miséria, diversa da que foi adoptada para com os funcionários do Estado, os quais começaram a receber essa melhoria desde l de Janeiro, e as pensionistas do Estado desde Julho do ano passado, porém agora relativamente a todos os funcionários as melhorias já estão sendo pagas, a partir de Julho, o que se não dá com as pensionistas que ainda não sabem quando poderão alcançar êsse benefício que a nova lei lhes facultou.
Chamo, pois, para o assunto a atenção do Sr. Ministro das Finanças, tanto mais quanto é certo que não se trata somente de uma questão de justiça, mas também de uma obra de caridade.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer "ao ilustre Deputado que o Govêrno não. perde de vista o assunto das pensionistas do Estado; já tratou da situação das pensionistas de guerra e está tratando da situação das outras pensionistas e, bem assim, dos padres pensionistas.
Êstes assuntos serão, brevemente, objecto de decreto.
O Sr. Morais Carvalho (interrompendo): — Espero que não aconteça como da outra vez, que, por motivo da demora, perderam seis meses de subvenções.
O Orador: — Tomarei isso na devida consideração.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 17 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Requerimentos
Requeiro que pelo Ministério da Guerra, me sejam fornecidas com urgência cópias dos seguintes documentos:
1.° Requerimento apresentado pela Sociedade «Estoril» em 26 de Fevereiro último, pedindo licença para executar na linha férrea do Cais do Sodré a Cascais certos trabalhos que a referida Sociedade diz serem necessários para a electrificação daquela linha.
2.° Condições impostas pelo Ministério à referida Sociedade para a concessão da licença pedida.
3.° Despacho ministerial que aprovou a proposta de condições formulada pela inspecção das Fortificações e Obras Militares.— Vicente Ferreira.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério das Colónias, me sejam fornecidas cópias ou facultada a leitura dos relatórios apresentados pelo Comissário do Govêrno junto do Banco Nacional Ultramarino depois das visitas que o mesmo Comissário deve ter feito às agências, sucursais e filiais do Banco nas - províncias ultramarinas, conforme preceitua o artigo 33.° do decreto n.° 5:809, de 30 de Maio de 1919.
17 de Novembro de 1924. — Vicente Ferreira.
Expeça-se.
O REDACTOR—Avelino de Almeida.