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REPUBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 58

EM 1 DE ABRIL DE 1925

Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira

Secretários os Ex.mos Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Luís António da Silva Tavares de Carvalho

Sumário.- Abre a sessão com a presença de 38 Srs. Deputados.

É lida a acta, que adiante se aprova com número regimental.

Dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Tavares de Carvalho requere que entrem em discussão os pareceres n.ºs 877, 904 e 721.

Em seguida refere-se à venda dos azulejos da igreja de Alhos Vedros e pede providências para a repressão do jôgo.

Respondem os Srs. Ministro da Justiça e dos Cultos (Adolfo Coutinho) e Presidente do Ministério (Vitorino Guimarães).

O Sr. Estêvão Aguas reclama a execução do art. 77.° da Constituição com respeito aos trabalhos parlamentares.

Dá explicações o Sr. Presidente.

O Sr. Bocha Felgueiras trata do pagamento da renda das escolas concelhias.

Responde o Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Prazeres da Costa manda para a Mesa uma representação de habitantes da província de Moçambique com respeito à taxa militar. Requere a publicação no "Diário do Governo", e que depois do contrato Marconi se discuta o parecer n ° 879.

O Sr. Jaime de Sousa requere que se discuta o parecer n.° 851, referente à junta Geral de Ponta Delgada.

O Sr. António Correia trata da questão do Rosmaninhal e de insinuações que considera terem-lhe sido feitas pelo Chefe do Govêrno, que lhe responde.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu protesta contra a apreensão de jornais.

É aprovado um voto de sentimento pela morte do antigo parlamentar Alfredo Pereira.

Associam-se os Srs. Carvalho da Silva, António Maria da Silva, Jaime de Sousa, Ribeiro, de Carvalho e Ministro do Comércio e Comunicações (Ferreira de Simas).

É aprovado o requerimento do Sr. Tavares de Carvalho,

Ordem do dia.- Continua a interpelação do Sr. Carvalho da Silva acêrca do uso feito pelo Govêrno das autorizações da lei n.° 1:545.

É rejeitada a admissão da moção do Sr. Deputado interpelante.

Usa da palavra o Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Nuno Simões requere que se abra uma inscrição especial.

É rejeitado em prova e contraprova.

O Sr. Carvalgho da Silva replica ao Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Brito Camacho realiza a sua interpelação ao Sr. Ministro das Colónias (Correia da Silva) acêrca da portaria de 21 de Fevereiro de 1921, que nomeia um agente para ir a Moçambique e Angola procurar trabalhadores para S. Tomé e Príncipe.

Antes de se encerrar a sessão.- O Sr. Paulo Cancela de Abreu censura a apreensão de jornais contràriamente à lei constitucional. Responde o Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho).

Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para as 21 horas e meia.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. - Ultima redacção.- Substituição em comissão parlamentar.- Projecto de lei.- Nota de interpelação. - Requerimento.

Abertura da sessão às 15 horas e 25 minutos.

Presentes à chamada 28 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 29 Srs. Deputados.

Responderam à chamada os Srs.:

Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Albino Pinto da Fonseca.

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Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Domingos Leite Pereira.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Dinis de Carvalho.
Jaime Júlio de Sousa.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Aguas.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Leonardo José Coimbra.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nuno Simões.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Xavier.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite do Vasconcelos.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António Pinto Meireles Barriga.
António Resende.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Pires Cansado.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos.
Júlio Henrique de Abreu.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso
Paulo Cancela de Abreu.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Não compareceram à sessão os Srs.:

Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.

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Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira do Matos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constando de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Cruz.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Duarte Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Jorge de Barros Capinha.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
José de Vasconcelos de Sousa Nápoles.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegro.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Círilo Lopes Leitão.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomé José do Barros Queiroz.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergilio da Conceição Costa.

Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada,

O Sr. Presidente: - Estão presentes 38 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Foi lida a acta e deu-se conta do seguinte:

Expediente

Representação

Duma comissão da colónia indo-portuguesa, pedindo a revogação da portaria provincial n.° 779, de 23 de Agosto de 1924, publicada no Boletim Oficial n.° 34.

Publique-se no "Diário do Governo".

Para a comissão de colónias.

Ofícios

Da Sociedade Nacional de Belas Artes, oferecendo bilhetes para a inauguração da exposição que tem lugar no dia 4 do corrente.

Para a Secretaria.

Do Sporting Club de Portugal, convidando os parlamentares para uma sessão na sua sede, no dia 5 do corrente.

Para a Secretaria.

Da Câmara Municipal de Vila Nova de Ourem, protestando contra a importação de álcool estrangeiro.

Para a Secretaria.

Do Senado, enviando as seguintes propostas do lei:

Revogando o § único do artigo 16.° do decreto n.° 6:236, de 19 de Dezembro de 1919.

Para a comissão de instrução especial e técnica.

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Promovendo a aplicação da cinematografia como meio de vulgarização agrícola.

Para a comissão de agricultura.

Cedendo o bronze para o monumento aos mortos da Grande Guerra a erigir em Leiria.

Para a comissão de guerra.

Criando dois postos agrários no Algarve.

Para a comissão de agricultura.

Permitindo aos alunos que tenham feito um ou mais exames em qualquer das faculdades de medicina, o continuarem o curso segundo o regime em que se matricularam.

Para a comissão de instrução superior.

Do Juízo de Direito da comarca de Évora, pedindo para comparecer naquele juízo o Sr. Alberto Jordão.

Negado.

Comunique-se.

Requerimentos

De António Baptista da Costa, juntando documentos, para ser reconhecido revolucionário civil.

Para a comissão de petições.

De Joaquim Gonçalves Ferreira, requerendo para ser reconhecido revolucionário civil.

Para a comissão de petições.

Telegrama

Do presidente da Academia Instituto Superior do Comércio do Pôrto, pedindo para ser aprovada uma proposta de lei autorizando a reforma do ensino superior do comércio do Pôrto.

Para a Secretaria.

Antes da ordem do dia

O Sr. Tavares de Carvalho: - Sr. Presidente: está inscrito para o período de antes da ordem do dia com prejuízo dos oradores inscritos um parecer sôbre a questão Marconi. Como não está presente o respectivo relator, eu pedia a V. Exa. para ser discutido o parecer n.° 877.

bem como o n.° 904, que estão inscritos também, mas sem prejuízo dos oradores inscritos, e ainda o n.° 721, que se refere à concessão do bronze, destinado a consagração do esfôrço militar de Portugal na Grande Guerra e a glorificar os marinheiros e soldados mortos pela Pátria nos campos de batalha e no mar.

Sr. Presidente: aproveitando a ocasião de estarem presentes os Srs. Ministros da Justiça e do Interior, eu solicito ao primeiro que, de harmonia com um telegrama que eu recebi, mande sustar a venda que se está fazendo de azulejos na Igreja de Alhos Vedros.

Não conheço o seu valor artístico nem histórico; mas, como a velha igreja onde se não exerce o culto há muitos anos, foi pedida pela Câmara da Moita e junta de freguesia de Alhos Vedros para se instalar ali a Corporação dos Bombeiros Voluntários, podiam os azulejos ser entregues à sua guarda e conservação.

A reclamação daqueles povos, segundo me informam, é devida a estarem-se a vender a argentários os nossos valores, desfalcando o Património Nacional, no que tenha de mais rico e artístico.

Quanto ao Sr. Ministro do Interior, devo dizer a S. Exa. que já aqui tenho protestado várias vezes e que protesto novamente hoje contra a conservação das casas de jôgo, que funcionam permanentemente, não só em Lisboa como em todo o País.

Embora a polícia diga que se não joga, eu tenho conhecimento de que êsse facto se dá e julgo, por isso, que a única forma de evitar o jôgo será esta: fechar as portas de todos os clubes.

O Sr. Domingos Pereira, ilustre Presidente desta Câmara, fechou todas essas casas sem receio dos jogadores, nem de revoluções, e não mais se jogou nos clubes, embora os célebres "comboios" funcionassem, num ou noutro ponto da cidade.

Espero que S. Exa. determine, de uma vez para sempre, o encerramento destas casas, que são perniciosas sob todos os aspectos do vista, e que concorrem para a desmoralização dos nossos costumes.

S. Exa., como bom e intransigente republicano que é, não consentirá, certamente, pelo respeito que tem pelos sãos princípios, que continuem abertas casas

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de vício, de desmoralização, o que está já afectando o prestígio da própria República.

Tenho dito.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Adolfo Coutinho): - Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer ao Sr. Tavares do Carvalho e à Câmara que já hoje recebi uma reclamação do delegado do Govêrno na Moita, relativa à suspensão da venda dos azulejos na Igreja de Alhos Vedros. Eu vou providenciar no sentido do que seja atendida a reclamação do delegado do Govêrno nessa localidade.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho):-Sr. Presidente: ouvi com toda a atenção as reclamações feitas pelo Sr. Tavares de Carvalho, e tenho a dizer a S. Exa. que quando mo foi solicitada há tempo a abertura duos clubes, eu entendi-me com o Sr. Governador Civil, e disse-lhe que nenhuma dúvida eu teria em consentir que essas casas fôssem abertas, desde que lá se não jogasse. Foi-mo informado que se não jogava.

Esteja, porém, S. Exa. certo de que eu vou repetir ordens severas para que o jôgo não tenha lugar em casa alguma. Hão-de ser tomadas as providências mais enérgicas no sentido de ser reprimido o jôgo, que representa um abuso intolerável.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Estêvão Águas: - Sr. Presidente: estamos no fim da sessão legislativa e da legislatura, e recordo-me que durante êste período não foi ainda marcado dia para se tratar exclusivamente dos interêsses locais, como manda o artigo 77.° da Constituição.

Pregunto a V. Exa., Sr. Presidente, ^se a Mesa tem o propósito de êste ano, antes de acabar a sessão legislativa e a legislatura, de dar cumprimento a êsse preceito constitucional?

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - A Mesa está aqui na disposição de cumprir todos os preceitos legais, o portanto êsse artigo da Constituição. No emtanto, a Câmara tem de dar facilidades à Mesa de as cumprir.

Emquanto os Srs. Deputados estiverem fazendo constantes requerimentos, considerados a cada momento de grande importância, por deliberação da própria Câmara, a Mesa não pode alterá-los e não os atender ...

O Sr. Estêvão Aguas: - Mas V. Exa. dá-me licença, Sr. Presidente?... Parece que a Mesa, nêsse caso, sem impedimento dos projectos apresentados pelos Srs. Deputados, poderia marcar uma sessão qualquer, durante a noite, para se dar cumprimento ao artigo da Constituição a que aludi.

O Sr. Presidente: - Mas a Mesa não tem atribuições para marcar sessões noturnas. Só por deliberação da Câmara isso se pode fazer.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Rocha Felgueiras: - Sr. Presidente: o assunto de que desejo tratar diz respeito ao Ministério da Instrução; mas, como não está presente o titular da respectiva pasta, peço a V. Exa. a fineza de chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério para as considerações que tenho a fazer.

Eu queria chamar a atenção do Govêrno para um caso, que me parece de bastante gravidade, pelo que tem de desprestigiante para a Republica e de lesivo para os interêsses da instrução.

Em Fevereiro passado foi publicado um decreto pelo Ministério da Instrução em virtude do qual passa a ser encargo das câmaras municipais o pagamento das rendas de casa das escolas.

Êsse decreto foi publicado sob a invocação do n.° 3.° do artigo 47.° da Constituição da República, onde se diz que "o Governo poderá publicar decretos, instruções e regulamentos adequados à boa execução da lei".

Acontece, porém, que o decreto a que me estou referindo não facilita a execução da lei, antes o contraria, porque a altera ou a revoga.

Esto assunto está regulamentado num decreto com fôrça de lei, de 10 de Maio

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do 1919, que diz num dos seus artigos que os arrendamentos das casas das escolas serão feitos pelas juntas escolares e pelas mesmas juntas paga a respectiva renda.

Vindo o decreto a que me referi há pouco atribuir êste pagamento às câmaras municipais, altera uma disposição que tem fôrça de lei e é manifestamente inconstitucional.

Não podendo os corpos administrativos realizar senão os actos que lhe estejam determinados pela lei, evidentemente as câmaras municipais não podem acatar o decreto a que me estou referindo, e, nestes termos, não pagam as rendas. Por outro lado, as juntas escolares também não as pagam, porque mandando as respectivas folhas para a repartição de contabilidade do Ministério da Instrução, esta devolve-lhas sem o indispensável visto.

Do tudo isto resulta que as rendas estão sem se pagar e os proprietários aproveitam-se disto para promover as respectivas acções de despejo.

Sei de um concelho, onde, no curto espaço de uma semana, deixaram de funcionar sete escolas, por não terem as rendas sido pagas; e mais algumas teriam deixado de funcionar se os respectivos professores não tivessem depositado, do seu bolso particular, o quíntupla da renda para sustar as acções de despejo.

Ora V. Exa. compreende quanto tudo isto representa de deprimente para o regime e prejudicial para a causa da instrução.

É indispensável que sejam dadas providências urgentes, e essas não podem deixar de consistir, a meu ver, na revogação depressa do decreto a que me referi e na ordem imediata à repartição de contabilidade do Ministério da Instrução, para que autorize os pagamentos das rendas das escolas pelas juntas escolares, como é de lei.

Tenho dito.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): - Sr. Presidente: Eu pedi a palavra para declarar que ouvi com toda a atenção as palavras do Sr. Mariano Felgueiras.

Efectivamente, o assunto a que S. Exa. se referiu tem grande importância, e ou transmitirei as considerações por S. Exa. feitas ao Sr. Ministro da Instrução, por cuja pasta corte, em parte, este assumo.

Pelo que respeita à minha pasta - a das finanças - eu vou também chamar a mim a questão por S. Exa, levantada, de maneira a evitai- as dificuldades que estão surdindo e que muito prejudicam o serviço da instrução primária.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Prazeres da Costa:-Pedi a palavra para entrar para a Mesa uma representação dos portugueses da província de Moçambique, contra a portaria do Govêrno da mesma província, de 23 do Agosto de PJ-4, que criou uma taxa militar que incide tam somente sôbre os portugueses naturais dessa e doutras colónias residentes na referida província.

Oportunamente terei ensejo de enviar uma nota de interpelação ao Sr. Ministro deis Colónias sôbre o assunto, o que não impede de protestar desde já contra semelhante portaria, por ser inconstitucional.

Peço a V. Exa. que essa representação será publicada no Diário do Govêrno.

Igualmente requeiro que, depois da discussão do projecto de lei que se refere ao contrato Marconi, seja discutido o parecer n.° 879.

O orador não reviu.

O Sr. Jaime de Sousa: - Está há muito tempo distribuído na Câmara o parecer que esclarece a lei 11.° 1:656 na parte que se refere à receita da Junta Geral Autónoma do Ponta Delgada.

Êste parecer é o n.° 851, e está fazendo enorme falta à Junta Geral.

Nestes termos, peço a V. Exa. que consulte a Câmara para que, sem prejuízo dos oradores inscritos, o parecer seja inscrito antes da ordem do dia.

O orador não reviu.

O Sr. António Correia (para explicações): - Desejava dizer à Câmara que, não tendo comparecido à sessão de ontem, por motivo de doença, e havendo justificado êsse motivo o ilustre Deputado e meu querido amigo, o Sr. Ribeiro de Carvalho, o Sr. Ministro do Interior se não conteve como eu, em situação idêntica à minha,

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porque, tendo um colega do seu transmitido as minhas considerações, permitiu-se dispensar a minha presença para fazer insinuações no Parlamento, que eu por dignidade própria não posso deixar passar mais uma hora, sem que fiquem completamente esclarecidas.

Sr. Presidente: sem desafios, sem bravatas, devo ter a franqueza do dizer à Câmara que não estou disposto a consentir no prosseguimento dos trabalhos desta Câmara sem que as insinuações do Sr. Ministro do Interior, que envolvem a dignidade de alguns parlamentares, porventura, advogados como eu, fiquem esclarecidas suficientemente.

Lembro-me de que nos períodos agitados desta Câmara o Sr. António Maia chegava a fazer apelo à Câmara para ventilar assuntos que se relacionavam com a arma a que êle pertencia - a aviação militar.

O Sr. Ministro do Interior, tendo-se referido à questão do Rosmaninhal, disso que essa questão tem sido envenenada pelos advogados.

O Sr. Ministro do Interior, aos apartes de alguns Deputados, disse: "eu não assisti à sessão; tenho no meu dossier elementos sôbre o assunto, elementos suficientes para provar que há Deputados que se tem envolvido nesta questão, e que, como advogados, têm interêsses ligados a essa mesma questão".

Sr. Presidente: quando eu tratei dêste assunto, e neste momento não será demasiado apelar para a idoneidade dos meus colegas nesta Câmara, eu tratei dele mais para prevenir quaisquer reparos do Sr. Ministro do anterior sôbre êste assunto, do que para censurar a atitude de S. Exa. sôbre qualquer resolução que porventura tivesse tomado sôbre êle. E tendo nessa ocasião alguns Srs. Deputados estranhado que êste assunto fôsse tratado nesta Câmara sem a presença do Sr. Ministro do Interior, eu, com a lealdade que ponho sempre em todos os actos da minha vida, declarei que qualquer dos Srs. Ministros presentes me servia para transmitir a S. Exa. as considerações que ia fazer, colaborando assim para o prestígio do Parlamento, e para que amanhã, não aqueles que comungam comigo no mesmo credo político, mas sim os que são inimigos das instituições republicanas, não pudessem vir dizer que o Sr. Ministro do Interior, depois da outorga da escritura feita em 25 de Janeiro dêste ano, na qual se estipula uma avultadíssima quantia para um advogado que pretende resolver a questão fora do Poder competente, estava disposto a solucionar assim o assunto.

E mesmo o Sr. Ministro do Interior, como um homem do bom que é, e isto tenho o afirmado sempre, e desejo continuar a considerá-lo como tal, dadas as explicações do que eu necessito, devia ter em si e primeiro a não se importar que o assunto se tivesse tratado, mesmo sem a sua presença, visto que qualquer dos seus colegas lhe transmitiria as considerações que se fizessem, e assim não forneceria aos adversários da República mais motivos para abocanharem as instituições republicanas.

Escutou-me, com grande atenção o Sr. Ministro da Justiça, e para S. Exa. eu apelo, para que me diga se das minhas palavras ou da minha atitude depreendeu qualquer cousa que pudesse permitir ao Sr. Ministro do Interior, na ausência dum Deputado que se encontrava doente, o direito do consentir, com a responsabilidade da sua situação, que um colega seu nesta Câmara pudesse passar uma noite sem se poder justificar das palavras dúbias que através do seu desconexo discurso foram pronunciadas por S. Exa., e lançadas sôbre a minha cabeça e sôbre as de todos os outros parlamentares que são advogados, o que exercem com brio e com honra a sua profissão, exercendo ao mesmo tempo com dignidade as suas funções de Deputados da Nação.

Sr. Presidente: esta questão tem de ficar hoje liquidada; afirmo-o sem bravatas.

O Sr. Ministro do Interior, que disse ter um dossier completo sôbre esta tam simples questão do Rosmaninhal, tem de dizer à Câmara quais são os advogados que, sendo Deputados da Nação, dela se têm ocupado, e quais são as pessoas que, embora não sendo Deputados, nem advogados, fazem parte daquele célebre conluio destinado a tirar a qualquer das partes aquilo que lhe pertence de direito.

O Sr. Ministro do Interior tem de habilitar a Câmara com provas concretas e concludentes para fazer afastar do seu seio todos aqueles Deputados que, sendo

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advogados, têm tido interferência nesta questão.

O Sr. Ministro do Interior, com a responsabilidade do seu nome, não pode mais continuar naquelas cadeiras som dizer e demonstrar quais são os seus colegas desta Câmara que fazem do Parlamento balcão dos seus negócios.

E, Sr. Presidente, a situação é tam melindrosa e tam delicada que não pode satisfazer-se com breves explicações dum Ministro que, porventura, numa questão desta natureza, que eu considero nacional e que aqui trouxe com a minha consciência tranquila de que prestara um serviço ao país, dó apenas uma tradicional resposta política.

O Sr. Ministro do Interior tem de dar explicações bem claras, a fim de não provocar da minha parto aquela oposição de que teria de lançar mão, para que lá fora se não dissesse que o Sr. Ministro do Interior tinha lançado suspeições graves sôbre os seus colegas nesta Câmara, e não as tinha feito depois desaparecer.

Sr. Ministro do Interior: mantive com V. Exa. as melhores relações do cortesia; mantive com V. Exa. as relações que devem manter aqueles que andem juntos trabalhando para o mesmo ideal comum, o cuja única preocupação tem sido o engrandecimento da República. Sou daqueles que recordam com sentida mágoa, o malogrado estadista António Granjo, que diz no seu último livro que nós, a família republicana, parece que temos os olhos para nos odiarmos e a boca para nos ofendermos.

O Sr. Ministro do Interior há-de fazer a justiça de me julgar incapaz do vir ao Parlamento servir-me da minha situação de advogado, para junto dos meus colegas, com a minha influência pessoal ou política, conseguir qualquer cousa que não seja aquilo de que a Nação necessite ou aquilo que, com os limitados recursos que tenho das cousas públicas, não reconheçam como sendo necessário ao prestigio e engrandecimento das instituições republicanas

A minha vida nada tem de incorrecta e são morais os assuntos que aqui trato. Assumo as responsabilidades de tudo que pratico, tanto na minha vida particular como na minha vida parlamentar.

Tenho 32 anos o posso cuspir para o ar sem receio que o cuspo me caia na cara. Tenho tido como companheira, que me tem orientado e guiado sempre com honestidade e como homem de bem, a minha consciência.

Tenho sido sempre respeitado e considerado como homem de bem, até pelos meus próprios adversários; mas hoje chegamos ao ponto do ter que apelar para as pessoas que nos conhecem e eu peço a V. Exa., Sr. Presidente, que convide o Sr. Ministro do Interior a explicar sem sofismas, sem interpretações dúbias, por uma maneira dam, as frases infelizes do seu discurso.

Tenho dito e fico aguardando.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho): - Sr. Presidente: porque é meu costume ter sempre para com todos a máxima lealdade, dúvida nenhuma tenho em repetir algumas das considerações que ontem fiz, explicando o que porventura não ficasse explicado, e mesmo repetir aquilo que os jornais deturparam.

Comecei eu por estranhar que nesta casa se fôsse tratar a questão do Rosmaninhal na quinta-feira em negócio urgente, justamente quando não estava presente o Ministro do Interior.

A minha estranheza justificava-se tanto mais quanto é certo que o Sr. António Correia, segundo fui informado, mandara para a Mesa uma moção de desconfiança, mas que foi substituída por outra. Já ontem disse, e repito, que esta questão do Rosmaninhal devo ser tratada com toda a largueza, e também que nunca pus a fôrça pública em defesa de interêsses ilegítimos.

Tenho que levantar essa frase, e parece-me a minha estranheza legítima por só querer tratar em negócio urgente, quando melhor seria ser feito em interpelação. Esto assunto deve ser aqui tratado com toda a largueza.

Apoiado do Sr. António Maria da Silva.

Deve ser tratado como questão de ordem pública, de ordem social e ordem jurídica.

Apoiado do Sr. Nuno Simões.

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Sob o ponto do vista jurídico deve ser tratado nos tribunais, como ordem pública deve ser tratado pelo Poder Executivo.

Eu ,disse que esta questão tinha sido envenenada por advogados de uma e outra parte e no meu gabinete do Ministério do Interior eu fui procurado já por advogados de uma e outra parte.

O Sr. António Correia (interrompendo): - V. Exa. pode-mo dizer só eu já alguma vez o procurei para tratar do assunto?

O Orador:-Eu tenho a impressão de que na verdade V. Exa. me procurou para tratar do assunto, já depois de ser Ministro do Interior.

O Sr. António Correia (interrompendo):- V. Exa. está enganado, pois a verdade é que a única vez que o procurei, depois de S. Exa. ter tomado posse da pasta do Interior, foi para tratar de um caso bem diferente, isto é, para tratar da colocação de um indivíduo nas ilhas.

O Orador: - Tenho a impressão de que V. Exa. já me falou ligeiramente no assunto.

O Sr. António Correia (interrompendo):- V. Exa. compreende que isto não pode ficar assim, tanto mais tratando-se de um caso importante como êste é.

Torna se absolutamente necessário que V. Exa. diga à Câmara claramente se eu o procurei já alguma vez como advogado, interessando-me por qualquer das partes.

O Orador: - Se V. Exa. me pregunta se me procurou como advogado, dir-lhe-hei desde já absolutamente que não.

Sr. Presidente: continuando, repito o que ontem já tive ocasião de dizer nesta Câmara, isto ó, que esta questão se encontra envenenada pelos advogados, quer duma, quer doutra parte.

Já fui procurado no meu gabinete por alguns advogados, conformo disse à Câmara, tendo-lhes feito saber que não tinha nenhuma má vontade contra êles, tanto mais tratando-se do uma classe onde tinha alguns parentes próximos.

Eu já disso que tinha o máximo empenho em que a questão seja aqui tratada largamente, como merece, mas por parlamentares e não por advogados, pois a verdade é que ela está já envenenada pelos advogados.

O que eu estranhei, Sr. Presidente, foi que o Sr. António Correia não tivesse enviado uma nota do interpolação para a Mesa e desejasse tratar do assunto em negócio urgente.

O que é verdade é que eu não conheço ainda a questão nos seus detalhes, pois a verdade é que ainda não tive tempo do estudar todo êsse processo também que é longo e na verdade difícil.

O Sr. António Correia (interrompendo): - O que é um facto é que depois de ter sido feita a escritura dos 400.0005, foi mandada retirar a guarda republicana que lá estava para manter a ordem.

O Orador: -V. Exa. acaba de dizer que eu mandei retirar de lá a guarda republicana.

O Sr. António Correia: que foi V. Exa.

Eu não disse

O Orador: - Mas eu digo a V. Exa. que fui eu que a mandei retirar, mas não justificar a razão do meu procedimento.

O Sr. Joaquim Ribeiro (interrompendo): - Há escrituras de todos os lados, isto é, comer à tripa forra!

O Orador: - Se a escritura é de 25 de Janeiro, foi no fim de Fevereiro que eu mandei retirar a guarda em virtude dos relatórios dos oficiais que comandavam essa fôrça.

Feita essa experiência, veio logo o governador civil do Castelo Branco declinar a responsabilidade do que pudesse vir a suceder, dizendo que não se responsabilizava pela manutenção da ordem pública.

Imediatamente vieram indivíduos ligados ao sindicato protestar contra a retirada das fôrças da guarda republicana.

Novamente mandei a guarda, e, por informações que tenho, as tropelias não foram tam longe como se afigurava ao Sr. governador civil.

Estou convencido de que a questão se resolverá no dia em que um lado e outro ponham de parte os advogados.

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Aquele povo, no meio da sua infelicidade, tem a ventura de ter muita gente interessada pelo seu bem-estar.

O Sr. António Correia (interrompendo): - Nas palavras de V. Exa. há qualquer insinuação a meu respeito?

O Orador: - Não, senhor, e tanto assim que eu também mo interesso por êsse povo; mas há pessoas que se interessam e pessoas que são interessadas.

O Sr. Presidente: - Lembro a V. Exa. que apenas tem quatro minutos para concluir o seu discurso.

O Orador: - Vou terminar já.

O Sr. António Correia (interrompendo): - Mas peço a V. Exa. o que diga se as insinuações que vieram expressas nos jornais se relerem a mim ou ao Sr. Carlos Pereira.

É isto que eu desejava ver esclarecido.

O Orador: - Eu já dei explicações, dizendo que não me referi a nenhum Sr. Deputado.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

Os apartes não foram revistos pelos oradores que os fizeram.

É posta em discussão a acta.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Pedi a palavra para declarar que se tivesse assistido à sessão de ontem, teria protestado contra as palavras pronunciadas pelo Sr. Ministro do Interior relativamente à apreensão dos jornais.

E assombroso que o membro de um Govêrno que se diz liberal possa ter produzido as afirmações atribuídas a S. Exa.!

O Sr. Presidente: - Eu não quero coarctar o direito de V. Exa. usar da palavra. A verdade, porém, é que não desejo abrir mais um mau precedente, permitindo que V. Exa. se alongue em considerações a propósito da acta.

O Orador: - Como V. Exa. compreende., eu não podia deixar passar sem reparo as afirmações ontem feitas pelo Sr. Ministro do Interior, que, pretendendo justificar o procedimento das autoridades, não se atreveu a citar uma única disposição de lei que lhe permitisse fazê-lo.

Todavia ou não quero deixar de acatar a observação de V. Exa., e por isso peço para que a Mesa me inscreva para antes de se encerrar a sessão, a fim de me ocupar das arbitrariedades cometidas pelas autoridades contra a imprensa, rememorando os bons tempos da Parreirinha, que tanto serviu para condenar a monarquia.

O orador não reviu.

É aprovada a acta.

O Sr. Presidente: - Tendo falecido, há dias, o antigo Deputado e director geral dos Correios e Telégrafos, Sr. Alfredo Pereira, eu julgo do meu dever propor à Câmara um voto de sentimento pela. morto dêsse ilustre homem público.

O Sr. Carvalho da Silva: - Em nome dêste lado da Câmara, associo-me comovidamente ao voto que V. Exa., Sr. Presidente, acaba de propor à Câmara, não só no cumprimento de uma velha praxe parlamentar que sempre respeitamos, mas ainda por se tratar de alguém que ao País prestou os mais relevantes serviços.

Alfredo Pereira, como director dos Correios e Telégrafos, que muitos benefícios lhe devora, teve ocasião de representar Portugal no estrangeiro e fê-lo sempre por forma a honrar o País. Como vice-presidente desta Câmara, muito contribuiu, também, para prestigiar o Parlamento.

O orador não reviu.

O Sr. António Maria da Silva: - Em nome do Partido Republicano Português, associo-mo sentidamente ao voto de sentimento pela morte do grande homem de bem que foi o Sr. Alfredo Pereira, antigo director geral dos Correios e Telégrafos, organismo a que o falecido prestou os mais assinalados serviços.

Bem anda, pois, a Câmara associando--se à proposta feita pelo Sr. Presidente à memória de alguém que soube ser bom, honrado e dedicado ao serviço público.

O orador não reviu.

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O Sr. Jaime de Sousa: - Sr. Presidente: o Sr. Alfredo Pereira, antigo vice-presidente desta casa do Parlamento, foi muitos anos representante em Cortes do distrito de Ponta Delgada, cujos interêsses êle soube sempre e desveladamente defender.

Assim, em nome daqueles elementos que ainda hoje recordam a sua acção, eu tenho a honra de me associar ao voto de sentimento por V. Exa. proposto.

O orador não reviu.

O Sr. Ribeiro de Carvalho: - Em nome do Grupo de Acção Republicana, associo--me ao voto de sentimento que V. Exa., Sr. Presidente, acaba de propor.

O Sr. Alfredo Pereira, quer como funcionário quer como vice-presidente, desta Câmara, honrou sempre o seu País. Lembrar o seu nome é, pois, um dever desta casa do Parlamento.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Ferreira de Simas): - Em nome do Govêrno, associo me ao voto de sentimento pela morto do Sr. Alfredo Pereira, funcionário que foi exemplar e, que pelos serviços que prestou ao País, bem merece as homenagens desta Câmara.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Câmara, considero aprovada a proposta que há pouco fiz.

É aprovado o requerimento do Sr. Tavares de Carvalho.

O Sr. António Correia: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

Procede-se à contagem.

O Sr. Presidente: - Estão de pé 5 Srs. Deputados e sentados 51.

Está aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se em contraprova a admissão da moção do Sr. Carvalho da Silva.

O Sr. Carlos de Vasconcelos (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: peço a V. Exa. que me diga se a aceitação dessa moção representa a generalização do debate.

O Sr. Presidente: - A Mesa entende que implica a generalização do debate. Procedeu-se à contraprova.

O Sr. Presidente: - Estão levantados 48 Srs. Deputados e sentados 12.

Está portanto rejeitada a admissão da moção.

Tem a palavra o Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães):- Sr. Presidente: respondendo à interpelação apresentada pelo Sr. Carvalho da Silva, sôbre a reforma bancária, começarei por acentuar que não aceitei há dias a discussão pedida pela oposição monárquica para tratar do assunto em negócio urgente, por dois motivos: em primeiro lugar, porque entendia que o assunto já estava suficientemente debatido no Parlamento, tendo já sôbre êle manifestado a sua opinião, e em segundo lugar porque não considerava de maneira nenhuma proveitoso para o País que estivéssemos a protelar a discussão do tam importantes questões, como são aquelas que estão pendentes da discussão parlamentar para novamente versarmos um assunto sôbre que o Parlamento já manifestou a sua opinião.

Foi para que se não dissesse que era, porventura, o receio de entrar na discussão dêsse assunto que eu me declarei imediatamente habilitado, e, assim, a responsabilidade do tempo que se vai perder, e que de momento podia ser aproveitado em assuntos bem mais úteis e proveitosos para os interêsses nacionais, vai para quem apresentou essa nota de interpelação.

Sr. Presidente: não acompanharei o orador nas considerações que fez sôbre a constitucionalidade do decreto, porque sôbre êsse ponto já esta Câmara, em ocasião oportuna, manifestou a opinião de que era constitucional a publicação que havia sido feita.

Sr. Presidente: não posso aceitar de maneira alguma a teoria apresentada de que a autorização dada pela lei n.° 1:515, não devia ser negada mais do que uma vez; se assim fôsse, mais valera então não a ter dado, porque ela de nada serviria a qualquer Govêrno.

Efectivamente, Sr. Presidente, para se

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dizer a um Govêrno que podia tomar todas as providências que julgasse necessárias e inadiáveis sôbre a questão cambial, mas ao mesmo tempo, observar-se-lhe que só poderia publicar sôbre essa questão um único diploma, mais valeria não dar nenhuma autorização.

Se fôsse para publicar um só diploma, ter-se-ia apresentado um projecto ou uma proposta com determinadas bases, e com certeza que o Parlamento, que votou a autorização, teria votado êsse projecto ou essa proposta.

Do resto, não precisaria servir-me dêste argumento, porque nos nossos usos e costumes constitucionais está estabelecido que as autorizações se usam mais que uma vez.

É bem sabido que toda a legislação respeitante aos assuntos que se prendiam com a guerra foi. feita em decretos com fôrça de lei, publicados à sombra de uma autorização parlamentar, e tanto isto se achava radicado que, mesmo durante o Govêrno do Sidónio País, apesar de ter saído duma revolução e de dispor de poderes discricionários, quási todos os diplomas publicados citavam a autorização que havia sido dada ao Poder Executivo.

Sou coerente e no Govêrno defendo o critério que defendi como Deputado, não precisando fazer mais larga justificação do meu procedimento, porque, efectivamente, u Câmara já reconheceu que o Govêrno, ao publicara reforma bancária, não excedeu de nenhum modo os poderes de que estava investido.

Pelas declarações que constantemente tenho feito, todos sabem que não sou, na verdade, um grande partidário, um defensor acérrimo das autorizações parlamentares, mas entendo que um Govêrno, quando as possua, delas deve fazer uso para casos urgentes, para casos que reclamam pronto remédio, como actualmente se dá com a questão bancária.

O Sr. Carvalho da Silva defendeu com grande entusiasmo o Banco de Portugal e a S. Exa. ouvi fazer mais do uma vez a afirmação, que reputo peregrina, de que o Banco de Portugal é uma instituição particular.

O Banco de Lisboa seria uma instituição particular, mas o Banco de Portugal não o é. Quando o Banco de Portugal quiser ser essa instituição particular, tem

uma maneira fácil de o conseguir, que é denunciar o contrato com o Estado, o que não causa nenhum receio ao Govêrno, e passar a ser o Banco de Lisboa. Não pode, porém, ser uma instituição particular quando nem sequer dispõe do próprio título. Sei que na assemblea geral do Banco de Portugal foi feita a afirmação de que os accionistas não necessitam do Estado. Todos sabem que sou amigo da harmonia e da concórdia, mas, também, não sou dos que se amedrontam com ameaças, e, francamente, achei tal afirmação deveras extraordinária. Realmente, se os accionistas não precisam do Estado, para que mantém o contrato que com êle fizeram? £ Por ventura o Estado já foi pedir misericordiamente ao Banco de Lisboa que não deixasse de ser o Banco Emissor?

O Sr. Carvalho da Silva, cujas afirmações são motivadas mais por uma orientação puramente do ordem política do que de ordena económica, com a acérrima defesa que fez do Conselho Geral do Banco de Portugal veio dar razão àqueles que dizem não poder continuar o actual estado de cousas.

Apoiados.

Basta ler as moções que foram votadas para avaliar as afirmações que se fizeram nas últimas assembleas gerais do Banco de Portugal. De facto, a um estrangeiro que naquele momento chegasse a Portugal e lesse os relatos dessas assembleas, poderia parecer que se tinham reunido os Conselhos Gerais da Nação para deliberar sôbre certos problemas, porque parecia tratar-se do alguma cousa que estava acima do Govêrno. Apesar de tudo, porém, as afirmações feitas não causam receios ao Govêrno.

Gosto sempre de prestar homenagem à verdade e devo dizer que, tendo já tido a honra de ocupar por quatro vezes a pasta das finanças, a não ser uma ou outra pequena divergência de opinião, nunca encontrei uma discordância profunda quando tive de tratar de vários assuntos com o Banco de Portugal. Sabe V. Exa. que alguns dos diplomas fundamentais do Banco de Portugal tom a minha assinatura como Ministro das Finanças.

Mas, Sr. Presidente, não há dúvida de que é deveras curiosa a evolução que se tem apurado nestes últimos tempos.

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O Sr. Carvalho da Silva afirmou que se pretende fazer política dentro daquele estabelecimento.

A verdade é que foi devido à extrema ingenuidade dos políticos que o caso tomou a acuidade que tem hoje, realmente.

Quando se proclamou a República em 1910, os revolucionários de 5 de Outubro limitaram-se, o foi êsse o grande êrro, em substituir a efígie da moeda cunhada, e o governador do Banco; porque se assim o não tivessem feito, se tivessem usado dos poderes que então tinham, seria de todo o direito, do toda a justiça defender o regime, porque não se pode compreender um regime que se não defende.

Mas devo dizer que se não encontraram dificuldades emquanto mandaram os velhos experimentados.

A República não se encontrou, efectivamente, em conflito, nem encontrou má vontade como hoje tom encontrado.

Sr. Presidente: não quero de maneira nenhuma estar a alongar-mo nas minhas considerações. Mas bastava-mo ler, como disse, as moções votadas nas assembleas gerais, que constam das actas das sessões de 1924 e 1925, para ver que a orientação tem sido muito diferente daquela que anteriormente era seguida.

Outro facto, porém, eu quero frisar.

Podiam passar pelos olhos o artigo publicado no Financial Times, e compará-lo com a tradução portuguesa que para lá foi enviada Ver se ia que é exactamente o jornalista inglês que acha extraordinário que um cidadão português, que fez parte do Banco, escreva tal artigo no seu país, admirando-se de ter sido publicado êsse artigo.

O Sr. Carlos Pereira: - Êsse cidadão continua a passear nas ruas de Lisboa.

O Orador: - Mas não faz política, no dizer do Sr. Carvalho da Silva.

Mas o que é curioso é que tudo que seja achincalhar o regime, prejudicar os interêsses nacionais, contanto que se diga mal da República, não é fazer política.

O fazer política é querer que os republicanos, num Estado republicano, governem.

Isto é que é a teoria que se quere estabelecer.

O Sr. José Domingues dos Santos (àparte):- Quere hoje uma República sem republicanos.

O Orador:-Mas, como disse, não julgo a situação muito grave.

Nem há o perigo que aponta o Sr. Carvalho da Silva.

A continuidade do acção pode vingar; e o Banco Emissor, sempre com o título do Banco de Portugal, pode funcionar como Banco Central, porque não tem funcionado assim, nem tem compreendido qual a missão que tem a desempenhar adentro da vida económica do País.

Apoiados.

Estou certo que orientado por uma mais sã política económica o financeira adentro da verdadeira orientação que compete a um Banco Emissor, êsse Banco Emissor, com o título de Banco de Portugal que ao Estado pertence, pode cumprir o papel, não de rebelião contra o Estado, mas de esfôrço nacional na regeneração financeira do País.

Estou convencido do que efectivamente o Estado, por esta orientação do Banco, sabe o que quero; o outra cousa não tem em vista que não seja a de concorrer para o desenvolvimento nacional, o assegurar às instituições republicanas, que com êle estão ligadas, a sua verdadeira função.

Não quero, do maneira nenhuma, dizer - porque as minhas palavras não constituem uma ameaça, mas apenas um aviso - não quero do maneira nenhuma dizer que não tenha ainda por muito tempo, por anos, de ser o Banco Emissor do Estado.

Quanto ao Banco emissor das colónias não julgo asado o momento, em que estão nomeadas duas comissões, de ir para um novo contrato.

Mas estou convencido de que os contratos precisam de ser revistos e remodelados.

Apoiados.

Mas isso tem de ser feito com comparticipação do Estado.

Apoiados.

Doutra forma não pode ser feito; de maneira que haja, na verdade, em toda a eficiência, uma vigorosa fiscalização de toda a actividade bancária.

Quanto à representação do Estado nos bancos emissores, acho deveras extraor-

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dinária a indignação que se tem manifestado pelo facto de o Estado querer fazer-se representar na gerência dêsses bancos. Seria de admitir a teoria contrária a essa representação, se na verdade o Estado Português tivesse estabelecido o princípio de se colocar fora de todas as administrações de quaisquer sociedades.

Mas nós vemos que, por exemplo, na Companhia Portuguesa - e não foram lugares criados pela República - o Estado tem, adentro da sua administração, uma representação muito maior do que aquela que, pelo decreto em debate, ficará nos baticos emissores.

O mesmo sucede na Companhia de Moçambique e em muitas ouiras companhias em que o Estado tem interêsses.

E assim deve ser, porque de contrário chegar-se ia a esta extraordinária conclusão: todos os indivíduos com interêsses numa determinada empresa tinham direito a intervir nas respectivas gerências, menos o Estado, que é a entidade que realmente mais direitos deve ter, visto que êle representa a colectividade. - Eu e o Sr. Carvalho da Silva estamos numa grande divergência, porque, ao passo que o Sr. Carvalho da Silva considera elevado o número de representantes do Estado junto dos bancos emissores, eu considero-o ainda muito pequeno.

Os corpos gerentes são de 23 pessoas, e o Estado apenas conta com 5 representantes, quando as operações globais mais importantes afectas às gerências dêsses bancos são exactamente as do Estado.

Sr. Presidente: porque há assuntos da mais alta importância a tratar, e porque não desejo, por aquela razão, alongar-me nas considerações que estou a fazer, não trago para aqui, neste momento, a explanação do que é o regime dos bancos emissores estrangeiros.

Citarei, porém, para dar a idea do que êle é, o que se passa com o Banco de Espanha. Nesse banco todos os chefes de serviços, embora propostos pelo banco, são nomeados pelo Ministro das Finanças.

Se neste momento o Estado Português entende que tem de intervir na gerência do Banco Emissor é porque reconhece que êsse banco não tem desempenhado, adentro da vida económica da Nação, o papel lhe compete.

Há uma cousa curiosa. E o Banco de Portugal vir reclamar indignadamente contra o facto, que êle considera um ataque às suas prerrogativas, do o quererem transformar em banco de redesconto, quando pelos próprios números que publica agora se chega à conclusão de que desde 1914 até à actualidade aumentaram dez vezes as operações do desconto, e as de redesconto aumentaram quarenta e duas vezes.

Quere dizer que o Banco de Portugal tem, pela fôrça das circunstâncias, sido transformado em banco de redesconto. Assim se explica que no decreto ultimamente publicado eu deixasse ao Banco ainda a faculdade de continuar a fazer descontos em Lisboa e Pôrto. Por aqueles números publicados pelo próprio Banco verifica se que não há necessidade de tirar-lhe imediatamente a função de descontos.

Por uma evolução natural dentro em pouco, êle estará efectivamente transformado em banco de redesconto.

Penso também que o Banco de Portugal, à semelhança do que se dá com o Banco de Inglaterra, deve ser um banco que sirva de compensador aos exageros que se dêem no tocante a descontos, por parte dos outros bancos, e, portanto, não deve em absoluto deixar de fazer descontos.

No Banco de Inglaterra a taxa de desconto é maior que a dos outros bancos para que a êsse desconto só se recorra quando haja qualquer acontecimento que o torne absolutamente necessário, como seja o de quaisquer especulações ou dificuldades que impossibilitem os outros bancos de efectuarem o desconto.

De futuro o Banco de Portugal deverá, no tocante a descontos, exercer uma acção idêntica à do Banco de Inglaterra: será a acção de banco compensador.

Chamo a atenção da Câmara para o § 2.° do artigo 3.°, a fim de que se não diga que houve êrro ou o confessar dum êrro, quando de facto o não houve.

Quere isto dizer que não se quis tirar a primitiva idea de que a função principal do Banco de Portugal é ser um banco dos bancos e não um banco vulgar em concorrência com os outros.

Mas, como disse, ainda durante algum tempo a actual situação do banco há de

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continuar, e por isso entendo que não são necessárias medidas violentas ou de pressão para que a doutrina do decreto se realize, porque normalmente tudo se conseguirá.

Também causou grande impressão ao Sr. Carvalho da Silva a entrada dos banqueiros na administração do Banco de Portugal.

É um caso deveras curioso que não tenho maneira de compreender.

Acha-se muito extraordinário que vão para lá os banqueiros que são os donos das acções, mas não se acha extraordinário que estejam lá os empregados, porque toda a gente sabe que essa grande e postiça indignação que apareceu por causa do desdobramento das acções do Banco de Portugal, feita pelo Estado em seus funcionários, se manifestou apenas por ser a favor do Estado, porque o desdobramento feito pelos bancos a favor dos seus clientes nunca foi objecto de críticas ou de censura dessas mesmas consciências.

Apoiados.

Assim é que, embora não fôsse um acto próprio no dizer de muitos, foi, contudo, um acto nobre o do Sr. Vicente Ferreira, quando exigiu que todos afirmassem pela sua honra que as acções que representavam lhes pertenciam.

Ah! talvez muitos dos que iam ser eleitos para a administração do Banco não pudessem fazer tal afirmação

Apoiados.

Mas esta atitude do Estado não foi mais que uma defesa dos seus interesses, dos interêsses dos próprios accionistas e da colectividade.

Há, porém, uma maneira de evitar que os banqueiros pertençam à administração do Banco de Portugal: é proibir aos bancos terem acções do Banco, para êles não as poderem desdobrar e assim conseguirem entrar para lá; mas, emquanto êles as tiverem, êles poderão ir para lá.

Devo ainda dizer que no dia em que se fez a eleição no Banco de Portugal, o Govêrno podia ter chamado à responsabilidade quási todos os bancos, visto que nas contas enviadas para as repartições competentes constarem determinados números de acções que nesse dia não pertenciam aos bancos, mas a A ou a B.

Apoiados.

E diga me a Câmara: que imoralidade existe no facto de os banqueiros, não querendo desdobrar as suas acções, quererem êles próprios ir para a administração do Banco de Portugal? Não vejo que exista. De resto, o interêsse de todo o banqueiro, que reconheça o seu dever, é que o banco central seja o mais forte possível.

Sr. Presidente: sôbre a representação do Estado na assemblea dos bancos, não é momento agora asado para tratar do assunto, porque apresentarei já ao Parlamento, e espero fazê-la discutir em breve, uma proposta de lei que resolve o assunto. Será então oportunidade para tratarmos do caso.

Quanto propriamente às casas bancárias, também não compreendo os protestos e a indignação que se formularam contra o novo decreto. Êle atendeu em muitos pontos, naqueles que eram justos e razoáveis, as reclamações feitas. Não sei realmente como querem que se proceda.

Parece-me que o melhor, quando se tenha de legislar, é chamar os interessados e pedir-lhes para que façam os diplomas. Atendeu-se efectivamente a tudo o que era justo, e só não só transigiu naquilo que era impossível transigir.

Sôbre o capital mínimo, reduziu-se 100 a 200 contos, e para as casas bancárias, prolongou-se por dois anos o prazo para realizarem êsse capital, e ainda porque me pareceu justo, igual concessão foi feita para as casas bancárias já existentes.

Ainda, Sr. Presidente, uma outra cousa se fez, a qual foi de englobar no capital os fundos de reserva.

Referiu-se depois o Sr. Carvalho da Silva ao capítulo das sanções.

Sr. Presidente: todos nós sabemos perfeitamente que é no Parlamento, assemblea essencialmente política, que as paixões políticas se levantam, e não me parece que qualquer casa bancária possa ficar muito grata à indignação aqui levantada contra essas sanções.

Se eu não conhecesse a honradez e a honestidade do nosso comércio bancário, diria que os dirigentes dessas casas não pensavam em outra cousa que não fôsse falsificações.

Porém, como assim não acontece, julgo que não deve haver temor por essas sanções, tanto mais que a aplicação delas de-

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pende do parecer da Inspecção do Comércio Bancário, instituição onde os bancos o casas bancárias têm os seus representantes, os seus defensores.

Sabe também o Sr. Carvalho da Silva que, para a aplicação de sanções violentas, torna-se necessário um exame à escrita, exame que só pode ser feito por um funcionário que consigo não pode levar mais ninguém, e que só pode ser levado a efeito mediante despacho do Ministro das Finanças, que, evidentemente, estudará com cuidado e critério o processo antes do lançar o respectivo despacho.

De resto, há sempre uma maneira de evitar as sanções, o essa consiste em proceder honradamente adentro da lei.

Apoiados.

Sr. Presidente: outra modificação que mereceu reparos ao Sr. Carvalho da Silva é a constante do artigo 34.°

Como V. Exa. e a Câmara sabem, era esta uma das reclamações apresentadas a favor da impossibilidade do cumprimento do decreto, a qual foi atendida, por se ter verificado que na verdade ora assim.

Sr. Presidente: feitas estas considerações sôbre a reforma bancária, alguma cousa ainda tenho a dizer relativamente a mina afirmação feita pelo Sr. Carvalho da Silva, sôbre a inconstitucionalidade de certas medidas que foram promulgadas, modificando determinadas taxas.

Efectivamente, reconheço que as afirmações feitas por S. Exa. podem causar certa impressão, em virtude do critério que S. Exa. segue de considerar como impostos todas as quantias com que se concorre para o Estado.

Para aqueles, como os Ministros meus antecessores, que usaram de autorizações para êsse fim, seguindo um critério que eu adopto, e que também é seguido por abalizados tratadistas, há uma diferença grande entre a taxa e o imposto.

Por esta razão, as considerações do Sr. Carvalho da Silva não são de aceitar.

Não se pode modificar o imposto, mas podem modificar-se as taxas que representam o pagamento feito ao Estado, pela prestação de qualquer serviço.

O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo):- Qual é o capítulo do Orçamento em que vêm incluídas essas verbas?

O Orador: - Na verdade, há um defeito no Orçamento, mas eu faço justiça ao Sr. Carvalho da Silva de que S. Exa. sabe distinguir a taxa do imposto.

Interrupção do Sr. Carvalho da Silva que não se ouviu.

O Orador: - Disse ainda o Sr. Carvalho da Silva que ninguém devia obediência a esto decreto, porque êle era inconstitucional.

Sr. Presidente: a estas palavras eu dou aquela consideração que se deve, isto sem qualquer desprimor para S. Exa., que sabe ter eu por êle toda a consideração pessoal; mas trata-se, apenas, do uma questão de ordem política.

Gostava de ver, se S. Exa. tivesse sido Deputado no tempo da Monarquia, a sua atitude, se um Deputado republicano afirmasse que determinado decreto não devia ser cumprido.

Sr. Presidente: quero levantar uma afirmação feita por S. Exa. a respeito da Caixa Geral do Depósitos, com referência a ser estabelecimento do desconto.

Eu digo a V. Exa. o meu modo de ver, dizendo que a função não é essa, não deve ser de estabelecimento de desconto em concorrência com outros bancos, mas deve ser um estabelecimento regulador do desconto.

A Caixa Geral de Depósitos não desconta por taxas inferiores às dos outros bancos, mas sim nas mesmas condições.

S. Exa. aproveita todos os casos para denegrir a administração republicana.

Esteja S. Exa. descansado, que não só pelo regulamento, como pela orientação, como pela pessoa que está à frente daquele estabelecimento nada temos a ré* cear, não tendo S. Exa. por onde lhe dirigir acusações.

Sr. Presidente: dou por terminadas as minhas considerações, e digo ao Sr. Carvalho da Silva que o Estado não tem menos competência para administrar que os particulares.

V. Exa. certamente tem visto no noticiário dos jornais alcances de centenas de contos, mas quando se trata do Estado, por pequena que seja a quantia, todos clamam, porque então é a colectividade que é ferida.

O Estado pode administrar tambem como o particular.

Apoiados.

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Eram estas as considerações que tinha a fazer.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Nuno Simões: - Requeiro que se faça uma inscrição especial sôbre esta discussão.

Foi rejeitado.

O Sr. Cancela de Abreu: - Roqueiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

Procedeu-se à contagem.

De pé, 38 Srs. Deputados.

Sentados, 23 Srs. Deputados.

Foi rejeitado.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: começo por dizer ao Sr. Presidente do Ministério que não cabe a êste lado da Câmara nenhuma responsabilidade na marcha dos trabalhos parlamentares, e, por conseguinte, da demora no projecto dos fósforos a responsabilidade não é nossa.

Sabe V. Exa. que não foi por causa da minha interpelação que não se discutiu ainda o parecer dos fósforos, pois só ontem às 19 horas é que foi distribuído.

Respondendo propriamente ao Sr. Presidente do Ministério, eu direi que mais uma vez se vô a grande diferença que há entre republicanos e monárquicos.

Sustenta o Sr. Presidente do Ministério que é constitucional o decreto n.° 10:474.

E ou pregunto: a Constituição inscrevo ou não inscreve o seu artigo 27.°?

Inscrevo.

Por conseguinte, a Câmara tinha de aprovar o meu considerando!

Segundo considerando da minha moção: que o Poder Executivo tom usado muitas vezes da autorização concedida pela lei n.° 1:545.

Ainda ontem li aqui 47 decretos (47 decretos!), que tom sido publicados com o fundamento na autorização concedida por essa lei!

Quero dizer que o Poder Executivo se tem servido, pele menos, 47 vezes de uma autorização contra a letra expressa no artigo 27.° da Constituição, onde se diz que êle a não pode aproveitar mais de uma vez!

Façam as votações que fizerem ou quiserem, o que não podem do maneira alguma sustentar é que êstes 47 decretos são constitucionais.

E, Sr. Presidente, como os n.ºs 1.° e 2,° do artigo 3.° da Constituição dizem que ninguém é obrigado a cumprir senão as leis que estivarem dentro da letra expressa da Constituição, ninguém é obrigado a cumprir êstes decretos.

Mas, pregunta o Sr. Presidente do Ministério: e quantos decretos temos já publicado à sombra da lei n.° 1:545?

Mas são inconstitucionais êsses decretos!

Só demonstram qual a moral do regime, que salta por cima da lei fundamental que devia respeitar.

As palavras do Sr. Presidente do Ministério devem trazer o sobressalto ao País; e devem trazê-lo, porque se conclui das suas palavras que S. Exa. considera de pé a lei n.° 1:545.

Julga S. Exa. que o Poder Executivo pode publicar leis à sombra dela?

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): - Julgo!

O Orador: - Pois mais uma vez V. Exa. saltará por cima da Constituição, querendo fazer ditadura!

Estamos em presença do Govêrno do ditador Vitorino Guimarães!

O Sr. Cancela de Abreu (em aparte): - Ditador máximo!

O Orador: - Se nós nos lembrarmos que foi à sombra da lei n.° 1:545 que se publicaram decretos que permitiram a venda da prata, temos do concluir que o Sr. Presidente do Ministério projecta talvez servir-se do interregno parlamentar para, à sombra dessa malfadada lei, vender mais bens do património nacional, para continuar a obra do liquidação, em que se têm empenhado os Governos da República, principalmente desde o momento em que o Sr. Álvaro de Castro se sentou nas cadeiras do Poder.

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E o Sr. Vitorino Guimarães há-de lançar mão dos mesmos processos!

Sôbre as intenções de S. Exa. ficamos inteirados pelas suas declarações e pela resposta que há pouco me deu em àparte: não cumprirá a Constituição!

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): - Eu não disse isso. Isso conclui V. Exa.

O Orador: - Quando o Sr. Presidente do Ministério disse que o Banco de Portugal estava em rebeldia, eu afirmei, e afirmo, que quem está em rebeldia é S. Exa., que salta por. cima da Constituição e dos contratos.

Porventura, julga-se o Sr. Vitorino Guimarães o dono de nós todos?

É preciso reagir contra esta obra atrabiliária; é preciso que se garanta que aquilo que seja contra a Constituição não seja cumprido, como a própria Constituição determina.

Não venho aqui defender o Banco de Portugal; muitas vezes êste lado da Câmara se tem insurgido contra a complacência da sua direcção, que tem levado os Governos a praticarem actos de audácia.

Não é para defender o Banco de Portugal que eu falo: é para defender o respeito que se deve aos contratos com entidades particulares, pois o banco é uma entidade particular, que tem direito aos seus bens.

Isto é uma questão fundamental de princípios.

O ataque aos direitos de propriedade não pode passar sem o nosso protesto.

Nós temos como princípio fundamental que o Estado deve reduzir quanto possível a sua esfera de acção.

Todos nós sabemos, ao contrário do que afirma o Sr. Vitorino Guimarães, que o Estado não tem a mesma competência que têm os particulares. E S. Exa., querendo ser sincero, deve dizer que, como Ministro, muitas vezes, ao ter de lançar um despacho, pode lamentar-se de ser um político.

Quantas vezes S. Exa. há-de ter dito comsigo: "Se eu pudesse ter a liberdade de acção, não sendo político, de despachar num sentido oposto a êste, não hesitaria em fazê-lo".

Levar políticos para as instituições particulares, e especialmente para as instituições de crédito, é levar para lá todos os favoritismos de que a política não pode libertar-se do maneira alguma. E é por isto, Sr. Presidente, que nós somos absolutamente contrários ao princípio defendido pelo Sr. Presidente do Ministério.

Disso S. Exa. que quando eu me referi à Caixa Geral de Depósitos o fiz porque estava combatendo uma administração inteiramente republicana. Engana-se S. Exa., e em absoluto. Se a administração daquele organismo fôsse monárquica, eu diria exactamente a mesma cousa.

O passar-se a função do desconto de letras para a Caixa Geral de Depósitos fará com que êste estabelecimento, daqui a alguns anos, seja uma cousa parecida com os Transportes Marítimos do Estado.

Mas, Sr. Presidente, e como é que o Sr. Presidente do Ministério pode ainda sustentar que o facto de eu aqui estar a defender o Banco de Portugal do ataque que lhe é dirigido, pode justificar qualquer acto do Govêrno para republicanizar o Banco de Portugal?

Não tom lá S. Exa. um governador e um secretário geral, por parte do Estado, a fiscalizar os interêsses do mesmo Estado? Tem.

Acaso S. Exa. já encontrou nos relatórios que lhe têm sido apresentados todos os anos, segundo os termos do contrato, pelo Sr. governador geral, alguma razão justificativa de que ali são necessários mais administradores por parte do Estado?

O Sr. governador do Banco de Portugal teve, pelo contrário, a hombridade de declarar, numa assemblea gerai dos accionistas daquele Banco, que nunca teve a mínima razão para se queixar de qualquer acto praticado pela direcção do Banco de Portugal, e nessa mesma assemblea foi votada, por unanimidade, uma moção de confiança à direcção pela maneira como a administração era exercida.

E isto numa assemblea onde havia bastantes accionistas da parte do Estado!

No Banco de Portugal há monárquicos, mas há também republicanos, conforme vieram afirmar na imprensa muitos comerciantes republicanos.

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Sr. Presidente: mas se não há uma razão de carácter administrativo para aconselhar a nomeação de políticos para a administração do Banco, qual é então a razão justificativa do intento?

Do que não resta dúvida, Sr. Presidente, é que a razão que levou o Sr. Presidente do Ministério, isto é., os Governos da República a criar êsses lugares foi o de arranjar postos para lá colocar os seus amigos, para os servir, pois a verdade é que nenhuma outra razão há que justifique essas nomeações.

Sr Presidente: a razão que se apresenta, de que é necessário republicanizar os Bancos Emissores, não tem razão de ser, pois a verdade é que nem o Banco de Portugal nem o Banco Nacional Ultramarino necessitam lá de políticos para saber se devem ou não descontar letras.

Eu tenho a certeza absoluta do que tanto o Banco de Portugal como o Banco Nacional Ultramarino não acatarão o decreto do Sr. Presidente do Ministério, muito principalmente depois do que se passou nas suas assembleas gerais, assim como não acataram o decreto do Sr. Pestana Júnior, se bem que o Sr. Velhinho Correia nos tenha dito ontem aqui que agora já estão dispostos a acatar o decreto.

O Sr. Velhinho Correia (interrompendo):- Eu, a êsse respeito, levei-me pela opinião do Sr. Alves Diuis, segundo os artigos que vieram publicados no Diário de Notícias sôbre a reforma bancária.

O Orador: - O que é um facto é que êsses artigos foram, na verdade, duma grande infelicidade, e tanto assim que já mereceram a respectiva censura por parte da classe bancária, sendo, portanto, de esperar que êles hoje mantenham a mesma atitude que mantiveram quando da publicação do decreto do Sr. Pestana Júnior.

Os bancos não podem acatar êsse decreto, que é* atentatório da boa administração, das boas normas administrativas de qualquer estabelecimento bancário.

Não apoiado do Sr. Velhinho Correia.

Demonstrado como fica que a intromissão dos representantes do Estado no Banco Emissor não tem outro objectivo que não seja o de arranjar lugares para servir amigos, fica também demonstra do que são verdadeiramente desastrosas as consequências da entrada dêsses representantes para a administração do Banco.

Eu quero referir-me agora à oposição feita pelo Sr. Presidente do Ministério, de que a ingenuidade da República. - notem V. Exas. - a ingenuidade - note a Câmara e ouça o País,- a ingenuidade da República, a ingenuidade dos republicanos, foi que fez com que em 5 de Outubro, disse S. Exa., tendo vencido na Rotunda, se limitaram a vencer, e não entraram no Banco do Portugal e nos outros bancos, a dizer que eram revolucionários e tomarem conta dos bancos, porque tudo aquilo era deles.

Esta é a moral corrente entre republicanos.

Supor que os bem intencionados, os ingénuos que se bateram pela República em 1910, animados dêsse espírito leal, convencidos de que êle seria a salvação, poderiam pensar assim!

Foram atrás dos que protestaram contra a Monarquia, caluniando-a.

Bem perto de nós está quem, sendo adversário inteligente, nunca usou de calúnias.

Os outros não procederam assim.

Apoiados.

Os que foram bater-se pela República, por um ideal que julgavam ser o mais consentâneo com os interêsses da Nação, não foram bater-se para fazer o assalto aos bancos.

Disse o Sr. Presidente do Ministério que a prova de que o Banco de Portugal fazia política estava num artigo do Financial Times.

Êsse artigo, disse S. Exa. levou o descrédito ao estrangeiro.

Quem é que V. Exas. querem convencer de que, porventura, êsse artigo é o descrédito do País?

V. Exa. é que ali no seu lugar de Deputado, o ano passado, o fez, apreciando os decretos do Sr. Álvaro de Castro, pelos quais o País apressou a bancarrota, não pagando aos credores do Estado, deixando atrasar dois semestres do pagamento da dívida externa, não se pagando e ainda hoje e não se sabendo ao certo o regime que vai vigorar para o pagamento dos juros dos títulos dos tabacos.

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Não só pagando aos portadores do títulos de 6,5 por cento.

Mau caminho é êste.

E o Sr. Vitorino Guimarães, que censurou acremcnto o ano passado o Sr. Álvaro de Castro, afirmando que a redução que êle tinha feito nos juros dos títulos prejudicava extraordinariamente o crédito do Estado, é o mesmo que agora vem defender certos actos que só contribuem para o descrédito do mesmo Estado!

Acha. por exemplo, o Sr. Vitorino Guimarães ainda pouco sólida a representação do Estado nas administrações particulares.

Diz S. Exa. que entre 23 representantes fica o Estado apenas com 5 no Banco do Portugal.

Êste critério é o mesmo que julgar que aqueles sinceros idealistas que se bateram pela República no 5 de Outubro o fizeram para poderem tomar conta daquilo que era dos outros.

Eu faço-lhes justiça de acreditar que não era essa a sua idea.

Mas os 23 representantes particulares que tom o Banco na sua administração são donos do que é seu, e o Estado é dono de quê?

O Sr. Velhinho Correia: - Ninguém obriga o Banco de Portugal a continuar a usar o privilégio que tem com o Estado!

O Orador: - Mas o Estado se fôr sério tem obrigação de cumprir os seus compromissos.

Trata-se de um contrato bilateral, que obriga duas partes, e é norma de boa administração cumprir com as obrigações assumidas, quer oficial, quer particularmente.

O Sr. Velhinho Correia: - Isso não é bem assim, salvo o devido respeito, porque o Estado não é para o caso como um particular.

O Orador: - Absolutamente a mesma cousa!

O Sr. Cancela de Abreu: - Veja V. Exa. o Código Civil.

O Sr. Velhinho Correia: - Mas por outro lado ninguém obriga o Banco, desde que a outra parte faltou aos seus compromissos, a manter o contrato.

O Orador: - Eu devo dizer que desde que há um contrato que obriga ambas as partes, o Estado tem de cumprir com aquilo a que se obrigou, sob pena de ofender o crédito da Nação.

O crédito do País é uma das cousas que mais cuidado devem merecer a todos nós. O Estado, mais ainda do que qualquer particular, deve ser escrupulosíssimo no cumprimento dos seus contratos.

Estabelece-se diálogo entre o orador e o Sr. Velhinho Correia.

O Orador: - Nada há que justifique o facto de se retirar ao Banco de Portugal a sua função de desconto, tanto mais que êle a tem exercido por uma maneira absolutamente honesta e imparcial.

As alterações introduzidas pelo actual Sr. Ministro das Finanças no decreto publicado pelo Sr. Pestana Júnior, não vêm modificar o princípio estabelecido por aquele decreto.

Elas apenas estabelecem, ou antes regulam, a forma de o Banco ir transformando a sua função de desconto em função, exclusivamente de redesconto.

É que o Sr. Ministro das Finanças bem sabe que semelhante transformação só poderá efectuar-se gradualmente, pois de contrário grandes inconvenientes surgiriam.

Não julguem que Oste decreto vai favorecer os comerciantes republicanos.

Todos sabem que não foi levado ainda à vida comercial o facciosismo político, não se encontrando divididos os comerciantes monárquicos dos comerciantes republicanos.

Se dificuldades de vida forem criadas aos comerciantes monárquicos, igualmente delas participarão os comerciantes republicanos, visto que uns com outros têm relação de negócios. E uma engrenagem complicada, que constitui por assim dizer um edifício. Basta partir-se uma pecai dessa engrenagem, para que todo o edifício se desmorone. É um edifício de muitas peças.

O Sr. Velhinho Correia (interrompendo):- E que peças

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O Orador: - Boas peças.

Diz o Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças que, em seu entender, o Banco de Portugal deve ser como é o Banco de Inglaterra, um banco regulador com uma taxa de desconto superior à que tom os outros bancos.

Que desastrados efeitos daria semelhante medida entro nós!

Todos sabem que a moral das transacções em Inglaterra é bem diferente da moral das transacções em Portugal.

V. Exa. sabe que em Portugal se se fôr procurar hoje a um estabelecimento bancário qual a taxa do desconto, verificar-se-há que ela é inferior a'18 porcento.

Interrupção do Sr. Velhinho Correia que se não ouviu.

O Orador: - V. Exa. não pode trazer o exemplo da Inglaterra, porque neste País o comerciante que não fizer as transacções com a devida legalidade é comerciante perdido.

Em Portugal não acontece assim, porque a moral comercial entre nós é muito diferente da moral inglesa.

O Sr. Velhinho Correia (em àparte): - Registo a frase.

O Sr. Brito Camacho (em aparte): - Não vale a pena registar, porque isso é velho e sabido.

O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): - O que eu registo é a concordância do Sr. Carvalho da Silva comigo.

O Orador: - Sr. Presidente: ainda com respeito à autorização da lei n.° 1:545, eu quero dizer ao Sr. Presidente do Ministério que S. Exa. a fez uma larga dissertação para demonstrar que aquela lei não tinha tido atacada. Mas o que é facto ú que no orçamento das receitas, capítulo 1.°, V. Exa. encontra os impostos directos, como, por exemplo, emolumentos consulares.

O Sr. Ministro das Finanças (interrompendo): - Os emolumentos consulares representam uma taxa.

O Orador: - Mas V. Exa. encontra-os nos capítulos dos impostos directos.

O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): - Mas essa taxa é diferente da taxa da contribuição industrial, porque representa a retribuição de um serviço pago pelo Estado.

O Orador: - Mas em que se baseia o direito de tributar senão nos serviços que o Estado presta?

Trocam-se apartes entre o orador e os Srs. Pinto Barriga e Velhinho Correia.

O Orador: - Sr. Presidente: o direito de tributar baseia-se exactamente nas despesas que o Estado faz, para prestar serviços à colectividade.

O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): - V. Exa. limita-se a enunciar uma das muitas definições do imposto.

O Orador: -Com relação às outras instituições bancárias, direi ao Sr. Presidente do Ministério que S. Exa. se limitou a atender reclamações mínimas, que nada alteram o fundo de imoralidade em que assentava o decreto do Sr. Pestana Júnior, imoralidade que provém da intromissão do Estado na vida de instituições, particulares e que fatalmente conduziria à situação de se verem os bancos na dependência dos Ministros, e empurrados, assim, para a máxima corrupção.

Já temos um exemplo no País que a todos devia pôr de sobreaviso: a Moagem.

A Moagem, percebendo que a moral administrativa da maior parte dos homens da República dependia duma troca de serviços, comprou a imprensa de grande circulação, e pautou o procedimento dessa imprensa conforme os favores que recebia ou não do Estado.

Pois é semelhante corrupção que, em vez de se eliminar, se pretende levar ao máximo. Efectivamente eu não conheço nada que mais venha sancionar o triunfo da desonestidade, do que esto decreto.

Quanto às sanções, toda a parte do decreto que delas se ocupa é inteiramente atentatória da disciplina que existe e deve existir sempre no comércio bancário. A ser mantido o decreto, dentro em pouco qualquer empregado duma casa bancária, que seja bom defensor da República, poderá acusar o estabelecimento onde serve, pelas mais insignificantes irregularidades,

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mas que podem, no emtanto, levar até à proibição do exercício do comércio bancário.

Que considerando de pé a lei n.° 1:545 é um governo de ditadura, há-de continuar a dar, a mesma aplicação que deu o Govêrno Álvaro de Castro a essa lei, para no interregno parlamentar ou porventura com a Câmara aberta até vender os bens do Património Nacional e assim fica o País sabendo que não pode confiar neste Govêrno!

Tenho dito.

O orador não reviu, nem os "àpartes" foram revistos pelos oradores que os fizeram.

O Sr. Presidente: - Vai realizar-se a interpelação do Sr. Brito Camacho ao Sr. Ministro das Colónias sôbre a portaria de 21 de Fevereiro do 1925, que nomeia um agente para ir a Moçambique e Angola procurar trabalhadores para S. Tomé e Príncipe.

O Sr. Br to Camacho: - Sr. Presidente: chega-me a palavra tarde e a más horas. Tarde, porque há já um mês que foi anunciada a minha interpolação; a más horas, porque suponho faltarem poucos minutos para terminar a sessão. Em todo o caso, e visto que V. Exa. me deu a palavra, eu vou usar dela.

Foi no dia 2 de Março que eu mandei para a Mesa a minha nota do interpelação, e, juntamente com ela, mandei um requerimento, pedindo para me ser enviada do Ministério das Colónias, cópia da correspondência que houvesse trocada entre os governos de Angola e Moçambique sôbre disponibilidades de mão de obra ou porque o meu requerimento não chegasse ao Ministério das Colónias, ou porque lá se transviasse, e não chegasse ao conhecimento do Sr. Ministro, o que é certo é que realizo a minha interpelação, sem conhecer essa correspondência que, suponho, existe. E digo "suponho, existe", porque me, parece ter ouvido dizer ao Sr. Carlos de Vasconcelos, ao tempo em que se fez a nomeação de que me vou ocupar Ministro das Colónias, que os governos de Angola e Moçambique tinham sido ouvidos.

Era muito interessante e útil conhecer os termos em que foi feita a pregunta
para Angola e Moçambique, e quais na respostas dos respectivos governadores. Não sei se o meu requerimento seguiu para o Ministério das Colónias, se lá se perdeu; o que é certo é que nem sequer me foi comunicado da parte ...

O Sr. Carlos de Vasconcelos (interrompendo):- V. Exa. dá-me licença? O governo de Angola respondeu que estava procedendo à normalização dos serviços de recrutamentos, a ver se podia reservar um pouco de mão de obra para S. Tomé. O governo de Moçambique disse que era contrário a isso.

O Orador: - Sr. Presidente: vê V. Exa. que eu tinha razão em querer conhecer a correspondência trocada entre o Ministério das Colónias e Angola e Moçambique.

Não foi deferido o meu requerimento, e não sei o destino que teve, mas a Câmara acaba de ter informações preciosas do Sr. Carlos de Vasconcelos, então Ministro das Colónias.

Já agora estando um pouco em maré de reparos o pedindo ao Sr Ministro das Colónias que não veja nas minhas palavras o menor vislumbre de censura, porque o não contém, permita me V. Exa. que diga que em tempos de menos fácil democracia e porventura de mais rigorosa observância das praxes parlamentares, o delegado do Govêrno enviado para inquirir em Angola e Moçambique não teria partido, estando pendente uma nota de interpelação no Parlamento, da qual podiam resultar consequências que se repercutiriam talvez na sua acção.

Velhos costumes, Sr. Presidente, que seriam maus...

Foram, porém aqueles com que comecei a fazer a minha vida parlamentar.

Podia mesmo a Câmara, depois da minha interpelação realizada, pronunciar-se contra a ida dêsse emissário, e êle não partiria.

Mas agora a Câmara pode pronunciar-se contra o facto, que êle partiu já, e aporias poderemos fazê-lo voltar.

Resulta êste reparo somente de uma espécie do fanatismo que eu tenho pelo regime parlamentar.

Esta instituição, toda a gente diz que é má, mas emquanto não se obtenha uma que a substitua com vantagem, eu quere-

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ria vê-la sempre cercada do maior prestígio.

Eu desejaria - porque isso me parece conveniente para o País - que a portaria do Sr. Ministro das Colónias de eutao, o Sr. Carlos do Vasconcelos, tivesse sido anulada pelo seu ilustre sucessor, o estou convencido de que S. Exa., consultado a êste respeito, aquiesceria a que isso se fizesse...

O Sr. Carlos de Vasconcelos (interrompendo): - Eu não enjeito as minhas responsabilidades.

O Orador:-Mas dizia eu, melhor teria sido não publicar essa portaria.

Disse há pouco o Sr. Carlos de Vasconcelos que os Governos de Angola e Moçambique foram consultados com respeito mão de obra para S. Tomé.

Ora, eu devo dizer que com respeito a Angola, a crise não é passageira, e de Angola nada há a esperar, porque com o financeamento fica habilitada a fazer aqueles trabalhos que lhe são necessários para o seu fomento agrícola.

E então quais são os trabalhadores que pode dispor, se toda a sua mão do obra lhe é necessária?

Em Angola há uma população de 4 milhões de habitantes, e tirando as mulheres, as crianças, os velhos e os inválidos, veja V. Exa. o que fica para trabalhar?

Um país, que têm uma extensão territorial desta forma, pode ter excesso de tudo menos de mão de obra?

Como é que se pensa que Angola tem mão do obra que possa mandar para S. Tomé?

Isto pelo que diz respeito a Angola.

Pelo que diz respeito a Moçambique, V. Exas. sabem que ainda estão em vigor duas convenções, que tiram à província milhares de braços: uma é a convenção com o Transvaal, hoje União Sul Africana, a outra é uma convenção com a Rodésia, pela qual se permite que possam ser recrutados até 15.000 trabalhadores no distrito de Tete.

De facto a província tom vivido, o especialmente o sul, da sua emigração, e êsse, a meu ver, é um das grandes males da província.

Moçambique, aproveitando assim os seus trabalhadores, para fazer dinheiro,
não repara que êsses milhares de braços lhe seriam muito mais úteis e valiosos do que as libras que êles lhes trazem do Rhand, e as quais apenas servem, para sustentar o funcionalismo, uma pequena parte do comércio, e principalmente os fornecedores do Estado.

De facto, Sr. Presidente, em Moçambique não há disponibilidades de mão de obra, e no norte trabalha-se com bastante intensidade, de há seis anos a esta parte.

Como foi então que no Ministério das Colónias se acreditou que Moçambique tinha disponibilidades de mão de obra para mandar para S. Tomé?

Eu fiz, Sr. Presidente, quando estive em Moçambique, um contrato do fornecimento de mão de obra a lima das companhias qiu- trabalham em Moçambique, mas entre o fornecer trabalhadores para trabalharem em Moçambique e fornecer trabalhadores para irem para S. Tomé, parece me que há uma grande diferença.

Essa companhia emprega hoje 16:000 indígenas, e deve produzir êste ano 53:000 toneladas de açúcar.

V. Exas. estão a ver que os salários e a alimentação dêsses 16.000 indígenas representam muito dinheiro, que fica na província, ao passo que o dinheiro relativo à alimentação e salário dos indígenas que, porventura fossem para S. Tomé, sairia para fora de Moçambique.

Sr. Presidente : a permissão de recrutar serviçais em Moçambique, para o Transvaal, continua automàticamente, porque a convenção apenas foi denunciada, não só tendo feito ainda uma nova convenção.

E são, como já disse, 60 a 80:000 trabalhadores que para ali vão.

Para a Rodésia podem ser recrutados

Êsse contrato terminou agora em Março, e deveria ser denunciado para não continuar a ter validade.

Eu afirmo à Câmara que dessas emigrações não vem para a província de Moçambique benefício absolutamente nenhum, especialmente da emigração para a Rodésia, da qual lho vem apenas uma cousa parecida com 900 libras.

Direi ainda que essas companhias majestáticas a que alude a portaria lutam. neste momento com grande falta de mão do obra.

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Eu cheguei a supor em determinada altura que havia forma de remediar êsse mal, fazendo regressar à província êsses 15:000 homens que haviam emigrado depois da revolta de 1917.

Infelizmente tal facto não só deu e assim a Companhia de Moçambique continua a braços com a falta de trabalhadores.

Como a Câmara vê, essas companhias majestáticas e ainda as administrações do Estado não encontram dentro da província a mão de obra suficiente para as suas necessidades.

Sr. Presidente: já aqui ouvi dizer que em Moçambique, pelo menos, não havia entidade competente para informar com precisão sôbre as disponibilidades da mão de obra. Não é inteiramente exacto.

Em Moçambique o número da população é inteiramente conhecido das estações oficiais. O recenseamento da população encontra-se feito com absoluta exactidão.

Assim, o governador da província, sempre que queira informar sôbre o número dessa população, pode fazê-lo som esfôrço.

Depois não me parece que seja duma conveniência por aí além afirmar que a província tem disponibilidades em mão do obra, em primeiro lugar porque não é verdade, e em segundo, porque tem o inconveniente de ser afirmado pelo próprio Ministério das Colónias...

O Sr. Carlos de Vasconcelos: - A afirmação feita na portaria em questão vem apenas demonstrar que nós temos onde empregar a mão de obra.

O Orador: - O argumento de V. Exa. não mo convenceu. Parece me poder continuar a afirmar que Moçambique tem a mão de obra precisa.

O Sr. Carlos de Vasconcelos (interrompendo): - Vão para o estrangeiro pela impossibilidade de os fazer ficar na colónia portuguesa.

O Govêrno da Metrópole não intervém no recrutamento para S. Tomé.

O Orador: -Sr. Presidente: da emigração de Moçambique para a colónia Sul-Africana, como já disse, tem sido, com excepção do norte, toda a província de Moçambique.

Do recrutamento para S. Tomé nunca viveu uma família.

Depois, é preciso ter em consideração o seguinte: o transporte dos trabalhadores do Moçambique para o Transvaal faz-se em poucas horas, é rápido e cómodo. Recrutam-se para aí, por um ou dois anos.

O trabalhador que vai para S. Tomé tem que contar com S. Tomé.

Há também a necessidade de não afastar o preto do seu lugar.

Eu não dou uma informação nova, mas gosto do fazer esta afirmação sôbre êste caso: o preto, diz-se, é um animal erradio, não tem amor ao seu torrão. Está em qualquer parte.

Esta noção é errada, absolutamente falsa. Toda a sua tendência é voltar à sua terra.

Apoiados,

Fazê-lo privar de voltar à sua Pátria, afastando-o longos anos dela, é não só pernicioso à população, mas tem outros inconvenientes. A emigração para o Transvaal, embora tenha a atenuante que apontei, é má.

Sr. Presidente: não quere dizer, o desejo que não fique essa impressão, que eu contrarie de qualquer forma os interêsses de S. Tomé.

Quando passei por S. Tomé, vindo do Moçambique, os agricultores de lá fizeram-me as suas reclamações, o eu disse-lhes o que lhes diria ainda hoje: se houvesse disponibilidade de mão do obra em Moçambique, que é uma colónia que está por fazer, eu não teria dúvida em aceitar que a colónia fornecesse mão de obra a S. Tomé.

O argumento de se dizer que S. Tomé é uma terra portuguesa não mo parece do aceitar, visto que Moçambique também o é.

O que me parecia curial de fazer, antes de mandar um delegado conhecer as disponibilidades de mão de obra em Moçambique, seria fazê-lo passar por S. Tomé para sabor das necessidades desta província, porque estou informado que há lá muita mão de obra abandonada. Isto é que se devia começar por averiguar.

O Sr. Carlos de Vasconcelos: - V. Exa. dá-me licença? O próprio Sr. Marinha de Campos tem um estudo muito interessante a êsse respeito.

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O estudo das disponibilidades da mão de obra em S. Tomé está mais que feito. A decisão de se mandar lá alguém fazer êste estudo seria supérflua.

O Orador: - Quere dizer, S. Tomé precisa de mão de obra.

O Sr. Carlos de Vasconcelos: - Não fiz tal afirmação. O que posso afirmar é que é preciso legalizar cortas situações de indígenas, a fim de evitar amanhã qualquer cousa de grave.

Permita-me V. Exa. que não diga mais nada.

O Orador: - Legalizada, todos os indígenas tem mais ou menos a sua situação, e por isso que perigo internacional pode haver desde que não se legisle sôbre certos recrutamentos?

E legalizar como? Eu encontrei em Moçambique pretos com mais de 12 anos do S. Tomé.

O Sr. Carlos de Vasconcelos:-V. Exa. conhece bem o que dizem os regulamentos de mão de obra sôbre repatriamento. Ora é necessário que isso se cumpra.

O Orador: - Eu conheço êsses regulamentos, e sei bem como êles se cumprem em toda a parte, mesmo nas colónias inglesas. Mas é natural que no relatório que V. Exa. citou se diga que S. Tomé pressa de todos os seus trabalhadores.

Ora eu vi que realmente S. Tomé tem trabalhadores, e desde que não se prove que o indígena não pode ser compelido a trabalhar, é claro oferecendo-lhe o estímulo necessário, não há o direito de estiolar em mão de obra as outras províncias.

Não desejo alongar as minhas considerações, mas vi-me obrigado a usar da palavra sôbre o assunto, não para atacar o Ministro, mas para expor aquilo que penso sôbre êste acto governativo.

Diz aqui que esta missão será gratuita. Mas eu sei que se publicou uma portaria estabelecendo um imposto para cada trabalhador contratado.

O Sr. Carlos de Vasconcelos (interrompendo):- Fui procurado pelos agriculto rés de S. Tomé, para que se fizesse êsse pagamento por meio de imposto que recaía sôbre cada recontratado, e está calculado que será superior ao custo da missão.

O Orador: - Mas onde está a utilidade dessa missão?

O Sr. Carlos de Vasconcelos (interrompendo): - Como disso a V. Exa., trata se do um imposto que é pago pelos agricultores com respeito a cada recontratado.

O Sr. Presidente: - V. Exa. quero terminar o seu discurso ou deseja ficar com a palavra reservada?

O Orador: - Vou rematar já as minhas considerações, mandando para a Mesa a seguinte moção:

Leu.

Suspende a leitura.

Mas... não envio nada!

Risos.

Como o Sr. Ministro das Colónias certamente usará da palavra sôbre êste assunto, eu reservo-me para enviar para a Mesa a minha moção depois de ouvir as considerações de S. Exa.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Carlos de Vasconcelos não fez a revisão dos seus apartes.

Antes de se encerrar a sessão,

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: não é esta a ocasião de eu poder fazer largas considerações acerca da arbitrariedade que vem sendo cometida, com a cumplicidade do Sr. Ministro do Interior, pelas autoridades subordinadas a S. Exa., relativamente à apreensão de jornais. Mais tarde e no caso de a violência continuar a repetir-se, eu tratarei desenvolvidamente do assunto e lerei alguns dos discursos inflamados produzidos no tempo da Monarquia, não só, aqui, no Parlamento, pelos Deputados republicanos, como ainda em vários comícios, a propósito de apreensões de jornais, aliás autorizadas, então, expressamente pelas leis que vigoravam.

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O Sr. Ministro do Interior, procurando responder ontem, aqui, às considerações que eu fizera na véspera e às que também haviam sido produzidas por outros Srs. Deputados, nomeadamente os Srs. N uno Simões e Ribeiro de Carvalho, contra a apreensão dos jornais O Dia e o Correio da Noite, declarou que essa apreensão era legal.

Protesto contra semelhante afirmação, pois só poderia haver legalidade na apreensão desde que se verificassem casos especialíssimos que a lei taxativamente estabelece, mas que se não deram.

S. Exa. pretende basear a sua afirmativa na lei de 9 de Julho de 1912. Mas S. Exa. deve saber, apesar de não ser jurisconsulto, que essa lei é inconstitucional.

O n.° 13.° do artigo 3.° da Constituição diz:

Leu.

E o n.° 2.° do artigo 3.° o seguinte:

Leu.

Mas há mais, Sr. Presidente! Temos o artigo 4.° que diz o seguinte:

Leu.

Por seu turno o artigo 21.° dispõe:

Leu.

Já vê o Sr. Ministro do Interior que não tem razão alguma quando diz que tem sido cumprida lei.

A verdade é que S. Exa. não tem feito mais do que desrespeitar a Constituição, conforme acabo de demonstrar à Câmara.

A apreensão dos jornais só pode ser feita nos seguintes casos:

Leu.

Nada disto se tem dado, e um jornalista como o Sr. Moreira de Almeida, que pode ser considerado como um dos primeiros entre nós, não é capaz do usar nos seus artigos e no seu jornal de linguagem despejada e provocadora.

Não quero, Sr. Presidente, abusar mais da atenção da Câmara. Porém, devo dizer que se a apreensão dos jornais continuar eu não largarei o assunto de mão, e reclamarei tantas vezes, quantas forem necessárias. Na realidade o que se pretende é evitar que os jornais monárquicos façam a sua propaganda eleitoral.

Tenho dito.

O Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho): - Sr. Presidente: pedi a palavra para responder às considerações que acaba de fazer o Sr. Paulo Cancela de Abreu.

O que eu posso garantir a S. Exa. é que se não tem praticado nenhuma arbitrariedade, não estando de acordo nem com o Sr. Carvalho da Silva quando vem para aqui dizer que a lei de 9 de Junho de 1912 é inconstitucional, quando assim não é.

V. Exa. não o provou. V. Exa. leu o artigo da Constituição, mas peco-lhe o favor de ler o resto.

A lei há-de cumprir-se, emquanto eu estiver neste lugar, seja ela boa ou má.

Apartes dos Srs. Paulo Cancela de Abreu e Carvalho da Silva.

Repetindo, Sr. Presidente, eu devo dizer que, emquanto estiver aqui, todos aqueles que incorreram no artigo 1.° da lei de 29 de Junho de 1912, hão-de ser punidos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é às 21 horas e 30 minutos, para se discutir o parecer sôbre as estradas.

Está encerrada a sessão.

Eram *9 horas e 48 minutos.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Última redacção

Do projecto do lei n,° 889, que abre um crédito de 33.000$ a favor do Ministério do Interior para pagamento dos funerais do Dr. Alves da Veiga.

Dispensada a leitura da última redacção.

Remeta-se ao Senado.

Comissão de agricultura

Substituir os Srs. Amaral Reis e Serafim de Barros, pelos Srs. Júlio de Abreu e Luis António da Silva Tavares de Carvalho.

Para a Secretaria.

Projecto de lei

Dos Srs. Crispiniano da Fonseca, Joaquim Matos e Henrique Pires Monteiro, autorizando a Junta Autónoma das Obras do Pôrto e Barra de Vila do Conde e do

Página 27

Sessão de 1 de Abril de 1925 27

Rio Ave a cobrar designados impostos e taxas, para execução da lei n.° 1:068 de Dezembro de 1923.

Para o "Diário do Governo".

Nota de interpelação

Desejo interpelar o Sr. Ministro das Colónias sôbre a falada reorganização do respectivo Ministério, a fim de que a Câmara, em um largo debate, tenha ensejo de fixar as bases e directrizes a que essa remodelação deve obedecer e se possam
evitar o máximo os motivos de novas perturbações dos serviços.

Em 1 de Abril de 1925. - António de Paiva Gomes.

Expeça se.

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministério das Colónias (Conselho Colonial), me seja fornecido, por cópia, o parecer n.° 173 de 1924. - Delfim Costa.

Expeça-se.

O REDACTOR - Sérgio de Castro.

Página 28

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