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REPUBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 86
EM 25 DE JUNHO DE 1925
Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. - Respondem à chamada 39 Srs. Deputados.
É lida a acta. Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia.- O Sr. Jaime de Sousa trata da, situação da nossa província de Macau, em vista do movimento revolucionário da China. Responde o Sr. Ministro das Colónias (Correia da Silva).
O Sr. Pinto da Fonseca usa da palavra a respeito da sindicância aos Bairros Sociais, dando explicações a êsse respeito o Sr. Sá Cardoso.
O Sr. Ferreira da Rocha refere-se ao discurso do Sr. Ministro das Colónias sôbre a situação de Macau em relação à China.
Para explicações, fala o Sr. Jaime de Sousa.
As considerações feitas pelo Sr. Ferreira da Rocha e Jaime de Sousa responde o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Pedro Martins).
Entra em discussão o parecer referente à situação dos revolucionários civis.
Usa da palavra o Sr. Carvalho da Silva, que não termina o seu discurso.
É aprovada a acta.
Usa da palavra para interrogar a Mesa o Sr. Alberto Jordão, dando informações o Sr. Presidente.
Ordem do dia. - Entra em discussão a proposta de lei sôbre a cobrança de duodécimos.
Usam da palavra os Srs. Morais Carvalho, Cunha Leal, Tôrres Garcia, Carvalho da Silva, Sá Cardoso, que apresenta uma proposta para regularizar, abreviando, a discussão ao Orçamento, pedindo urgência e dispensa do Regimento. O Sr. Cunha Leal requere que esta proposta seja discutida e votada antes da proposta ministerial. Dá explicações sôbre o propósito da sua proposta o Sr. Sá Cardoso. Da explicações o Sr. Presidente. O Sr. Pedro Pita invoca o Regimento.
O Sr. Cunha Leal, usando da palavra para explicações, retira o seu requerimento, visto que a proposta, nos termos das suas assinaturas, tem de entrar em discussão.
Usam da palavra os Srs. Cancela de Abreu e Jaime de Sousa, dando explicações o Sr. Presidente. Seguem-se os Srs. Cunha Leal, Sá Cardoso que retira o seu pedido de dispensa do Regimento. Falam os Srs. Carvalho da Silva e Cancela de Abreu.
Invoca o Regimento o Sr. Pedro Pita, dando esclarecimentos o Sr. Presidente Fala o Sr. Cunha Leal. O Sr. Presidente consulta a Câmara. Usa da palavra o Sr. Presidente do Ministério, respondendo o Sr. Cunha Leal.
Dá explicações o Sr. Presidente, consultando a Câmara sôbre se entende que a proposta do Sr. Sá Cardoso deve ocupar o lugar principal. Foi rejeitada em prova e contraprova.
O Sr. Cancela de Abreu interroga a Mesa.
O Sr. Pedro Pita apresenta uma questão prévia, assinada por mais cinco Srs. Deputados. Fica com a palavra reservada.
Antes de se encerrar a sessão. - O Sr. António Correia pede providências para acudir aos estragos das trovoadas nos concelhos de Gavião, Marvão e Nisa.
Responde o Sr. Presidente do Ministério.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. - Um requerimento do Sr. Agatão Lança.
Abertura da sessão, às 15 horas e 29 minutos.
Presentes à chamada, 39 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 48 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Jordão Marques da Costa
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Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreiras.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur do Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Ernesto Carneiro Franco.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
João Baptista da Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Vitorino Mealha.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Ferreira da Rocha.
Mariano Rocha Felgueiras.
Nuuo Simões.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Valentim Guerra.
Srs. Debutados que entraram durante a sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Xavier.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Dias.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António de Paiva Gomes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João Estêvão Aguas.
João Luís Ricardo.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos,
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Alegre.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela do Abreu.
Pedro Góis Pita.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
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António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Resende.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José Luís Damas.
João Pereira Bastos.
João Salema.
João de Sousa Uva.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim José do Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge Barros Capinha.
José Carvalho dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartino Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique do Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Monano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomo José de Barros Queiroz.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Ás 15 horas e 19 minutos principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 39 Srs. Deputados!
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Da direcção do Gimnásio Clube Português, convidando S. Exa. o Sr. Presidente da Câmara a assistir à sessão de inauguração do 2.° Congresso Nacional de Educação Física, no dia 28 do corrente, pelas quinze horas.
Para a Secretaria.
Da direcção da Sociedade Protectora dos Animais, convidando os membros desta Câmara a assistir à sessão solene que se efectua na Sociedade de Geografia no dia 27 do corrente, pelas vinte e uma horas e quinze minutos.
Para a Secretaria.
Do presidente do conselho fiscal da Caixa Geral de Depósitos, para que seja eleito um novo vogal substituto do conselho fiscal, em vista do pedido do escusa dêste cargo apresentado pelo Sr. José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Para a Secretaria.
Requerimento
De Manuel Dias Chita, aspirante de finanças em Vagos, pedindo a promoção à categoria de secretário de finanças de 3.ª classe.
Para a comissão de finanças.
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Telegramas
Do professorado do concelho de Olhão, pedindo a revogação dos decretos n.ºs 10:729 e 10:776.
Para a Secretaria.
Dos aspirantes de finanças e chefes fiscais dos concelhos de Óbidos e da Batalha contra o projecto de lei do Sr. Vergílio Saque.
Para a Secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.
O Sr. Jaime de Sousa: - Sr. Presidente: tinha ontem pedido a palavra para quando estivessem presentes ou o Sr. Ministro das Colónias ou o Sr. Ministro dos Estrangeiros, para tratar da situação em que se encontram neste momento a nossa colónia de Macau e os portugueses no Extremo Oriento, em face da agitação revolucionária que tende a generalizar-se na China.
Sr. Presidente: sabe V. Exa. o sabe toda a Câmara que um movimento de carácter revolucionário se está desenvolvendo na China contra os estrangeiros, começando em Cantão, onde só deram encontros entre a polícia chinesa e os grevistas revolucionários, intervindo os elementos estrangeiros que desembarcaram fôrças dos navios de guerra.
O ponto que mais nos interessa, é que em Cantão, às portas de Macau, onde a população portuguesa é numerosa, a agitação tomou um carácter mais grave, porque se declarou abertamente com carácter bolchevista, dirigida como está verificado, por oficiais russos.
E, se é certo que na manifestação de Xangai, já se havia verificado que existia dinheiro russo impulsionando êsse movimento revolucionário, em Cantão, além dêsses elementos demonstrativos, apareceram oficiais russos comandando os revoltosos.
Sr. Presidente: o facto concreto é que neste momento quem está senhor da situação em Cantão é justamente a facção bolchevista, a mesma que, impulsionada pelo dinheiro russo, bateu o venceu as tropas legais.
Os telegramas que têm chegado a Lisboa são alarmantes, porque noticiam o> ataque directo a estrangeiros, como por exemplo à missão britânica, em que houve mortos e feridos, e referem-se à fuga do estrangeiros para Hong-Kong e Macau.
Sr. Presidente: em tudo isto há um ponto do interrogação, qual é não sabermos nada acêrca do que só passa em Cantão e Macau, relativamente aos súbditos, portugueses.
Sabemos, apenas, que o nosso consulado tem à sua disposição um navio de guerra, mas não sabemos mais nada.
Numa entrevista publicada ontem num jornal da tarde, o Sr. Ministro das Colónias dá alguns esclarecimentos sôbre a situação, mas um ponto há que não pode deixar do interessar a Câmara, e êsse é a notícia de que vão seguir em breve" dias navios para o Extremo Oriento, a fim do socorrer as nossas posições na China, um navio do guerra e um transporte com tropas.
Sr. Presidente: esta mobilização mostra, que o Govêrno está vigilante, mas todavia não impede que se lhe peça informações para tranquilizar e elucidar a Câmara e o País acerca do uma questão que, por ora, está ainda muito confusa.
E natural que o Govêrno esteja recebendo, a curtos intervalos, notícias telográficas sôbre a situação da China, e é por êste motivo que ou peço ao Sr. Ministro das Colónias que diga a Câmara, tanto quanto o andamento das negociações e o procedimento do Govêrno o permitam, algumas informações que nos tranquilizem.
Se o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros estivesse presente, desejaria preguntar a S. Exa. o que se passa, no campo das negociações diplomáticas, com o Govêrno de Pequim, porquanto sei que foi entregue uma nota cominatória pelas potências que têm interêsses na China, o eu desejaria saber se o Govêrno Português foi oportunamente ouvido, se assinou a referida nota, o finalmente, se o nosso. Ministro em Pequim está atento o se tem colocado a nossa posição no pé de igualdade com as outras potências.
Espero, pois, que o Sr. Ministro das Colónias dê as informações que julgar convenientes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Ministro das Colónias (Correia da Silva): - Sr. Presidente: fui informado pelo Sr. Ministro do Interior de que o Sr. Ferreira da Rocha se tinha ocupado na sessão do ontem da situação da nossa colónia do Macau, o agora o Sr. Jaime de Sousa acaba de novamente pedir ao Govêrno informações sôbre a mesma questão.
Sr. Presidente: é do conhecimento dos Srs. Deputados que presentemente existe na China um estado de excitação bastante grande, o qual não pode deixar de chamar a atenção do Govêrno Português, não só pela existência da nossa colónia de Macau, como pela existência das comodidades portuguesas nas várias cidades chinesas, comunidades que atingem alguns milhares do portugueses que tem interêsses muito valiosos e que evidentemente cumpre que estejam sempre sob a devida vigilância do Govêrno Português.
A imprensa tem-se ocupado largamente dêste assunto e tem fornecido um número grande de telegramas que mostram o que é essa agitação.
E sob o problema que em geral agita a China, o Govêrno não pode esclarecer o assunto melhor do que a imprensa o tem feito.
Tem sequer pode dizer, se todos os telegramas publicados na imprensa correspondem exactamente à verdade dos factos, porque num país grande como a China e no estado de confusão em que parecem estar alguns dos seus principais centros, e dada, de mais a mais, a dificuldade de comunicações que existe, não há na mão do Govêrno os elementos suficientes, para que êsse estado da China possa ser esclarecido perfeitamente aos olhos de todos.
É incontestável que existe uma agitação. Qual a natureza desta não pode o Govêrno evidentemente precisá-la com toda a segurança, mas é incontestável, pelo que tem vindo na imprensa e algumas informações do Govêrno, que os sentimentos nacionalistas na China se manifestam, o manifestam-se, como já por mais de uma vez tem sucedido, com uma certa atitude de menor amizade para com determinados elementos que existem na China, não havendo felizmente razão alguma até o momento, e espero que assim aconteça, para depreender que há
qualquer animosidade contra a nossa Nação e os seus representantes.
Isso, porém, não pode levar o Govêrno a ser indiferente à situação, porque a nossa possessão de Macau e os portugueses das colónias existentes na China estão a tal distância da Metrópole que convém enviar os auxílios com a devida oportunidade, para poderem ser eficazes.
É unicamente essa a razão, e não para remediar qualquer facto já ocorrido e mesmo com a esperança de que nenhum facto venha directamente perturbar a tranquilidade o a ordem da nossa colónia, que o Govêrno entendeu pôr a caminho do Extremo Oriente dois navios de guerra, um deles que exclusivamente para servir de transporte, que conduzirá uma fôrça a fim de repor o efectivo militar da colónia no pé em que devo permanentemente estar e pôr na colónia algum material que falta nela e que nela deve existir, e ainda para habilitar as nossas autoridades com os indispensáveis meios de segurança.
Eu, como Ministro das Colónias, tenho uma dupla obrigação de atender a essa situação, pela dura experiência que tenho do governo de Macau, no qual me encontrei atravessando uma crise de grande semelhança à presente; sei as enormes dificuldades em que se encontra o governo de Macau numa crise desta conjuntura.
Felizmente a crise anterior atravessou--se sem que para a colónia houvesse desastre algum a lamentar.
As informações que recebo dia a dia do governador de Macau mostram que a presente crise, que já dura há alguns dias, como â Câmara muito bem sabe, vai decorrendo sem que a nossa colónia de Macau seja perturbada, e vejo que o governador está procedendo com a prudência e correcção que são indispensáveis numa conjuntura destas.
Conhecedor eu das dificuldades existentes na colónia de Macau por experiência própria e conhecedor das minhas responsabilidades, como Ministro das Colónias, e igualmente conhecedor o Govêrno das responsabilidades do Govêrno em conjunto, o Govêrno entendeu da maior indicação pôr a caminho do Oriente um navio rápido, como é o cruzador República, que possa dentro do menor número
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de dias ficar as ordens do governador de Macau e atender às requisições das autoridades consulares nos portos do Oriente. O transporte é o Gil Eanes, que há dias chegou ao Tejo e que felizmente se encontra em condições de fazer nova viagem, enviando-se nele o contingente militar que é necessário, para repor a guarnição de Macau no seu efectivo e a que já me referi.
Pouco mais quero acrescentar, a não ser que não convém que sejamos nós portugueses a agravar a questão, pois, embora não o suponham, às vezes uma palavra escrita ou pronunciada em Lisboa, passada a fronteira ou transposto o cabo submarino, avoluma-se e transforma-se e vai criar dificuldades no Extremo Oriento. Quem como eu conhece o viver da China sabe que é perigoso qualquer má informação, o por isso lembro à imprensa a máxima ponderação, pois o simples facto de se anunciar aqui que vai um navio de guerra para Macau, 24 horas depois pode constar na China como se houvesse da parto do Govêrno português intenções que não são as dêle.
Eu sei bem isso, infelizmente, por uma dura experiência.
Por mais prudentes o inofensivas que sejam as intenções, chegam lá sempre adulteradas, o que pode trazer muitos inconvenientes.
Da parte do Govêrno Português há apenas o propósito de repor a guarnição da nossa colónia no pé em que deve estar e cumprir o dever de assistência para as colónias de portugueses do Extremo Oriente.
Cumpro-lhe êsse dever, não hesita em o fazer, afirmando que nisso não há intenção alguma que possa reflectir qualquer sentimento menos amistoso sob o ponto de vista internacional.
O Sr. Pinto da Fonseca: - Sr. Presidente: na seessão do 3 do corrente ou vi pelos jornais que tinha sido presente a esta Câmara o pedido de demissão da comissão de inquérito aos Bairros Sociais.
Êste assunto foi suspenso por proposta do Sr. Almeida Ribeiro, em virtude de 6u não estar presente e haver umas referências a frases proferidas pelo Sr. Sé Cardoso.
Devo dizer à Câmara que não tenho ressentimento algum para com o Sr. Sá Cardoso, assim como tenho recebido de S. Exa. as melhores referências.
Creio que está na Mesa uma carta da comissão que é assinada por ruim por ser seu presidente.
O facto de eu só em 22 ter vindo, tendo sido o assunto presente em 3, foi devido-a estar doente, e só hoje consegui ter a palavra para fazer esta justificarão.
Dadas estas explicações, resta-me declarar a V. Exa. A, Sr. Presidente, e à Câmara que a comissão parlamentar de inquérito aos Barros Sociais mantém o seu pedido de demissão, pelas razões que eu, já tive ocasião de expor na ocasião em que mandei êsse pedido para a Mesa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Sá Cardoso (para explicações): - Sr. Presidente: eu pedi a palavra para explicações, unicamente para que a Câmara não ficasse com a impressão do que eu não quereria responder às palavras proferidas pelo Sr. Pinto da Fonseca.
Começarei por agradecer a S. Exa. as referências que fez à minha pessoa, devendo depois dizer que eu ainda não li a carta em questão.
Por consequência, sem que a leia, é-me absolutamente impossível dizer qualquer cousa sôbre o assunto.
Aguardo, por isso, que ela me seja fornecida, para então mo poder referir ao caso.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ferreira da Rocha: - Sr. Presidente: desejo agradecer ao Sr. Ministra das Colónias as explicações que forneceu à Câmara acerca dos acontecimentos de Macau, dizendo também, desde já que compreendo a necessidade da reserva que êle pretendeu mostrar à Câmara, afirmando o perigo de qualquer afirmação que se faça em Portugal, e, especialmente na imprensa portuguesa, perigo de que podem resultar sérias consequências para os próprios portugueses residentes em Macau"
Sei, pela triste e dura lição da experiência, os perigas que resultam da intervenção dos jornais nesses assuntas e da
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forma como notícias alarmantes tem sido muitas vezes publicadas em Portugal, agitando o espírito anti-estrangeiro dos chineses na China.
Sei também, Sr. Presidente, que o actual governador interino de Macau, homem de extraordinária prudência e profundo conhecimento dos assuntos da colónia, reúne à sua coerência e valor militar, a ponderação e a diplomacia suficientes para poder levar a bom cabo a vida da colónia durante esta crise.
No emtanto, quero dizer ao Sr. Ministro das Colónias que não deve hesitar em pedir ao Parlamento os créditos necessários para fornecer à colónia de Macau todos os meios indispensáveis para a sua conservação e prestígio.
Apoiados.
Eu creio bom que ninguém recusará ao Govêrno os meios precisos para ocorrer à defesa dos habitantes portugueses de Macau e das comunidades portuguesas no Extremo Oriento.
Creio que o Sr. Ministro das Colónias virá a reconhecer essa necessidade.
É preciso, porém, que quando o reconhecer, não hesito em o declarar.
Sr. Presidente: quero também chamar ainda a atenção do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros para o problema que se debate, porque êle pode vir a ser mais de ordem diplomática do que militar.
Apesar de ser um conflito armado, a intervenção diplomática há-de ser a mais importante na resolução da questão. E, também não é menos verdade que os portugueses só aparecem nessas conferências já tarde, desconhecedores do assunto e perfeitamente desligados de todos os pormenores que lhes podem, dalguma forma, fornecer elementos para a defesa dos interêsses de Portugal.
Apoiados.
No momento actual nem sequer há Ministro de Portugal em Pequim.
O Sr. Batalha de Freitas, cujos serviços são de extraordinário valor, e que tem na China uma posição excepcional de destaque entre todos os diplomatas europeus, (Apoiados) não está já na China, porque, por legítimo direito de promoção, foi para Bruxelas.
Infelizmente, não nos podemos, por isso, utilizar, agora dos seus serviços, e o que é facto é que não temos actualmente nenhum representante em Pequim. Tenho, além disso, a impressão de que o Ministro que está nomeado, desconhecendo o meio em que tem de exercer a sua acção, pouco poderá fazer.
Já os jornais portugueses, e principalmente os ingleses, dizem que em Inglaterra se estabeleceu uma corrente de transigência, permitindo resolver o problema da China pelos meios diplomáticos.
Daqueles jornais também consta que delegados vão já a caminho da China para estudar o problema das concessões. Receio bem que os portugueses se não preparem e se não ocupem do assunto senão no próprio dia em que o problema tiver de ser resolvido.
É indispensável exercer uma diplomacia de acção conjunta com a Inglaterra, a fim de podermos saber o que ela pretende resolver, o vermos assim qual o papel que deveremos tomar e a melhor maneira de procedermos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa (para explicações): - Em primeiro lugar agradeço ao Sr. Ministro das Colónias as explicações que S. Exa. deu à Câmara.
Em segundo, registo que, das afirmações de S. Exa., resulta que, até o momento presente, nenhum facto atentatório da integridade dos direitos dos portugueses no Oriente foi praticado.
Êste facto é muito importante para nós, e, em parte, tranquilizador.
Ainda, Sr. Presidente, é também interessante o ponto de vista do ilustre Ministro, chamando a atenção da Câmara para o melindre que revestem as afirmações que aqui, ou lá fora na imprensa, se possam produzir sôbre esta questão.
É certo, Sr. Presidente, mas até agora também da parte do Govêrno nenhum facto há de que, bem ou mal interpretado, possa resultar qualquer desproveito para as negociações diplomáticas possíveis.
A situação em si própria, o envio de um navio de guerra português e de um outro transporte ao Extremo Oriente, não representam senão medidas de prevenção, destinadas a estabelecer uma defesa e uma conveniente preparação para qualquer acontecimento.
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Estas declarações do ilustre Ministro, que têm êstes dois aspectos, são de registar, e gostosamente o faço.
Sr. Presidente: como o ilustre Ministro dos Estrangeiros não estava presente há pouco, quando eu falei, eu renovo agora o pedido que a S. Exa. tinha feito por intermédio do Sr. Ministro das Colónias.
Existem apreensões que me parecem legítimas sôbre a situação diplomática na China, visto que o nosso representante diplomático em Pequim não tomou ainda posse do seu cargo e, portanto, nesse País, no campo diplomático, nos falta uma peça que é essencial.
Disse há pouco, dirigindo-me ao Sr. Ministro das Colónias, que as potências várias, interessadas na China, tinham enviado ao governo de Pequim uma nota cominatória, que eu não sabia se tinha sido assinada pelo Govêrno Português.
Sr. Presidente: eu estou, convencido de que o Govêrno, e designadamente os Srs. Ministros das Colónias e dos Estrangeiros, têm seguido com todo o interêsse e passo a passo esta questão grave que, se até agora não reveste nenhuma gravidade especial para os interêsses portugueses, do uma maneira geral, é, no emtanto, uma questão grave que deve ser olhada com cuidado.
Mas, na parte que nos interessa mais - a do aspecto diplomático da questão - eu ouso chamar a atenção do Sr. Ministro dos Estrangeiros.
Ainda é uma enorme fôrça a nossa união com as outras potências que têm interêsses na China, e que estão agindo por certo.
Sr. Presidente: esto aspecto da questão é muito importante, repito, e a êle me refiro de novo, visto que há pouco não estava presente o Sr. Ministro dos Estrangeiros.
Tenho grande confiança na diligência o critério dos Srs. Ministros, mas convinha que à Câmara algumas palavras fossem ditas sôbre êste ponto, para que possamos ficar tranquilos e a opinião pública não tenha razão para alarmar-se.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Pedro Martins): - Sr. Presidente: relativamente à questão aqui versada, o meu ponto de vista é inteiramente idêntico ao do Sr. Ministro das Colónias, e acompanho-o nas considerações que S. Exa. há pouco fez nesta Câmara.
Reconheço, como os dois ilustres Deputados Srs. Ferreira da Rocha e Jaime de Sousa, que o aspecto diplomático é o ponto capital desta questão.
Já êste aspecto, portanto, tinha sido considerado no Ministério dos Estrangeiros.
A Câmara certamente não vai exigir que eu diga o que se passou aqui, e por isso, para tranquilidade dela, bastará que eu diga que o caso não tem sido, nem será, esquecido pelo Ministro dos Estrangeiros.
O Govêrno procurará tomar todas as providências no sentido de se evitarem os defeitos aqui apontados pelos dois ilustres Deputados que acabam de usar da palavra, relativamente à nossa situação neste ou noutros conflitos semelhantes.
Temos, com efeito, de estar ali bem presentes, e a nossa presença ser assegurada por alguém que bem garanta os nossos interêsses o possa, portanto, prevenir na medida do possível quaisquer eventualidades ou inconvenientes.
É isto o que tenho agora a dizer à Câmara.
Quanto à não estada do Sr. Batalha de Freitas em Pequim, não me cabe a menor responsabilidade no caso.
Quando assumi a pasta dos Estrangeiros., encontrei-o transferido para Bruxelas-
Mas o Sr. Ministro dos Estrangeiros que, repito, considera como ponto capital o aspecto diplomático da questão, envidará todos os esfôrços possíveis no sentido mais conveniente para os altos interêsses nacionais.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Em vista da deliberação da Câmara, vou pôr em discussão o parecer referente aos revolucionários civis.
O Sr. António Correia (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: pedia a
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V. Exa. para me informar se a votação relativa a êsse parecer se fez com prejuízo ou sem prejuízo dos inscritos.
O Sr. Presidente: - Corri prejuízo.
O Orador: - Pois contra isso lavro mais uma vez o meu protesto!
Não pode ser!
Sussurro.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente : estava eu agora, pela muita amabilidade do Sr. secretário da Câmara, a começar a ler a proposta dos duodécimos apresentada pelo Govêrno ao Parlamento, sem que nenhum de nós possa saber o que ela é, quando V. Exa. anunciou que íamos discutir um daqueles assuntos para que foi prorrogada a sessão parlamentar.
O Sr. Cancela de Abreu (em àparte): - É o duodécimo milionésimo revolucionário civil!
O Orador: - São dois revolucionários e uma revolucionária.
Risos.
Não sei se o Sr. Presidente do Ministério também já teria incluído na proposta dos duodécimos o aumento de despesa resultante da aprovação dêste projecto.
Os homens de ordem, os homens que aqui clamam constantemente contra as revoluções, continuam a querer liar categoria oficial à qualidade de revolucionário civil, e até à qualidade de revolucionária civil.
Não conheço as pessoas de quem trata êste projecto, não sei mesmo quantos antigos correligionários meus, daqueles que com mais amor defendiam a monarquia, serão hoje revolucionários civis, como tendo contribuído para a implantação da República; sei apenas que qualquer regime que eu apoiasse não teria nunca a instituição oficialmente reconhecida de revolucionários civis.
Nós constatamos neste projecto incluídos os nomes de pessoas pacatíssimas, consideradas como revolucionários civis.
O Sr. Sá Pereira: - As pessoas abrangidas por êste projecto são todas, de facto, revolucionários civis.
O Orador: - O Sr. Sá Pereira, que nunca quis servir-se da qualidade de revolucionário civil, ainda há dias se indignava contra os criminosos, como S. Exa. lhes chamava, que tinham ido fazer a revolução de 18 de Abril.
O Sr. Sá Pereira: - Êsses não são revolucionários; são reaccionários!
O Orador: - O Sr. Sá Pereira é também revolucionário; mas só todos os revolucionários fossem como S. Exa., nunca chegava a haver um tiro.
Sr. Presidente: o Parlamento não resolve a questão dos tabacos, não discute os Orçamentos, não discute as reclamações que lhe são apresentadas. Não.
Os sentimentos democráticos do Parlamento vão todos para êste projecto, que é mais um a acrescentar ao monte enorme deles da mesma natureza que aqui têm sido votados.
Sr. Presidente: êste parecer que vem,. repito, impedir a discussão de pareceres que estão incluídos no período de "antes da ordem do dia" e que representam reclamações justificadíssimas de interêsses prejudicados de classes com aspirações justíssimas, demonstra a todos aqueles que vêem atacados os seus interêsses legítimos que nesta República, que neste Parlamento, há só uma qualidade para se impor: a de ser republicano. E partindo dêste princípio nós temos de admitir que aqueles, - o que aliás é um facto dentro da República - que vão para uma revolução, não vão para defender princípios e pugnar por um regime de Igualdade e Liberdade, mas para poderem ser donos desta roça que é o País, podendo explorá-lo à vontade sem darem satisfações a ninguém, porque ser revolucionário, dá todos os direitos e categorias; e desconfio que muitos revolucionários civis, aprovados pelo Parlamento, nem sabem o sítio exacto onde se deu a revolução...
O Sr. Brito Camacho: - Um indivíduo conheço eu que é revolucionário civil e que tinha 12 anos de idade em 5 de Outubro.
Risos.
O Orador: - E há mais casos semelhantes.
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O Sr. Presidente: - Previno V. Exa. de que deu a hora de se passar à ordem do dia.
O Orador: - Então V. Exa. reserva-me a palavra.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Está em discussão a acta.
É aprovada a acta.
O Sr. Alberto Jordão (para interrogar a mesa): - Sr. Presidente: peço a V. Exa. a fineza de me informar se o Sr. Ministro do Interior já autorizou a minha pessoa,, na qualidade de Deputado, a ir consultar ao seu Ministério o processo de sindicância que foi ordenada ao comissário de polícia cívica de Évora.
O Sr. Presidente: - Segundo comunicação recebida hoje, está V. Exa. autorizado a examinar o processo.
O Orador: - Muito obrigado pela informação.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
ORDEM DO DIA
Discussão da proposta de lei relativa aos duodécimos
É lida na Mesa.
É a seguinte:
Senhores Deputados. - Não tendo ainda sido votadas as propostas orçamentais para o ano económico de 1925-1926, cuja apresentação ao Parlamento foi feita dentro do prazo fixado na Constituição Política da República Portuguesa;
Considerando que o Govêrno carece das autorizações necessárias para proceder à cobrança dos rendimentos do Estado relativos ao ano económico de 1925-1926 e bem assim para efectuar o pagamento das despesas dos serviços públicos respeitantes ao mesmo ano:
Tenho a honra de submeter à ilustrada apreciação desta Câmara a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° A cobrança dos rendimentos do Estado continuará a efectuar-se no ano económico de 1925-1926 nos termos das disposições legais vigentes.
Art. 2.° E o Govêrno autorizado a executar durante os meses de Julho a Dezembro de 1925, de conformidade com os preceitos legais vigentes, a proposta orçamental das despesas dos diversos Ministérios para o ano económico de 1925-1926, com as alterações que nela devam ser introduzidas em harmonia com as leis e decretos publicados posteriormente à sua apresentação ao Congresso da República.
§ 1.° A verba inscrita no capítulo 1.°, artigo 8.°, da proposta orçamental do Ministério das Finanças, sob a rubrica de "Dívida flutuante - Comissões, corretagens, selos estrangeiros, seguros de valores, etc.", passa a descrever-se sob a seguinte: "Comissões, corretagens, selos estrangeiros, seguros de valores, aquisição de papel para bilhetes do Tesouro, cheques e livros, bem como a sua estampagem, impressão e encadernação e outras despesas diversas, compreendendo as de inquéritos administrativos e policiais, resultantes da dívida flutuante".
§ 2.° Das receitas mensais do cofre de emolumentos do quadro interno das alfândegas, depois de pagas todas as despesas do mesmo cofre, serão deduzidos, durante dois anos, 25 por cento, que constituirão um fundo especial aplicável à construção de edifícios destinados ao serviço interno e do pescado, a reparações nos edifícios já existentes e à aquisição e reparação de mobiliários, embarcações, material e aparelhos para descarga, verificações e outros serviços fora o dentro das casas aduaneiras. Êste fundo será administrado por uma comissão composta do chefe da 2.ª Repartição da Direcção Geral das Alfândegas, que servirá de presidente, do Director da Alfândega de Lisboa, do chefe da 3.a Repartição da mesma Alfândega, do engenheiro auxiliar que presta serviços nessa casa fiscal e de um funcionário do quadro interno aduaneiro, que servirá, de secretário, a qual prestará, directamente, contas da aplicação dêsse fundo ao Conselho Superior de Finanças.
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§ 3.° São restituídos ao seu pleno vigor o n.° 6.° do artigo 34.° da lei de 9 de Setembro de 1908 e a alínea b) do artigo 3.° da lei de 29 de Abril de 1913, que permitem ao Govêrno a abertura de créditos especiais, respectivamente para a restituição de rendimentos indevidamente cobrados e desposas com impressos fornecidos pela Imprensa Nacional.
Art. 3.° Os serviços autónomos constantes do mapa anexo à presente proposta de lei, e que dela faz parte integrante, aplicarão, em conformidade com os preceitos legais vigentes e durante o período fixado no artigo anterior, as suas receitas próprias ao pagamento das respectivas despesas, cujos quantitativos totais são os descritos no referido mapa.
Art. 4.° E o Govêrno autorizado a inscrever no orçamento do Ministério das Finanças em vigor no ano económico de 1924-1925 a verba necessária para pagamento da despesa resultante da aquisição, em Londres, de cédulas de $10, em conformidade com o disposto no artigo 3.° do decreto n.° 10:687, de 11 de Abril de 1925.
Art. 5.° É o Poder Executivo autorizado a regularizar todas as despesas da " Agência Financial no Rio de Janeiro, não escrituradas por insuficiência de dotações orçamentais relativas a pessoal e material e liquidadas, ou a liquidar, até 30 de Junho de 1925, abrindo, com as formalidades legais, o crédito que fôr necessário, em face das contas devidamente documentadas a apresentar pela Direcção Geral da Fazenda Pública a fim de satisfazer as mesmas despesas.
§ único. O crédito a que se refere êste artigo deverá ser inscrito na proposta orçamental do Ministério das Finanças para o corrente ano económico, no capítulo e artigo destinado a anos económicos findos, discriminando-se a despesa em relação aos anos económicos a que disser respeito.
Art. 6.° Fica o Poder Executivo autorizado a reforçar, com as formalidades legais, a verba de 4:000.000$, inscrita na proposta orçamental do Ministério das Finanças para o ano económico de 1925-1926, no capítulo 6.°, artigo 29.°-A, para pagamento das importâncias a aplicar nos termos da parte final do artigo 1.° do decreto n.° 9:649, de 7 de Maio de 1924, com a quantia necessária para elevar essa verba a 10:000.000$.
Art. 7.° Continua em vigor no ano económico de 1925-1926 e em relação às despesas excepcionais resultantes da guerra anteriores ao ano económico de 1924-1925, e de que já haja conhecimento na 2.a Repartição da Direcção Geral da Contabilidade Pública, o disposto no artigo 3.° da lei n.° 1:663, de 30 de Agosto de 1924, devendo a despesa efectuar-se em conta do primeiro dos referidos anos económicos, sendo, porém, classificada em relação ao ano económico a que pertencer e escriturada em rubrica especial da despesa extraordinária do aludido ano de 1925-1926 - "Despesas excepcionais resultantes da guerra respeitantes á anos económicos findos".
Art. 8.° É tornado extensivo à verba de 6.000$, inscrita nos termos do -decreto n.° 4:233, na proposta orçamental do Ministério das Finanças para o ano económico de 1925-1926, no capítulo 2.°, artigo 13.°, "Abonos variáveis", o disposto no artigo 26.° da lei n.° 1:452, de 20 de Julho de 1923, podendo participar da mesma verba todo o pessoal superior que presta serviço junto do Presidente da República.
Art. 9.° Continua em vigor no ano económico de 1925-1926 o disposto no artigo 3.° da lei n.° 1:376, de 6 de Setembro de 1922, novamente publicada em 14 de Março de 1923.
Art. 10.° É o Govêrno autorizado a entregar à Direcção Geral dos Hospitais Civis de Lisboa a importância de 1:883.966$11, correspondente ao excesso de despesas verificado no ano económico de 1923-1924, abrindo para êsse efeito com as devidas formalidades o respectivo crédito especial.
Art. 11.° Fica elevada a 180.000$! a verba de 120.000$, descrita no capítulo 21.°, artigo 93.°, da proposta orçamental do Ministério das Finanças para o ano económico de 1925-1926 e destinada a pagamento a empreiteiros e retribuição ao pessoal da Direcção Geral de Estatística e de qualquer outro quadro que coadjuvar o serviço estatístico.
Art. 12.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados. - Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
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Mapa da receita e despesa dos serviços autónomos para o ano económico de 1925-1926 a que se refere a proposta de lei desta data
Receita
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Sala das Sessões da Câmara dos Deputados. - Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
O Sr. Morais Carvalho: - Sr. Presidente: depois dos protestos veementes e da declaração formal do Sr. Vitorino Guimarães, a quando da discussão da última proposta de lei de duodécimos, de que era inteiramente contrário a êste sistema de se fixarem as receitas e as despesas do Estado, é com verdadeira surpresa que nós assistimos à discussão de uma proposta de lei de duodécimos, apresentada pelo mesmo Sr. Vitorino Guimarães.
E não se trata apenas do pedido de um duodécimo, referente ao mês de Julho, primeiro do futuro ano económico; trata-se nada mais, nada menos, de um pedido de seis duodécimos.
Isto é, o Sr. Vitorino Guimarães pretende que o Parlamento faça fé pela proposta ministerial, em que se fixam as despesas e receitas públicas durante seis meses.
E, para cúmulo, a proposta trazida ontem à Câmara é uma proposta complexa, porque nela, além do pedido de duodécimos, só enxertam várias outras cousas como daqui a pouco demonstrarei, e não se dá aos Deputados tempo algum para a estudar; nem sequer houve a trivial atenção de a mandar publicar no Diário do Govêrno ou, pelo menos, de a fazer sair na imprensa de Lisboa, para que os Deputados, com vagar e em casa, pudessem tomar conhecimento de uma proposta tam vasta, que o Sr. secretário, lendo-a com
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a maior velocidade do que costuma ler a lista de presença dos Srs. Deputados, levou, meia hora.
Sr. Presidente: quere esta proposta dizer que vamos continuar durante mais um ano no regime de contas atabalhoado, ou melhor dizendo, num regime sem contas, em que a República tem vivido nos dois últimos anos económicos.
Assim, o Orçamento Geral do Estado, que devia ser a principal preocupação do Parlamento e para cuja aprovação os Governos, servindo-se da sua maioria, deveriam pedir ao Parlamento todo o cuidado, é pôsto mais uma vez de banda, e agora já nem se está com ficeles: é claramente que o Sr. Presidente do Ministério nqs vem dizer que dispensa para o futuro ano económico a colaboração do Parlamento, visto que é de uma assentada que pretende arrancar-lhe a votação de seis duodécimos.
Mas a proposta em discussão não se limita a um pedido de duodécimos, até Dezembro; enxertam-se nela, como há pouco disse, várias outras cousas e entre elas algumas de gravidade.
Assim, por exemplo, a célebre exposição do Rio de Janeiro, célebre pelos desmandos nela praticados e pelos desperdícios de dinheiro que lá se fizeram, tendo já dado azo a chamar sôbre si por mais de uma vez a atenção do Parlamento, é metida na proposta de lei.
Contudo, já várias vezes se votaram créditos especiais de milhares de contos para acrescenter a verba primitivamente fixada para as despesas a fazer com a exposição portugueza na capital do Brasil.
Apoiados.
Pois, Sr. Presidente, todos êsses créditos extraordinários de muitos milhares de contos parece que ainda não chegaram, porque vem agora o Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças incluir nesta proposta de duodécimos, que eu mal tive tempo para ler, um artigo, o 5.°, que há-de ficar célebre.
Artigo 5.°, no qual se pede um crédito para liquidar todas as despesas ainda não pagas da exposição do Rio de Janeiro!
E o que é mais, é que há o arrojo de não dizer qual o quantitativo dêsse crédito!
De modo que, se a proposta passasse, o Parlamento faria, votando-a, com que fossem aprovados créditos indefinidos, sem limite de espécie alguma, que podem ir até onde quiserem.
Veja V. Exa. como à sombra de um pedido de duodécimos, pedido que feito com tal amplitude nada tem de inocente, nos encontramos com novos pedidos, novas propostas absolutamente inadmissíveis!
Apoiados.
O artigo 5.°, a que me estou referindo, diz:
Leu.
O que é certo é que o crédito do artigo 5.°, não tem limitação de espécie alguma.
Como é também interessante o referente à construção de edifícios públicos.
Para administração dêste fundo, cria-se uma comissão especial, composta de vários funcionários.
Veja V. Exa. como uma proposta de duodécimos serve também para isto; serve para tudo.
Apoiados.
Serve para criar fundos especiais, destinados à reparação de edifícios, e também serve para constituição de uma comissão especial destinada à administração dêsses fundos.
O Sr. Cunha Leal: - Não é uma proposta, é um testamento; não se sabe se do Parlamento, se do Govêrno.
O Orador: - Tem V. Exa. razão.
Creio porém que se não podem levantar dúvidas acerca de quem é o testamento.
Se o Parlamento aprovar esta proposta de duodécimos, o testamento é do Parlamento, porque o Parlamento que sancionasse uma proposta desta natureza, um Parlamento que tal fizesse, lavraria por suas próprias mãos a sua sentença de morte.
Se o Parlamento declinasse no Poder Executivo, com a aprovação dêste, a faculdade de poder fazer as despesas e criar as receitas durante metade do ano económico, se tal fizesse não teria direito a existir: proclamava a inanidade da própria função parlamentar.
O Sr. Brito Camacho: - E não dava novidade a ninguém.
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O Orador: - O Sr. Brito Camacho entende que o Parlamento decretaria a sua própria morte, e declarando que não tinha direito a existir, parece-me que, ao contrário do que poderia supor-se, se manifesta assim contrário à função parlamentar.
O Sr. Brito Camacho: - Um Parlamento... supunha que V. Exa. se referia a êste.
Não dava novidade a ninguém êste Parlamento proclamando a sua inanidade.
O Orador: - Nesta proposta de duodécimos encontra-se também uma autorização ao Govêrno pára inclusão no orçamento do Ministério da Justiça, no ano económico de 1924-1925, o que consta da mesma proposta.
Parece-me que seria esta a ocasião azada para que o Sr. Ministro das Finanças nos esclarecesse sôbre quais foram os resultados da aquisição dos novos maquinismos para a Casa da Moeda, no valor de muitos milhares de contos, certamente, para a cunhagem da moeda divisionária de tostão e dois tostões.
Lembro-me que numa das propostas de duodécimos, suponho que proposta trazida o ano passado à Câmara pelo Sr. Álvaro de Castro, se incluiu um reforço de verba de 4:000 ou 6:000 contos - êles são tantos milhares de contos que não posso ter de cor a verba - para a aquisição dêstes maquinismos para a Casa da Moeda para a fabricação da moeda divisionária para o País.
Desde que pela proposta actual o Sr. Ministro das Finanças vêm pedir a abertura de um crédito extraordinário para fazer face às despesas com as cédulas de $10 e $20, estampadas ultimamente em Londres, eu pregunto se os milhares de contos gastos com os maquinismos da Casa da Moeda não serviram para nada; se isso foi dinheiro deitado à rua; se os maquinismos que houve intenção de adquirir não foram, de facto, adquiridos e, se o foram, por que não funcionam; porque é que ainda hoje não existem as moedas que o Govêrno do Sr. Álvaro de Castro previu que podiam ser lançadas no mercado ainda no ano passado.
Parece-me que o Sr. Ministro das Finanças não quererá deixar passar esta ocasião sem explicar à Câmara o que é feito dêsses maquinismos; qual foi o dinheiro que, realmente, neles se empregou; quando é que as moedas que êsses maquinismos eram destinados a cunhar poderão ser lançadas no mercado ou se todo êsse dinheiro foi perdido e se a Casa da Moeda continua, infelizmente, na impossibilidade de cunhar aquela moeda de que o País carece.
Sr. Presidente: se eu não estivesse já habituado a presencear a resignação com que êste Parlamento se dispõe a aprovar todas as propostas por mais extraordinárias que sejam, por mais que elas signifiquem a anulação da própria função parlamentar, eu diria que o Sr. Vitorino Guimarães, vindo trazer a esta Câmara o pedido de um presente de seis duodécimos, não tinha feito senão procurar a maneira de cair perante o Parlamento; que S. Exa., trazendo êste pedido aqui, e pondo-o perante a Câmara nas condições em que ontem o pôs, condições de absoluta intransigência, fazendo dele questão fechada, procurava deitar-se abaixo; que S. Exa., certo de que o Parlamento não poderia aprovar uma proposta desta natureza, ia assim de encontro a uma demissão que no fundo ambicionava.
Mas, Sr. Presidente, como, infelizmente, o Parlamento - e eu direi êste Parlamento, para ser agradável ao Sr. Brito Camacho - já tem dado provas da sua insensibilidade quando os Governos assim invadem a sua esfera de acção, eu direi que é possível que acabe por ser aprovada a proposta de seis duodécimos aqui trazida pelo Sr. Vitorino Guimarães, por mais extraordinária, por mais latitudinária, por mais - permita-me S. Exa. que o diga - por mais revolucionária que essa proposta seja adentro de um estado constitucional e de um sistema parlamentar.
Sr. Presidente: quando comecei a usar da palavra tive ocasião de dizer a V. Exa. que da proposta em discussão apenas pudera fazer uma leitura muito rápida.
Tem essa proposta, além da discussão na generalidade, discussão na especialidade.
Conto intervir nessa discussão e então, fazendo uma leitura mais atenta de cada um dos artigos contidos na proposta, fazendo o exame dos artigos de lei em alguns deles invocados, porque êsse exa-
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me não o pude fazer na rapidez com que olhei para a proposta, eu então, na discussão na especialidade, terei por certo ainda ensejo de chamar a atenção do Parlamento - se é que vale a pena - para outros pedidos, a meu ver também infundamentados, que se contêm na proposta do Sr. Ministro das Finanças.
E, por agora, tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os Srs. Cunha Leal e Brito Camacho não fizeram a revisão dos seus "àpartes".
O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: eu deveria, também, começar por estranhar que, depois de levantado o debate a propósito dos 240:000 francos desaparecidos em Paris, além de outros francos desaparecidos anteriormente por virtude de facturas falsas, o Govêrno quisesse que se discutisse qualquer outro assunto antes de esclarecido êste.
Mas, eu não quero ser mais papista de que o Papa, e a mim ensinaram-me que ninguém pode ser mais zeloso da dignidade alheia do que da própria devem ser as pessoas que porventura a sintam atacada.
O Govêrno não sentiu a necessidade de, embora venha a provar-se completamente a inocência do adido militar português em Paris, esclarecer a posição política dêsse adido militar que, por acaso, se encontra sendo Ministro do Interior, e nós não temos mais nada que acrescentar a êsse respeito.
Fazemos o País juiz desta questão. O País que se pronuncie a êste respeito...
Uma voz: - Apoiado!
O Orador: - ... e que, emfim, com o apoio de todas as pessoas que entenderem que o devem apoiar, o Govêrno diga se acha natural que uma outra questão que diz respeito à vida do mesmo Govêrno se enxerte no meio desta.
A proposta do Sr. Presidente do Ministério é de qualquer forma uma bofetada dada no Parlamento.
Apoiados.
O Sr. Presidente do Ministério, em certa altura, veio pedir que os trabalhos
parlamentares fossem prorrogados pelo espaço de mais trinta dias, terminando a prorrogação no dia 15 de Julho.
O dia de hoje é o dia 25 de Junho e, portanto, restam ainda vinte dias de trabalhos parlamentares, ou sejam dois terços do tempo que o Sr. Presidente do Ministério declarou ser necessário para se discutir, em primeiro lugar, todo o Orçamento e, em segundo lugar, variadíssimas propostas que estão pendentes, todas elas merecendo, naturalmente, uma larga discussão, bastando citar, para todos nos convencermos disto, a proposta relativa ao fundo de maneio do Banco de Portugal e a proposta sôbre as estradas.
Ninguém humanamente pode supor que dez dias seriam o bastante para discutir estas duas proposta, nem o Sr. Presidente do Ministério tem o direito de supor que até o dia 15 sejam aprovadas as propostas orçamentais, a não ser que o Govêrno tenha armado orna cilada ao Parlamento, levando-o a votar uma prorrogação para efeito de discutir o que de todo era impossível discutir, para ter sôbre o Parlamento a fácil empresa de declarar que não lhe dera sanção às suas medidas.
A prorrogação, nos termos em que foi feita, foi um acto de traição política. Mas nós, que conhecemos os intuitos do Govêrno, estamos dispostos a votar uma prorrogação só para discutir o Orçamento sem que se possa discutir outro assunto. Não podemos dar mais do que isto!
Esta proposta dos duodécimos não visa outra cousa senão a de fazer um testamento parlamentar.
Está vago o lugar de director geral do Banco de Portugal, e então porque não não há-de o Govêrno fazer um testamento que faça a felicidade de uma família privilegiada?
Faça-o; mas não leve o Parlamento a abdicar das suas prerrogativas.
Então o Govêrno, que tem tido fôrça para tantas cousas, não tem fôrça para impor a ordem nos trabalhos parlamentares?
O que se pretende é armar uma cilada, e mais nada.
O que o Govêrno quis foi arranjar um pretexto para nos arrancar a aprovação de seis duodécimos para depois encerrar o Parlamento e, à vontade, poder exer-
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cer toda a casta de violências e de vexames.
Não, Sr. Presidente, nós não aceitamos a questão nestes termos.
Apoiados.
Votamos apenas um duodécimo por ser completamente impossível votar o Orçamento antes do fim do mês.
Aqueles que, como eu, já sabem o que é a mão pesada de certas pessoas que têm mais facilidade em mandar prender um Cunha Leal sem culpas do que um Almeida Pinheiro gatuno, não podemos ir armar o Govêrno de poderes descricionários para que amanhã, fechado o Parlamento e amordaçada a imprensa, qualquer pequeno galo possa armar em galo pimpão e fazer "có-có-ró-có".
Mais de um duodécimo não damos. Peçam se quiserem, antes do dia 15, a prorrogação da sessão para discutir o Orçamento e instem todos os dias pela sua dicussão.
Antigamente; quando os Governos queriam o Orçamento aprovado pediam a prorrogação dos trabalhos parlamentares e a prorrogação das sessões até que êle se votasse.
Hoje não os Governos levantam-se irados quando os Deputados podem a prorrogação das sessões.
E porquê? Porque o que êles querem, a sua suprema aspiração, é ver o Parlamento fechado.
Nestes termos, as oposições ficam absolutamente inibidas de exercer a sua função fiscalizadora, porque antecipadamente toda a acção dos Governos é conduzida exactamente no sentido de evitar essa fiscalização.
Sr. Presidente: a minoria nacionalista vota, repito, apenas um duodécimo, mas está disposta a votar as prorrogações necessárias para que o Orçamento fique votado.
Pedir-lhe mais do que isso é exigir-lhe que abdique do seu direito de defender aqui as liberdades públicas, e a sua obrigação é defendê-las.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando restituir nestas condições as notas taguigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Tavares Ferreira: - Sr. Presidente: a proposta que o Sr. Ministro das Finanças submeteu à apreciação da Câmara, contém uma disposição que diz:
Leu.
Ora eu desejo chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças para o assunto de que me vou ocupar, e que se prende com as alterações a introduzir na proposta orçamental.
Quero referir-me ao decreto n.° 10:776, publicado ao abrigo dama autorização.
Não sei por que verba S. Exa. pretende pagar as despesas resultantes da aplicação dêste decreto.
Pelas verbas das despesas gerais do Ministério, ou pela verba do fundo nacional de instrução?
O fundo nacional de instrução só pode ser aplicável ao pagamento de vencimentos aos professores e não é êsse o caso.
Mas antes de mais nada eu reputo êste decreto absolutamente inconstitucional.
A lei n.° 1:648, que se invocou para publicar êste decreto, diz no seu artigo 1.°:
Leu.
A que visava esta autorização?
A dar ao Poder Executivo os necessários poderes para reduzir despesas de que resultasse uma economia imediata para o Tesouro. O objectivo principal era aproximarmo-nos do equilíbrio orçamental.
A prova disso está no facto de se dizer na proposta de lei que a autorização era válida apenas até o fim do actual ano económico.
O Parlamento delegou no Poder Executivo a faculdade de suprimir lugares a fim de se reduzirem despesas. Não autorizou a criação de novos lugares e muito menos ainda a fixação de vencimentos.
Por êste decreto foram criados novos lugares, sem que para isso estivesse autorizado o Poder Executivo.
Nas escolas primárias superiores suprimiram-se alguns lugares cujos vencimentos são em média de 840$; mas paralelamente criaram-se os lugares de chefes de secretaria com o vencimento de primeiro oficial, 1.080$. Houve, pois, alteração de vencimentos.
Não me parece que o Executivo tivesse autorização para isso.
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A autorização era apenas para reduzir lugares.
Perante a autorização dada não podia ser publicado um tal decreto. Êle é, portanto, inconstitucional.
Mas ainda mesmo que não tivessem sido criados novos lugares e fixados vencimentos, Bestaria o decreto dentro da autorização dada?
Não estava!
Só o estaria se da sua execução resultasse uma economia imediata.
Mas isso, porém, não sucede.
Como os adidos continuam recebendo vencimento, não há economia imediata.
É uma economia para o futuro.
A única economia imediata é somente a que resulta da supressão das gratificações aos secretários das juntas escolares, na importância de 90.632$.
As despesas imediatas são:
Leu.
Suprimiram-se 26 lugares de amanuenses, mas pelos novos serviços criaram--se 36.
Há uma diferença, para mais, de 10,
Diz-se - chamo a atenção do Sr. Ministro das Finanças - que para êsses 10 lugares vão buscar-se adidos de outros serviços.
Se há adidos de outros serviços resultantes das economias neles feitas, evidente que nesses adidos não podemos tocar para encher lugares novos, porque então essa economia desaparece.
Considero portanto como despesa imediata êstes 10 novos funcionários.
Já ouvi falar em que se poderiam ir buscar amanuenses das administrações de concelho.
Como?
Se o próprio Govêrno está fazendo nomeações de novos amanuenses de administrações de concelho, é porque os não tem adidos.
Mas mesmo que os aproveitassem, só adviria economia para as Câmaras Municipais, visto que por estas são pagos, excepto na parte das melhorias que são a cargo do Estado.
Mas admitindo que não há essa desposa, temos a diferença de vencimento dos chefes das secretarias que constitui uma nova despesa que deve orçar por uns 47:000$.
Há, pois, uma economia imediata, mas um agravamento das despesas porque a nomeação dos 10 amanuenses a que me refiro corresponde a nomeações novas.
E melhorarão acaso os serviços com esta nova reorganização?
Oh, Sr. Presidente, basta ler alguns números para se ver que assim não é.
Todas as secretarias ficam com igual número de chefes.
O número de amanuenses é que varia.
Basta olhar para o pessoal que as constitui para se verificar que é impossível fazer êstes serviços com tam reduzido número de funcionários.
Assim, por exemplo, Aveiro, que tem 406 escolas e 406 professores, tem l chefe de secretaria e 2 amanuenses; Bragança, que tem 402 escolas, isto é, quási um número igual a Aveiro, fica com l amanuense. Veja V. Exa. que disparidades.
Temos, por exemplo, Lisboa com 447 escolas e 765 professores, fica com 1 chefe de secretaria e 6 amanuenses.
Não digo que êste número seja demasiado, mas tomo isto como base para demonstrar que os outros não chegam para o serviço.
Vamos ao Pôrto. Tem 703 escolas e 887 professores, isto é, muito mais que o distrito de Lisboa; fica com 4 amanuenses. Vila Real, que tem 494 escolas e 502 professores, fica com 1 amanuense.
Eu pregunto se em face dêstes números é possível executar os serviços de instrução primária como deve ser. É absolutamente impossível. E, disto que resulta?
Que os serviços ficam desorganizados e em breve se reconhecerá a necessidade de nomear mais pessoal.
E o que sucede com o pessoal de secretaria sucede com as inspecções escolares a que se refere também o decreto.
Estando a parte da fiscalização do ensino dentro das autorizações, poder-se-ia hoje deminuir o número de inspectores para que aqueles que ficassem fizessem o maior número de inspecções.
Na parte que diz respeito à fiscalização do ensino não me quero alongar mais, reservando me para ocasião oportuna. O que quero é chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças para esta parte das secretarias.
Se estivesse presente o Sr. Ministro
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da Instrução desenvolveria mais as considerações que tenho a fazer e talvez propusesse a revogação pura e simples do decreto que reputo inconstitucional.
Neste decreto que estou discutindo o artigo 18.° diz o seguinte:
Leu.
Quere dizer: é o próprio Poder Executivo a alterar as restrições que o Poder Legislativo lhe impôs. Se esta doutrina pudesse ser aceita como boa era melhor revogar a lei.
Visto não estar presente o Sr. Ministro da Instrução, e, como não quero deitar abaixo essa reforma que se diz vem salvar o ensino, no momento próprio apresentarei um artigo para que ao menos se ponha somente em vigor quando tenhamos todas as secretarias devidamente instaladas.
O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: quando há pouco mais de dois meses houve uma sessão nocturna nesta casa do Parlamento, em que se tratou da questão das estradas, o Sr. Presidente do Ministério tomou o compromisso para com a Câmara dos Deputados de trazer aqui uma proposta sôbre estradas, e explicar ao País a situação financeira em que se encontra.
Agora o Sr. Presidente do Ministério apresentou uma proposta que vai impedir a discussão do Orçamento. O Govêrno não quere que se discuta o Orçamento!
As oposições parlamentares não têm culpa da compra dos trabalhos parlamentares.
O Sr. Presidente do Ministério votou aqui como Deputado que se discutisse a questão de Macau com a largueza que todos vemos.
O Sr. Presidente do Ministério não se importa com o Parlamento, o que o preocupa é o congresso do Partido Democrático, só a êle tem que dar contas.
Só pensa que os representantes da Nação estão no Liceu Camões e na Travessa de Água de Flor.
O Sr. Presidente do Ministério coloca-se entre o Sr. António Maria da Silva e o Sr. José Domingues dos Santos, e por forma a que êle, colocando-se no meio dos dois, se ampare ora a um ora a outro, quando um dêstes seus amigos e correligionários pensa em deitar o Govêrno a terra. E o Sr. Vitorino Guimarães singra politicamente como chefe do Partido Democrático, que hoje é, de facto. O Sr. António Maria da Silva e o Sr. José Domingues dos Santos vivem numa ilusão, julgando que os seus amigos dentro do Partido Democrático os servem a êles. A quem êles servem é ao Sr. Vitorino Guimarães.
S. Exa. quere fazer as eleições e toda a sua preocupação se resume em fazê-las.
Quem diria, Sr. Presidente, que o Sr. Vitorino Guimarães havia de vencer as habilidades do Sr. António Maria da Silva e aquela corrente esquerdista, como é moda chamar-se ao Sr. José Domingues dos Santos!
O que o Sr. Vitorino Guimarães pretende é fechar o Parlamento. E nem S. Exa. tem pretendido outra cousa desde que tomou conta da Presidência do Govêrno.
O que S. Exa. quere é que o Parlamento não faça nada para que êle possa fazer as eleições, e, então, vem ao Parlamento e apresenta-lhe uma proposta a que chama de duodécimos.
Também se podia chamar à proposta orçamental uma proposta de 12 duodécimos. O Sr. Vitorino Guimarães apresenta só seis, por modéstia.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (interrompendo): - E um meio orçamento...
O Orador: - Em todo o caso é o suficiente para que o Parlamento possa fechar as suas portas, e para que S. Exa. possa fazer as eleições.
E, nesta matéria, o Sr. Vitorino Guimarães está já a mostrar os seus sentimentos liberais, tendo escolhido para seu colaborador, na pasta do Interior, o Sr. Vitorino Godinho. que deve ser combatido pelos amigos do Sr. José Domingues dos Santos, porque êles são contra os monopólios e S. Exa. é um monopolizador de empregos chorudos para si e para a sua família.
O Sr. Vitorino Godinho, que por êste facto não pode ser esquerdista, já não podia nem devia ser Ministro nem Deputado, porque S. Exa., já nesta legislatura, foi nomeado director geral da Estatística, o que é contra a Constituição.
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Mas, contudo, o Sr. Vitorino Grodinho, depois de ter feito pelo País aquele sacrifício de ser adido militar em Paris, com larga remuneração paga em ouro, continua a ser director geral da Estatística, Deputado e Ministro, e agora, vai para a Companhia Portuguesa, sem se preocupar com o facto de a Constituição lhe não permitir tal cousa!
A condição fundamental para que possa existir moralidade administrativa é haver orçamentos aprovados.
Quere dizer, o Govêrno fica autorizado a gastar como quiser e o que quiser.
É bom que o País saiba que se a maioria votar êstes duodécimos é porque também não querem saber do estado das contas do País.
Também demonstrarão que não querem saber do estado das estradas.
Todos os discursos aqui feitos são poeira lançada aos olhos do País.
A questão dos tabacos, como já tantas vezes tenho dito, é indispensável que seja resolvida para não chegarmos à situação, e agravada, da questão dos fósforos.
Também o Sr. Presidente do Ministério não quere saber dessas bagatelas.
Diz o Sr. Presidente do Ministério que o déficit está reduzido e que para o ano fica eliminado.
Vamos ver isso.
Mas não se toma em conta o prejuízo resultante do fundo de maneio.
O Sr. Presidente do Ministério ainda não nos disse de quanto êle era e por isso insisto com S. Exa. para que no-lo diga.
Êle não é decerto inferior a 150:000 contos.
Pois, Sr. Presidente, assim nos aparece agora é Sr. Presidente do Ministério, levado pela vontade de vencer os Srs. António Maria da Silva e José Domingues dos Santos.
E nestas condições que S. Exa., com um déficit orçamental de 800:000 contos Ou mais, vem basear-se numa proposta orçamental em que, apenas para lançar-se poeira nos olhos do País, se diz que êsse déficit é só de 63:000 contos.
Isto, Sr. Presidente, é o cúmulo da troça, o deprêzo mais completo pelo País e pelo Parlamento.
Se o Parlamento permitir que o Sr. Presidente do Ministério leve de vencida esta proposta; terá demonstrado da maneira mais terminante e categórica que de nenhuma forma quere atender aos interêsses nacionais. Mas há mais ainda. Se nós olharmos para várias verbas incluídas na proposta orçamental, como, por exemplo, a que diz respeito aos encargos da dívida flutuante, temos de concluir que o Estado, no regime de calote em que tem vivido, tem fatalmente lançado mão do recurso do grande alargamento dessa dívida por meio de bilhetes do Tesouro, como única maneira de dar satisfação aos credores. Mas o que é certo é que êsses bilhetes do Tesouro vencem juro e o espantoso aumento da dívida flutuante por bilhetes do Tesouro há-de trazer forçosamente ao Estado um aumento de encargos muito considerável que não figura na proposta orçamental.
A proposta relativa ao fundo de maneio, apresentada pelo Sr. Presidente do Ministério, demonstra que a verba respeitante aos encargos resultantes da convenção de 29 de Abril de 1918 com o Banco de Portugal está muito reduzida na proposta orçamental em relação à realidade dos factos.
Devo ainda lembrar à Câmara a maneira como estão calculadas as receitas.
Vejamos o que diz respeito a essas receitas, começando pela contribuição predial.
Note ainda V. Exa. que nos dez meses do ano económico actual cobrou-se a contribuição industrial na parte referente à taxa complementar, que estava atrasada. Há, portanto, uma diferença grande.
Na contribuição predial estão calculados 56:500 contos, e, embora êste ano a contribuição predial rústica tivesse sido muito maior, a diferença entre os 29:000 contos e os 56:500 calculados demonstra que êstes cálculos não estão feitos com exactidão.
Com relação ao imposto pessoal de rendimento sabe o Sr. Presidente do Ministério e a Câmara que êle ainda não está em vigor; todavia, na proposta orçamental, estão calculados cêrca de 8:000 contos.
É uma verdadeira ficção.
Relativamente à contribuição de registo, estão calculados 70:000 contos, tendo-se cobrado 36:000, e ao imposto de sêlo apresenta a proposta 191:800 contos, ten-
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do sido cobrados 120:000. Acresce ainda, Sr. Presidente, que êste ano foi recolhida a importância do sêlo sôbre o tabaco estrangeiro, recebimento êste que não se repete.
Tudo isto demonstra a falta de verdade que há em tudo isto.
Pelo que diz respeito à receita dos fósforos, vêm calculados 11:000 e tantos contos; eu pregunto ao Sr. Presidente do Ministério como é que S. Exa. vai cobrar esta importância, tendo de pagar aos operários embora numa percentagem reduzida.
Com relação ao tabaco, eu desejo preguntar ao Sr. Presidente do Ministério qual o regime em que vivemos.
Está em vigor o acordo de 4 de Agosto ou não?
Cumpre o Sr. Presidente do Ministério as determinações do Parlamento, expressas na moção do Sr. António Maria da Silva com relação aos tabacos?
Já que estamos a falar em tabacos, devemos lembrar também que a Companhia dos Tabacos por várias vezes pagou ao Estado 135 contos que não são receitas ordinárias do Estado.
Há também uma verba que eu não quero deixar de pôr em destaque e que demonstra bem que o Sr. Presidente do Ministério quere a continuação do actual regime tributário: é uma verba que diz respeito a multas na importância de 4:000 contos.
É a caça à multa!
Já as multas têm uma sanção oficial no Orçamento Geral do Estado!
Ainda ontem o Sr. Velhinho Correia se revoltava contra um projecto aqui votado e que está pendente do Senado, esquecendo-se que não sé pode exigir mais ao contribuinte do que aquilo que êle pode pagar.
Na taxa industrial está-se fazendo a cobrança a quem não deve pagar como, por exemplo, os empregados de barbearia e de bordo, etc.
Para êste caso chamo a atenção dos contribuintes do Algarve que em matéria de impostos têm sido prejudicar na indústria da pesca.
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): - A indústria da pesca do que precisa é de peixe!
O Orador: - V. Exa. não me dá novidade nenhuma, a não ser que se trate de outra pesca, como por exemplo, a pesca dos empregos!
Nós já sabemos o que o partido de V. Exa. quere, é tirar a pele ao contribuinte!
Recebi várias cartas, e entra elas lembro-me de uma de um accionista, em que se queixa de que a companhia pagou mais de impostos do que deu de dividendo aos accionistas.
Como pode haver assim peixe barato!
E deixe-me V. Exa. dizer-lhe que as associações económicas podiam ter uma orientação mais prática, porque o que elas deviam, acima de tudo, era tratar de arranjar para cada uma das entidades que conhecesse as leis tributárias, fornecendo a todos os seus associados os esclarecimentos precisos e formulando as reclamações a apresentar, pois tenho a certeza de que uma grande parte dos impostos hoje cobrados são-no ilegalmente e indevidamente.
Sr. Presidente: a proposta em discussão, como acabo de demonstrar em face dos números e o Sr. Presidente do Ministério não pode contestar, não representa nada, absolutamente nada, que se aproxime da verdade.
O Govêrno, trazendo aqui esta propôsta e dizendo ao Parlamento que lha vote com urgência e dispensa do Regimento, prova que deseja que o País não saiba a sua situação financeira, prova que o regime em que se diz vivermos, o regime parlamentar, não existe de facto.
Vive-se em ditadura, não se dando contas a ninguém daquilo em que se gastam os dinheiros públicos, e criando-se uma situação cujas consequências não podemos prever.
Sr. Presidente: eu espero que o Sr. Presidente do Ministério não deixará de responder às preguntas concretas que lhe formulei e nomeadamente àquela que se refere à verba de lucros proveniente da venda da prata, verba que vem consignada no Orçamento como receita extraordinária.
Como é que, não se havendo vendido a prata - pois o Sr. Presidente do Ministério já o afirmou nesta casa do Parlamento, como anteriormente o tinha afirmado o Sr. Álvaro de Castro - figura
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no Diário do Govêrno, como lucros da venda da prata, a importância do 167:057 contos?
Também gostava que o Sr. Ministro das Finanças nos dissesse qual é o prejuízo do Estado no fundo do maneio, nas cambiais de exportação.
Visto que S. Exa. quere que o Parlamento vote esta proposta, há-de querer habilitar-nos com êstes dados que são importantíssimo s e indispensáveis para o conhecimento da questão.
E como nenhum assunto pode, em importância, exceder o actual, eu voltarei a usar da palavra depois de o Sr. Presidente do Ministério ter feito o favor de responder às minhas preguntas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Sá Cardoso: - Sr. Presidente: o Govêrno apresentou à Câmara uma proposta para lhe serem aprovados seis duodécimos.
Quando se reuniu o Congresso eu tive ocasião, em nome da Acção Republicana, de dizer que votava a prorrogação das Câmaras até o dia 15 de Julho, porque estava absolutamente convencido de que havia tempo para se discutirem os orçamentos.
E afirmei então que a Acção Republicana reputava a discussão dos orçamentos como uma cousa basilar para a República.
A opinião que então manifestei conservo-a integral ainda hoje, partindo do princípio que o Orçamento Geral do Estado - que já há anos não tem sido discutido e aprovado - pode e devo ainda, se houver boa vontade, ser aprovado, porque é preferível discuti-lo, embora mal e pouco, do que viver em regime de duodécimos.
Esta maneira de ver que apresento à Câmara, é partilhada por toda a Acção Republicana, e assim eu defino a atitude do grupo a que pertenço dizendo que não temos dúvida em votar a proposta dos seis duodécimos, mas depois de tentarmos por todas as formas conseguir que os orçamentos sejam discutidos e aprovados.
Sem incriminar ninguém, eu vejo que as discussões na Câmara vêm sendo arrastadas de maneira a dar a impressão, fora do Parlamento, de que nós só de política tratamos, e a verdade é que a melhor política que poderemos fazer é discutindo os orçamentos.
Nestas condições, eu vou apresentar à Câmara uma questão prévia.
Trata-se, como já só fez, de uma alteração ao Regimento, do forma a permitir a discussão dos orçamentos.
Era minha idea propor que essa discussão fôsse apenas feita na generalidade.
Faltam apenas 14 dias para o encerramento dos trabalhos parlamentares.
O Sr. Nuno Simões: - O melhor seria não discutir nem na generalidade nem na especialidade.
O Orador: - E já não era novidade.
O Sr. Nuno Simões: - Na República parece que seria.
O Orador: - Fico muito satisfeito por que assim se discutirão os orçamentos.
O Sr. Cunha Leal: - Não; o que votarão são 12 duodécimos.
O Orador: - Equivale à aprovação do Orçamento.
A minha maneira de ver, e a da Acção Republicana, é que é importante discutir o orçamento em vez dos duodécimos.
Não terei dúvida em sacrificar os ardores da discussão.
Desde que mando para a Mesa uma proposta desta natureza, não tenho nada a acrescentar, e peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se concede a urgência e dispensa do Regimento para o minha proposta.
O orador não reviu, nem os apartes foram revistos pelos oradores que os fizeram.
Proposta de alteração ao Regimento
Proponho que até serem discutidos e aprovados os orçamentos seja alterado o Regimento da Câmara por a seguinte forma:
1.° Não haver discussão na generalidade sôbre os orçamentos;
2.° As três primeiras horas da ordem do dia serão exclusivamente destinadas à discussão do orçamento;
3.° A discussão do orçamento far-se-há por capítulos;
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4.° A discussão versará apenas sôbre alterações introduzidas no orçamento de 1924-1925, pela actual proposta orçamental;
5.° Haverá duas ou mais sessões nocturnas para a discussão de qualquer outro assunto.- Sá Cardoso - Viriato da Fonseca - Manuel Alegre - António Correia - José Pedro Ferreira.
O Sr. Cunha Leal: - Duas palavras apenas para justificar o meu requerimento.
Requeiro a V. Exa. que a proposta do Sr. Sá Cardoso seja discutida e votada antes do votada e discutida a proposta apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças.
O orador não reviu.
O Sr. Sá Cardoso: - É preciso que nos entendamos, não vão tirar-se da apresentação da minha proposta ilações diferentes daquela que eu lhe quero dar.
Eu comecei por dizer que não tinha duvida em votar a proposta apresentada pelo Sr. Presidente do Ministério.
Simplesmente entendia que não devia-mos pôr de parto a possibilidade de se votarem os orçamentos.
O requerimento que depois fiz foi para que V. Exa. dêsse à minha proposta o seguimento que, em tais casos, o Regimento prevê.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Como o Sr. Cunha Leal propôs o adiamento da discussão da proposta ministerial, eu não podia aceitar êsse requerimento sem estar assinado por cinco Deputados.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Pedro Pita (para explicações): - Parece-me que V. Exa. está a pôr uma questão sem necessidade.
Nos termos regimentais trata-se de uma questão prévia assinada por cinco Deputados.
Nestas condições, creio que só há que cumprir o Regimento.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - O facto de se ter ^pedido o adiamento da proposta ministerial é que provocou a minha observação.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal (para explicações): - V. Exa. tem razão. Simplesmente eu ignorava que a proposta apresentada pelo Sr. Sá Cardoso tinha a assinatura de mais cinco Srs. Deputados.
Nem o podia supor, desde que foi pedida a urgência e dispensa do Regimento.
O meu requerimento teve, ao menos, o mérito de esclarecer o caso.
E visto que a proposta do Sr. Sá Cardoso tem de ser apreciada antes da proposta orçamental, eu só tenho que fazer uma cousa: pedir licença para retirar o meu requerimento.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sem nos preocuparmos com questões de partidos, nós entendemos que V. Exa. não podia admitir esta proposta, nos termos regimentais.
Como questão prévia, também não pode ser considerada em virtude do § 1.º do artigo 10.°
Resta-nos daí o voto ao requerimento do Sr. Cunha Leal.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa: - Sr. Presidente: a Câmara votou ontem que a proposta do Sr. Presidente do Ministério fôsse discutida com preferência a qualquer outra.
Ficou assente por uma forma concreta, fechada, que esta questão preferisse a todas as outras.
Pregunto a V. Exa. se considera boa a votação da Câmara ou se pode ser modificada.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Não se deve alterar o que a Câmara resolveu.
A questão prévia do Sr. Sá Cardoso deve ser admitida e entrar conjuntamente com a matéria em discussão.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: o orador que me precedeu não tem razão, pois a Câmara pode alterar o que deliberou de minuto a minuto, de segundo a segundo.
Em cada segundo, repito, nós podemos tomar resoluções contrárias às anteriores,
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e porque a teoria contrária poderia ficar, eu, como leader da oposição, entendo que me cabe o dever de garantir acima de tudo as prerrogativas parlamentares, e assim não posso deixar de dizer estas palavras, a fim de concluir que o Sr. Deputado que me antecedeu no uso da palavra não teve absolutamente razão alguma nas considerações que fez.
Estão mesmo invertendo-se as cousas nesta questão e até os monárquicos auxiliam o Govêrno, porque foram êles que ainda descobriram algumas razões subjectivas, pois o Sr. Jaime de Sousa não descobriu nenhuma.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa (para explicações): - Sr. Presidente: não sou eu quem ponha em dúvida que a Câmara possa, com pequeno intervalo de tempo, alterar as suas resoluções anteriores; de resto tem-se usado e abusado dessa faculdade nesta Câmara.
O que eu desejava saber era o que pensava a Mesa sôbre o facto; o que desejava saber era qual a interpretação que dava à moção, interpretação da qual discordo, devo dizer, porque estou convencidíssimo de que o início da discussão dos orçamentos nesta altura é absolutamente inútil, pois tenho a certeza de que as oposições não deixariam terminar essa discussão até o fim da prorrogação dos trabalhos parlamentares.
Mas, não sendo assim, tenho apenas que deixar correr a questão.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - A discordância de V. Exa. pode ser aceita pela Câmara, rejeitando a questão prévia.
Apoiados.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Sá Cardoso (para explicações): - Sr. Presidente: no final das minhas considerações disse que considerava a proposta mandada para a Mesa como uma questão provia, sem pedir por isso a urgência e dispensa do Regimento; depois alguém do lado me sugeriu que eu me tinha esquecido de fazer êsse pedido, e eu, irreflectidamente, fi-lo, sem mo lembrar, contudo, que como questão prévia não precisava fazê-lo.
Por consequência, peço a V. Exa. para retirar o meu pedido de urgência e dispensa do Regimento.
O Sr. Carvalho da Silva (para explicações): - Sr. Presidente: duas palavras apenas.
Em primeiro lugar a doutrina do Sr. Jaime de Sousa é absolutamente inaceitável; a Câmara ontem votou a dispensa do Regimento, mas para que a proposta de lei não baixasse às comissões, nem tivesse de ter parecer impresso, etc., e nunca para que na sua discussão se não seguissem as fórmulas regimentais.
Em segundo lugar, e com respeito ao Sr. Cunha Leal, quero dar uma explicação a S. Exa. pela muita consideração que por êle tenho.
S. Exa., inteligente como é, neste momento passou-lhe aquilo que era mais necessário à oposição; nós desejávamos que a Mesa provocasse uma votação, porque a minoria nacionalista, que está dando número à Câmara, naturalmente pairia da Câmara connosco, para não se desprestigiar o Parlamento, e assim a Câmara teria que encerrar os seus trabalhos.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Não tenho que provocar nenhuma votação, visto que a questão prévia entra em discussão conjuntamente com a proposta de lei dos duodécimos, mas será votada em primeiro lugar.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para invocar o Regimento): - Sr. Presidente: folgo em declarar que mantenho o meu ponto de vista.
Compreendia-se o requerimento do Sr. Cunha Leal, para que a proposta do Sr. Sá Cardoso fôsse discutida e votada antes da questão principal; não se compreendia uma questão prévia para ser discutida e votada conjuntamente com a proposta em discussão.
Isso seria o que o Govêrno e a maioria desejam.
Portanto, Sr. Cunha Leal, se há alguém que esteja a prestar serviços ao Govêrno não somos nós.
Faço, pois, meu o requerimento do Sr. Cunha Leal, para que se discuta e vote a
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proposta do Sr. Sá Cardoso antes da proposta em discussão.
O § 1.° do artigo 109.° diz:
Leu.
Ora, como a proposta do Sr. Sá Cardoso é uma proposta alterando o Regimento o mais nada, por isso faço meu o requerimento do Sr. Cunha Leal.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita (para invocar o Regimento): - Sr. Presidente: salvo o devido respeito, parece-me que V. Exa. confundiu o adiamento com a questão prévia.
O adiamento é tratado no § 2.° do artigo 109.° e a questão prévia no § 1.° do mesmo artigo.
Sempre que se trate de uma questão prévia, tem tido aplicação o disposto no § 1.° e, portanto, é discutida e votada com prejuízo da questão principal, e só depois é que se discute e vota a questão principal.
Sempre assim se tem feito nesta Câmara, e ainda ultimamente, estando na Presidência o Sr. Domingos Pereira, o tendo se levantado uma questão idêntica, chamei a atenção de S. Exa. para êste facto, e S. Exa. concordou comigo.
De resto, é o que resulta da letra expressa dêste § 1.° de artigo 109.°
Sempre assim se tem entendido.
Apresentada uma questão prévia, é discutida e votada primeiramente, com prejuízo da questão principal.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Tendo ouvido as declarações de vários Srs. Deputados, devo dizer o seguinte:
O artigo 109.° diz, realmente, no seu § 1.° que, apresentada uma questão prévia apoiada por 5 Srs. Deputados, essa questão prévia entra imediatamente em discussão e é resolvida antes da questão principal; mas, devo dizer, a proposta apresentada pelo Sr. Sá Cardoso é uma proposta de alteração do Regimento, tendente a facilitar e abreviar a discussão do Orçamento.
Nestes termos, o requerimento feito pelo Sr. Sá Cardoso está compreendido no § 2.° do artigo 109,° do Regimento.
S. Exa. propõe que a sua proposta seja discutida e votada antes de se discutir e votar a proposta ministerial.
O Sr. Sá Cardoso (interrompendo): - Perdão; o que eu propus e proponho é que ela seja discutida conjuntamente com a proposta dos duodécimos, mas votada primeiro do que esta.
O Sr. Presidente: - Nos termos regimentais, eu entendo que apenas resta à Câmara decidir se ela deve ou não ocupar o lugar de questão principal.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Cunha Leal (para explicações): - Não fui eu quem primeiro lhe chamou questão prévia; foi V. Exa., Sr. Presidente, e o próprio Sr. Sá Cardoso, que agora lhe mudou o nome; disseram, e eu repeti, que isto era uma questão prévia.
Mas, depois das últimas palavras do Sr. Sá Cardoso, a questão prévia perdeu o nome, e, então, se assim é, foi porque o autor lhe retirou os seus direitos.
Se, realmente, é uma questão prévia, tem de ser discutida e aprovada antes da proposta em discussão.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Eu vou consultar a Câmara sôbre se ela deseja que a proposta do Sr. Sá Cardoso, e assinada por mais 5 Srs. Deputados, ocupe o lugar de questão principal, ou se devo ser discutida simultaneamente com a matéria em discussão.
O Sr. Presidente do Ministério, Ministro das Finanças e interino da Guerra (Vitorino Guimarães) (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: eu declaro a V. Exa. e à Câmara que não posso aceitar, de maneira nenhuma, e disso faço questão política, que a questão apresentada pelo Sr. Sá Cardoso tome o lugar de questão principal.
E faço-o, Sr. Presidente, porque já sei bem, infelizmente, quais são os trabalhos dêste Parlamento, e que, certamente, se perderiam duas ou três. sessões a discutir êste assunto,
Apoiados e não apoiados*
E devo lembrai1 ao Parlamento que e/s-
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íamos apenas a cinco dias da terminação do ano económico.
Estabelece-se o sussurro.
Trocam-se violentos àpartes.
Sr. Presidente: presei-me sempre do ser correcto nesta Câmara e em toda a parte (Apoiados), e a forma como me estão falando e como só me estão dirigindo não é correcta.
Apoiados.
Sr. Presidente: ou queria recordar ao Parlamento que estamos no dia 25 de Junho; que faltam apenas cinco dias para terminar o ano económico e para que as autorizações concedidas ao Govêrno caduquem também.
E, portanto, indispensável que ou a proposta orçamental ou qualquer medida que dê ao Govêrno os meios necessários para governar seja votada na sessão de amanhã.
Seguem-se depois dois dias em que não há sessão, o é preciso que o Senado aprecie esta questão na segunda-feira na Secção, para na têrça-feira poder ser votada qualquer medida em sessão plenária. E só assim teremos os meios financeiros necessários para governar.
É preciso acentuar mais uma vez que não é da culpa dêste ou de qualquer outro Govêrno que até esto momento não esteja ainda aprovado o Orçamento Geral do Estado, porque o Orçamento foi aqui apresentado na data que é fixada pela Constituição.
Sr. Presidente: com o espírito sereno direi que não posso deixar de aplaudir a proposta mandada para a Mesa pelo Sr. Sá Cardoso.
Aceitá-la-ia o votá-la-ia, portanto, para ser incluída no Regimento como medida de carácter permanente.
Mas mesmo que se votasse esta proposta de lei dos duodécimos, nada nos inibia de votar depois o Orçamento Geral do Estado.
Isso não seria uma cousa única.
É usada em alguns países, e nomeadamente na Bélgica.
Á medida que se votam os orçamentos dos vários Ministérios, deixam-se de votar quaisquer medidas em relação ao Ministério tal ou tal, que tem o seu orçamento já aprovado.
Mas, quando vemos que é necessário absolutamente que amanha a Câmara tome qualquer resolução, estamos agora a disperdiçar o tempo, e diz-se que isto é uma brincadeira ou troça mesmo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: de maneira alguma eu queria estar a magoar V. Exa., em primeiro lugar porque V. Exa. é um nacionalista, e isso o obriga a ter ainda uma maior imparcialidade, ou até mesmo a ser um pouco parcial para os nossos adversários, exactamente porque compreendemos que um delegado nosso nesse lugar tem obrigação de nunca fazer o jôgo do seu partido.
Compreendemos a posição delicada do Sr. Presidente da Câmara, mas não admitimos, por qualquer forma, a doutrina do Sr. Presidente do Ministério.
S. Exa. vem revoltar-se contra a aceitação do uma questão prévia.
Mas isto é um assunto regulado pelo Regimento. Compete apenas ao Sr. Presidente da Câmara.
O que significa, pois, a revolta do Sr. Presidente do Ministério?
Absolutamente nada.
O Sr. Presidente do Ministério poderá interpretar isto como um desejo da Câmara, de não lhe dar os meios constitucionais para viver, e, neste caso, o Govêrno sabe o caminho que deve seguir nessa altura.
Impedir a apresentação de questões prévias, não! Como Deputados havemos de apresentar as questões prévias que entendermos, e V. Exa., dentro dos termos regimentais, tem do as aceitar.
Quanto ao facto do praticarmos ou não determinado acto, ninguém acredita que não procedamos segundo a nossa consciência. Se entendermos que devemos pôr qualquer questão prévia, pô-la hemos.
Para que servirá então ao Sr. Presidente do Ministério bater o pé?
As cousas são o que são. Modifiquem o Regimento, façam como entenderem, mas nós havemos de pôr as questões que entendermos.
Se isso causar embaraços ao Govêrno, vá a Belém expor ao Sr. Presidente da República os embaraços causados pelo Parlamento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Presidente: - Creio que não faço uma afirmação vã dizendo que neste lugar procuro acertar e cumprir o Regimento, sem me preocupar saber de que lado da Câmara são apresentadas as questões.
Já disse há pouco que a proposta do Sr. Sá Cardoso não podia ter o carácter de uma questão prévia, por motivo do artigo 69.° e seus parágrafos.
Nestas condições, vou submeter à apreciação da Câmara o seguinte : os Srs. Deputados que aprovam que esta questão ocupe o lugar principal tem a bondade de levantar-se.
Foi rejeitada.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Requeiro a contraprova o invoco o § 2.° do artigo 116.°
Feita a contraprova, verificou-se estarem de pé 43 Srs. Deputados e sentados 19.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para interrogar a Mesa): - V. Exa. declarou que a ordem do dia se dividia em duas partes.
Pregunto a que horas se entra na segunda parte.
O Sr. Presidente: - Faltam apenas 10 minutos para se encerrar a sessão, porque termina às 19 horas e 40 minutos.
O Sr. Pedro Pita (para uma questão prévia): - Sr. Presidente: nos termos regimentais, e apoiada por mais cinco Srs. Deputados, mando para a Mesa a seguinte
Questão prévia
A Câmara dos Deputados, considerando que a votação da proposta em discussão representaria o reconhecimento da improficuidade dos trabalhos parlamentares; e reconhecendo que, assim, não pode deliberar sôbre essa proposta, resolve discutir desde já os orçamentos. - Pedro Pita - Artur Brandão - João Vitorino Mealha - Constando de Oliveira - A. Garcia Loureiro - Alberto Jordão.
Sr. Presidente: embora corra o risco de sofrer as iras do Sr. Presidente do Ministério, que há pouco tam exaltado se encontrava pela apresentação de ama questão prévia, entendo que estou no meu direito e dentro do Regimento, apresentando-a.
Emquanto fôr um direito não deixo de o exercer.
Há poucos dias que nesta Câmara só tomou a iniciativa da reunião do Congresso para a prorrogação dos trabalhos parlamentares. O Congresso resolveu, por grande maioria, essa prorrogação, e todos os oradores que então falaram afirmaram que essa prorrogação era principalmente para a discussão do Orçamento.
Mas disse-se mais do lado da maioria: disse-se que era também para discutir o problema das estradas, e logo o Sr. Presidente do Ministério acudiu que também. ora necessário discutir o fundo ao maneio.
Mas então há poucos dias entendia-se que havia tempo para tudo isto, e agora nem há tempo para discutir um só dos problemas, o Orçamento!?
Estivemos três dias sem sessão, sem. ser por culpa destecido da Câmara; na segunda-feira houve falta do número; na torça, por falecimento de um parlamentar, e na quarta foi interrompida a discussão de um assunto importante para o Govêrno fazer discutir esta proposta.
Pode ser que as intenções do Govêrno sejam tam puras como as açucenas; mas nós estamos já habituados a estas cousas e não nos colhem de surpresa.
Discutiu-se o caso dos 240:000 francos que constituía uma das proezas do capitão Pinheiro.
O Sr. Américo Olavo (interrompendo): - Nunca compreendi a razão por que se está tornando responsável o actual Govêrno por êsse caso, quando ou, V. Exa. e o Sr. Cunha Leal passámos pelo Ministério e nunca nos julgámos responsáveis por êsse facto!
O Orador: - E estranho que não tendo eu completado o meu pensamento, o Sr. Américo Olavo tomasse tanto a peito a defesa do Govêrno.
O Sr. Américo Olavo (interrompendo): - É que ontem cheguei tarde e não tive ocasião de dizer isto.
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28 Diário da Câmara dos Deputados
O Orador: - Eu preciso dar ao Sr. Américo Olavo nuca explicação à sua explicação.
S. Exa. afirmou que não tinha chegado ontem a tempo de poder intervir, e que aproveitara agora a minha deixa - e por sinal muito intempestivamente, visto que eu nem sequer me ia referir ao assunto - para fazer a sua tam desejada intervenção.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - A intervenção do Sr. Américo Olavo - apesar do eu conhecer S. Exa. como uma pessoa lealíssima - só a posso encarar como uma cilada, e só a posso atribuir à circunstância do S. Exa. ter pressa em mostrar ao Sr. Ministro do Interior uma solidariedade que de qualquer forma represento o seu agradecimento pelos favores do S. Exa., quanto à política da Madeira.
O Sr. Américo Olavo (interrompendo): - Eu sou incapaz de dizer uma cousa que não sinta, e as minhas palavras de há pouco disse-as porque sinto a injustiça do ataque do V. Exa. ao Sr. Ministro do Interior.
Mas só V. Exa. supõe que elas são apenas filhas do desejo de agradecer ao Sr. Ministro do Interior os seus pretendidos favores, eu tenho, então, a dizer que V. Exa. o ataca para se desagravar daquilo que julga ter sido uma perseguição de S. Exa.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - A simples afirmação de V. Exa. para destruir raciocínios é muito pouco.
Faça V. Exa. de mim o juízo que quiser. Só há pouco tempo do conhecimento detalhado do caso dos 240:000 francos; aliás há mais tempo que o teria trazido aqui.
Não é, porém, a insinuação de que eu pretendo desagravar-me do Sr. Ministro Interior que me fará calar.
O Sr. Américo Olavo: - Eu sei que alguns jornais e alguns políticos têm procurado espalhar que o Sr. Ministro do Interior tem prestado grandes favores políticos aos irmãos Olavos.
Devo dizer à Câmara o seguinte: não tenho nada a agradecer ao Sr. Ministro do Interior.
O Sr. Carlos Olavo: - Nem eu, ouça bom V. Exa. Nunca lhe pedi nenhum favor.
O Orador: - Sr. Américo Olavo, eu é que não tenho culpa do estado de irritação em que V. Exa. veio para aqui hoje!
A circunstância de ser companheiro de escritório, como advogados que somos os dois, do Sr. Carlos Olavo, poderia, de alguma maneira dar visos de verdade a esta atoarda.
Afirmo categoricamente a V. Exas. que no nosso escritório não trocamos uma palavra sôbre política.
Quem lida connosco sabe que assim é absolutamente.
Apoiados.
Nenhum de nós troca uma palavra sôbre política, pela simples razão de que, querendo ganhar honestamente a nossa vida, entendemos que devemos banir do nosso escritório qualquer cousa que nos possa desunir. Até mesmo, quando haja qualquer discussão entre um de nós e qualquer pessoa estranha, o outro não intervém nela.
Esta explicação era absolutamente necessária para o Sr. Ministro do Interior e para mim. S. Exa. naturalmente ficará satisfeito pela afirmação de não me ter feito favores, o eu porque não quero favores do Sr. Ministro do Interior.
Como se aproxima a hora do encerrar a sessão, peço a V. Exa. me reservo a palavra.
O orador não reviu, nem os àpartes tiveram a revisão dos seus autores.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. António Correia: - Sr. Presidente: chamo a atenção do Sr. Presidente do Ministério para uma notícia que hoje recebi da Câmara Municipal de Gavião, que me comunica que as trovoadas que passaram por aquele concelho arrazaram aquela região.
Assim também sucedeu em Nisa e Marrão, do distrito de Portalegre, que muito sofreram.
O distrito de Portalegre encontra-se numa situação desgraçada.
No primeiro concelho ficaram arrazadas arvores, hortas e pastagens.
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Junto da Câmara Municipal de Gavião foram centenas de pessoas solicitar auxílio, e à Câmara dos Deputado e governador civil foram enviados telegramas, segundo me consta, pedindo auxílio e protecção, para serem subsidiados aqueles povos, cuja miséria é enorme, pois ficaram sem poder ocorrer às necessidades agrícolas.
Auxiliando êstes povos, pratica o Govêrno uma obra de justiça.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): - Ouvi as considerações de S. Exa. e creia que envidarei todos os esfôrços, enviando engenheiros agrónomos para avaliar da situação dêsses povos, a fim de serem tomadas as providências que forem necessárias.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: - Agradeço a V. Exa.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã pelas 14 horas com a mesma ordem de trabalhos, antes da ordem do dia e na ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 50 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Requerimento
Requeiro que, pelo Ministério da Justiça, me seja autorizado compulsar vários processos existentes no extinto Tribunal de Defesa Social, cujo arquivo se encontra a cargo do escrivão respectivo no tribunal do 1.° distrito criminal e sejam dadas as precisas ordens para que o meretíssimo juiz mande passar os documentos que se tornarem indispensáveis.
Renovo o meu requerimento para consultar na Inspecção das Prisões alguns processos e requeiro que sejam dadas as convenientes instruções para que me sejam passadas as certidões de que precisar de processos arquivados na secretaria da Inspecção das Prisões.-Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Expeça-se.
O REDACTOR - Sérgio de Castro.