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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 161
(EXTRAORDINÁRIA)
EM 27 DE NOVEMBRO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles
Sumário. — Aberta a sessão com a presença de 46 Srs, Deputados, é lida a acta e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia, — O Sr. Hermano de Medeiros, tendo a palavra para interrogar a Mesa, reclama contra o facto de lhe não serem enviados documentos que pediu pelo Ministério da Instrução e pregunta se há algumas informações oficiais sôbre o estado sanitário da Ilha Terceira.
Responde lhe o Sr. Presidente.
O Sr. Marcos Leitão requere que se consulte a Câmara sôbre se permite que entre imediatamente em discussão o parecer n.º 606.
Aprovado.
Lê-se o projecto.
O Sr. Dinis da Fonseca interroga a Mesa sôbre a existência de uma moção do Sr. Marques Loureiro, por aprovar, e relativa à criação de assembleas eleitorais.
Responde-lhe o Sr. Presidente.
O projecto é aprovado na generalidade sem discussão.
Na especialidade o Sr. Marcos Leitão apresenta uma proposta de substituição ao artigo 1.°
É admitida.
É rejeitado o artigo 1.° e aprovada a substituição.
É aprovado o artigo 2.º
O Sr. António Dias requere a imediata discussão do parecer n.º 775.
Aprovado.
É aprovado na generalidade, sem discussão, o artigo 1.°
É aprovado o artigo 2.°
É dispensada a leitura da última redacção.
O Sr. Carlos Pereira requere que se consulte a Câmara sôbre se autoriza que prossiga a discussão do parecer n.º 198.
Sôbre a generalidade, usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva e Dinis da Fonseca.
É aprovado.
São aprovados os artigos 1.° e 2.º sem discussão.
Dispensada a leitura da última redacção.
Ordem do dia. — É aprovada a acta.
É concedida uma autorização.
O Sr. Presidente propõe um voto de sentimento pelo desastre sofrido pelo heróico aviador Sacadura Cabral e pelo mecânico Correia, da morte dos quais, porém, ainda não há confirmação. Propõe igualmente um voto de pesar pela morte do general Tamagnini de Abreu.
Associam-se a êstes votos, que são aprovados, os Srs. Sá Pereira, Carlos Pereira, Morais Carvalho, Lino Neto, Cunha Leal, António Correia, Pinto Barriga, Jaime de Sousa é Rodrigues Gaspar.
Lê-se uma última redacção.
Entra na sala o novo Ministério. O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Marinha (José Domingues dos Santos), lê a declaração -ministerial.
O Sr. Sá Pereira requere que entre imediatamente em discussão a proposta de lei que se encontra sôbre a Mesa e relativa a duodécimos.
Aprovado.
Usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva, Jorge Nunes e Dinis da Fonseca.
A proposta é aprovada na generalidade e na especialidade.
É dispensada a leitura da última redacção.
Inicia-se o debate político sôbre a declaração ministerial, usando sucessivamente t?a palavra os Srs. Sá Pereira, Vasco Borges e Cunha Leal que apresentou uma moção, que é lida e admitida.
Antes de se encerrar a sessão.— O Sr. Ornelas da Silva ocupa-se da situação sanitária da Ilha Terceira.
Responde-lhe o Sr. Ministro do Trabalho (João de Deus Ramos).
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.
Abertura da sessão às 15 horas e 30 minutos.
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2 Diário da Câmara dos Deputados
Presentes à chamada 46 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 62 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Ferreira Vidal.
Amadeu Leito de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Pais dá Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
Artur Brandão.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Ernesto Carneiro Franco.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
João Baptista da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Vasco Borges.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António de Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Salema.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Júlio Gonçalves.
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Júlio Henrique de Abreu.
Leonardo José Coimbra.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto Xavier. Albino
Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amaro Garcia Loureiro.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Mendonça.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco da Cruz.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Jaime Duarte Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge Barros Capinha.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José do Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Às 10 horas começa a fazee-se a chamada, à qual responderam 46 Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: — Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Foi lida a acta.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se o expediente.
Foi lido na Mesa o seguinte
Telegramas
Do Grupo Torrozelense Estrela de Alva, lamentando a morte de Sacadura Cabral.
Para a Secretaria.
De grupos de proprietários de propriedades edificadas em terrenos aforados depois de 1918 com foros de 50$ a 300$ pedindo que não seja autorizado o multiplicador 10.
Para a Secretaria.
Ofícios
Do Sr. Presidente do Ministério, José Domingues dos Santos, comunicando a
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apresentação, no Parlamento, do Ministério por S. Exa. constituído no dia 17 do corrente.
Para a Secretaria.
Do Senado acompanhando duas propostas de lei:
A primeira, regulando a forma de preenchimento de vacaturas de aspirantes e fiscais do quadro da Direcção Geral das Contribuições o Impostos.
Para a comissão de finanças.
A segunda, reconhecendo como revolucionário civil o cidadão Manuel de Almeida Morais.
Para a comissão de petições.
Representações
1) representantes dos interêsses agrícolas, industriais e comerciais da província de Moçambique, pedindo que sejam abolidas as restrições da regra 6.ª da base 26.ª das leis orgânicas das colónias.
Para a comissão de colónias.
Da Companhia Portuguesa de Fósforos, pedindo que não seja aprovada a proposta do Senado relativa ao uso de acendedores portáteis.
Para a comissão de comércio e indústria.
Das Juntas de Freguesia do concelho de Évora, solicitando a revogação do único do artigo 4.° da lei n.° 1:645 de 4 de Agosto de 1924.
Para a comissão de administração pública.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Tem V. Exa. a palavra.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Sr. Presidente: há meses, há mesmo muitos meses, que pedi uns documentos pelo Ministério da Instrução, os quais até hoje ainda me não foram entregues.
Parece que há o propósito de que êsses documentos não me venham parar às mãos.
Não sei qual o interêsse que possa haver por parte daquele Ministério em que os documentos pedidos não me sejam remetidos, embora a êles tenha direito como Deputado da Nação.
Chamo, pois, para o assunto a atenção de V. Exa., esperando quê tome as providências necessárias de forma a que não sejam postergados os meus direitos.
Desejava também que V. Exa. me dissesse se sabe o que há de verdade sôbre uma epidemia de pneumónica que se diz lavrar na Ilha Terceira, e a notícia de que dois módicos foram atacados pela doença.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Quanto à última pregunta que V. Exa. acaba de fazer, devo declarar que não tenho informações algumas sôbre o assunto.
Relativamente aos documentos a que V. Exa. se referiu, cumpre-me dizer que foram pedidos ao Ministério da Instrução; no emtanto, acho de toda a conveniência que V. Exa. inste por escrito pela sua remessa.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Marcos Leitão: — Pedi a palavra para solicitar de V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que entre imediatamente em discussão o parecer n.° 606.
Consultada a Câmara, resolveu afirmativamente.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se.
Foi lido na Mesa.
É o seguinte:
Parecer n.° 606
Senhores Deputados.— A vossa comissão de administração pública é de parecer que o projecto de lei n.° 585-A, da iniciativa, do Sr. Deputado Marcos Leitão, mereço a vossa aprovação, porquanto, ficando as assembleas eleitorais, em que se pretende dividir o, concelho de Alenquer, com um número de eleitores superior ao determinado na lei, com o mínimo para se constituir uma assemblea eleitoral, satisfazem a uma maior comodidade dêsses
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mesmos eleitores. — Abílio Marçal — Pedro Pita — Alberto Vidal — Custódio de Paiva — Vitorino Mealha.
Senhores Deputados. — A vossa comissão de legislação civil e comercial, examinando a questão sob o aspecto legal, o único da sua competência e atribuição, verifica, pela certidão passada pela Câmara Municipal de Alenquer e extraída dos cadernos de recenseamento eleitoral, que cada uma das assembleas eleitorais, em que se pretende dividir o concelho de Alenquer, fica com um número de eleitores superior ao limite estabelecido na lei eleitoral, como mínimo para a constituição de assembleas eleitorais.
Assim, merece a vossa aprovação o projecto de lei n.° 585-A.
Sala das sessões da comissão de legislação civil e comercial, 8 de Fevereiro de º 1924.— Crispiniano da Fonseca — Alfredo de Sousa — Alberto de Moura Pinto — Angelo de Sampaio Maia — Vergílio Saque, relator.
Projecto de lei n.° 585-A
Senhores Deputados.—Há muito que o aumento crescente das inscrições no recenseamento, eleitoral impõe uma reorganização das assembleas eleitorais do concelho de Alenquer, em ordem a uma maior comodidade do povo e a uma melhor realização dos actos eleitorais.
Parece-me que o projecto de lei que tenho a honra de submeter à apreciação de V. Exas. realiza essa justa aspiração e assim merece a vossa aprovação.
Projecto de lei
Artigo 1.° É dividido o concelho de Alenquer em cinco assembleas eleitorais, sendo:
A primeira constituída pelos eleitores das freguesias de Santo Estevão o Cada-fais, com a sede no Carregado;
A segunda constituída pelos eleitores das freguesias de Triana e Meca, com a sede em Triana;
A terceira constituída pelos eleitores das freguesias de Aldeia Galega da Mercearia e Aldeia Gavinha, com a sede na Merceana;
A quarta constituída pelos eleitores das freguesias de SanfAna da Carnota e Pa-lhacana, com a sede em Sant'Ana da Carnota;
A quinta constituída pelos eleitores das freguesias de Ventosa, Vila Verde dos Francos e Olhalvo, com a sede na Corte-gana.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 16 de Julho de 1923.— O Deputado, Marcos Leitão.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: desejaria que V. Exa. me informasse se o parecer que acaba de ser lido na Mesa é sôbre assembleas eleitorais.
O Sr. Presidente: — Sim, senhor.
O Orador: - V. Exa. não me poderá informar se a Câmara não tomou já uma resolução sôbre o assunto, a requerimento do Sr. Marques Loureiro?
O Sr. Presidente: - De momento não posso informar V. Exa. Trocam-se àpartes.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Parece-me, Sr. Presidente, que a Câmara resolveu não votar mais assembleas eleitorais sem que fôsse aprovada a moção que nesse sentido foi apresentada pelo Sr. Marques Loureiro.
Trocam-se novos àpartes.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam o projecto na generalidade queiram levantar-se.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se o artigo 1.º
Foi lido.
O Sr. Marcos Leitão: — Sr. Presidente: pedi. a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de substituição ao artigo 1.°
Foi lida, admitida e posta em discussão.
É a seguinte:
Proposta de substituição
Artigo 1.° É dividido o concelho do Alenquer em cinco assembleas eleitorais, sendo:
A primeira constituída pelos eleitores das freguesias de Triana, Santo Estêvão e Ota, com a sede em Triana;
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A segunda constituída pelos eleitores das freguesias de Meca, Abrigada o Cabanas de Tôrres, com a sedo em Meca;
A terceira constituída pelos eleitores das freguesias de Aldeia Galega da Mer-ceana e Aldeia Gavinha, com a sede na Merceana;
A quarta constituída pelos eleitores das freguesias de Sant'Ana da Càrnota, Pa-lhacana é Cadafais, com a sede em Sant' Ana da Carnota;
A quinta constituída pelos eleitores das freguesias de Ventosa, Vila Verde dos Francos e Olhalvo, com a sede na Cortegana.
Sala das sessões, 27 do Novembro de 1924.— Marcos Leitão.
Em seguida, foi rejeitado o artigo 1.°, sendo aprovada sem discussão a substituição mandada para a Mesa pelo Sr. Marcos Leitão, assim como o artigo 2.°
O Sr. António Dias: - Peço a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que entre imediatamente em discussão o projecto de lei n.° 775 que tem parecer favorável das comissões que foram ouvidas sôbre q mesmo.
Consultada a Câmara, resolveu afirmativamente.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se na Mesa o parecer n.° 775.
Foi lido, sendo em seguida aprovado, sem discussão, tanto na generalidade como na especialidade.
É o seguinte:
Parecer n.° 775
Senhores Deputados.— A vossa comissão de administração pública é de parecer que a proposta de lei n.° 749-A, da iniciativa, do Senado, merece a vossa aprovação.
Saia das Sessões, 19 de Junho de 1924.— Abílio Marçal — Vitorino Mealha — Custódio de Paiva — Baptista da Silva — Costa Gonçalves.
Senhores Deputados.— A vossa comissão dos negócios eclesiásticos afigura-se digna da vossa aprovação a proposta de lei n.° 749-A, vinda do Senado, tendente a ceder à Câmara Municipal de Penela a antiga residência paroquial da freguesia de S. Miguel, da mesma vila, com seus terrenos anexos, para os fins na mesma indicados e com a obrigação de conservar as muralhas do mesmo castelo. Sala das sessões dos negócios eclesiásticos, 15 de Julho de 1924. — Manuel Fragoso — A. Lino Neto — Joaquim de Matos — Pedro de Castro — Mário Pamplona Ramos.
Senhores Deputados. — A proposta de lei n.° 749-A, vinda do Senado, destinada a ceder à Câmara Municipal do concelho de Penela, pelo preço da sua avaliação, o prédio da antiga residência paroquial da freguesia de S. Miguel e respectivo terreno anexo, tudo situado dentro das antigas muralhas do castelo de Penela, mereceu da vossa comissão de finanças parecer favorável.
Sala das sessões da comissão de finanças da Câmara dos Deputados, 16 de Julho de 1924. — Carlos Pereira — Crispiniano da Fonseca — Jaime de Sousa — Vergílio Saque — Pinto Barriga — Ferreira da Rocha — Joaquim de Matos — Lourenço Correia Gomes relator.
Proposta de lei n.° 749-A
Artigo 1.° É cedido à Câmara Municipal do concelho de Penela, pelo preço da sua avaliação, um prédio de casas que foi residência paroquial da freguesia de S. Miguel, com um terreno anexo agricultado com algumas oliveiras e outras árvores, logradouro da residência, situado dentro das muralhas do antigo castelo de Pene-la, prédio que se acha descrito no inventário dos bens das igrejas, feito em 18 de Agosto de 1911.
§ 1.° É êste prédio cedido à Câmara Municipal, para nele fazer as instalações da sua repartição de obras, repartição de aferição de pesos e medidas e de um museu arqueológico e regionalista, devendo ceder gratuitamente uma dependência da referida residência para a sala das sessões e arquivos da Junta de Freguesia de S. Miguel, de acordo com a mesma Junta.
§ 2.° A cargo da câmara continua a conservação das muralhas do castelo referido.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Palácio do Congresso da República, 2 de Julho de 1924. — António Xavier Correia Barreto — Joaquim Manuel dos Santos Garcia.
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Projecto de lei n.° 303
Artigo 1.° É cedido à Câmara Municipal do concelho de Penela, pelo preço da sua avaliação, um prédio de casas que foi residência paroquial da freguesia de S. Miguel, com um terreno anexo agricultado, com algumas oliveiras e outras árvore», logradouro da residência, situado dentro das muralhas do antigo Castelo de Pene-la, prédio que se acha descrito no inventário dos bens das igrejas, feito em 18 de Acosto do 1911.
§ 1.° É êste prédio cedido à Câmara Municipal, para nêle fazer as instalações dá sua repartição de obras, da repartição de, aferição de pesos e medidas e de um museu arqueológico e regionalista, devendo ceder gratuitamente uma dependência da referida residência para a sala das sessões e arquivos da Janta da freguesia de S. Miguel, de acordo com a mesma Junta.
§ 2.º A cargo da câmara continua a conservação das muralhas do Castelo referido.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões do Senado, 13 de Março de 1923. — Joaquim Pereira Gil de Matos, relator.
O Sr. António Dias: — Peço a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sobra se dispensa a leitura da última redacção.
Foi aprovado.
O Sr. Carlos Pereira: — Peço a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que continue em discussão o parecer n.° 198.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se na Mesa.
Foi lido e pôsto em discussão.
É o seguinte:
Parecer n.° 198
Senhores Deputados.— A vossa comissão de administração pública é de parecer, que o projecto de lei n.° 105-C, renovação da iniciativa do projecto de lei n.° 637-I, tendente a facilitar a concorrência ao acto eleitoral pela criação de uma nova assemblea eleitoral no concelho de Peniche, merece a vossa aprovação.
Sala das sessões da comissão de administração pública, em 27 de Junho de 1922. — Abílio Marçal — Vitorino Mealha — José de Oliveira da Costa Gonçalves — Alberto da Rocha Saraiva — Alberto Vidal — Custódio de Paiva, relator.
Senhores Deputados.- A vossa comissão de legislação civil e comercial, examinando o projecto de lei n.° 105-C, renovação da iniciativa do Sr. Carlos Cândido Pereira, é do parecer que merece a vossa aprovação, visto estar instruído com documentos que mostram ficar a nova assemblea eleitoral, e aquela de que é desligada, com mais de 150 eleitores, como prescrevera lei n.° 3, no artigo 47.°
Sala das sessões dá Câmara dos Deputados, 10 de Julho de 1922. — António Abranches Ferrão — Pedro Pita — Angelo Sampaio Maia — Costa Gonçalves — Adolfo Coutinho.
N.º 105-E
Senhores Deputados.— Renovo para todos os efeitos a iniciativa do projecto de lei n.° 637-1, de 1920, publicado no Diário do Govêrno, de 13 de Dezembro de 1920, que restabelece a assemblea eleitoral da Atouguia da Baleia.
Sala das sessões da Câmara do Deputados, 26 de Maio de 1922.— O Deputado, Carlos Cândido Peixeira.
Projecto de lei n.° 637-I
Senhores Deputados.— A freguesia da Atouguia da Baleia dista de Peniche mais de quatro quilómetros, é das mais populosas do concelho e foi durante longos anos sede da assemblea eleitoral a que tinha, e tem incontestável direito, pois tem hoje, apesar do reduzido sufrágio, duzentos e catorze eleitores, número mais que suficiente para que na referida freguesia seja criada, ou melhor, restabelecida, uma assemblea eleitoral. Deve à referida assemblea ir votar a freguesia da Serra de El-Rei, que da Atouguia apenas dista quatro quilómetros e de Peniche oito.
Pela certidão junta se vê que a assemblea de Peniche, única que actualmente há no concelho, fica ainda com mais de cento e cinqüenta eleitores mesmo depois de restabelecida a assemblea da Atouguia. Nes-
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tes termos tenho a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° E restabelecida a assemblea eleitoral da freguesia da Atouguia da Baleia, concelho de Peniche.
§ único. Nesta assemblea votarão tam bom os eleitores da freguesia da Serra de El-Rei, do mesmo concelho.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 10 de Dezembro de 1920.— O Deputado, Maldonado de Freitas.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: a actual situação do país não é de molde a que o Parlamento se ocupe em criar mais uma assemblea eleitoral na freguesia de Atouguia da Baleia.
Há muito tempo que o Sr. Carlos Pereira traz aquela «baleia» atravessada, para ver se a consegue fazer passar. Foi hoje que S. Exa. entendeu lançar mão dela, para a fazer aprovar.
Lembro a V. Exa. e à Câmara que as reclamações apresentadas a esta casa do Parlamento precisam de ser atendidas, mas não me parece justo, nem o país pode ver com bons olhos, que o Parlamento esteja a preocupar-se com a assemblea eleitoral de Atouguia da Baleia, onde o Sr. Carlos Pereira, segundo parece, espora ter uma larga influência.
O Sr. Carlos Pereira: — Não quero influência.
O Orador: — Quere apenas a «baleia».
O Sr. Carlos Pereira: — O que quero é uma cousa que os senhores não queriam no antigo regime: é que os povos possam votar.
Mais nada.
O Orador: — Oxalá a «baleia» não faça desaparecer os votos dos leitores.
O que seria mais proveitoso, dado o sistema eleitoral adoptado na República, era arranjar uma «baleia» para cada assemblea eleitoral.
Êste lado da Câmara não quere contrariar qualquer iniciativa tendente a facilitar aos eleitores o exercício do direito de voto, mas o que vejo constantemente é o contrário disso. Modificam-se assembleas por forma a impedir que os eleitores possam exercer o direito de voto, obrigando-os a ir votar a enormes distâncias, com o que fazem grandes despesas.
Quero apenas frisar esta circunstância: é que o Parlamento precisa ocupar-se de assuntos importantes, como os que dizem respeito ao decreto sôbre o contencioso fiscal, ou o relativo ao regulamento do sêlo — decreto absolutamente inconstitucional, promulgado pelo Govêrno transacto — assuntos, êstes que o Parlamento despreza, para se entregar completamente à criação de assembleas como a de Atouguia da Baleia.
Nestas circunstâncias, não querendo tomar mais tempo à Câmara, em nome da minoria monárquica, lavro o meu protesto contra a maneira como são desprezadas as questões que mais interessam ao País.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: estou inteiramente de acordo com o Sr. Carlos Pereira. Devemos proporcionar aos povos o acesso às assembleas eleitorais, mas não compreendo que, num regime democrático, isto se faça exclusivamente para as assembleas que têm nesta Câmara padrinho político, ou para servir as conveniências desta ou daquela facção. O que se devia fazer era estabelecer um sistema de assembleas de uma forma genérica, de acordo com a densidade das povoações e as distâncias.
Ora não é isso que se tem feito, ou o que se está fazendo. Não é por êste sistema que se proporcionam aos povos facilidades para votarem. Servirem-se interêsses políticos em detrimento de regiões não se compreende, pondo-se de parte a superior justiça e a legalidade que devia haver dentro da Câmara dos Deputados. Foi por isso que me insurgi há pouco, vendo desprezar os superiores interêsses dos povos.
Foi há tempo apresentada nesta Câmara uma moção na qual se pedia que se fizesse um estudo das assembleas eleitorais, estabelecendo-se um regulamento que aproveitasse a todas. Assim é que entendo que se deve proceder.
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Vejo, porém, que se procede ao contrário.
Por isso não posso deixar de protestar contra o facto de nesta Câmara se discutir parcelarmente um ou outro parecer que interessa a esta ou àquela assemblea eleitoral. Sabe-se que são às dezenas os pedidos para a criação de assembleas eleitorais, em virtude das conveniências políticas, e não para proporcionar aos povos as facilidades de voto, impedindo que êles percorram distâncias de 20 e 30 quilómetros.
Se alguém ousar contestar esta afirmação, lembrarei apenas que existe um concelho onde se obrigam dois terços da população a ir votar a distância de 20 e 30 quilómetros.
Neste assunto não tenho interêsses políticos. Não me importo de que se faça discutir êste ou aquele projecto de lei. O que me interessa é que se trate dum assunto desta natureza com um critério de legalidade, de forma a atender não só as conveniências políticas desta ou daquela região, mas os interêsses dos povos, no que respeita às distâncias a percorrer para se poder votar. Emquanto tal se não fizer, não se atendendo a interêsses que são sagrados, mas a esta ou àquela política, nós não podemos deixar de protestar.
Não votei, não voto, nem votarei emquanto se discutir por esta forma um assunto que deveria ser discutido com um critério superior, emquanto vir que nessa discussão se atendo apenas a parcialidades e a conveniências políticas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
foi aprovado o projecto na generalidade e na especialidade, sendo dispensada a leitura da última redacção a pedido do Sr. Carlos Pereira.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se na ordem do dia.
Está em discussão a acta. Se ninguém pede a palavra considero-a aprovada.
Foi aprovada a acta.
Foi concedida licença, ao Sr. Américo de Castro para comparecer na Directoria da Polícia de Investigação Criminal no dia 29, conforme solicitação lida na Mesa.
O Sr. Presidente: — Devo declarar à Câmara que não há por emquanto confirmação da morte do heróico aviador Sacadura Cabral e do mecânico Correia, que o acompanhava. Não estão, por conseguinte, baldadas todas as esperanças de que êles ainda sejam vivos; mas o que não oferece dúvidas é que houve um desastre por todos os títulos lamentável.
E, assim, proponho que a Câmara exprima o seu sentimento por êsse desastre.
Proponho igualmente um voto de sentimento pela morte do general Tamagnini de Abreu, que foi comandante do Corpo Expedicionário Português na Flandres, general de grande prestígio, que honrou a Pátria na Grande Guerra, numa conjuntura bem difícil.
São, portanto, bem merecidas as homenagens que se prestem à sua memória.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Sá Pereira: — Sr. Presidente: em nome dêste lado da Câmara, associo-me comovidamente aos votos de sentimento que V. Exa. acaba de propor pelo falecimento do grande general Tamagnini de Abreu e pelo desastre de que se presume ter sido vítima o heróico aviador Sacadura Cabral. Foram dois acontecimentos que enlutaram a Pátria.
O general Tamagnini de Abreu impunha-se à nossa consideração, ao nosso respeito e à nossa admiração pela sua acção como comandante das nossas tropas em França. Falar da intervenção do nosso país na Grande Guerra é alguma cousa que nos comove, porque nos lembra o papel importante que Portugal teve nessa luta, onde se decidiram os destinos da Justiça e da Verdade. Aqueles que nos combateram, por sermos partidários da nossa intervenção na Grande Guerra, devem hoje já estar convencidos de que nos limitámos a, cumprir o nosso dever para bem da Pátria e da humanidade.
Sr. Presidente: o aviador Sacadura Cabral ainda há cêrca de dois anos se tinha imposto à admiração do mundo por êsse rasgo de audácia e valentia, que foi a viagem aérea ao Brasil, onde foi levar à Nação irmã as saudações de Portugal.
Associando-me, portanto, em nome desse lado da Câmara, aos votos de sentimento
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que V. Exa. propôs, faço-o lamentosamente e no estrito cumprimento do meu dever. Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: os votos de sentimento propostos por V. Exa. foram já manifestados por êste lado da Câmara e por quem de direito. Mas é hora que, a homenagearmos aqueles que à Pátria dão o melhor de si próprios e entregam, em holocausto permanente a vida, ao menos pensemos que a legislação a aplicar a êsses homens não venha eivada, por vezes, de pequenas restrições que quási chegam a lembrar ódios.
É considerado de campanha o serviço da aviação nos termos da lei n.° 940, de 13 de Fevereiro de 1920. Essa lei, porém, sofreu agora urna restrição tremenda. O decreto n.° 10:099, publicado no Diário do Govêrno de 17 de Setembro de 1924, estabelece que se considera, de facto, de campanha êsse serviço, mas apenas em frente do inimigo. Os aviadores da minha terra, inutilizados amanhã num voo, nem sequer têm os direitos concedidos a qualquer mutilado. O direito anterior, que a lei n.° 940 lhes dava, foi agora cercado.
Sr. Presidente: não está presente o Sr. Ministro da Guerra, mas tenho esperança de que S. Exa., ao vir aqui, fará desaparecer esta disposição que nada justifica. O inimigo para êsses homens é a morte sempre eminente, é a inutilização quási certa de todos êles. Aguardo, por
É isso, que o Govêrno faça essa obra de justiça, eliminando as disposições do artigo 2.° do decreto n.° 10:099. Se o não fizer, porém, eu trarei a esta Câmara um projecto de lei acabando com essa restrição odiosa, convencido de que, assim, presto o maior elogio à aviação do meu País.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Morais Carvalho : — Sr. Presidente: em nome dêste lado da Câmara, associo-me com intenso pesar ao voto de sentimento que V. Exa. acaba de propor pelo falecimento do general Tamagnini de Abreu, oficial distintíssimo do nosso
exército. Para não poder de forma alguma a sua morte passar despercebida, bastava que êle tivesse sido o comandante prestigioso dos soldados portugueses que em Franca derramaram o seu sangue pela Pátria.
Sr. Presidente: propôs V. Exa. também um voto de sentimento pelo desastre sucedido ao grande aviador Sacadura Cabral. Infelizmente, muitos dias vão correndo desde o desaparecimento do aparelho em que ia um dos maiores heróis de Portugal, nos últimos tempos. Praza a Deus que a morte dele e do seu bravo companheiro Pinto Correia não se confirme, porque, se se confirmasse, ao luto da família, que creio já se manifesta, haveria que juntar não só o luto de toda a nação portuguesa, mas o de toda a aviação mundial.
Sr. Presidente: se êsse desastre se viesse a confirmar, estou certo de que a Câmara dos Deputados não se limitaria apenas a apresentar as suas homenagens, teria também de atender às circunstâncias em que ficaria a família do mecânico Pinto Correia.
Neste momento, associo-me em nome da minoria monárquica ao voto de pesar proposto por V. Exa., rogando a Deus que se não confirme que o desastre foi mortal.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: pode dizer-se que a Nação está duplamente de luto por haver perdido duas das suas grandes figuras: Sacadura Cabral e Ta-magnini de Abreu.
Desde o desaparecimento de Sacadura Cabral que os momentos têm sido angustiosos para todos que admiravam essa glória portuguesa.
De Tamagnini do Abreu basta dizer que foi o comandante do exército português na grande guerra europeia, e quando ontem vi passar o cortejo fúnebre que o acompanhou ao cemitério, disse de mim para comigo: vai ali um homem que foi glória da Pátria, acompanha-o um Ministro da religião, que também o acompanhou nos últimos momentos.
A fé religiosa foi. em todo o tempo, apanágio dos mais ilustres servidores da Nação.
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Sr. Presidente: associando-me ao voto proposto por V. Exa., termino dizendo: glória aos heróis de Portugal!
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: em nome da minoria nacionalista, associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Exa. pela morte de Tamagnini do Abreu, que era um militar da escola antiga, militar valoroso, sem espalhafatos, , mantendo sempre a intransigência na disciplina.
Foi muito discutida a nossa intervenção na guerra, mas hoje creio que não há ninguém que duvide do proveito que resultou para Portugal da sua presença nos campos de batalha, pelas vantagens que trouxe essa intervenção perante as ambições que despertam os nossos domínios coloniais.
Eu não sei se Sacadura Cabral morreu, mas parece-me que hoje só será loucura alimentar-se qualquer esperança.
Sacadura Cabral foi uma glória mundial e nós vimos a ansiedade com que o povo esperava, em frente os placarás dos jornais, as notícias das étapes, quando, em companhia de Gago Coutinho, fez a viagem aérea de Lisboa ao Brasil, e o entusiasmo do povo ao saber que êsses homens tinham chegado ao Rio de Janeiro.
Êsses dois homens conseguiram realizar qualquer cousa de grande na terra portuguesa. Um deles, porventura, morreu. O Partido Nacionalista sente essa morte, sente-a dolorosamente e lamenta apenas que outras pessoas se não tivessem querido encarregar de exprimir perante a Câmara, melhor do que eu posso fazê-lo, toda a vivacidade -da sua dor, toda a vivacidade do seu sentimento.
Sr. Presidente: está de luto, realmente, a torra portuguesa, e, quando pensamos nas misérias presentes, mais dolorosamente sentimos a ausência de alguns concidadãos que conseguiram dignificar e dar brilho à bela terra de Portugal.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bom.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: — Sr. Presidente: em nome dos parlamentares da Acção
Republicana, associo-me, com profundo sentimento, ao voto proposto por V. Exa. pela morte do general Tamagnini de Abreu e pelo desastre sofrido pelo comandante Sacadura Cabral e pelo seu mecânico Correia.
Sr. Presidente: depois das palavras proferidas nesta Câmara pelos representantes dos diferentes agrupamentos que nela têm assento, podia eu limitar-me a dizer que me associava ao voto de sentimento proposto por V. Exa.. Mas não basta, Sr. Presidente: quero dizer ao País que êle, efectivamente, se encontra de luto pela morte de duas das suas figuras mais prestigiosas do século XX.
Se, por um lado, temos, Sr. Presidente, de lamentar a morte do general-Tamagnini de Abreu, que a terras de França levou o valor do exército português e o desejo desta Pátria de ser considerada no conceito de todas as nações como uma Pátria com direito a viver, o desastre sofrido por Sacadura Cabral deixou-nos profundamente sensibilizados.
Sr. Presidente: não é sem comoção profunda, não é sem um sentimento difícil de exteriorizar em quaisquer palavras, que Portugal hoje pode ouvir dizer que desapareceu Sacadura Cabral.
O seu triunfo e a fama que êle levou, a todos os cantos do mundo, do glorioso nome português não consentem que, neste momento, nos convençamos de que efectivamente já não pertence ao número dos vivos.
Sr. Presidente: o Grupo Parlamentar de Acção Republicana considera o desaparecimento ou a morte de Sacadura Cabral como uma verdadeira perda nacional.
O País aguarda, entretanto, que esta terrível desgraça seja confirmada para que, pela boca dos seus mais doutos representantes, possa, condignamente, associar-se ao luto nacional.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pinto Barriga: — Sr. Presidente: em nome dos deputados independentes, associo-me aos votos de sentimento propostos por V. Exa.
Infelizmente, tudo leva a crer que Sacadura Cabral morreu do desastre que todos lamentamos.
A travessia do Atlântico feita por Sá-
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cadura Cabral levantou bem alto o nome de Portugal, e, por isso, bem merece êle que lhe prestemos a homenagem a que nos associamos neste momento.
Também bem sentida é a morte do general Tamagnini de Abreu, que foi comandante do C. E. P., em França, circunstância esta suficiente para que nos associemos ao voto proposto por V. Exa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: se bem que dêste lado da Câmara, em nome do partido a que tenho a honra do pertencer, já alguém se tenha associado aos votos de sentimento propostos pôr V. Exa., pela morte do general Tamagnini de Abreu e pelo desastre sucedido ao aviador Sacadura Cabral, permita-se-me que eu como colega de Sacadura Cabral, diga também algumas palavras de profunda mágoa pelo desastre ocorrido, desastre que, infelizmente, eu suponho ser completo e não ter mais remédio.
Há ainda a última esperança no aparecimento de Sacadura Cabral, mas pertenço ao número de aqueles que já não alimentam essa esperança.
Tenho a impressão, Sr. Presidente, de que o grande herói, o brilhantíssimo oficial de marinha que já hoje não é uma figura nacional, mas sim uma figura da história da humanidade, êsse homem que fez dar à aviação um passo capital para o seu aperfeiçoamento, não aparecerá mais.
Sr. Presidente: esta é a dura realidade a que temos todos de nos curvar, e, em face dela, seja-me permitido que venha juntar as minhas palavras de camarada e amigo velho de Sacadura Cabral àquelas que já,foram pronunciadas nesta Câmara. A perda de Sacadura Cabral é para a marinha de guerra qualquer cousa de irreparável e para a Nação Portuguesa a passagem de mais uma das grandes personalidades que vincaram através da história um nome que não-mais se apagará.
Sr. Presidente: Sacadura Cabral comparado hoje, sem nenhuma espécie de hesitação, às maiores figuras da história pátria, merece da humanidade inteira uma consagração completa.
Não se fez nada de mais brilhante, de mais temerário, mas também, de mais
consciente sob o ponto de vista scientífico e de navegação aérea, do que o facto consumado por Sacadura Cabral, auxiliado por essa grande figura que é Gago Coutinho.
Sr. Presidente: não são necessárias mais palavras neste momento, pois a Nação inteira vibrou com Sacadura Cabral quando ele fez o grande gesto, o gesto épico da travessia do Atlântico, para que todos nós, na mesma comunhão de sentimentos, tenhamos hoje o mais profundo pesar pela notícia dêsse desastre.
Sr. Presidente: associo-me ao voto proposto por V. Exa., sendo certo que nesta altura nada me faz alimentar a esperança de que o grande herói não tenha desaparecido para sempre.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Rodrigues Gaspar: — Como presidente da comissão de marinha devo dizer que profundamente sentimos o desastre que se deu.
Sacadura Cabral e Gago Coutinho têm uma obra que não só enaltece a marinha de guerra portuguesa e o País, mas todo o mundo.
Ainda mantenho a esperança de que lhe poderemos prestar uma maior homenagem.
Por todos os motivos associo-me às palavras de louvor proferidas por V. Exa. e por todos os lados da Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Em virtude da manifestação da Câmara, considero aprovados os votos propostos.
Leu-se uma última redacção que foi aprovada.
Deu entrada na sala o novo Ministério.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Marinha
(José Domingues dos Santos) (lendo):
Exmo. Sr. Presidente e dignos Deputados da Nação Portuguesa. — Por honrosa incumbência de Sua Excelência o Senhor.
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Presidente da República, organizei o Ministério que hoje faz a sua apresentação a esta casa do Parlamento.
O Govêrno encontra o País numa situação igualmente caracterizada pela extensão e grandeza da sua crise e pela grandeza dos seus destinos e recursos. Ele prepara-se para dizer francamente ao País a verdade e realidade da sua situação, pedindo-lhe ao mesmo tempo o esfôrço correspondente e necessário para a resolver.
Depois de todas as perturbações que se acumularam, pela guerra, sôbre males antigos, o grave problema português é principalmente de ordem social è moral. Todo êle se resume em ser preciso estabelecer o equilíbrio: o das classes, melhorando as condições de vida às medianas e pobres; o das profissões, devendo crescer as produtivas e deminuir as onerosas ou especuladoras; o das terras aráveis, corrigindo-se os extremos da propriedade excessiva e insuficiente: o das próprias ideas, devendo triunfar as de que são, de solidariedade e de moral superior, decorrentes da perfeita compreensão duma finalidade comum.
Se dêste organismo nacional, minado por doenças e adversidade» históricas, desapareceram valores de muitas centenas de milhares de contos-ouro, pelas ruínas da conflagração europeia; se ainda isto é agravado fortemente pelas desordens dos espíritos, das relações comerciais e civis, dos câmbios, dos preços, dos gastos, dos consumos, dos hábitos e das tendências gerais — o Govêrno vê bem que Portugal não pode sair destas dificuldades sem liquidações se mudanças corajosas, necessárias para a salvação de todos, talvez ainda mais para a daqueles que as tenham de suportar.
Tendo assumido a gerência dos negócios do Estado, desejamos decididamente a reorganização fundamental de todos os seus serviços: extinguindo as direcções, administrações e repartições prescindíveis; restringindo os quadros até onde fôr possível e aproveitando melhor o actual funcionalismo do Estado; consignando vencimentos fixos em ouro aos funcionários subsistentes; aproximando o orçamento ordinário da expressão que tinha em 1914; tratando de o equilibrar pela redução das despesas normais e pela actualização definitiva das receitas; assegurando aos licenciados e adidos os meios de existência na transição para as suas colocações profícuas.
É condição essencial de toda a vida nova do Estado e do País restaurar, sanear e desenvolver em alto grau o crédito nacional. Êste objectivo alcançar-se há pelo equilíbrio orçamental, que asseguraremos através de todas as dificuldades, não aumentando a circulação fiduciária, qualquer que seja o seu destino e justificação, e pela estabilização do valor do papel-moeda no ponto que mais convenha ao Tesouro e melhor se adapte às condições económicas e financeiras do País, sem perder de vista a desproporção actual entre a circulação fiduciária e as cotações cambiais. Êsse crédito fortalecer-se há ainda constituindo grandes valores mobiliários para base de largas operações de Tesouro, suprimindo explorações desordenadas que vêm absorvendo ruinosamente as disponibilidades e aumentando estas com as possíveis garantias da riqueza geral e dos patrimónios livres do Estado. Para êste fim muito deve concorrer o rendimento dos fósforos e dos tabacos, conseguido dentro do sistema da liberdade tradicional para todos os republicanos, e, desde já, franca e desassombradamente preconizada por êste Govêrno.
É também indispensável cuidar da reforma bancária geral. O Govêrno não hesitará em realizá-la, propondo-se ainda criar uma Caixa de Conversão, como centro gerador da moeda-ouro, e uma Caixa de Fomento, como órgão financeiro do Estado, para todas as suas protecções, estímulos e impulsos, funcionando as duas instituições com individualidade própria num só estabelecimento.
Tem o Estado sôbre si o encargo pesado das dívidas contraídas à sombra do crédito dos 3.000:000 de libras. O Governo honrará os compromissos do Estado, pagando o que deve e evitando que novos protestos de letras venham abalar o crédito da Nação. Mas não permitirá que, à sombra das facilidades que êsse crédito criou, se continue a sobrecarregar o Estado com despesas nem sempre ínadiá-
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vòis. O crédito dos 3.000:000 de libras não será mais utilizado.
E, se é certo que são -grandes os encargos que para o Estado resultam das dívidas contraídas à sombra daquele crédito, maiores são os recursos de que o Tesouro Público pode dispor se cobrar, com zelo e com rigor, todos os impostos já autorizados e os desviar de explorações inúteis ou prejudiciais.
E é já tempo de iniciar-se, em Portugal, uma política económica de realizações práticas e imediatas. O problema das vias de comunicação, quer ordinárias, quer aceleradas, e principalmente o problema das estradas, não podem sofrer mais delongas na sua resolução. Executando muitas das disposições já consignadas na legislação vigente, estimulando e aproveitando devidamente todo o auxílio de natureza local e particular que, mais ou menos, por toda a parte se está manifestando, estudando várias propostas que a Governos anteriores têm sido apresentadas com o fim de ser feita em grande parte a reparação de lanços, em maior ou menor número, ligando pontos ou localidades duma primordial importância, o Govêrno vai dar um impulso eficaz ao problema da reparação dás nossas estradas.
Normalizar completamente os serviços ferroviários do Estado é dos maiores objectivos do Govêrno. Aos 1:360 quilómetros, extensão total da actual rede ferroviária, o Govêrno vai procurar acrescentar — e está convencido de que o conseguirá - mais 100 quilómetros. E para o conseguir bastará tam somente que se cumpra a lei n.° 1:327, de 20 de Agosto de 1922, e que sem demora entrem no Fundo Especial todas as receitas que dele andam afastadas. O problema das ligações por via aérea, quer postais, quer comerciais, o problema dos portos e a utilização conveniente da nossa energia hidráulica, serão resolvidos pelo Govêrno em estreita colaboração com o Parlamento, ao qual serão presentes várias propostas de lei já elaboradas.
Passados são já catorze anos da vigência do regime republicano e triste
é confessá-lo — ainda não foi elaborado um plano geral de administração colonial que, consubstanciando as aspirações das colónias em todos os ramos da sua administração, seja o elemento de ligação entre elas e delas com a metrópole, efectivando-se assim a política da associação, única moldada nos ditames da moderna orientação colonial.
Para o conseguir o Govêrno já expediu ordens terminantes aos governadores para que procedam com brevidade à elaboração dos planos parciais para cada colónia. Êsses planos parciais serão os elementos básicos de que se' servirá o Govêrno para a organização do plano geral de administração colonial.
Entretanto, pensa o Govêrno em intervir de forma a estabelecer uma união aduaneira, estatuindo-se reciprocamente a isenção de direitos para os produtos coloniais e metropolitanos, a fim de evitar a desnacionalização do comércio colonial e conseguir novos mercados para o comer-, do metropolitano. Tem de ser cuidadosa e ponderadamente aplicado êste princípio, mas é indispensável aplicá-lo, pelo menos nas colónias da costa ocidental da África.
A situação de Angola tem de ser encarada com coragem e decisão. Todos os sacrifícios serão feitos para manter o crédito do País e concluir as obras já iniciadas, e não hesitará o Govêrno em adoptar as providências necessárias para regularizar definitivamente a situação monetária das colónias.
Mas é pensamento fundamental do Govêrno iniciar um ciclo de desenvolvimento da agricultura e dá povoação na metrópole e no ultramar.
Para isso temos em vista uma larga e profunda reforma agrícola, suscitando-se na lavoura outros processos culturais e fornecendo-lhe meios abundantes de melhor aproveitamento e muito maior produção.
Será preciso que o Estado reivindique pelos convenientes modos jurídicos, áreas importantes de terras latifundiárias no continente, repartindo-as por numerosas famílias, emprêsas e indivíduos, acondicionados para a utilização do sêlo. Ainda para isso projectamos tornar possível,
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em grande escala, a colonização portuguesa nos planaltos meridionais de Angola e em certas regiões de Moçambique, preparando-a, impulsionando-a e auxiliando-a com todo o cuidado de cumprir o nosso dever histórico.
Pretendemos lançar êste movimento com toda a fôrça para ter um fim próximo a anomalia grave de haver uma notável emigração para o estrangeiro e um considerável proletariado urbano e rural num país com territórios europeus e ultramarinos onde, com rapidez, poderia haver uma população próspera dez vezes maior.
Entretanto não esquecerá o Govêrno a situação do emigrante português, cujas ligações com a Mãe-Pátria é preciso intensificar, já pelo reconhecimento que devemos a êsses trabalhadores que tam longe sustentam a honra do nome português, já pelas vantagens de ordem económica que daqui advêm para o País. Assim procurará criar patronatos, com o fim de orientar e fiscalizar a aplicação e o cumprimento das leis, e, se as faculdades orçamentais o permitirem, remodelará as escolas portuguesas, de maneira a permitir que elas sejam um veículo de aproximação constante entre a Pátria e o emigrante e um instrumento de conservação da língua e das tradições nacionais para o emigrante.
Em conjunção com tudo isto promoveremos os aproveitamentos hidro-eléctricos de Portugal, especialmente no Douro, no Cávado, no Tejo e no Guadiana. Para tal fim, nacionalizando concessões feitas a estrangeiros, sempre que isso seja indispensável para a execução dêste plano, despertaremos e auxiliaremos as iniciativas ou emprêsas colectivas e individuais que queiram encarregar-se dêste novo trabalho de organização e progresso. Dessas emprêsas comparticipará o Estado.
Promoveremos a utilização dos combustíveis nacionais, sobretudo os do centro do País. Promoveremos as obras de irrigação de vantagem regional, local e particular, ligando logo uma parto das primeiras com o parcelamento e a povoação das terras. Promoveremos o desenvolvimento das indústrias necessárias, mormente das que transformam produtos agrícolas de Portugal. Promoveremos a expansão das organizações sindicais vantajosas para a economia geral e das cooperativas de produção, de consumo e de crédito popular, não tendo dúvida o Govêrno em reconhecer a capacidade jurídica dos sindicatos profissionais e das federações associativas.
Completaremos êstes esfôrços com outros que são impostos pelo nosso pensamento renovador. Poremos recursos maiores à disposição do comércio útil, principalmente em favor da exportação. Aproveitaremos para tanto os bons ofícios dos nossos representantes no estrangeiro. E, fiéis à nossa tradicional aliança com a Inglaterra, não esqueceremos também as intensas relações comerciais que secularmente nos unem a êsse grande País; apressaremos a realização da convenção comercial com o Brasil, ao qual nos ligam tantos laços de sangue e afinidades espirituais tam profundas, intensificaremos às relações económicas e de amizade para com a Espanha, procuraremos conclui o tratado de comércio com a França e regularemos as nossas relações comerciais com a Alemanha para um novo acordo. E de uma maneira geral promoveremos todos os acordos susceptíveis de facilitar a mais larga colocação no estrangeiro dos produtos portugueses.
O problema das reparações merecer-nos há especial cuidado. A execução do plano Dawes, será atentamente vigiada e envidar-se hão todos os esfôrços para que a Portugal sejam concedidas as maiores vantagens na efectivação dêsse plano.
Procederemos, emfim, à reorganização geral da fôrça terrestre e marítima, assegurando-lhe, dentro dos limites estabelecidos pelas circunstâncias financeiras, as condições reclamadas pela conservação do território português e da ordem pública, indo a nova situação económica permitir a aquisição do material necessário para aquele fim. Entretanto, providências serão adoptadas para uma melhor valorização dos elementos existentes pela intensificação da instrução dos quadros e uma melhor eficiência na instrução dos contingentes a encorporar.
No mesmo sentido e dentro das bases que condicionam a organização do exército da República novo alento só procurará
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dar à instrução militar preparatória e à formação dos quadros milicianos.
Não se esquece o Govêrno de que, saído do bloco das esquerdas parlamentares, é chamado a realizar o ideal democrático. E não há ideal republicano onde não há justiça social. É em nome dessa justiça social que nos propomos governar.
Soou a hora de esquecer agravos quem agravos tiver.
Defenderemos, por todas as maneiras indispensáveis, com vigor, a causa dos consumidores e dos inquilinos, dentro das exigências da justiça e do equilíbrio económico. Se a melhoria cambial se tem dado e acentuado, o refluxo dos preços ainda se não fez sentir de forma a beneficiar devidamente o consumidor. O Govêrno intervirá abrindo as barreiras alfandegárias, se tanto fôr necessário, para que os preços dos géneros de primeira necessidade se nivelem pelos preços correntes do mercado mundial na paridade que realmente lhes corresponder.
Trataremos de salvar com socorros, protecções e educação adequada os menores —órfãos, abandonados, delinqüentes ou em perigo moral — e adaptaremos, com reformas eficazes, as instituições de assistência e providência ao fim humanitário e social a que são destinadas. Ajustaremos a è instrução às imposições da pedagogia e às do levantamento nacional e daremos cumprimento às generosas promessas da propaganda republicana, descentralizando o ensino e procurando torná-lo gratuito em todos os graus e em todos os ramos.
Asseguraremos a liberdade a todos os cidadãos: liberdade religiosa, liberdade de pensamento e liberdade económica. Impomos apenas, mas a todos, o cumprimento da lei. O crente tem a plena liberdade de exercer os actos do seu culto — dentro da lei. O escritor tem plena liberdade de espalhar as suas ideas e criticar as dos outros — dentro da lei. E lutaremos por todas as legítimas liberdades económicas, combatendo todos os monopólios e abatendo todas as companhias majestáticas, sempre que isso se torne possível, quer pela terminação, quer pelo não cumprimento dos respectivos contratos.
A liberdade individual será igualmente garantida. O habeas corpus será objecto duma proposta em que o Govêrno porá todo o seu interêsse. E uma nova reorganização judiciária procurará tornar a acção da justiça pronta e menos dispendiosa. Finalmente, é preciso afirmar a moralidade do regime com factos incontestáveis. Impõe-se a terminação das várias sindicâncias. O castigo dos delinqüentes e a absolvição dos inocentes são uma afirmação da justiça, que é essencial em regime democrático. O Govêrno adoptará todas as medidas — ainda as mais enérgicas — para que as sindicâncias terminem ràpidamente.
E, para que a lei de responsabilidade ministerial tenha a eficácia e a aplicação que todos reclamam, o Govêrno regulamentá-la há em breves dias.
As declarações que aí ficam feitas não constituem simples afirmações retóricas. O Govêrno trará, em breves dias, ao Parlamento as propostas necessárias para a sua efectivação completa. Estão elaboradas quási todas. Com elas e com a acção executiva que lhe é permitido exercer pelas leis vigentes, o Govêrno ambiciona provocar uma decisiva transformação nacional que a alma dêste povo, cheio de tradições honrosas, julga- indispensável e que os perigos visíveis tornam urgentíssima. Sabe muito bem que ela não é possível sem o concurso de todos os portugueses que estão na metrópole, nas colónias e no estrangeiro. A obra de sustentar e engrandecer Portugal somente pode ser feita por êles mesmos e para sua glória.
O Govêrno pede êsse esfôrço patriótico e glorioso a todos e muito especialmente aos ilustres representantes da Nação.— O Presidente do Ministério e Ministro do Interior.- José Domingues dos Santos.
O Sr. Sá Pereira (para um requerimento): — Requeiro que entre imediatamente em discussão a proposta que diz respeito aos duodécimos para depois se iniciar o debate político.
Foi aprovado.
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Foi lida na Mesa e entrou em discussão a proposta do teor seguinte:
Proposta de lei n.º 819-F
Artigo 1.° É prorrogada até 31 de Dezembro próximo futuro a autorização concedida ao Govêrno pelo artigo 1.° da lei n.° 1:663, de 30 de Agosto de 1924, devendo a proposta orçamental para o ano económico de 1924-1925 considerar-se rectificada de harmonia com as alterações que acompanham esta lei.
§ único. É prorrogado igualmente até 31 de Dezembro próximo futuro o disposto no § único do artigo 1.° da lei n.° 1:663.
Art. 2.° É restituída ao seu pleno vigor a disposição do artigo 3.° do decreto com fôrça de lei n.° 5:519, de 8 de Maio de 1919.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.
4 de Novembro de 1924.
O Ministro das Finanças — Daniel Rodrigues.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente : supondo que se discutiria hoje a declaração ministerial, não trouxe à Câmara os apontamentos relativos à proposta que acaba de ser lida.
Não me causa estranheza esta pressa porque é sempre assim que a República quere ver discutidas as suas contas, sem que possam ser examinadas como devem ser.
A República não tem emenda; um dia vem lamentar-se e no dia seguinte vem reincidir!
Emfim, um verdadeiro caos de administração sem esperanças de mudar!
O actual Ministro das Finanças está assistindo a uma sessão parlamentar antes de a Câmara se ter pronunciado acerca do Govêrno e sôbre a confiança que o Govêrno tem sôbre êle; encontra-se S. Exa. na impossibilidade de se poder pronunciar ou responder a qualquer pregunta; no emtanto, o Sr. Gregório Pestana já tem feito várias declarações e em tam grande número que pode dizer-se tem falado pelos cotovelos.
Pode bem dizer-se que, em face dos discursos de S. Exa., a opinião do País foi unânime.
O Sr. Gregório Pestana fez com que o País, todo êle, tivesse a mesma impressão
acerca do seu plano, e assim, depois das afirmações de S. Exa., o País inteiro está a gritar pelo Gregório.
Risos.
Sr. Presidente: esta circunstância por si só bastava para demonstrar quanto errada estava a proposta do Sr. Daniel Rodrigues.
No emtanto, devemos frisar que o Govêrno, no momento em que as receitas são aumentadas, pensa em que o câmbio baixará, devendo a libra estar a 90$ no fim do próximo mês. Quere dizer: tudo isto está errado.
São aumentos tributários à toa, e não seremos nós quem se associará à comédia de discutir uma cousa que não tem discussão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: é lamentável que, cesta altura dos trabalhos parlamentares, ainda tenhamos de nos pronunciar sôbre uma proposta de duodécimos.
Mas êste lado da Câmara não quere por forma -alguma criar embaraços à regular administração do Estado e, colocando acima de tudo os interêsses públicos, votará a proposta com a seguinte condição: como entre dois males é sempre preferível o menor, declaramos que votaremos apenas um duodécimo, e não dois duodécimos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: em nome da minoria católica, começarei por lamentar que mais uma vez se nos venha pedir que votemos, de afogodilho, duodécimos, a fim de poderem prosseguir as contas do Estado, não com aquela forma regular e metódica que deve ser, mas por uma maneira que nos impossibilita de conhecer suficientemente as verbas referentes às receitas e despesas que estão consignadas nos vários capítulos do Orçamento.
Sr. Presidente: como V. Exa. vê, a intervenção parlamentar fica de certo modo anulada, quando o Govêrno, êste ou qualquer outro, nos vem pedir, em nome dos interêsses superiores da Nação, que votemos, que confiemos na sua acção administrativa.
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Sr. Presidente: não é êste o ensejo para discutir se as alterações feitas pelo anterior Ministro das Finanças são ou não de aceitar neste momento, mas o que desejamos é fazer duas afirmações: visto que nos são apresentados, como razão principal, os altos interêsses da Nação, votaremos o duodécimo.
Todavia, queremos lamentar que, adentro dêste Parlamento, se tenha perdido estèrilmente tanto tempo em discussões, por vezes bisantinas, e se não tenha votado o Orçamento do Estado, que é, afinal, uma das razões fundamentais do funcionamento de qualquer Parlamento.
E tanto mais quanto é certo que esta sessão parlamentar foi expressamente convocada para discutir e votar o Orçamento, discussão e votação que, todavia, se não fizeram, nEo obstante estarmos reunidos há quási um mês.
Sr. Presidente: esperamos que, passado o prazo para que nos é pedida a votação do duodécimo, o Govêrno se não veja na necessidade de vir ao Parlamento pedir a votação de novo duodécimo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É aprovada a proposta na generalidade e, em seguida, aprovada na especialidade, sem discussão.
O Sr. Júlio Gonçalves: — Requeiro a dispensa da leitura da última redacção.
É aprovado.
O Sr. Presidente: — Vai iniciar-se o debate sôbre a declaração do novo Govêrno.
Terá a palavra o Sr. Sá Pereira.
O Sr. Sá Pereira: - Sr. Presidente: em nome dêste lado da Câmara, tenho a honra de saudar o Govêrno que acaba de se apresentar ao Parlamento.
Faço-o com infinita satisfação e com a maior das alegrias.
O Sr. Presidente do Ministério, além de ser uma das figuras mais categorizadas do meu partido, é um amigo querido, que eu muito estimo e admiro pelas suas belas qualidades de carácter e pela sua rara envergadura de lutador, que faz com que S. Exa. seja como que o porta-estandarte das reivindicações da moderna sociedade portuguesa. Não pode, pois, estar entregue o poder em melhores mãos no momento difícil que atravessamos.
Todos os seus colaboradores são homens públicos sobejamente conhecidos, quer aqui, quer lá fora, para que eu sinta necessidade de dizer de cada um deles o muito que têm feito pela causa pública.
O Sr. Pedro de Castro, ilustre Ministro da Justiça, é conhecido como um magistrado ilustre e como homem que conhece de perto os negócios da pasta que lhe foi confiada.
O Sr.. Helder Ribeiro, ilustre Ministro da Guerra, é um velho lutador cuja passado não podemos evocar sem evocar também os tempos saudosos da propaganda contra a monarquia.
S. Exa. tem no meu coração um lugar sagrado, visto que foi meu companheiro no movimento de 28 de Janeiro, e de perto admirei as suas altíssimas qualidades. Lembro-me ainda de várias reuniões que-então se efectuaram, e do facto dos oficiais que a elas assistiam DOS pedirem para não lhes falarmos na rua.
Helder Ribeiro, que a essas reuniões comparecia sempre fardado, desdenhava em regra todas as precauções, tomando altivamente a responsabilidade do seu procedimento.
S. Exa. era por êsse tempo tenente de caçadores 5.
O Sr. Sousa Júnior — é preciso não esquecer — foi o primeiro Ministro da Instrução da República, a convite do Sr. Afonso Costa, a quando do Ministério a que êste presidiu em 1913.
S. Exa. é não já uma grande figura do meu partido, mas uma grande figura da República.
O Sr. João de Barros ó, também, um velho republicano e um homem que ainda há pouco tempo esteve na Grécia a convite do Govêrno dêsse país, que assim pôs em relevo o alto valor de S. Exa.
O Sr. Pestana Júnior, actual Ministro das Finanças, também meu velho amigo, pertenceu a esta casa do Parlamento durante alguns anos.
E, para que bem se avalie do que vale o seu carácter, eu recordo a atitude desassombrada de S. Exa. ao acompanhar a maioria desta Câmara nós seus protestos contra o facto de o Govêrno do Sr. Bernardino Machado ter aberto as portas da
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fronteira a um jesuíta que era ainda um parente do Sr. Pestana Júnior.
O Sr. Carlos de Vasconcelos, apesar de novo nas lides parlamentares, soube pelas suas invulgares qualidades conquistar na política portuguesa o lugar de destaque que lhe facultou o acesso àquelas cadeiras. Estou convencido de que S. Exa. no desempenho do seu cargo mostrará que estava preparado para o ocupar, e não esquecerá a circunstância de ser filho duma terra onde ainda hoje se morre de fome, por muito que tal pareça inacreditável.
O Sr. Plínio Silva é, além de meu correligionário e dos mais prestigiosos, um dos mais distintos ornamentos desta Câmara. Tudo nos indica que a sua acção na pasta do Comércio será tam brilhante como o tem sido nesta casa do Parlamento,
O Sr. João de Deus Ramos é filho de um homem que sustentava o princípio de que pela verdade nos devemos deixar matar... A competência com que, há anos, geriu a pasta que hoje lhe está confiada, é uma segura garantia de que podemos confiar em S. Exa.
O Sr. Ezequiel de Campos, antigo Deputado às Constituintes, é um homem de raro valor, quer pela sua inteligência, quer pelos seus trabalhos.
Espero que êle, exercendo o alto cargo que desempenha, merecerá os aplausos de todos nós, que o mesmo é que do País inteiro.
Sr. Presidente: dirigidos os meus cumprimentos ao novo Govêrno, apreciarei ràpidamente a declaração ministerial.
Vê-se que o Govêrno está altamente empenhado em atender a esta dolorosa situação de haver todos os anos um déficit cerealífero, ficando todos os anos milhares de hectares de terreno por cultivar.
O Govêrno, afirmando o seu propósito de prestar a êste caso os maiores cuidados, mostra a boa vontade de atender à situação geral do País.
Não se compreende, como tenho visto, que estejam milhares de hectares de terrenos por cultivar na mão de poderosos lavradores, que os querem para ostentação, quando saem do País para importação milhares e milhares de contos destinados à compra de cereais.
Apoiados.
Sr. Presidente: outro ponto da declaração ministerial refere-se ao funcionalismo público.
Na verdade, êsse problema não foi ainda devidamente estudado pelos Governos que têm ocupado as cadeiras do Poder, e muitos não o têm feito talvez por falta de tempo.
Do bom funcionalismo resulta a boa actividade do Estado, e é uma obra que se impõe o estudo dêste assunto.
Há muitos empregados que se sacrificam pelo bem-estar do Estado, mas há muitos outros que não cumprem os seus deveres e fogem àquilo que é a sua indispensável obrigação.
Já tenho afirmado nesta Câmara que não temos funcionários a mais; o que temos é funcionários mal distribuídos e que estão fora dos lugares em que deviam estar, e prestando serviços onde são nefastos,
Tem-se dito que os funcionários estão mal pagos, e realmente para ter bons funcionários de vê-se pagar bem, mas que os obriguem também a cumprir os seus deveres e a que tenham amor ao Estado.
Não se compreende que haja funcionários que não tenham amor ao Estado e às instituições republicanas e antes as procurem prejudicar.
Apoiados.
Certamente que isto não continuará a consentir o Govêrno.
Sr. Presidente: afirma o Govêrno, na sua declaração ministerial, que, tendo do se ocupar da questão dos tabacos e dos fósforos, por motivo de ter cessado o monopólio que foi dado no tempo da monarquia, não pode consentir nesses monopólios para de futuro, pois que isso não só ora do programa da República, como dos tempos da propaganda.
Já tive ensejo de falar a tal respeito com o meu querido amigo Sr. Barros Queiroz e êle é de opinião que êsses fabricos deviam ser particulares e sem monopólio.
Creio, pois, que a intenção do Govêrno corresponderá à sua declaração.
Sr. Presidente: também o Govêrno na sua declaração afirma que procurará dar toda a protecção aos sindicatos operários existentes e facilitar a criação de outros.
Entendo que essa protecção deve ser dada.
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É ocasião de dizer ao Govêrno que existe já nesta Câmara um trabalho, e melhor não conheço, apresentado pelo Sr. João Camoesas, que deve ser apreciado, estando já em estado na respectiva comissão.
A obrigação do Govêrno é empregar todos os esfôrços para que êle tenha seguimento e assim satisfará ò compromisso tomado na declaração que acaba de ser lida.
Diz o Govêrno, pela sua declaração ministerial e também o disse o Sr. Presidente do Ministério no acto da sua posse, que empregará todos os esfôrços para acudir à situação: desgraçada do povo quanto aos géneros de primeira necessidade.
Mas os géneros de primeira necessidade não são só os que dizem respeito à alimentação; são também os que dizem respeito ao vestuário, etc.
Emquanto um metro de algodão custar cinco e seis escudos, não há possibilidade de se andar vestido.
Apoiados.
Sr. Presidente: na declaração ministerial vem uma frase a que me desejo referir.
Diz o Govêrno que haverá liberdade para todos.
Não se esqueceu o Govêrno de dizer que haveria liberdade religiosa, mas dentro da lei.
Sr. Presidente: liberdade não é abuso, como tem sucedido ultimamente, havendo abusos que é preciso que acabem de uma vez para sempre.
O jornal A Batalha do dia 13 de Setembro dêste ano, no alto 'da sua página, dizia: «A perigosa invasão do exército negro».
Nada mais verdadeiro!
Mais abaixo, em quatro ou cinco colunas, demonstra como a reacção tem medrado e como por essas províncias fora se vêem nos hospitais irmãs hospitaleiras!
Sr. Presidente do Ministério: chamo a atenção de V. Exa. para o relatório do Sr. Borges Grainha e não é a primeira vez que faço êste apelo ao Poder Executivo.
É preciso que a lei se cumpra e que o Sr. Presidente do Ministério, em harmonia com as suas palavras...
O Sr. Jorge Nunes: — Que disse lá fora...
O Orador: — ... E vêem aqui na declaração ministerial...
Sr. Presidente: hei-de instar para que se discuta e voto a proposta de lei que faz reviver a lei da Separação, posta de parte por uma ignominiosa revolução.
Estou certo de que o Govêrno terá o aplauso do Parlamento.
Sr. Presidente: vou terminar, mas antes quero saudar o Govêrno, do fundo do meu coração, do fundo da minha alma, esperando que êle restaurará no país a República proclamada em 5 de Outubro.
V. Exa. Sr. Presidente do Ministério, não terá só o apoio e o aplauso do Parlamento; terá o apoio e o aplauso da opinião republicana do país inteiro.
E, quando V. Exa. houver terminado o seu mandato, terá entrado no número dos grandes homens desta Pátria.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem. Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: tenho a maior consideração pelo meu ilustre colega nesta Câmara, Sr. Sá Pereira, pelas suas qualidades de republicanismo e de patriotismo, e ainda pela enorme sinceridade que sempre o anima. Mas, Sr. Presidente, hoje permito-me declarar que S. Exa. não falou em meu nome.
Vou, portanto, falar em meu nome pessoal, crendo, todavia, que interpreto também o sentir e o pensar de outros correligionários meus.
Apoiados.
Vozes: — Não apoiado!
O Orador: — Uma vez que ouvi apoiados e não apoiados, está confirmada a exactidão do que afirmei.
Sr. Presidente: governar na hora que passa, é, com efeito, uma missão árdua, espinhosa, missão que exige sacrifícios e abnegações tantas vezes mal retribuídos, tantas vezes sem serem reconhecidos e que tantas vezes ainda acarretam aos que se sacrificam os maiores perigos e até os mais tremendos desgostos.
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Todavia, compreendo que se queira governar, que se aspire mesmo a governar por patriotismo, pelo desejo de contribuir para o bem comum, e mesmo pela con-tiança que haja ao êxito do estorço próprio.
Mas, Sr. Presidente, o que não compreendo, sobretudo na hora que passa, é que se pretenda governar apenas pela mera e vulgar satisfação de ambições pessoais.
Sr. Presidente: não duvido de que aos homens que compõem o actual Govêrno a todos anime o melhor patriotismo e as melhores intenções; todavia não reconheço nos homens e figuras que compõem o Govêrno àquelas mesmas qualidades precisas para inspirarem confiança ao país, nom a possibilidade de bem o servirem, nem até a mesma legitimidade para terem atingido os postos que alcançaram.
Pregunto: - Sem dúvida! é um Govêrno republicano?
Todavia penso que não é o Govêrno de que a nação e a República precisavam neste momento.
É também um Govêrno do bloco?
Sê-lo há, mas pregunto: de qual bloco?
Daquele que mais ou menos precariamente existiu para o Govêrno que foi presidido pelo Sr. Álvaro de Castro ou o que existe agora para o Govêrno do Sr. José Domingues dos Santos?
É um Govêrno saído daquele bloco que desapareceu na noite em que se derrubou o Govêrno do Sr. Rodrigues Gaspar ou antes um Govêrno que surgiu de outro bloco que- se formou nessa noite, constituído por aqueles que derrubaram o Govêrno transacto, pelo Partido Nacionalista, pelos católicos e pelos monárquicos?
Se surgiu dêste último bloco, verifico que o Govêrno está incompleto, porque, procurando entre as pessoas que só sentam nas cadeiras do Poder, vejo que faltam os Srs. Lino Neto, o Sr. Carvalho da Silva, o Sr...
O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — Já não lhes chegam os correligionários.
Querem lá ver a gente...
O Orador: — O Sr. Carvalho da Silva mais possivelmente poderá ser correligionário daqueles com quem colaborou nessa noite a que aludi, do que de num.
Não está no Govêrno S. Exa., e não tenho que surpreender-me porque, com efeito, se trata de um Govêrno republicano e que por tal sinal se propõe finalmente realizar aquela política com que muitos republicanos sonharam, e que até hoje ainda não puderam ver, de um Govêrno que vai restabelecer a República naquelas bases puras da Democracia, de um Govêrno numa palavra acentuadamente esquerdista, com o apoio e a consagração do ilustre esquerdista que é o Sr. Sá Pereira.
Esquerdista!... Esquerdista...
Surge aqui a minha primeira dúvida...
O Govêrno devia estar formado de antemão.
Os homens que o desejaram, que o preconizaram, que desenvolveram toda a acção que o levou ao Poder, os homens que o compõem, era preciso tê-los encontrado antes, constituindo uma mesma aspiração, formando e defendendo um mesmo corpo de doutrinas e de princípios.
Mas, Sr. Presidente, o que vimos nós todos?
Vimos que o Sr. Pedro Martins, antigo Ministro de Portugal junto do Vaticano, fora convidado para Ministro das Finanças.
Foi o que os jornais disseram, e eu creio que seja verdade, pois de contrário o Sr. Presidente do Ministério teria o cuidado de opor o devido desmentido, o que não fez.
O Sr. Carlos Pereira: — O esquerdismo de V. Exa. é comer fígados de padre?
O Orador: - Conhece V. Exa. algum padre a quem eu tenha comido o fígado? Teria V. Exa. preparado com êle algum pic-nic A Fátima?
O Sr. Carlos Pereira: - Parece-me que V. Exa. toma por afirmação minha uma cousa que não ô verdade.
Eu não disse aquelas palavras que vieram no jornal A Época.
Entretanto, tenho o direito de não concordar com proibições que deminuam o Poder. Para se proibir é indispensável que se seja capaz do efectivar a proibição.
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Não sendo assim, dá-se o desprestígio do Poder. Foi contra isso que eu protestei.
O Orador: — Sr. Presidente-, toda a gente entranhou que o Sr. Pedro Martins fôsse a figura escolhida para Ministro das Finanças do Govêrno actual.
Era S. Exa. a individualidade que estaria, com efeito, indicada para exercer neste Ministério as funções de Ministro das Finanças?
Sr. Presidente: a orientação avançada dum Govêrno — é quási lugar comum dizê-lo — tem de marcar-se principalmente no campo económico-financeiro. Basilar para êste Govêrno era o seu Ministro das Finanças, o seu programa, as suas ideas.
Então era o Sr. Pedro Martins o escolhido para executar o programa mínimo do congresso partidário, realizado no Pôrto?
Acho êste tam anormal que chego a duvidar da sinceridade dos propósitos do Govêrno.
Eu bem sei que neste momento está na pasta das Finanças um ilustre republicano, a quem presto as minhas mais sinceras homenagens, um velho republicano, ilustre por todas as suas qualidades de carácter e de inteligência; mas a verdade é que o Sr. Pestana Júnior, com as suas muitas ou poucas ideas, com as suas boas ou más ideas de Govêrno, só foi para a pasta das Finanças, digamos, como recurso esquerdista, com o aplauso do meu ilustre colega e indómito esquerdista, Sr. Sá Pereira.
Não o tinha nessa conta, assim como não conhecia como esquerdistas os Srs. João de Barros e João de Deus Ramos.
O Sr. Sá Pereira (interrompendo): — É porque V. Exa. não os conhece a todos.
O Orador: — Sr. Presidente: ao felicitar a pessoa do Sr. Sousa Júnior, velho republicano, figura prestigiosa e das mais altas qualidades, cujo brilho se impõe ao respeito de todos nós, devo dizer, em abono da verdade, que, tendo S. Exa. já sido Ministro da Instrução, o julgava reservado para mais altos serviços.
Sr. Presidente: detenho-me neste ponto do esquerdismo misturado do Govêrno, para mostrar à Câmara que há duas espécies de esquerdistas.
Há esquerdistas de orientação, esquerdistas de sinceridade, e também esquerdistas de artigo, esquerdistas reclamo, que apenas pretendem iludir a opinião pública, e mais nada.
Apoiados.
É preciso ter em conta que prometer é muito fácil; porém, cumprir ou realizar aquilo que se promete é por vezes impossível, o que faz por vezes revoltar todos aqueles que se deixaram iludir.
Apoiados.
Sr. Presidente: a nação tem o direito do exigir que a República lhe forneça Governos e políticos em condições de prestígio para a própria nação; mas uma tal política, como a que estamos vendo, nem pode prestigiar a República, nem interessar a nação, porque só tende a satisfazer ambições, porque o objectivo atingido consiste em distribuir a um o lugar de Presidente de Ministério, a outro uma pasta de Ministro, a outro um lugar de governador civil, e a alguns dar predomínios locais, de há muito ambicionados. Mas isto não serve a nação, não dignifica a República; é apenas uma política estéril e nociva.
Sr. Presidente: trágica será aquela hora em que êste Govêrno, depois de se ter apresentado à opinião pública, tenha de responder perante ela. Neste capítulo o actual Govêrno tem uma responsabilidade especial. Todos os que aqui estão, no fundo da sua consciência, têm a noção exacta do que se fez ao Govêrno do Sr. Rodrigues Gaspar.
O Sr. Carlos Pereira (em àparte): — E ao Govêrno do Sr. Álvaro de Castro.
O Orador: — O Sr. Rodrigues Gaspar precisa duma reparação maior do que a de simples desculpas após o desaire. Aquele homem há-de ter a reparação que merece; havemos de dar-lhe todos nós, e aqueles que o escorraçaram do Poder, e que nesta hora apoiam os escorraçadores.
Sr. Presidente: o Govêrno do Sr. Rodrigues Gaspar não caiu pelo que fez; caiu pelo que outros fizeram. Aproveitaram-se acintosamente contra êle factos que êle não praticou, unicamente com o
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fim de derrubar um homem que não procurava senão servir a República e dignificar o país.
Convocou-se o Parlamento para uma sessão extraordinária sem se conhecer o objectivo dessa convocação. E afinal, Sr. Presidente, para, após a queda do Gabinete Rodrigues G-aspar, adiarmos a sessão, porque o Govêrno hoje apenas se apresentou.
O Sr. Carlos Pereira (interrompendo): — V. Exa. dá-me licença? V. Exa. esqueceu-se de ler o decreto que convocou o Parlamento. O próprio Govêrno diz que a convocação visava à discussão orçamental.
O Orador: — Mas nenhum dos que clamaram por essa discussão ainda tratou dela nesta Câmara.
O que se trouxe como arma, como metralha para fuzilar o Govêrno, foi o acordo dos tabacos que não era da responsabilidade do Sr. Rodrigues Gaspar, mas sim do Sr. Álvaro de Castro.
O Sr. Carlos Pereira (em aparte): — Não apoiado! Não apoiado!...
O Orador: — V. Exa., com os seus não apoiados, não destrói esta afirmação, e nesta Câmara há quem possa confirmar as minhas palavras.
Quem assinou as bases do contrato é que tem a responsabilidade.
Mas, Sr. Presidente, foi depois o Govêrno atacado por virtude das letras de Angola, quando a responsabilidade não era dele. Quem não as pagou foi o Govêrno do Sr. Álvaro de Castro.
O Sr. Álvaro de Castro (em àparte): — Não é exacto.
O Orador: — Há nesta Câmara quem melhor conheça o assunto e que pode detalhadamente responder à observação de S. Exa.
Mas, Sr. Presidente, êste Govêrno formou-se mediante a prévia exibição do tal programa esquerdista que para muitos foi já uma decepção.
Ao fazer esta afirmação, eu quero protestar contra essa espécie de exclusivo, marca ou patente, que os homens, actualmente sentados nas cadeiras do Poder, pretendem reservar para si. Refiro-me à denominação de esquerdistas. Esquerdistas somos todos nós, são todos os republicanos.
O Sr. Júlio Gonçalves: — Os actos é que o afirmam.
Trocam-se àpartes.
O Orador: — Sr. Presidente: repetindo, devo dizer que esquerdistas são todos os republica aos. A República, infelizmente, não está ainda tam integrada na Nação que os republicanos deixem de formar à esquerda.
Em Monsanto é que se efectuou o combate das esquerdas com as direitas, e nas esquerdas formaram os republicanos de todos os matizes. Esquerdistas, portanto, somos todos nós.
O Sr. Sá Pereira (em àparte): — Há várias nuances.
O Orador: — O que se tornava necessário era aglutinar, era reunir esfôrços e dedicações em torno da República, e não dividir, desorientar ou mistificar.
O Sr. Feliz Barreira (em àparte): — Na verdade, é preciso não mistificar, O que se torna necessário é administrar.
O Orador: — Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Ministério tem a alta e grave responsabilidade de ter trazido a êste Parlamento uma proposta de lei que visava a restabelecer a Lei da.Separação em toda a sua pureza.
Que interêsse tem manifestado S. Exa. por essa proposta?
Mas, Sr. Presidente, recordo-me ainda de palavras que foram proferidas em Coimbra a propósito da Universidade da mesma cidade.
Prometeu-se modificar aquele velho estabelecimento de ensino para o restabelecer de harmonia com normas-mais democráticas e republicanas. Fico esperando dêste logar essa obra de democratização do ensino que o Govêrno vai fazer.
Eu bem sei que o Sr. Presidente do Ministério nos prometeu mais do que o próprio Danton. S. Exa. propõe-se dar-nos o pão; a seguir dar-nos educação e no fim dar-nos a liberdade.
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Sr. Presidente: somos pessoas conscientes do que valemos e não receamos ameaças e muito menos truculências. O Sr. Ministro das Finanças já declarou que além de ser Ministro era director das cadeias, e com esta frase prometeu meter tudo na prisão.
Como sou amigo pessoal de S. Exa., permito-me dizer-lhe que pode meter na cadeia todos os'banqueiros, mas o que não consegue prender é o câmbio.
O Sr. Feliz Barreira, (em àparte): — Nem os políticos que têm administrado mal a República.
O Orador: — Nesta hora está muita gente aterrada; nesta hora há muita pessoa que receia novos impostos, novos tributos, e até os próprios banqueiros estão aterrados; mas eu daqui lhes digo: não se assustem, não se arreceiem, não tenham medo, continuem tranqüilos.
Sr. Presidente: o verão passado assisti, no Teatro de S. Luís, a um espectáculo denominado os «Anaglifes». Em que consistia êle?
Projectavam-se num écran figuras várias que cresciam, assumindo proporções gigantescas, e avançavam em direcção aos espectadores, como que ameaçando os e parecendo querer agredi-los.
Êstes, nas cadeiras e nos camarotes, aterrados, agachavam-se mas depois todo o receio se desvanecia, tudo passava, eram apenas inocentes sombras ... Sr. Presidente: permita-se-me que compare ò actual Govêrno aos «Anaglifes». Não fará nada, não passará duma sombra...
Termino, tendo a honra de cumprimentar o novo Gabinete.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: começarei por cumprir um dever de cortesia a que de modo algum poderia faltar.
Começarei por cumprimentar o Sr. Presidente do Ministério e os seus colegas do Gabinete, com alguns dos quais eu tenho velhas relações de amizade.
Outros são meus conhecidos e com alguns deles não tenho espécie alguma de relações; conheço os apenas através dos actos da sua vida pública.
Cumprido êste dever, farei uma confissão. Confessar-se a gente é uma cousa que alivia a consciência, como dizem os católicos praticantes, e tem, além disso, a vantagem de nos ficarem conhecendo.
Devo confessar a V. Exas. que, aceitando a obrigação de falar, não fiz bem.
Não apoiado.
Eu ouvi o Sr. Vasco Borges e fiquei julgando que era o leader do Partido Nacionalista que falava.
O Sr. Vasco Borges falou com eloqüência, falou — eu, pelo menos, acredito-o — com sinceridade e falou, sobretudo, com verdade.
Apoiados.
Creio que uma das características da minha pobre eloqüência é a de, através de todos os erros de gramática e- de todas as contorsões de frase, falar sempre verdade, alto e bom som.
O Sr. Vasco Borges teve igualmente essa característica, nas declarações que há pouco fez. E de tal maneira que eu não sei se S. Exa. deseja que lhe seja conferido pelo meu partido o título de nacionalista honorário de primeira plana.
Risos.
Mas porque é que o Sr. Vasco Borges falou por forma que tam bem enquadrou as aspirações do meu partido? Ninguém que conheça o caracter do Sr. Vasco Borges pode fazer lhe a injustiça de supor que S. Exa., com a sua atitude, procurou apenas uma ponte de passagem para aderir ao Partido Nacionalista.
Risos.
Não. S. Exa. falou assim naturalmente arrastado pelo estado de espírito que presentemente parece dominar toda a Nação.
O Sr. Vasco Borges, antepondo-se no uso da palavra ao leader do Partido Nacionalista, teve ocasião de fazer afirmações a respeito do actual Govêrno que o País, decerto, por filha inteiramente. Algumas das suas frases são bem expressivas. S. Exa. afirmou cousas como esta: «que o Govêrno subia ao Poder para mera e vulgar satisfação de ambições pessoais».
Tanto talvez não me atrevesse eu a dizer porque, não tendo com os membros do Govêrno as relações de S. Exa., porventura não teria a franqueza de que usou o Sr. Vasco Borges que, além disso, melhor os conhece.
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O Sr. Vasco Borges contesta, primeiro, a legitimidade do acto que atirou para fora daquelas cadeiras o Govêrno transacto, e, a seguir, a capacidade do actual para o substituir.
O Sr. Vasco Borges, contesta, ainda, ao actual Govêrno ò direito de falar numa cousa que parece ter desaparecido, isto é, no celebre bloco a que S. Exa.? pertenceu e cuja existência presentemente ignoro.
Mas então, postas estas premissas e deixando por agora o Govêrno sossegado, interroguemo-nos sôbre um ponto que eu reputo essencial.
E agora eu peço licença ao meu partido para falar única e exclusivamente em meu nome pessoal. Suponho que as pessoas que, como eu, têm levado uma v.ida de independência a ponto de criarem verdadeiras incompatibilidades, tem o direito de pedir licença para falar claro e sem rodeios.
Ora, se é verdade tudo o que afirma o Sr. Vasco Borges, e em que situação se colocou o Sr. Presidente da República? É bom que as cousas se ponham com franqueza. Há, acaso, o dever de considerar como Presidente da República um presidente que ignora sistematicamente a existência de um dos partidos políticos do regime e que fantasia, governos que não correspondem a uma necessidade objectiva?
Eu sei que sou impolítico fazendo estas preguntas, porque sei que a tática consiste em afastar todas as possibilidades de união dos grupos desavindos do Partido Democrático.
Mas, se adoptássemos essa política fácil e comesinha, o País veria com bons olhos o nosso procedimento?
Devemos, pois, confessar a verdade.
Tudo indica que o Partido Democrático, ao escolher o actual Presidente da República, escolheu bem. O Sr. Presidente da República é, de facto, o presidente do Partido Democrático; não é o meu, não é o nosso Presidente.
Não apoiados.
O Sr. Presidente da República, depois da madrugada de 10 do Dezembro último, condenou à morte o Govêrno presidido pelo Sr. Ginestal Machado, e a que eu pertencia sem o merecer.
Não apoiado do Sr. Ginestal Machado.
O Orador: — Constituíu-se depois um bloco formado por accionistas, democráticos é independentes, para servir de base a um Govêrno. Do primeiro Govêrno saído dêsse bloco foi presidente o Sr. Álvaro de Castro.
Porque caiu o Sr. Álvaro Castro?
Caiu porque a certa altura se cansaram da permanência dele no Poder e entenderam que lhe deviam dar um substituto.
Quem foi êsse substituto?
Foi o Sr. Rodrigues Gaspar.
E, Sr. Presidente, o primeiro cuidado do Sr. Rodrigues Gaspar foi garantir que estava na Presidência do Govêrno para cumprir integralmente o programa que lhe fôsse determinado pelo Sr. Álvaro de Castro. A sua política financeira e económica era a mesma do Govêrno anterior.
Tam bem cumpriu o Sr. Rodrigues Gaspar o mandato que lhe havia sido marcado pelo Sr. Álvaro de Castro, que foi possível a êste, em várias conferências, gabar-se dê que fora o autor da melhoria cambial que o Sr. Daniel Rodrigues queria atribuir à sua acção.
O Sr. Daniel Rodrigues assina-se vulgarmente Roiz.
O Sr. Álvaro de Castro, vendo que o Sr. Roiz queria roer-lhe a glória, em más falas ao público, declarava sempre que a glória lhe pertencia.
Risos.
Foi o sr. Rodrigues Gaspar a segunda encarnação do Sr. Álvaro de Castro, e também o Sr. Gaspar encarnou o espírito do Sr. Álvaro de Castro, de modo que, se êste não o considerar como seu irmão siamês, será bastante injusto.
Risos.
A certa altura, uma parte do bloco junta-se a nós, oposição, o atira a terra q Govêrno do Sr. Gaspar. E eis que a substituí-lo nos aparece o Govêrno presidido pelo Sr. Domingues dos Santos, que não renega a política do seu antecessor. Já disse que pretendia continuar a política financeira e económica dos Governos anteriores. Temos, pois, no Govêrno actual a terceira encarnação do Sr. Álvaro de Castro.
Risos.
Portanto, estas três situações ministeriais saídas do bloco são iguais a um só homem verdadeiro, o Sr. Álvaro de Castro.
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Mas, porque caiu, então, o Sr. José Domingues dos Santos?
Àpartes.
Perdão, peço desculpa; isto é uma pregunta que eu hei-de fazer na próxima segunda-feira.
Risos.
Mas, porque caíu o Sr. Rodrigues Gaspar?
Caiu, parece; por ter feito a política económica e financeira do Sr. Álvaro de Castro.
Mas o Sr. Álvaro de Castro, apesar 4e o Sr. José Domingues dos Santos ter dito que a sua obra seria tim tim por tim tim a política do Sr. Álvaro de Castro, já disse que a sua política e a do seu grupo seriam a que orientaram o seu Ministério, o que significa que já não está satisfeito com esta sua terceira encarnação e já tem preparada uma quarta encarnação.
Àpartes.
Mas esta segunda queda mostrou mais alguma cousa que só não conseguiram ver os olhos cegos do Sr. Teixeira Gomes, e ouvir os ouvidos surdos do mesmo Excelentíssimo Senhor.
Revelou que o bloco estava esfacelado, ainda mesmo que o Partido Democrático o queira sustentai para conservar o Poder, o que é uma aspiração humana.
Àpartes.
Não existindo, portanto, o bloco, a quem deveria ser entregue o Poder que não fôsse o Partido Nacionalista?
O Sr. Presidente da República tem de ter confiança nos seus Ministros, mas os Ministros também têm de ter confiança no Presidente da República.
Eu, por mim, não tenho confiança em S. Exa. e digo isto pessoalmente e não queria ser Ministro com S. Exa. porque tem estado sempre contra o meu partido, mas o meu partido tem o direito, senão o dever constitucional, de ser considerado.
Não sei a idea que o meu partido faz a respeito do Sr. Presidente da República.
Sei que o voto é secreto, mas digo que quando da eleição presidencial votei com lista branca.
Não sei como votou o meu partido.
Apartes.
Mas o certo é que, assim como S. Exa. tem direito a ser respeitado nas suas regalias, há também praxes parlamentares a atender.
Desde o momento que surgiu a questão como surgiu, o Sr. Presidente da República devia considerar também a possibilidade de o Partido Nacionalista' formar Govêrno, sem mim, evidentemente.
Sr. Presidente: o Sr. Presidente da República, em outra crise, tinha estabelecido a sua atitude de esperar dias pelo homem ausente.
Àpartes.
O meu partido tem o direito de não ser considerado fora do regime constitucional, cujo lugar alcançou por direito de conquista, e não quero empregar outra expressão porque respeito muito o Parlamento; não quero que se julgue que só queremos desagradar ao Sr. Presidente da República, mas é necessário que o país saiba a situação do meu partido e as suas responsabilidades.
Sr. Presidente: esta minha atitude individual virá provocar azedumes ao Sr. José Domingues dos Santos, mas não é essa a minha intenção.
O que é certo é que o Partido Democrático prefere tudo a abandonar o Poder.
Assim, tenho, pois, o direito de dizer que, excepto o Partido Democrático, o Sr. Presidente da República esquece para Govêrno todos os outros partidos.
Estas palavras minhas são ditas em meu nome pessoal, mas, limadas algumas agruras desta ou daquela frase, poderão também ser o modo de pensar do meu Partido.
Quero dizer ao Sr. José Domingues dos Santos uma cousa:
Conquistar o poder, ou tentar conquistá-lo, é uma cousa legítima a todo aquele que julga ter ideas dentro da cabeça e capacidade para as realizar.
Não sou eu, portanto, sr. Presidente, que me zangue com a atitude assumida pelo Sr. José Domingues dos Santos, para assaltar as cadeiras do Poder.
Não sou daqueles que encontram essa qualidade, no Sr. José Domingues dos Santos para deminuir o seu carácter; pelo contrário, entendo que ter vontade de realizar ideas, quando as haja, são qualidades que só engrandecem, não se compreendendo que, dentro do campo legal, os seus amigos tratem de impedir que êle
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Sessão de 27 de Novembro de 1924 27
realize os seus planos ou as suas iniciativas.
Sr. Presidente: o Partido Nacionalista, nas condições especiais em que o colocou o Chefe do Estado, achava-se absolutamente impossibilitado de impedir, dentro do campo legal, que o Govêrno fôsse entregue ao Sr. José Domingues dos Santos, ou ao Sr. António Maria da' Silva, Visto que o que se acaba, de passar é uma questão entre o Partido Democrático e o Sr. Presidente da Republica, com a qual o meu Partido nada tem.
O Partido Nacionalista, repito, estava impossibilitado pelos meios legais, porquanto de outros se não serve, de impedir que o Sr. José Domingues dos Santos fôsse ao Poder.
Quais eram, Sr. Presidente, as duas entidades que podiam impedir essa subida?
O Sr. Presidente da República e o próprio Partido Democrático.
O que é para estranhar é que, realmente, dada a situação em que nos encontramos, e que é pintada com cores tam carregadas na própria declaração ministerial, o Sr. José Domingues dos Santos tenha subido ao Poder contra a vontade do seu Partido; porém, nós nada temos com essas questões internas.
Sr. Presidente: apesar dos calafrios que o Sr. José Domingues dos Santos infligiu à consciência católica do País, estou absolutamente convencido de que a minoria católica não receia que o Sr. José Domingues dos Santos ponha em prática as suas ideas, não sendo de admirar que os ilustres Deputados católicos saiam da sala, no momento das votações, ou lhe votem uma moção de confiança.
A verdade é esta.
O País sabe que todas essas emergências, passadas pelo Sr. José Domingues dos Santos, foram como que a arma de que êle se serviu para aterrar o seu próprio Partido e para naturalmente convencer a corrente contrária do seu Partido.
Esta declaração não é mais nem menos esquerdista: ficará a matar ao Sr. Rodrigues Gaspar.
O que é que há aqui que nenhum republicano possa votar?
Vê-se bem que o Sr. José Domingues dos Santos provocou uma agitação artificial para o levar ao Poder e o Sr. António Maria da Silva deixou-se vencer sem reparar que quem pára em política morre.
Sob o ponto de vista religioso, o programa ministerial tanto me serve a mi m como ao Sr. Sá Pereira.
A declaração até vem cercear os poderes do Sr. Presidente da República, que deles é tam cioso, porque encerra cortes-nas prerrogativas do Chefe do Estado.
O artigo 47.° da Constituição diz o seguinte:
Compete ao Presidente da República nomear o Presidente do Ministério e os Ministros, de entre os cidadãos portugueses elegíveis, e demiti-los.
E o artigo 53.° acrescenta:
De entre os Ministros, um deles, nomeado também pelo Presidente, será Presidente do Ministério, e responderá, etc.
Eu sei que isto corresponde à realidade prática, mas não é a expressão da letra da Constituição.
Mas, Sr. Presidente, tudo isto é apenas um episódio da vida do Partido Democrático.
À pasta das Finanças refere-se ligeiramente o Govêrno. Melhor fora que tivesse feito o contrário.
Era absolutamente necessário que a convenção de 29 de Dezembro de 1922 se modificasse, para que não fôsse possível um, agravamento de circulação fiduciária.
É preciso que a Câmara saiba que a circulação fiduciária pode ser agravada apenas pela má interpretação que um Ministro dê à convenção de 1922, mas como o Sr. Ministro das Finanças não deseja mistificações, estou convencido, e creio que a Câmara também, de que se vai propor por iniciativa do Sr. Ministro das Finanças a forma de não mais ser possível o aumento da circulação fiduciária.
Uma outra questão curiosa, que é levantada nesta declaração, é a que se refere ao crédito dos três milhões. Neste crédito nunca poderá haver possibilidade de falta de pagamento, e eu explico porquê.
O Estado recebe 85 por cento pelas compras de mercadorias. Depois, recebe dos diferentes serviços a particulares as importâncias que adiantou.
Diz a lei que todos os anos devem ser inscritas no orçamento as verbas para efectuar os pagamentos dos serviços que
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utilizam do crédito, de forma que êles não podem dever. Os particulares também não podem dever, porque então protestavam-se-lhes as letras. Quanto ao Govêrno de Angola, que também se utilizaria do crédito, também não deve com certeza, porque o Sr. Norton de Matos, então Alto Comissário, informou a Câmara de que no orçamento da província estavam inscritas as verbas necessárias para êsses pagamentos.
Sr. Presidente: nestas circunstâncias, parece-me que o Sr. Ministro das Finanças não tem de tornar outras providências que não sejam obrigar a pagar quem deve.
Poderíamos continuar a demonstrar que tudo quanto vem nesta declaração vem igualmente nas outras. Esta é a terceira encarnação da declaração do Sr. Álvaro de Castro.
Para terminar, desejo fazer esta afirmação: o Partido Nacionalista não pode dar o seu aplauso a êste Govêrno, visto que êle encarna as aspirações de pessoas que julgam que para realizar qualquer obra útil em Portugal é necessário desorganizar a sociedade portuguesa. Nestas condições, o Sr. José Domingues dos Santos não tem de se admirar da nossa atitude de franca oposição.
Não procuramos da forma nenhuma inutilizar as suas propostas quando sejam razoáveis, mas, - quando elas traduzam - por qualquer forma uma opressão a Nação, evidentemente que nos colocaremos ao lado da Nação contra o Govêrno.
Foi por êste motivo, que o Partido Nacionalista me encarregou de apresentar a seguinte moção que traduz de uma forma geral o seu modo de pensar acerca do Govêrno:
Moção
A Câmara dos Deputados passa à ordem do dia afirmando que a formação do presente Govêrno não corresponde aos interêsses do país e às indicações constitucionais.
Sala das Sessões, 27 de Novembro de 1924.— O Deputado, Cunha Leal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O orador não reviu.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de antes de se encerrar a sessão.
Tem a palavra o Sr. Ornelas da Silva.
O Sr. Ornelas da Silva: — Sr. Presidente: pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro do Trabalho, porque o assunto que desejo versar corro directamente pela pasta de S. Exa.
Porém, antes de o fazer, permitam-me V. Exa. e a Câmara que eu apresente a S. Exa. os meus cumprimentos pessoais, desejando que a sua acção resulte benéfica para ,o bem da Nação.
Sr. Presidente: eu sei quê o Sr. Ministro do Trabalho, ao ter conhecimento de que grassava na Ilha Terceira a gripe pnemónica, empregou todos os esfôrços no sentido de serem tomadas as providências que o caso requere. Sucedeu, porém, ter vindo, ontem, num dos jornais desta capital, de maior circulação, uma notícia alarmante sôbre o que ali se passava. Como representante daquele distrito, aqui no Parlamento, e sabendo que essa notícia é falha de fundamento quanto à intensidade da epidemia, reputo necessário, para sossêgo dos açoreanos residentes nesta cidade e para tranqüilidade pública, que o Sr. Ministro do Trabalho nos diga o que há a respeito dêste caso, embora o Sr. director geral de saúde, habilitado com as informações que recebeu do seu delegado na Ilha Terceira, já tenha feito nos jornais a declaração de que o foco infeccioso estava localizado, não havendo motivo para alarmes de maior.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Trabalho (João de Deus Ramos): - Respondendo ao Sr. Ornelas da Silva, comunico à Câmara que não há motivo algum para alarmes relativamente à gripe pneumónica que grassa na Ilha Terceira.
As informações que ultimamente recebi, dizem-me que houve dez casos fatais, mas que desde logo foram tomadas as indispensáveis medidas para debelar o mal.
De acordo com a Direcção Geral de Saúde, já tomei também as providências
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aconselháveis num caso dêstes, devendo ser remetido algum dinheiro a fim de garantir a execução das providências tomadas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanha à hora regimental, com a seguinte ordem de trabalhos:
Ordem do dia:
Debate sôbre a declaração ministerial e a do hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 20 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Declaração de voto
Declaro que, se estivesse presente na sessão da Câmara dos Deputados de têrça-feira, 18 do corrente, teria votado a primeira parte da moção apresentada pelo Sr. António Maria da Silva.
Câmara dos Deputados, 27 de Novembro de 1924.— Francisco Coelho do Amaral Reis.
Para a acta.
Requerimento
Requeiro que, pelo Ministério da Agricultura, me sejam fornecidas cópias autênticas do despacho ministerial exarado no requerimento em que o professor do Instituto Superior de Agronomia, Tavares da Silva, pediu uma sindicância aos seus actos, e do ofício enviado pelo Sr. director do mesmo Instituto à Direcção Geral do Ensino e Fomento, em resposta à comunicação que lhe foi feita do referido despacho ministerial.
Pede-se a máxima urgência no envio dos documentos pedidos.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 27 de Novembro de 1924.— António Alberto Tôrres Garcia.
Expeça-se.
Últimas redacções
Do projecto de lei n.° 704, que aprova o estatuto' da Caixa de Sobrevivência dos funcionários do Congresso da República.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
Do projecto de lei-n.° 793, que autoriza o Govêrno a fornecer o bronze e fundição da estátua de Joaquim Augusto Mousinho de Albuquerque, a erigir em Lourenço Marques.
Aprovada.
Remeta-se ao Senado.
Do projecto de lei n.° 823, que mantém õ curso complementar de letras em todos os liceus de Lisboa.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
Oficio
Do director da polícia de investigação criminal do Pôrto, pedindo autorização para que o Sr. Américo de Castro compareça naquela directoria no próximo dia 29, pelas 15 horas.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
O REDACTOR—Avelino de Almeida.