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REPÚBLICA PORTUGUESA

SESSÃO N.° 75

EM 5 DE JUNHO DE 1925

Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva

Sumário. - Abertura da sessão. Leitura da acta. - Correspondência.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Tavares de Carvalho ocupa-se eleição de preço das farinhas feita pela Moagem, reclamando providências do Sr. Ministro da Agricul6tura e tratando ainda do exagerado preço das carnes.

Responde-lhe o Sr. Sampaio Maia (Ministro do Trabalho).

O Sr. Presidente anuncia que vai continuar a discussão do parecer n.º 626, e, verificando que não há nenhum orador inscrito, submete à votação da Câmara a generalidade do projecto, que, é aprovada.

Entrando em discussão na especialidade, o Sr. Ministro do Trabalho envia para a Mesa uma proposta de aditamento de um § único, que é admitida e em segunda aprovada.

Feita a contraprova, requerida pelo Sr. Morais Carvalho, que invoca, o § 2.º do artigo 116 ° do Regimento, verifica-se terem aprovado 54 Srs. Deputados e rejeitado 2.

Lido na Mesa o artigo 2.°, é aprovado sem discussão.

São aprovados sem discussão os artigos 3.°, 4.°, 5.º, 6.°, 7.°, 8.°, 9.º, 10.º, 11.°, 12.°, 13.°, 14.º, 15.º e 16.°

Lido na Mesa o artigo 17.°, o Sr. Ministro do Trabalho propõe a eliminação do § 1.º dente artigo. É admitida esta proposta e em seguida aprovada.

A Câmara aprova o artigo 17.° salva a emenda.

São sucessivamente aprovados sem discussão os artigos 18.º, 19.º, 20.°, 21.°, 22,°, 23.°, 24.°, 25.°, 26.°, 27 ° e 28.°

O Sr. Agatão Lança requere a dispensa a leitura da última redacção do projecto. É aprovado.

O Sr. Sá Pereira requere a discussão imediata do projecto de lei que proroga por mais 5 anos a lei n.° 1:024. Aprovado êste requerimento, entra em discussão o referido projecto de lei, que é lido na Mesa e aprovado sem discussão na generalidade e na especialidade, sendo dispensado da leitura da última redacção a requerimento do Sr. Sá Pereira.

O Sr. Jaime de Sousa pede que lhe seja reservada a palavra para usar dela, na próxima sessão, quando estiver presente o Sr. Ministro das Finanças.

É aprovada a acta.

São admitidas a discussão algumas propostas de lei.

Ordem do dia - (Continuação da discussão do negócio urgente do Sr. Rodrigo Rodrigues sôbre o Govêrno de Macau).

O Sr. Rodrigo Rodrigues, que ficara com a palavra reservada na sessão anterior, conclui o seu discurso e envia para a Mesa uma moção que é lida e admitida.

O Sr. Carvalho da Silva requere a prorrogação da sessão até ao final do debate.

Usa da palavra sôbre o modo de votar o Sr. Carvalho da Silva, sendo rejeitado em seguida o requerimento do mesmo Sr. Deputado, em prova e contraprova.

O Sr. Correia da Silva (Ministro das Colónias) responde às considerações no orador precedente.

Segue-se no uso da palavra o Sr. Ferreira da Rocha, que envia para a Mesa uma moção.

É admitida.

Antes de se encerrar a sessão. - O Sr. João Camoesas pregunta ao Sr. Ministro do Comércio se não prossegue a sindicância aos actos de um vogal do Conselho de Administração do porto de Lisboa.

Responde-lhe o Sr. Ferreira de Simas (Ministro do Comércio).

O Sr. Francisco Cruz estranha a ausência dou Srs. Presidente do Ministério e Ministro do Interior, e protesta contra o regime a que estão sujeitos os militares presos em Santarém.

O Sr. Carvaljo da Silva interroga o Sr. Ministro do Comércio sôbre o problema das estradas.

O Sr. Ministro do Comércio responde ao orador antecedente.

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2 Diário da Câmara aos Deputados

O Sr. Pedro Pita pregunta se é verdadeira a informação de o Sr. Ministro da Justiça pensar na criação de novas comarcas.

O Sr. Sampaio Maia (Ministro do Trabalho) promete transmitir ao seu colega da Justiça as considerações feitas pelo orador.

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão às 15 horas e 40 minutos.

Presentes à chamada, 43 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 57 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Abilio Corroía da Silva Marçal.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Artur Rodrigues do Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar do Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Custódio Martins de Paiva.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis do Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Germano José do Amorim.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomos de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Ferreira da Rocha.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Teofilo Maciel Pais Carneiro.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Abílio Marques Mourílo.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto do Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia do Azevedo.
Angelo do Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio do Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia,
António Dias.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António Pinto do Meireles Barriga.
António Resende.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Coelho de Amaral Reis.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José do Medeiros.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Brandão.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.

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Sessão de 5 de Junho de 1925 3

Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José Oliveira.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio do Campos Martins.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Paulo Cancela do Abreu.
Rodrigo José Rodrigues.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Faltaram à sessão os Srs.:

Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Xavier do Castro.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António do Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Custódio Maldonado do Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Ernesto Carneiro Franco.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso do Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João Pereira Bastos.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário do Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo do Lacerda.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergilio da Conceição Costa.

As 15 horas e 25 minutos principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 43 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofícios

Do Senado, enviando uma proposta de lei que reintegra no serviço da armada, no posto de marinheiro artilheiro, e transfere para a guarda nacional republicana no pôsto de primeiro sardento, onde deve ser

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4 Diário da Câmara dos Deputados

reformado como tenente o cidadão Miguel Fernandes,

Para a comissão de marinha.

Do Ministério das Colónias, para que seja alterada a proposta ornamental, para 1925-1926, no capitulo 4.°, artigo 56.°

Para a comissão do Orçamento.

Telegrama

Do professorado do concelho do Sernancelhe e do de Castro Daire, protestando contra o decreto n.° 10:776.

Para a Secretaria.

Carta

Do Sr. Mariano Martins, participando a sua próxima retirada para a Índia e pedindo por isso a exoneração de vogal do Conselho Colonial.

Para a Secretaria.

Representação

Da Associação dos Lojistas Barbeiros e Cabeleireiros de Lisboa, pedindo alterações no regime tributário em vigor.

Para a comisão de finanças.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período do antes da ordem do dia.

O Sr. Tavares do Carvalho: - Sr. Presidente: desejava que estivesse presente o Sr. Ministro da Agricultura, mas, visto que assim não sucede, peço ao Sr. Ministro do Trabalho para lhe, comunicar factos graves que se estão dando com o fornecimento de farinhas das companhias de moagem do nosso País às padarias dos concelhos suburbanos de Lisboa.

Quando a Manutenção Militar não tem farinhas para fornecer aos concelhos limítrofes, principalmente do círculo do Setúbal, do qual eu sou aqui modesto representante, os senhores moageiros permitem-se elevar os preços das farinhas, fazer uma extracção de diagrama diferente dos que estão autorizados o criar todas as dificuldades que lhos apraz.

Sucede que a Manutenção Militar, em virtude de um pequeno rateio que lhe coube, distribuiu toda a farinha, e Setúbal, uma cidade com quasi 60:000 habitantes, não tem tido farinha para o sou abastecimento.

Procurou-se farinha em todas as companhias de moagem, o todas elas se negaram a fornecê-la.

E, assim, estão aqueles povos à mercê dos senhores moageiros, que só cumprem as leis do País quando entendem e como entendem!

Eu desejava, repito, pedir providências quando estivesse presente o Sr. Ministro da Agricultura, mas, como a resolução dêste assunto é urgente, espero que o Sr. Ministro do Trabalho lhe transmitirá as minhas reclamações. Os povos daquele concelho não podem estar sujeitos aos caprichos e manigâncias de quem mistura tudo o que quere no pão, modificando os diagramas da farinha, alterando os preços, o fornecendo principalmente farinha de 2.ª, que é intragável.

O Sr. Ministro da Agricultura certamente vai envidar todos os seus esforços - e eu sei que S. Exa., quando tem qualquer reclamação, faz entrar a moagem na ordem - para que, quando a Manutenção Militar não tiver farinha, os moageiros não deixem do a fornecer com os diagramas e preços da tabela.

Esta minha reclamação com referência a Setúbal já Lá dias foi transmitida a S. Exa. pelo delegado do Govêrno daquela cidade.

Já que estou no uso da palavra, direi que, tendo conhecimento da grande baixa que as carnes sofreram no País, estranho que em Lisboa essa baixa fôsse tam insignificante que os consumidores mal a sentiram.

Nas feiras pede-se, quási por favor, aos compradores que levem o gado por todo o preço.

Os seus preços são inferiores em 50 por cento aos preços anteriores, havendo uma diferença de 3$ a 4$ em cada quilograma de carneiro e de 4$ a 5$ na carne de vaca, quando afinal em Lisboa apenas se abateram $80 por quilograma.

Parece-me que o Sr. Ministro da Agricultura, apesar de o assunto pertencer, à Câmara Municipal, poderia, de acordo com ela, tomar providências para que em Lisboa o consumidor fôsse beneficiado.

Eu sei também que a agricultura pagando actualmente aos seus trabalha-

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dores 50 por cento menos do que lhes pagava o ano passado, e que está levando pela farinha o pelo pão que lhes fornece os mesmos preços do ano anterior.

É preciso, pois. estudar os inconvenientes que isto pode trazer, até mesmo à vida do Govêrno, por isso que reina grande descontentamento entre os trabalhadores que vêem os seus salários deminuídos em 50 por cento e os produtos conservarem os preços anteriores.

É preciso, pois, repito, que S. Exa. tomo medidas para modificar tal situação.

Se as medidas apresentadas pela comissão encarregada de estudar o modificar as causas da carestia da vida fossem postas em execução pelo Govêrno, a situação modificar-se-ia imediatamente.

Espero que S. Exa. ponha termo a êste mal-estar dos consumidores, dizendo à moagem que é tempo do deixar de envenenar o povo, de lhe extorquir os seus minguados recursos e que tem de respeitar as leis do País.

Tenho dito.

O Sr. Ministro do Trabalho (Sampaio Maia): - Ouvi com toda a atenção as considerações do Sr. Tavares de Carvalho, o transmitirei ao meu colega da Agricultura as observações que S. Exa. acaba de fazer e que eu reputo inteiramente justas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o parecer n.° 626 que concede autonomia ao Hospital Escolar. Não está mais ninguém inscrito. Vai votar-se.

Foi aprovado na generalidade.

O Sr. Presidente: - Vai discutir-se na especialidade. Vai ler-se o artigo 1.°

Pausa.

Leu-se na Mesa o artigo 1.° e foi ponto em discussão.

O Sr. Ministro do Trabalho (Sampaio Maia): - Sr. Presidente: pedi a palavra única e exclusivamente para mandar para a Mesa um § único, que pretendo que seja aditado ao artigo 1.°

Êste parágrafo refere-se aos serviços anatómicos dos Hospitais Civis de Lisboa.

Em seguida foi aprovado o artigo 1.°, bem como o § único proposto pelo Sr. Ministro do Trabalho.

É o seguinte:

§ único. O serviço de anatomia patologia, estabelecido pelos hospitais no seu laboratório de anatomia patológica no Hospital de S. José em 1901, e que, pelo decreto do 13 de Dezembro de 1910, foi cedido à Escola Médica Cirúrgica do Lisboa, volta à posse dos Hospitais Civis de Lisboa ficando a Faculdade de Medicina autorizada a prestar ali o seu ensino de anatomia patológica macroscópica emquanto a mesma Faculdade não tiver o seu instituto ou laboratório. - O Ministro do Trabalho, A. Sampaio Maia.

O Sr. Morais Carvalho: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.

Feita a contraprova, verificou-se terem aprovado 54 Srs. Deputados e rejeitado 2.

Seguidamente foram aprovados sem discussão os artigos 2.°, 3.°, 4.°, 5.°. 6.°, 7.°, 8.°, 9.°, 10.º, 11.°, 12.°. 13.°, 14.°, 15.° e 16.°

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 17.°

O Sr. Ministro do Trabalho (Sampaio Maia): - Mando para a Mesa a seguinte

Proposta

Proponho a eliminação do § 1.° do artigo 17.° - O Ministro do Trabalho, A. Sampaio Maia.

Foram aprovados a proposta e o artigo 17.°

Em seguida foram aprovados os artigos 18.° a 28.°

O Sr. Agatão Lança: - Requeiro que seja dispensada a leitura da última redacção.

Foi aprovado.

O Sr. Sá Pereira: - Requeiro que seja consultada à Câmara sôbre se permito que entre imediatamente em discussão o

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6 Diário da Câmara dos Deputados

projecto de lei que prorroga a lei n.° 1:024, de 3 de Agosto por mais 5 anos.

Foi aprovado o requerimento do Sr. Sá Pereira.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se, para entrar em discussão, o projecto do lei n.° 854-F.

Foi lido o seguinte:

Projecto de lei n.° 854-F

Senhores Deputados. - A lei n.º 1.024, de 23 de Agosto de 1920, autorizou o Govêrno a conceder às câmaras municipais do País, pelo prazo do cinco anos, isenção do direitos de importação sôbre os materiais importados do estrangeiro para a construção do serviços municipalizados de abastecimentos de agua e iluminarão eléctrica, quando êsses materiais não puderem ser produzidos pela industria nacional.

Termina pois no próximo mês de Agosto o prazo estabelecido nesta lei, sem que as câmaras o pudessem ter utilizado, como era de desejar, em virtude das circunstâncias especiais que o país atravessou e da grave crise cambial que, felizmente, vai declinando.

É, portanto, agora mais propícia a ocasião para que as câmaras municipais possam tornar úteis iniciativas de serviços públicos, o que virá também facilitar a solução da crise de mão do obra que se aproxima.

Nestas condições, trinos a honra do submeter à vossa apreciarão o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É prorrogado por mais cinco anos o prazo estabelecido na lei n.º 1.024, de 23 de Agosto de 1920.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões, em 6 de Fevereiro de 1925. - Mariano Martins - Pedro Januário do Vale Sá Pereira - José Joaquim Gomes de Vilhena.

Foi aprovado na generalidade e especialidade sem discussão.

O Sr. Sá Pereira: - Requeiro que seja dispensada a leitura da última redacção.

Foi aprovado.

Foi aprovada a acta sem discussão.

Admissões

Foram admitidas à discussão as seguintes proposições de lei:

Projectos de lei

Do Sr. Delfim Costa, autorizando o Govêrno a fornecer o bronze e a proceder à fundição do busto a erigir em Inhambane em homenagem a D. Vasco da Gama.

Para a comissão de guerra.

Do Sr. Júlio Gonçalves, restabelecendo os lugares de secretários, com a designação de chefes de secretaria, nos Institutos Industriais e Comerciais de Lisboa, Pôrto e Coimbra e nas Escolas Industriais das mesmas cidades.

Para a comissão de instrução especial e técnica.

Proposta de lei

Do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, aprovando, para ser ratificada, a emenda ao artigo 393.º do Tratado do Versalhes e aos artigos correspondentes dos outros tratados de paz.

Para a comissão de negócios estrangeiros.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o negócio urgente do Sr. Rodrigo Rodrigues sôbre Macau.

O Sr. Rodrigo Rodrigues: - Vou prosseguir, procurando quási sem esfôrço reduzir a cinzas o manto que o Sr. Ministro das Colónias me quis tecer para nas suas malhas me manietar.

Continuando nessa análise pela mesma ordem com que S. Exa. fez aqui as suas arguições, tenho a tratar daquele caso tétrico do edifício do um colégio que havia na colónia de Macau, onde estava instalada essa instituição e que eu aproveitei para instalar a companhia de landins.

Sôbre êsse edifício havia a pretensão do presidente da comissão dêsse colégio, para o reaver.

Disse S. Exa. que havia, nesse sentido, negociações, e que eu abusara, mandando transferir a companhia de landins para uma ilha, a fim do entregar o edifício ao proprietário, para que êle pudesse de novo instalar ali êsse colégio.

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O caso é de tal natureza fútil que me surpreende que tivesse sido aqui trazido. E sinto-o, porque do lacto é uma quesito como aquelas que o Sr. Cunha Leal classificou perfeitamente de lana caprina, não podendo eu ver o alcance que o assunto teria, porquanto já decorreu sôbre êle bastante tempo.

Mas, Sr. Presidente, do que se trata no fundo?...

Havia em Macau um único colégio para o ensino da mocidade feminina, dos filhos dos portugueses tanto nativos como metropolitanos.

Êsse colégio foi fechado em virtude de um acto revolucionário que expulsou de Macau as professoras daquele colégio. Essas professoras congreganistas foram para a vizinha cidade de Hong-Kong e instalaram ali êste colégio. Em Macau apenas ensinavam a língua portuguesa, a história e o programa das escolas portuguesas em geral. Passando para Hong-Kong começaram a ensinar em inglês e adentro dos programas daquela colónia.

De maneira que se deu então êste fenómeno, perfeitamente criminoso, de se começar a efectuar a desnacionalização, naquilo que representa um vínculo dos mais poderosos duma nacionalidade: a língua; daquilo que representa o substraptum conservador da raça: a mulher!

E assim, Sr. Presidente, a implantação da República - triste é dizê-lo, mas é preciso dizê-lo, para se apreciar bem qual foi o fim do acto criminoso por que fui arguido- a implantação da República naquela colónia teve esta consequência: o acelerar a desnacionalização, já de si tam profundamente agravada naquela nossa possessão do Extremo-Oriente.

Tenho na minha mão um relatório, que com certeza terei oportunidade de, ler, sôbre a questão do ensino. E então V. Exas. verão qual foi o meu pensamento que deu origem ao acto de que fui arguido.

Sr. Presidente: V. Exa. compreende que desde que as filhas dos portugueses passavam a ser educadas num colégio completamente inglês, falando e pensando, portanto, em inglês, estudando a história da Inglaterra, desprezando assim o conhecimento da História Pátria, do todo o conjunto educativo que se grava tam fàcilmente nestas idades e que fica sempre na alma das meninas que, amanhã, hão-de ser as modeladores do carácter e do sentir das gerações seguintes, em pouco tempo, o que podemos chamar o lusitanismo no Extremo-Oriente, que por seu próprio esfôrço se mantém e avigora, tendo conseguido resistir ao abandono a que Portugal o tem votado, êste esfôrço e valor que são os maiores que temos no Extremo-Oriente, ainda mesmo mais valiosos que os 4 quilómetros quadrados de extensão, ou 6, ou 8, ou 10, ou mais, que representam a nossa colónia de Macau; isto que é a garantia da continuidade da nossa raça e também a esperança de podermos restabelecer o comércio com os grandes mercados, pois a grande parte desta gente é constituída pelos caixeiros e gerentes das grandes casas comerciais do Extremo Oriente, que só esperam a oportunidade do poder trabalhar com produtos portugueses, que falam a língua chinesa, a inglesa e a portuguesa, que constituem um valor que nenhuma nação tem, nem mesmo os grandes potentados como a Inglaterra e os Estados Unidos, porque no dia em que abandonem com as suas esquadras ou os seus exércitos as regiões que ocupam, não deixam o elemento predominante o permanente que os portugueses têm sabido deixar nos pontos que têm ocupado todo êsse grande valor que é o luisitanismo - dizia eu - desaparecerá lentamente até extinguir-se!

Os portugueses têm afirmado bem que, se são péssimos administradores, são, todavia, óptimos colonizadores.

E os elementos a que aludi e que precisam ser considerados sob o aspecto económico (e é debaixo dêsse ponto de vista que os encaro), dando-se-lhes todas as condições de expansão do que carecem, estavam a sofrer, como disse, uma profunda desnacionalização, porque em. vez de aprenderem em colégios portugueses estavam a ser educados num colégio inglês.

Conhecedor do facto e tendo-mo alguém chamado a atenção para êle, reconheci que era necessário facilitar u organização de um, colégio que voltasse de novo a exercer a sua função, porque, Sr. Presidente, a desnacionalização é tam grande que não é só nos filhos, nos descendentes de portugueses que a educação inglesa completa, mas já também nos filhos de

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8 Diário da Câmara dos Deputados

funcionários portugueses, que não têm onde os mandar a educar senão na vizinha Hong-Kong.

É aí recebem no espírito a semente que para toda a vida fica, fazendo lhes esquecer a Pátria e aquilo que do benefício podiam dela receber na alma, durante a época em que o espírito é mais maleável o fixa para sempre as impressões que lho são dadas!

Por êstes motivos cuidei de facto e a sério na organização do colégio, E, ao mesmo tempo, visto que as obras do porto iam. começar pela exploração dumas pedreiras numa ilha que estava infestada pelos piratas e me foi pedida a protecção precisa para os operários que ali trabalhavam e ainda mais porque os laudins, êsses magníficos soldados (Apoiados), viviam numa situação do verdadeiros desterrados, metidos no meio de Macau, odiados mesmo pela sua decisão o valentia, eu entendi que êstes deviam ser transferidos para a ilha referida e instalados tanto quanto possível pela forma, pelos usos e costumes seus.

Aqui tem V. Exa., Sr. Presidente, e a Câmara, o grande crime que fez o governador de Macau, demitido, entregando o colégio a quem de direito pertencia para que lá fosse dada a educação feminina necessária.

Eu não fiz somente isso, Sr. Presidente: apresentei uma proposta para que fôsse inscrita uma verba suficiente para a construção de um colégio digno da nossa situação no Extremo Oriente, na qual pudessem entrar os filhos dos portugueses residentes no Extremo-Oriente.

Não é só com palavras que se pode educar; o esta, Sr. Presidente, foi a razão por que enviei para o Ministério das Colónias a proposta a que me acabo do referir o que, podendo na verdade ser considerada de romântica, tinha no emtanto a meu ver um fim útil.

Passarei agora, Sr. Presidente, a referir-mo à série de arguições apresentadas pelo Sr. Ministro das Colónias.

Disse, Sr. Presidente, o Sr. Ministro das Colónias que Mo tinha ido para aquele lugar, aceitando o, com a imposição de não proceder contra qualquer partidário, desde que tivessse razões para o fazer, orgulhando-se muito com o apoio que lhe era dado pelo Sr. Presidente do Ministério.

Ora, Sr. Presidente, eu creio que não haverá ninguém adentro desta Câmara que fôsse capaz do aceitar semelhante lugar com tal condição, pois que isso seria na verdade monstruoso.

Não creio, Sr. Presidente, que possa haver alguém que aceitasse semelhante situação.

Referiu-se também S. Exa. a uma mensagem que tinha aparecido no seu gabinete, sôbre aquilo que se tinha passado na colónia em 1 de Setembro de 1924, quando eu tinha de lá saído em 16 de Junho dêsse ano.

Êsse documento, segundo S. Exa. disse, apareceu no seu Ministério, não lhe tendo sido entregue pelas vias locais, isto é pelas vias que S. Exa. desejava que o governador do Macau aproveitasse e seguisse. S. Exa., porém, mio teve dúvida em o trazer aqui à Câmara, dizendo que o contrato feito pelo governador demitido em relação ao ópio tinha sido fortemente ruinoso para a colónia.

E como não houve possibilidade de verificar o preço, naturalmente aconteceu o concessionário apresentar os seus preços cada vez mais elevados, razão pela qual o rendimento do ópio baixou quási a zero.

Sr. Presidente: não entra aqui, no Parlamento, quem quere, e, por isso, os documentos para serem citados precisam de vir com a indispensável autenticidade. Todos poderiam ter-se servido dessa amável informação, menos quem momentos antes acusara o ex-governador do Macau de não se aproveitar exclusivamente das vias oficiais. Eu podia, portanto, recusar-me a responder a uma tal arguição, mas não o quero fazer porque ainda mo não esqueci da declaração que inicialmente fiz, do que queria tudo, absolutamente tudo, esclarecido, para que o Parlamento, inteirado dos factos em todos os seus pormenores, pudesse fazer um consciencioso julgamento...

O Sr. Ministro das Colónias (Correia de Silva): - V. Exa. parece não se lembrar do eu ter dito, ao ler êsse documento, que era possuidor das actas que inteiramente o confirmam.

O Orador: - Agradeço a interrupção de V. Exa. Do facto, de Macau veio ex-

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pressamento um mensageiro trazer as actas...

O Sr. Ministro das Colónias (Correia da Silva): - Perdão! As cópias das actas vieram pelas vias oficiais.

O Orador: - São pormenores que não têm importância.

Sr. Presidente: quem ouvisse dizer aqui que eu havia feito um contrato desta natureza, no completo desconhecimento das condições em que se contratou, havia de supor, pelo menos, que eu tinha mal acautelado os interêsses do Estado. Eu vou explicar o caso.

O ópio que vai para Macau é o ópio da India. O número de caixas é fixado por uma convenção internacional entre Portugal e a Inglaterra.

Em certa altura, a Inglaterra recusou-se a mandar para Macau mais ópio, além daquele que já havia sido cedido à colónia.

Apesar disso houve ordem para mandar abrir a praça para a aquisição dum certo número de caixas, e assim se fez.

Mas onde ir adquirir o ópio?

O ópio no Oriente não se adquire em qualquer parte e quando se quere. A questão do ópio é tam importante e melindrosa, que as nações interessadas têm de se reunir em conferências como aquela que se realizou ainda há pouco tempo.

Ora desde que não existia mercado de ópio, como saber o seu preço?

Em todo o caso em Conchavam existia o regime de régie e não seria difícil conhecer aproximadamente o valor do ópio, tal qualmente entre nós é fácil saber o preço do tabaco, dado o contrato existente entre a Companhia dos Tabacos e o Estado.

Mas, mesmo que assim não fôsse, como me podem arguir dum facto que se deu três meses depois de eu sair da colónia?

Como podem atribuir-me a responsabilidade dum facto que resultou da série de mal conduzidas negociações relativamente às questões do ópio e do porto?

Sr. Presidente: Na série de arguições desta natureza, o Sr. Ministro das Colónias fez-me ontem a grave acusação de eu ter abandonado o Govêrno de Macau sem aquela solenidade que S. Exa. desejaria.

Mais uma acusação, entre tantas outras, que S. Exa. certamente não faria se tivesse querido esclarecer-se, ou, pelo menos, ouvir-me, evitando assim de se referir com menos justiça-a um gesto moral de certa beleza que lhe deferiu merecer respeito.

Depois do estar, digamos assim, em relação à vida interna da colónia numa situação depreciativa, entendi que devia vir à Metrópole o esclarecer essa situação, expondo a gravidade do problema, a fim de que o mais levo obstáculo, tanto da parte do Ministro como da parto do partido a que pertenço, em faço da grande obra a realizar, me indicasse então a resolução de não voltar ao lugar. Por isso não queria que quaisquer homenagens ou manifestações, que é costume fazerem-se aos indivíduos que vão em viagem, mo fossem feitas.

Por isso quis apresentar-me quási só, sem êsse cortejo, pedinchoso, que é costumo acompanhar as pessoas que se despedem.

E tal escrúpulo levei em realizar êste gesto, que até, sabendo que a comunidade china desejava procurar-me para me apresentar da parte do Senado as suas saudações, não quis receber essas saudações.

Do maneira nenhuma desejava que me atribuíssem o desejo de receber os votos da comunidade china.

Procedi com todos os escrúpulos para que não fôsse acusado de andar a procurar manifestações de simpatia fácil.

E é isso causa de ser arguido de faltas? Como procedi eu?

Avisei o governador que me havia de substituir o Conselho Legislativo por carta.

Depois disso tomei, tranquilamente, o lugar no vapor, e saí sem querer receber nem essas nem outras manifestações que são de uso na China, e em que os orientais são tam fáceis.

Apresentei-me no meu partido, no Parlamento e ao Govêrno.

Quero dizer ao Parlamento: o meu programa é êste. Julguem-me, para que possa, ou não, voltar para lá.

Disse S. Exa. que tem também em sua casa homenagens que os chineses lhe dirigiram. Eu não tenho nenhuma. Aceitei-as, trazendo-as para o Senado.

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Publiquei até uma portaria proibindo que os funcionários públicos pudessem receber donativos dos chineses da colónia.

E sabem V. Exas. como é que isso apareceu nos jornais da Metrópole?

Isto só serve para indicar a boa vontade com que se procede no Ministério das Colónias contra mim.

Disse-se nos jornais que o Ministro tinha dado ordens para que o governador não recebesse presentes da população de Macau, como se isto pudesse ser, o não fôsse antes um enxovalho dirigido àqueles que lá representam a colónia nacional.

Aproveito a ocasião para expor perante a Câmara o facto.

A Câmara conhecerá, apreciará o julgará como entender.

É costume em Macau, e no Oriente em geral, por ocasião das festividades do Ano Novo china, enviarem-se presentes às autoridades.

Eu, que não conhecia êsse costume, fiquei admirado de ver entrar no palácio do Govêrno presentes valiosos, não de amigos moas, que os não tenho lá, mas das companhias concessionárias, que são as que constituem, quási, a única fonte do riqueza da colónia.

Comecei a ver entrar êsses presentes no palácio. Preguntei o que isso queria dizer; e explicaram-mo:

"É costume na China enviarem-se, pelo Ano Novo, êstes presentes valiosos ao governador".

Respondi;

"Diga lá à porta que o governador actual não recebe presentes de nenhuma natureza, senão dos seus amigos mais íntimos".

Estranhou-se que eu tivesse feito isso.

Fiz uma portaria e levei-a ao Conselho Legislativo. Mas, antes, fui procurar nas ordenanças inglesas o que se fazia na vizinha colónia de Hong-Kong.

Aí é proibido aos funcionários, e pessoas de suas famílias, receberem qualquer cousa da população chinesa da colónia de Hong-Kong.

Levei, portanto, ao Conselho Legislativo o facto.

Disseram-me ainda:

"Isso é ir contra os costumes seculares. Os portugueses sempre receberam o toda a gente recebe presentes. De maneira que a população chinesa vai ficar muito desgostosa".

Mas, objectei, se a colónia inglesa procede assim porque não havemos nós de o fazer?

Pedias ordenanças inglesas, mostrei-as, e assim ficou demonstrado não haver mais razão para o não fazer.

O mais interessante e que, há dias, lendo parte da história de Macau, encontrei, numa data não muito longínqua, que por aquela colónia passou um governador que teve o mesmo gesto. A diferença está em que portaria? desta natureza depressa se esquecem; e por isso mesmo ninguém a conhece, já.

Entretanto, nós continuamos a ter presentes dos chineses.

Não esqueçamos que estamos lá por razão de vária ordem, todos dignos da nacionalidade a que pertencemos.

Criei muitos inimigos em pouco tempo, com o que muito me honro, porque, hoje, quem tem tantos inimigos é porque segue uma linha de conduta recta e honesta, há alguma cousa de honroso.

Apoiados.

Portanto, não é porque eu não tenha a dignidade do lugar que estava desempenhando; não é porque não tivesse dado ao lugar que desempenhei todo o prestígio que devia ter quem quere bem ocupar um lugar desta natureza, que eu fui exonerado.

Julgo, porém, que grande honra, a maior de todas, é termos a aureolar-nos a grandeza do nosso poder moral.

Apoiados.

Na ordem que S. Exa. seguiu sôbre os actos do má administração do governador demitido, ou tenho de saltar um pouco, tratando com antecipação de um assunto que já aqui foi tratado: é o caso das corridas de cavalos.

O Sr. Ministro, ontem, disse aqui, perante a Câmara, que o meu desvairamento e desregramento administrativo era de tal natureza, que não tive dúvidas em apresentar ao Conselho Legislativo uma proposta para a abertura dum crédito de

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550:000 patacas só para expropriação dê um campo de corridas de cavalos, e que procedendo como sempre, fora das normas do respeito pela lei, eu tinha aberto êsse crédito e dado essa concessão, apesar da situação má sob o ponto de vista económico que a colónia atravessa.

Ora atendam V. Exas. e vejam o que é êste nefando caso!

Como V. Exa. sabe, Sr. Presidente, o rendimento principal da colónia de Macau é o proveniente do consumo do ópio, uma cousa, repito, como aqui o rendimento do tabaco; mas êsse rendimento está dependente do número de caixas que nos deixam importar da India, e êsse número de caixas tinha sido fixado pela Inglaterra, que não nos tinha deixado importar nenhuma caixa desde Janeiro de 1924.

Do maneira que a colónia encontrava-se na situação de entrar em déficit, com todas as consequências que sucedem em semelhantes circunstâncias numa colónia acostumada a gaitar à larga, porque o dinheiro não lho custa a adquirir.

Era necessário, portanto, criar receita e receita quanto possível duma natureza que não fôsse discutível e que não constituísse um labéu para nós, como por exemplo tantas outras, que são quási todas as outras...

Ora no oriente há a febre das corridas de cavalos, e há uma certa emulação dos chineses que constituem a parte rica da China, por não lhes ser permitido pertencer a comissões administrativas, organizadoras ou proprietárias dos campos do corridas.

Os ingleses fazem disso realmente um certo monopólio, e não se querem misturar com os chineses.

Isso traz da parte dos chineses uma grande má vontade e o desejo de terem um campo do corridas de cavalos, num sítio onde possam participar dêsse divertimento, que é altamente rendoso.

Tive conhecimento dêste acto e destas circunstâncias.

Apareceu um requerimento ao governador de Macau, da parte de chineses ricos, pedindo que lhes fôsse concedido o exclusivo das corridas de cavalos.

Prontificavam-se a dar os seguintes rendimentos à colónia: do 1.° ao 5.° ano, 2 por cento da receita líquida; do 6.° ao 10.° ano, 10 por cento; do 10.° ao 15.° ano, 15 por cento e assim sucessivamente.

Além disso, pagariam mais 1 por cento sôbre a receita líquida com o fim de auxiliarem a educação dos portugueses em Macau.

Nestas condições, disse-lhes para apresentarem uma proposta concreta; fizeram-a e eu levei-a ao Conselho Executivo.

Ali os informadores que o Governador tem ao seu lado fizeram ver que, havia muito pouco tempo, em Lourenço Marques tinha sido dada, igual concessão, e então desde que se copiasse ipsis verbis aquilo que no Govêrno de Lourenço Marques se tinha feito - o não confunde Govêrno de Moçambique com o Alto Comissariado, que sei tem funções diversas - se a lei dentro da República é a mesma e o facto era bom para Lourenço Marques, também, devia ser bom para Macau.

Ora V. Exas. estão a ver qual é o efeito económico sôbre uma colónia, na iminência do entrar em déficit, duma receita desta natureza, que se reflecte sôbre toda a sua vida social, principalmente na China, (é preciso conhecer o local a que me estou a referir!), traduzindo-se isso numa multiplicidade de estabelecimentos que um divertimento desta natureza traz para a colónia.

Na exposição que apresentei ao Conselho Legislativo - e estão aqui as actas para quem as quiser ver! - dizia aquilo que disse sempre: trata-se de um negócio, estudem-no por isso os senhores, vejam o que convém; e eu não me arreceio de tratar com os negociantes que vêm expor um plano ao Governador.

Mas, no que se refere à parte moral, eu. não quero entrar nisso; na parte executiva, porém, assumo a responsabilidade, e ao mesmo tempo dou conhecimento ao Govêrno.

Mas qual era a condição indispensável para que se realizasse êste benefício?

Abrir um terreno que se prestasse para campo de corridas.

Quem podia fazer a expropriação dêsse terreno?

O Estado, porque os particulares a não podem fazer.

E é preciso saber que êsse terreno existe na sua grande parte desocupada ou até

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servindo do ponto de infiltração das águas que a colónia aproveita.

De maneira que sob o ponto de vista económico, notem V. Exas., êste empreendimento representava o seguinte: aquilo que V, Exas. conhecem e aquilo que se faz em Lisboa o em toda a parte: uma espécie de expropriação por zonas, por isso mesmo que o Estado fazia a expropriação, os concessionários das corridas de cavalos, pagavam o terreno que aproveitavam, e o restante, valorizado por aquele empreendimento, era pelo menos vendido pelo dôbro do que custava ao Estado; ficava ao Estado por 3 patacas e ou tinha já propostas, para compra, de 7 patacas.

De maneira que, esto acto de desvario económico que S. Exa. aqui trouxe, representava uma fonte de receita permanente para â colónia, um acto de boa política para com os chineses, um acto de boa administração, porque em volta dêste empreendimento se fixariam os mesmos estabelecimentos que em todo o Oriento estão fixados em volta dos campos de corridas do cavalos: clubes, casas de divertimento, etc.

Sob o ponto de vista monetário, direi que êsse acto representava a duplicação do dinheiro empregado. E tanto assim, que o meu desejo não era entregar o terreno à Companhia que se apresentava, pagando esta ao Estado a importância respectiva, mas fazer a venda por lotes, a fim do dar mais rendimento.

O Ministro que na ocasião ocupava a pasta das Colónias, discordou dêste projecto, alegando a incapacidade legal do Govêrno da colónia para fazer as expropriações.

Sr. Presidente: eu devo dizer que os governadores têm a seu lado, e com isto não quero ligar responsabilidades para aqueles que comigo trabalharam, porque quem assina os documentos o ocupa o lugar de direcção é que responde pelos seus subordinados - o consultor do Govêrno, e elo foi absolutamente de opinião que, copiando se o que havia sido feito em Lourenço Marques, não podia haver reparos de nenhuma ordem. Eu não podia ter outra opinião; e por isso, disse ao Sr. Ministro das Colónias do então as razões por que assim tinha procedido, declarando mais que me parecia poderem resultar graves inconvenientes para o crédito com que os chineses negoceiam, se se não efectivasse êsse empreendimento. Todavia se o Sr. Ministro instasse, eu não tinha mais do que cumprir as ordens dadas.

Pois bem: vim-me embora, e o que aconteceu?

Os negociadores abandonaram a proposta, e êsse rendimento que podia ir ajudar as receitas combalidas da colónia, foi mais uma cousa que fracassou, sendo por estas e por outras razões que nós não saímos nunca das discutidas fontes de receitas, tam discutidas, Sr. Presidente, com um carácter tam pejorativo para nós, para a nossa dignidade, que ainda hoje terei ocasião de ler à Câmara um documento, onde se mostra a forma como lá fora somos encarados, principalmente, pelo que se refere à administração de Macau.

Portanto, sob o ponto do vista administrativo o político, o meu crime era êste: empregar uma verba, quando havia quem dêsse imediatamente o dôbro.

Mas isto não ficou por aqui.

O Ministro que então ocupava a pasta das Colónias, parecendo-lhe, certamente, que isto era Ovo por um real, mandou-me preguntar se na verdade havia alguém que assinasse a responsabilidade do dar o dôbro pelo valor dos terrenos que se expropriassem. Mandei chamar o proponente, que assinou o termo do responsabilidade, fez o respectivo depósito, e depois comuniquei para a Metrópole quem era o indivíduo que dava o dôbro do valor pelos terrenos que tivessem do ser expropriados para u construção do campo para corridas de cavalos.

Desta maneira tínhamos que, com as 550:000 patacas, obtínhamos um milhão o cem mil, o, ao lado disso, o rendimento que resultava para a colónia dêsse empreendimento.

Tenho verdadeira satisfação de ser arguido aqui por esta falta, como por outras desta natureza. Porém, o que mo magoa são os dois prejuízos que daqui resultaram. Um de ordem material, a que já me referi, outro de ordem moral, e êsse é a convicção que há no Oriente de que não se pode tratar a sério connosco.

O empreendimento, como disse, não se efectivou; e, relativamente à parte que se pode chamar de ordem legal, subordinei-

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me ao parecer do consultor do Govêrno, e às ordens que daqui me foram mandadas.

Vou agora tratar, Sr. Presidente, daquilo a que o Sr. Ministro das Colónias chamou desregramentos administrativos. A colónia que teve uma administração perdulária acompanhada de deminuição das receitas, não pôde pensar num empreendimento desta natureza.

Ora, Sr. Presidente, por onde é que se avalia a situação de uma colónia?

Por onde é que se avalia a sua administração? Evidentemente pelas suas contas.

Infelizmente, como já tive ocasião de dizer aqui, de 1917 a 1918, não foi possível, na colónia, fazer contas de gerência. E porquê?

Por culpa da colónia? Não. Por culpa da Metrópole, que saca sôbre a colónia, que dispõe dos seus dinheiros, sem lhe dar a menor explicação, não estabelecendo, como devia, a respectiva conta corrente.

Desta maneira, as contas das colónias, da responsabilidade do respectivo Ministério - e não do Sr. Ministro actual ou qualquer dos seus antecessores, - são contas de saco, resultantes unicamente da desorganização do Ministério das Colónias.

Não digo que a responsabilidade seja dos funcionários, porque de facto não tenho conhecimento de nenhuma falta concreta de qualquer deles, pois que, quando o tivesse, dizia claramente. Os funcionários são tam bons como os de outros serviços; o que lhes falta é, evidentemente, organização ou qualquer outro factor que não é da minha responsabilidade.

Como proceder então, para avaliar o estado da colónia?

Consultando os orçamentos.

Felizmente, o orçamento daquela colónia é alguma cousa de claro e ao mesmo tempo de obedecido.

Não é orçamento que se faça para depois não ser rigorosamente seguido, de maneira que, por êsse orçamento, V. Exa. e a Câmara vão ter conhecimento do desregramento administrativo do governador demitido.

Tenho presentes os dois orçamentos, aquele que corresponde ao período de gerência do Sr. Correia da Silva, actual Ministro das Colónias, e o referente àquele período que é da minha responsabilidade, que é de 1924-1925.

O que dizem êsses orçamentos?

Dizem o seguinte:

Leu.

As receitas da colónia foram, pois, de 2:731 contos ouro, ou, melhor dizendo, mais do que ouro, porque, como V. Exas. sabem, se refere a dólares mexicanos, prata, e o dólar tem mais valor do que a libra.

Qual a receita em 1925? 2:141 contos.

Houve, portanto, uma deminuição de receita de quinhentos e tal contos.

De que depende essa deminuição de receitas? Do ópio.

Ora o contrato do ópio é uma receita eventual, que depende apenas do número de caixas que nos é permitido, por acordos internacionais, fazer entrar ou não na colónia; logo, não depende da boa ou má administração do governador, mas de uma cousa externa, superior à acção do mesmo governador.

Digo mesmo mais: o rendimento do ópio era muito superior a esta diferença, porque anda por perto de 900 contos, em quanto que a diferença foi apenas de 500 e tal contos.

A receita, de facto, não deminuíu, e, se mais receita não se consigna aqui, é pela circunstância que a Câmara ouviu de se cercearem todas ás medidas, todos os recursos, todos os empreendimentos que o governador romântico queria pôr em execução, como as corridas de cavalos, a liquidação da prata e tantas outras fontes de receita, que por isso mesmo não foram permitidas.

O Sr. Carlos Pereira: - Talvez V. Exa. não saiba que a proposta referente à prata, que V. Exa. enviou para a Metrópole, desapareceu.

O País sabe que essa proposta chegou cá, mas não existe.

O Orador: - Tenho aqui cópia dela.

Foi com essa proposta que eu pratiquei a tal grave falta de mandar ao mesmo tempo ao Ministério das Colónias e ao Ministério das Finanças, para ver se chegava a devido tempo, para evitar a vergonha de Portugal andar pelo mundo com um saco de prata para empenhar.

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Mas, voltemos à apreciação do Orçamento.

Vamos ver as desposas,

As despesas, Sr. Presidente, com todo êsse desvario administrativo, com êsse romantismo a que S. Exa. aludiu, tiveram uma redução de 130 contos ouro, com a seguinte circunstância: reorganizou-se o melhorou-se o serviço de incêndios.

Leu.

E posso dizer isto, não porque estas providencias se efectivassem, mas porque estavam incluídas no Orçamento, sôbre o qual se fez a apreciação da diferença entro as despesas da gerência da acção do Sr. Correia da Silva e a do governador demitido.

Todas essas providencias, monos as de ordem militar, que foram acompanhadas e estudadas pelo Sr. general Gomos da Costa, que ali estava, todas essas providências, repito, excepto a reorganização militar, foram rejeitadas pelo Govêrno da Metrópole, excepto ainda a da criação da colónia penal e prisional que, sendo a única que escapou, essa mesma chegou â colónia e ali foi ostra regulada.

Aproveito a ocasião para fazer referencia a uma circunstância que representa também um acto de justiça e esclarecimento.

O Sr. general Gomes da Costa, enviado àquela colónia, e que aqui sofreu do Ministro que ali o mandou uma apreciação profundamente injusta, prestou àquela colónia valiosíssimos serviços.

Se pusermos dum lado os serviços por êle prestados à colónia e doutro lado a redução que só fez nas despesas militares, fica muito coberta a desposa que êle efectuou.

Ao mesmo tempo, junto das nossas colónias no Extremo Oriente e junto das autoridades inglesas, o Sr. Gomes da Costa honrou e prestigiou o nome português.

Isto era preciso dizer-se, porque também tem um certo significado: - é que o ilustre Ministro que na ocasião para ali enviou S. Exa. sabia muito bem porque é que o mandava.

Mandava-o, porque nessa ocasião ora necessário que ao lado do governador estivesse não só um agente de natureza diplomática, mas ao mesmo tempo um militar que actuasse quando fôsse necessário.

Portanto, o governador não deminuíu de maneira alguma as despesas o fôrças da colónia; procedeu assim do acordo com alguém, que é autoridade no assunto.

E assim, dêsses desbaratos, dêsses desregramentos de ordem económica, resultou para a colónia esta economia.

De que maneira mais eloquente posso eu responder a S. Exa. o Sr. Ministro das Colónias?

Vou finalmente tratar do assunto que originou tudo isto.

Creio que no espírito da Câmara já só tem feito a luz suficiente para ver bem a que obedeceu o acto da minha demissão, que não foi o que o Sr. Ministro das Colónias invocou: o que dizia respeito a assuntos do ordem internacional.

S. Exa. apresenta-se aqui puro como uma vestal, a quem não se pode censurar falta alguma; mas não receia manchar as m3,os no sangue do irmão de armas em política.

E curioso! S. Exa., que diz ter tantas provas, não pôde esperar umas horas e foi logo proceder com tanta rapidez e violência.

Diz, agora, que foi preciso que o assunto aparecesse na imprensa, chamando-se a atenção para a falta gravo que o governador tinha praticado, para proceder contra tam notando crime.

Nem o dever sagrado que permite a defesa foi concedido, tal ora a pressa.

S. Exa. fez ontem a exposição dos serviços que tem prestado nas diversas situações que tem ocupado. Creio que não houve da minha parte referência alguma à acção militar ou na parle administrativa que S. Exa. exercesse.

O meu ponto de vista é outro; e eu sigo aquele que nações mais adiantadas e também coloniais adoptam.

A China tem uma civilização sui generis, o eu que a conheço bem, sabia o que nos convinha fazer. Talvez o que ou pensava fôsse a idea do um sonhador, mas era a de um patriota.

Apoiados.

Temos sido sempre um povo de aventureiros, e não nos podemos estar a deter em simples formalidades para alcançar rasgados empreendimentos.

Também eu, Sr. Presidente, entendo que, quando chegamos a situações graves, temos de as encarar com orgulho e

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galhardia e de ir para a frente. Mas, Sr. Presidente, um país não se serve só no campo de batalha.

As vitórias que mais custam, por vezes, não são as que se obtêm com as es: padas, nem as que fazem espuma nas águas do mar.

É mais difícil, por vezes, servir um país, procurando-se uma solução que evite uma posição de conflito, do que ir para a frente, apenas levado por êsses sentimentos heróicos, que têm sido, em grande parte, um prejuízo para o nosso País. E, tanto assim é, que nós, que nunca faltamos ao chamamento quando é preciso levar o povo ao sacrifício para trazer alguma mancha rubra de glória, temos, aqui dentro, o País, e, lá fora, as colónias, que não são nenhum modelo de administração, seguindo atrás dessa fama de glória, que sabemos que em nós existe, pensando que é só pelo heroísmo que bem se serve um país.

Sim, é pelo heroísmo, quando é preciso; mas mais vale evitar com prudência, com inteligência e com sensatez que isso seja necessário fazer-se.

É como se, Sr. Presidente, deixássemos do ter o cuidado que a higiene aconselha que devemos ter com o nosso organismo e, depois, começássemos amputando e cortando.

Eu não quis, Sr. Presidente, fazer a menor alusão à política de S. Exa., para lhe deminuir os méritos que tem.

O que disse é que tomei um certo número de providências e que procedi por indicação não só do meu dever, mas das condições particulares em que mo encontrava, a fim de evitar situações como aquelas com que S. Exa. teve de arcar, e que ontem aqui confessou que lhe deram os dias dos mais angustiosos da sua existência.

S. Exa. saiu de Macau vendo, como um espinho cravado na carne - é a sua própria frase - o tal torpedeiro chinês que não havia forma de arrancar de lá, e que depois, sem ser com a ameaça das armas e sem ser com a intimativa dos ultimata, um dia começou a navegar e nunca mais ninguém o viu.

Eu não disse, Sr. Presidente, que tinha resultado para Macau desvantagem pelo facto de S. Exa. ter feito, quando governador daquela colónia, o primeiro e o segundo ultimatum aos chineses.

Tenho estado a querer encarar êste problema, de cima, e sempre de cima.

E, se tenho de me referir a S. Exa., o Ministro, é não só pelo seu procedimento, como também porque foi êle quem me forneceu a melhor forma de contraste, visto que foi êle quem me antecedeu na colónia.

Eu sei que S. Exa. disse à Câmara que a situação de Macau é um acaso devido à situação da China.

S. Exa. julga que eu contesto?

Não!

Eu não quero as glórias, porque não tenho essa pretensão, de ser um diplomata de alto coturno.

Sou apenas um servidor do Estado: sirvo-o como posso e como sei.

Pode S. Exa. dizer o que quiser; posso eu afirmar o que entender.

Lembrarei a frase do Albuquerque: "as cousas da índia falarão por mim".

E eu direi: as cousas de Macau falarão por nós.

O Sr. Ministro das Colónias referiu-se a uma reunião que houve no Ministério das Colónias, para diz que representava uma negativa a afirmação que aqui fiz, de que nossa reunião se tinha tratado do problema melindroso que a situação da colónia oferecia, das medidas diplomáticas que era necessário pôr em prática, para evitar esto estado de cousas, para garantir a tranquilidade da colónia e assegurar o futuro desenvolvimento da construção do porto.

O caso é um pouco melindroso.

E eu, incidentalmente, devo dizer a S. Exa. que se não mo referi ao facto de S. Exa. não estar presente nossa reunião foi por um lapso absolutamente despercebido de mim porque supunha tê-lo feito.

Mas, Sr. Presidente, se é muito difícil fazermos referencia a acontecimentos que passaram perto de nós, muito quanto mais àqueles que decorreram há já dois anos.

Se desta sessão se não lavrasse a acta respectiva e nos pedissem dela o nosso testemunho, passados alguns anos, estou certo que cada cabeça teria a sua opinião.

Desde que eu ocupo lugares de responsabilidades, sigo esta norma banal de fazer o meu compte rendu das cousas a que assisto.

Eu não quero entrar em qualquer campo que vise a diminuir de algum modo a

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situação elevada em que eu quero colocar esta discussão.

Pessoas há que assistiram a essa reunião, e saberá o que lá se passou e o que ficou tratado.

Estiveram nessa reunião funcionários do Ministério das Colónias e do Ministério dos Negócios Estrangeiros e os Ministros respectivos, e assentou-se que havia necessidade de mandar um diplomata ao lado do governador.

Eu não oponho qualquer negativa ao que S. Exa. disso.

Desde que não se lavrou a acta, desde que isso não se fez, julgo que não me havia do referir às notas; mas deixo à inteligência e lealdade dos que me ouvem, o auxiliarem o que se poderia tratar numa reunião dessa natureza.

O que eu pedi, foi que mandassem um diplomata, um economista, alguém que fôsse capaz do tratar de um assunto desta natureza.

Apoiados.

O fim principal do governador era tratar da situação diplomática o negociar o acôrdo.

Sr. Presidente: é preciso recordarmo-nos do tudo, das mais pequenas reminiscências, para não se ser apunhalado.

Tem que haver um trabalho de defesa, porque não basta ter feito alguma cousa de útil.

Num recanto de um gabinete, diz-se simplesmente isto: reconheço o seu êrro, a sua falta - suicide-se.

Que triste sinal dos tempos; quando isto se passa com um irmão do armas do mesmo partido!

Apoiados.

Cá estamos a responder ao ponto que S. Exa. provocou.

O governador podia, na verdade, ser o pior dos diplomatas, podia ter redigido essa nota.

Em geral, um governador tem como secretário, ou um indivíduo com o curso superior ou apenas com o 4.° ou 5.° ano dos liceus.

É êste o seu auxiliar.

A responsabilidade é minha, e não dele.

O memorandum foi propositadamente escrito assim, para que da parte do Govêrno de Hong-Kong nos fôsse dita alguma cousa.

Não é agora, que já são passados dois anos, que se pode lazer um juízo certo de apreciação sôbre o que se diz.

Qual foi a consequência dêsse famoso documento?

De onde veio qualquer reclamação?

Onde está qualquer reparo da parto da nação a quem foi dirigido?

Foi dito pelo Sr. Ministro que mandara um telegrama por intermédio da legação inglesa, anulando os efeitos resultantes daquele memorandum. E então S. Exa. o Ministro que reconhece que há compromissos; é S. Exa. que vai fornecer essa arma.

Sr. Presidente: o governador caía porque S. Exa. o Ministro assim o quis; o governador caiu não pelas razões que S. Exa. aqui apontou, mas por aquilo que S. Exa. tinha no seu pensamento.

Mas se o governador assim caiu, como é que é Ministro quem assim procede?

Vou concluir.

Neste assunto há uma questão que pode considerar-se do natureza pessoal: é que S. Exa. o Sr. Ministro, deixando do ser governador de Macau, não abandonou, contudo, a idea do que Macau fôsse governado conformo S. Exa. pensava. Assim S. Exa. argúi-me de eu não seguir a, sua orientação em relação a determinados problemas da colónia.

Há também uma questão do ciumeira e uma questão partidária. Não são para tratar aqui!

Apoiados.

Há uma questão política. Essa já deve ser do conhecimento da Câmara. É o Sr. Ministro das Colónias que exonera um governador, som o ouvir, saltando por cima da lei, em manifesta oposição ao espírito das Cartas Orgânicas e das leis das colónias.

Há consequentemente um desrespeito às leis e aos direitos de terceiro.

O que, porém, há de mais importante é a questão nacional que êste assunto toca.

Estou certo do que já não existem no espírito de V. Exa. as menores dúvidas de que êste assunto não tenha uma alta importância pelo que nele há de grave sob o ponto de vista económico, político e diplomático. E assunto para ser meticulosamente estudado e ponderado.

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Onde é que havíamos de ir vender os nossos produtos?

Aos mercados de África e Brasil. Isto não passa de um critério geográfico dos mais elementares.

Nós temos terrenos para fazer uma grande nação como o Brasil; mas mal vai ao pai que pensa em viver do trabalho do filho.

Não é aí que, havemos de encontrar e o desafogo para o nosso comércio.

Para colocar os nossos produtos não temos do proceder dessa maneira. Não precisamos ir aí. Temos outros recursos, do forma a podermos resolver o problema, temos recursos que acidentalmente nos aparecem, mas que parece que é a providência que no-los concede.

E um dêsses recursos é o dinheiro que se encontra no porto de Macau.

Colocar os nossos vinhos do Pôrto...

Ainda há alguns honrados que dizem: vinho engarrafado por fulano.

Para quem é patriota, tudo isto é alguma cousa do plangente e doloroso.

Depois de referências a outros países que são causa desta situação atentatória da moral social no Extremo Oriente, escreve-se de nós, no estrangeiro:

Leu.

Sr. Presidente: isto foi dito por uma forma tam afastada, mas tara lógica e tam deduzida, das acusações que nos eram dirigidas, depois do nós termos referido a nossa acção em toda a História para nos valorizarmos, que é preciso ser-se cego para não ver a quem se dirigia.

Não se deu isto nas negociações de 1925, visto que foi nas de 1923, mas a afirmação de que há países a que, embora tendo só valorizado pela sua acção ao serviço da causa da civilização humana, chegou a hora de aprenderem a morrer o a consideração de que essa frase nos era dirigida deve causar em nós um frémito de revolta e de reacção de modo a olhar-mos seriamente para a colónia de Macau, do modo a que a consideremos um alto problema moral e político, que absolutamente necessita ser tratado com inteligência e não com ligeireza, de modo a que, numa palavra, nos tornemos dignos daquele sentimento que em cada um de nós existo e que não pode consistir apenas em pormos a caminho arrancadas heróicas detrás de espadas o esporas. Julgo que está demasiadamente provado que chegou o momento de se fazer uma política de administração o de entendimento, uma política cuidadosa.

Sr. Presidente: diz-se que em Cartago houve um tempo em que se realizava uma festa criadora, dionisíaca, durante a qual se aquecia um deus monstruoso, lançando-se-lhe dentro algumas vidas do crianças e de donzelas para que fôsse criador, para que fôsse reprodutivo todo o resultado dessa ânsia de delírio e de prazer.

Como simbolismo é perfeito.

Se é necessário queimar nesse bloco que é a opinião pública, aquecido por informações inexactas, pôsto ao rubro por afirmações que todos já puderam julgar, se é preciso meter lá dentro alguma vítima, é com vaidade e com orgulho que eu neste festim desejo ter êsse papel.

E porquê? Porque, sejam quais forem as consequências dêste debate, sejam quais forem as consequências políticas que dele resultem para mim, eu jau ais arrefecerei na minha fé, jamais entibiarei na defesa daquilo que considero bem servir a Pátria.

Emquanto o estar na trincheira da frente constituir um dever, eu lá estarei; e será dever emquanto sentirmos atrás de nós a fôrça que nos apoia, os quadros organizados e o comando bom dirigido.

Mas ainda quando os próprios irmãos de armas nos disparem de flanco e retaguarda, ainda quando eu sinta, como dizem que sentiram os heróis de 9 de Abril, que é precisamente do ponto onde contavam apoio para realizar uma obra, que vêm os tiros para nos matar - então já não é dever, é heroísmo! Mas ainda assim aqui continuarei para procurar servir como sei o como posso, mas com dedicação e nobreza, a minha Pátria e a República.

Apoiados.

Mando para a Mesa a seguinte moção:

A Câmara dos Deputados, tendo tomado conhecimento das razões que motivaram a demissão do governador do Macau;

Considerando o assunto ligado a um alto problema da política colonial portuguesa do que a Câmara precisa ter perfeito conhecimento:

Convida a sua comissão de colónias a estudar devidamente o assunto da admi-

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instrução do porto do Macau para ser resolvido pela Câmara, e passa à ordem do dia.

Sala das sessões, 4 de Junho de 1925. - Rodrigo J. Rodrigues.

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

É lida e admitida a moção.

O Sr. Carvalho da Silva (para um requerimento): - Sr. Presidente: requeiro que V. Exa. consulte a Câmara sôbre se consente a prorrogação da sessão, com interrupção para o jantar, até se liquidar o debate.

Vozes da esquerda: - Ora, ora!

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o requerimento.

O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: três palavras apenas para lembrar à Câmara que, estando a dez dias do seu encanamento, tem ainda que discutir os orçamentos, a questão dos tabacos, que não pode sofrer a mesma sorte da dos fósforos, a questão das estradas o, além disso, concluir o debate político.

Não pode, por isso, alongar-se muito neste debate; e é estranhável que seja o próprio Govêrno, como nós vimos por parte do Sr. Ministro das Colónias, o primeiro a fazer obstrucionismo, impedindo a marcha dos trabalhos parlamentares.

Não apoiados da esquerda.

Pôsto à votação o requerimento, é rejeitado.

O Sr. Carvalho da Silva: - Requeiro a contraprova o invoco o § 2.° do artigo 116,° do Regimento.

Procede-se à contraprova.

O Sr. Presidente: - Estão levantados 55 Srs. Deputados e sentados 19.

Está rejeitado.

O Sr. Ministro das Colónias (Correia da Silva): - Sr. Presidente: tenho possivelmente largas considerações ainda a fazer, mas, se a Câmara me permite, reservar-me hei para elas, caso seja necessário, para depois do terem falado oradores que eu sei que estão inscritos.

E possível mesmo que o assunto fique bastante esclarecido depois do terem falado Ossos ilustres Deputados que estão inscritos, o que assim se tornam desnecessárias longas considerações minhas; não sei, e reservo a minha decisão para a discussão que se vai seguir.

Neste momento, porém, não posso deixar de esclarecer, ainda que muito ràpidamente, alguns pontos do discurso do Sr. Rodrigo Rodrigues.

S. Exa. analisando uma a uma as afirmações aqui por mim feitas não me restam dúvidas - confirmou um certo número dessas afirmações; possívelmente aos Srs. Deputados que terão ficado com a impressão de que outras delas foram suficientemente destruídas, por S. Exa. ter parecido demonstrar que elas não eram da sua mas da minha responsabilidade como antecessor do S. Exa. no governo de Macau, tenho, como a Câmara toda de considerar que está completamente confirmado quanto eu aqui disse a respeito do acto ilegal, violentíssimo, da deportação de um professor, que S. Exa. entrou, tendo-o S. Exa. confessado, como castigo para a ilha da Taipa, onde esteve por alguns meses.

Parece-me que a Câmara está já convencida de que está inteiramente confirmada a minha afirmação quanto a este caso.

Outro facto, o de S. Exa. ter feito entrega de um edifício, do um convento, onde estava instalado um quartel, para lá ser instalado um colégio feminino, concedendo depois 68.000$, ouro, para a construção de um edifício para o mesmo fim, parece-me que as palavras do Sr. Deputado inteiramente o confirmaram.

Sôbre a comunicação que mo foi entregue por um vogal do Conselho Legislativo acerca dos contratos sôbre o ópio, um assunto importante, do uma importância excepcional, sem dúvida, viu a Câmara como S. Exa. o tratou com rápidas palavras, deixando-o inteiramente confirmado também.

E sôbre êsse ponto aproveito a oportunidade para ler à Câmara o telegrama que o governador de Macau enviou ao Ministro das Colónias a comunicar êsse contrato.

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E do teor seguinte:

Leu.

Vê a Câmara que o contrato de renda variável, tendendo para zero ao sabor das contas apresentadas pelo concessionário, era apresentado muito diferentemente, referindo-se até a uma renda fixa.

Êste facto é, sem dúvida alguma, extremamente grave. Nenhuma dúvida tenho que o Sr. Ministro Mariano Martins, que sôbre o telegrama lançou o despacho dizendo que nada tinha que observar, seria o primeiro que o teria mandado anular se o tivesse conhecido verdadeiramente.

O que resta de pé? Os factos que S. Exa. explicou serem da responsabilidade do seu antecessor: a compra da Legação de Pequim, a compra do edifício de Xangai e a compra do Consulado de Cantão.

Com respeito à Legação de Pequim, fui eu o primeiro a dizer à Câmara que havia exposto o assunto para Lisboa, admitindo que a província de Macau pudesse contribuir nesse momento com 50:000 patacas e entregando a decisão o a fórmula legal do caso a Lisboa, única estação que o podia resolver.

O que fez S. Exa.?

Está, porventura, a minha responsabilidade ligada ao facto de S. Exa., com as rendas da colónia decrescentes e sem autorização da Metrópole, se ter julgado com competência para fazer aquisição pelo dôbro do preço?

A minha responsabilidade é nenhuma, a não ser que S. Exa. a atribua ao lado formoso da questão, que é a idea patriótica de a província de Macau contribuir para a digna instalação da nossa legação em Pequim.

O segundo facto é o estabelecimento do consulado de Cantão.

Que responsabilidade tenho nisso?

Apenas a de ter presidido à sessão do Conselho Executivo em que êsse assunto foi tratado, porque da própria acta lida por S. Exa. se vê que a proposta não foi minha e o facto de ela não ter seguimento mostra claramente que a não perfilhei.

Em terceiro lugar, há o caso da compra do edifício em Xangai. Lá vamos. É extraordinário.

S. Exa. mostrou o Orçamento, dizendo: está aqui a assinatura do Sr. Henrique Correia da Silva como governador da colónia.

Tenho eu a tremenda responsabilidade dessa assinatura. Sim, senhor.

V. Exas. sabem como se confeccionam os orçamentos; todos V. Exas. sabem que o governador assina o Orçamento, depois dele discutido e aprovado. Entretanto, felizmente, existe no Ministério das Colónias um arquivo de telegramas.

Em 5 de Setembro de 1921, telegrafou ao Sr. Ministro das Colónias, um cidadão chamado José Nolasco, que é presidente de um dos clubes de Xangai, dizendo o seguinte;

Leu.

Em 9 de Setembro, o Sr. Melo Leitão, que era então Senador eleito pela colónia, telegrafou ao mesmo Ministro, dizendo o seguinte:

Leu.

O Sr. Ministro das Colónias telegrafou-me mostrando os seus desejos, embora delicadamente, para que eu atendesse êsse pedido. Deram-se comícios em Hong-Kong, houve protestos, fundou se um jornal em Xangai, acusando-me de pouco patriota, e foi ante essa pressão, e com a afirmação repetida e escrita de que as finanças da colónia, ameaçadas, o não viriam certamente a permitir realizar, que o governador deixou seguir a proposta do Orçamento com essa verba a título de simples subsídio.

Qual é a minha responsabilidade?

Depois decresceram as receitas da colónia, como eu previa, e S. Exa. julgando-se, diz agora, obrigado a cumprir uma cousa que não passava da inscrição de uma simples verba, levantou o dinheiro, que não tinha, em empréstimo no Banco Ultramarino e realizou uma operação absolutamente ilegal, como foi provado por parecer da Procuradoria Geral da República. São 1:200 contos que saíram das finanças de Macau, e êsse êrro e a ilegalidade do acto não são da minha responsabilidade mas sim da sua.

Há mais oradores inscritos, que certamente não deixarão de analisar a peça capital de todo êste processo, que tem sido debatido.

Não quero, Sr. Presidente, tomar muito tempo à Câmara, tanto mais quanto é certo que ela tem outros assuntos importantes a tratar, porém, não posso deixar

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de afirmar mais uma vez que êsse documento que já tive ocasião do ler à Câmara, sôbre o porto do Macau, representa uma verdadeira humilhação para o nosso País, sejam quais forem os comentários que S. Exa. s entenda fazer sôbre a felicidade ou infelicidade da sua redacção.

Tenho dito.

O Sr. Ferreira da Rocha: - V. Exa. Sr. Presidente, pode fazer o favor de me dizer qual o tempo que tenho para usar da palavra até o momento do se entrar no período antes de se encerrar a sessão?

O Sr. Presidente: - V. Exa. tem ainda quarenta minutos, pois a hora a que se deve entrar no período de antes de se encerrar a sessão, é às 19 horas e 45 minutos.

O Sr. Ferreira da Rocha: - Sr. Presidente: a minha moção de ordem é a seguinte:

A Câmara dos Deputados, afirmando o propósito do não permitir que a exploração do porto de Macau seja subordinada a interesses prejudiciais à soberania portuguesa, o repetindo que considera indispensável o integral cumprimento das disposições das leis orgânicas que regulam a superintendência da Metrópole no govêrno das colónias o determinam a fiscalização dos actos de administração financeira colonial, passa a ordem do dia. - Ferreira da Rocha.

Sr. Presidente: como V. Exas. acabam de ver pela leitura que acabo de fazer, da minha moção, eu não pretendo referir-me ao assunto que originou o debate, isto é, à exoneração do Sr. governador de Macau, Rodrigo Rodrigues, pois a verdade, Sr. Presidente, é que a exoneração do um governador dada pelo Ministro das Colónias não justifica um tam longo debate.

Muitos apoiados.

A meu ver, Sr. Presidente, o Parlamento, que tantos assuntos importantes tem a tratar, não devia consumir o seu tempo eu discutir as desinteligências do dois governadores da administração pública, isto é, uma questão pessoal porventura entre irmãos da mesma família democrática.

Apoiados.

Entendo, Sr. Presidente, que é lamentável que n m funcionário, que é ao mesmo tempo membro do Poder Legislativo, venha para aqui discutir os actos de um seu superior relativamente à sua exoneração, assunto êsse que poderia ser tratado lá fora, o não aqui, dada a sua situação de funcionário público; o que é na verdade bom de acentuar.

Apoiados.

Sr. Presidente: a exoneração dada pelo Sr. Ministro das Colónias ao Sr. governador de Macau, só a temos de considerar debaixo de dois pontos de vista:

Primeiro: se o Ministro abusou dos poderes que lho estão confiados.

Segundo: se não abusou.

Quanto ao primeiro caso, suponho que ninguém tem dúvidas sôbre a competência do Ministro. Quanto ao segundo, tenho de verificar que o Ministro que exonerou o referido funcionário o fez em virtude de profunda desinteligência de orientação política e administrativa.

Bem sei que depois de tudo isto fica o facto de o Ministro e o governador serem do mesmo partido, o facto de um ser plebeu e outro conde, o facto de um ter estado na revolução e o outro não. Eu é que não quero saber disso para nada. Adentro da República não conheço plebeus nem aristocratas, porque todos tem de só regular pelas leis de administração pública que nós votamos. Mas ainda que, sob o aspecto político, eu tivesse de ocupar-mo do caso, que me importaria, que o irmão mais novo tivesse ferido o irmão mais velho, se afinal eu estou convencido do que tudo se fez para que outro irmão da mesma família vá ocupar o lugar do que foi desalojado?

Assim, não querendo intervir na discussão propriamente dita da exoneração do governador do Macau, Sr. Rodrigo Rodrigues, eu vou aproveitar o debate para tratar de assuntos de administração colonial geral e de questões que interessam à colónia que aqui represento, visto que, em primeiro lugar, só há vantagem em definir doutrina em matéria do administração colonial, e em segundo lugar porque, Deputado eleito por Macau, eu quero deixar de intervir no sentido

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de esclarecer a Câmara sôbre os assuntos que neste debate à luz vieram.

Não farei acusações ao ex-governador do Macau; não me compete o papel de julgador. Depois, perante um governador demitido, eu não farei insinuações que nunca fiz antes da sua exoneração. Servir-me hei somente dos casos que vieram à discussão entre o Ministro e o ex-governador, não para descer a minúcias do seu exame perante a Câmara, mas para tirar deles conclusões em matéria do princípios.

Assim, Sr. Presidente, começando por certas considerações feitas pelo Sr. Deputado interpelante, verifiquei que S. Exa. tinha uma noção perfeitamente errada de qual era a intervenção do Senado na nomeação ou exoneração dos governadores coloniais.

Disse S. Exa. que o Ministro devia ter ido ao Senado, e ali, perante o Senado, que elegeu o governador, apresentar a questão, para que o Senado julgasse quem tinha razão.

Mais afirmou S. Exa. que o Ministro lá não fora porque sabia que outro Senador se levantaria para mostrar a sem razão da sua exoneração.

O êrro de S. Exa. é evidente. O Senado tem, pela Constituição da República, o direito de votar as propostas que lhe sejam presentes pelo Ministro das Colónias para a nomeação de governadores coloniais. O preceito deve-se, em par ré, às tendências presidencialistas que caracterizaram o primeiro projecto constitucional.

Dalguma forma se quis dizer então que a regra assim estabelecida garantiria a continuidade dos governadores, não ficando ao arbítrio do Ministro intervir na selecção a fazer. Mas nenhuma outra significação se pode tirar da regra estabelecida.

Não é o Senado quem elege ou quem nomeia; o Senado limita-se simplesmente a votar, dando ou negando o seu assentimento às propostas que pelo Ministro lhe sejam feitas para a escolha dum governador. Depois de feita a escolha, depois de ela confirmada pelo Senado, depois de feita a nomeação, nada tem que ver. a outra casa do Parlamento com a manutenção do governador assim nomeado, nem tem que o exonerar, nem que negar ao Ministro o direito de lhe impor a demissão quando o Ministro o quiser fazer.

Sem dúvida, a intervenção do Senado, assim garantida pela Constituição da República, a par dalguns inconvenientes dos nossos costumes políticos, tem, pelo menos, a vantagem, de garantir que os governadores não são de confiança política dos Ministros; tem, pulo menos, a vantagem de afirmar que nenhum Ministro pode exonerar um governador pelo facto de não pertencer á sua politica partidária; ou tem, pelo menos, o condão de assegurar que o velho hábito que levava os governadores a terem de pedir a demissão quando da substituição do Ministro das Colónias, desapareceu na República.

De facto o Sr. Ministro das Colónias não podia exonerar o governador de Macau, alegando falta de confiança política, tanto mais que se sabe que a confiança política existia, visto ambos pertencerem à mesma família partidária.

Não foi, pois, por falta de confiança política que o Sr. Ministro das Colónias exonerou S. Exa.; mas daí até o ponto de julgar que o Senado tem o direito de discutir a exoneração, do julgar os actos praticados pelo governador, daí até êsse ponto vai uma distância que ninguém pode transpor.

Nem o Senado, nem a Câmara dos Deputados têm o direito de assumir funções do Poder Executivo para resolver sôbre actos de administração que a êsse Poder competem.

É errada, pois, a interpretação do S. Exa. quando supõe que êsses casos devem ser trazidos à Câmara dos Deputados.

Sr. Presidente: foi dito pelo ilustre Deputado interpelante que o governador de Macau não podia ser exonerado pelo simples facto do discordância da parte do Ministro na sua orientação administrativa em matéria do Govêrno da colónia ou por simples conveniência de serviço a êsse respeito, visto que as Cartas Orgânicas haviam determinado o prazo de comissão para os governadores coloniais.

E daqui deduziu S. Exa. que a melhor prova de que os governadores coloniais a outra cousa não estavam sujeitos senão à lei, à lei cumprida independentemente da orientação do seu chefe hierárquico, o Ministro, é que a lei marcava o prazo do comissão: cinco anos.

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Ora isto não é assim.

As leis orgânicas das colónias mandam que os governadores sirvam por um determinado prazo.

As Cartas Orgânicas de Macau estabelecem que êsse prazo seja de cinco anos.

Leu.

Portanto, segundo a lei, a exoneração do governador pode dar-se antes do terminado o período da sua comissão. Por seu pedido ou por ser conveniente ao serviço público a sua substituição.

Prova isto que o Sr Ministro das Colónias tinha competência legal para exonerar o governador no caso que discutimos.

O governador de qualquer colónia é sempre subordinado do Ministro respectivo.

O governador de qualquer colónia é um agente do Govêrno da Metrópole na administração que lhe é confiada.

Os governadores são directamente subordinados ao Ministro das Colónias.

É o que diz a Base 16.ª

O sistema adoptado para a administração colonial é aproximadamente o seguinte:

Em cada colónia há instituições locais que votam os principais diplomas a aplicar na colónia.

Alguns dêsses diplomas são submetidos à sanção da Metrópole e outros são tornados executórios por deliberação do governador.

Compreendo-se que, mais ou menos, a Metrópole estabelecesse em cada colónia instituições representativas, espécie de Parlamentos locais, em que a maioria será por ela. Metrópole, escolhida.

Pretendeu ela ter assim a garantia de que orientação governativa a preconizar adentro dessas pequenas assembleas seria, evidentemente, por ela determinada (Apoiados), tanto mais que essa maioria da Metrópole, na maior parte dos casos, e conformo foi disposto, é constituída por oficiais* do exército e por funcionários públicos.

Se aquelas assembleas não fossem assim constituídas, as colónias seriam países independentes.

Apoiados.

E como é que a Metrópole há-de exercer essa acção de orientação se não por intermédio do governador, seu representante e delegado?

Não há-de ser então o governador subordinado, integrado na orientação política, metropolitana, o seu interpreto na colónia cuja administração lhe vai ser confiada?

Não é preciso que o demonstre, porque o decreto n.° 7:030 dispõe que as propostas que os governadores das colónias pretendam pôr em execução tem de ser submetidas à apreciação da metrópole.

Cumpriu, o Sr. governador exonerado esta disposição?

Nunca.

Diz-se há que a maior parte dos outros governadores faz o mesmo.

Eu não quero saber se os Ministros não sabem cumprir o seu dever; numa ocasião em que aparece um que o sabe o quere cumprir, êsse tem o meu aplaudo e o meu voto a censura será para os outros.

Sr. Presidente: também o Sr. governador exonerado mostrou, através do seu Govêrno, uma extraordinária ignorância, em matéria do competência legislativa, que convém aqui definir, afirmando-se ao mesmo tempo que as disposições da Constituição têm de se integralmente cumpridas.

Assim, a Constituição afirma:

Leu.

Porque se fez isto, Sr. Presidente?

Poique entendeu a Câmara que era necessário defender obrigatoriamente a competência legislativa?

Sr. Presidente: o governador exonerado pretendeu estabelecer um exemplo de corridas de cavalo em Macau.

Afirmou S. Exa. que tinha legítimos motivos para supor que uma larga fonte de receitas públicas se ia obter ali. Não me deterei agora nesse ponto; discutirei isso na altura própria, quando tratar de examinar bem a administração da colónia.

Mas qualquer que fôsse a convicção de S. Exa. a êste respeito, não tinha o direito do praticar um acto que a Constituição reserva apenas ao Congresso da República.

Afirmou S. Exa. que o caso traduz fielmente o pensamento do governador demitido e que viu praticada um acto idêntico na colónia de Moçambique.

A mesma resposta de há pouco ou lhe

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dou: se o governador de Moçambique praticou um acto dessa natureza (quem quer que seja a entidade que o praticou) a resposta é só uma: praticou o ilegalmente!

Apoiados.

Se Ministro eu fora, havendo um governador praticado êste acto, da mesma forma eu o teria anulado da maneira como o Sr. Ministro das Colónias o devia ter feito, ante o acto que o governador de Macau entendeu dever praticar.

Através da sua administração constantemente se encontram casos em que S. Exa. julga que exclusivos podem ser conferidos ùnicamente por sua conta e nestas condições.

Temos assim o exclusivo do telefonia na colónia, que nunca podia ser regulado sem se atender à existência do Congresso da República, de um Govêrno central e às disposições das próprias bases; o exclusivo do ópio cru, que e até inconveniente, pelais regras que nos obrigaram com a China por protocolo de 1887, por sua simples decisão num contrato que S. Exa. fez assinar na Fazenda.

O Sr. Deputado interpelante defendeu também o ponto de vista de que nas relações externas do Govêrno da colónia podemos admitir que não é o Ministro dessa pasta o principal orientador o responsável.

E outro êrro do Sr. ex-governador.

O facto de as leis orgânicas dizerem que o governador se corresponde com o Govêrno da Metrópole nau pode fazer supor a S. Exa. que a correspondência dos governadores coloniais não se realiza com a Secretaria de listado da Metrópole à qual êles estão subordinados.

Do espírito das leis orgânicas se deduz isto; mas quando assim não fôsse, pelos usos, pelos costumes, pelas praxes gerais, S. Exa. não podia ser levado ao convencimento de que não podia corresponder-se com outro qualquer Ministro da Metrópole sem ser autorizado pelo seu Ministro e chefe.

Porém com governadores do uma outra colónia estrangeira em assuntos que, do qualquer forma, possam representar um acordo, não se compreende que o faça sem autorização especial, porque o Ministro das Colónias é o responsável principal.

Sr. Presidente: as leis obrigam tanto a plebéus como a condes, qualquer que seja a sua antiguidade na República.

E as leis orgânicas categoricamente dizem:

Leu.

Argumenta S. Exa. que em Moçambique só tinha feito o mesmo:

Leu.

Discordo por completo; pois o governador de Moçambique não ouviu o conselho administrativo.

Como é que se negociou êsse acordo?

Agora foram vários Deputados, que numa reunião falaram na necessidade de negociações.

E S. Exa. nada provou; disse apenas que não apresentava a sua negativa.

O Deputado interpelante nem sequer provou que estava autorizado a fazer essa negociação.

Estava presente o Ministro do então, que alguma cousa podia dizer.

Tudo se poderá fazer; mas o que nunca podia lazer se era entrar em negociações com estrangeiros para exploração do pôrto.

Quem era o Ministro que ia fazer tais negociações internacionais?

Ninguém iria negociar semelhante acordo.

Ainda que eu possa ser acusado de homem tam agarrado a praxes, que por elas me prendo, sacrificando lhes porventura as grandes e simpáticas ideas, sou homem de fórmulas, sou homem de praxes.

Entendo que as fórmulas são a garantia da lei e do direito; entendo que quem não respeitar fórmulas não pode garantir a regularidade da administração pública, nem o livre exercício dos direitos públicos.

Apoiados.

E é porque sou um homem de fórmulas, que, através da acção do governador exonerado, o que mais me interessa é o seu absoluto e completo deprêzo pelos regulamentos de contabilidade pública colonial o pelos preceitos que regem a administração financeira das colónias.

Exactamente porque conferimos às colónias a autonomia financeira, é indispensável que a sua administração se faça dentro de fórmulas prèviamente determinadas.

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Deixemos-lhe o direito do dirigir a sua administração financeira, mas obriguemo-las a seguir aqueles preceitos que garantam a maneira de controlar essa administração.

O governador exonerado não quis proceder assim.

Culpado único?

Devo dizer com toda a justiça que não.

Culpado porventura por ter confiado demais nos seus subordinados, que, no intuito do lhe agradarem, lhe abriram todas as facilidades para aqueles actos que uno podiam ser praticados.

Culpado único?

Não, porque o Ministério das Colónias inicialmente deixou de exercer a sua acção fiscalizadora, porque havia consentido a outro governador actos que Cie sentia não serem agora permitidos à sua pessoa, porque, tendo no governador um correligionário, o Ministro que naquela cadeira se sentara na ocasião discutiu actos dêsses como só os discutisse nas comissões políticas ou no Directório, em vez do impor o exacto cumprimento da lei, porventura numa acção salutar porque, cometida uma irregularidade, a segunda não viria já à luz do dia.

Para só avaliar do desprêzo do governador exonerado pelos preceitos de contabilidade pública colonial, basta referir, por exemplo, a sua maneira de dar cumprimento ao título 6.° do Regulamento do Fazenda das Colónias, título que rege a, arrematação dos rendimentos públicos em hasta pública, título muito bem elaborado adentro dêste Regulamento por um homem que perfeitamente conhece Macau o que ali havia passado muitos anos, o inspector de fazenda, Sr. Tamagnini Barbosa.

A sério de preceitos reguladores da arrematação dos rendimentos públicos não pode ser posta do lado em parte alguma, muito principalmente em Macau, onde os governadores não podem ter elementos bastantes para avaliar das muitas circunstâncias que podem fazer variar o rendimento em qualquer arrematação.

No emtanto, o governador exonerado entendeu que o ópio podia ser adjudicado e arrematado sem concurso, entendeu que o ópio podia ser adjudicado era dois contratos: um para não se executar, outro suplementar, particular, para ser executado.

Quaisquer que fossem as circunstâncias que puderem ter levado o governador de Macau a supor que êsse acto era conveniente e necessário aos interêsses públicos, reprovo-o como Deputado, reprová-la-ia como Ministro.

Ainda quando eu tivesse a certeza do que a arrematação posta em praça menos renderia - o eu não tenho essa certeza -, ainda quando estivesse convencido de que o rendimento seria menor no dia seguinte - o não estou disso convencido -, eu não consentiria, a nenhum governador que pusesse de parto os regulamentos de contabilidade pública para proceder.

O culpado é o governador somente?

Não, senhores.

Os culpados são, juntamente, os funcionários seus subordinados, homens que, na minha opinião, são os que sabem muito bem que cometem um êrro.

Qual o procedimento que leve o Sr. Ministro das Colónias para com êstes funcionários?

O único culpado era o governador do Macau?

Não.

Nem o Ministro que ao tempo se encontrara na pasta das Colónias, o que lhe devia dizer terminantemente que, fosse qual fôsse a condição em que Macau se encontrasse, não poderia permitir que tais cousas se fizessem.

O Sr. Ministro das Colónias (Correia da Silva): - Posso informar a V. Exa. que o director da Fazenda Pública de Macau já foi exonerado.

O Orador: - A autonomia financeira das colónias fui estabelecida para que cada colónia tivesse o seu orçamento perfeito.

O Orçamento (esta é a prática seguida, e os Ministros não a têm bem orientado) quási nunca foi feito no Ministério das Colónias, não se seguindo as disposições legais.

O governador não poderá ordenar despesas.

Agora são as colónias que vão ter a iniciativa do próprio Orçamento.

O governador deve ter o máximo respeito pelo Orçamento, que êle próprio tem de elaborar.

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Não deve permitir que nenhuma despesa seja realizada, senão dentro das verbas.

É claro que poderá haver desposas não previstas, e então as leis estabelecem condições, transferências de verbas, refôrço de verbas, etc.

Isto será aprovado pelo Govêrno da metrópole.

As leis orgânicas permitem que, em casos assim previstos, o governador possa abrir, do acordo com o Conselho Colonial, créditos extraordinários, sem prejuizo da aprovação do Govêrno da metrópole.

E êstes créditos extraordinários para os casos imprevistos o do carácter excepcional e urgente foram a anua de que O Sr. governador, agora exonerado, se serviu para comprar a locação do Pequim, para comprar terrenos em Xangai e Cantão, e foram a arma de que o Sr. governador do Macau se serviu para abrir um crédito para expropriação de terrenos destinados a campos do corridas de cavalos.

E haverá alguém, qualquer que seja sua ignorância em matei ia do interpretação de leis, que possa supor que a compra do um edifício em Pequim e a compra de terrenos em Xangai e Cantão - destinados às nossas comodidades no Oriento, num fim que ou julgo louvável o patriótico - há lá alguém, dizia ou, quaisquer que sejam as condições que revistam esta compra, que possa supor tratar-se do um caso excepcional o tam urgente que não podia aguardar a aprovação metropolitana?

Sr. Presidente: é que a diferença que existo à volta de todo o processo que no caso se debato, entre a grandeza, entro o elevado patriotismo e a grande decisão política, aceitemos, do governador agora exonerado, quando pretendeu realizar actos, a cujos intuitos eu não posso nem quero negar mais do que a aprovação, e a forma como os pretendeu realizar, som lei, contra a lei, não querendo para nada saber do quem tem o direito do fiscalizar e exigir contas, consisto na doutrina de que, entendendo êle justo e bom, só há-de realizar, quer a lei o permita, quer a lei o proíba.

Mas, Sr. Presidente, isso é a defesa que toda a vida os ditadores fizeram.

Toda a vida os ditadores preconizaram as boas ditaduras.

Não consta que alguém tenha defendido uma ditadura má.

Todos vêm animados dos melhores intuitos, e no espírito de prestar os mais relevantes serviços a, sua Pátria, à humanidade, emfim.

No caso presente, eu creio que o Sr. governador prestava um grande serviço à Pátria promovendo que os fundos de Macau, na disponibilidade, fossem empregados na construção do edifícios no Oriento. Mas, do facto do eu acreditar nos patrióticos intuitos do Sr. governador de Macau, pode alguém deduzir que qualquer governador, êle próprio, por muito grande que seja a sua posição adentro da República, possa saltar por cima das leis e realizar os actos que pretender, somente porque está convencido de que êles são úteis e convenientes?

São estes actos de administração que eu não posso acoitar ao Sr. governador do Macau. São êsses actos que, se eu fora Ministro das Colónias - cousa que espora a família de S. Exa. não só mo permitirá por muito tempo ainda - seria suficiente para o obrigar ao cumprimento da lei, sob pena de demissão.

Comigo, Ministro das Colónias, se o governador houvesse praticado o primeiro dêsses actos, garanto que não praticaria o segundo, porque ou só comprometia a respeitar a lei, ou do seu lugar saía, qualquer que fôsse a intervenção parlamentar que o caso viesse a provocar, só para lá voltando quando o Parlamento determinasse que as leis só não cumpriam quando S. Exa. lá eslava como governador, ou quando a maioria determinasse que as leis obrigam aos outros, menos aos membros do seu partido.

Assim, Sr. Presidente, devo dizer em abono da verdade, sôbre o assunto da administração de Macau, que se não devem aproveitar de forma nenhuma os exemplos para aqui trazidos não só pelo ilustre interpelante, como pelo ilustre interpelado, pois entendo, repito, que êle não deveria aqui ser dirimido adentro do Parlamento.

O que é um facto Sr. Presidente, a meu ver, é que se bem que o governador de Macau tenha a responsabilidade inteira dos actos que praticou, os seus

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erros do administração pertencem única e exclusivamente ao Ministro das Colónias. Êste, e só êste, é responsável pelos actos de todos os seus funcionários.

Muitos apoiados.

Esta, Sr. Presidente, é que é a verdade a meu ver.

Ainda sôbre o assunto, Sr. Presidente, terei que fazer mais largas considerações, porém, não é em dois minutos, pouco mais ou menos, que V. Exa., Sr. Presidente, me conceda, que eu poderei fazê-las, pois creio que devo estar chegado o momento de se passar ao período de antes do ao encerrar a sessão.

O Sr. Presidente: - Eu já tinha prevenido V. Exa. do que já tinha dado a hora do se entrar no período antes de se encerrar a sessão: porém, pareceu me que V. Exa. desejaria terminar as suas considerações, razão por que nada mais lhe disse o permiti que V. Exa. continuasse no uso da palavra.

O Orador: - Agradeço a V. Exa. asna explicação, mas do modo algum o fúria sem primeiro lho ter comunicado.

No emtanto, só V. Exa. me concede êsses dois minutos, há-de permitir que eu por delegação sua, os conceda ao ilustre Deputado o Sr. Brito Camacho, que me deseja interromper.

O Sr. Brito Camacho (Interrompendo): - Creio que V. Exa. ao referir-se as corridas do cavalos, fez também referências à província do Moçambique.

Devo dizer a V. Exa. que a província do Moçambique tem um regulamento exclusivo para o Alto Comissário, e outra para a Metrópole, razão por que eu fiz a concessão da corrida do cavalos.

O Orador: - Tenho dito.

O orador não reviu.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. João Camoesas: - Sr. Presidente; pelos jornais do conhecimento do que a sindicância ordenada ao vogal do Conselho do Administração da Exploração do Pôrto de Lisboa não prosseguiria poiquo a administração respectiva se negava ao pagamento das verbas necessárias.

Não tive ocasião do falar ao sindicado, que é meu amigo pessoal; mas dessa noticia ficou me a impressão da que poderia, tratar-se de um processo para manter na situação em que só encontra o funcionário em questão, o que lhe é prejudicial, além do não ser cousa que prestigio o regime.

Essa sindicância devo seguir imediatamente; e por isso peço ao Sr. Ministro do Comei do que se digne tomar as devidas providências nosso sentido.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Ferreira de Simas): - Respondendo ao Sr. João Camoesas. cumpro mo dizer que também sou da opinião do que a sindicância a que S. Exa. se referiu devora seguir ràpidamente, para se fazer a devida justiça.

Fui informado de que não havia verba para essa sindicância; e eu, no mesmo dia em que isso me foi comunicado, solicitei da Administração da Exploração do Pôrto do Lisboa a indicação do quaisquer verbas que houvesse em condições do ser transferidas para pagamento com as despesas de tal sindicância.

Ainda não obtive qualquer resposta. Aguardo na intenção de logo de seguida providenciar como ter conveniente, a fim de que a sindicância termine o mais ràpidamente possível.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Francisco Cruz: - Estranho que havendo eu pedido a palavra para autos de se encenar a sessão, a fim de usar dela na presença do Sr. Presidente do Ministério ou do Sr. Ministro do Interior, S. Exas. se houvessem retirado logo que o Sr. Ferreira da Rocha terminou as suas considerações.

Mas, visto que ainda estão presentes dois Srs. Ministros, quero protestar energicamente contra o regime a que estão sujeitos os oficiais presos em Santarém, acusados de implicados no movimento de 18 de Abril último porque mais parece que são presos da mais ínfima espécie de crimes comuns do que criminosos de delito político.

Sinto que não esteja presente o Sr. Pre-

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sidente do Ministério para fazer mais largas considerações sôbre o assunto.

Sr. Presidente: para terminar, direi que, apesar da minha mais completa oposição ao Govêrno, não posso, neste momento, deixar de lhe dar o meu aplauso pelo seguinte facto: segundo vi no Diário de Noticias o Govêrno escolheu a alta figura do Dr. António José de Almeida para a vaga aberta pelo falecimento de João Chagas no Conselho de Administração dos Caminhos do Ferro Portugueses.

Apezar do adversário irredutível do Govêrno, não posso, repito, deixar de, neste caso, dar-lhe todo o meu apoio e as minhas mais vivas felicitações pelo acerto da escolha para aquele alto cargo.

João Chagas, o grande diplomata o jornalista a cuja memória a Câmara prestou ainda há poucos dias as suas homenagens, ficará bem substituído pelo grande tribuno e parlamentar que é o Dr. António José de Almeida. E a República ficará dignificada com esta nomeação.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: apenas meia dizia de palavras para preguntar ao Sr. Ministro do Comércio se em matéria do estradas segue aquele plano larguíssimo que o Sr. Presidente do Ministério aqui apontou numa célebre sessão nocturna em que o Sr. Ministro do Comércio se evidenciou um belo professor de explosivos, isso é, só S. Exa. e o Govêrno têm como único plano o decreto n.° 10:804.

Êste decreto diz:

Leu.

Mas, Sr. Presidente, o artigo 2.° da lei n.° 1:773, em que se baseia êste decreto, diz assim:

Leu.

Eu pregunto ao Sr. Ministro do Comércio se S. Exa. acha aceitável, se S. Exa. acha sério que, baseado num artigo que diz respeito a uma autorização para medidas de ordem pública e social, o Govêrno se permita publicar um decreto abrindo um crédito para estradas.

Pregunto se é êste o plano que tem o Govêrno para separação do estradas, se é com os 11:000 contos destinados a servir amigos em determinados pontos que se pensa em reparar as estradas?

Naturalmente amanhã no congresso familiar do Liceu Camões os seus correligionários da província hão-de dizer a S. Exa. o estado em que se encontram as estradas do País e S. Exa. há-de, lá ir como naquela célebre sessão nocturna dizer o que pensa em matéria de explosivos sôbre reparações de estradas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Ferreira de Simas): - Sr. Presidente: respondendo ao Sr. Carvalho da Silva direi que não percebi bem a ligação feita por S. Exa. entre os meus vastos conhecimentos de explosivos e a reparação da estradas.

O Sr. Carvalho da Silva: - É que reconheço em V. Exa. um belo professor de explosivos.

O Orador: - V. Exa. engana-se porque não sou professor de explosivos. Já fui.

O Sr. Carvalho da Silva: - E foi um professor distintíssimo.

O Orador: - Muito obrigado pelo elogio.

O problema das estradas - já aqui se tem afirmado muitas vezos - é um problema essencialmente financeiro. A questão resolver-se há sem mais demoras nem dificuldades no dia em que para tal houver dinheiro.

Surgiu presentemente a possibilidade de dispensar algumas verbas para a repartição de estradas, e o Ministério do Comercio, como ora sou dever, procedeu imediatamente à sua distribuição, de forma a que ela pudesse satisfazer algumas reclamações mais instantes e concorrer um pouco para remediar a grave crise de trabalho que nos ameaça e que, desprezada, pode constituir amanhã um sério motivo do alteração da ordem pública.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Pedro Pita: - Sr. Presidente: agradeço ao Sr. Ministro do Trabalho a gentileza de ter esperado que me chegasse o uso da palavra, gentileza que não teve o seu colega da Justiça, que estava presente quando eu pedi a palavra para

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tratar dum assunto que corro pela sua pasta.

Tem-se feito correr que o Sr. Ministro da Justiça se prepara, para publicar um decreto criando novas comarcas. Porque me não pareço que êsse acto só possa praticar à sombra das já célebres autorizações, ou sob o fundamento da necessidade do acudir à tranquilidade social e a ordem pública, eu ainda estou em crer que se trata dum simples boato.

De resto, a criação do comarcas, como até a simples transferência de sedes, é função do Poder Legislativo.

Em todo o caso estou certo de que, se é realmente essa a intenção do Sr. Ministro da Justiça, o Sr. Sampaio Maia, distinto jurisconsulto, que tanto se tem dedicado ao estudo da Constituição, se apressará a fazer ver ao seu colega que o lacto do ser Ministro neste País não o autoriza a praticar actos atrabiliários. Mais estou certo do que não podendo êsse decreto ser publicado som a assinatura do Sr. Ministro do Trabalho, S. Exa. lha não dará.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Trabalho: - Pedi a palavra simplesmente para declarar que transmitirei ao Sr. Ministro da Justiça as considerações que acaba de fazer o Sr. Pedro Pita.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é na têrça-feira, com a seguinte ordem do dia:

Negócio urgente do Sr. Rodrigo Rodrigues, sôbre o govêrno de Macau.

Debate sôbre as declarações do Sr. Presidente do Ministério.

Proposta de lei n.° 854, que autoriza o Govêrno, de acordo com o Banco de Portugal, a transferir da conta sob a rubrica ^Suprimentos ao Govêrno (convenção do 29 de Dezembro de 1922)" para a conta sob a rubrica "Empréstimos ao Govêrno (contrato do 29 do Abril do 1918)" a importância do saldo dos aludidos suprimentos à data da entrada em vigor desta lei.

Parecer n.° 865-A, orçamento do Ministério das Finanças.

Parecer n.º 865-B orçamento do Ministério da Instrução Pública.

Interpelação do Sr. Joaquim Ribeiro ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros sôbre a situação do ex-Ministro do Portugal em Berlim.

Interposição do Sr. Brito Camacho ao Sr. Ministro das Colónias sôbre a portaria de 21 do Fevereiro de 1920, q u o nomeia um agente para ir a Moçambique o Angola para obter trabalhadores para S. Tomé o Príncipe.

Parecer n.º 881, que faculta aos párocos que estavam colados nas igrejas do continente o ilhas adjacentes à data em que foi publicada a Lei da Separação, a requererem, dentro do prazo de noventa dias, o reconhecimento do sou direito do aposentação.

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 15 minutos.

O REDACTOR - João Saraiva.

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