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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 68

EM 23 DE ABRIL DE 1925

Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Luís António da Silva Tavares de Carvalho

Sumário. - Abertura da sessão. Leitura da acta. Correspondência.

Antes de ordem do dia. - O Sr. Marques de Azevedo requere a discussão imediata do parecer n.° 892.

Aprovado êste requerimento, lê-se na Mesa o referido parecer, sobre o qual usa da palavra o Sr. Carvalho da Silva, sendo aprovado em seguida na generalidade e aprovado sem discussão na especialidade, ficando dispensado da leitura da sua última redacção, a requerimento do Sr. Marques de Azevedo.

O Sr. Carvalho da Silva censura o facto de se terem realizado pressões, em Lisboa, de alguns cidadãos, sob pretexto de terem estado na Rotunda, sendo efectuadas estas prisões por individuos desprovidos de qualquer qualidade de agentes de autoridade.

Responde-lhe o Sr. Ministro da Justiça (Adolfo Coutinho).

O Sr. Lopes Cardoso agradece á Câmara o voto de sentimento aprovado pela morte do antigo Deputado e seu irmão Acácio Lopes Cardoso.

O Sr. Cortês dos Santos requere a imediata discussão do parecer n.° 511.

Usa da palavra, sôbre o modo de votar, o Sr. Paulo Cancela de Abreu, sendo aprovado o requerimento.

A Câmara aprova, sem discussão, na generalidade e na especialidade, aparecer n.º 541, sendo dispensado da leitura da última redacção, a requerimento do Sr. Cortês dos Santos.

Entram em discussão as emendas do Senado ao projecto de lei referente aos mutilados de guerra.

Usam da palavra os Srs. Dinis lê Carvalho e Paulo Cancela de Abreu, sendo aprovadas seguidamente todas as emendas do Senado.

O Sr Jaime de Sousa requere a discussão imediata do parecer n.° 883. Aprovado êste requerimento, é lido na Mesa o parecer, serio aprovado sem discussão na generalidade.

Entrando em discussão o artigo 1, com a emenda da comissão de marinha, o Sr. Jaime de Sousa usa da palavra para enviar para a Mesa uma proposta de aditamento dêsse § único.

É admitida.

Usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva e Ministro da Marinha (Pereira da Silva).

Volta a usar da palavra o Sr. Carvalho da Silva, seguindo-se-lhe o Sr. Ministro do Comércio (Ferreira de Simas).

É aprovada a acta.

Ordem do dia. - (Continuação da discussão dos pareceres das comissões de guerra e legislação criminal sôbre o oficio do general comandante da 1a divisão para manter sob prisão os Srs. Cunha Leal e Garcia Loureiro}.

Usam da palavra os Srs. Ministro da Justiça (Adolfo Coutinho), Alberto Xavier, Pinto Barriga, Nuno Simões, Rocha Saraiva, Dinis da Fonseca e Cinestal Machado.

Usa da palavra para interrogar a Mexa o Sr. Plínio Silva, respondendo-lhe o Sr. Presidente.

Usa da palavra para explicações o Sr. Carneiro Franco.

Trocam-se explicações entre o Sr. Plínio Silva e o Sr. Presidente

O Sr. Vasco Borges inicia as suas considerações sôbre o assunto em debate, ficando com a palavra reservada.

Antes de se encerrar a sessão. - O Sr. Carlos de Vasconcelos ocupa-se da suspensão dos jornais, respondendo-lhe o Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho).

O Sr. Carvalho da Silva ocupa-se do mesmo assunto.

Volta a usar da palavra o Sr. Ministro do Interior.

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão às 15 horas e 37 minutos.

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Presentes à chamada 46 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 58 Srs. Deputados.

Srs. Deputados prementes à abertura da sessão:

Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto do Oliveira Coutinho.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leito do Vasconcelos.
Aníbal Lúcio do Azevedo.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Ginestal Machado,
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Domingos Leite Pereira.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Coelho de Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Júlio Gonçalves.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegro.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mariano Martins.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Rodrigo José Rodrigues.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo do Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António de Abranches Ferrão.
António Correia.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Ccastro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Carlos Cândido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim Costa.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Hermano José de Medeiros.
João Baptista da Silva.
João Estevão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.

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José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomás de Sousa Rosa.
Vasco Borges.
Vitorino Henriques Godinho.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Sousa Maia.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu de Mártires Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge Barros Capinha.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira Salvador.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.

Às 15 horas e 25 minutos principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 46 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 37 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofícios

Do Senado, enviando as seguintes propostas de lei:

Regulando as condições de matrícula nas escolas de ensino primário geral, elementares de comércio, indústria, agricultura, Liceus, Colégio Militar, Conservatórios de Música e Escolas de Belas Artes.

Para a comissão de instrução primária.

Regulando o preenchimento de vagas de médicos veterinários do quadro da Direcção Geral dos Serviços Pecuários do Ministério da Agricultura.

Para a comissão de agricultura.

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Excluindo das disposições da lei do inquilinato os prédios urbanos construídos depois da publicação desta lei.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Criando as freguesias de Vidago e Faiões.

Para a comissão de administração pública.

Criando o lugar de chefe do anatomia do Instituto do Anatomia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

Para a comissão de instrução superior.

Autorizando a Junmta do Freguesia de Argola a alienar um terreno para com o seu produto construir um edifício escolar.

Para a comissão de administração pública.

Elevando à categoria do vila o lugar do Bombarral.

Para a comissão de administração pública.

Do Senado, comunicando ter rejeitado a proposta do lei dos Deputados, n.° 802, que cria a freguesia de Silveira, concelho do Tôrres Vedras.

Para a comissão de administração pública.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período do antes da ordem do dia.

O Sr. Marques de Azevedo: - Requeiro a V. Exa., Sr. Presidente, se digne consultar a Câmara sôbre ao permite que entre imediatamente em discussão o parecer n.° 892, que já foi distribuído.

Posto êste requerimento à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se, para entrar cm. discussão na generalidade, o parecer n.° 892.

Lê-se na Mesa.

É o seguinte:

Parecer n.° 892

Senhores Deputados. - Os Srs. Germano de Amorim e Teófilo Carneiro apresentaram à Câmara o projecto do lei n.° 872-D, devidamente documentado, com todos os elementos do estudo indispensáveis para a sua justificação.

O projecto visa a criar nos concelhos do distrito do Viana do Castelo um adicional de 15 por cento sôbre as contribuições industrial e predial e impostos sôbre a aplicação de capitais e valor das transacções, destinando-se o seu produto única e exclusivamente à Junta das Obras do Pôrto de Viana o Rio Lima, para os fins designados nas alíneas do artigo 1.° da lei n.° 216, de 30 do Junho de 1914, dando-se à Junta a faculdade de poder consignar essas receitas a empréstimos a contrair ao abrigo do disposto no artigo 22.°, n.° 11, da lei n.° 216.°, já citada.

Pede-se mais no referido projecto de lei a elevação a 2$, a sobretaxa a que se refere a alínea a) do artigo 2.° da citada lei n.° 216.

A vossa comissão de finanças, tendo estudado o projecto de lei citado e verificado com cuidado os documentos que o acompanham, largamente elucidativos para a sua discussão, inclusivamente o mapa demonstrativo dos trabalhos realizados que muito honra a Junta do Pôrto de Viana e Rio Lima, verificando o esfôrço feito pelos homens que administram a Junta, não tem dúvidas a opor aã referido projecto, antes lhe dá o seu parecer favorável.

Sala das sessões da comissão de finanças, Março de 1925. - A. de Portugal Durão - Viriato da Fonseca - F. Velhinho Correia - A. Paiva Gomes - Mariano Martins - Artur Carvalho da Silva (com declarações) - Joaquim de Matos - Prazeres da Costa - Lourenço Correia Gomes.

Projecto de lei n.° 872-D

Senhores Deputados. - A lei n.° 216, de 30 do Junho de 1914, autorizando o Govêrno a delegar em uma corporação local, na cidade de Viana do Castelo, a administração das obras de melhoramento do seu porto e rectificar as margens do rio Lima, não deu a essa corporação os recursos necessários para bem se desempenhar dessa missão.

As receitas previstas nas alíneas a) e b) do artigo 2.° da citada lei estão hoje cativas por terem sido consignadas ao juro e amortização dos empréstimos autorizados pelo decreto n.° 4:322, de 25 de

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Maio de 1918, e lei n.° 1:218, de 21 de Setembro de 1921, e, ainda o saldo disponível das demais receitas previstas nas alíneas c) e d) do mesmo artigo.

Estabeleceu o artigo 3.° do citado decreto n.° 4:322 que a importância do empréstimo referido só poderia ser aplicada à execução das obras já projectadas ou àquelas que venham a ser aprovadas pelo Govêrno, mas, se atendermos à desvalorização do escudo, êsse empréstimo tornou--se insuficiente para a conclusão dessas obras, pois em 31 de Dezembro do 1919 já êle sofria uma desvalorização de 9 por cento em relação ao orçamento projectado e em 31 de Dezembro de 1920 essa desvalorização era representada por 37 por cento.

Dentro da pequena receita que fica livre não pode a Junta das Obras do Pôrto do Viana e Rio Lima desempenhar cabalmente a sua missão, como também não pode iniciar o desenvolvimento da agricultura na região a cujos produtos o pôr-to de Viana possa dar saída, função que lhe é atribuída pela alínea c) do artigo 1.° da citada lei n.° 216 e, portanto, urge criar novas receitas.

Essas receitas têm de ser pedidas aos povos da região, a quem o porto de Viana do Castelo directamente interessa, acabando, assim, de vez, com o preconceito de que o Estado é que tudo deve fazer, embora exista o fundo de protecção à marinha mercante e portos nacionais, mas êsse fundo não é elástico, e mal vai ao País se espera que todas as iniciativas para o seu desenvolvimento tenham de partir do Govêrno.

Por outro lado torna-se necessário actualizar, tanto quanto possível, algumas das receitas privativas da Junta, pois- não é justo que ainda hoje se pague a insignificante quantia de $50 em cada 1:000 quilogramas de mercadorias importadas e exportadas pela barra do Viana, nos termos da lei n.° 1:218, de 21 de Setembro de 1921.

Nestes termos tenho a honra do submeter à aprovação da Câmara o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Sôbre as contribuições industrial e predial e impostos sôbre a aplicação de capitais e valor de transacções lançadas e cobradas nos concelhos

do distrito de Viana do Castelo incide um adicional de 15 por cento, cuja importância é consignada à Junta das Obras do Pôrto de Viana o Rio Lima, para os fins designados nas alíneas do artigo 1.° da lei n.° 216, de 30 do Junho de 1914.

§ único. Êste adicional não incide sôbre a contribuição industrial devida pelos funcionários públicos.

Art. 2.° Os chefes das repartições de finanças concelhias mandarão depositar mensalmente na Caixa Geral do Depósitos, à ordem da Junta, as importâncias cobradas provenientes do adicionai criado pelo artigo 1.°

Art. 3.° A Junta poderá consignar ao serviço dos empréstimos a contrair, ao abrigo do disposto no artigo 22.°, n.° 11.°, da lei n.° 216. as receitas criadas por esta lei.

Art. 4.° E elevada a 2$ a sobretaxa a que se refere a alínea a) do artigo 2.° da citada lei n.° 216.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrário.

Economia do projecto

[Ver tabela na imagem]

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 4 de Março de 1925. - Teófilo Carneiro - Germano Amorim.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: eu sei que, na verdade, a aplicação do aumento de impostos que se pede neste projecto é para melhoramentos locais.

Em todo o caso entendo que a Câmara não deve deixar do considerar que o aumento até 15 por cento que êste adicional representa, é um novo encargo muito importante para os contribuintes, já de si bastante sobrecarregados com as grandes contribuições que têm de pagar.

Uma vez dito isto, eu não quero que se me possa atribuir a culpa de não passar uma proposta tendente a conseguir

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receitas para melhoramentos locais em Viana do Castelo. Porém, o que não podemos é dar o nosso voto ao projecto, porque êle representa, repito, mais um encargo, talvez muitas vezes incomportável, para alguns contribuintes.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi aprovado o projecto na generalidade.

Em seguida, foi também aprovado na especialidade, sem discussão.

O Sr. Marques de Azevedo (para um requerimento): - Requeiro a V. Exa. se digno consultar a Câmara sôbre se dispensa a leitura da última redacção do projecto que acaba de ser votado.

Foi aprovado.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: eu chamo a atenção do Sr. Ministro da Justiça, para que S. Exa. laça o favor de transmitir aos seus colegas do Interior e da Guerra as considerações que vou fazer.

Estão se cometendo em Lisboa, a pretexto do último movimento, violências verdadeiramente revoltantes.

Qualquer amador, que vai pelas ruas do Lisboa e encontra um inimigo, se permite mandá-lo prender, sob o pretexto de que êle esteve na Rotunda. E isto tem-se passado com pessoas que nem sequer por lá passaram.

Isto é verdadeiramente insustentável, e o Govêrno não pode. de maneira nenhuma, permitir a continuação de violências desta ordem.

Tive hoje conhecimento de que, para os lados das Avenidas Novas, reside uma família composta de mão e dois filhos. Com o pretexto de que os filhos são monárquicos, amadores permitirem-se procurar em casa êsses dois filhos, e, não os encontrando, prenderam a mãe o conservaram na 24 horas sob prisão.

Êste facto é revoltante.

Não há Govêrno nenhum, digno dêste nome, que possa permitir a continuação dêste estado de cousas.

Impõe-se ao Govêrno acabar, de uma vez para sempre, com estas perseguições e com estas violências.

Se o Govêrno diz que venceu em nome da lei e em nome da ordem, não pode permitir a continuação do semelhantes arbitrariedades, tendo, pelo contrário, o dever de reprimi-las severamente.

O Sr. Nuno Simões (interrompendo): - São cabos isolados...

O Orador: - Esperava que todos os Srs. Deputados se indignassem contra êstes casos, mas vejo que sucede exactamente o contrário.

O Sr. Nuno Simões (interrompendo): - Isso é uma especulação política, pois que, repito, o facto apontado por V. Exa. é um caso isolado.

O Orador: - Mais pessoas tem sido presas, sem terem nada com o movimento; e eu lamento que o Sr. Nuno Simões, ou qualquer outro Sr. Deputado não queira compreender isto e não proteste contra tais factos.

O Sr. Nuno Simões (interrompendo): - Eu não digo a V. Exa. que não apoio as suas reclamações; o que digo é que elas se referem a factos isolados, dos quais o Govêrno não pode ser tornado responsável.

O Orador: - Eu reclamo do Govêrno as mais enérgicas providências para que se não continue neste estado de cousas, contra o qual eu protesto, porque uma cidade como esta não pode continuar à mercê das más vontades que umas pessoas tenham contra outras.

Espero que o Sr. Ministro da Justiça transmitirá aos Srs. Ministras do Interior e da Guerra estas minhas considerações, porque tenho a certeza do que o Sr. general comandante da 1.ª divisão não conhece, nem consente, os factos a que acabo do me referir.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Justiça (Adolfo Coutinho): - O Sr. Carvalho da Silva disse que se têm cometido perseguições políticas nesta cidade. O Govêrno desconhece-as por completo.

Êle tem autoridades e polícia suficientes para efectuar prisões, e, por isso,

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não necessita de que elas sejam realizadas por amadores, conforme S. Exa. referiu.

Não pode S. Exa. afirmar que se estão a efectuar prisões de pessoas que não tiveram interferência alguma no movimento, a não ser que S. Exa. conheça todas as pessoas que nele intervieram.

Em todo o caso, eu transmitirei as considerações de S. Exa. aos meus colegas do Interior e da Guerra.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Lopes Cardoso: - Eu pedi a palavra Sr. Presidente, para agradecer a V. Exa., e a todos os Srs. Deputados que se dignaram falar, a quando da morte de meu irmão Acácio, as palavras que então aqui foram pronunciadas, e para dizer-lhes que conservo com a lembrança delas uma sincera gratidão.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Cortês dos Santos:-Roqueiro a V. Exa., Sr. Presidente, se digne consultar a Câmara sôbre se permite que entre imediatamente em discussão o parecer n.° 541, que cria a freguesia de Queluz, e, a seguir, as alterações do Senado à proposta de lei apresentada nesta Câmara sôbre mutilados de guerra.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o requerimento do Sr. Cortês dos Santos.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu (sôbre o modo de votar): - Requeiro que se discuta em primeiro lugar o projecto de lei vindo do Senado, relativo aos mutilados de guerra.

O Sr. Presidente: - Se o requerimento do Sr. Cortês dos Santos fôr rejeitado, porei à votação o requerimento do Sr. Cancela de Abreu.

Foi aprovado o requerimento do Sr. Cortês dos Santos.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Requeiro a contraprova.

Procede-se à contraprova, verificando-se ter sido aprovado o requerimento do Sr. Cortês dos Santos.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se para entrar em discussão o projecto de lei n.° 541.

Leu-se na Mesa o seguinte:

Parecer n.° 541

Senhores Deputados. - A vossa comissão de administração pública, examinando o projecto de lei n.° 526-E, da iniciativa do ilustre Deputado Sr. Aníbal Lúcio de Azevedo, sôbre a criação duma nova freguesia, denominada freguesia de Queluz, com sedo nesta povoação, do concelho do Sintra, constituída pela povoação de Queluz e os lugares do Pendão, Massamá, Ponte do Carenque, Gargantada e Afonsos, que são separados da freguesia de Belas, do mesmo concelho, é de parecer que êsse projecto de lei, bem justificado nos considerandos que o procedem e na bem elaborada representação, copiosamente assinada, que o acompanha e no documento que a instrui, é merecedor da vossa aprovação, porque satisfaz aos preceitos legais dos artigos 4.°, 3.° e 1.°, n.ºs 1.°, 8.° e 4.°, e artigo 11.° da lei n.° 621, de 23 do Junho do 1916, e porque corresponde ajusta aspiração da população a quem interessa.

Sala das sessões da comissão de administração pública, 8 de Junho de 1923. -Abílio Marçal - Dinis de Carvalho - Custódio de Paiva - Alberto Vidal - José de Oliveira da Costa Gonçalves, relator.

Senhores Deputados. - A vossa comissão de legislação civil e comercial, apreciando o projecto de lei da autoria dos Srs. Aníbal Lúcio do Azevedo e José Cortês dos Santos, sôbre a criação da freguesia denominada de Queluz, verifica:

Independentemente das razoes de carácter administrativo e do interêsse público, por ser da competência doutra comissão, que mereço a vossa aprovação êsse projecto de lei.

Com efeito, mostra-se pela certidão passada pela Secretaria da Câmara de Sintra, que se procedeu por meio do referendum dos eleitores, cuja consulta é necessário fazer por fôrça dos artigos 4.°, 3.° e 1.°, n.ºs 1.°, 3.° e 4.°, o artigo 11.° da lei n.° 621, de 23 de Junho de 1916, e com as formalidades legais, à votação da desanexação da freguesia de Belas das povoações de Queluz, Ponto do Carenque,

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Gargantada, Pendão, Massamá o Afonsos e criação da nova freguesia do Queluz, à qual ficam pertencendo as referidas povoações.

Nestes termos é esta comissão de parecer que o projecto de lei pode ser aprovado.

Sala das sessões da comissão de legislação civil o comercial, 11 de Março de 1924. - Alfredo de Sousa - Angelo Sampaio Maia - Amadeu de Vasconcelos - Crispiniano da Fonseca - Alberto de Moura Pinto - Vergilio Saque, relator.

Projecto do lei n.° 526-E

Senhores Deputados. - Considerando a conveniência, do melhorar sucessivamente a nossa divisão administrativa;

Considerando que êsse melhoramento é função do desenvolvimento, que determinadas regiões adquirem, como a legislação republicana claramente deferiu, determinando as condições em que as populações interessadas podem intervir na sua organização administrativa;

Interpretando uma antiga e justa aspiração, plenamente justificada no requerimento dos interessados, que realizam para si e para as populações que representam, sem inconvenientes para outros, um apreciável progresso; e

Considerando, ainda, que é exigida a sanção do Parlamento nos termos da lei n.° 621, de 23 de Junho de 1916, cujas determinações são completamente satisfeitas, como se verifica do respectivo processo junto:

Temos a honra de sujeitar à aprovação do Poder Legislativo o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E desanexada da freguesia de Bolas a povoação de Queluz e os lugares de Pendão, Massamá, Ponte de Carenque, Gargantada e Afonsos, que ficam constituindo uma nova freguesia, denominada freguesia de Queluz, com sede nesta povoação.

Art. 2.° Esta nova freguesia compreende a área limitada por uma linha, que, partindo do aqueduto no sítio da Ribeira de Carenque, passa pelo portão do Senhor da Serra, no sítio do Pego Longo, e vai terminar pelo lado norte do lugar da Ribeira do Papel. Ficando por oeste, sul e leste, com os antigos limites da freguesia de Belas.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das sessões da Câmara dos Deputados, 23 de Maio de 1923. - Aníbal Lúcio de Azevedo - José Cortês dos Santos.

Foi aprovado sem discussão na generalidade e especialidade.

O Sr. Cortês dos Santos: - Requeiro que seja dispensada a leitura da última redacção.

Foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se, para entrar em discussão, a proposta de lei, vinda do Senado, a respeito dos mutilados da guerra.

Leu-se na Mesa o seguinte:

Alterações introduzidas pelo Senado à proposta de lei da Câmara dos Deputados n.° 875:

Artigo 1.° A todos os mutilados de guerra com percentagem de invalidez igual ou superior a 26 por cento são aplicáveis as disposições do artigo 2,° da lei n.º 1:158, de 30 de Abril de 1921, e os artigos 2.° e 3.° e sua alínea da lei n.° 1:467, de 18 de Agosto de 1923.

Art. 2.° Aos inválidos da guerra com a percentagem de invalidez de 50 a 100 por cento são aplicáveis as disposições do artigo 2.° da lei n.° 1:158, de 30 de Abril de 1921, e os artigos 2.° e 3.° e sua alínea da lei n.° 1:467, de 18 do Agosto do 1923. Aos restantes inválidos com percentagem de invalidez compreendida entre 20 e 40 por cento inclusive são aplicáveis as mesmas disposições da lei n.° 1:467 e o artigo 3.° da lei n.° 1:158.

Art. 3.° Todos os cidadãos que se julguem no direito de ser considerados mutilados ou inválidos de guerra poderão requerer para ser presentes à junta em harmonia com o decreto n.° 10:099, dentro dos seguintes prazos a partir da publicação desta lei: dois meses para os residentes no continente da República, três meses para os residentes nas ilhas adjacentes e seis meses para os que residam nas colónias ou no estrangeiro.

Art. 4.° O artigo 2.° da proposta. Aprovado.

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Art. 5.° O artigo 3.° da proposta. Aprovado.

Palácio do Congresso da República, em 21 de Abril de 1920. - António Xavier Correia Barreto. - Luís Inocência Ramos Pereira - Joaquim Manuel aos Santos Garcia.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 1.° do Senado.

O Sr. Dinis de Carvalho: - Sr. Presidente: entendo que o actual Sr. Ministro da Guerra deve ser ouvido sôbre as emendas vindas do Senado, acerca dos mutilados da guerra.

Relatei êsse projecto do lei, procurando fazer uma obra justa e equitativa, de modo que em todas as circunstâncias as diversas individualidades atingidas por êsse projecto de lei fossem beneficiadas. Depois o Sr. Ministro da Guerra propôs que fôsse alterado o que estava feito.

Nestas circunstâncias, entendo que o Sr. Ministro da Guerra devo ser ouvido antes de continuar a discussão.

O orador não reviu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - A proposta do lei sôbre os mutilados de guerra veio atender as suas reclamações.

Entendo que só deve manter a lei nos termos em que foi aprovada na Câmara dos Deputados.

Acho justo que o Sr. Dinis de Carvalho tenha orgulho na sua obra; acho legítimo que o Sr. Dinis de Carvalho se vanglorio pelo trabalho que realizou.

Mas permita-me S. Exa. que discorde da sua opinião e que, apelando para o seu coração, abstraia da sua personalidade e mo limite a apreciar a situação dos mutilados de guerra, lamentando mais ;ima vez que o Parlamento, não regateando aos revolucionários: civis todas as escandalosas regalias, regateie entretanto os recursos indispensáveis aos mutilados que os merecem.

Àparte do Sr. Dinis de Carvalho.

O Orador: - Já foi votado nas duas casas do Parlamento um artigo novo apresentado pelo ex-Ministro da Guerra Sr. Vieira da Rocha, determinando uma revisão de todos os processos dos mutilados da guerra, para assim se remediarem quaisquer irregularidades e abusos que hajam sido praticados.

Portanto, cumprindo-se isto à risca, deixarão de existir motivos para os reparos do Sr. Dinis de Carvalho.

Devo mesmo informar o Sr. Dinis do Carvalho de que me consta que o Sr. Ministro da Guerra Vieira da Rocha concordou, no Senado, com as alterações introduzidas.

O Sr. Dinis de Carvalho: - Não sabia. Já não está aqui quem falou.

Fiquei sabendo. Muito bem.

O Orador: - Nestas condições eu entendo que a Câmara deve pronunciar-se conforme a votação do Senado, praticando assim um acto do justiça e acabando de vez com êsse cortejo de dor e de miséria que quási permanentemente tem andado a caminhar até aqui.

Tenho dito.

Foi aprovado o artigo 1.º

Foi aprovado o artigo 2.° e o 3.°

O Sr. Jaime de Sousa: - Requeiro que entre imediatamente em discussão o parecer n.° 883.

Como requerimentos não se justificam, oportunamente direi da justiça do parecer.

Foi aprovado.

Leu-se na Mesa.

É o seguinte:

Parecer n.° 888

Penhores Deputados. - A vossa comissão de marinha foi presente a proposta de lei n.° 872-B, da iniciativa do Sr. Ministro da Marinha, que tem por fim alterar disposições do Acto de Navegação de 1863.

Pelo artigo 4.° dêste velho texto da nossa legislação exige-se para a propriedade portuguesa dos navios a posse da totalidade do seu valor, da totalidade do capital neles empregados.

Esta disposição, inteiramente anacrónica e contraproducente, não é adoptada hoje por nenhum país civilizado, havendo alguns que levam o seu espírito de facilidade de entrada de capital estrangeiro ao ponto de exigirem apenas que "um quinto" do capital seja nacional.

Entre nós, dada a escassez de recursos

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com que o País luta para ocorrer às múltiplas necessidades da sua economia, aquela obrigatoriedade causa ao desenvolvimento da marinha mercante os maiores inconvenientes.

A afluência do capital estrangeiro a aplicar numa indústria, que é seguramente um dos mais importantes elementos de fomento económico das nações marítimas, só pode trazer-nos também altos benefícios.

Como, porém, sucede que na luta de concorrência que ternos de sustentar com outras marinhas, sobretudo nas linhas que servem as colónias, temos de atender à circunstância de que é indispensável manter o côntrole dêsse tráfego na parte que nos respeita, parece menos conveniente alargar a percentagem do capital estrangeiro por forma a que essa vantagem se porca. Julga por isso a vossa comissão preferível que por agora essa percentagem seja fixada em 49 por cento, reservando-se para o capital português os 51 por cento restantes.

Nestes termos, a vossa comissão é de parecer que deveis aprovar a proposta em questão.

Sala das sessões, 12 de Março de 1925. - Carlos Pereira (com restrições) -Américo Olavo - F. Dinis Carvalho - Armando Pereira de Castro Agatão Lança - Jaime de Sousa, relator.

Senhores Deputados. - A vossa comissão de legislação civil e comercial, apreciando a proposta de lei n.° 872-B, da autoria do Sr. Ministro da Marinha e relativa à modificação do artigo 4.º do Acto de Navegação de 8 de Julho de 1863, apenas tem em vista o aspecto legal da questão.

O aspecto técnico e do interêsse social já está em parte apreciado pela comissão de marinha e decerto o será pela comissão de administração pública.

Se sob êsses aspectos fôr útil a alteração que se propõe, como na Constituição nenhuma disposição se opõe a que o Parlamento modifique, altere, adite, interprete ou revogue qualquer disposição legal, e antes é esta também uma das funções do Parlamento, nada portanto tem esta comissão a opor, optando porém pela redacção original da proposta.

Lisboa e sala das sessões da comissão de legislação civil e comercial, 20 de Março do 1925. - Alfredo de Sousa - Abranches Ferrão - Amadeu Vasconcelos - Crispiniano da Fonseca - Vergilio Saque.

Senhores Deputados. - A vossa comissão de administração pública nada tem a opor à aprovação do projecto de lei n.° 872-B, da iniciativa do Sr. Ministro, da Marinha.

Sala das sessões, 24 de Março de 1925. - Alfredo de Sousa - Costa Gonçalves - F. Dinis Carvalho - Custódio de Paiva - Carlos Olavo.

Proposta de lei n.° 872-B

Senhores Deputados. - Atendendo à necessidade do harmonizar a legislação portuguesa sôbre marinha mercante com a dos outros países e às deficiências que a prática tem revelado com a actual legislação, que prejuízos e inconvenientes tem acarretado a êste importante ramo do administração;

Atendendo a que o artigo 4.° do Acto do Navegação, promulgado em 8 de Julho de 1863, regula que não é considerado português o navio, ainda mesmo de construção portuguesa, cuja propriedade não pertença inteiramente a portugueses ou a estrangeiros naturalizados;

Atendendo a que esta disposição legal obsta de uma madeira extraordinária ao desenvolvimento da marinha mercante nacional em virtude da dificuldade que actualmente existe na constituição de sociedades com capitais exclusivamente portugueses;

Atendendo ainda a que todas as nações têm procurado desenvolver as suas marinhas mercantes, tendo a Itália, Áustria, Dinamarca, Noruega, Espanha, França, Suécia e Grécia disposições legais exigindo dois terços, metade e até a quinta parte de capital nacional e outras nações marítimas como a Argentina e Uruguai decretado a sua completa liberdade;

Atendendo a que o nosso Acto de Navegação no seu fim era idêntico ao da Espanha, que há anos o alterou, exigindo apenas um quinto do capital nacional;

Atendendo por último a que, consultada a comissão nomeada por portaria de 16 revisão de toda a nossa legislação sôbre a marinha mercante, esta foi de parecer

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que se modifique a disposição do artigo 4.° do nosso Acto de Navegação:

Nestes termos, tenho a honra de submeter à vossa esclarecida apreciação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° No caso de propriedade colectiva a embarcação deverá pertencer a sociedades comerciais portuguesas constituídas por qualquer das formas estabelecidas na legislação em vigor, devendo porém estas sociedades ter a sua sede em território português, pelo menos um têrço do capital realizado pertença de cidadãos portugueses ou estrangeiros naturalizados, a maioria do seu conselho de administração ser constituída por portugueses ou estrangeiros naturalizados e o administrador delegado ou gerente ser também cidadão português ou estrangeiro naturalizado.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Ministério da Marinha, 9 de Março de 1925. - O Ministro da Marinha, Fernando Augusto Pereira da Silva.

Leu-se o artigo 1.°

O Sr. Jaime de Sousa: - Este artigo traz uma modificação, passando de um têrço para 15 por cento, visando assim a proteger os navios nacionais. Isto não está no texto do parecer; e como é uma emenda chamo a atenção da Mesa, para a qual envio uma proposta de aditamento.

O orador não reviu.

Leu-se e foi admitida a proposta do Sr. Jaime de Sousa.

O Sr. Carvalho da Silva: - Afigura-se-me que êste projecto tem uma grande importância, e que não pode ser aprovado som sabermos o que pensam o Sr. Ministro da Marinha e o Sr. Ministro do Comércio, para evitarmos que se vão ferir os interêsses do Estado.

Desejava que V. Exa. comunicasse ao Sr. Ministro do Comércio, que se encontra no Senado, que eu desejava ouvir a sua opinião.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Marinha (Pereira da Silva): - Devo informar a Câmara de que esta proposta obedeceu ao facto de se acudir à crise porque está passando a marinha mercante.

Não é original esta proposta, visto que outros países, como a Espanha, Itália, Argentina e Brasil, a têm adoptado em disposições análogas.

Foram tais considerações que me levaram a formular esta proposta de lei, a qual, realmente, me parece defensável.

Quanto aos navios dos Transportes Marítimos que foram vendidos, suponho não haver motivos para preocupações, pois que as disposições que regulam a venda não são por esta proposta revogadas.

Um àparte do Sr. Carvalho da Silva.

O Orador: - Na ocasião da venda dos navios não tinha ainda previsto êste facto.

O Sr. Cancela de Abreu (àparte): - Agora há o inconveniente de essas novas emprêsas poderem ir comprar os navios às outras.

O Orador: - Penso que representa maior prejuízo o facto de haver actualmente uma grande quantidade de pessoal da marinha mercante desempregado.

Com esta proposta será atenuada uma grave crise.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: tenho a maior consideração pelos interêsses da oficialidade da marinha mercante e entendo que é justo atender-se à sua situação; todavia, não podemos, também, deixar de atender à situação financeira do Estado.

Esta questão dos Transportes Marítimos é uma questão que tem sido muito falada, tendo ocasionado ao País os mais graves prejuízos.

Quem comprou navios comprou-os em determinadas condições; e nós não podemos de modo nenhum ir agora alterar essas condições por forma a que quem tenha comprado navios, seja quem fôr, possa porventura, na passagem para uma nova empresa, ir obter lucros que ao Estado deviam pertencer. Se esta lei vigorasse à data da venda dos navios, podia o Estado ter obtido maior receita.

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Por consequência, êste artigo não pode aplicar-se aos navios vendidos.

Querem V. Exas. estabelecer êste preceito?

É um caso a discutir se convém ou não convém, mas nunca se deverá, aplicar aos navios vendidos.

Como já está presente o Sr. Ministro do Comércio, esporo que S. Exa. dirá à Câmara o que pensa a êste respeito.

O Sr. Ministro da Marinha já disseque julga o preceito justo e conveniente para acudir à crise que atravessa, o pessoal da marinha mercante; mas eu pregunto ao Sr. Ministro da Marinha e ao Sr. Ministro do Comércio se a situação financeira, do Estado não é, também, de considerar.

Pregunto a S. Exas. se, depois do que o País perdeu com os Transportes Marítimos, ainda é lícito permitir que alguém, seja quem fôr - e não me interessa saber quem seja - pelo facto de ter comprado navios, e até sem por êles ter ainda pago cinco réis ao Estado, vá agora, à sombra de uma alteração da legislação vigente, ganhar dinheiro que ao Estado devia pertencer.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: poço a S. Exa. o favor de me informar a que horas se entra na ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Dever-se-ia entrar na ordem do dia as 16 horas e 55 minutos, mas como o Sr. Carvalho da Silva mostrou um empenho grande em ouvir o Sr. Ministro do Comércio, que se achava no Senado e a quem, por tal motivo, mandei pedir o favor de comparecer nesta Câmara, entendo que pratico uma deferência, a que sou obrigado para com S. Exa., dando agora a palavra ao Sr. Ministro do Comércio, embora prejudicando um pouco a ordem do dia.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Ferreira de Simas): - Sr. Presidente: concordo absolutamente com a proposta de lei que se discute, bem como com a emenda apresentada pela respectiva comissão.

Interrupção do Sr. Carvalha da Silva.

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Carvalho da Silva que uno estabeleça diálogo com o orador, pois que, dessa forma e em contrário dos desejos manifestados pelo Sr. Paulo Cancela do Abreu, mais tardo ainda se entrará na ordem do dia.

O Orador: - Posso afirmar que se esta proposta já fôsse lei quando só procedeu à venda dos navios dos Transportes Marítimos o Estado teria lucrado muitíssimo mais.

O Sr. Carvalho da Silva (em àparte): - O Sr. Ministro do Comércio está, justamente, dando-me razão.

O Orador: - A troca que se fez entre o vapor Sevilha, que aliás já se encontra no Tejo, e o Pôrto, troca que afinal de contas representou uma entrada de capital estrangeiro, permitiu que a marinha mercante portuguesa ficasse com uma cuidado superior à que tinha. Não vejo nenhum inconveniente em que esta legislação seja aplicada aos navios comprados.

O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): - Tanto V. Exa. o vê, que o acaba do citar. V. Exa. disso que o Estado podia ter recebido mais dinheiro.

O Orador: - Por isso declaro a V. Exa. que concordo absolutamente com esta emenda o que não vejo inconveniente nenhum na sua aprovação.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na ordem do dia. Está em discussão a acta. Se ninguém pede a palavra considero-a aprovada.

Foi aprovada a acta.

O Sr. Presidente: - O Sr. Paulo Cancela de Abreu enviou para a Mesa um pedido do negócio urgente. Deseja tratar da prisão de jornalistas, suspensão de alguns jornais o do modo como se exerce a censura prévia. Vou pôr o requerimento de S. Exa. à votação.

Consultada a Câmara, foi rejeitado.

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É o seguinte:

Desejo ocupar-me, em negócio urgente, da prisão de jornalistas, da suspensão de jornais e do modo como está sendo exercida a censura prévia. - Paulo Cancela de Abreu.

O Sr. Paulo Cancela de Abrem - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.

Procede-se à contraprova.

O Sr. Presidente: - Estão levantados 48 Srs. Deputados, sentados 32. Está rejeitado.

Continuam em discussão os pareceres das comissões do guerra o de legislação criminal sôbre o pedido de autorização do comando da primeira divisão para continuarem presos os Srs. Cunha Leal e Garcia Loureiro.

Ficou com a palavra reservada o Sr. Ministro da Justiça. Vou, portanto, dar a palavra a S. Exa.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Adolfo Coutinho): - Sr. Presidente: vou terminar hoje as minhas considerações, fazendo-o ràpidamente, visto que se me afigura que não pode protelar-se por muito tempo a discussão dêste assunto em debate.

Sr. Presidente: dizia ontem que me parecia que a prisão tinha sido legalmente feita, visto que os Deputados presos o tinham sido em flagrante delito.

Dizia eu também que ao caso era aplicável pena maior, porque mo parecia que o facto atribuído a êsses Srs. Deputados é compreendido no artigo 6.° § 1.° da lei de 30 de Abril de 1912. E, sendo aplicável pena maior, a disposição contida na segunda parte do artigo 17.° da Constituição dá permissão para que qualquer Deputado ou Senador seja preso. É efectivamente a doutrina do artigo 17.° da Constituição.

Desta convicção do Govêrno resultou um mandado de detenção contra êsses Deputados, o que foi levado a efeito pelas 11 horas, pouco mais ou menos, do dia 18 do corrente mês.

Os Deputados que me precederam invocaram como argumento para justificar a não autorização pedida pelo Sr. comandante da divisão uma carta que o Sr. Cunha Leal mandou para a Mesa.

Acho lamentável que êste facto se dêsse, porque afigura-se-me que êste facto é novo e estranho e que não deve ser apreciado.

Nunca a uma pessoa, que é suspeita ou acusada, se lhe pede a palavra de honra; e o precedente que viéssemos, porventura, a estabelecer, apreciando êsse documento, colocar-nos-ia de futuro numa situação que não sei como classificar.

Por isso, Sr. Presidente, abstenho-me do mo referir a êsse documento o entendo que êle não devo ser levado em conta para a resolução á tomar.

O Sr. Pinto Barriga refere-se a um processo ou investigação que foi apresentado na Câmara e que foi examinado pela comissão de legislação criminal. S. Exa. disse que dêsse processo não pôde tirar conclusões, das quais possa resultar a autorização pedida pelo comandante da divisão.

Mas S. Exa., nas considerações que fez, é o primeiro a fundamentar que efectivamente essa autorização deve ser dada, porquanto S. Exa. disse que dêsses depoimentos não resultam provas, porque são contraditórios.

Se são contraditórios, é porque, pelo menos, há indícios; e para a prisão é bastante isso.

Vem nesta altura a propósito dizer que não compete à Câmara a incriminação.

Isso compete aos tribunais, e só depois de organizado o corpo do delito.

Para a prisão bastam suspeitas ou indícios.

Foi em virtude de indícios o supeitta que se realizaram as prisões.

O Sr. Afonso de Melo (interrompendo): - Quere dizer: foram presos "em flagrante delito de suspeitas"...

O Orador: - Mas os indícios eram anteriores.

Estava a referir-me aos indícios do que filiou o Sr. Pinto Barriga, ao examinar o processo apreciado na comissão de legislação criminal.

Por êle encontrou S. Exa. a justificação do acto do Govêrno.

Disse também S. Exa. que a prisão foi feita por pessoas incompetentes.

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Eu sei que, segundo o regulamento militar, o oficial deve ser proso por um militar da sua patente.

Mas S. Exa. compreende que em momento de revolução não era fácil cumprir êste preceito.

Supondo, por exemplo, que era necessário prender, fora do Quartel do Carmo, o general Sr. Sinel de Cordes.

Se se tivesse de respeitar esto preceito não havia possibilidade de realizar a sua prisão, a não ser que o general comandante da divisão abandonasse o lugar em que estava para a ir fazer.

Creio, Sr. Presidente, ter respondido às considerações feitas e justificado o acto do Govêrno, parecendo-me mesmo não ser necessário referir-me a outros pontos que mais ou menos tem sido tocados, a não ser a uma referência, que tenho ouvido e com a qual não estou de acordo, qual é a que diz respeito às prerrogativas parlamentares.

A verdade é que a respeito do Sr. Cunha Leal não se pode apresentar êsse argumento, por isso que S. Exa. muito antes dos acontecimentos já não estava a prestar a sua assistência nesta Câmara.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Alberto Xavier: - Sr. Presidente: V. Exa. conhece a situação especial que eu tenho actualmente nesta Câmara.

Tendo andado por vários grupos e partidos, reconheci finalmente que a melhor posição era abandoná-los por completo a todos, não assumindo quaisquer compromissos com partidos ou grupos.

Por isso, Sr. Presidente, falando pela primeira vez nesta Câmara, depois que assumi essa posição, e a desejo declarar a V. Exa. e à Câmara que nas palavras que vou proferir não me inspira qualquer espécie de espírito de partido ou facção.

Sr. Presidente: o que me interessa neste momento, principalmente, não é só o assunto dos Deputados presos; o que me interessa fundamentalmente, é o que deve interessar também à Câmara, é colocar a questão fora das pessoas presas, isto é, colocá-la no terreno exclusivamente jurídico e constitucional.

Apoiados.

Eu tenho, Sr. Presidente, depois que assumi a minha atitude de independente nesta Câmara, dado o meu apoio desinteressado ao Govêrno, não só adentro desta Câmara, como fora dela.

Desde que sou Deputado independente o meu desejo é somente entrar nos debates que carecem de estudo, sem qualquer espécie de interêsse.

Sr. Presidente: o meu desejo, portanto, é declarar que a minha atitude não é de divergência com o Govêrno, pois entendo até que esta questão não deve ser encarada sob o ponto de vista governamental ou ministerial, não sendo de admitir, a meu ver, moções do confiança.

O problema de que se trata, interessa exclusivamente à Câmara e não aos Deputados presos, Sr. Cunha Leal e Garcia Loureiro.

Sr. Presidente: o que representam em matéria constitucional de direito público as imunidades parlamentares?

Temos, Sr. Presidente, de encarar o assunto debaixo dêste aspecto; pois a verdade é que as imunidades parlamentares não são um privilégio 'como muita gente julga, mas sim uma prerrogativa, o que é bem diferente em direito público constitucional.

Assim, Sr. Presidente, uma prerrogativa nunca pode ser um privilégio.

Apoiados.

É êste, Sr. Presidente, o aspecto da questão; e assim a Câmara o deve considerar, a meu ver.

Apoiados.

É assim que a questão tem de ser encarada, pois a verdade é que essas prerrogativas foram dadas aos Deputados para êles terem garantida a sua independência e assim poderem livremente exercer, as suas funções.

E por isso que em todas as Constituições e países é concedido êsse direito, que se chama prerrogativa, aos Deputados, que lhes garanta não poderem ser presos senão em determinadas circunstâncias, taxativamente e claramente fixadas.

A prerrogativa constitui um direito subjectivo: é uma situação de direito subjectivo a que se não pode renunciar.

Suponhamos que os dois Srs. Deputados presos vinham declarar à Câmara que se conformavam com a prisão, que estavam satisfeitos com ela, que a achavam bem feita; pois podem V. Exas. estar

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certos de que isto não bastava para que a sua prisco se mantivesse. O que importa é saber se a situação de prisioneiro se pode manter, mesmo com a conformação dos interessados.

Não se pode renunciar a êsse direito que é garantido ao Deputado, ainda que o Deputado reconheça que a sua prisão é bem feita.

É uma cousa muito delicada esta, que interessa à própria assemblea e aos homens que estão nas cadeiras do Poder quando forem Deputados.

Mas amanhã pode ser necessário que uma interpretação rigorosa do assunto esteja feita.

A prerrogativa do Parlamento tem interessado mesmo os tribunais, e interessa todo o mundo civilizado.

O princípio das imunidades parlamentares é idêntico em todos os países onde há Parlamento; e em toda a parte tem havido decisões de tribunais que entendem que mesmo que um Deputado ou Senador declare que se considera muito bem preso, essa circunstância não pode ser tomada em consideração pelos tribunais., e nem se pode dar andamento a um processo sem que, expressamente, haja um documento em que se declare que a assemblea legislativa deu o seu consentimento e autorização.

Podia citar inúmeras decisões dos tribunais.

Em França há uma grande publicidade, e aí não há revista nenhuma que não publique essas decisões.

E pois, de um direito subjectivo que se trata.

Mas vejamos: o Sr. comandante da 1.ª divisão pede autorização à Câmara para manter a prisão dos Srs. Deputados referidos.

Pregunta-se: é legítimo êsse pedido do Sr. comandante da 1.ª divisão?

Qual é o fundamento da prisão?

Segundo o Sr. Ministro da Justiça, é o "flagrante delito".

Pois bem, admitamos, por hipótese, que, na realidade, êstes Srs. Deputados foram presos em flagrante delito. Se assim é, pregunto com que direito o Sr. comandante da 1.ª divisão veio pedir autorização à Câmara?

Pois se êsses Srs. Deputados foram presos em flagrante delito, não poderia

vir pedir autorização da Câmara para continuação do acto cometido.

Apoiados.

Seria bastante o artigo 17.° da Constituição, que diz:

"Nenhum Deputado pode ser preso ou estar preso sem prévia licença da Câmara".

O artigo está claramente redigido, sem nenhuma espécie de confusão.

Diz-se "sem prévia licença".

Quere dizer: nenhum Deputado ou Senador pode ser preso durante a sessão legislativa senão com licença, com "prévia licença", da Câmara, salvo nos casos de flagrante delito.

Admitamos, como já disse, que a prisão foi feita em flagrante delito, e então o Sr. comandante da 1.ª divisão não devia ter vindo pedir autorização à Câmara para que êsses Srs. Deputados continuassem presos.

Esta é, sim, a demonstração flagrante de que não houve flagrante delito; ou, então, o Sr. comandante da divisão tem dúvidas (Não apoiados. Apoiados), ou não estando suficientemente esclarecido o próprio espírito do com andante da divisão, êle não sabe se pode ser mantida essa prisão.

O Sr. Almeida Ribeiro (interrompendo): - Em Junho, numa sessão, foi recebido um oficio do Sr. comandante da divisão que dizia o seguinte:

Leu.

O comandante da divisão tinha pôsto nitidamente a questão à consideração da Câmara.

Houve um Deputado preso em flagrante delito, a Câmara entendeu dever negar esta autorização.

Insisto neste ponto.

O Orador: - Os esclarecimentos de V. Exa. reforçam as minhas afirmações.

A Câmara entendeu que não era flagrante delito, depois de feito o exame de todos os documentos nessa ocasião.

E não se diga que as actuais comissões o não tenham feito.

Os Srs. Vasco Borges e Alberto Vidal não ficaram convencidos do flagrante delito; e são ambos formados em direito.

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Não há documentos que os levassem à certeza do que houve o flagrante delito.

O Sr. Ministro da Justiça, dissertando sôbre o que era flagrante delito, falou em indícios.

A verdade, porém, é que estas duas expressões se contradizem.

Se se trata de indícios para a formação do acto a que se chama flagrante delito, ou se trata realmente de flagrante delito.

Vamos, pois que vale a pena, precisar bom esta idea.

Se a prisão do Sr. Cunha Leal foi feita em flagrante delito, nos termos do artigo 17.° da Constituição, não havia que pedir licença à Câmara para manter essa prisão.

Apoiados.

Vê-se, todavia, que o próprio comandante da divisão, embora pessoalmente inclinado a acreditar que essa prisão foi feita em flagrante delito, não tem a certeza da sua convicção; e, tanto assim, que pede ao Parlamento que se pronuncio sôbre o caso.

Ora a idea do flagrante delito envolve sempre a certeza; e é essa certeza que pároco não existir.

De resto, para que estamos nós a espraiarmo-nos em complicadas definições, se a definição de flagrante delito consta já da nossa legislação?

Em matéria penal, a definição de flagrante delito vem no artigo 1020.° da Novíssima Reforma Judiciária.

Segundo êsse artigo, o caso de flagrante delito comporta, pela nossa legislação, três hipóteses.

A primeira, aquela em que se está cometendo o delito ou crime.

A segunda, aquela em que acaba de se cometer êsse delito ou êsse crime, sem intervalo algum.

E a terceira, aquela em que o delinquente, acabando de praticar o delito ou crime foge do lugar em que o praticou e é logo, contínua e sucessivamente, perseguido pela autoridade ou homem do povo.

Ora o Sr. Cunha Leal, quer pelo que consta dos autos policiais, quer pelo que os jornais referem, parece que foi proso em sua casa.

Sendo assim, qual é a hipótese aplicável para provar o flagrante delito?

A primeira hipótese parece não ter aplicação, visto que S. Exa. não foi preso no acto de cometer o delito.

Se a rebelião estalou às 5 horas, seria preciso, para se verificar a segunda hipótese, que o delinquente tivesse estado no local da rebelião, sem intervalo algum.

A terceira hipótese não é, igualmente, aplicável, porque para isso teria sido necessário que S. Exa., tendo estado na Rotunda, do lá tivesse fugido, perseguido pela autoridade ou por homens do povo, o que até agora se não demonstrou, nem sequer se indicou.

Ora, se as três hipóteses da nossa legislação não podem ser aplicáveis à prisão do Sr. Cunha Leal, Apodemos nós, por similitude, estabelecer qualquer nova hipótese, à sombra da legislação estrangeira?

Vamos ver.

A legislação francesa, por exemplo, estabelece mais uma hipótese do que a nossa: - a hipótese em que ao delinquente sejam apreendidos documentos, armas ou quaisquer outros elementos que possam levar à, convicção de que êle, na realidade, é criminoso ou cúmplice.

Como se vê a legislação francesa, neste ponto, é mais ampla.

A nossa legislação é, portanto, mais restrita o sondo mais restrita não pode ter interpretações vagas.

Há um princípio de direito que diz que uma disposição de excepção só pode ter uma interpretação restrita, absolutamente restrita ao termo da lei.

Sr. Presidente: nós não podemos, nem devemos encarar êste problema exclusivamente pelo seu lado político, partidário.

Se o fizéssemos, iríamos dar aos contrários uma grande satisfação.

Mas eu desejaria que essa satisfação se não transformasse numa realidade, sendo antes uma satisfação momentânea, passageira, efémera, porque o Govêrno, tendo saído do movimento revolucionário nas condições de prestígio em que saiu, tendo tido a felicidade de dominar um movimento da gravidade daquele que rebentou, em condições de legalidade a mais estreita, restrita e perfeita, tendo saído vitorioso de um movimento dessa natureza e nas condições extremamente dignas de louvor em que saiu, não devia deixar na sua acção qualquer vestígio

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que possa dar a impressão de uma violência, porque êsse mesmo carácter de violência pode amanhã determinar um desprestígio do Govêrno, que não lhe permita desempenhar o seu cargo com aquela autoridade com que até aqui tem procedido.

Nós temos de resolver a questão no ponto de vista que interessa à assemblea; e à assemblea o que interessa não são as pessoas, que, de resto, merecem toda a consideração, mas as suas prerrogativas, que interessam a todos os parlamentares, de modo a não se deixar aberto um precedente que pode amanhã ser perigoso, se as circunstâncias tiverem outra feição ou modificação.

Entendo, por isso, não pensando com estas minhas palavras fazer obra de combatividade à política do Govêrno, que o Govêrno se devia desinteressar do problema, porque o problema só devia interessar à Câmara, e realmente só a ela interessa.

O interêsse do Govêrno só pode servir para criar atritos k sua vida, quando êle não tem necessidade disso.

Sr. Presidente: tendo eu feito estas restrições ao apoio sincero que tenho dado ao Govêrno, desejaria que nossas restrições fosso incluído também o meu desacordo quanto à medida governamental que suspendeu ou que proibiu a circulação de jornais.

Apoiados.

Os dois jornais que estão proibidos de circular - precisamos de pôr as cousas claras - nem sempre tem sido para comigo, pessoalmente, duma grande gentileza; mas ou não posso tomar em consideração essa circunstância, nesta matéria, nem inspirar-mo nas minhas simpatias momentâneas ou paixões.

Que lucra o Govêrno em não deixar circular êsses jornais?

Para o Govêrno não há nenhuma vantagem nisso.

Pois se o Govêrno tinha ou tem interêsse em que determinadas notícias, artigos ou comentários não pudessem ou não possam circular, tinha e tem a censura prévia aos jornais, que toda a gente aceita como boa em ocasiões desta natureza.

De resto, essa proibição é uma arma de dois gumes, porque, passado o período do suspensão de garantias, nós veremos que em volta daqueles jornais se cria uma forte solidariedade, transformando por completo a impressão da opinião republicana.

É êste sempre o resultado das violências!

Portanto, o Govêrno não precisa do suspender a circulação de jornais, porque pode estabelecer-lhes a censura, tanto mais que a suspensão não se baseia em nenhum princípio legal, pois que, se estão suspensas certas garantias, não está suspenso o direito de publicação.

São estas as declarações que desejo expor à Câmara, o que, estando a apoiar o Govêrno, lamento que tenha do fazer; mas oxalá que elas sejam consideradas como um apulo de um republicano sincero, que sempre amou e respeitou os princípios para que se enverede pelo bom caminho.

Tenho dito.

Vozes na direita: - Muito bem, muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi ontem a palavra para responder às considerações do Sr. Ministro da Justiça, pois que não desejava interromper S. Exa., visto que, de contrário, as interrupções seriam numerosas e sempre repetidas.

Tinha pedido ao Sr. Ministro da Justiça, como membro da comissão de legislação civil o criminal, para que com clareza enunciasse o artigo em que estavam incriminados os Srs. Cunha Leal e Garcia Loureiro. Infelizmente não foi satisfeito o meu pedido.

Só ontem S. Exa. informou a Câmara de que em face das disposições da lei de 30 de Abril se tinham incriminado os referidos Deputados por dois motivos. O primeiro é de que tinham praticado o crime previsto no artigo 6.° da mesma lei; quere dizer, não eram só incriminados os Srs. Cunha Leal o Garcia Loureiro por terem incitado à revolta, mas por serem chefes de motim.

Ora devo dizer a S. Exa. que não encontrei nos preparatórios do processo nenhum elemento para essa incriminação. Não me quero servir dêsse processo, ainda que elo seja público, porque foi apresentado na Mesa sem restrição algu-

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ma; mas devo dizer a S. Exa. a que nenhum dêsses elementos de incriminação aparece, nem o que atrás refiro, num o outro que o Sr. Ministro das Justiça citou.

Estranhou S. Exa. também que eu pedisse elementos de incriminação, quando se tratava apenas da iniciação do processo.

Eu não faço a injustiça a S. Exa., que é um alto espírito de magistrado, do o julgar capaz de confundir iniciação com incriminação.

Sr. Presidente: êstes são os motivos que me levaram a falar. Mas ainda um outro motivo me levou a pedir a palavra. É que estando ou nesta Câmara sempre cheio de uma atitude de correcção o vivendo numa atitude de independente, desejo declarar que nunca tenho feito política no sentido pejorativo da palavra. Bem ou mal, tenho procurado defender as minhas opiniões, não me deixando levar pelo espírito faccioso, sejam quais forem as violências que se procurem exercer contra mim. E dessa maneira desejo continuar a proceder.

Eu defendo esta opinião, porque ela corresponde aos elementos que à comissão de que faço parte foram fornecidos.

Sr. Presidente: eu sou dos Deputados que votaram sempre contra o Sr. Cunha Leal, como político. Esto facto dá-me ainda mais autoridade para neste momento o defender, porque não se deu o flagrante delito, como muito, bem acabou do demonstrar o Sr. Alberto Xavier.

Sr. Presidente: o Sr. Ministro da Justiça falou em flagrante delito e em delito aparento.

Ora, como V. Exas. sabem, o delito aparente e o flagrante delito, são duas expressões jurídicas perfeitamente diferentes. O delito aparente é aquele que se manifesta por uma forma clara e insofismável, ao passo que o flagrante delito tem umas características especiais, que não constar os elementos fornecidos à comissão. Assim, lendo o artigo 1020.°, nós vemos o seguinte:

Leu.

Ora, Sr. Presidente, nenhum dêstes casos se deu, nenhuma das hipóteses é aplicável.

Eu não quero fazer referências ao processo, apesar dele ser público e estar sôbre a Mesa; mas o que é verdade é que nele não se encontram elementos de iniciação para o artigo que o Sr. Ministro da Justiça citou.

Sr. Presidente: eu tenho sempre por norma expor as minhas opiniões sem receio de ninguém; e nestas condições devo dizer que nem o Govêrno triunfante nem o Sr. comandante da divisão precisam de usar de violências, para com adversários.

Sr. Presidente: um ilustre Deputado da Câmara francesa disse o seguinte:

Leu.

De facto, Sr. Presidente, a prisão não obedeceu senão a um critério político. Eu quero acreditar que o Govêrno ordenou a prisão por estar perante um estado do necessidade; mas êsse estado passou, e não há nenhuns elementos que provem a necessidade de os Srs. Cunha Leal e Garcia Loureiro continuarem presos.

Nestas condições, eu voto pela libertação dêsses dois Srs. Deputados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Nuno Simões: - Sr. Presidente: a Câmara está discutindo os pareceres de duas comissões que tiveram de pronunciar-se sôbre o pedido do Sr. general comandante da divisão, para a manutenção da prisão dos Srs. Cunha Leal e Garcia Loureiro.

Ouviu a Câmara ler o principal dêsses pareceres, o da comissão de legislação criminal. Ouviu lê-lo, o considerando que dessa comissão fazem parte Deputados republicanos, todos solidários com o Govêrno na repressão dos últimos acontecimentos, todos tendo aplaudido a acção firmo e enérgica da força pública, que se manteve disciplinada ao lado do Govêrno e todos tendo consultado os elementos de informação que foram mandados, tais foram as dúvidas que surgiram, que não foi possível elaborar um parecer, tendo apenas sido consignadas as opiniões de cada um dos Deputados que a constituem.

Então pregunto eu: como é que a Câmara não há-de ter hesitações e todas as dúvidas ao julgar um caso desta importância?

Bem sei que o artigo 17.° da Constituição é claro e não admite interpretações; mas, exactamente porque o sei, eu

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pregunto como foi possível fazer-se a prisão do Sr. Cunha Leal e do Sr. Garcia Loureiro, ambos Deputados. Porque não se respeitaram todas as disposições constitucionais?

Ouvi ler o ofício em resposta às démarches do Sr. Presidente da Câmara que o Sr. Presidente do Ministério enviou: e eu continuo a preguntar: como se caracterizou o flagrante delito. Em que se procurou basear a legalidade das prisões efectuadas?

O Sr. Ministro da Justiça falou na estada na Rotunda do Sr. Cunha Leal e falou no facto de S. Exa. ter recebido em sua casa oficiais revolucionários. Desgraçadamente, falou também nos antecedentes e nos discursos que o Sr. Cunha Leal pronunciou lá fora.

É triste! que desgraçada noção de liberdade de pensamento tem o Sr. Ministro da Justiça.

Apoiados.

E triste trazer para aqui uma acusação que na hora própria não serviu para terminar com uma comissão de sen iço que êsse Deputado estava exercendo como reitor da Universidade de Coimbra!

Se êsses antecedentes não serviram para isso, eu pregunto se hão-de servir para caracterizar o flagrante delito.

Ah! Sr. Presidente: é um juiz de direito e Ministro da Justiça em Portugal quem vem referir-se a êsses antecedentes de que tam lastimàvelmente se serviu o Sr. Presidente do Ministério!

Disse-se que o Sr. Cunha Leal nos seus dicursos e entrevistas mio estava no exercício das suas funções parlamentares e que não teria garantias da Constituição.

Então pregunto eu: não sendo Deputado, não sendo leader parlamentar de um partido, era ou não a expressão política de um pensamento político que o Sr. Cunha Leal procurava dar lá fora?

Então temos de declarar que os homens públicos quando tenham de expor as suas ideas contra o Govêrno têm primeiro de averiguar se está para rebentar algum movimento revolucionário.

Apoiados.

Então a Câmara não se lembra da revolução do conflito da aviação portuguesa?

A Câmara não se lembra do que foi o cerco à Amadora?

Então já não se lembra de que as mais altas representações estiveram no campo dos revoltosos?

A Câmara estabelece um precedente; bom ou mau, foi um precedente.

Não são os precedentes de invocar.

E como já aqui se disse e foi juridicamente demonstrado pelo Sr. Alberto Xavier, tanto êsse flagrante delito não estava caracterizado, que o general da divisão veio pedir à Câmara autorização para manter a prisão dos dois Deputados.

Sendo assim, o que compete à Câmara reconhecer?

Que a prisão dêsses Deputados foi mal efectuada.

Por mais que as paixões políticas ou o facciosismo possam querer em solver êste assunto e desorientar as pessoas que nele intervêm - e esta questão, como disse, e muito bem, o Sr. Alberto Xavier, interessa ao prestígio da Assemblea Legislativa - o facto é que, preguntando a mim mesmo que consequências graves podem advir de não conceder ao general da divisão a autorização pedida para manter as prisões dos dois Deputados, eu tenho de reconhecer que a negação de tal autorização em nada poderá prejudicar a marcha das investigações nem a averiguação de responsabilidade, nem ainda o direito que a Câmara teria de, se se provasse que o Sr. Cunha Leal não teria dito a verdade - o que é impossível de acontecer - autorizar a sua recaptura.

Mas esta última circunstância não se dá. O Sr. Cunha Leal é um homem público a quem há que reconhecer muitos defeitos politicamente, sem que, todavia, possa deixar de se lhe reconhecer uma alta inteligência e uma superior coragem.

Apoiados.

Adversário político do Sr. Cunha Leal, sou o primeiro a dizer que ninguém poderá negar-lhe a coragem das suas opiniões e a coragem da responsabilidade dos seus actos.

Apoiados.

Sr. Presidente: nestes termos, e desde que o meu voto negando autorização à conservação da prisão dos dois Srs. Deputados não invalida nem deminue a acção da justiça, mas, pelo contrário, em face da declaração sob palavra de honra do Sr. Cunha Leal, nós ficamos todos perfeitamente à vontade para fazer o julga-

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mento dum dos mais ilustres homens de Portugal - por mais que as paixões políticas, agitadas muitas vezes ao sabor da ignorância, queiram denegrir a ligara dêsse vulto da nossa política (Apoiados), eu, que com elo tenho tido as relações pessoais cortadas e divergências de toda a ordem, declaro que votarei contra o pedido de autorização para que a sua prisão se mantenha.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

O orador não reviu.

O Sr. Rocha Saraiva: - Sr. Presidente: ainda não é decorrido muito tempo (há uns três anos aproximadamente) eu defendi nesta Câmara a doutrina do que a imunidade parlamentar só em casos muito especiais pode ser suspensa pela Câmara.

Defendi essa doutrina a propósito das prisões dos Srs. Cortês dos Santos e Vergílio Costa; e essa doutrina foi defendida por diferentes ilustres Srs. Deputados, tendo-se realmente recusado autorização para que continuassem prêsos êsses nossos dois colegas.

Hoje, perante a prisão dos Srs. Cunha Leal e Garcia Loureiro, eu defendo ainda a mesma doutrina e defendo que dela se laça a mesma aplicação.

Sr. Presidente: foram presos os Srs. Cunha Leal e Garcia Loureiro como implicados no recente movimento revolucionário.

Pelo que ouvi há pouco ao ilustre Sr. Ministro da Justiça, êsses dois Srs. Deputados são incriminados no artigo 6.° da lei de, 30 de Abril de 1912, que diz que é punido com prisão maior celular aquele que exercer cornando ou direcção em motins, levantamentos, que de qualquer corpo partirem, tendentes à prática de que tratam os artigos anteriores, isto é, à pratica do crime do rebelião.

Ora, desde as primeiras horas do movimento revolucionário, pelo monos a partir das 10 horas de sábado, que eu estou absolutamente convencido de que realmente nenhum dos dois Srs. Deputados presos praticou qualquer acto de que possa inferir-se o exercício do um comando ou direcção no movimento revolucionário.

E digo isto por uma circunstância casual que resumidamente vou contar à Câmara:

Tinha eu na sexta-feira encontrado o Sr. António Fonseca e combinado avistarme com êle no dia seguinte, para conversarmos sôbre assuntos de política local, porque somos da mesma região.

E como o Sr. António Fonseca passava uma grande parte do tempo em casa do seu pai, que se encontrava gravemente doente, preguntei-lhe se poderia no sábado procurá-lo em casa do Sr. Cunha Leal, onde êle estava hospedado, para aí termos essa conversa.

E como êle concordasse, eu, no dia seguinte, pelas 10 horas, ouvindo dizer às minhas criadas que havia um movimento revolucionário na rua, tendo nos dias anteriores variadíssimas vezes ouvido certos boatos de revolução em que se falava no nome do Sr. Cunha Leal lembrei me de que talvez não fôsse essa ocasião muito própria para o Sr. António Fonseca, e quis, antes disso, telefonar para casa do Sr. Cunha Leal preguntando se lá poderia ir.

Veiu ao telefone um dos filhitos do Sr. Cunha Leal que mo respondeu que podia ir, que o Sr. António Fonseca estava a levantar-se e que me esperava lá às 11 horas e meia ou meio dia.

Dirigi-me, efectivamente, para casa do Sr. Cunha Leal.

O Sr. Hermano de Medeiros: - Devia ter sido preso!

Risos.

O Orador: - Quando lá cheguei, a casa do Sr. Cunha Leal não tinha o mais leve aspecto do ser o quartel general do movimento revolucionário.

Encontrei os filhos e a esposa do Sr. Cunha Leal, a esposa do Sr. António Fonseca, o irmão do Sr. Cunha Leal, por sinal bastante doente, que me disseram que o Sr. António Fonseca tinha saído, o que me causou surpresa, visto que S. Exa. poucos momentos antes declarara que mo esporava.

Soube depois que o Sr. António Fonseca, em companhia de um outro amigo do Sr. Cunha Leal, cujo nome não sei, haviam saído, inesperadamente, por mo-

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tivo de suspeitarem de que o Sr. Cunha Leal houvera sido preso ao sair poucos momentos antes de sua casa.

Momentos depois, voltaram os agentes a casa do Sr. Cunha Leal, o ali prenderam as pessoas que encontraram do sexo masculino.

Se; porventura, eu me tivesse demorado mais alguns minutos em casa do Sr. Cunha Leal, estaria também preso o apontado como dirigente do movimento revolucionário.

Estaria incriminado no artigo 6.° da lei de 30 de Abril de 1912.

Desde essa hora, eu fiquei absolutamente convencido de que realmente o Sr. Cunha Leal não tinha estado a dirigir o movimento revolucionário.

Se S. Exa. fosso o comandante dêsse movimento, não iria escolher a sua casa onde estaria cercado da senhora, dos filhos e dos seus hospedes, para de lá dirigir as operações revolucionárias.

Sr. Presidente: só na hipótese de o Sr. Cunha Leal ter sido surpreendido a dirigir o movimento revolucionário é que podia ser proso; pois só nesse caso se encontraria em flagrante delito, previsto no artigo 6.° da lei citada pelo Sr. Ministro da Justiça.

Pelas circunstâncias de todos conhecidas, e particularmente o casualmente por mina, resulta a conclusão de que o Sr. Cunha Leal não foi nem podia ter sido preso em flagrante delito.

O próprio Sr. comandante da divisão, como já aqui foi salientado e bem, pedindo autorização para manter presos os dois Deputados que foram detidos, nos dá o reconhecimento evidente de que essas prisões n 10 foram efectuadas em flagrante delito. Se não fora assim, como bem disse o Sr. Alberto Xavier, não seria necessário pedir à Câmara autorização para mandar as prisões efectuadas.

Mas, Sr. Presidente, suponhamos que realmente o Sr. Cunha Leal e o Sr. Garcia Loureiro tinham cometido o delito do artigo 6.° da lei de 30 de Abril de 1912 e que, não sendo, embora, surpreendidos em flagrante delito, o Sr. comandante da divisão e o Govêrno tinham por indispensável a prisão deles, pedindo por isso autorização à Câmara para efectivar essa prisão.

Suponhamos que havia de aplicar-se a regra consignada no artigo 17.° da Constituição.

A Câmara estava no seu pleno direito de dar ou negar essa autorização.

O que devia fazer a Câmara?

Quando, há anos, os Deputados a que há pouco me referi, Srs. Vergílio Costa e Cortês dos Santos, eram acusados de conivência em crimes praticados por ocasião da revolução de 19 de Outubro, veio a esta Câmara o pedido do autorização para se manter a prisão dêsses dois Srs. Deputados, que não haviam sido presos em flagrante delito, devendo a Câmara dar ou negar essa autorização, eu defendi a opinião, aqui dêste mesmo lugar, de que se devia recusar essa autorização. E a Câmara seguiu essa minha opinião.

Suponhamos que os Srs. Cunha Leal e Garcia Loureiro tinham cometido o delito o que se pedia autorização à Câmara para se fazer a sua prisão ou para mantê-la caso houvesse sido feita. Eu mesmo assim recusaria - seria êsse o meu voto - a satisfação de tal pedido.

Disse, e muito bem, o Sr. Alberto Xavier que estas imunidades parlamentares de modo nenhum tem o seu fundamento no interêsse pessoal dos membros da Câmara (Apoiados), mas sim no interêsse da sua função.

Encontram o seu fundamento na necessidade do manter, duma maneira efectiva a independência do Poder Legislativo em relação ao Poder Executivo.

Quando qualquer Sr. Deputado ou qualquer Sr. Senador seja acusado de ter praticado algum crime, há que fazer a distinção entre crimes comuns e crimes políticos.

O crime comum deixa sempre em quem o pratica uma mancha de indignidade.

Compreende-se que a Câmara, sabendo que a vinda do Deputado ou Senador à Câmara respectiva, devido a essa mancha de indignidade, pode afectar o prestígio parlamentar, dê para êsse caso autorização para se fazer ou ser mantida a prisão. Mas não sendo a hipótese de que se trata, a de um crime comum, então a Câmara deve recusar a autorização.

Sr. Presidente: não tenho dúvida alguma de que os dois Deputados de que se trata não cometeram delito algum; mas se dúvidas tivesse, elas teriam desaparecido logo que tive conhecimento da carta

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que o Sr. Cunha Leal enviou para a Mesa desta Câmara, em que S. Exa. sublinha, com a palavra de honra, a declaração de que não teve interferência alguma no movimento, nem esteve na Rotunda.

Trata se de um homem que fora um tam alto conceito dos compromissos de honra que toma, mesmo quando os toma tacitamente, que 6 capaz para os cumprir do sacrificar a própria vida.

Apoiados.

São bem recentes os acontecimentos da data lúgubre do 19 do Outubro, que provam exuberantemente que disso é capaz.

Não diga o Sr. Ministro da Justiça que não devemos fazer referência a essa carta, que não temos que apreciá-la, porque nunca se viu tribunal ou qualquer entidade, que tenha de julgar, recorrer a um elemento dêsses: a afirmação sob palavra de honra do acusado.

Mas é que nós não somos um tribunal, não estamos a julgar: somos uma Câmara política o as regras que temos de seguir para a concessão ou recusa da autorização para a prisão dos membros desta Câmara, essas regras não são jurídicas, são regras de moral política.

Portanto, temos de ter em atenção, não nos fica mal, todas essas razões, embora de ordem moral, que evidentemente não terão valor, não poderão pesar para a decisão dum tribunal.

Sr. Presidente: estou convencido de que encarei esta questão sem paixão de espécie alguma, e razão nenhuma havia para a ter.

Sou independente, a minha atitude para com êste Govêrno, como para com os outros Governos, tem sido sempre de apoio, embora uma oo outra vez tenha discordado de um ou do mais actos dos Governos que variadíssimas vezos se têm sentado naquelas cadeiras.

MSS isso não significa que, de um modo geral, eu não- tenha apoiado êsses Governos. As maiores discordâncias com êsses Governos têm partido dos próprios Partidos que os apoiam.

Não me move, portanto, o desejo de que se levante qualquer embaraço à marcha do Govêrno, neste momento, depois de tam prontamente ter reprimido o movimento revolucionário.

Encarei a questão com serenidade, pondo de lado toda e qualquer paixão.

Estou certo de que todos os Srs. Deputados procederão da mesma forma na resolução desta questão.

Estou convencido de que todos têm feito esfôrços por encarar esta questão serenamente o por pôr de lado toda a paixão. Pois que cada um consulte a sua própria consciência, e estou convencido de que, prestando bem atenção ao interessa da questão, que não é pessoal, como muito bom frisou o Sr. Alberto Xavier, estou convencido, repito, do que em sua consciência a sua resposta será a mesma que me ditou a minha: recuso a autorização para que se mantenha a prisão dos Srs. Cunha Leal e Garcia Loureiro.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: não é esta a primeira vez que a Câmara dos Deputados tem do" versar o assunto das imunidades parlamentares.

Das outras vezes tive ocasião, pelo menos em urna ou duas delas, do omitir o meu parecer.

Penso hoje o mesmo que pensava quando das outras vezes discuti o mesmo assunto.

Emito hoje o meu parecer com a mesma imparcialidade, com a mesma isenção com que tive ocasião de fazê-lo das outras vezes.

Sr. Presidente: as considerações que vou fazer, muito ligeiras, faço-as na qualidade de parlamentar, desde que não posso fazê-las na qualidade de bacharel em direito, embora muito modesto, servindo-me dos conhecimentos que no uso dos livros do direito tenho aprendido.

Creio, Sr. Presidente, que dois são os aspectos em que o Govêrno pode e deve encarar esta questão: - um, da culpabilidade ou inculpabilidade dos parlamentares; outro, da autorização ou de negação do licença para continuarem presos, conforme o pedido que é feito pelo Sr. general comandante da 1.ª divisão.

Avaliar da culpa ou da falta dela relativamente a parlamentares, creio eu que não pertence à Câmara dos Deputados: pertence, de uma maneira directa, ao Poder Judicial que, segundo a Constituição, é independente e tem soberania dentro das suas funções, como o Poder Exe-

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cutivo e o Poder Legislativo a têm dentro das suas.

Lendo a Constituição, reconhece-se que esta estabelece duas espécies de garantias: as garantias chamadas individuais, que constam do artigo 3.º e as garantias que eu classificarei de fundamentais, garantias em favor do Poder Executivo e garantias em favor do Poder Legislativo, garantias estas naturalmente destinadas a manter a soberania e o cumprimento integral das funções de cada um dêstes poderes.

Para o Poder Executivo estabelece a Constituição o direito de êle poder suspender as garantias individuais consignadas no artigo 3.° da Constituição; e, assim, permite que em dadas circunstâncias de perturbação, quer de ordem externa ou interna, possa suspender as garantias individuais durante determinado tempo, estabelecendo também a Constituição, mas em secção diferente, garantias em favor do Poder Legislativo e entre elas a das imunidades parlamentares.

Estas não estão na secção das garantias individuais, mas são garantias estabelecidas pela Constituição em favor da soberania do Poder Legislativo.

Só ao Poder Legislativo é que a Constituição confia o poder de assegurar essa prerrogativa, essa garantia do seu funcionamento.

E é por isso, Sr., Presidente, que discordando ou divergindo um pouco da afirmação que tenho ouvido fazer a respeito da doutrina consignada no artigo 17.°, eu entendo que o Poder Executivo pode deter quando suspender as garantias, mas não pode manter qualquer prisão sem que a Câmara tal autorize.

A leitura do texto e o confronto do artigo 17.° com p artigo 18.° e ainda com os artigos 64.° e 65.° parece-me que não deixa dúvida de que é esta a interpretação constitucional e a doutrina única que pode seguir-se, para não transformar a imunidade numa garantia que possa estar à mercê de qualquer acto arbitrário do Poder Executivo.

Evidentemente que, quando um criminoso é preso em flagrante delito, não é aquele que o prende, um particular, por exemplo, que o leva à prisão: - e por ordem da autoridade competente.

A Constituição é bem clara no que expressamente diz no artigo 26.°, § 2.°

Por consequência, o que o Poder Executivo pode é deter quaisquer pessoas num momento revolucionário ou em qualquer circunstância em que possa suspender as garantias constitucionais; mas, se isto sucede com respeito a quaisquer indivíduos, evidentemente que, tratando se de um parlamentar, êle não pode arrogar-se o direito de suspender-lhe as suas imunidades.

Por isso, Sr. Presidente, dois aspectos poderemos invocar nesta questão. Primeiro: se o Poder Executivo, ao deter os dois parlamentares, cuja autorização para manter na prisão nos é pedida, o fez legal ou ilegalmente, aspecto êste que eu considero político e que não é a meu ver o que está em discussão; segundo: se porventura a Câmara autoriza ou não que só mantenham essas prisões, isto é, se a Câmara suspende ou não suspende as imunidades parlamentares ao abrigo das quais êsses parlamentares não podem estar presos sem que a sua Câmara tal autorize.

Sendo assim, Sr. Presidente, o que importa saber é as condições em que uma Câmara deve decidir-se para autorizar ou não a suspensão das imunidades parlamentares.

Evidentemente que, sendo a imunidade parlamentar uma garantia do funcionamento de uma Câmara, com toda a sua independência, soberania o liberdade, nunca uma Câmara deve autorizar a suspensão das imunidades parlamentares quando, de qualquer modo, a Câmara possa ficar deminuída na sua acção e na função que lhe compete exercer.

Uma Câmara, Sr. Presidente, é composta, naturalmente, por elementos de diversas correntes políticas, e ficará diminuída toda a vez que os seus parlamentares, ou pelo seu número, ou pela sua qualidade, deixem de poder vir a ela.

Compreende-se, assim que o Poder Executivo poderia, arbitrariamente, prender, sob qualquer acusação criminosa, os leaders, por exemplo, de todos os partidos que lhe fossem adversos. E eu pregunto, e qual seria então a situação em que porventura ficariam os representantes políticos dêsses partidos nessa Câmara?

Poderia, pois, ser autorizada a suspensão das imunidades parlamentares dêsses

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elementos, mesmo que se tratasse de um crime que tivesse sido por êles praticado?

Disse muito bem, há pouco, o Sr. Rocha Saraiva, que há os crimes comuns e os crimes de ordem política, e, que entro os primeiros, ainda há que distinguir os que possam envergonhar quem os praticou.

Ora, Sr. Presidente, um dos parlamentares presos é precisamente um leader, não me importando que elo pertença a êste ou àquele sector político, porque não sou um político.

Trata-se, repito, de um leader, o qual tem uma função especial doutro desta Guinara; e, por isso, era preciso que houvesse uma razão bem forte para que a Câmara pudesse autorizar que um tal elemento ficasse inibido de exercer a sua função parlamentar.

Creio, Sr. Presidente, que, imparcialmente, se não pode dar outra interpetação à prerrogativa da imunidade parlamentar, e que é esto o critério que devo orientar os parlamentares ao terem de decidir sôbre se autorizam ou não qualquer pedido para um paramentar continuar preso.

Sôbre a culpabilidade ou não dos parlamentares que estão presos, por aquilo que eu li nos autos, fico convencido, Sr. Presidente, de que a não hei; mas, não tenho, como parlamentar, que me pronunciar sôbre isso.

E com o Poder Judicial. Se amanha o Poder Judicial reconhecer que os parlamentares que hoje estão presos estão culpados, julgá-los-há, condena-los-há o êles cumprirão a pena oportunamente.

Sr. Presidente: a negação que a Câmara fizer porventura dessa autorização evidentemente em nada prejudica as investigações criminais que podem e devem fazer-se até para prestígio da própria Câmara.

Estou convencido de que os próprios parlamentares são os primeiros a querer que se averigúe bem se legalmente foram detidos ou só, pelo contrário, foi caluniosamente que se lhes atribuiu um crime que não tinham cometido.

Não pode deixar de interessar-nos, a todos nós, que somos um corpo colectivo, saber qual o procedimento e forma como se comportam os elementos dêste corpo colectivo.

Quanto ao Sr. Garcia Loureiro, o próprio Poder Judicial não trouxe até agora nenhuma indicação, ou indício sequer da sua culpabilidade.

Do maneira que, Sr. Presidente, eu considero muito mais grave ainda o caso dêste Sr. Deputado do que o do Sr. Cunha Leal. Para o caso Cunha Leal poderia haver (não a meu ver) suspeitas que pudessem de certo modo, para o Executivo, justificar a sua detenção; mas para o Sr. Garcia Loureiro não vi nada ainda, absolutamente nada!

O Sr. Ministro da Justiça não disso nada; ninguém nesta Câmara me apresentou qualquer feito ou indício que pudesse justificar a sua detenção.

Quer pela análise das disposições constitucionais, quer pela atmosfera que cêrca o caso que está em discussão, eu creio, Sr. Presidente, que, para honra de todos nós, para a manutenção da autonomia, da liberdade o da independência que é preciso que tenha a função parlamentar, para ela ser exercida com aquela dignidade, aquele prestígio o liberdade, som o que nada valerá, nós não podemos permitir que continuem detidos parlamentares cuja função do concurso é necessário que se exerça aqui dentro, vindo êles próprios colaborar na atmosfera do paz social, de defesa da ordem, que é absolutamente indispensável manter no nosso País.

Pelas considerações ligeiras que acabo de fazer, Sr. Presidente, já V. Exa. e a Câmara voem o sentido em que vai o nosso voto.

Nós negaremos autorização para que continuem detidos os dois parlamentares que, se encontram presos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ginestal Machado: - Sr. Presidente: antes de entrar nas considerações que me determinaram a pedir a palavra, quero fazer minhas as palavras com que o meu ilustre correligionário Sr. Pedro Pita começou ontem o seu discurso em nome de todos nós.

Como S. Exa., eu agradeço à Câmara as manifestações que nós lhe merecemos quando abandonámos os trabalhos parlamentares. A êles voltamos, sabem já V. Exas. porquê; a êles voltamos sem ter-

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mós que nos arrepender de nenhum acto praticado; a êles voltamos cônscios dos direitos que nos assistem de retomar êstes lugares; a êles voltamos certos da justiça que aqui nos trouxe; a êles voltamos com ânimo sereno e tranquilo, e será tranquilamente, serenamente, não tendo outro objectivo senão o de esclarecer a verdade, se é possível ela ser esclarecida pelos homens, e se é possível esclarecê-la numa assemblea que é político, e, portanto, dominada por paixões, mas que certamente em casos como êstes serão recalcadas para ficar a razão fria e serena. Será tranquilamente, dizia, que eu vou apreciar os factos sôbre que a Câmara terá de se pronunciar.

Sr. Presidente: pedi a palavra quando falava o Sr. Ministro da Justiça; pedi-a no momento em que S. Exa. estranhava que um meu ilustre correligionário o muito querido amigo, o Sr. Cunha Leal, tivesse dirigido a V. Exa. para ser lida à Câmara a carta que todos nós conhecemos.

Realmente, pedi a palavra quando S. Exa. afirmava tal estranheza, porque a mim não causou estranheza grande que S. Exa. estranhasse a carta. E só estivéssemos no momento de manifestar estranhezas, teria eu de as manifestar pelo discurso, sobretudo a primeira parte, do Sr. Ministro da Justiça, quando ontem, seguramente as palavras atraiçoando o seu pensamento, nos dizia aqui, numa assemblea como esta, numa assemblea na sua quási totalidade republicana, numa assemblea em que a liberdade devia ser um princípio sagrado, que havia crimes de pensamento neste tempo e no regime em que vivemos.

Isso é que a mim me causaria estranheza profunda, porque ia bulir com aquilo que é estrutura, e fundamental no meu sentir!

Mas eu, que faço justiça a todos, fi-la desde logo ao Sr. Ministro da Justiça, acreditando que as suas palavras 6 que lhe atraiçoaram o seu pensamento e que S. Exa. não queria que ressuscitassem em pleno século XX os mesmos crimes dos séculos passados, crimes que se chamavam de trevas e sujeição do espírito, e que eram puníveis e condenáveis.

S. Exa. certamente queria dizer que o Govêrno, em virtude de informações que lhe chegavam à última hora e num momento perturbado, julgou pelos discursos do Sr. Cunha Leal que êle poderia ter sido cúmplice num movimento, feito sob a bandeira da República.

Foi efectivamente pela República que se bateram, mas...

Sussurro.

O Sr. Presidente: - Eu peço a V. Exa. mais uma vez o favor de não fazerem sussurro tam grande como estão fazendo.

O Orador: - Acabo de ouvir as indicações de V. Exa. para que a Câmara não faça tanto barulho.

Devo dizer, entretanto, e desejo acentuá-lo, que não fui eu quem pediu o silêncio da Câmara. Foi S. Exa. que quis ter a amabilidade, que reconheço e que tantas vezes tem tido para comigo, de pedir à Câmara que não estivesse fazendo tanto sussurro, que me fazia levantar muito a voz, que eu não poderia manter nesse tem.

Agradeço a V. Exa. a fineza da sua intervenção, que não havia solicitado.

Como vinha dizendo a V. Exas., estranhei ouvir o Sr. Ministro da Justiça, chefe do Poder Judicial, dizer que o delito de opinião, do modo de pensar e de exteriorização das ideas, era motivo para levar o Sr. Cunha Leal a ser privado da liberdade, apesar das imunidades parlamentares.

Estranhou S. Exa. que o Sr. Cunha Leal se quisesse neste momento valer delas.

O Sr. Cunha Leal e os seus correligionários, tendo abandonado o seu lugar nesta Câmara, não renunciaram o seu mandato.

O que nós fizemos, o acto que praticámos, o País o julgará. E os nossos eleitores, que forem chamados a pronunciarem-se, o julgarão também.

E sòmente a êsses que devemos todas as explicações.

A imunidade parlamentar, como muito bom disse um Sr. Deputado, não é privilégio: é prerogativa.

Abandonámos esta função na Câmara quando o julgámos conveniente; e voltámos a exercê-la quando o entendemos conveniente também.

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Somos os juizes dos nossos actos. E são-no o País e os nossos eleitores.

Sr. Presidente: foi preso o Sr. Cunha Leal; e pelo que aqui se tem dito, e pelos depoimentos juntos a êsses documentos, encontramos que foi preso por ser encontrado em flagrante delito.

Seria ridículo que viesse tratar do caso do Sr. Cunha Leal sob o aspecto jurídico. Isso já foi tratado por pessoas de competência e reconhecida autoridade.

Mas, Sr. Presidente, eu não podia, desde que o Sr. Ministro da Justiça estranhou que o Sr. Cunha Leal escrevesse a carta à Câmara e desde que S. Exa. disse que os motivos que levaram o Sr. Cunha Leal a estar proso foram os seus discursos, as suas conferências, enfim, a expressão do seu pensamento político, eu, Sr. Presidente, dada a minha situação no Partido Nacionalista, a que mo honro de pertencer, não ficava bem com a minha consciência,, se não usasse da palavra.

Sr. Presidente: o Sr. Cunha Leal, dizem, foi preso em flagrante delito.

Já o Sr. Rocha Saraiva definiu o que a lei portuguesa, a Novíssima Reforma Judiciária, diz acerca de flagrante delito.

Mas onde está o flagrante delito do Sr. Cunha Leal?

Onde é que se prova que S. Exa. dirigia a revolução?

Mesmo que o Sr. Cunha Leal tivesse, porventura, ido à Rotunda e voltado seguidamente pára casa, onde é que está a prova de que êle era o dirigente da revolução?

Mas, fazendo justiça a todos, eu quero referir-me à acusação mais gravo que se faz ao carácter do Sr. Cunha Leal.

Pois, então, se o Sr. Cunha Leal fôsse dirigente da revolução, não estaria ao pé dos seus camaradas?

Então não correria os mesmos perigos, os mesmos receios?

Então o homem que em 19 de Outubro, quando nos olhos do todos havia o pavor, abriu a porta a um adversário, com quem estava de relações cortadas, e o acompanhou, afrontando o perigo sem recear pela sua vida, se estivesse ao lado dos revoltosos, teria fugido ao fogo dos que os combatiam?

Evidentemente que no espírito de ninguém está esta possibilidade.

Apoiados da direita.

De resto, muitos que se encontram nesta Câmara, e que já com êle se acharam em situações idênticas, podem dizer se êle nalgum momento deu sinais do querer abandonar os seus camaradas ou se foi o primeiro a abandonar o pôsto que tinha ocupado.

Já se vê que temos de atender ao passado dos homens para avaliar os actos presentes, tanto mais que esta Câmara não está a julgar o acto de que é acusado Sr. Cunha Leal.

A Câmara, pronunciando-se num sentido ou noutro, não impede o prosseguimento do processo; e se, por acaso, esta casa do Parlamento estivesse constituída em, alto tribunal, então é que o Sr. Cunha não poderia mandar qualquer carta, porque era um réu diante do tribunal.

Mas aqui é um colega nosso, é um Deputado diante dos seus pares, que vem dar a sua palavra de honra de que não estava com o movimento revolucionário. E a palavra do honra vale muito, mesmo para os adversários.

Sr. Presidente: se a afirmação do Sr. Cunha Leal não fôsse, verdadeira, elo proferia contra si a maior condenação, maior do que a máxima que os códigos contem.

O Sr. Cunha Leal, dizendo que não conspirava, se amanhã se provasse que ora um revolucionário, condenava-se a si próprio.

Isto só ora possível se o Sr. Cunha Leal fôsse um imbecil; e a inteligência do Sr. Cunha Leal talvez seja ela que lhe faz mal neste momento - todos o sabem não permitiria tal imbecilidade.

Diz-se que o Sr. Cunha Leal recebeu oficiais revolucionários em sua casa; mas também os recebeu o Govêrno.

Se V. Exa., ou qualquer do nós, fôsse procurado por quaisquer revolucionários, eu pregunto se V. Exa. ou qualquer de nós, que nos prezamos de ser homens do bem e de honra, iríamos procurar o primeiro polícia para lhes indicar as pessoas que tínhamos em nossa casa.

Se isso é um crime, todos nós os cometeríamos.

Não há nenhuma prova segura, eloquente e precisa, nem sombra de prova, de que o Sr. Cunha Leal fôsse dirigente da revolução.

O que o Sr. Cunha Leal tem dito e

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escrito todos nós nesta casa o temos feito; todos os ataques à Constituirão feitos por vários Governos são gritos de revolta.

E se êles forem propulsores da revolta armada, então o Pais inteiro estaria metido numa cadeia.

A prisão do Sr. Cunha Leal é apenas uma forma cómoda de estar livre de um adversário incómodo?

Estou certo de que não é êsse sentimento mesquinho que determina o Govêrno; e estou também certo de que não será um sentimento dêstes que imperará na consciência dos meus colegas quando tiverem de se pronunciar acerca da prisão do Sr. Cunha Leal.

Se é estranho que o Sr. Cunha Leal esteja privado de liberdade, mais estranha se me afigura a prisão do Sr. Garcia Loureiro, que nem o crime de pensamento se lhe pode assacar.

Só haveria crime, e o mais ruim, se êste oficial tivesse anuído aos seus camaradas e depois faltasse! Mas ninguém acusou de tal crime o nosso colega Garcia Loureiro. Então porque está preso? Porque foi saber do seu Leader?

Como disse, não me demorarei a analisar esta questão sob o ponto de vista jurídico - o que seria ridículo - mas tinha necessidade de fazer estas considerações à Câmara, não por um sentimento de amizade mas porque me domina um sentimento de justiça.

Faça-se inteira luz, pondo-se de parte todo e qualquer sentimento que possa haver de má vontade contra os nossos colegas.

Estou absolutamente convencido, Sr. Presidente, de que a Câmara lhos vai fazer inteira justiça, pondo em liberdade êsses nossos correligionários e colegas, visto que na verdade não há contra êles qualquer motivo para que continuem presos. Haja visto a carta escrita a esta Câmara pelo Sr. Cunha Leal, em que êste ilustre parlamentar emprega a sua palavra de honra, sôbre o que não pode, nem deve haver dúvidas de qualquer espécie.

Confio, repito, na resolução que a Câmara vai tomar sôbre o assunto, tanto mais quanto é certo que sei que existe na Presidência desta Câmara um esclarecimento a essa carta, pela qual se sabe que S. Exa. emprega a sua palavra de honra de que não tomou parte, nem intervenção alguma teve na revolução.

Não pode, pois, ficar no espírito de V. Exas. o contrário do que se afirma, que na verdade não se pode nem deve pôr em dúvida.

Estou certo de que vai a Câmara resolver o assunto com toda a justiça, de forma a que se prestigie o regime, pois a verdade é que Justiça e República têm de andar sempre ligadas.

Tenho dito.

Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Plínio Silva: - Sr. Presidente: o ilustre Deputado o Sr. Ginestal Machado ao terminar as suas considerações disse que existia na Mesa qualquer documento, comunicação ou informação, pela qual o Sr. Cunha Leal esclarecia melhor a Câmara sobre a palavra de honra empregada, isto é, que eram absolutamente verdadeiras as afirmações que se acham exaradas no primeiro período da sua carta. Como tenha havido dúvidas por parte de alguns Srs. Deputados a essas afirmações, acho de toda a conveniência, desde que existe na Mesa qualquer documento ou informação a tal respeito, que a Câmara seja esclarecida sôbre o assunto.

Eu peço a V. Exa., Sr. Presidente, a fineza de esclarecer a Câmara sôbre êste ponto.

De resto, penso que o objectivo do Sr. Ginestal Machado foi justamente o de provocar da parte da Mesa êste esclarecimento.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Começo por declarar à Câmara que muito me surpreenderam as palavras que o Sr. Plínio Silva acaba de dirigir-me.

Na Mesa não se encontrava nenhum documento emanado do Sr. Cunha Leal; mas tendo sido comunicado ao Presidente da Câmara, pelo Sr. Carneiro Franco, que um amigo do Sr. Cunha Leal o procurara, pedindo-lhe que fizesse constar à Mesa que as afirmações da carta ontem lida na Câmara dos Deputados, da autoria do Sr. Cunha Leal, não eram todas

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garantidas sob palavra de honra, como algumas pessoas tinham interpretado - porquanto sob palavra do honra apenas garantia que não tinha nenhuma comparticipação de movimento revolucionário, nem ter estado na Rotunda - entendi eu que esta comunicação era muito melindrosa e que, por isso, mio mo assistia o direito de a conservar reservada só para mim.

Todavia, por outro lado, entendi também que não era meu dever transmiti-la à Câmara, visto que não tinha sido solicitado a fazê-lo.

Nestas condições, limitei-me a registar a comunicação recebida, fazendo-a figurar no processo que se encontra sôbre a Mesa, escrita pela minha mão, a fim de que os Srs. Deputados pudessem dela ter conhecimento.

Eis o motivo por que não informei imediatamente a Câmara da comunicação que me foi transmitida pelo Sr. Carneiro Franco, entendendo que nenhum Deputado tinha o direito do me fazer uma pregunta que me provocasse a declaração de haver recebido tal comunicação.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Carneiro Franco (para explicações): - Sr. Presidente: é absolutamente exacto que eu comuniquei a V. Exa. que, ao entrar na Sala dos Passos Perdidos, fui procurado pelo meu amigo Sr. Aquilino Ribeiro, que me solicitou para transmitir a V. Exa. que tendo acabado do chegar da prisão onde se encontra o Sr. Cunha Leal, êste Sr. Deputado lhe havia pedido para fazer constar à Mesa, que a expressão "palavra de honra" da carta que dirigiu a esta Câmara, dizia apenas respeito ao facto de S. Exa. não ter entrado no movimento revolucionário, nem ter estado na Rotunda, não ao referindo às outras passagens da mesma carta, como à afirmação de cabala política e outras.

Sr. Presidente: a minha acção foi pura e simplesmente a de transmitir a V. Exa. o que acabo de expor, para que V. Exa. comunicasse à Câmara o desejo manifestado pelo Sr. Cunha Leal, chagado até mim pela voz do meu querido amigo Aquilino Ribeiro.

Não quis, ao fazer essa comunicação a V. Exa., dar outro alcance que não fosse êste: uma comunicação que me havia sido feita o que em consciência eu não tinha direito de recusar-me a comunicar a V. Exa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Plínio Silva: - Sr. Presidente: sabe V. Exa. muito bem a alta consideração que eu tenho por V. Exa.

Não digo estas palavras por mera cortesia.

Creio que V. Exa. tem sentido bem o elevado aprêço que tenho pela pessoa de V. Exa., visto que inúmeras provas de amizade me tem dado.

Sabe também V. Exa. que ou lhe dispenso uma tam grande consideração que, sem favor, o considero uma das mais altas figuras da República (Apoiados); e, por isso, V. Exa. não me levará a mal que eu diga que me maguou a forma de recriminação como V. Exa., em parte, quis censurar a interrogação que eu dirigi à Mesa.

Estava o estou convencido de que foi boa a minha intervenção; e bastava ter verificado o aplauso o assentimento do Sr. Ginestal Machado às minhas palavras de ha pouco para compreender que S. Exa. tinha sentido prazer em que eu, tendo dado às suas palavras a devida atenção e consideração que elas sempre me merecem, houvesse pedido a V. Exa. que elucidasse a Câmara sôbre as palavras com que o Sr. Ginestal Machado terminara as suas considerações.

Parece-me que, entendendo o Sr. Presidente que não se deveria fazer qualquer referência ao assunto, e uma vez que não tinha sido eu a pessoa que em primeiro lugar a êsse facto se havia referido, se censuras havia a fazer, elas não deveriam ser dirigidas a mim, mas, porventura, ao Sr. Ginestal Machado.

Creio que todos fazem a justiça de reconhecer que a minha intervenção, nesta altura, outro fim não teve, do que esclarecer completamente o assunto por forma a que todos nós ficássemos suficientemente elucidados sôbre a carta que o Sr. Cunha Leal tinha dirigido à Mesa.

Creio que as minhas palavras devem satisfazer V. Exa.

Vê-se que o meu propósito era esclarecer a Câmara e que as minhas palavras

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foram ditas na melhor das intenções possíveis.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Agradeço as palavras do Sr. Plínio Silva, mas parece-me que S. Exa. não interpretou devidamente o que eu disse.

Eu já disse que não tinha o direito de ocultar à Câmara a comunicação do Sr. Cunha Leal, feita por intermédio de um seu amigo.

Eu preguntei ao Sr. Carneiro Franco se sabia se S. Exa. desejava que só fizesse a comunicação à Câmara, más o Sr. Carneiro Franco disse-me não estar habilitado a responder-me.

Eu não podia ocultar, tanto mais que entendi que devia figurar junto ao processo.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Vasco Borges: - Sr. Presidente: V. Exa. diz-me a que horas se passa ao período de antes de se encerrar a sessão?

O Sr. Presidente: - Faltam 5 minutos para se entrar no período de antes de se encerrar a sessão.

O Orador: - Nessas condições, se a Câmara me consentisse, eu ficava com a palavra reservada para amanhã.

Em 5 minutos nem tempo tenho de iniciar as minhas considerações.

O Sr. Presidente: - Já ontem não permiti isso ao Sr. Alberto Xavier, não o posso consentir hoje a V. Exa.

O Orador: - O Sr. Alberto Xavier não o tomaria como desconsideração; mas sucede ainda que V. Exa., dando a palavra a outro Parlamentar, também êste não poderia fazer considerações em 5 minutos.

Penso eu.

O Sr. Presidente - V. Exa. fica com a palavra reservada.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Carlos de Vasconcelos: - Sr. Presidente: entre as medidas ultimamente tomadas pelo Govêrno e às quais eu tenho dado o meu melhor aplauso, figura a censura à imprensa e a suspensão de dois jornais.

Não quero apreciar as razões que levaram o Govêrno a adoptar tal medida, mas quere-me parecer que a suspensão dêsses jornais poderia cessar desde que a censura se exercesse com critério.

Entre os jornais suspensos está o Diário de Lisboa.

Tive ocasião de ler o último número dêsse jornal e - com franqueza o digo - não encontrei nada que dêsse justificação à medida violenta que contra êle foi tomada.

Trata-se, além disso, dum jornal dirigido por um republicano que sempre o colocou à disposição dos republicanos para a sua defesa, e dum jornal que no momento da revolução, em primeira página, a condenou com vigor.

Espero, por isso, que o Sr. Ministro do Interior, assim que o julgue oportuno, suspenda essa medida violenta.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Interior e interino da Guerra (Vitorino Godinho): - Ao Govêrno, primeiro do que a ninguém, foi desagradável tomar medidas violentas contra a imprensa.

Assim o seu maior desejo é o de suspender essas medidas o mais ràpidamente possível, principalmente para não criar uma situação difícil às classes trabalhadoras ocupadas nos serviços gráficos dos jornais suspensos.

Creio, no emtanto, poder anunciar que já amanhã o assunto se encontrará resolvido, se não no seu todo, pelo menos em parte.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: - Pedi a palavra para me ocupar, também, da censura à imprensa e, sobretudo, da suspensão de dois jornais de Lisboa.

Eu, que tenho aos princípios maior respeito que os Srs. Deputados republicanos, não quero saber da qualidade política dêsses jornais.

Tanto me importa que sejam republicanos como que o não sejam. São dois jornais que estão suspensos; e ainda há pouco o Sr. Presidente do Ministério, referindo-se à razão por que estava suspenso

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O Século, citou motivos verdadeiramente irrisórios, para praticar essa supressão.

O Diário de Lisboa então - também isso já tem aqui sido dito nesta Câmara - é um jornal que até se pôs inteiramente ao lado do Govêrno para sufocar o movimento militar. Também se não compreende, pois, a medida contra elo e muito menos quando existe a censura provia.

Compreende-se que o Govêrno cuidasse do proibir a circulação do qualquer jornal, cujas notícias pudessem de certo modo ser uma causa de desordem. Mas estas notícias mesmo não se compreendo que o pudessem estorvar na sua acção, desde que existe, repito, a censura prévia, a qual não deixa (eu sou até testemunha disso) publicar alguns artigos que são absolutamente inofensivos, quanto mais qualquer cousa que promovesse a alteração da ordem pública.

Não só pode, pois, explicar essa suspensão impôsta senão por qualquer má vontade ou vingança.

É o Poder Executivo a aplicar o livro arbítrio, o que é absolutamente contrário a todos os sãos princípios.

Em tais condições, eu peço ao Sr. Ministro da Guerra e do Interior o lavor de me elucidar sôbre as intenções, talvez "bi-intenções", que S. Exa., o Sr. bi Ministro da Guerra e do Interior, deseja adoptar para êstes jornais, isto é: se está disposto a mante-los na mesma situação ou se, pelo contrário, entende que da sua publicação não advêm perigos alguns para a ordem pública.

Por mim - mais uma vez o acentuo - não vejo nenhum perigo nessa publicação.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Interior e, interino, da Guerra (Vitorino Godinho): - Sr. Presidente: pedi a palavra para responder ao Sr. Carvalho da Silva, pouco mais ou menos, o que já disse ao Sr. Carlos de Vasconcelos. Presumo que, pelo menos em parte, a questão da suspensão dos referidos jornais ficará em breve resolvida.

Mas quero desde já protestar contra umas palavras pronunciadas pelo Sr. Carvalho da Silva, quando S. Exa. disse que as medidas adoptadas contra determinados jornais foram ditadas apenas por má vontade ou vingança por parte do Govêrno.

O Sr. Carvalho da Silva (em àparte): - Medidas de excepção, Sr. bi Ministro.

O Orador: - S. Exa. não tem o direito de dizer palavras dessa natureza.

Pelo que se refere ao restabelecimento da circulação de todos os jornais, reservo-me para em ocasião oportuna responder a S. Exa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, 24 do corrente, à hora regimental, com a seguinte ordem de trabalhos:

Antes da ordem do dia (com prejuízo dos oradores que se inscrevam):

Parecer n.° 883, que altera o artigo 4.° do Acto de Navegação, e a de hoje.

(Sem prejuízo dos oradores, que se inscrevam):

A de hoje, menos o parecer n.° 541.

Ordem do dia:

A de hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 55 minutos.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Declaração de voto

O artigo 17.° da Constituição da República diz:

"Nenhum Deputado ou Senador poderá ser ou estar preso, durante o período das sessões, sem provia licença da sua Câmara, excepto em flagrante delito, a que seja aplicável pena maior ou equivalente na escala penal".

Em meu entender, êste artigo, tal como está redigido, refere-se a dois factos distintos: ser preso um Deputado ou Senador; estar preso um Deputado ou Senador - terminando por uma excepção: "ex-

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cepto em flagrante delito", etc., que exclusivamente respeita ao primeiro dos factos nêle previstos.

Concluo, pois, de harmonia com o exposto, e como é evidente, que pode um parlamentar ser proso sem autorização da sua Câmara, por virtude de crime a que corresponda pena maior e em flagrante delito, não podendo, porém, ser preso mesmo que ao crime caiba pena maior, não se verificando o flagrante delito, nem em qualquer hipótese estar preso, ou por outra, continuar preso sem a autorização da sua Câmara.

Posto isto, é meu parecer que no caso presente os Srs. Cunha Leal e Garcia Loureiro não podem estar presos ou continuar presos sem licença da sua Câmara.

Por outro lado, precisando a comissão de legislação criminal, como necessária e iniludível questão prévia, de examinar se foi ou não legítima a prisão daqueles Srs. Deputados, o que implica a necessidade de saber qual é o crime de que são acusados, não só a fim de poder reconhecer que ao crime corresponde pena maior, mas também avaliar da verificação do próprio flagrante delito, entendo que indispensável se torna, para esta comissão prosseguir nos seus trabalhos e dar o seu parecer, que o Sr. general comandante da 1.ª divisão do exército se digne informar concretamente a Câmara dos Deputados sôbre a incriminação legal em que estão incursos os parlamentares acusados.

Sala das sessões da comissão de legislação criminal, 22 de Abril de 1925. - Vasco Borges.

Para a Secretaria.

Para a acta.

Últimas redacções

Projecto de lei n.° 892, que cria um adicional de 15 por cento sôbre as contribuições cobradas nos concelhos do distrito do Viana do Castelo, consignado à junta das obras do porto de Viana e Rio Lima.

Dispensada a leitura da ultima redacção.

Remeta-se ao Senado.

Projecto de lei n.° 541, que constitui uma freguesia com sede em Queluz.

Dispensada a leitura da última redacção.

Remeta-se ao Senado.

Projecto de lei n.° 598, que altera a lei n.° 1:368, de 21 de Setembro de 1922, sôbre a taxa da contribuição industrial a aplicar aos empregados na indústria, comércio e agricultura.

Dispensada a leitura da última redacção.

Remeta-se ao Senado.

Parecer n.° 892, que cria um adicional de 15 por cento sôbre as contribuições cobra ias no distrito de Viana do Castelo, consignado à junta das obras do porto de Viana e Rio Lima.

Aprovado.

Para a comissão de redacção.

Dispensada a leitura da última redacção.

Parecer n.° 541, que cria uma freguesia com sede em Queluz.

Aprovado.

Para a comissão de redacção.

Dispensada a leitura da última redacção.

Processo de sindicância ao Sr. Veiga Simões, e acórdão do conselho disciplinar.

Publique-se com urgência no "Diário do Governo".

O REDACTOR - João Saraiva.

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