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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 62
EM 6 DE ABRIL DE 1925
Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
José Pedro Ferreira
Sumário. - Abre a sessão com a presença de 38 Srs. Deputados.
É lida a acta, que adiante se aprova com número regimental.
Dá-se conta do expediente, e é admitido um projecto de lei já publicado no "Diário do Governo".
Antes da ordem do dia. - O Sr. Tavares de Carvalho trata da repressão do jôgo e da carestia da vida, que continua, apesar da melhoria cambial.
Sôbre o último dêstes assuntos presta informações o Sr. Ministrada Agricultura (Amaral Reis), voltando a falar o Sr. Tavares de Carvalho e a responder-lhe o Sr. Ministro.
O Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho) responde na parte referente à repressão do jôgo.
O Sr. Baltasar Teixeira propõe um voto de sentimento pela morte do professor Borges Grainha, proposta que adiante é aprovada, tendo usado da palavra os Srs. Carvalho da Silva, Viriato da Fonseca e João Camoesas.
O Sr. Delfim Costa trata da situação precária em que se encontra a viúva do sasgento Eusébio e dos edifícios escolares que se encontram em ruínas, ficando o Sr. Presidente do Ministério de transmitir as considerações feitas ao seu colega da Instrução, respondendo na parte referente à sua pasta o Sr. Ministro da Guerra (Vieira da Rocha).
O Sr. Carvalho da Silva protesta contra a falta de cumprimento do Regimento, e contra a proibição de uma procissão em Vila Viçosa.
Responde o Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho), replicando o Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu trata do atentado contra um pároco de Mortágua e de questões referentes a estradas.
Respondem os Srs. Ministros do Comércio (Ferreira de Simas) e do Interior, replicando o Sr. Cancela de Abreu.
Ordem do dia. - Continua a discutir-se o parecer referente a regime dos fósforos, sendo admitido, em contraprova, um contra-projecto da autoria do Sr. João Camoesas.
É lida uma proposta de substituição ao artigo 1.°, do Sr. Tôrres Garcia.
Foi admitida.
O Sr. Portugal Durão apresenta e justifica uma moção de ordem que é admitida.
O Sr. Carvalho da Silva interroga a Mesa sôbre os termos da discussão.
É aprovado um requerimento do Sr. Carneiro Franco, para que se discuta com a base A o corpo do artigo 1.°, e assim sucessivamente.
O Sr. Presidente do Ministério responde ao Sr. Portugal Durão, e manda para a Mesa uma base nova, que é admitida.
Usam da palavra os Srs. Jaime de Sousa, Paiva Gomes e Carvalho da Silva.
O Sr. António Maria da Silva requere a prorrogação da sessão até finalizar o debate, sendo aprovado êste requerimento no sentido apenas de a sessão ser prorrogada.
Usa da palavra o Sr. João Camoesas, que fica com ela reservada, por se interromper a sessão às 19 horas e 35 minutos para reabrir às 21 horas e 30 minutos.
Reabre a sessão às 22 horas e 50 minutos, concluindo o Sr. Camoesas o seu discurso.
O Sr. Ribeiro de Carvalho requere que a base B seja discutida conjuntamente com a base A.
E aprovado, mas em contraprova verefica-se não haver número, procedendo se à chamada.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. - Nota de interpelação.
Abertura da sessão às 15 horas e 35 minutos.
Presentes 38 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 24 Srs. Deputados.
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Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio do Azevedo.
António Augusto Taveres Ferreira.
António de Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Dinis do Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Sebastião do Herédia.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto da Rocha Saraiva. Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António do Paiva Gomes.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João José Luís Damas.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Alegre.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Correia.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
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Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim do Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Cruz.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge de Barros Capinha.
José Carvalho dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomo José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Às 15 horas e 10 minutos principiou a fazer-se a segunda chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 38 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 34 minutos.
Leu-se a acta que adiante foi aprovada com o número regimental.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Presidente da Comissão Executiva da Junta Geral do Distrito de Lisboa, para que se lhe torne extensiva a faculdade de poder elevar até 7 por cento os adicionais sôbre as contribuições do Estado.
Para a comissão de finanças.
Do director do Instituto Superior Técnico, solicitando a aprovação do projecto de lei que regula a concessão do título de engenheiro.
Para a Secretaria.
Do vice-presidente da Comissão Executiva da Câmara, Municipal de Odemira, protestando contra a supressão da estação telógrafo-postal de S. Teotónio.
Para a Secretaria.
Telegramas
Dos secretários de finanças de Beja, pedindo aprovação do projecto de lei de
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Sr. Correia Gomes que remodela os serviços das repartições distritais de finanças e protestando contra o projecto apresentado pelo Sr. António Resende.
Para a Secretaria.
Da Comissão Municipal do Partido Republicano Português, da Câmara Municipal e da Associação Comercial e Industrial de Oliveira de Azeméis, contra a criação do julgado municipal do Macieira de Cambra.
Para a Secretaria.
Do presidente da Sociedade Columbina Unuburre de Huelva, agradecendo a visita do S. Exa. o Presidente da Câmara e pedindo o cumprimento da promessa de nova visita.
Para a Secretaria.
Agradeça-se.
Do Sr. Tôrres Garcia, participando que, por doença de família, não pode comparecer às sessões.
Para a Secretaria.
Admissão
É admitido, tendo já sido publicado no Diário do Govêrno, o projecto de lei dos Srs. Crispimano da Fonseca, Joaquim Matos e Pires Monteiro, autorizando a junta autónoma das obras do POrto o Barra de Vila do Conde e do Rio Avo a cobrar designados impostos e taxas para execução da lei n.° 1:068, de Dezembro de 1923.
Para a comissão de finanças.
Antes da ordem do dia
O Sr. Tavares de Carvalho: - Como só encontra presente o Sr. Ministro do Interior, pedia a S. Exa. a fineza do me elucidar sôbre as providências que tomou e aqui prometeu para se não continuar a jogar nos clubs.
Eu tenho informações de que se continua jogando, e, por isso, se S. Exa. deu quaisquer instruções para a proibição do jôgo, elas não foram cumpridas.
Como vejo também presente o Sr. Ministro das Finanças, congratulo-me com a resolução de S. Exa., determinando a continuação da valorização do escudo, política que não devia ser interrompida emquanto a moeda não atingisse uma posição de equilíbrio.
Novamente venho, mais uma vez, chamar a atenção do Sr. Ministro da Agricultura para a carestia da vida.
Pedia a S. Exa. a fineza do me informar e à Câmara do que há a respeito de umas medidas que foram anunciadas como próximas a ser tomadas pelo Ministério da Agricultura.
Tive conhecimento, extra-oficialmente, de que essas medidas iam ser tornadas um facto pelo Ministério da Agricultura, de forma a realmente se melhorar a carestia da vida. Porém até hoje não vejo que essas medidas tenham sido decretadas, e antes, pelo contrário, vejo os géneros a subirem de preço quási diariamente, apesar de o escudo se ir valorizando, ainda que a pouco e pouco.
Se essas medidas, que são necessárias para melhorar as nossas condições de vida, não forem tomadas pelo Govêno, certamente que daqui a alguns dias o funcionalismo público, as classes militares, etc., pedirão aumento de vencimentos.
Novamente venho preguntar ao Sr. Ministro da Agricultura só essas medidas são postas em execução, ou quando estará disposto a fazê-las executar.
Não há justificação possível para a atitude tomada pelos comerciantes e industriais com relação ao preço dos géneros e do vários artigos de primeira necessidade.
Não se compreende que, valorizando-se o escudo, se não modifique o estado da carestia da vida para melhor, antes cada vez tudo vai piorando, agravando-se, portanto, a situação precária do consumidor.
Se V. Exa., Sr. Ministro da Agricultura, me puder dar quaisquer explicações sôbre êste assunto, eu ouvi-las hei com todo o interêsse e agradecerei em nome do povo consumidor as medidas que tiver adoptado para nos melhorar as condições de vida.
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Agricultura (Amaral Reis): - O ilustre Deputado Sr. Tavares de Carvalho mais uma vez veio chamar a atenção do Govêrno para a carestia da vida.
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Declaro a V. Exa. que, apesar da nossa moeda se ter valorizado, os preços, uns continuam sem sofrer diferença sensível para menos, outros têm aumentado.
E o ilustre Deputado dirigiu-se ao Ministro da Agricultura, para saber quais as medidas que o Govêrno pensa tomar para diminuir o preço dos géneros de primeira necessidade.
A medida a tomar é só uma, a qual já há muito tempo que devia ter sido adoptada, a fim de se poder fazer sentir a sua acção, não ràpidamente, mas sim pràticamente.
Essa medida que, certamente, muito viria melhorar a situação, é o aumento da produção.
A verdade, porém, é que poucas medidas nesse sentido têm sido tomadas pelos Governos.
Eu devo dizer a S. Exa., com toda a lealdade e com toda a franqueza, que a acção a realizar, de momento, pelo Ministério dei Agricultura é pouco eficaz.
Êste Ministério tem apenas, como organismo regulador de preço, o Comissariado Geral dos Abastecimentos, e o Comissariado tem, por seu turno, unicamente os Armazéns Reguladores e os postos de venda do peixe.
E, há muita gente que julga que os Armazéns Reguladores têm, de facto, uma acção eficaz na carestia da vida.
Sr. Presidente: eu tive ocasião de visitar êsses armazéns, 9 não só os visitei para ver os funcionários que lá existiam e se as suas instalações eram boas, como também para examinar os seus livros, especialmente os livros "Caixa".
E então constatei que as vendas que por êsses armazéns eram feitas tinham diminuído, de há seis meses para cá, de um têrço e um quarto. Procurei qual era a diferença que havia entre os preços de venda dos armazéns e os preços de venda nos estabelecimentos vizinhos, e tive de reconhecer que, actualmente, essas diferenças de preço eram relativamente insignificantes.
Soube também que a clientela dos armazéns reguladores é a clientela que paga logo, porque os armazéns só vendem a contado.
E então, naturalmente, eu tive de reconhecer o seguinte: é que vendendo os armazéns reguladores, actualmente, com
uma diferença de preço relativamente insignificante os mesmos géneros que os estabelecimentos vizinhos iam tirar ao comércio quási toda a sua clientela que paga logo. E em virtude disso, o comércio o que tem feito é aumentar os preços para os que compram fiado.
Por isso no meu espírito não ficou qualquer dúvida acerca do valor que os armazéns reguladores possam ter na carestia da vida.
Tratei de averiguar se havia falta de géneros nesses armazéns, e o que posso afirmar é que não há falta de géneros nesses armazéns dos géneros que lá se costumavam vender. Dei ordem para abastecer êsses armaézns de outros géneros. Dos que até aqui se vendiam nesses armazéns não há falta.
O Sr. Viriato da Fonseca: - Posso dizer a V. Exa. o seguinte:
Antigamente gastava os géneros da Manutenção Militar. Depois comecei fornecendo-me dos armazéns reguladores e verifiquei que alguns géneros, de que me forneci, eram mais baratos do que os da Manutenção Militar.
O Orador: - Tive ensejo de reconhecer que não havia falta de géneros nos armazéns do Comissariado dos Abastecimentos.
O Sr. Viriato da Fonseca (interrompendo): - A qualidade é que deixa alguma cousa a desejar.
O Orador: - De facto a qualidade de alguns géneros não é das melhores.
A diferença que existe no preço dos géneros vendidos nos armazéns reguladores e nos outros estabelecimentos é pequena.
O Sr. Viriato da Fonseca (interrompendo): - Costumo trabalhar com números e posso informar V. Exa. do seguinte:
A respeito da qualidade de alguns géneros vendidos nos armazéns reguladores, posso informar V. Exa. que não são bons, como há pouco disse; porém, o preço é inferior ao dos géneros vendidos na Manutenção Militar.
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No meu pequeno gasto caseiro, realizei por mês uma economia de 80$, quando me forneci dêsses armazéns.
Hoje não há nenhum benefício nas compras que lá se façam.
O Orador: - O papel que os armazéns reguladores desempenham na baixa dos preços é insignificante, apesar do estarem imobilizados corça de 13:000.000$.
No peixe tem havido algum benefício nos preços do venda ao público.
Os navios que estão ao serviço do Comissariado foram comprados dentro dessa verba.
O capital dos armazéns é insignificante o por isso não pode ter uma acção fecunda e profícua. Hoje qualquer negociante dos mais modestos tem capital muito superior.
O pão melhorou na sua qualidade.
O preço do milho também baixou. No Diário de Noticias do ontem a Companhia Portugal e Colónias já anunciava milho a 1$07.
Só os negociantes importarem milho, terão de conceder ao Estado 20 por cento.
Vão ser distribuídos 2 milhões do quilogramas do milho pelos diferentes pontos do País, o que me parece suficiente para abastecer os mercados e provocar a baixa de preço como já se tem visto. Essa baixa é do 3$ a 4$ no alqueire. Portanto as medidas tomadas pelo Estado acerca dêste género têm sido eficazes.
Posso assegurar ao Sr. Tavares de Carvalho que estou empregando todos os meus esfôrços no sentido de contribuir para o abaixamento da carestia da vida. O discurso será publicado na integra, revisto para orador, quando, nestas condições, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Viriato da Fonseca não fez a revisão dos seus "àpartes".
O Sr. Tavares de Carvalho: - Pelas palavras que acabo de ouvir ao Sr. Ministro da Agricultura, vejo que da parte de S. Exa. há toda a boa vontade de fazer baixar o preço de certos géneros, contribuindo assim para a melhoria das condições de vida. Mas o que verifico, pelo que S. Exa. disse, é que o Comissariado de Abastecimentos, no actual momento, não serve de regulador de preços, como não serve para evitar as especulações que se estão fazendo na venda de alguns géneros.
Portanto, o Comissariado dos Abastecimentos não corresponde, cabalmente, à missão que foi chamado a desempenhar.
Eu sabia que o Comissariado (diga-se em abono da verdade que não tenho feito aqui uma campanha contra esta instituição, embora há muito soubesse que não cumpria, na sua maior parte, as obrigações que lhe foram atribuídas) não concorria, como se esperava, para se regularizar os preços do mercado. Em geral, adquiro os géneros por forma que não é mesmo muito de aceitar pelo processo da requisição forçada.
Assisti, no Comissariado, à requisição de certa quantidade de batata, por um preço inferior ao do mercado, permitindo, livremente, que aqueles que foram forçados a apresentar uma parte da sua produção pudessem vender, depois, por um preço mais elevado o que lhe sobrasse da requisição!
A carestia da vida assim tem ido aumentando o os produtores dizem, e alguns com razão, que não podem vender os seus produtos por preço razoável, por serem forçados a entregar parte da produção por preço inferior, para que o Comissariado fique com margem para obter lucros para distribuir, como gratificação, pelos funcionários! Êstes lucros só podiam existir, se êstes funcionários se tivessem constituído em cooperativa e tivessem adquirido os produtos à sua custa.
Adquiridos pelo Estado, nos centros de produção, podiam chegar aos armazéns reguladores por um preço que permitisse a concorrência com o comércio em geral, sem ser preciso usar-se a requisição forçada, nem os processos de que se tem abusado.
Esta de se permitir que os produtores vendam a parte que lhe fica da sua produção por preços superiores ao do mercado, só para que o Comissariado possa dizer que vende mais barato que os comerciantes e possa distribuir gratificações aos funcionários, só no nosso País!
Os armazéns reguladores do comissariado só têm servido para ali se anicharem numerosos funcionários, e, se de pro-
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veito têm servido, só a êstes tem também aproveitado.
Como diz S. Exa., e toda a gente tem observado, estão mal fornecidos e só têm servido para aumentar a carestia da vida, porque não são os últimos a aumentar os preços dos géneros logo que se nota qualquer tendência para subida de preços, nos locais de produção.
O Sr. Ministro da Agricultura (Amaral Reis): - Sr. Presidente: eu desejo apenas levantar algumas palavras do ilustre Deputado, Sr. Tavares de Carvalho, que possam representar qualquer censura aos funcionários do Comissariado dos Abastecimentos.
A verdade é que, com um capital tam insignificante, é impossível exercer-se uma acção regularizadora; com um comércio poderoso...
O Sr. Tavares de Carvalho (interrompendo): - Se V. Exa. reconhece que é impossível...
O Orador: - Não está nas mãos dêsses funcionários, porque não têm os elementos que eram indispensáveis.
Pelo que respeita a requisições, devo declarar a V. Exa. que não se estão fazendo de qualidade nenhuma.
Disse também V. Exa. que se tinham distribuído gratificações, que de facto se distribuíram.
Mas só uma merece menção, que foi dada a um funcionário, como justa recompensa pelo seu trabalho.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Tavares de Carvalho: - E essa recompensa foi merecida.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho): - Sr. Presidente: e pedi a palavra apenas para responder ao Sr. Tavares de Carvalho.
Já quando um dia dêstes S. Exa. chamou a minha atenção para a circunstância de se jogar em Lisboa - o que S. Exa. peremptòriamente afirmou - eu transmiti ordens com todo o rigor às autoridades competentes para se reprimir qualquer tentativa de jôgo.
E possível pois que um ou outro caso isolado possa surgir, mas eu estou convencido de que o jôgo será reprimido em qualquer ponto do País.
Como a organização da polícia é muito deficiente, e não pode pois acudir fàcilmente a todos os lados, é possível, repito, que um ou outro caso apareça, mas isoladamente.
O Sr. Tavares de Carvalho (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença?...
Eu tenho conhecimento de que um indivíduo, interessado na conservação das casas de jôgo, disse que se estavam querendo fechar as casas de jôgo mais modestas, as "pataqueiras" (permita-me V. Exa. o termo), conservando-se as outras casas abertas.
Se assim é, eu protestarei ainda muito mais energicamente.
Todas essas casas devem ser igualmente reprimidas, não exceptuando aquelas que se julgam mais poderosas, que nos salpicam com a lama dos seus automóveis.
Protestarei, sim, contra êsses que nos desonram no que temos de mais caro, e que para ali levam muitas mulheres corrompidas, que contribuem por sua vez, para agravar o mal estar geral, vindo buscar ao consumidor aquilo de que precisam para satisfazer os seus caprichos e o seu luxo.
O Orador: - Estou inteiramente de acordo com V. Exa.
Todas essas classes devem ser reprimidas e sê-lo hão.
Tenho dito.
O discurso se á publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Baltasar Teixeira: - Sr. Presidente: no sábado passado morreu o professor Borges Grainha. Não era uma figura banal na nossa sociedade; era um professor distintíssimo, um conhecedor profundo das matérias que ensinava aos seus alunos.
Quer nas suas aulas, ensinando, quer pelos livros que publicou, o professor Borges Grainha pode ser considerado co-
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mo um dos mais ilustres professores da nossa sociedade, na passada geração.
Mas, Sr. Presidente, lia outro aspecto ainda pelo qual o eminente professor vincou a sua personalidade: êle foi um republicano ilustre e sobretudo um propugnador invencível das ideas liberais.
Êle foi um dos maiores inimigos, o temeroso inimigo, do clericalismo.
Nunca se deixou vencer, tendo sido bastas vezes caluniado, mas sabendo repelir sempre essas calúnias, fazendo brilhar a verdade.
O que é certo, Sr, Presidente, repito, é que Borges Graínha prestou à sociedade portuguesa serviços inestimáveis.
Sr. Presidente: numa sociedade republicana, num meio liberal, parece-mo que nós, que representamos a Nação, não podemos deixar passar êste infausto acontecimento, sem lançar um voto de profundo sentimento pela morte do professor eminente, na acta da sessão de hoje.
Nesse sentido eu faço a minha proposta, pedindo a V. Exa., Sr. Presidente, que a ponha à consideração da Câmara, quando haja número.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Delfim Costa: - Sr. Presidente; ou desejava pedir a atenção do Sr. Ministro da Guerra para a situação miserável em que se encontram a viúva e filhos do sargento Eusébio, falecido em defesa da República, em combato em Mirandela, por ocasião da "traulitânia".
A êste pobre sargento, que morreu honradamente cumprindo o seu dever, foi fixada uma pensão do sangue mínima, mas em virtude de lei ou por outra qualquer cousa essa pensão foi-lhe cortada.
Chamo a atenção do Sr. Ministro da Guerra para isto caso, pois é de atender, visto tratar-se duma pessoa que serviu honradamente a República.
Não recebem a pensão de sangue, por o filho ser soldado e ter 18 anos.
Desejava também chamar a atenção do Sr. Ministro da Instrução, e como não está presente, peço a algum dos Srs. Ministros presentes o favor de transmitir a S. Exa. as minhas considerações.
O Sr. Presidente: - Chamo a atenção do Sr. Presidente do Ministério.
O Orador: - Os edifícios escolares estão na maioria em ruínas, donde resulta o caos, e assim em diversas terras há edifícios escolares que estão por concluir há 15 e 14 anos, não tendo alguns portas nem janelas o noutros faltando-lho vidros. E preciso que o Govêrno olhe para êstes casos que não são bons processos de administração. O melhor seria vitimar os que estão por acabar e não deixar que se detiorem os edifícios já começados.
Espero que o Sr. Presidente do Ministério me fará o favor do transmitir estas considerações ao Sr. Ministro da Instrução.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): - Pedi a palavra para declarar ao Sr. Delfim Costa que transmitirei ao Sr. Ministro da Instrução as considerações de S. Exa.
O Sr. Ministro da Guerra (Vieira da Rocha): - Sr. Presidente: ouvi as considerações do Sr. Delfim Costa, e só tenho a dizer que se trata dum caso vulgar, o que não é mais que o cumprimento dum princípio do lei, que só pode ser modificado no Parlamento por uma proposta.
Vou contudo ver o processo e depois informarei V. Exa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: a falta do cumprimento do Regimento não pode continuar, o nós não podemos estar aqui até às 16 horas à espera de haver número. Temos consentido isto por se tratar da questão dos fósforos; mas depois faremos todo o possível para que o Regimento se cumpra.
Chamo a atenção do Sr. Ministro do Interior, que parece proteger os díscolos que impedem os cidadãos pacíficos de exercer as suas crenças políticas o religiosas, porque em Vila Viçosa foi impedida a realização de uma procissão.
Em Vila Viçosa oito díscolos impediram que se realizasse uma procissão que a população desejava.
Lavro o meu mais enérgico protesto contra a obra de sectarismo que se está fazendo. Espero que S. Exa. tome providências.
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O Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho): - Responderei ao Sr. Carvalho da Silva, dizendo que são menos exactas as afirmações de S. Exa. ao atribuir me intuitos menos patrióticos, colocando-me ao lado dos díscolos e desordeiros.
Não mo parece que S. Exa. possa concretizar tais acusações.
Quanto à proibição do culto em Vila Viçosa, desconheço o facto; mas o que não desconhece V. Exa. é que nas localidades em que as autoridades julgam que essas manifestações religiosas não podem trazer e não trazem, alteração da ordem pública, elas são permitidas.
V. Exa. que tam cauteloso é em ler os jornais, há-de ver a notícia de várias manifestações religiosas em tais e tais pontos, e não pode, portanto, dizer que eu tenha dado instruções às autoridades no sentido da sua proibição.
Desconheço o facto de Vila Viçosa; mas não posso deixar de conhecer que as autoridades locais são os juizes da oportunidade do proibir ou permitir as manifestações de culto. Se as autoridades julgam que pode haver qualquer alteração da ordem, fazem bem em as proibir. Se, porventura, não havia êsse perigo, então a autoridade excedeu-se.
Mas o que digo é que, até hoje, só tenho conhecimento da proibição duma procissão em Tôrres Vedras. Não conheço outra.
Às autoridades locais compete, repito, julgar se deve ou não ser permitida qualquer manifestação de carácter religioso, exterior.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: - Não podem côlher, por nenhuma forma, as declarações do Sr. Ministro do Interior.
Lá porque três ou quatro pessoas são de opinião de que o culto se não pode realizar, ser proibido êsse culto? Isto não é regime de liberdade. As autoridades tem que manter a ordem ante a atitude dos díscolos.
Isto é o que tinham a fazer as autoridades de Tôrres Vedras e Vila Viçosa.
Tinham que manter a ordem, permitindo o culto. Esta é que é a única situação verdadeira.
V. Exa., por aquele sectarismo político que o não deixa ver claramente as cousas, é que se coloca, parece, ao lado dêsses díscolos.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Desejo chamar a atenção do Sr. Ministro do Interior para o atentado de que foi vítima o pároco da freguesia de Pala, concelho de Mortágua.
É responsável neste atentado o regedor da mesma freguesia. Foi manifesta a sua cumplicidade.
Espero que o Sr. Ministro do Interior mandará proceder a averiguações e fará demitir aquela autoridade.
Quanto ao grave problema das estradas, devo dizer que se tivesse estado presente à sessão em que êle foi tratado, teria acompanhado os ilustres Deputados Srs. Plínio Silva e N uno Simões, e os meus correligionários, no seu justificado protesto entre as estranhas declarações feitas pelo Sr. Ministro do Comércio.
É realmente assombroso que o Sr. Ministro do Comércio ocupe a sua pasta há dois meses, e ainda não tenha ideas definidas sôbre tam importante assunto, que devia ser a sua preocupação desde a primeira hora e de cada dia!
Apoiados.
Acresce que a questão das estradas está dada para ordem do dia desde há muito tempo.
Quando o assunto fôr novamente tratado, preguntarei ao Sr. Ministro do Comércio o que foi feito da verba aqui votada para reparação das estradas de Sintra e Cascais, sob proposta do Sr. António da Fonseca.
O Sr. Nuno Simões (interrompendo): - A proposta do Sr. António da Fonseca visava à reparação das estradas.
Foi votado no Senado que uma parte dessa verba fôsse aproveitada para a ligação da estrada provincial e distrital.
O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): - Sucede com as estradas uma cousa curiosa, e na verdade extraordinária: a verba é irrisória, mas a essa verba não se dá a aplicação que deve ter! Não se faz nada! Em matéria de estradas nada se faz devido à exiguidade da verba por um lado, e por outro à péssima organiza-
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ção dos serviços de estradas, que não merece elogios.
O Orador: - Entendo que uma rigorosa aplicação do imposto do turismo constituirá um grande passo para a solução do problema das estradas.
Tenho dito.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Ferreira de Simas): - Em resposta às considerações que acaba de fazer o Sr. Cancela de Abreu, sôbre a minha atitude na sessão nocturna em que se tratou do problema das estradas devo dizer a S. Exa. muito claramente que não tenho razões para condenar o sistema actual adoptado e seguido pela Administração Geral das Estradas.
Simplesmente os seus esfôrços são estéreis porque a reconstrução das estradas é como a guerra: sem dinheiro nada se pode fazer.
Com os materiais e os ordenados quintuplicados e sem recursos e o que quere S. Exa. que faça a Administração Geral das Estradas?
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho): - Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer ao Sr. Cancela de Abreu que desconhecia tam pormenorizadamente como S. Exa. expôs os factos ocorridos numa freguesia de Mortágua. Desconhecia tanto êsses pormenores como desconheço o termo "canhotice" com que S. Exa. os classificou, têrmo que não está no dicionário da Academia, mas que pode ser vernáculo...
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - É vernáculo pelo menos na terminologia democrática.
O Orador: - Pode o ilustre Deputado estar certo de que em quanto eu estiver neste lugar farei tudo para que a manutenção da ordem seja um facto.
Vou procurar saber oficialmente o que se passou em Mortágua e, averiguadas as responsabilidades, eu procederei como fôr de justiça.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Agradeço as explicações dos Srs. Ministros do Comercio e do Interior, cujas providências fico aguardando.
Quanto às afirmações feitas pelo Sr. Ministro do Comércio de que sem dinheiro a Administração Geral das Estradas nada pode fazer, eu devo dizer a S. Exa. que se não tivessem acabado com os cantoneiros o estado das estradas não seria tam mau...
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Ferreira de Simas): - Ninguém acabou com os cantoneiros. Êles é que não aparecem, porque ninguém se sujeita a ganhar 4$50.
O Orador: - Paguem-lhe melhor e obriguem a trabalhar os que existem.
O Sr. Presidente: - O Sr. Baltasar Teixeira propôs que na acta em sessão de hoje se lance um voto de sentimento pela morte do professor Borges Graínha.
O Sr. Viriato da Fonseca: - Sr. Presidente : pedi a palavra para em nome do Grupo da Acção Republicana me associar ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Baltasar Teixeira, pela morte do professor Borges G rainha.
O Sr. Carvalho da Silva: - Julgo desnecessário, Sr. Presidente, dizer a V. Exa. e à Câmara que sentimos sempre a morte de qualquer pessoa, mas êsse facto não nos pode levar a aprovar um voto de sentimento cuja razão não alcançamos.
A nossa discordância não resolve qualquer matéria de ordem política, e para que essa impressão não possa ficar no espírito de ninguém, lembrarei à Câmara que ainda não há muito, quando nesta Câmara se discutiu um projecto colocando no Liceu Passos Manuel o Sr. Borges Grainha, a minoria monárquica não lhe negou o seu voto.
Mas como entendemos que se trata de um precedente que não tem na verdade razão de existir, pois a verdade é que tantas pessoas ilustres têm falecido sem que a Câmara delas se tenha lembrado, não damos o nosso voto à proposta feita pelo Sr. Baltasar Teixeira.
Tenho dito.
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O Sr. João Camoesas: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me associar à proposta feita pelo Sr. Baltasar Teixeira pela morte do professor Borges Grainha.
Borges Grainha foi na verdade, Sr. Presidente, um combatente desinteressado na esfera do seu ideal, não podendo eu neste momento deixar de reconhecer as altas qualidades de carácter que êle possuía.
Borges Grainha faleceu no Hospital de S. José quási que abandonado, sendo por isso, a meu ver, de toda a justiça o voto de sentimento que acaba de ser proposto â Câmara.
Associo-me, pois, Sr. Presidente, a êsse voto de sentimento, não podendo, no emtanto, deixar de registar a atitude tomada pela minoria monárquica, que nem mesmo depois da morte sabe perdoar aos seus inimigos.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que aprovam o voto de sentimento proposto pelo Sr. Baltasar Teixeira, queiram levantar-se.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Na última sessão, quando foi pôsto a admissão o contra-projecto do Sr. João Camoesas, foi requerida contraprova tendo-se invocado o § 2.° do artigo 166.°
Os Srs. Deputados que rejeitam a admissão do contra-projecto do Sr. João Camoesas, queiram levantar-se.
Estão assentados 58 Srs. Deputados não estando nenhum em pé.
Está aprovada.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se uma nota de interpelação.
Foi lida.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se uma proposta de substituição ao artigo 1.°, enviado para a Mesa pelo Sr. Tôrres Garcia.
Foi lida e admitida.
O Sr. Portugal Durão: - Sr. Presidente : já tive ocasião de explicar à Câmara a minha maneira de ver sôbre o assunto, porém entendo que devemos sair daqui com a consciência segura daquilo que fazemos, razão porque eu digo que necessário é quê a projectada liberdade de fabrico dos fósforos não seja feita em condições que resulte num monopólio de facto, quer em benefício da actual Companhia, quer em benefício de qualquer outra entidade, e que do novo regime não resulte nem aumento nos preços, nem depreciação na qualidade.
Não basta dizer acções preferenciais; é necessário definir quais são, os direitos que elas conferem.
É preciso portanto dizer até onde vai essa preferência qual a participação no capital.
Eu não compreendo a participação no capital sem a correspondente participação nos corpos gerentes.
Desde o momento que o Estado se vai dar uma comparticipação no capital, para gozar vantagens ou sofrer prejuízos, eu não compreendo, que os accionistas não fiquem representados nos corpos gerentes.
Estabelecendo o princípio da participação no capital, princípio discutível, sobretudo em questões desta natureza de ordem fiscal - pois a participação no capital, representando uma renda que o Estado vai receber, deminue ás possibilidades que o Estado tem de receber grandes rendas fiscais - estabelecido esto princípio, digo, não vejo razão para que se não faça o mesmo que se fez com as companhias de Moçambique e do Niassa, dando ao Estado participação nos conselhos de administração e fiscal.
Parece-me portanto indispensável que a participação do capital corresponda à participação nos corpos gerentes.
Representado o Estado dentro da Companhia dos Fósforos, continuando essa Companhia bem administrada como tem sido e retirando e Estado de aí um rendimento importante, não é natural que os administradores nomeados pelo Estado e que estejam nessa companhia sejam os primeiros a fazer todos os esfôrços possíveis para que outras companhias se estabeleçam e lhe vão fazer concorrência?
Suponhamos que o não conseguem.
Ao lado da Companhia dos Fósforos fundar-se há uma nova companhia e aí temos o Estado com 25 por cento da Cam-
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panhía dos Fósforos e com 25 por cento da nova companhia, isto é fazendo-se concorrência a ai próprio dentro das duas companhias.
Sr. Presidente: nestas condições, parece-me que é evidente que estas razões conduzam ao monopólio da Companhia durante um certo período.
Eu desejo saber se vamos para o monopólio ou se vamos para a liberdade de indústria.
Existo na base A uma disposição que eu não consigo compreender, naturalmente pela pouca lucidez do meu espírito.
O Sr. Rêgo Chaves: - Também eu não compreendo.
O Sr. Paiva Gomes: - Nem eu tampouco.
O Orador: - Folgo de não ser só eu.
Vejamos a base B.
Se o preço médio do ano anterior tiver sido por exemplo de $20, quere dizer que para o ano seguinte é lançado um imposto de 50 por cento, isto é, $10, ficando esse preço estabelecido era $30; no ano seguinte mais 50 por cento e assim, sucessivamente.
Eu sei que o Sr. Ministro das Finanças não reparou no caso, e o meu objectivo ao fazer êstes reparos é o de provocar uma nova redacção que não permita que subsista qualquer dúvida.
Com respeito à base C, estabelece-se que seja de 30$ o imposto por cada acendedor.
Eu posso dizer à Câmara que, se o preço fôr, realmente, de 30$ por acendedor, o Estado não receberá um centavo, porque é preferível correr o risco da multa, como sucede actualmente, do que pagar o imposto.
Devo esclarecer que em França, quando se estabeleceu o imposto por acendedor, foi do 2 francos sôbre acendedores de metal ordinário e de 5 francos sôbre os de prata ou platina.
Vejamos a base D.
Eu não tenho elementos para me pronunciar sôbre êste número.
Não os encontrei nem no relatório da proposta de lei, nem nos pareceres das comissões.
Como se vai fixar êste número?
Não sei se se vai dar à indústria nacional uma tal protecção que impeça a importação; e, então, vamos realmente entrar num regime monopólio que nem, sequer, terá neste caso o correctivo da importação.
Quanto à base E eu pregunto: o exclusivo porquê?
Pois só nós queremos ir exactamente ao encontro do facto do a Companhia não abastecer o mercado, parece-me que quanto mais entidades estiverem habilitadas a importar mais fàcilmente se corrige aquela falta.
De resto, não mo parece que deva estar na mão do Estado o exclusivo da importação, porque êle até agora tem-se mostrado um mau negociante
Sr. Presidente: se o que eu disse sôbre a base 1.ª fôsse aceite pelo Govêrno, quere dizer, se o Govêrno tivesse representação nos corpos gerentes da Companhia e, por consequência, no conselho fiscal, não havia razão para existir junto da Companhia um comissário geral.
Apoiados.
Devo ainda dizer que dou o meu pleno apoio à base G, e parece-me que as condições da base H, relativamente á situação do operariado, não são suficientes.
Se vamos mudar de regime para a exploração da indústria é porque queremos; não devemos, por isso, esquecer o operariado, que está bem empregado, e que ambas as comissões concordam em que tem sido tratado com carinho pela Companhia.
Não é razoável que, nesta época de desemprego, saia daqui uma resolução em virtude da qual êsse desemprego possa ser, aumentado.
É esta a minha opinião a êste respeito, e sei que o Sr- relator da comissão de finanças concorda com ela.
São também estas as observações que desejava fazer.
Se não tivesse o fundado receio de que daqui vinha resultar o monopólio, o se a Câmara não se tivesse pronunciado por uma forma categórica sôbre a necessidade do irmos para a liberdade da indústria, eu procuraria, se me fôsse permitido, colaborar com o Sr. Ministro das Finanças, colaborar com a Câmara, na alteração base A, estabelecendo a forma completa da comparticipação do Estado na exploração da indústria.
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Mas como receio que daqui resulte o monopólio que todos combatemos, não desejo colaborar, e nestes termos vou mandar para a Mesa uma moção que sintetiza aquilo que acabo de dizer.
Sr. Presidente: tenho ainda que dar uma informação à Câmara.
Aqui há anos, quando tive de ir dirigir os serviços da Companhia Insulana de Navegação, fui um dia procurado por alguns directores da Companhia dos Fósforos, que me disseram que para manterem o preço deles nos Açores era indispensável reduzir o custo do seu transporte.
Note a Câmara que estávamos em guerra e tudo tinha, por isso, aumentado, desde o carvão aos salários dos tripulantes; tinha-me, portanto, visto obrigado a aumentar também o preço dos fretes.
Respondi, por consequência, de modo negativo àqueles directores da Companhia, ao que êles me objectaram que então tinham de deminuir a qualidade dos fósforos.
Sôbre êste ponto, respondi-lhes que estava sossegado, visto que supunha que a Companhia não o podia fazer.
Estou ainda convencido de que fósforos piores não é possível fazerem-se; mas, ao menos, que não se deminua a quantidade obrigatória nas caixinhas, nem se aumente o seu preço.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Lê-se na Mesa e é admitida a seguinte moção do Sr. Portugal Durão.
A Câmara, confiando que o Govêrno providenciará de maneira a impedir que a projectada liberdade de fabrico de fósforos resulte num monopólio do facto, quer em benefício da actual companhia quer em benefício de qualquer outra entidade, e que do novo regime não resulte nem aumento nos preços nem depreciação na qualidade, continua a ordem do dia.
6 de Abril de 1925. - A. Portugal Durão.
Para a Secretaria.
Admitida.
O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: podia a V. Exa. para me dizer o que é que está em discussão.
É o corpo do artigo, ou são as bases?
O Sr. Presidente: - Estão em discussão as bases.
O Orador: - Parecia-me conveniente fazer-se a discussão por outra forma, e por isso requeria a V. Exa...
O Sr. Presidente (interrompendo): - V. Exa. não pode fazer requerimentos, senão a palavra para interrogar a Mesa.
O Sr. Carneiro Franco: - Peço a palavra para um requerimento.
O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.
O Sr. Carneiro Franco: - Sr. Presidente: de acordo com as palavras do Sr. Carvalho da Silva, requeiro a V. Exa. que a discussão se faça de forma que se discuta com a base A o corpo do artigo 1.°, e assim sucessivamente.
Posto à votação o requerimento, é aprovado.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): - Sr. Presidente: antes de mais nada, devo pedir desculpa à Câmara de não ter comparecido nas sessões anteriores, em que se discutiu êste assunto.
Sabe a Câmara que essa falta foi devida ao meu estado de saúde, que não permitiu a minha comparência.
Tinha pedido ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros para seguir a discussão, e a Câmara, com a minha ausência, nada perdeu, pois de todos é conhecida a inteligência de S. Exa. e as suas qualidades de trabalho.
Entrando pròpriamente no assunto, respondendo ao Sr. Portugal Durão, tenho a dizer que não posso deixar de considerar o assunto como uma questão aberta, visto que a Câmara já marcou a sua orientação, que é pelo princípio da liberdade do indústria.
S. Exa. mandou para a Mesa uma moção, e na sua primeira parte ela é de aceitar.
Mas pode trazer dificuldades futuras a aprovação da secunda parte.
Isto seria amarrar a indústria dos fósforos a uns limites que não sei se serão proveitosos.
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Como S. Exa. sabe, podem-se apresentar caixas com 100 ou 150 fósforos, e não é justo fixar-se-lhes o mesmo preço das outras.
O Sr. Portugal Durão (interrompendo): - A minha moção era para a mesma unidade, e no momento oportuno eu apresentarei um artigo em que consubstancio essa doutrina.
O Orador: - Bastam as fábricas não serem propriedade do Estado para ou não poder concordar neste momento com a régie que defendeu o Sr. Portugal Durão.
O que é preciso ver bem é que se trata de uma empresa nova e que não tem direitos adquiridos.
Apoiados.
Muito me admirei do meu amigo Sr. Portugal Durão estranhar a doutrina a que pôs reparos.
Devo dizer a S. Exa. e que temos que dar maiores garantias e direitos. Temos que proteger a indústria nacional, senão morrem estas indústrias que os economistas chamam parasitárias.
O Sr. Portugal Durão: - O que eu disse foi isto. Não tenho elementos para poder dizer se êstes 15 por cento são muito ou pouco para o Estado.
Espero que o Sr. Ministro dê à Câmara os precisos elementos para se saber se essa quantia é muito ou pouco. Isto é dar à Câmara os elementos precisos.
O Orador: - Daqui a uma hora poderei ter mais elementos, mas pelos números que aqui tenho, os do mercado inglês, vê-se o seguinte:
Leu.
O mercado sueco dá o seguinte:
Leu.
Isto é, ficava uma caixa de fósforos por $13 e $07.
Independentemente do fabrico, havia a questão do número, de maneira que o que há a estudar é o direito pautai a aplicar para que não se ponha de parte a indústria nacional.
Como V. Exa. sabe, os algodões e os artigos de !ã têm um proteccionismo.
Temos ainda de atender à falta de trabalho, que se está começando a sentir no País, e nós sabemos como é que reclamam aqueles que não têm pão para si e para os seus; não devemos, portanto, deixar de proteger a indústria nacional.
Disse S. Exa. que era necessário definir os direitos das acções privilegiadas. Devo dizer que no momento oportuno mandarei uma nova redacção.
Parece-me que ficará resolvida a objecção apresentada pelo Sr. Portugal Durão.
Pode a Câmara estar certa que se os interêsses do Estado não ficaram melhor acautelados foi porque não sabia fazê-lo melhor.
Acerca da participação do Estado nos corpos gerentes, é conforme as acções que lhe forem dadas.
O Sr. Portugal Durão (interrompendo): -Não é só no Conselho de Administração, mas também no Conselho Fiscal.
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): - Os 25 por cento do capital creio que não garantem a participação do Estado.
O Orador: - Devo dizer ainda que o Conselho de Administração do maneira nenhuma se impõe...
O Sr. José Domingues dos Santos: - Que espécie de sociedade querem constituir para a exploração da indústria dos fósforos?
O Orador: - Por acções ou cotas.
O Sr. José Domingues dos Santos: - Se querem estabelecer a participação do Estado no capital, era conveniente já resolver o caso.
O Orador: - Eu não faço questão disso, mas posso desde já afirmar que eu, Ministro, não deixarei constituir sociedades senão por acções ou cotas.
Sôbre a questão de serem elas constituídas em nome individual ou colectivo, é uma questão de detalhe que a Câmara resolverá, quando se tratar da base própria.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os àpartes não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
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O Sr. Presidente: - Vai ler-se uma base nova mandada, para a Mesa pelo Sr. Presidente do Ministério.
Lê-se na Mesa e é admitida à discussão.
Proponho que a base A seja assim redigida:
"O exercício, da indústria do fabrico de fósforos no continente e ilhas adjacentes é livre às emprêsas ou sociedades respectivas, a actual ou outras que só constituam, que entreguem ao Estado, do seu capital social realizado, 25 por cento em acções ou cotas privilegiadas, com preferência sôbre os lucros até 8 por cento".
Sala das Sessões, 6 de Abril de 1925. - O Ministro das Finanças, Vitorino Guimarães.
Para a Secretaria.
O Sr. Jaime de Sousa: - Sr. Presidente : permita-me V. Exa. que eu comece por lazer uma referência às palavras que pronunciou o Sr. Portugal Durão acerca do regime de qualidade e de preço dos fósforos no arquipélago dos Açoras. Faço já essa referência para não me esquecer.
Sucede que desde a origem do contrato, a venda dos fósforos nos Açores é feita ao mesmo preço que o do continente, mas em moeda local, e isto por duas razões especiais, das quais resulta ser o facto uma regalia dêsse arquipélago que não pode deixar de continuar.
Trata-se dum clima húmido, onde, por isso, os fósforos têm um consumo maior que no continente. Quando êles são de boa qualidade, chegam também lá tam estragados, que a quantidade que se dispende por habitante é muito maior que no continente. Assim, há dupla vantagem para a companhia, e dupla desvantagem para o consumidor de lá, que gasta muito mais dinheiro em fósforos que o do continente.
Isto que o Sr. Portugal Durão não conhecia, foi, com certeza, o que levou a companhia a reclamar aumento de preço para os fósforos nos Açores.
Aqui tem V. Exa. a razão por que essa regalia não pode ser alterada, e é mesmo matéria de regulamentação para que chamo a atenção do Sr Ministro das Finanças.
Os parlamentares açoreanos em nenhum caso podem aceitar qualquer resolução que vise a postergar essa justiça que cabe aos Açores.
Dito isto, e como tenciono daqui a pouco pedir a divisão da moção do Sr. Portugal Durão em duas partes, não levo mais tempo à Câmara sôbre esta matéria.
A redacção dêste artigo não está bem, e por isso mando para a Mesa uma proposta de emenda.
Emenda ao artigo 1.° da proposta de substituição:
Suprimir as palavras: "são livres".
Sala das Sessões, 6 de Abril de 1925. - Jaime de Sousa.
Seguidamente foi lida na Mesa e admitida a proposta de emenda.
O orador não reviu.
O Sr. Paiva Gomes: - Sr. Presidente: começo por manifestar a minha satisfação pela circunstância do já estar presente a esta discussão o Sr. Presidente do Ministério, que por falta de saúde não tem podido comparecer nesta Câmara. Quero crer que se S. Exa. pudesse ter acompanhado os nossos trabalhos, já toda a discussão se teria simplificado muito.
Não há maneira de resolver estes assuntos em moldes rígidos, como aqueles em que esta questão aqui nos foi presente.
Era nem mais nem menos do que um colete de fôrças em que - não por mal, bem sei - ia meter-se o Govêrno.
Eu defendi e defendo a proposta primitiva, que foi a apresentada pelo Ministro das Finanças de então.
É que ela dava ao Poder Executivo suficiente margem para actuar, deixando-o em posse de elementos necessários para a resolução do problema.
Mas as cousas são o que são, e não vale a pena mais reparos, visto que a Câmara já votou e votou a contento do Sr. Ministro.
Lendo-se o artigo 1.°, vê-se:
Leu.
Esqueceram as acendalhas.
É preciso que nós não nos esqueçamos delas, visto que a comissão muito no-las lembrou.
Veja V. Exa. com quanta facilidade amanhã, pelo facto de não estar incluída
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no artigo 1.° a palavra "acendalha", se pode proibir o seu uso.
De resto, nós, procedendo assim, não fazemos mais do que repetir os termos da lei de 1895. Lá se diz: "pavios, palitos e acendalhas".
Mando, por isso, para a Mesa uma proposta de aditamento da palavra "acendalha", entre as palavras "pavios o acendedores".
Proposta
Proponho que no artigo 1.° se intercale a palavra "acendalhas" entre "acendedores e pavios".
Proponho mais que na base A se substituam as últimas palavras pelas seguintes: "entreguem ao Estado 25 por cento do capital empregado no exercício da respectiva indústria".
6 de Fevereiro de 1925. - Paiva Gomes.
Admitida.
A base a) diz o seguinte...
O Sr. Nuno Simões: - Isso já foi modificado.
O Orador: - Mas fica o mesmo na essência. Então que liberdade é esta? V. Exas. para se fabricarem fósforos exigem que formem companhias ou empresas? Ah! Não. Individualmente eu não posso fazer fósforos em minha casa? Então diga-se que fica proibido o fabrico particular de fósforos.
Se os países lucram por vezes com a concentração de indústrias, por constituição de emprêsas ou companhias, quando não sejam demasiadamente gananciosas, porque gananciosas todas elas são e fazem assim prosperar determinadas indústrias, não é menos verdade que se muitas indústrias se espalhassem pelo País, formadas por pequenas companhias, o País, e especialmente certas regiões, também lucravam com isso. Eu também posso querer uma fábrica de fósforos na minha terra, ou pelo menos no meu concelho.
Mando, portanto, para a Mesa uma emenda neste sentido.
Está bem que o Estado exija 25 por cento do capital, sem modalidades. Não se deve exigir que seja capital social. Era bastante mesmo que se eu quisesse montar uma fábrica de fósforos, tendo de declarar o montante do capital realizado ou empregado e não do capital social.
A proposta é lida e admitida.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr, Carvalho da Silva: - Sr. Presidente : a maneira como está decorrendo a discussão desta proposta é, em relação mesmo a todas as outras propostas votadas nesta Câmara, a mais extraordinário que se possa imaginar.
Em boa verdade não sabemos o regime que se quere estabelecer. Tendo-se começado por falar muito em liberdade, vamos caminhando por forma que até há já na Mesa uma proposta para anular a frase "é livre a indústria dos fósforos".
O que se conclui do que se está passando é que é tudo monos liberdade aquilo que se vai votar.
Compreenderia que a Câmara escolhesse um dos três regimes: e da regie, e do monopólio ou o da liberdade.
O da regie, administrando o Estado a indústria, seria absolutamente detestável e a experiência o está demonstrando.
O monopólio franco e abertamente, ou a liberdade, seriam os casos a determinar.
Mas tratando-se da liberdade só tínhamos que esclarecer qual a protecção a dar à indústria nacional em relação aos fósforos importados, estabelecendo consequentemente a sua tributação.
E porventura isto que está em discussão?
Não, Sr. Presidente. Nas propostas que têm sido apresentadas em cada hora se defende um ponto de vista diverso. O próprio Govêrno, que começou por declarar que aceitava a proposta do Sr. Pestana Júnior, encarregou depois o Sr. Tôrres Garcia de enviar para a Mesa uma outra proposta e hoje veio o Sr. Presidente do Ministério apresentar ainda uma outra. E quando estamos a discutir êste assunto ouvimos, o que é de pasmar, dizer ao Sr. Presidente do Ministério:
- Sim; mas isso é uma cousa a estudar depois quando se fizer o regulamento.
Quere dizer: não há uma idea, está-se
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a trabalhar sem uma base, perfeitamente à toa, num assunto desta magnitude.
A proposta do Sr. Pestana Júnior, sendo muito vaga, não trazendo nenhuns dados para esclarecer a Câmara, ainda estabelecia qual a protecção a dar à indústria nacional, fixando essa protecção em 20 por cento.
E claro que tal proposta não era aceitável porque esquecia por completo os interêsses do consumidor, não marcando nenhum preço para a venda dos fósforos e preocupando-se apenas com os interêsses do Estado.
Os amigos do povo, os que dizem que estão ao lado dos explorados contra os exploradores, não atenderam aos interêsses do consumidor, que não podem ser esquecidos nesta questão.
A esta proposta do Sr. Pestana Júnior seguiu-se uma outra da comissão de comércio e indústria, estabelecendo a participação do Estado no capital dessa indústria.
Eu pregunto: quem é que não sabe que esta cláusula significa absolutamente a proibição de qualquer entidade exercer a indústria dos fósforos em Portugal?
Só às sociedades por cotas ou acções é permitida a exploração da indústria dos fósforos, e eu pregunto: "quem é que quere ir sujeitar-se a ser obrigado a ter o Estado como sócio?
E preferível dizerem claramente que querem ir para o monopólio.
Não estejamos com subterfúgios a dizer que queremos ir para a liberdade, quando afinal o que pretendemos é coartar essa liberdade.
Estabelece-se então o princípio da lei de dar 25 por cento do capital ao Estado. É êste o primeiro imposto a lançar sôbre a indústria do fabrico dos fósforos. Não podemos abstrair, ao discutir esta base que é fundamental, o que vem estabelecido nas outras bases, e que o Sr. Presidente do Ministério se encarregou de esclarecer quando falar sôbre a moção mandada para a Mesa pelo Sr. Portugal Durão.
Disse S. Exa.:
"Posso aceitar a primeira parte da moção, aquela que diz destinar-se a evitar a existência de um monopólio de facto".
Isto são palavras; a parte essencial da moção do Sr. Portugal Durão é aquela que se refere à proibição de aumentar o preço dos fósforos, na quantidade ou na qualidade.
Que me importa, que importa ao consumidor que lhe digam que, em princípio, ,se condena ou se luta contra o monopólio de lacto, se vai na proposta ficar não só a permissão, mas quási que a obrigação de aumento do preço dos fósforos?
O que o consumidor quere é que o preço dos fósforos não aumente.
E, Sr. Presidente, as declarações do Sr. Presidente do Ministério, juntamente com as propostas que S. Exa. mandou para a Mesa, são uma confissão clara e expressa de que S. Exa. e o Govêrno não querem outra cousa senão cobrar da indústria dos fósforos uma importância maior, lançando à sombra dela um novo imposto sôbre o consumidor e fazendo assim aumentar um género de primeira necessidade como êste.
Diz o Sr. Presidente do Ministério:
"Este imposto a lançar será correspondente ou não superior a 50 por cento do preço médio dos fósforos no ano anterior, por cada caixinha".
Eu já tive ensejo de dizer, quando discuti aqui esta proposta - e tenho visto confirmada esta opinião pelos Srs. Portugal Durão e Paiva Gomes - que, evidentemente, é uma autorização para que o Govêrno lance no actual ano um imposto de $10 sôbre cada caixinha de fósforos. E previu o Sr. Portugal Durão, e muito bem, que isso agora é assim, nos anos seguintes poderá ser pior.
Se as caixinhas forem para $30 teremos $15, e assim por diante.
Quere dizer, o consumidor ficará, sem garantias nenhumas.
Porque, em vez de se atender nesta proposta, como se atendeu em 95, aos interêsses do consumidor, da indústria e do operariado, só uma intenção houve nela: atender ao interêsse do Estado, fazendo com que êle cobre uma quantia superior àquela que cabe dentro da manutenção dos actuais preços dêste artigo.
Pela proposta de S. Exa., só o imposto a cobrar por esta verba é de 20:000 contos por ano.
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Quero, portanto, S. Exa. ir basear à indústria doa fósforos essa quantia, além da parte que S. Exa. impõe ao capital. Não posso de maneira alguma concordar.
A doutrina da moção do Sr. Portugal Durão é indispensável que fique consignada nesta lei, e eu até desejaria, visto que uma moção não faz parte do texto de uma lei, que fôsse num artigo novo ou em qualquer base que essa doutrina ficasse expressa.
Se nós formos ver o contrato de 1895, em todas as leis e decretos que no tempo da Monarquia foram promulgados, nu série de diplomas de 1891 a 1895, em todos, mas absolutamente todos, está claramente estabelecido o limite máximo do preço dos fósforos,
Então é esta... democracia, é o Sr. Presidente do Ministério que quere, quererá a Câmara, porventura, quererá o Sr. José Domingues dos Santos, "o amigo dos explorados e contra os exploradores" deixar passar nesta casa do Parlamento uma proposta em que não fique claramente estabelecido o preço dos fósforos, pelo qual, ao menos, o consumidor não seja prejudicado, se é que não pode ser beneficiado?
Mas, se juntarmos os 25 por cento do capital, êsse imposto será ainda muito superior.
Paga hoje a indústria pouco, é certo: 1:800 contos.
Mas pregunto se se pode passas assim de um salto, sem fazer um inquérito à indústria, sem se saber o que ela pode pagar, pedir 20:000 contos por ano.
Ainda outro ponto desejo frisar e também para êle gostaria da atenção do amigo dos explorados.
Pela doutrina do Sr. Presidente do Ministério logo na base A diz-se: "O Estado ficará associado a qualquer emprêsa que se forme por acções ou por cotas".
Há então, Sr. Presidente, alguma demonstração mais completa de que a República quere os seus interêsses aumentados e que os coloca acima dos do consumidor?
Quanto mais fôr esfolado o contribuinte - desculpem-me V. Exas. o têrmo - mais ganhará o Estado.
Tem aí o Estado uma maneira, uma vez adoptado êste principio, de lançar impostos sôbre impostos sôbre o consumidor, sem que êle o perceba, e lançando o odioso sôbre as entidades que explorarem a indústria dos fósforos.
Haja, portanto, Sr. Presidente, a coragem de dizer: o que nós queremos é a continuação do monopólio, contanto que nós exploremos de sociedade o consumidor.
E são êstes os amigos do povo!
E são êstes os que dizem estar ao lado dos explorados contra os exploradores!
V. Exa. Sr. José Domingues dos Santos, não há dúvida que está demonstrando bem que se encontra ao lado dos explorados contra os exploradores.
O Sr. José Domingues dos Santos (interrompendo): - O que eu não estou é ao lado da expio ração que V. Exa. está fazendo.
O Orador: - Ainda bem que V. Exa. diz que vai falar, para vermos até que ponto vai a sua liberdade. Vamos a ver se V. Exa. defende o princípio de que qualquer indivíduo não tom o direito de instituir o fabrico do fósforos em Portugal e que só sociedades por cotas ou por acções o poderão fazer.
Vamos a ver também se V. Exa. não quero que fique aqui consignado o preço máximum do custo dos fósforos.
Sr. Presidente: êrro, e êrro grande é o de supormos que a indústria dos fósforos é uma daquelas a que o Estado pode ir buscar largas receitas. Não é esta indústria de molde a permitir que o Estado se livre do aflições lançando sôbre ela impostos sôbre impostos.
Pode, é facto, tirar dela algum resultado, mas não sobrecarregando o público com isso.
O Sr. João Camoesas (Interrompendo): - Foi a Monarquia que inaugurou êsse sistema de impostos.
O Orador: - A Monarquia cobrava, em 1891, 190 contos de impostos sôbre as fábricas do fósforos.
Porém, em 1892, como a indústria dos fósforos atravessava uma crise gravíssima, devido a existirem 69 fábricas no País, e, porque as reclamações dos operários eram enormes, a Monarquia, aten-
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dendo a que essa indústria não podia viver com as dificuldades que tinha, abriu um concurso para o exclusivo da indústria de fósforos.
Êsse concurso ficou deserto por duas razões. A primeira, porque o prazo do concurso era apenas por 12 anos; a segunda, porque o limite estabelecido para a renda era de 260 contos, até ao fabrico de 500:000 caixinhas, e por cada 1:000 grosas além do fabrico, teria de pagar.
A Monarquia ainda tentou, sem qualquer sombra de monopólio, fazer a concentração da indústria, e assim estabeleceu uma avença colectiva, determinando que a importância a cobrar seria de 260 contos. Desta medida não resultou qualquer efeito, a produção ia deminuindo cada vez mais, e só em 1895 é que o Estado, depois de ter feito todos os esfôrços possíveis para não conceder o exclusivo, se resolveu a abrir novo concurso. Mas quando o fez atendeu aos interêsses do Estado, da indústria, dos operários e do consumidor pela seguinte forma:
O concurso foi aberto em hasta pública, e estabeleceu um mínimo de renda que era precisamente a mesma verba que o Estado já cobrava por avença colectiva sôbre as fábricas de fósforos.
Já V. Exas. vêem que não foi a questão financeira que levou a Monarquia a conceder o monopólio, mas unicamente salvar a indústria, que dia a dia ia decaindo.
Mas, Sr. Presidente, como V. Exa. vê, teria de pagar 347$ por cada 1:000 grosas que tos sem fabricarias a mais de 750:000 caixinhas.
Não foram lançados novos impostos, e com. relação ao consumidor o Estado estabeleceu o preço de venda, não permitindo que a entidade que ficasse com o exclusivo o aumentasse.
O Estado recorreu a êsse processo, porque não havia forma de a indústria nacional se sustentar, mas não descurou os interêsses do consumidor.
Com relação aos operários, estabeleceu também condições de garantia, conforme a base 16.ª
O cuidado foi até ao ponto de, existindo fábricas de isca que acabavam por êsse contrato, o adjudicatário era obrigado a aceitar os respectivos operários nas suas fábricas, com o mesmo salário que recebiam.
Mas, Sr. Presidente, o critério defendido pelo Sr. Presidente do Ministério é de tal ordem, que verificamos o seguinte:
Quando em 1895 se estabeleceu o contrato para os fósforos, estipulou-se a renda de 280 contos, ao passo que para os tabacos nessa altura a renda era de 4:500 contos. Quere dizer, era sensivelmente de 18 vezes mais a renda dos tabacos.
Imagine V. Exa., Sr. Presidente, que, se o Sr. Presidente do Ministério conseguisse fazer vingar o sou critério, era necessário que os tabacos pudessem dar 400 000 contos.
Eu pregunto à consciência de V. Exas....
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): - Mas o que têm os fósforos com os tabacos?
O Orador: - Estou estabelecendo a comparação, Sr. Velhinho Correia.
V. Exa. compreende que, se se pretende que os fósforos dêem 20:000 contos, £ quanto se há-de exigir aos tabacos?
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): - Mas V. Exa. não conta com a elasticidade e com a produção.
O Orador: - Então V. Exa. entende que os fósforos, que representam um artigo de primeira necessidade, têm mais elasticidade que os tabacos?
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): - Eu o que digo é que os fósforos nada têm que ver com os tabacos.
O Orador: - Então nós não podemos estabelecer a comparação entre os dois valores?
Sr. Presidente: a prova de que as contas feitas pela Monarquia estavam certas é que a própria proposta do Sr. Pestana, Júnior aceitou como bom o valor dado ao exclusivo dos fósforos em 1895.
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): - V. Exa. não pode deixar de considerar o esfôrço da opinião pública nessa ocasião, em que bastante interveio o Partido Republicano Português.
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O Orador: - Está V. Exa. enganado, V. Exa. está, estabelecendo uma confusão. Eu estou a referir-me a 1895, e V. Exa. está tomando como ponto de referência o ano de 1907.
De resto, o Sr. Tôrres Garcia, no seu relatório, diz que foi uma especulação política.
Querem dizer a palavra "monopólio", mas não lhos chega a coragem para a proferir.
Porque falam aqui em liberdade, quando deviam dizer; "não quero outra cousa senão o monopólio"?
Apoiados.
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): - V. Exa. sabe que urna sociedade em comandita não pode exercer a industria bancária.
Só uma sociedade anónima o pode fazer.
Contado não deixa de haver liberdade na indústria bancária.
O Sr. Morais Carvalho (interrompendo): - A indústria bancária não é uma indústria livre, e agora muito menos, depois da lei ditatorial...
O Orador: - Estão arranjadas as indústrias se o Estado lhes fixar as directivas. Será o mesmo que dar-lhes a directiva na falência, como o próprio Estado.
Apoiados.
Mas de resto estou ansioso por ouvir a opinião de V. Exa., Sr. José Domingues dos Santos, que tem andado pelos comícios a dizer, como o disse naquelas cadeiras, que quere defender o consumidor, porque é contra as explorações que lhe são feitas.
O Sr. José Domingues dos Santos (àparte): - Nessa exploração é que eu não vou.
O Orador: - Quem vai na exploração são os explorados em que V. Exa. fala.
O Sr. José Domingues dos Santos: - Estou mais uma vez ao lado dos explorados contra a exploração que V. Exa. pretende fazer.
O Orador: - O que estou fazendo é a apreciação à atitude de V. Exa., que, demais a mais, só o projecto em discussão sôbre os fósforos fôr aprovado, terá de andar às escuras pelas ruas de Lisboa, o que é perigoso pelo que possa acontecer nessas condições.
Mas isto é espantoso!
Pretende-se também por esta base, e é esta a republicanização das indústrias apregoada, que esta indústria dos fósforos tenha representantes do Estado; e isto é o mesmo que dizer que muito bons republicanos, políticos republicanos muito bons, vão ocupar lugares na administração dessas fábricas.
Talvez isso tenha uma vantagem, e sabe V. Exa. qual é?
É que quando se voltar a falar em fósforos não haja esta espantosa o incrível falta de cuidado com que se está discutindo êste assunto.
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): - Mas na Monarquia o Estado não tinha comparticipação em nenhuma empresa?
É novo isto?
O Orador: - Quando concede um monopólio pode o Estado ter comparticipação, ser interessado nos lucros duma sociedade.
Mus uma exploração livro; uma exploração que se diz livre, querer o Estado arrogar-se o direito de exigir a comparticipação, uma percentagem, é inaceitável.
Isto, Sr. Presidente, é a negação da própria liberdade.
Um àparte do Sr. José Domingues dou Santos.
O Orador: - Sr. Presidente: eu compreendo que alguém, tendo ao menos a coragem das suas opiniões, venha para aqui dizer como o Sr. Portugal Durão:
"Não me assusta o monopólio, nem a régie.
Nada disso me causa receio. Nós, os republicanos, nunca fomos contra os monopólios; o que fomos foi contra a maneira de os fazer".
E, assim, já chegámos a mais esta conclusão: os republicanos não são contra os monopólios.
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Posto isto, Sr. Presidente, creio ter dito o bastante acerca dêste assunto, ficando assente o seguinte: O Sr. Presidente do Ministério, pelas suas próprias palavras, acaba de confessar que o Estado o que procura é tirar da indústria dos fósforos uma maior receita, aumentando o preço, explorando o consumidor. Desde que assim é, desde que apenas existe o critério fiscal e que o Sr. Presidente do Ministério declara que tudo fica para se estudar depois, nós, os Deputados dêste lado da Câmara, lavramos o nosso mais indignado protesto contra a maneira como decorre esta discussão, o qual reputamos absolutamente prejudicial, tendo certamente a mais desastrada solução.
Não queremos nisto a menor responsabilidade.
Temos feito o possível para que a Câmara resolvesse a tempo e bem, mas vemos que, afinal, ela resolverá muito mal e fora de tempo.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem os apartes foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. António Maria da Silva (para um requerimento): - Sr. Presidente: requeiro a prorrogação da sessão até finalizar o debate.
O Sr. Presidente: - Se a Câmara aprovar o requerimento do Sr. António Maria da Silva, creio que satisfarei o desejo de todos interrompendo a sessão às 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente : queria pedir ao Sr. António Maria da Silva que harmonizasse o seu requerimento com a disposição regimental, que não permite que uma sessão seja prorrogada por mais de um dia, visto que para cada dia tem de ser marcada uma sessão..
Amanhã tem de haver uma sessão que não pode ser a de hoje, e, assim, é indispensável marcar a hora a que termina esta sessão que se pretende prorrogar.
O orador não reviu.
O Sr. António Maria da Silva (sobre o mudo de votar): - Sr. Presidente: procurando harmonizar o meu requerimento com o que acaba de ser exposto pelo Sr. Carvalho da Silva, suponho que V. Exa. poderá marcar um limite máximo para a prorrogação da sessão, digamos 2 ou 3 horas da manhã.
O Sr. Presidente: - O Sr. António Maria da Silva requere a prorrogação da sessão para continuação do debate.
Os Srs. Deputados que aprovam queiram levantar-se.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está aprovado.
O Sr. Ribeiro de Carvalho: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2 ° do artigo 116.° do Regimento.
Procede-se à contagem.
O Sr. Presidente: - De pé não está nenhum Sr. Deputado. Sentados 56.
Está, portando, aprovado.
O Sr. João Camoesas: - Sr. Presidente: qualquer das modalidades que foram presentes à nossa apreciação, sob a forma da base 1.ª da proposta em discussão, contém a restrição do exercício da industria dos fósforos a determinadas emprêsas, e, ao mesmo tempo uma acentuada protecção ao exercício dessa indústria no sentido de evitar a concorrência estrangeira.
Temos, pois, dois sistemas de proteccionismo, um de delimitação à concorrência interna, outra de delimitação à concorrência externa.
Qualquer das modalidades representa tipicamente um privilégio, muito embora se não queira dar êsse nome.
De todas elas, porém, a mais liberal é ainda aquela que se contém na proposta do Sr. Pestana Júnior, mas essa mesmo, pelo seu proteccionismo pautai tendente a garantir ao Estado uma determinada renda, essa mesmo não é inteiramente liberal.
A meu ver, seria esta a melhor forma de se beneficiar toda a população portuguesa, permitindo lhe obter uma mercadoria que é indispensável à vida por um preço quatro ou cinco vezes inferior ao que se obterá com essa medida.
Mas infelizmente o que eu vejo é que todas as propostas que se têm apresentado, e que se encontram em discussão,
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todas elas pretendem estabelecer um regime de proteccionismo, isto é, um regime de monopólio do lacto, regime êste que só se pode levar a efeito com o emprego do grandes capitais.
A meu ver, Sr. Presidente, os organismos industriais tom um fundo educativo que seria necessário aproveitar na indústria dos fósforos; porém isso só se poderia obter só a Câmara aprovasse a proposta que tive a honra de mandar para a Mesa.
Tal não se fará, estou corto, e assim digo e repito que estamos logicamente em face de um verdadeiro monopólio.
Eu bem sei que as condições financeiras do Estado fazem com que o Govêrno se não possa desinteressar do rendimento das receitas com que essa indústria possa contribuir; porém o meu desejo seria que se adoptasse o verdadeiro princípio organizando a ligação do capital e do trabalho, estabelecendo uma política scientífico-democrática, como se faz lá fora, princípio êste em que se baseou o regime republicano, em que se baseia a República Portuguesa.
Já quando se discutiu a generalidade, eu disse que as explorações industriais tem também uma função educativa.
Se fôsse adoptada a forma que expus aqui, todas as considerações que o Sr. Carvalho da Silva fez há pouco, e com certo fundo de justiça, assim o reconheço, pois nunca me deixei cegar perante a verdade por quaisquer facciosísmos, cairiam pela base.
Entendo que as questões dos fósforos e dos tabacos, postas hoje diante do Govêrno republicano, são da maior importância.
Essas duas indústrias são daquelas que sendo exploradas em regime de exclusivo, são de êxito económico assegurado, e por consequência permitem uma imediata adopção das regras da democracia industrial, sem suscitar nenhuma espécie de riscos.
Já no outro dia me referi ao sistema da utilização profissional americana, e disseram-me que êsse sistema era bom para a América, mas não para Portugal, que tem uma população agrária inculta.
Isto mostra um desconhecimento completo da cultura da mão de obra americana.
No ano de 1914...
O Sr. Presidente (interrompendo): - V. Exa. deseja concluir o seu discurso ou ficar com a palavra reservada para a sessão nocturna?
O Orador: - V. Exa. determinará o que fôr melhor paro a ordem dos trabalhos.
O Sr. Presidente: - Então liça com a palavra reservada?
O Orador: - Sim, senhor.
O Sr. Presidente: - A sessão reabrirá às 21 horas e 30 minutos.
Está suspensa a sessão.
Eram 19 horas e 3ó minutos.
O Sr. Presidente (às 22 horas e ã minutos): - Está reaberta a sessão.
O Sr. João Camoesas: - Sr. Presidente: há pouco para combater o argumento de que as experiências de democracia industrial não eram adaptáveis no nosso país e só tinham sido possíveis na América do Norte, que conta com uma população em condições de cultura superiores aos trabalhadores portugueses, dizia eu que uma das maiores experiências que no mundo inteiro se tinha feito era a de Kockefoller, no Colorado.
Efectivamente essa exploração era constituída nos termos que vou ler.
O estado do espírito desta população operária o das respectivas direcções nas vésperas do se pôr em prática esta experiência era o seguinte: em 1914 rebentou uma greve. Os operários fizeram explodir uma mina, morrendo dentro dela os engenheiros e os operários que não tinham aderido à greve. A polícia da região ceifou a tiros de metralhadora os mineiros, encontrando mais tardo mortos sob as tendas mulheres e crianças.
Êstes factos impressionaram tam profundamente o Parlamento americano que êste nomeou uma comissão para investigar das causas dêsses homicídios.
Rockefeller fez investigar scientificamente por um notável canadiano, especialista em estudos sociologistas, as causas do conflito.
Rockefeller fez essa investigação e propôs a adopção do constitucionalismo industrial, dando representação aos opera-
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rios com a sua carta constitucional à mina, carta do direito operário com os seus orgões locais ou comités, ou conselhos locais com o seu Parlamento anual.
Quando chegou a comissão parlamentar que fora nomeada em 1914 encontrou o sistema já em execução, e o seu relatório é francamente encomiástico para o estado em que estavam as relações entre operários e patrões.
Em 1922 Rockefeller publicou um artigo em que fazia a defesa do seu sistema de persistência e em que denunciava os resultados que tinha obtido em 5 anos.
Mas a representação do operariado na exploração industrial, mesmo por meio de conselhos, não nasceu na América, nasceu na Europa.
Não cito, porque não merece a pena, a experiência nacional que se fez em França a seguir à revolução, porque essa experiência terminou com a fase revolucionária.
Em todos os concelhos germânicos o sistema dos conselhos patronais existiu e desenvolveu-se largamente.
A Holanda, a Bélgica e a Inglaterra, em explorações que podia citar, adoptaram também o sistema dos conselhos de operários. Refiro-me à fase em que essa instituição era patronal e voluntária.
Na América do Norte essa experiência é relativamente recente e uma estatística publicada demonstrava a existência naquele país de 250 estabelecimentos que haviam adoptado o sistema de representação dos operários.
Não foi só Rockefeller que fez a aplicação dêsse sistema; fê-lo, assimilando as regras adoptadas nos Estados Unidos da América do Norte, o Sr. John.
Mas além dessa fase americana, existe uma outra em que há a intervenção do Estado.
Logo em 1890 apareceu no Parlamento um extracto de um projecto estabelecendo o regime obrigatório dos conselhos operários.
Na França apareceu um projecto de lei igual em 1900, e na Inglaterra desde 1912 a 1913 existiu o sistema de conselhos mixtos de operários e patrões para regulação dos salários.
Em 1918, por proposta do Ministro da Reconstituirão Nacional, foi votada uma lei generalizando a todas as indústrias o sistema dos conselhos operários. Essa lei sofreu uma forte oposição por parte do operariado organizado inglês, no em tanto a experiência demonstra que existem hoje muitos conselhos em exercício, e os próprios trabalhistas, pela pena e pela palavra dos seus doutrinários mais representativos, reconheceram que êsse sistema significa alguma cousa de bom.
Na Alemanha a constituição de 1918 estabelece no artigo 165.° o mesmo tratamento para todas as indústrias alemãs.
E a lei de 4 de Fevereiro de 1920 que regulamenta nesta parto o artigo 165.° da Constituição.
O Sr. Marcel Berthelot, adido à legação francesa de Berlim, para o estudo de questões comerciais, vendo a história da instituição dos conselhos e es fenómenos e os factos a que esta deu lugar, declarou num seu estudo considerar essa experiência de resultados favoráveis para o desenvolvimento industrial.
Tem leis no mesmo sentido o Grão-Ducado do Luxemburgo, Bélgica, Techeco-Slováquia, Noruega, Suécia, e estava pendente o ano passado uma lei idêntica do Parlamento japonês.
De maneira que sem nenhuma espécie de exagero eu posso concluir que a instituição de conselho dos operários, dando uma voz ao trabalhador no estabelecimento de condições que regulam a sua própria vida, dando uma voz em igualdade de circunstâncias às classes trabalhadoras, ao Estado e aos capitalistas, colocou todos em condições de poderem colaborar no desenvolvimento industrial. Êste facto, repito, Sr. Presidente, é uma tendência geral da organização industrial no mundo inteiro.
Efectivamente a revolução industrial teve uma fase nos fins do século XVIII e princípios do século XIX em que os Governos deixaram inteiramente livre a organização das explorações industriais.
Foi a época em que dominou e venceu o chamado liberalismo da Escola de Manchester, a chamada atitude governamental de deixar ir e deixar fazer.
Êsse absolutismo liberal produziu consequências de tal ordem para a Inglaterra, ocasionou morticínios tam grandes, sobretudo em mulheres e crianças, que uma história da Inglaterra, referindo-se a êsse período, diz que uma criança de qua-
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tro anos era considerada apta para ganhar a vida.
Ocasionou um acréscimo tamanho do pobreza e miséria, ocasionou uma tam profunda mortalidade, que dos sectores da política uma grande campanha se levantou em defesa da vitalidade da população inglesa.
Dominou essa campanha e, ao cair da primeira quarta parte do século passado, os Governos voltavam à atitude anterior de intervenção na regulação das condições da vida industrial.
Ao mesmo tempo começava a aparecer o a afirmar-se uma fase da defesa das classes trabalhadoras, e a vida industrial converteu-se numa guerra sem tréguas, numa sucessão de lutas, como é do conhecimento de V. Exas.
Assim as próprias condições do desenvolvimento industrial obrigaram à adopção duma atitude igualitária de todos os factores de exploração que em toda a parte do mundo se definem.
A democracia industrial não é por consequência uma doutrina apenas.
E uma situação do facto, que pode dizer-se universal, porque a encontramos praticada em toda a parto do mundo com as mais variadas raças.
Ela assumo por consequência a generalidade duma regra fisiológica.
Pode dizer-se que a democracia industrial em todos os países que não estão preparados para, à maneira da Rússia, realizarem a sociabilização dos estabelecimentos de consumo e produção, os países que não adoptam, não querem mesmo, mais francamente, o doutrinarismo do iniciador do socialismo scientífico, que não aceitam os fundamentos da doutrina marxista, a doutrina social é a situação de facto.
Contra ela, encontramos nas várias escolas doutrinárias apenas os socialistas, e a favor dela encontramos os que até ao começo do último quartel do século passado representavam a chamada corrente liberal, aqueles que tinham na Inglaterra, na América, na Alemanha e na Áustria a representação doutrinária o política que aqui tinha o Partido Republicano Português.
Êsses que defendiam a liberdade, que eram contra o despotismo de baixo ou de cima, que queriam um conjunto de condições sociais que permitissem o livre desenvolvimento da aptidão individual, êsses partidos políticos encontram-se hoje na defesa da doutrina industrial.
É por isso que eu disse o outro dia que era preciso, quando invocávamos a tradição e a coerência, que nos lembrássemos que não devíamos invocar uma coerência do forma porque a forma como, se realizam as doutrinas, variam com as condições do ambiente.
E ao passo que há vinte e cinco anos, em Portugal, a forma de defesa da liberdade era a defesa da Escola do Manchester, hoje a forma de fazer a defesa dêsses princípios disse como se verifica na discussão do monopólio dos fósforos, na discussão dos projectos que temos pendentes da nossa aprovação em que eu considero como a mais liberal a proposta do ex-Ministro Sr. Pestana Júnior, que ainda assim contém de facto um ataque à liberdade, porque estimulando a indústria, com um direito pautai proteccionista, cai no monopólio, anula a concorrência estranha e essa indústria no regime de liberdade era quem dominaria o mercado interno.
Todas as companhias que viessem a constituir-se tinham que formar se depois tem condições económicas que as impossibilitava de concorrer, e essa proposta liberalíssima era nem mais nem menos do que o reconhecimento do monopólio de facto, a favor da Companhia actualmente constituída, da qual o Estado não compartilharia.
O Sr. Viriato da Fonseca (àparte): - As teorias que V. Exa. acaba de expandir também as respeito, mas simplesmente na aplicação é que precisamos de escorar pela oportunidade.
O orador não foi ouvido nesta altura.
Entre as várias fábricas que eu visitei, conta-se uma do tecidos com uma oficina onde trabalhavam 467 operários.
Sabe V. Exa., Sr. Presidente, quantos portugueses havia na população dessa oficina?
465. Apenas dois não eram portugueses, uma rapariga e um rapaz; e o chefe da oficina a cargo de quem estava a direcção do trabalho era também português.
Entre os operários vi pessoas conhecidas cá de Portugal, onde ocupavam situa-
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ções diferentes, como por exemplo um antigo oficial miliciano, e admirei-me de os ver trabalhar a todos com desembaraço, com o ritmo da velocidade, e perguntando ao engenheiro director dessa oficina a sua opinião sôbre a mão de obra portuguesa, êle declarou-me que era a mais disciplinada, a mais sóbria do todas as nacionalidades que forneciam população para êsse contingente.
Uma voz: - Falta-lhes o capital, falta-lhes a cabeça.
O Orador: - Não sejamos taro. pessimistas em relação à apreciação dos portuguezes, como eu vejo serem certos Srs. Deputados.
O que Portugal não pode continuar a ser é uma organização industrial com a forma duma concentração capitalista, fazendo com que a administração não seja exercida pelos mais aptos, pelos mais capazes, mas pelos que se subordinam mais fàcilmente, tornando extensivo o caciquismo eleitoral à vida económica do País, como se verificou na assemblea do Banco de Portugal, em que, como declarou o Sr. Dr. Caeiro da Mata numa carta dirigida ao Século, para a direcção são nomeados não os mais hábeis mas os mais obedientes.
A nossa vida económica está entregue a uma espécie de campanário de interêsses parasitários, e é necessário implantar as regras da democracia industrial que dão cabimento a cada um na medida do seu valor, e põe o capital, o Estado e o operário em condições igualitárias, em que não se verifica a autocracia do capital sôbre o Estado e o operário, do Estado sôbre o capital e o operário, ou do operário sôbre o Estado e o capital.
E eu sou tam imparcial na defesa dêstes princípios puros, quanto é certo que para mim o mal não é a existência do capital, pois o capital apareceu sempre em todas as civilizações, é uma consequência, uma fatalidade da própria permanência da civilização. Eu não sou anti-capitalista, sou pela regulamentação das formas da aplicação do capital.
Àparte.
O Orador: - Eu não estou a citar teorias, cito factos.
Eu já citei as regras da democracia industrial que existem lá fora, que é contrária aos princípios fundamentais do próprio regime político em que vivem. Na libérrima América, na imperialista Alemanha, na Bélgica, na Suíça e outros países encontra-se êste desenvolvimento industrial.
Sr. Presidente: há muitos patrões que consideram o operário não como um homem, mas como uma criança grande que precisa quem o guie.
Contra essa doutrina protesto, porque é inteiramente falsa.
O operário português, que eu vi trabalhar em condições excepcionais em vários países do mundo, têm todas as virtudes do trabalhador italiano e não possui muitos dos seus defeitos; o operário português, se porventura tem por vezes uma atitude que muita gente imagina perturbadora, não é da sua responsabilidade, porque se encontra em condições tão odiosas que naturalmente tem de reagir, e quando reagir a responsabilidade não é dele é de quem não sabe organizar a indústria portuguesa, quem não tem capacidade para a dirigir, e o que nós vemos é que quem dirige a nossa indústria em geral, não está só à testa duma indústria mas sim ao mesmo tempo é membro do conselho de administração dum banco, duma companhia de navegação. Emfim, tem seis, sete ou oito lugares de administração, e não há hoje nenhum país civilizado que nos tome a sério, que saiba que um dos homens mais super-homens da nossa vida industrial, que é ao mesmo tempo membro de quatro emprêsas, quando só uma lhe dava trabalho bastante.
Deixem-se êsses que julgam que o operário é a eterna criança, que é incapaz de actuar; queixem-se êsses da situação não dos operários, mas de quem os dirige, porque eu vi na América do Norte quanto vale o operário português que trabalha sob a direcção de americanos.
E nós temos condições excepcionais para a realizar porque a Banca Portuguesa trabalhou de tal forma que afastou de si os depositantes, e hoje a nossa maior instituição é a Caixa Geral do Depósitos.
Por consequência, defendendo eu as minhas doutrinas, pura e simplesmente, defenderei também a fórmula que está
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contida no meu contra-projecto, isto é, que seria o próprio Estado que financiaria, por intermédio da Caixa Geral de Depósitos, todas as operações da vida industrial.
Diz-se que não é possível trabalhar assim em Portugal.
Com os mesmos argumentos ou posso asseverar que é possível.
Eu, que tenho um conhecimento relativamente considerável do operariado português, eu, que estive sempre em contacto com o nosso operariado o até com os trabalhadores portugueses, desde o tempo da Monarquia, exactamente para poder possuir uma melhor objectiva de fiscalizar as suas qualidades, eu, que tenho visto trabalhar o nosso operariado, eu, que tenho um conjunto de observações que não tenho valor scientífico têm, no emtanto, valor de determinação para mim, posso afirmar que os operários portugueses estilo em condições de realizar desde já a democracia industrial, sobretudo nos termos em que ela está preconizada nas bases do contra-projecto que tive a honra do mandar para a Mesa.
Êsse contra-projecto foi organizado de acordo com os conhecimentos anteriores do seu autor, os quais, se não são muitos, são, no emtanto, especializados na matéria.
Na base 1.ª do meu contra-projecto verifica-se que a divisão do trabalho estabelecida entre os três factores da exploração não é arbitrária nem fantástica. O Estado tom como atribuição nesse tipo de organização industrial o contabilizar a exploração;
E o Estado, que se tem mostrado em toda a parte um mau patrão, mostra-se em toda a parte um bom contabilista.
É da história da boa contabilidade que ela nasceu pública e que, ao contrário da indústria, foi do Estado para o particular.
O Estado tem mostrado em todos os países que é susceptível de ser um bom contabilista.
E assim, Sr. Presidente, evitar-se-ia a confusão dos funcionários do Estado sem funções definidas, os comissariados por delegados por parte do Govêrno junto das companhias, que custam muito mais caros do que, amanha, os contabilistas, que podem até ser pagos pela própria administração.
E, portanto, muito mais barato o eficaz o sistema que eu preconizo, porque se que pode um homem fiscalizar se não tiver a contabilidade, que é o registo diário dos actos da vida de uma empresa?
Pela contabilidade tem-se a maneira de saber como tudo se fez; e não a tendo, por muito honesto que seja, por muito que abra os olhos, não o pode sabor.
E, portanto, é muito mais moral êste sistema que eu defendo.
E, assim, Sr. Presidente, libertar-se-ia a República desta onda de suspeições que sôbre ela passa, por a verem misturada com uma indústria que vive à custa dos favores do Estado e à custa da exploração do povo.
E qual é a função que está depois destinada aos operários? O que vão fazer os conselhos de operários?
Vão intervir na vida administrativa dessas emprêsas.
Todos os operários tom de ser ouvidos obrigatoriamente no estabelecimento de todas as condições da vida industrial, condições de higiene, etc.
E reparem V. Exas. que eu fui tam cauteloso que lhes não dei, como a Inglaterra, a Alemanha e a América, o direito de fixarem os próprios salários.
Dou-lhes apenas o direito, enquanto não se exercitarem, para assim se elevarem, de serem consultados no estabelecimento de todas as condições que possam influir na vida industrial.
Dou-lhes ainda o direito de procurarem realizar as chamadas obras do bem-estar social, como caixas do socorro, cozinhas, emfim, todo o conjunto de condições necessárias do bem-estar do operariado.
Em que é que o ensinamento dêsse sistema, dêstes processos, pode pôr em risco o êxito económico, a segurança da exploração, quando já hoje os operários se sentam junto de nós na administração de organismos, como lactários, associações, juntas de paróquia, etc.?
Então êles não são capazes também de administrar as escolas e as cantinas que lhes cabem nas fábricas?
Se nós formos a aprovar a proposta do Sr. Ministro das Finanças actual ou do Sr. Ministro das Finanças anterior, vamos fazer uma obra contraditória com as tendências da evolução da indústria no
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mundo inteiro e contra os princípios fundamentais do próprio regime político em que estamos.
Depois, Sr. Presidente, existem hoje preceitos de organização de trabalho a que já no outro dia aludi e a que tenho de aludir neste momento.
A execução técnica das operações industriais foi motivo de uma série de 30 anos de estudos, em virtude dos quais foram adoptados tipos do execução que já não são doutrinas, porque têm anos e anos de prática; são verdadeiras realizações.
Já outro dia me referi ao sistema de Taylor, e nessa altura fui interrompido pelo Sr. Tôrres Garcia.
Eu tive necessidade de me meter um pouco no assunto para provar que entre o Tayolismo, que é a aplicação do princípio da divisão do trabalho à direcção administrativa, e o Taylorismo, que é a aplicação do mesmo princípio à direcção técnica, havia uma grande diferença.
Fizeram-me também outro dia duas objecções, que eu acho muito curiosas, principalmente a primeira: que o operário português não tinha a cultura necessária para aplicar o sistema Taylor, que o operário português não podia adaptar-se ao Taylorismo porque a sua psicologia é rebelde a êsses processos de organização do trabalho.
A experiência mostra que a mão de obra português a se adapta a essa educação e especialização para realizar as funções industriais que são necessárias.
Efectivamente, disse-o outro dia, e V. Exas. podem-no ver em todos os livros, que o Taylorismo partia do princípio que era uma convicção arraigada de que o operário por si não era capaz de encontrar as atitudes mais económicas na função do trabalho, e que é preciso dotar a organização industrial com um corpo de inventores dos processos de trabalhar e com um corpo de educadores que garantam a prática dessa técnica.
Ora, Sr. Presidente, estamos exactamente perante o sistema de organização do trabalho, que não precisa que o trabalhador seja uma alta mentalidade, que tenha uma elevada cultura, porque há um organismo permanentemente encarregado de o ajudar, de o encaminhar e realizar o pensamento que êle tiver.
E esta uma das razões por que o sistema de Taylor foi combatido em quási toda a parte do mundo.
Vê V.. Exa., Sr. Presidente, que se realizarmos o sistema da democracia industrial, impondo a adopção aos organismos em que o Estado tiver a acção do sistema de organização scientífica do trabalho, melhorado pelas correcções que lhe foram introduzindo, tanto na América, como em outras partes do mundo, nós temos assegurado um sistema de funcionamento de explorações, a que podemos chamar régie.
Fala-se para depor contra a régie nos Transportes Marítimos do Estado.
Sr. Presidente: está presente nesta casa do Parlamento o Sr. Portugal Durão, que dirigiu os Transportes Marítimos na sua primeira fase.
E durante a gerência de S. Exas. os Transportes Marítimos deram lucros.
Argumenta-se que essa exploração teve depois consequências funestas porque foi realizada nesse período anormal do preço do frete.
E uma maneira de argumentar.
Mas o que é verdade é que durante a sua gerência essa experiência foi eficaz, deu rendimentos.
E foi depois, quando vieram os moralizadores seguidos pelos correligionários do Sr. Carvalho da Silva, que hoje anda sempre a gritar contra os Transportes Marítimos do Estado, quando vieram os sidonistas, seguidos no alto da Rotunda pelos correligionários do Sr. Carvalho da Silva, que os Transportes Marítimos começaram a dar prejuízo.
E não vimos, Sr. Presidente, que o Sr. Carvalho da Silva, que aqui teve assento durante o Parlamento sidonista, e que pela boca do Sr. Aires de Ornelas disse que vinha para uma atitude patriótica de colaboração, aqui tivesse protestado contra o afastamento do Sr. Portugal Durão.
O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): - Já o Sr. Sá Cardoso aqui declarou que, quando foi Govêrno, ainda não tinha essas irregularidades.
Já V. Exa. vê portanto...
O Orador: - Eu não censurei V. Exa. por não ter protestado contra essas irregularidades.
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Eu é que tenho autoridade para me referir à administração dos Transportes Marítimos do Estado, porque protestei a tempo.
V. Exa., tinha voz no Parlamento, é que devia ter increpado o sidonismo por ter tirado do lá o Sr. Portugal Durão.
Portanto, V. Exa. é tam responsável como os outros.
E já não quero invocar responsabilidades, porque alguns dos responsáveis nos Transportes Marítimos são monárquicos.
Essa cantiga dos Transportes Marítimos, quando os responsáveis são quási todos monárquicos, é como a questão das fôrças vivas.
Foram estas que fizeram a pletora do funcionalismo pela nomeação do funcionários para o Ministério da Agricultura.
Em Portugal existem serviços públicos em condições superiores às de outros congéneres.
Refiro-me à Caixa Geral do Depósitos que, tendo uma despesa superior ao Banco do Portugal, tem também um rendimento superior. Mas não só a Caixa Geral do Depósitos é um estabelecimento do Estado, que traz para êste uma receita de 18:000 contos; outros serviços públicos existem também, administrados por portugueses, e que em todo o estrangeiro são tidos como modelares, como, por exemplo, os serviços florestais.
E então, se eu tenho em Portugal desta gente e dêstes serviços públicos, ou posso argumentar com êsses factos em favor do estabelecimento da régie, com a mesma autoridade com que outras pessoas argumentam contra os Transportes Marítimos do Estado.
De tudo isto eu concluo, e concluo com justiça., que devemos pôr em prática o sistema da democracia industrial, o que, sobretudo num país onde os capitalistas não têm tido cultura adaptável à valorização das riquezas, num país em que as suas matérias, se fossem transformadas aqui mesmo, nos permitiriam conquistar os mercados, num país em que a sua cortiça, as suas conservas, os seus mármores e as suas magníficas quedas do água não podem ser aproveitados pelos capitalistas habituados ao vício da usura, que não sabem senão emprestar para obter uma remuneração excessiva, num país em que existe um déficit financeiro que é apenas a repercussão do um déficit de produção, num país dêstes é ao Estado que compete quebrar o círculo vicioso em que vive para se organizar scientificamente de maneira a criar fôrças novas susceptíveis do fazer a transformação da vida económica portuguesa.
É por isso que, para os políticos da República, a libertação que se lhos proporcionou dos serviços dos fósforos o dos tabacos é alguma cousa de grave.
Pela minha parte procurarei chamá-los à realidade e ao convencimento de que não pode ser perdida esta oportunidade em que se podem transformar os organismos de acção económica em organismos educativos.
Alonguei demais as minhas considerações, em contrário do meu propósito, e por isso vou terminar; mas antes disso quero dizer à Câmara que ainda é tempo de evitar o que se vai fazer.
Os homens que admitem a associação do Estado com o capital, intensificando essa confusão de valores o actividades é que criou o estado moral em que nos encontramos; os homens que pretendem reincidir na prática do vício monárquico do comissário régio, ainda estão a tempo de evitar que esta oportunidade seja perdida e que nós continuemos a ser dentro da República escravos subservientes da monarquia morta.
Não; êsses são os fantásticos soldados que, nas horas do luta e de combate, deixaram abandonada essa criança que era o seu rei, e que hoje por aí fingem sentir dêle amarguradas saudados.
Não, Sr. Presidente, êsses cavalheiros são os que, a propósito das cartas do Sr. João Franco, só tem exibido por diversas formas e maneiras.
E necessário hoje que se aceito a colaboração das classes, sob a forma de democracia social, dando aos homens que são operários o direito de terem uma consciência como tem os homens que o não são, dando-lhes, emfim, o direito do ser gente, de verem reguladas as suas condições do trabalho, influindo assim na duração da sua própria vida.
E contra a não realização disto que eu protesto, em nome dos princípios republicanos, em nome do sangue derramado para fazer vingar êsses princípios, e,
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finalmente, em nome dos milhares de sacrificados que se bateram não para que tivéssemos uma Monarquia disfarçada de verde e vermelho, mas sim uma República democrática.
E protesto também, Sr. Presidente, contra o facto de se querer continuar impedindo que as forças vivas dêste País - e ao empregar agora aqui este termo, quero referir-me ao sangue e aos músculos da gente portuguesa, quer em Portugal, quer nas ilhas, quer até mesmo nas diferentes colónias que temos - continuem a marchar na senda do seu progresso.
E contra tudo isto, repito, que eu levanto aqui a minha voz, não já com a esperança de vos convencer, Senhores, mas para marcar bem clara e acentuadamente o protesto daqueles que lutaram pela elevação de Portugal.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ribeiro de Carvalho (para um requerimento): - Requeiro que a base B seja discutida conjuntamente com a base A.
Risos.
Sussurro.
O Sr. Nuno Simões (sobre o modo de votar): - A Câmara votou há pouco que se discutisse separadamente cada uma das bases.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se o requerimento do Sr. Ribeiro de Carvalho.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está aprovado.
O Sr. Carvalho da Silva: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.
Pausa.
Trocam-se àpartes entre vários Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à contraprova requerida pelo Sr. Carvalho da Silva.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Estão de pé 40 Srs. Deputados e sentados 2.
Não há número.
Vai proceder-se à chamada.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Disseram "aprovo" 4 Srs. Deputados e "rejeito" 43.
Confirma-se, portanto, que não há número.
Disseram "aprovo" os Srs.:
António Lino Neto.
António Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Joaquim Ribeiro do Carvalho.
Disseram "rejeito" os Srs.:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto da Rocha Saraiva.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Mondes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
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30 Diário da Câmara dos Deputados
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel de Tirito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nuno Simões.
Sebastião de Herédia.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo do Carvalho Guimarães.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem:
A de hoje.
Ordem do dia:
A de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 23 horas e 20 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Nota de interpelação
Desejo interpolar o Sr. Ministro das Colónias sôbre a portaria provincial n.º 779, de 23 do Agosto de 1924, publicada no Boletim Oficial da província de Moçambique, que criou uma taxa militar.
4 de Abril de 1925. - Prazeres da Costa.
Expeça-se.
O REDACTOR - Sérgio de Castro.