O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 66

EM 21 DE ABRIL DE 1925

Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Luís António da Silva Tavares de Carvalho

Sumário. - Respondem à chamada 48 Srs. Deputados.

Procede-se à leitura da acta, que é aprovada quando se verifica o número regimental.

É lido o expediente, que tem o devido destino.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Carvalha da Silva pregunta se é verdadeira a notícia da prisão dos Srs. Cunha Leal e Garcia Loureiro.

O Sr. Presidente informa ter realizado já uma "dèmarche" junto do Sr. Presidente do Ministério acêrca daquelas prisões.

O Sr. Agatão Lança requere que seja marcado para antes da ordem do dia de uma das próximas sessões o parecer n.° 598.

O Sr. António Correia requere que se discuta imediatamente o parecer n.º 446.

É lido na Mesa um projecto de lei, já aprovado no Senado, acerca de alunos das Facilidades de Medicina.

É aprovado sem discussão.

É aprovado o requerimento do Sr. António Correia para a discussão do parecer n.º 446, que é seguidamente aprovado, com dispensa de leitura da última redacção.

E lido na Mesa um oficio do Sr. Presidente do Ministério, narrando as condições em que foram presos os Srs. Cunha Leal e Garcia Loureiro.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães) faz um desenvolvido relato dos acontecimentos revolucionários dos dias 18 e 19 do corrente, promovidos por uma pequena fracção do exército.

Termina mandando para a Mesa uma proposta de lei, para a qual requere urgência e dispensa do Regimento, confirmando, quanto ao distrito de Lisboa, o estado de titio decretado pelo Govêrno em todo o país.

É aprovada a urgência e dispensa do Regimento, entrando a proposta em discussão.

Usam da palavra os Srs. António Maria da Silva, que apresenta uma moção, Pinto Barriga, Álvaro de Castro, que apresenta uma moção, Presidente do Ministério, que apresenta uma proposta de, substituição ao artigo 1.º da proposta de lei que
tinha mandado para a Mesa, Carvalho da Silva que apresenta uma moção, Lino Neto, Nuno Simões, Tôrres Garcia e novamente o Sr. Presidente do Ministério.

São aprovadas as moções dos Srs. António Maria da Silva e Álvaro de Castro.

É rejeitada a moção do Sr. Carvalho da Silva.

É aprovada na generalidade a proposta de lei do Sr. Presidente do Ministério, bem como, na especialidade, a sua substituição do artigo 1.°

Sôbre o artigo 2.º usam da palavra os Srs. Morais Carvalho, Ministro da Justiça (Adolfo Coutinho) e Paula Cancela de Abreu, que fica com a palavra reservada.

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte para o dia imediato, com a, respectiva, ordem do dia.

Abertura da sessão às 10 horas e 27 minutos.

Presentes à chamada 48 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 42 Srs. Deputados.

Srs. Deputados que responderam à chamada.

Abílio Correia da Silva Marçal.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.

Página 2

2 Diário da Câmara dos Deputados

António Dias.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
Armando Pereira do Castro Agatão Lança.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João Baptista da Silva.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Vergílio Saque.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto da Eocha Saraiva. Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Abranches Ferrão.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Henrique do Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Cancela de Abreu.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Tomás de Sousa Rosa.
Vasco Borges.
Viriato Gomos da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
António Ginestal Machado.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.

Página 3

Sessão de 21 de Abril de 1925 3

Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Ofendido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Jorge Barros Capinha.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.

Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 48 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Leu-se a acta, tendo-se dado conta do seguinte

Expediente

Ofícios

Do Ministério das Colónias, satisfazendo ao pedido feito em ofício n.° 221, para o Sr. Sebastião Herédia.

Para a Secretaria.

Do mesmo, satisfazendo ao pedido feito no ofício n.° 218, para o Sr. Baltasar Teixeira.

Para a Secretaria.

Do presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Arganil, pedindo que não seja permitida a entrada de álcool estrangeiro.

Para a Secretaria.

Do Sr. Ministro das Finanças, dizendo ter tomado conhecimento da moção do Sr. Carneiro Franco, de 20 de Agosto de 1924, e que a doutrina da mesma moção não pode ter efeitos legais, emquanto não fôr aprovada pelo Senado.

Para a Secretaria.

Do Presidente do Sindicato Agrícola do Bombarral, pedindo para que a nova marca de "Vinho de Lisboa" ou "Lisbon Wine" tenha por parte do Govêrno Alemão tratamento igual aos do Pôrto e Madeira.

Para a Secretaria.

Do presidente da Câmara Municipal de Sobral de Monto Agraço, pedindo que o imposto de viação e turismo seja entregue aos concelhos em que seja cobrado.

Para a Secretaria.

Página 4

4 Diário da Câmara dos Deputados

Do juízo de direito da comarca de Estarreja, pedindo a comparência naquele juízo, no dia 22 do corrente, pelas 12 horas, do Sr. Alberto Ferreira Vidal, a fim de depor como testemunha num processo correccional.

Autorizado.

Comunique-se.

Para a comissão de infracções e faltas,

Representações

Da classe dos refinadores de açúcar, pedindo proibição de moinhos a moerem açúcar, da importação de açúcares similares aos refinados e da venda de ramas em bruto.

Para a comissão de comércio e indústria.

Do, conselho escolar do Instituto Industrial o Comercial do Pôrto, defendendo o título de engenheiros auxiliares, e pedindo que não seja aprovado o projecto de lei do Sr. Joaquim Ribeiro.

Para a comissão de instrução especial e técnica,

De Eduardo da Fonseca Salter de Sousa, capitão de infantaria, na reserva, pedindo o seu regresso à situação militar anterior.

Para a comissão de guerra.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de antes da ordem, do dia.

O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: sem querer entrar por agora na apreciação dos acontecimentos dêstes últimos dias, pedia a V. Exa. o favor de me informar se é corta a notícia vinda nos jornais acêrca da prisão do dois Srs. Deputados: o Sr. Cunha Leal e o Sr. Garcia Loureira.

Pedia a V. Exa. o favor dessa informação, porquanto desejava, no caso afirmativo, apreciar depois essa prisão para sabor se sim ou não foram respeitadas as suas imunidades parlamentares.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - A pregunta da V. Exa. tenho a responder o seguinte: convencido o Presidente da Câmara dos Deputados do que os Srs. Cunha1 Leal o Garcia Loureiro, os dois Deputados presos, imo o foram dentro da letra expressa da Constituição o entendendo mais que é do seu dever defender as prerrogativas o imunidades dos Srs. Parlamentares, sem se preocupar de modo algum com as qualidades políticas daqueles que porventura se achem presos fora dos limites impostos pela Constituição da República, entendeu que cumpria o seu dever procurando o Sr. Presidente do Ministério para lho comunicar que, no seu entender, o Presidente da Câmara dos Deputados considerava que os Srs. Cunha Leal e Garcia Loureiro deviam ser restituídos à liberdade.

O Presidente da Câmara dos Deputados, ao mesmo tempo, dizia ao Chefe do Govêrno que não pretendia de maneira alguma nem isso era do seu papel, levantar quaisquer dificuldades à acção do Govêrno, mas que apenas e simplesmente desejava ficar bem em sua consciência, cumprindo o que julgava ser do seu dever e prestigiando, portanto, o seu cargo.

Ao Presidente do Ministério deixou ainda o Presidente da Câmara dos Deputados um documento oficial, de harmonia com os seus pontos de lista, documento tendente a concluir-se que efectivamente os Deputados presos não o tinham sido dentro da letra expressa da Constituição.

O Sr. Presidente do Ministério respondeu que compreendia perfeitamente as démarclics do Prosidcnto da Câmara dos Deputados o que iria, em Conselho de Ministros, expor a comunicação que pelo primeiro lhe iora enviada e que o Conselho do Ministros resolveria.

O Sr. Presidente do Ministério já fez O favor de comunicar que vinha a caminho do Parlamento e que daria mais amplas explicações não se ao Sr. Carvalho da Silva, mas a toda a Câmara também, acerca das resoluções tomadas.

Pelos actos que pratiquei, entendi que cumpria apenas o meu dever; e não estou disposto, como certamente a Câmara o não estará igualmente, a permitir que as minhas atitudes possam ser deturpadas por quaisquer paixões, que não são cabidas neste instante.

Vozes: - Apoiado, apoiado! Muito O orador não reviu.

Página 5

Sessão de 21 de Abril de 1925 5

O documento a que o Sr. Presidente aludiu é o seguinte:

Exmo. Sr. Presidente do Ministério.- Nos termos do artigo 17.° da Constituição "nenhum Deputado ou Senador poderá ser ou estar proso, durante o período das sessões, sem prévia licença da sua Câmara, excepto em flagrante delito a que seja aplicável pena maior ou equivalente na escala penal".

É indubitável que a prerrogativa parlamentar constante desta disposição de modo algum pode ser considerada uma garantia individual e como tal abrangida, portanto, pelo recente decreto de suspensão de garantias. As garantias que hoje se encontram suspensas são as constantes do título 2.° da Constituição, cuja rubrica é: "Dos direitos e garantias individuais". As prerrogativas dos membros das Câmaras Legislativas são cousa muito diferente: têm o seu fundamento na necessidade de assegurar o funcionamento regular e independente do Poder Legislativo, existindo portanto, o nem se compreende a sua suspensão, emquanto o Parlamento estiver funcionando ou, nos precisos termos do texto constitucional, "durante o período das sessões".

Considerar durante tal período suspensas as prerrogativas parlamentares equivaleria ao contrasenso de julgar possível o funcionamento constitucional do Parlamento sem as condições de independência que a própria Constituição justamente julga imprescindíveis.

^Como compreender, por exemplo, o funcionamento do Parlamento com a suspensão da prerrogativa constante do artigo 15.° da Constituição? ("Os Deputados e Senadores são invioláveis pelas opiniões e votos que omitirem no exercício do seu mandato. O seu voto é livro do quaisquer insinuações ou instruções").

A verdade é que tais prerrogativas visam a assegurar o bom funcionamento do Poder Legislativo o é portanto absurda a sua suspensão,.

Nos precisos termos, portanto, do artigo 17.° da Constituição os Deputados Cunha Leal e Garcia Loureiro só "poderiam? ser presos em flagrante delito, a que coubesse pena maior ou equivalente na escala penal. Porque foram presos êstes Deputados? Segundo parece, pelo delito previsto e punido nos n.ºs 3.° e 4.° do artigo 1.° da lei de 30 de Abril de 1912, que diz:

"Serão punidos com a pena maior celular por seis anos, seguida de dez de degredo ou, na alternativa, com a pena fixa de degredo por dois anos;

3.° Os que excitarem os habitantes do território português à guerra civil e se deverem considerar autores segundo as regras gorais do direito;

4.° Os que excitarem os habitantes do território português ou quaisquer militares ao serviço português, de terra ou de mar, a levantarem-se contra a autoridade do Presidente da República ou contra o livro exercício das faculdades conferidas pela Constituição aos Ministros do Govêrno da República e se deverem considerar autores segundo as regras gerais do direito".

Ora diz a Novíssima Reforma Judiciária (artigo 1020.°) que "o flagrante delito é aquele que se está cometendo ou sé acabou de cometer sem intervalo algum. Reputa-se também flagrante delito o caso em que o delinquente, acabando de preparar o crime, foge do lugar dele e é logo contínua e sucessivamente seguido pela justiça ou por qualquer do povo".

Quem, em face destas disposições e nas circunstancias em que as prisões só efectuaram pode afirmar ou defender que houvesse qualquer flagrante delito?! As prisões, portanto, dos Deputados referidos não podem ser mantidas, por inconstitucionais.

Como puderam os captores verificar o flagrante delito?

Eis as considerações que entendo do meu rigoroso dever, como Presidente da Câmara dos Deputados, submeter à apreciação do Govêrno.

Saúde e Fraternidade.

Lisboa, 20 de Abril de 1925. - Domingos Leite Pereira, Presidente da Câmara dos Deputados.

O Sr. Carvalho da Silva: - V. Exa. dá-me licença?

Eu quero agradecer-lhe o favor das suas explicações, regozijando-me pela acção de V. Exa., que, aliás, outra não era de esperar

Página 6

6 Diário da Câmara dos Deputados

De harmonia com elas, eu aguardo a presença do Sr. Presidente do Ministério para então me ocupar do assunto.

Tenho dito.

O Sr. Agatão Lança (para um requerimento): - Sr. Presidente: eu tinha já pedido a palavra numa das últimas sessões parlamentares apenas para fazer um requerimento à Câmara.

É que ficou por concluir a discussão do parecer n.° 598, ao qual restam ainda dois artigos não apreciados pela Câmara,

Êste parecer refere-se a uma das leis de contribuição e, já que a Câmara votou que êle entrasse em discussão, ou julgo da máxima conveniência não deixarmos de o fazer.

Nestes termos, eu roqueiro à Câmara que seja marcada para antes da ordem do dia, e numa das próximas sessões, a discussão dêste parecer.

Tenho dito.

O Sr. António Correia (para um requerimento) : - Sr. Presidente: numa das últimas sessões a Câmara votou que fôsse discutido um parecer que está já inscrito há muito tempo para antes da ordem do dia.

Antes dêste parecer está inscrito um outro, cuja discussão exige a presença do Sr. Ministro da Guerra.

Ora, Sr. Presidente, dizem os jornais de hoje que o Sr. Ministro da Guerra está demissionário.

Não sei se isto é verdade, mas, como o parecer que exige a presença do S. Exa. não vai ser discutido agora, e a seguir está o n.° 446, que impõe a comparência do Sr. Ministro da Justiça, (pio está presente, ou roqueiro a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permito que esto último parecer seja discutido imediatamente, tanto mais que, se assim não fôr, êle perde a oportunidade.

Tenho dito.

Foi aprovado o requerimento.

O Sr. Presidente: - A Câmara votou há dias o requerimento do Sr. Mário Ramos, para a discussão imediata das emendas a um projecto vindo Senado.

Vou pôr em discussão o referido projecto.

Lido na Mesa, foi aprovado, quer na generalidade, quer na especialidade, sem discussão,

É o seguinte:

Artigo 1.° É permitido aos indivíduos que tenham feito um ou mais exames em qualquer das faculdades do medicina, como alunos do período transitório, pré visto pela reforma de ensino módico de 12 de Julho de 1918 e que se tenham matriculado em qualquer das referidas faculdades ao abrigo da lei de 22 de Fevereiro de 1911, continuarem o curso segundo o regime em que se matricularam.

Art. 2.° Aos indivíduos a que se refere o artigo anterior, e nos quais falta uma cadeira ou grupo para completarem o 1.° ciclo, é permitido inscreverem-se no 2.° ciclo, ficando essa inscrição dependente da aprovação nos exames da respectiva cadeira ou grupo.

Art. 3.° Esta lei entra imediatamente em vigor e fica revogada toda a legislação em contrário.

Palácio do Congresso da Republica, em 27 de Março de 1925. - António Xavier Correia Barreto - Luíz Inocêncio Ramos Pereira. - João Manuel Pessanha Vaz das Neves.

Aprovado.

Para a Presidência da República.

O Sr. Presidente: - Vai entrar em discussão o parecer n.° 446.

O Sr. António Correia (para um requerimento):- Peço a V. Exa. a dispensa da leitura do parecer.

É concedida.

Em seguida foi o parecer aprovado sem discussão, quer na generalidade, quer na especialidade.

É o seguinte:

Parecer n.° 446

Senhores Deputados.- O projecto de lei n.° 433-C, da autoria do ilustre Deputado Sr. Carlos Olavo, tem por fim reparar uma injustiça que é flagrante.

Com efeito pelo disposto no artigo 110.° do Regulamento do Ministério Público, de 24 de Outubro de 1901, era assegurado aos magistrados do Ministério Público o

Página 7

Sessão de 21 de Abril de 1925 7

direito do renunciarem à sua promoção à magistratura judicial.

Mais tarde, o decreto n.° 3:786, de 24 de Janeiro de 1918, revogou esta disposição, cerceando essa faculdade não só aos que de futuro entrassem para o quadro da magistratura do Ministério Público, mas até àqueles que, nomeados à sombra dessa disposição legal, tinham o direito - não somente e já a faculdade - de não ingressar na magistratura judicial.

Para que, porém, a injustiça fôsse maior, o decreto n.° 3:900, de 10 de Março de 1913, em cujo relatório se reconhece o odioso dela, permitiu-se a renúncia não aos magistrados "que a viessem fazer" dentro de certo prazo, como era natural, mas somente àqueles "que a tivessem feito até essa data"!

Quere dizer: mantinha a faculdade, o direito de renúncia, àqueles que houvessem tido a sorte de adivinhar que êsse decreto viria a ser publicado!

3ão bem pouco moralizadoras as situações que assim se criam. E de mais, inconveniente não há, que o conheçamos, em ir separando uma da outra, as duas magistraturas.

As vossas comissões de legislação civil e comercial e de legislação criminal são, pois, de parecer que o referido projecto merece a vossa aprovação.

Sala das Sessões, 8 de Março de 1923. - Alfredo de Sousa - Vasco Borges-Adolfo Coitinho- Amadeu de Vasconcelos (com restrições) - Angelo Sampaio Maia - Carlos Pereira (vencido) - Baptista da Silva-Joaquim Matos - A. Crispiniano da Forneça. - Pedro Pita, relator.

Senhores Deputados.-A vossa comissão lê finanças nada tem de opor ao projecto de lei n.º 446 e com êle concorda

Sala das sessões da comissão de finanças da Câmara dos Deputados, 9 de Maio de 192Í.- Mariano Martins (vencido, reconhecendo, porém, que o projecto não traz auaento de despesa) - Aníbal Lúcio de Azevedo (vencido) - Delfim Costa - Alfredo de S ousa - A. Crispiniano da Fonseca - Carlos Pereira (com declarações, quanto a aspecto financeiro) - F. G. Velhinho Cobreia - Lourenço Correia Gomes, relator.

Projecto de lei n.° 433-C

Senhores Deputados. - O princípio do respeito pelos direitos adquiridos tem sido em todos os tempos sempre acatado como uma manifestação do reconhecimento de um alto preceito, de moral e de justiça.

Assim, a República em toda a sua obra remodeladora e progressiva jamais deixou de observar tal princípio, profundamente justo e logicamente inquestionável, e nas reformas introduzidas pela sua legislação em todos os ramos dos serviços públicos que elas tem atingido se vêem sempre salvaguardados os direitos adquiridos de quem nesse serviço tem trabalhado com dedicado zelo e comprovada honra.

A uma classe de funcionários, porém, não se aplicou a regra, de sempre estabelecida, do respeito pelos seus direitos, e ela não merece excepcionar-se pela elevada missão social que desempenha e pelos serviços relevantes que tem prestado à República, zelando e promovendo o cumprimento das suas leis, perseguindo e punindo aqueles que, desrespeitando-as, não têm querido acatá-las.

A excepção que atinge um restrito número de magistrados do Ministério Público não pode subsistir sem que um grave ultrage se faça a quem, repetimo-lo, de forma alguma o merece.

Restituam-se a êsses magistrados, os nomeados anteriormente ao decreto n.° 3:786, de 24 de Janeiro de 1918, os direitos que possuíam por fôrça do artigo 110.° do Regulamento do Ministério Público, de 24 de Outubro de 1901, para que dêles possam usar, querendo, dentro de um prazo que lhe é designado, e praticar--se há um acto de manifesta justiça que só nobilitará quem o conceder e aprovar, pela reparação que assim dá àqueles nobres e leais servidores da República.

No próprio relatório que precedeu o decreto n.° 3:950, de 16 de Março de 1918, se invocou; como razão da excepção que ao decreto anterior, de 24 de Janeiro do mesmo ano, ali se fazia, permitindo-se as renúncias à candidatura judicial dos magistrados do Ministério Público que à data daquele decreto houvessem declarado desistir dessa promoção, se invocou, íamos dizendo, como justificação de tal procedimento o respeito pelos direitos adquiridos, cujo atropelo sempre traz perturbações graves.

Página 8

8 Diário da Câmara dos Deputados

Ora só para aqueles magistrados ora de atender a razão do ofensa de direitos adquiridos, com igual razão o era também para aqueles que já estavam nomeados Delegados do Procurador da República à data do primeiro daqueles decretos, não fazendo sentido que, com um intervalo do 23 dias, se haja determinado uma media que, pelas circunstâncias excepcionais em que foi promulgada, continha o censo de só ir aproveitara um reduzidíssimo número de magistrados que, por igual quer modo, tiveram como que o dom da providência de presumirem que aquela excepção viria a ser decotada.

A magistratura do Ministério Público, cujas funções, sob todos os aspectos, tem de considerar-se inteiramente à parte das da magistratura judicial, merece bem, pela altíssima o complexa missão que desempenha, como já se dizia no relatório que precedeu o regulamento de 24 do Outubro do 1901, que os parcos direitos o garantias que lhe assistem sejam inteiramente respeitados, não já somente em seu beneficio, como, e especialmente, para prestígio da sua alta missão do zeladora do prestígio das leis, cuja fiscalização lhe compete.

Restitua-se-lhe, pois, aquela faculdade do renúncia, a qual, repetimos, era um direito adquirido, ao menos em relação aos magistrados cuja nomeação já estava feita à data daquele primeiro decreto.

Eis porque temos a honra de submeter à vossa alta apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Aos actuais delegados do Procurador da República, cuja primeira nomeação só tenha efectuado na vigência do artigo 110,° do regulamento do Ministério Público, do 24 do Outubro do 1901, é restituída a faculdade, que o mesmo artigo lhes conferiu o os decretos n.ºs 3:780, do 24 de Janeiro de 1918, o 3:900, de 16 de Março do mesmo ano, revogaram, do renunciarem ao direito de candidatos à magistratura judicial, podendo usar dela no prazo de trinta dias, a contar da publicação da presente lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 26 de Fevereiro do 1923.- Carlos Olavo

O Sr. António Correia (para um requerimento): - .Roqueiro a dispensa da última redacção.

É concedida.

O Sr. Presidente: - Há pouco, em resposta ao Sr. Carvalho da Silva, tive ocasião de comunicar à Câmara a declaração feita pelo Sr. Presidente do Ministério relativa à prisão dos Srs. Cunha Leal e Garcia Loureiro.

Acaba do ser recebida na Mesa a resposta de S. Exa. à minha comunicação.

Vai ser lida.

É a seguinte.

Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados.- O Deputado Sr. Cunha Leal foi detido no dia 18 do corrente mês, pelas 11 horas, pouco mais ou menos, perto da sua residência, do onde acabava do sair.

Desde as primeiras horas da manhã algumas unidades militares de Lisboa se tinham declarado em manifesta e criminosa rebelião contra os legítimos poderes do Estado o livre exercício das suas faculdades constitucionais, o foram ocupar uns terrenos do Parque Eduardo VII e uma larga zona dos bairros adjacentes, rompendo fogo de artilharia contra a cidade indolesa, sem o menor respeito pela vida dos seus habitantes, factos notórios, e que levaram o Govêrno a imediatamente decretar o estado de sítio com a supressão total das garantias constitucionais.

Anteriormente tinha o Deputado Sr. Cunha Leal, por seus conselhos e instigações dilectas, em escritos o discursos fora do exercício do seu mandato, e portanto som o privilégio da inviolabilidade estabelecida no antigo 15.º da Constituição, colaborado intensamente na formação do ambiente para a eclosão de movimento revolucionário.

Depois dela o por informações que ao Govêrno chegaram, acompanhou pessoalmente essa revolução, comparecido no quartel general das tropas rebeldes. Dali saiu numa camionnette, acompanhado do soldados armados, dirigindo-se asna casa, compreendida na zona ocupada pelas tropas rebeldes, e lá continuou ter contacto com oficiais no mesmo movimmto revo-

Página 9

Sessão de 21 de Abril de 1925 9

lucionário envolvidos, e que ali foram encontrar-se com êle.

No número dêsses oficiais se conta o Deputado Sr. Garcia Loureiro, que por êsse motivo também ali foi detido.

Assim afigura-se ao Govêrno que êstes Srs. Deputados estavam em flagrante delito de rebelião, visto que por suas palavras e actos excitaram a tal crime e na sua execução tomaram parte directa.

E correspondendo ,a tal crime pena maior, entende o Govêrno que com a detenção dos referidos Srs. Deputados não ofendeu a imunidade parlamentar estabelecida no artigo 17.° da Constituição, antes procedeu no cumprimento do imperioso e constitucional dever de defesa da Constituição da República.

Saúde e Fraternidade.

Presidência do Ministério, 21 de Abril de 1925.- O Presidente do Ministério, Vítorino Guimarães.

Para as comissões de legislação civil e criminal e de guerra, conjuntamente.

Entra na sala o Sr. Presidente do Ministério, que pede a palavra.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães):- Cumprindo um dever constitucional venho, como chefe do Govêrno, expor a esta Câmara os factos graves quê se deram e tiveram o seu início na manhã de 18 do corrente, factos que sobressaltaram a República e entristeceram profundamente a população da capital e que na verdade não tiveram a importância exagerada que deu a êsses acontecimentos certa imprensa tendenciosa e mal intencionada.

Apesar de todas as afirmações em contrário, a verdade é que a revolta militar foi apenas de uma pequena fracção do exército.

É desnecessário estar a salientar, o que todos sabem, que o movimento militar foi precedido de uma violenta propaganda exercida em conferências públicas, pela imprensa e nos conciliábulos políticos, tantas vezes anunciada e logo desmentida.

Assim conseguiu-se um ambiente propicio que felizmente1 nada tinha por detrás de si de sólido a apoiá-lo (Apoiados}, e era preparado por aqueles que tinham intuitos inconfessáveis, ou quaisquer interêsses particulares (Apoiados), ou favorecido por aqueles que agitavam um pendão político.

Êsses perturbadores da ordem pública, aproveitando-se especialmente do entusiasmo, da inexperiência e dos poucos anos de alguns oficiais do exército, conseguiram fazer a revolta militar da madrugada de 18, embora nela, como se sabe, figurem alguns oficiais superiores, como dirigentes; a maioria dos oficiais comprometidos são subalternos.

Já há muito que o Govêrno estava informado de que êsse movimento se preparava.

Sabe-se que já estava para ter a sua eclosão no dia 5 de Março, em que houve a tentativa de assalto ao quartel general.

O Govêrno sabia bem que o exército português na sua quási totalidade não se deixaria levar por intuitos que não fossem os de disciplina e que não tem outro objectivo do que os seus deveres para com a Pátria e para com a República.

Muitos apoiados.

O Govêrno estava confiado de que, se a eclosão do movimento se viesse a dar, teria os meios necessários de lhe fazer frente.

Sabe-se que o movimento se iniciou pela saída precipitada de uma unidade do seu quartel, sem que o seu comandante estivesse lá e apenas os oficiais em serviço.

É - caso curioso - quantas campanhas se têm feito pelas classes conservadoras, em consequência de a República em algumas horas de perigo justificado, de grande perigo, como do assalto de Monsanto, se servir dos cidadãos humildes, dos civis que estão sempre prontos a defendê-la!

Contudo, o que vemos -e os factos não podem desmentir - é que aqueles que se dizem disciplinados, e que têm por missão especial manter a ordem e o prestígio militar, se insubordinam e vêm para a rua apoiados em elementos civis.

Apoiados.

Embora neste momento não queira fazer excepções, visto que todas as unidades empregadas na repressão da revolta militar, tam elevada, tam nobre e tam altamente souberam cumprir o seu dever, como as fracções que da província foram mandadas vir, não posso deixar de pró-

Página 10

10 Diário da Câmara dos Deputados

clamar no Parlamento que todo o exército, toda a marinha, toda a guarda fiscal e polícia cívica cumpriram de tal formão seu dever que se torna difícil especializar qualquer unidade, e por isso dirijo a todos as minhas saudações, envolvendo nesta saudação o comandante do Grupo de Batarias a Cavalo de Queluz, que recebendo a ordem de prevenção ao seu regimento, sem meios de condução, foi a pé de Bemfica até o seu regimento, sabendo aí que o grupo havia saído para a revolta, sem o seu comando, apenas com os oficiais de serviço.

S. Exa. montou a cavalo e escondeu debaixo do dólman o estandarte do regimento para ver se encontrava ainda os seus subordinados no caminho e juntando-se a êles lhes dizia mostrando a bandeira: aqui é que está o regimento.

Infelizmente não teve tempo e quando chegou a Lisboa, já a sua unidade estava na Rotunda.

Ainda assim ôsse brioso oficial fez todo o possível para arrancar a sua unidade aos revoltosos, mas não o conseguiu e foi feito prisioneiro.

Dá se um caso extraordinário: foi êste o único oficial ferido não estando combatendo.

Êste oficial merece todo o nosso respeito (Apoiados); é um oficial brioso que em França já desempenhou um papel importante.

Apoiados.

O Govêrno tomou as medidas que urgia, mandando vir tropas fiéis para operarem em conjunto, mas não foi possível fazê-lo com toda a presteza precisa e nas primeiras horas as fôrças revolucionárias tiveram uma certa vantagem.

Sr. Presidente: estávamos perante um facto consumado de muita gravidado e o Govêrno apresentou à assinatura do Chefe do Estado o decreto suspendendo as garantias em todo o país, pois o Govêrno precisava estar prevenido para qualquer eventualidade,

Sr. Presidente: o militar que está à frente das tropas é sobejamente conhecido por todos (Apoiados) é um militar brioso, a cuja dedicação e serenidade muito se deve (Apoiados) a sua coragem merece toda a nossa consideração (Apoiadas) e a República muito deve ao general Adriano de Sá.

Sr. Presidente: estava organizado o ataque às fôrças revolucionárias e o Govêrno estava tam sereno e certo que dominava a situação que toda a cidade sabia que o Govêrno estava no Carmo.

Deu-se um facto lamentável, que foi quando chegou ao Carmo o emissário dos revoltosos com o ultimatum. O Presidente do Ministério não estava presente e foi o Sr. Presidente da República que o recebeu e fô-lo com a máxima serenidade, com a consciência do seu dever.

Muitos apoiados.

Sabe V. Exa. que é difícil num caso dêstes manter a serenidade.

Apoiados.

Ouvindo frases que deprimem é difícil estar sereno (Apoiados), embora o caso fôsse principalmente ridículo, pois o emissário se apresentou à paisana, dizendo que tinha por baixo um pijama e apresentando o ultimatum num quarto de papel, sem assinatura de qualidade nenhuma e que era apenas para que S. Exa. demitisse o Govêrno, e imediatamente também, constituísse outro sôbre a presidência do Sr. Filomeno da Câmara.

Mais nada dizia, Sr. Presidente, o papel que foi presente ao Sr. Presidente da República. Mas o emissário teve o cuidado de dizer que faria parto do novo Govêrno, como Ministro da Guerra, com o consentimento dos seus camaradas. E o capitão que o acompanhava confirmou isto mesmo ao ser-lhe preguntado pelo referido emissário se ora ou não verdade o que êle estava dizendo.

È necessário, Sr. Presidente, frisar êstes factos, para se ver de que lado está a disciplina e de que lado está a desordem (Apoiados) e para se verificar quais são, efectivamente, os que trabalham com lealdade e com dignidade e quais são aqueles que têm umas aspirações o uns objectivos que não são dignos de ser alcançados.

Apoiados.

Felizmente, que eu me lembre, ainda não houve ninguém, dentro dos partidos republicanos, que se fôsse impor ao Chefe do Estado, dizendo-lhe: eu quero ser Ministro desta pasta.

O Sr. Presidente da República, como não podia deixar de ser, e era até escusado dizê-lo, porque todos nós sabemos como S. Exa. timbra em ser respeitador

Página 11

Sessão de 21 de Abril de 1925 11

da Constituição, respondeu que nada tinha a dizer, a não ser que achava muito extraordinária a imposição que lhe vinham fazer.

E devo dizer a V. Exas. que, nesse momento em que já a maior parte da guarnição militar da cidade marchava pelas suas ruas a tomar posições para dominar a revolta, êsses oficiais diziam que falavam em nome de toda a guarnição de Lisboa, o que é deveras curioso.

Mas ainda mais curioso é o facto de êsses mesmos oficiais terem dito ao Sr. Presidente da República que entravam no movimento para endireitar isto e que a êle estavam ligados por um compromisso de honra, qual era o de derrubar êste Govêrno.

O Sr. Presidente da República respondeu-lhes então que também êle tinha prestado, ao tomar posso do seu lugar, um compromisso de honra perante o Parlamento do seu País, que era a única entidade a quem devia obediência, que nunca sairia da Constituição (Apoiados), e que era essa a única resposta que tinha a dar-lhes.

Apoiados.

Depois desta declaração, um dos representantes dos revoltosos, parece-me até que, se não estou em êrro, o menos graduado, isto é, o capitão que acompanhava o general Sr. Sinel de Cordês, disse que, em vista da resposta do Sr. Presidente da República, iria começar-se o bombardeamento à cidade, e, principalmente, ao quartel do Carmo.

Perante esta afirmação, o Govêrno, depois de ter retinido, entendeu que o Sr. Presidente da República não tinha o direito de continuar no quartel do Carmo.

Apoiados.

Devo também dizer que foi preciso usar da autoridade que um Chefe de Govêrno tem nestes casos para que S. Exa. o Sr. Presidente da República resolvesse sair da cidade de Lisboa.

Apoiados.

Como V. Exas. sabem, S. Exa. saiu do quartel do Carmo e dirigiu-se a Cascais, acompanhado pelos Srs. Ministros dos Negócios Estrangeiros e da Instrução Púbica.

E, Sr. Presidente, desde o momento que se disse que se ia iniciar um bombardeamento, e que êle seria principalmente

dirigido para o quartel do Carmo, onde se encontrava o Govêrno, o lugar dêste só podia ser ali.

Assim, foi lá que o Govêrno continuou, e, perante a ameaça que lhe tinha sido feita, êle deu ordem ao Sr. general comandante da divisão para mandar abrir imediatamente o fogo sôbre o acampamento da Rotunda.

Porém, sabem todos V. Exas. que, para a execução duma ordem desta natureza, é preciso sempre tempo para que as tropas marchem e ocupem os seus lugares, e, principalmente, para que a artilharia procure e tome posições. Assim, embora isto não tenha sido bem compreendido por uma parte da população de Lisboa que estava enervada por terem demorado um pouco mais do que ela desejava os ataques das fôrças fiéis ao Govêrno, a verdade é que não era possível êles terem-se feito com maior rapidez.

A artilharia teve de percorrer grandes distâncias e de gastar bastante tempo na escolha de posições.

E escusado dizer como depois seguiram os acontecimentos, porque V. Exas. já os conhecem, e, como na manhã seguinte, depois dam forte ataque de artilharia dos revoltosos, as nossas fôrças começaram então a desenvolver os seus ataques.

Foi então arvorada uma bandeira branca no quartel general dos revolucionários, tendo-se êles então entregue, sem condições de espécie alguma, e, assim, a revolução estava completamente dominada.

E não nos devemos esquecer de que, mandado cessar o fogo pelas duas fôrças em luta, não mais qualquer conflito se deu na cidade (Apoiados), e que daí a três ou quatro horas eram postos em circulação os carros eléctricos, e, que, além disso, qualquer pessoa que chegasse de fora de Lisboa não teria a impressão da luta violenta e grave que acabava de dar-se.

É preciso também não esquecer neste momento a atitude decidida e de uma grande dedicação e tenacidade republicana, aliás como sempre, da população de Lisboa.

Apoiados.

A dificuldade maior que eu tive, Sr. Presidente, durante essas horas, foi a de convencer essa grande massa que me aparecia desejosa d& defender as liberdades

Página 12

12 Diário da Câmara dos Deputados

já conquistadas, de que ou não devia, efectivamente, aproveitar os seus serviços, porque, tendo o Govêrno, como tinha, absoluta confiança nas fôrças do exército, apenas nos devíamos aproveitar delas.

Apoiados.

Mas, apesar de não terem sido aproveitados êsses elementos, vai para êles toda a minha consideração, porque demonstraram, mais uma vez, que Lisboa é uma cidade de profundas e arraigadas convicções republicanas.

Apoiados,

São enormes, por vezes, os desgostos e contrariedades por que passamos através da vida política. Angustiosas foram as horas que ainda há bem pouco decorreram, especialmente para os homens do Govêrno que tinham sôbre si a responsabilidade dos resultados dos acontecimentos.

Felizmente há sempre compensações e o Govêrno teve a compensação da amargura dêsses momentos na disciplina, na serenidade e na abnegação republicana das tropas que foram chamadas a cumprir o seu dever (Apoiados) e que o fizeram por forma a arraigar mais no nosso espírito a certeza de que p exército português possui um espírito militar que poderá ser igualado, mas não excedido.

Apoiados.

Não houve uma defecção, uma hesitação sequer e isso nos fez vibrar de entusiasmo.

O povo de Lisboa, o dedicado e republicano povo de Lisboa, não podia ficar esquecido nas saudações do Govêrno.

O seu entusiasmo em se sacrificar mais uma vez pela República e a confiança que depositou na acção do Govêrno não podiam ficar esquecidos. O Govêrno saudando-o não faz mais do que prestar-lhe uma justa homenagem de admiração.

Sr. Presidente: se o êxito justifica sempre os meios empregados, o Govêrno pode afirmar que bem serviu a República.

Apoiados.

Um incidente lamentável tenho que explicar à Câmara, incidente que privou o Govêrno dum seu ilustre membro. Refiro--me ao Ministro da Guerra, general Sr. Vieira da Rocha, militar prestigioso, cheio de serviços ao País e à República, que em virtude duma discussão travada em Conselho de Ministros, pediu a demissão

do seu cargo. Por um lamentável equívoco o Sr. Ministro da Guerra introduziu os dois enviados dos revolucionários na sala onde se encontrava o Chefe do Estado, estando o chefe do Govêrno noutra sala. Êste facto, dando origem à referida discussão, levou o Sr. Ministro da Guerra a demitir-se, o que foi aceito, encontrando-se actualmente à frente dessa pasta, interinamente, o Sr. Vitorino Godinho, que como Ministro do Interior assistiu desde o inicio ao ataque às fôrças revoltosas.

Sr. Presidente: como já disse, encontro-me perante o Parlamento do meu País de cabeça erguida e consciência tranquila, absolutamente convencido de que cumpri o meu dever.

Apoiados.

O Govêrno da minha presidência demonstrou mais uma vez que sabe honrar os seus compromissos e que é - como se acentuou na declaração ministerial - um Govêrno de actos e não de palavras. Inabalàvelmente continuará a sua orientação estruturalmente republicana sob o ponto de vista político e radical no campo financeiro e económico, de forma a podermos realizar aquela obra que conduz definitivamente o País ao desenvolvimento que êle exige.

Depois de sufocada completamente a revolução, alguma cousa ainda há que fazer para que os males dela resultantes se não repitam. O Govêrno não pode, por exemplo, desde já dispensar a suspensão de garantias no distrito de Lisboa, e assim é que vou apresentar à Câmara uma proposta de lei, para a discussão da qual peço urgência e dispensa do Regimento, pedindo determinadas autorizações e que a suspensão de garantias continue, mas apenas para o distrito de Lisboa. E se o Govêrno vos merece confiança e se mostra digno do cargo que lhe confiaram, a Câmara pode demonstrá-lo aprovando a proposta de lei que vou enviar para a Mesa, o que os interêsses da República exigem neste momento que seja aprova da Essa proposta é a seguinte:

Proposta de lei

Artigo 1.° É confirmado, quanto ao distrito de Lisboa, o estado de sítio decretado pelo Govêrno.

Art. 2.° É autorizado o Govêrno a tomar todas as medidas que julgar enve-

Página 13

Sessão de 21 de Abril de 1925 13

mentes, para promover e assegurar a ordem social e a tranquilidade pública, expedindo os decretos e abrindo os créditos extraordinários que para tanto tiver por estritamente necessários.

Art. 3.° A autorização a que se refere o artigo anterior caduca 15 dias depois de ser levantado o estado de sítio no distrito de Lisboa.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, em 21 de Abril de 1925.-O Presidente do Ministério, Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente:-Está em discussão a acta. Pausa.

O Sr. Presidente: - Como ninguém peça a palavra, considero-a aprovada.

Dá-se conta do expediente que depende de resolução da Câmara.

O Sr. Presidente: - O Sr. João Baptista da Silva pedia escusa de fazer parte da comissão de legislação civil e criminal. Nomeio para o substituir o Sr. Pinto Barriga.

São admitidos, em segundas leituras, os seguintes projecto e propostas de lei:

Projecto de lei

De Sr. Tôrres Garcia, autorizando o Govêrno a ceder à Junta de. Freguesia da Várzea de Góis o antigo presbitério daquela freguesia e terrenos anexos, para designada aplicação.

Para a comissão de negócios eclesiásticos.

Propostas de lei

Do Sr. Ministro das Finanças, regulando o provimento dos lugares de aspirantes das alfândegas.

Para a comissão de finanças.

Dos Srs. Ministros das Finanças e do Comércio, abrindo créditos extraordinários de 1:000 contos, a favor do Ministério do Comércio, como reforço da verba sob a epígrafe "Construção, reparação, melhoramentos e conservação de edifícios públicos".

Para a comissão de obras públicas.

O Sr. Presidente: - O Sr. Presidente do Ministério enviou para a Mesa uma proposta de lei, para a discussão da qual requereu urgência e dispensa do Regimento. Os Srs. Deputados que aprovam êsse requerimento, queiram levantar-se.

É aprovado.

Lê-se na Mesa a proposta de lei e entra em discussão.

O Sr. António Maria da Silva: - Sr. Presidente: cumprindo um preceito regimental, começo por ler a moção que vou enviar para a Mesa, e que é a seguinte:

A Câmara dos Deputados, verificando, que a revolta de algumas unidades militares, na madrugada de 18, foi rápida e enérgica e eficazmente sufocada, verificando ainda que a população civil da cidade se manteve na mais absoluta ordem, saúda o Govêrno que soube honrar e prestigiar as instituições republicanas, presta a sua mais alta homenagem às fôrças do exército de terra e mar, guarda nacional republicana, guarda fiscal e policia cívica que com abnegação e heroísmo souberam cumprir o seu dever, dando assim um alto exemplo de disciplina, e ao povo de Lisboa que serena e confiadameate se manteve ao lado do Govêrno da República, criando-lhe o ambiente moral indispensável à vitória, exprimindo sentidamente o seu pesar pelas vítimas passa à ordem do dia.

Sala das Sessões, 21 de Abril de 1925. - António Maria da Silva.

Sr. Presidente: na madrugada do dia 18 passado algumas unidades aquarteladas em Lisboa, e outros elementos, revoltaram-se, esquecendo as pessoas que dirigiram êsse movimento o respeito que a si mesmo deviam e à instituição briosa a que pertenciam. E para quê, Sr. Presidente? Para que um Govêrno se demitisse, para que se substituíssem por outros os homens honrados e dignos que têm prestado relevantes serviços ao país e à República.

£ Mas com que razões, com que fundamentos? Absolutamente nenhuns, a não ser num país amiúde perturbado pela desordem, que nos vem desde 1911 até agora, para complicar as tentativas nossas no sentido de melhorar a vida de todos os cidadãos, e até não esquecendo a

Página 14

14 Diário da Câmara dos Deputados

classe a que os revoltosos pertencem, que tem sido prestigiada pela República, que tem merecido o nosso cadinho e atenções, muitas vezes sem haver a receita correlativa, por nos lembrarmos de que a nação é para todos e não apenas para certas classes, Apoiados.

O que nos trazia realmente o movimento? Qualquer cousa de bom para o país? Não. Era justificado porque estava um Govêrno em ditadura? Também não; trazia-nos apenas o enigma, que é apenas conveniente para aquelas criaturas que, não sabendo cumprir o seu dever, querem ^a todo o transe evitar que outros o cumpram.

O que fez êste Govêrno para o quererem ver substituído? Não tem sido um Govêrno de apaziguamento, mas ao mesmo tempo com a energia suficiente para arrecadar nos cofres do Estado a receita que lhe é necessária? Mas então não é dado aos poderes constituídos, e mormente ao Poder Legislativo, saber quando os Governos cumprem os seus deveres?

Porventura temos nós necessidade de elementos estranhos para fazermos cumprir com os seus deveres a quem estarias cadeiras do Poder?

Porventura, sem a intervenção dêsses elementos, não se tem limado as asperezas de certas leis que tem levantado celeuma na sociedade portuguesa?

Pois bem1, o Parlamento não é nada, num regime democrático, para os indivíduos revoltados.

Foi isto que repugnou à consciência Copular, e repugnou por tal maneira que percorrendo-se a cidade se verificava o an seio que o povo tinha de provar que a fisionomia popular se não tinha alterado. O povo tem realmente o sentimento das proporções e das conveniências, e para que se não dissesse que se lhe lançava um pequeno rastilho, e para que os facínoras que em todas as horas amargas da República descem, como lobos esfaimados, ao povoado, não pudessem praticar mais crimes, o povo cumpriu serenamente o seu dever. Apoiados.

Isso muito contribuiu para que o Govêrno, com aquela parte da fôrça armada de que dispunha, tivesse podido, em algumas horas, jugular o movimento, no qual as pessoas que o dirigiam não tiveram pejo de se servirem de simples recrutas, simples por excelência, para os sacrificarem pela sua vaidade, pela sua megalomania, tirando à sociedade alguns elementos prestantes e alguns prestes a abandonarem as fileiras militares.

Apoiados.

Glória também para êste Govêrno, que em poucas horas conseguiu sufocar um movimento no qual muitas pessoas não acreditavam que se tivessem gasto tantas munições.

Compreendo alguns movimentos, e em alguns tive responsabilidade, quer para mudança de região, quer para sacudir aventureiros do Poder, ou esmagar ditaduras, mas, tendo também condenado muitos movimentos que têm tido eclosão a dentro do meu país, nunca vi nenhum que tivesse tal ponto de interrogação como êste, e assim é que não compreendo a promiscuidade dos elementos que o compunham, nem a sua finalidade, que não dava garantias a ninguém.

Apoiados.

Pois êsse povo da cidade de Lisboa, juntamente com outros elementos, restabeleceu a ordem e o império da lei.

Se êsse movimento tivesse vencido o que aconteceria à sociedade portuguesa? Toda a gente o poderá dizer.

O que se fez foi um crime contra a nação; foi um movimento anti-republicano, porque os republicanos devem exercer a sua acção dentro dos organismos que a Constituição instituiu. Por outro lado êste movimento deminuíu, ou tentou deminuir o Poder Legislativo, porque sempre na história da política portuguesa honra a supremacia do Poder civil.

A República tem dado aos militares as mais altas representações da administração pública, e isso dá-nos fôrça para que todos estejam ao lado do Govêrno, que soube manter a ordem e defender o prestígio das instituições políticas.

Êste lado da Câmara está ao lado do Govêrno (Apoiados) dêsse Govêrno que soube tam bem defender as prerrogativas de todos os cidadãos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi lida e admitida a moção do Sr. António Maria da Silva.

Página 15

Sessão de 21 de Abril de 1925 15

O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): - Peço a V. Exa. Sr. Presidente, o favor de me elucidar quando é que se discute o caso da prisão do Sr. Cunha Leal, pois essa discussão não se deve demorar, tanto mais que o Govêrno não afirmou que êle tivesse sido preso em flagrante delito.

O Sr. Nuno Simões (para interrogar a Mesa): - Peço a V. Exa., Sr. Presidente, o favor de me dizer se está em discussão o pedido para se manter a prisão de dois Deputados ou a proposta apresentada pelo Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Presidente: - Informo V. Exa. que o que está em discussão é a proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Presidente do Ministério pedindo para ser mantida a suspensão de garantias e o estado de sítio no distrito de Lisboa.

Respondendo ao Sr. Carvalho da Silva devo dizer que o pedido do Sr. general comandante da divisão vai ser considerado pelas comissões.

O Sr. Carvalho da Silva (para um requerimento): - Requeiro que, a exemplo do que se tem feito nesta Câmara quando da prisão de Deputados, consulte a Câmara para entrar em discussão a admissão do pedido do Sr. general comandante da divisão, a fim de que as comissões hoje mesmo possam dar o seu parecer.

O Sr. Presidente: - O requerimento da V. Exa. não pode alterar a resolução de Câmara; a Mesa entende que se deve primeiro discutir a proposta do Sr. Presidente do Ministério e depois porá o requerimento de V. Exa. à consideração da Câmara.

O Sr. Carvalho da Silva (para um requerimento): - Requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que eu retiro o meu requerimento*

foi resolvido afirmativamente.

O Sr. Pinto Barriga:-Vão ser breves as minhas considerações. As minhas primeiras palavras são de felicitação ao Govêrno pela maneira como jugulou o movimento.

O Sr. Presidente do Ministério sem elementos estranhos ao exército dominou o movimento; e por isso mereço as nossas felicitações.

Apoiados.

Não precisou, repito, de elementos estranhos ao exército, que depois viriam requerer o prémio como revolucionários civis.

Assim S. Exa. dominou a revolução com os elementos do exército conscientes de um dever, e merece toda a nossa inteira simpatia e todo o nosso aplauso.

Como Deputado independente, em nome dos meus amigos políticos, dou o meu voto ao bill de indemnidade pedido.

São estas as declarações que tenho a fazer.

Outras declarações pessoalmente terei a fazer que se não contêm nesta declaração.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Álvaro de Castro: - Sr. Presidente: dirijo as minhas saudações e felicitações ao Govêrno por, com elementos militares, ter sufocado o movimento revolucionário que no dia 18 se manifestou em Lisboa.

Apoiados.

Felicito o Govêrno e especialmente envolvo nesta saudação o Ministro por cuja pasta mais directamente correm os assuntos militares.

Apoiados.

Felicito também todos os republicanos, (Apoiados) por mais esta vitória da República.

Apoiados.

Parece-me ser esta a vitória definitiva sôbre os perturbadores da ordem.

Não posso deixar de manifestar a minha satisfação se constatar o entusiasmo da população republicana do País, e muito especialmente de Lisboa, que se não manifestou na luta, certa de que os elementos de que o Govêrno dispunha o acompanhariam com entusiasmo.

Não quero nesta hora proferir palavras que sejam de acusação para os vencidos.

Nesta hora entendo que todas essas palavras são descabidas.

Tem sim que fazer-se justiça, justiça que sirva de exemplo para o futuro.

Para aqueles que defenderam, o Govêrno vão todas as minhas saudações entu-

Página 16

16 Diário da Câmara dos Deputados

siásticas; à população e a todos aqueles que ao lado do Govêrno se colocaram.

Que todos êsses tenham o justo prémio do cumprimento do seu dever.

e Os que se colocaram fora da ordem, e se revoltaram, em nome de uma outra modalidade política, contra o Estado, serão castigados.

Apoiadas.

São inimigos da ordem pública.

Eu não acuso oficiais meus camaradas, alguns dêles meus amigos; mas não deixo por isso de apreciar os seus actos, não tendo palavras de paixão nem de ódio.

As minhas palavras são apenas as de desejo do justiça, mas justiça sem ódios, com serenidade.

Apoiados.

Vozes: - Muito bem.

O Orador: - Não, quero deixar também de, nesta hora, dizer aquelas palavras de sincera admiração e alto respeito que são devidos ao alto valor do Sr. Teixeira Gomes, Presidente da República Portuguesa.

Apoiados.

Não precisa, certo, das minhas, palavras de saudação, mas das da Câmara.

Presto, porém, assim a minha homenagem, e o meu culto a um homem que tam alto tem sabido elevar a magistratura em que nós o investimos.

Apoiados.

O País encontrou um homem que compreende a sua missão, e que realizou, através de tudo, com uma consciência segura e com serenidade, e coragem, o que não é para desprezar no desempenho de tam alta função, o seu dever. Apoiados.

Vozes: - Muito bem.

O Orador: - Sr. Presidente: não posso deixar, em nome do Grupo de Acção Republicana, de votar, pelas razões expendidas, a moção mandada para a Mesa pelo Sr. António Maria da Silva, moção necessária neste momento, de saudação ao Govêrno e a todos aqueles que defenderam as liberdades públicas ameaçadas.

Mas entendo que há mais uma pessoa a quem necessàriamente não podemos: deixar de elogiar: o Sr. comandante da 1.ª divisão, general Adriano de Sá.

Apoiados.

Mandarei para a Mesa uma moção nesse sentido, porque acho absolutamente necessário fazê-lo.

O Sr. Presidente do Ministério foi mais feliz do que eu em quando tive a infelicidade de combater elementos subversivos, pois não encontrei um general que soubesse realizar a sua missão.

Não quero nesta hora deixar de realizar um acto do cumprimento integral duma dívida,

Está na Mesa uma proposta do Govêrno para manutenção do estado de sítio.

Fala-se em bill pelo facto do Govêrno declarar o estado de sítio; pois eu entendo que o Govêrno não tem que pedir bill algum, visto que o Parlamento não estava aberto e era de urgência essa medida.

O Govêrno não deve vir poder bill, mas sim a continuação do estado de sítio.

Eu chamo a atenção do Sr. Presidente do Ministério para a circunstância e pára a maneira como está redigida essa proposta para o estado de sítio em toda a, sua plenitude, isto é suspendendo totalmente as garantias e os direitos individuais.

Permita-me V. Exa. que ou, em nome da Acção Republicana, lhe diga que acho demasiada a suspensão de garantias integralmente.

A cidade de Lisboa principalmente não pode durante 15 dias estar como uma cidade em pé de guerra.

O Govêrno carece só da suspensão das seguintes garantias:

Leu.

A garantia capital, o habeas corpus, infelizmente não está regulamentada. Parece-me desnecessário uma tam larga extensão de suspensão de garantias. Assim S. Exa. duma cousa útil torna-a, inútil.

Espero que o Sr. Presidente do Ministério aceitará as minhas considerações, tanto mais que o Parlamento está aberto e tem a possibilidade de se pronunciar acerca da suspensão, de outras garantias, se tanto fôr necessário.

Apoiados.

Página 17

Sessão de 21 de Abril de 1925 17

É uma suspensão de garantias a curto prazo.

Entendemos também que êste momento não é ocasião para largas discussões e apreciação dos acontecimentos, pois nem o Govêrno tem todos os elementos de informação para poder responder. E preciso acalmar as paixões e não excitá-las. É preciso que se faça luz e se verifique bem de quem é a responsabilidade.

Pela primeira vez se assistiu a uma realização plena de todas as forjas do Govêrno. Isto conseguiu-se à custa de muitas horas dolorosas.

Apoiados.

Êste movimento é de responsabilidade mais alta de pessoas que queriam servir os seus interêsses inconfessáveis, serviam porventura, não as cabalas políticas como se usa dizer, mas as cabalas financeiras.

Apoiados.

Não posso esquecer que a atmosfera que se pretende forjar foi organizada por órgãos de larga publicidade, com intuitos manifestos, com propósitos conhecidos.

Apoiados.

Não podemos deixar de estudar os meios necessários para modificar a possibilidade de atmosferas políticas engendradas por indivíduos que põem os seus capitais ao serviço dos seus interêsses, agitando a sociedade portuguesa.

Apoiados.

A República atravessa uma hora de felicidade, dependendo do Parlamento a sua continuação, tornando esta hora, que é de renascença do espírito republicano, verdadeiramente eficaz para a sociedade.

Estou convencido de que todos os republicanos reconhecerão que através das suas disputas, das suas questões e dos seus debates de princípios há um terreno onde todos nos podemos encontrar, hoje mais tranquilos do que ontem, para uma obra que seja a dignificação da República e de nós mesmos.

Sr. Presidente: nesta hora e nas horas anteriores, vamos buscar sempre as razões de energia às razões de pugnarmos pela República cada vez mais perfeita, mais pura e mais sagrada, nos princípios que são o motivo da sua existência e que, mais do que as armas, hão-de ser a sua grande defesa.

Apoiados.

Terminando, Sr. Presidente, mando para a Mesa a minha moção, que é a seguinte :

A Câmara dos Deputados, tomando conhecimento dos factos ocorridos em Lisboa nos dias 18 e 19 do corrente e da enérgica conduta dos comandos e das praças de terra e mar na manutenção da ordem pública, louva calorosamente o general comandante da 1.ª divisão, Adriano de Sá, os seus cooperadores e as tropas do exército e da armada que se bateram pela Constituição.- Álvaro de Castro.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): - Sr. Presidente: de harmonia com as considerações do Sr. Álvaro de Castro, que aceito por com elas concordar, tenho a honra de enviar para a Mesa uma proposta de substituição àquela que há pouco apresentei.

É a seguinte:

Artigo 1.° É confirmado, quanto ao distrito de Lisboa, o estado de sítio, decretado pelo Govêrno, com suspensão das garantias estabelecidas na Constituição da República, artigo 3.°, n.ºs 13.°, 14.°. 15.°, 16.°, 17.° e 18.°

Sala das Sessões, 21 de Abril de 1925.- O Presidente do Ministério, Vitorio Guimarães.

Tenho dito.

Foi admitida.

O Sr. Carvalho da Silva:-Sr. Presidente: sabe V. Exa. e sabe a Câmara que todas as vezes que qualquer movimento se tem dado no nosso país, desde que te mós assento nesta casa do Congresso, por igual temos caprichado em não dizer qualquer palavra que, porventura, posso ir magoar os vencidos.

Não fica mesmo mal - acho até que fica bem - a quem, sem nenhuma responsabilidade ter em qualquer movimento, faz justiça aos que se batem de um e de outro lado.

Eu não posso, contrariamente ao que afirmou - certamente que as palavras lhe atraiçoaram o pensamento - o Sr.

Página 18

18 Diário da Câmara dos Deputados

António Maria da Silva, eu não posso considerar capazes do cometer qualquer crime contra a Nação os oficiais do exército português.

Muitos dos oficiais revoltosos tem prestado os mais relevantes serviços, tanto na defesa da Pátria como na defesa da ordem pública.

Não posso esquecer que alguns oficiais, condecorados com as mais altas distinções que a militares podem ser concedidas, fizeram parte dêsse movimento que, seja dito, em má hora rebentou na cidade do Lisboa,

Considera o Sr. Álvaro de Castro o momento que passa como uma hora de felicidade.

Eu e êste lado da Câmara, sem retaliações de qualquer espécie que seriam descabidas, permitimo-nos discordar da forma como o Sr. Álvaro de Castro pensa.

É demasiadamente melindrosa e grave para a nacionalidade portuguesa a hora que atravessamos.

As fôrças que tomaram posições na Rotunda eram sem dúvida fôrças cuja acção seria muito útil e muito necessária para a defesa da ordem, sem a qual não pode viver uma nação.

Fazem falta essas fôrças, fazem falta êsses oficiais, muitos dêles dos mais briosos do exército português.

Não me preocupa qual fosso o objectivo dêste infeliz e inoportuno movimento; o que me preocupa neste momento é a ordem no meu país, é a situação grave que êle atravessa.

Ainda hoje li no jornal O Mundo a defesa de medidas verdadeiramente revolucionárias, a defesa do medidas absolutamente contra todos os conservadores dêste país,

É preciso que nesta hora os Srs. governantes não se esqueçam de que é necessário unir e não desunir porque não estamos naquela hora de felicidades que o Sr. Álvaro de Castro acha que o País atravessa.

Não votamos esta proposta porque ela está redigida em termos demasiado latos e não temos confiança política no Govêrno para votar uma proposta desta natureza. Queremos a ordem mantida, mas isto não quere dizer que se passe por cima da lei porque assim verificar-se-ia que quem

tinha vencido não era a ordem, mas a desordem e os princípios revolucionários.

Não faz sentido que a Câmara funcione com suspensão de garantias constitucionais, pois estando proibido o direito de reunião está qualquer classe inibida de apreciar as medidas que o Parlamento está a discutir.

Há uma pregunta à qual o Sr. Presidente do Ministério não respondeu.

Tendo o Govêrno vencido um movimento militar, como explicar que o Sr. Ministro da Guerra fosso um vencido?

Esta circunstância faz-me prever que sôbre o Govêrno se estão exercendo pressões por parte de elementos que não são de ordem, mas que atentam contra ela.

Êste lado da Câmara prestando as suas homenagens a toda a fôrça pública, nunca poderá aceitar -e muito menos na hora grave que o País atravessa, que quaisquer fôrças mais do que o próprio exército possam ser consideradas pelos Poderes Públicos, como representando a ordem.

Eu que lamento o movimento que se deu7 que o considerei inoportuno e de consequências graves para a vida do País; eu que, embora adversário do regime, prego nesta hora mais do que nunca, a união de todos os elementos da ordem, não posso deixar de ver com desgosto, que o Sr. Ministro da Guerra fôsse um vencido nesta hora.

Sr. Presidente: terminando mando para a Mesa a seguinte moção;

A Câmara, saudando toda a fôrça pública o prestando homenagem à sua alta missão, passa à ordem do dia.

21 de Abril de 1925, - Artur Carvalho da Silva.

É esta a única moção que será votada por esto lado da Câmara.

Agora peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se ela permite que esta sessão seja prorrogada para apreciação e resolução sôbre o pedido do Sr. general comandante da 1.ª divisão militar, para serem mantidos em prisão os Srs. Cunha Leal e Garcia Loureiro.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi lida na Mesa e admitida a moção do Sr. Carvalho da Silva.

Página 19

Sessão de 21 de Abril de 1925 19

Seguidamente procede-se à votação do requerimento do mesmo Sr. Deputado para a prorrogação da sessão.

Foi aprovado.

O Sr. Júlio Gonçalves: - Roqueiro a contraprova, e invoco o § 2.° do artigo

Procede-se à contraprova e contagem.

O Sr. Presidente: - Estão sentados 60 Srs. Deputados e em pé 14. Está rejeitado. Tem a palavra o Sr. Lino Neto.

O Sr. Lino Neto: - Sr. Presidente: a minoria católica considera que nesta proposta não se envolvo a suspensão das garantias parlamentares, pois de contrário ela não se prestaria a entrar na discussão, visto que não se compreenderia que aqui estivéssemos sem termos essas garantias, além de que não nos seria possível fazer uma eficaz fiscalização do uso que o Poder Executivo fizesse da autorização que êle solicita, por esta proposta, do Parlamento.

Nestas condições a minoria católica dá a sua aprovação à proposta, na convicção de que o Govêrno só usará da autorização que a Câmara certamente lhe vai conceder no que se torne absolutamente indispensável para a manutenção e defesa da ordem pública.

Posto isto devo declarar agora que me congratulo com o Govêrno e com esta Câmara pelo restabelecimento da ordem pública em todo o País.

Sem ordem não é possível conseguir-se qualquer prosperidade social.

Só a ordem pública pode inspirar confiança. Só ela pode animar ao trabalho e dar progresso eficaz.

Isto chegou quási a ser já um lugar comum.

De todos os lados da Câmara está isto dito e redito, mas de nenhum dos lados da Câmara isto pode ser dito com mais autoridade do que a que tem a minoria católica, visto que nós temos como princípio fundamental do nosso programa o ataque contra tudo que seja conspiração e revolução, contra tudo que seja maçonaria.

Faço esta declaração para que todos possam avaliar bem quanto de sinceros somos em nos congratularmos com a Câmara, com o Govêrno e com o País, pelo restabelecimento da ordem pública e também para se ver a sinceridade com que sentimos os acontecimentos que se desenrolaram em Lisboa nos dias 18 e 19 últimos.

Mas, Sr. Presidente, se é certo que nada-se perde na vida colectiva, que nada se perde na história, eu sou levado a afirmar que êsses acontecimentos constituirão uma grande lição para os que defenderam e sustentaram o prestígio do Poder e para os que atentaram contra os Poderes constituídos.

E uma lição para aqueles porque as revoluções trazem sempre atrás de si uma grande porção de mal-estar colectivo e êsse mal-estar que se fará agora sentir levará por certo os homens do Govêrno a encaminharem as cousas públicas no sentido de ser possível assegurar solidamente a ordem.

É também uma lição para os que atentaram contra os poderes constituídos porque se verificará como, de um momento para outro, oficiais que tem uma brilhante carreira militar e alguns desces intervieram no movimento, ficaram não direi inutilizados, mas enfraquecidos. Foram valores que se deminuíram para a acção colectiva da Pátria. E isso para sentir.

Seria bom que de uma vez para sempre todos compreendessem que os verdadeiros progressos de uma Pátria são só aqueles que se alcançam pela evolução das ideas.

Sr. Presidente: tanto no campo dos atacantes como no dos atacados houve vítimas. Perante elas curva-se com respeito a minoria católica.

Aos sobreviventes, vencedores e vencidos, só há que dizer: trabalhemos todos no sentido de se fazer uma política sã e útil ao País, porque só assim esta nossa Pátria, que todos querem engrandecida, poderá, realmente, ser grande.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem. O orador não reviu.

O Sr. Nuno Simões: - Sr. Presidente: ouviu a Câmara, o relato dos últimos acontecimentos feitos pelo Sr. Presidentes do Ministério.

Página 20

20 Diário da Câmara aos Deputados

Êsse relato não nos permite, evidentemente, lazer a crítica dos últimos acontecimentos, a averiguação de todos os responsáveis, a definição de todas as res-ponsabilidades.

Do que o Sr. Presidente do Ministério disse à Câmara fica-nos, apenas, o direito a nós republicanos de nos associar às palavras de justíssima homenagem que o Sr. Vitorino Guimarães dirigiu às entidades que colaboram com o Govêrno na manutenção da ordem pública.

Não há ainda muito tempo que nesta Câmara, a propósito de um incidente do somenos importância, e que não foi averiguado como devia, o assalto ao Quartel General, toda a Câmara disse ao Sr. Presidente do Ministério que podia contar com o seu apoio, para manter a ordem pública.

O país, na verdade, está cansado de perturbações e de desordens, tanto das perturbações o desordens armadas, como das perturbações e desordens políticas, que não chegam a ter realmente expressão armada, que não chegam a dirigir-se fora dos gabinetes dos políticos e das ante-câmaras das personalidades a quem o país confiou os seus destinos, o que muitas vezes, justo é dizer-se, se esquecem das tremendas responsabilidades que sôbre elas pesam.

Sr. Presidente: sou dos que pensam que não ora possível em Portugal mais nenhum movimento revolucionário, se nós republicanos tivéssemos cumprido a nossa obrigação, se os partidos fossem o que deveriam ser, se o Parlamento tivesse cumprido sempre integralmente a sua obrigação, e, não fazendo quaisquer censuras, não posso deixar, de lastimar o que nas últimas sessões desta Câmara se passou relativamente ao problema dos fósforos, que deu motivo a muitas suspeicões, a muitas campanhas e a muitas reservas lá fora.

Mas, não é agora ocasião de se apurarem responsabilidades. O relato que o Sr. Presidente do. Ministério aqui nos trouxe impõe-nos a obrigação de aderir às palavras de justíssima homenagem que S. Exa. proferiu, em relação as entidades que tolaboraram com o Govêrno para dominar a insurreição de carácter militarista, que teve a sua eclosão no sábado passado.

Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Ministério concluiu o seu relato, apresentando à Câmara uma proposta para que seja prorrogado o estado de sítio.

Equivale isto a dizer, que S. Exa., é o primeiro a reconhecer que ainda não é oportuno fazer a crítica dos acontecimentos e de preguntar se todas as entidades que deveriam ter colaborado com o Govêrno para o prevenir cumpriram a sua obrigação.

A seu tempo, porque a Câmara o deseja e o país o reclama, essa crítica só fará.

Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Ministério, referiu-se a um incidente de carácter político, que motivou a saída do Sr. Ministro da Guerra, dizendo que se tratava de um lamentável equívoco.

Não é o momento para fazer um largo debato político, não há que discutir agora êsse facto nem de definir se se trata de um lamentável equívoco ou de qualquer cousa mais.

O Sr. Vieira da Rocha é um militar a cujos merecimentos nesta Câmara tenho ouvido fazer honrosas referências e não é com esta simples expressão "lamentável equívoco" que se justifica a saída do Sr. Ministro da Guerra após a dominação de um movimento revolucionário, em cuja sufocação S. Exa. evidentemente superintendeu.

A apreciação dêste facto fica para quando a Câmara achar oportuno.

Sr. Presidente: feitas estas rápidas considerações, direi a V. Exa. e à Câmara que voto o pedido de autorização formulado pelo Sr. Presidente do Ministério, e voto-o porque sinceramente junto às saudações que foram dirigidas ao Sr. Vitorino Guimarães e aos seus colegas de Gabinete, as minhas saudações sinceras pela firmeza com que S. Exa. e os seus colaboradores souberam agir, num momento verdadeiramente excepcional.

Sr. Presidente: devo em todo o caso fazer ao pedido do Sr. Presidente do Ministério uma restrição. Faço-o com absoluta sinceridade, fora de qualquer espírito de política, sem qualquer intenção de agradar a A ou a B, mas no cumprimento de uma obrigação, não podendo nunca ser acusado de qualquer acto ou palavra contra a liberdade dos outros.

Refiro-me, Sr. Presidente, à censura

Página 21

Sessão de 21 de Abril de 1925 21

aos jornais de Lisboa e à suspensão de alguns.

Compreendia-se, suspensas as garantias, que durante as operações o Govêrno exercesse a censura sôbre os jornais. Digo-o sem receio de me sentir deminuído na minha qualidade de jornalista.

Compreendia-se, repito!

O Govêrno tinha o direito e o dever de defender-se e defender a ordem, que podia ser, consciente ou inconscientemente, perturbada, se êsses jornais publicassem determinadas notícias. Mas, dominado o movimento nas condições em que o Sr. Presidente do Ministério acaba de declarar, posta a correr a notícia de que o Sr. comandante da divisão permite em Lisboa espectáculos públicos, afirmado o desejo de que o Parlamento funciono e discuta medidas de interêsse público e o de que o Govêrno se não dedique exclusivamente ao apuramento das responsabilidades e que antes continue numa obra de colaboração estreita com o Poder Legislativo, mal se entenderá que sôbre os jornais se exerça realmente a censura.

Por muitas razões que o Sr. Presidente do Ministério tenha (pode todas e se as tem e entende que não deve dizê-las neste momento eu não apelo para S. Exa. para nos dizer quais são), por muitas razões que S. Exa. tenha, repito, contra as pessoas que nos jornais escrevem o que podiam, porventura, fora da sua situação do jornalistas, ter tido qualquer intervenção nos acontecimentos, não necessita S. Exa. de exercer qualquer violência ou medida excepcional contra os jornais.

A censura, Sr. Presidente, e uma faca de dois gumes. Se serve ao Govêrno para se privar de determinadas críticas e informações, dá também o pretexto para que os leitores dos jornais façam, por vezes, a respeito das censuras os piores comentários e suponham, por vezes, as cousas muito piores do que elas são.

Se necessitamos de fazer uma obra de acalmação - como muito bem disse o Sr. Álvaro de Castro - o Sr. Presidente do Ministério fazia bem, honrava-se sem dúvida, dava uma prova do seu alto espírito de liberdade o de democracia, excluindo da sua proposta o n.° 13.° do artigo 3.° da Constituição.

Por mais que S. Exa. possa supor que a censura lho pode ser útil, eu tenho a absoluta certeza, falo com plena consciência e com a maior sinceridade, que S. Exa., o Govêrno, a averiguação das próprias responsabilidades nada lucrarão com essa censura aos jornais.

Sr. Presidente: a imprensa tem muitos defeitos. Reflecte todos os defeitos da nossa política, todos os defeitos do meio em que vivemos. Nem podemos criminar mesmo aquela que em certos momentos nos é antipática, porque noutros é precisamente a que se nos torna mais simpática. Pessoas há que, em certos momentos, clamam contra os jornais e os acham impróprios para realizar a missão que desejariam que êles tivessem, mas, noutros, são as primeiras a fazer-lhes elogios porque os jornais lhes fizeram então o seu jôgo.

Infelizmente a política em Portugal tem-se feito com muitos altos e baixos e a Imprensa que devia ser estranha a êles e cuidar apenas do exercer a sua missão, tem também que exercer a sua acção aos altos e baixos...

O Sr. Júlio Gonçalves (em àparte): - Quando não é feita só com baixos.

O Orador: - Sr. Presidente: o Sr. Júlio Gonçalves diz-me aqui ao lado que a imprensa só tem baixos.

Evidentemente S. Exa. é uma pessoa que pode ter a respeito da imprensa as opiniões que quiser; é, porém, injusto e tenho a certeza de que o Sr. Júlio Gonçalves, assim como todos os Srs. Deputados, quando deixam de ser justos, hão-de descontentar-se comsigo próprios, à ar de haver um momento na sua vida pública em que S. Exa. tenha achado bom á atitude de determinada imprensa.

Se somos todos iguais, não temos os mesmos princípios, os mesmos objectivos.

Sr. Presidente: em seguimento das minhas considerações devo declarar a V. Exa. e à Câmara que não mo parece que o Sr. Presidente do Ministério careça da autorização que pede.

Não só compreenderia que ao mesmo tempo que se exercesse a censura à imprensa se determinasse a supressão de certos jornais.

Então, Sr. Presidente, temos de confessar que em Portugal estamos todos fora dos nossos lugares.

Página 22

22 Diário da Câmara dos Deputados

Se queremos continuar a discutir aqui questões de interêsse público e só fechamos lá fora essas mesmas questões, temos de reconhecer que o Govêrno não podendo cindir o Poder à sua função de manutenção da ordem pública, nestes dias, o Govêrno tenta praticar determinados actos de administração e não q u oro que se exorta critica sôbre êsses internos actos.

Evidentemente, isto não está bem.

O espírito republicano não reclama, hão pode reclamar semelhante medida.

Quando a censura ainda se não exercia o espírito republicano criou em Lisboa um ambiente que tomou perfeitamente inviável, a revolta militar que acaba de dar-se.

É que o correctivo que existe para todos os excessos, para todas as más intenções que a imprensa possa ter em certos movimentos está no próprio espírito republicano e êsse não necessitou do estímulo de ninguém para cumprir o seu dever.

Êsse é que é o correctivo com que o Sr. Presidente do Ministério tem do contar.

Se os jornais praticam delitos, há leis que os punem; apliquem-se essas leis.

O Govêrno, que se afirmou um Govêrno republicano, como era necessário, que afirmou as suas qualidades de são republicanismo, não necessita desta medida.

Sr. Presidente do Ministério, V. Exa. não precisa, não deve querer que fique nessa autorização o pedido para exercer a censura da imprensa, porque tal medida em nada aproveita o objectivo de pacificação que o Govêrno se propõe exercer.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Vasco Borges (em. 'nome das comissões de legislação civil e guerra): - Sr. Presidente: peço a V. Exa. 51 que consulte a Câmara sôbre se permite que as comissões de guerra o legislação civil reunam durante os trabalhos parlamentares.

Consultada a Câmara resolveu afirmativamente.

O Sr. Tôrres Garcia: - Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério e Ministro da Guerra para as considerações que vou fazer e que se referem a um aspecto da organização da República que por não ter
merecido até aqui a devida atenção dos Poderes da mesma República, até certo ponto podem ter levado à eclosão do movimento que vem sendo apreciado e ainda à eclosão de outros.

A República definiu uma política militar através da organização do exército de 1911 com que pretendeu criar neste País a instituição da Nação armada através de um exército miliciano, deixando aos quadros permanentes do exército apenas a função técnica da preparação dos quadros a mobilizar em caso do campanha.

Essa função exclusivamente técnica e tendente a realizar uma política militar definida clara e precisamente pela República, impõe automaticamente que dêsses quadros permanentes do exército só façam parte indivíduos que aceitem sem restrição alguma os princípios em que a República fez assentar a sua organização militar.

Evidentemente, que se os indivíduos que fazem parte do quadro permanente do exército têm de submeter-se, sem condicionamento de qualquer espécie, à prática permanente o constante dos princípios em que assentou essa organização militar, aqueles que, num dado momento, se encontram em conflito com ela, têm de retirar se, livremente, se o seu carácter não lhes sofro a condição, que não quero classificar, de aceitarem verbalmente compromissos que são sagrados, que são tomados em nome da honra e praticarem depois actos contrários a êsse juramento formidável, dos mais formidáveis que um homem pode contrair.

Então, se não saem espontaneamente de um conflito de opiniões ou de convicções devem ser postos à margem pelo Poder da República quando praticam actos que estão absolutamente em discordância, não só com os princípios basilares da política militar da República, mas, até, em conflito com o procedimento que um homem de bem deve ter.

Não me alongo mais em considerações Sr. Presidente, mas friso êste ponto para que se não vão juntar aos muitos actos vergonhosos que temos praticado mais um que nos leve para a História como imbecis, se para lá não formos também como criminosos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Página 23

Sessão de 21 de Abril de 1925 23

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): - Sr. Presidente: sarei breve, visto que a situação não é, efectivamente, para se pronunciarem grandes discursos, mas mais para actuar, e, além disso, porque, na verdade, quási que tenho do me limitar, em face dos discursos pronunciados nesta Câmara, a agradecer aos ilustres oradores as saudações de aplauso e as promessas de auxílio que dirigiram ao Govêrno.

Contudo, Sr. Presidente, algumas considerações tenho de fazer em resposta aos discursos do Sr. Carvalho da Silva e do meu presado amigo o Sr. Nuno Simões.

Sôbre o do Sr. Carvalho da Silva, devo dizer que, francamente, não compreendo muito bem as palavras que S. Exa. pronunciou, ou antes, parece-me encontrar nas suas considerações uma verdadeira incoerência.

Ao passo que S. Exa. se mostrava entusiasmado pela ordem e dizia que era preciso combater todos os princípios atentatórios dá mesma ordem, S. Exa. vinha com insinuações para se armar novamente uma atmosfera de desordem.

S. Exa. falou em imposições extremistas, e, eu intimo S. Exa. a que diga à Câmara quais foram essas intimações extremistas.

Eu direi a V. Exa., Sr. Presidente e à Câmara, que o Govêrno a que presido, ou qualquer outro Govêrno republicano, não recebe qualquer intimação extremista.

Apoiados.

Parece-me que não é próprio, poucos dias depois de se ter jugulado um movimento de que ainda existe o rescaldo, virem levantar-se outra vez as paixões políticas.

Sr. Presidente: não podia deixar de fazer êste protesto, porque não podia deixar ficar em suspenso as afirmações feitas pelo Sr. Carvalho da Silva, as quais não classificarei pelo termo próprio porque faço a S. Exa. a justiça de acreditar que foi iludido.

Um outro facto a que S. Exa. se referiu é aquele a que se referiu também o Sr. Nuno Simões: é o caso relativo à imprensa.

O Sr. Nuno Simões, que me conhece bem e que não ignora os meus arreigados princípios liberais, deve reconhecer

que é com profundo pesar que me vejo obrigado a usar da censura aos jornais e -a julgar que, efectivamente, ainda não chegou o momento de terminar êsse estado de cousas,

Sabe a Câmara que ainda não se iniciaram as investigações para o apuramento de todas as responsabilidades do movimento que acaba de se dar em Lisboa e que, emquanto durarem ou, pelo menos, durante os seus primeiros dias, o Govêrno ainda tem de estar armado com os necessários elementos do defesa.

Pode o Sr. Nuno Simões como pode toda a Câmara, estar certo de que não há da parte do Govêrno nenhum ódio contra a imprensa e de que, logo que lhe seja possível, o mais breve possível, o Govêrno trará ao Parlamento uma proposta para que se modifique a sua situação.

O Govêrno reconhece bem que só se restabelecerá a confiança de que a vida normal do País necessita no dia em que fôr levantado o estado de sítio na cidade de Lisboa.

Devo dizer a V. Exa. que, para justificar a necessidade de usar da censura à imprensa, poderia trazer à Câmara alguns exemplares de jornais censurados, em que havia, não direi já a insídia, mas a mentira absoluta em defesa dos revoltosos.

Um dêsses jornais, relatando a acção da artilharia, fazia-a nos seguintes termos:

"As 4 horas rompeu fogo a artilharia do Govêrno, mas uma peça colocada no Parque Eduardo VII fê-la imediatamente calar e, durante toda a noite, não se ouviu senão a artilharia dos revoltosos!"

Dizendo o contrário estava certo, e ninguém ignorava onde caiam os tiros.

Um àparte do Sr. Ministro da Instrução (Xavier da Silva}.

O Orador: - Recorda-me agora o Sr. Ministro da Instrução a notícia também publicada num dêsses jornais, de que no Parque Eduardo VII estavam as primeiras mentalidades do País.

Quanto às providências que as autoridades competentes tomaram para que determinados periódicos fossem proibidos de circular, devo dizer que, efectivamente,

Página 24

24 Diário da Câmara dos Deputados

nas circunstâncias em que nos temos encontrado e em que ainda nos encontramos, porque ainda são necessárias essas medidas, não é bastante, muitas vezes, a censura.

E o Sr. Carvalho da Silva, para reconhecer que o Govêrno não é movido por qualquer espírito de ódio, devia considerar a maneira imparcial como procederam as autoridades, as quais não suspenderam nenhum jornal monárquico, porque êsses, embora fazendo a sua política, embora dando notícias em que, se bom que afirmem o contrário, as simpatias iam para os revoltosos, bastava que fossem censurados.

Mas a censura não pode, o não podia, intervir em questões do critério ou de orientação, e periódicos houve que aproveitaram essa circunstância para estabelecerem cada vez mais funda a divergência na sociedade portuguesa.

Ora neste momento nós não podíamos consentir, mesmo para prestígio do Estado que tal caso se dêsse. Eis a razão porque essa resolução foi tomada, e, embora tomada por Autoridades que estão encarregadas dêsse serviço, repito, o Govêrno assume a responsabilidade do facto.

O Govêrno tem a mais absoluta confiança nas pessoas que estão encarregadas de dirigir Ossos serviços e assumo a responsabilidade dos actos por chis praticados.

Creia o Sr. Nuno Simões qno falo com toda a sinceridade quando lhe afirmo que é com verdadeiro pesar que mo vejo obrigado a manter ainda durante alguns dias, mas que serão muito poucos, a censura aos jornais, mas é exactamente ao contrário do que S. Exa. disse, para não permitir a perturbação que certos jornais têm lançado na sociedade portuguesa.

Apoiados.

Termino dizendo que desejo tanto como S. Exa. que o espírito de liberdade pairo sôbre toda a nossa sociedade, e que se efectivamente ela não o tem agora por completo a culpa não é do Govêrno, mas daqueles que vieram perturbar a ordem-

Apoiados.

Agradeço também aos Srs. António Maria da Silva, Álvaro de Castro, Pinto Barriga e Lino Neto, as saudações que dirigiram ao Govêrno.

Podem S. Exas. estar certos, como já o afirmei há pouco quando tive a honra de falar nesta Câmara, do que o Govêrno sente-se fortalecido com essas saudações e que continuando o Parlamento a manifestar a sua confiança no Govêrno êle continuará também a desempenhar o sou papel com o mesmo objectivo do sempre (pie é fazer uma obra republicana, estabelecendo a ordem e a calina na sociedade portuguesa.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Nomeio para substituir na comissão de legislação civil e criminal o Sr. Adolfo Coutinho, o Sr. Alberto Vidal.

Vão ler-se dois ofícios enviados para a Mesa pela 1.ª divisão do exército.

Lêem-se na Mesa e baixam às comissões.

O Sr. Júlio Gonçalves (para interrogar a Mesa) - Sr. Presidente: pedi a palavra para preguntar a V. Exa. se já acabou a discussão da proposta do Govêrno.

O Sr. Presidente:-Não acabou. Leram-se êstes ofícios a fim de terem seguimento, pela simples razão de a Câmara ter autorizado a reunião das comissões de legislação civil o criminal e de guerra durante a sessão para as apreciarem.

O Sr. Nuno Simões: - Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Ministério, com o seu. conhecido espírito liberal e democrático, confessou a sua mágoa por ter do manter uma medida absolutamente excepcional, como é a da censura à imprensa e suspensão dalguns jornais.

Disse S. Exa. que necessitava que a Câmara o autorizasse a manter essa situação, porque carecia disso para as diligências que o Govêrno tem de fazer para averiguar do quem são as responsabilidades dos últimos acontecimentos.

Assim, Sr. Presidente, o meu protesto fica lavrado, assumindo o Govêrno a responsabilidade do que faz, do que fez o do que pretendo fazer, e na hora devida discutir-se hão os acontecimentos, isto é, as razões que levaram o Sr. Presidente, do Ministério a assim proceder, e que não

Página 25

Sessão de 21 de Abril de 1925 25

poderão certamente deixar do ser gravíssimas.

Dois factos apresentou o Sr. Presidente do Ministério como sendo dos mais graves para justificar o seu procedimento, qual é primeiramente o de um jornal ter dito que depois das fôrças revoltosas terem feito fogo sôbre as fôrças fiéis ao Govêrno estas não mais tinham feito fogo durante a noite contra êles.

É de facto para lastimar, Sr. Presidente, que um jornal tivesse escrito semelhante cousa; porém, acho isto de pouca importância, pois a verdade é que tal notícia é de fácil contestação, visto que toda a gente sabia de onde os tiros eram disparados.

Quanto à outra noticia, isto é, de que entre os revoltosos se encontravam as primeiras mentalidades, também me não parece o facto muito importante.

O Sr. Presidente do Ministério, repito, mantendo a censura e a suspensão dos jornais, assume uma grande responsabilidade.

Não tenho, Sr. Presidente, procuração alguma dos jornais suspensos para aqui os defender; porém, não posso deixar de ler à Câmara um artigo publicado num dêsses jornais, o Diário de Lisboa, cujo director é republicano, que diz o seguinte:

Leu.

Por aqui a Câmara está vendo a razão do que lhe acabo de expor.

Entendo, pois, que o Sr. Presidente do Ministério andaria se muito melhor permitindo a publicação de todos os jornais, e acabando igualmente com a censura, isto, a meu ver, para prestígio do poder e da autoridade.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito. Vai proceder se às votações.

Foi aprovada a moção do Sr. António Maria da Silva.

Rejeitou-se em prova e contraprova, requerida pelo apresentante) a moção do Sr. Carvalho da Silva.

O Sr. Manuel Fragoso: - É bom que fique bem acentuado que a Câmara nega a saudação aos revoltosos.

Foi aprovada a moção do Sr. Álvaro de Castro.

O Sr. Vergilio Saque (para um requerimento): - Requeiro a prioridade para a votação da segunda proposta do Sr. Presidente do Ministério.

Aprovado.

Foi aprovada a proposta do Sr. Presidente do Ministério, na generalidade.

Entrou em discussão na especialidade.

Foi aprovado o artigo 1.°

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 2.°

O Sr. Morais Carvalho: - Sr. Presidente: não sei se a Câmara atentou bem no que se contém no artigo 2.° da proposta em discussão.

O Govêrno pede uma autorização amplíssima para tomar todas as medidas que julgar convenientes no sentido de assegurar a ordem social e a tranquilidade pública, publicando os decretos e abrindo os créditos extraordinários que para isso forem estritamente necessários. Quere dizer, dentro desta autorização, nos termos latos em que propositadamente ela foi redigida, cabe tudo.

Tem êste Parlamento a experiência dos factos passados.

Concedeu-se ao Govêrno do Sr. Álvaro de Castro uma autorização, que se traduziu na lei n.° 1:545, para tomar providências tam somente no que respeitava à melhoria da divisa cambial, e a Câmara sabe que à sombra dessa autorização se fizeram nomeações, deram-se passes de caminhos de ferro a vários funcionários, entrada com benefícios nos hospitais, etc.

Calcule-se, portanto, o que poderá fazer amanhã o Govêrno, êste ou outro - porque não sei se é duradoura a vida do actual Ministério - armado duma autorização tam ampla, servindo-se do artigo 2.°, em discussão.

Sr. Presidente: já o Sr. Nuno Simões pôs bem em relevo os propósitos que animam o Govêrno no que respeita à imprensa.

Tem o Govêrno, pelo artigo 1.°, autorização para exercer a censura. Pois não lhe basta isso.

O Govêrno quere também, e já o tem feito, suspender alguns jornais.

Não compreendo, pois, Sr. Presidente, como é que a Câmara, perante um Govêrno que tem um critério desta natureza,

Página 26

26 Diário da Câmara dos Deputados

conforme foi aqui demonstrado pelo ilustre Deputado Sr. Nuno Simões, lhe vai dar uma autorização tam ampla como esta que se contém no artigo 2.°

Eu esporo, pois, Sr. Presidente, que o Sr. Presidente do Ministério ou o Sr. Ministro da Justiça, ou ainda qualquer membro do Govêrno, diga ao Parlamento, a fim de que êle possa votar êste artigo com consciência, o que entende que pode fazer dentro desta autorização contida neste artigo, isto é, quais são as providências que entende dever tomar para poder assegurar a ordem e a tranquilidade pública.

Aguardo, repito, que o Govêrno, por intermédio do Sr. Presidente do Ministério ou do Sr. Ministro da Justiça, diga à Câmara quais são as providencias que julga necessário tomar para assegurar a ordem e a tranquilidade pública.

Já hoje, Sr. Presidente, o meu particular amigo Sr. Carvalho da Silva chamou a atenção da Câmara para a doutrina expendida por um jornal da manhã, afecto ao Govêrno, O Mundo.

Trocam-se apartes.

O Orador: - Eu pregunto, Sr. Presidente, ao Sr. Presidente do Ministério se realmente as medidas que vai tomar para assegurar a ordem e a tranquilidade pública são da natureza daquelas que se encontram expendidas nesse jornal.

Sr. Presidente: uma autorização desta natureza, a Câmara não pode nem deve votá-la.

Aguardo, pois, repito, as explicações do Govêrno a êste respeito, interrompendo por aqui as minhas considerações para voltar a falar, caso elas me não sejam satisfatórias.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Adolfo Coutinho): - Sr. Presidente: não podendo o Sr. Presidente do Ministério responder ao Sr. Morais Carvalho, devido ao seu estado de saúde, era a razão por que me levanto para responder às dúvidas que S. Exa. acaba de apresentar.

S. Exa. acha exagerada a autorização concedida pelo artigo 2.°, por entender que à sua sombra se podem praticar abusos, arbitrariedades e violências.

Pode o ilustre Deputado, porém, estar tranquilo de que o Govêrno não cometerá à sombra de tal autorização, ou de qualquer outra, nem abusos, nem arbitrariedades, nem violências.

Receia S. Exa. que as liberdades públicas sejam afectadas, e citou, para exemplo, o caso da imprensa.

S. Exa. sabe que foram graves os acontecimentos ultimamente produzidos e deve, por isso, reconhecer que a censura à imprensa se justifica com o propósito do evitai informações que, por inconvenientes, poderiam concorrer para dificultar a manutenção da ordem.

Todavia, da censura aos jornais ao cerceamento das liberdades públicas vai uma grande distância.

Quanto à abertura de créditos, creio que ela está inteiramente justificada com a necessidade de pagar não só despesas já feitas, mas ainda aquelas que, porventura, tenham do se fazer ainda.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: é preciso, realmente, ter arrojo para se pretender fazer acreditar que o Govêrno não abusará da autorização que consta do artigo 2.° da sua proposta.

A prova mais flagrante de que tal não sucederá está nos abusos que presentemente se estão cometendo já.

Um deles já aqui foi largamente referido pelo ilustre Deputado Sr. Carvalho da Silva e pelo Deputado republicano Sr. Nuno Simões.

Outro é o que diz respeito à prisão do dois colegas nossos.

Quando se trata de imunidades de parlamentares democráticos, a Câmara dá-se pressa em tratar do assunto; mas quando se trata de Deputados oposicionistas, a maioria não tem pressa em se manifestar.

Mas a nossa situação é sempre a mesma, quer se trate de uns, quer de outros.

Outro abuso que está sendo cometido é o que respeita à suspensão e censura dos jornais.

Sr. Presidente: acresce ainda que o artigo 2.° é inconstitucional, porque, segundo se depreende dos seus próprios termos, o Govêrno irá fazer uso da auto-

Página 27

Sessão de 21 de Abril de 1925 27

rização de que se trata, mais de uma vez. Ora isso é absolutamente contrário ao que dispõe a Constituição no seu artigo 27.°

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se encerrar a sessão.

V. Exa. deseja ficar com a palavra reservada?

O Orador: - Sim, senhor.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, com a seguinte ordem:

Antes da ordem do dia (com prejuízo dos oradores que se inscrevam): A de hoje, menos o parecer n.° 446 e proposta de lei n.° 904-K e mais o parecer n.° 598. que altera a lei n.° 1:368, de 21 de Setembro de 1922.

(Sem prejuízo dos oradores que se inscrevam):

A de hoje.

Ordem ao dia:

Proposta do lei do Sr. Presidente do Ministério, em que é confirmado o estado de sítio no distrito de Lisboa, e a que estava marcada.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Pareceres

Da comissão de correios e telégrafos, sôbre o n.° 890-B, autorizando o Govêrno a mandar imprimir, no saldo dos selos comemorativos do 4.° centenário da descoberta do caminho marítimo da índia, uma sobretaxa.

Para a comissão de finanças.

Constituição da comissão de legislação criminal

Presidente, o Sr. Vasco Borges; secretário, o Sr. A. Crispiniano da Fonseca.

Substituições:

Substituir o Sr. Adolfo Coutinho pelo Sr. Alberto Vidal.

Substituir o Sr. João Baptista da Silva pelo Sr. Pinto Barriga.

Para a Secretaria.

O REDACTOR - Herculano Nunes.

Página 28

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×