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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.° 93

EM 6 DE JULHO DE 1925

Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva

Sumário. - Abre-se a sessão com a presença de 61 Srs. Deputados.

É lida a acta, que adiante é aprovada com número regimental.

Dá-se conta do expediente.

São admitidas proposições de lei, já publicadas no "Diário do Govêrno".

Antes da ordem do dia. - Inicia-se a discussão da proposta de lei e do parecer n.º 904 - compra de prédios para os postos agrários no Algarve

É aprovado sem discussão.

Entra em discussão o projecto de lei n.° 911-E, que cria as freguesias de Fiães e Vidago, elevando esta à categoria de vila.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu interroga a Mesa sôbre a discussão do negócio urgente do Sr. Pinto Barriga a respeito da carteira de identidade de jornalistas.

O Sr. Viriato da Fonseca requer e a discussão dos pareceres n.ºs 871 e 861.

O Sr. Tavares de Carvalho interroga a Mesa.

O requerimento do Sr. Viriato da Fonseca é aprovado.

Entra em discussão o parecer n.° 871.

Usa da palavra o Sr. Cancela de Abreu.

Sendo aprovados os dois primeiros artigos, o Sr. Cortês dos Santos apresenta uma emenda referente ao artigo 3°, que é aprovado com a emenda.

É aprovado o artigo 4.°, sendo dispensada a leitura de última redacção.

Entra em discussão o parecer n.º 861 - taxa militar.

E aprovado, com dispensa da leitura da última redacção, tendo usado da palavra o Sr. Hermano de Medeiros.

É aprovado um voto de saudação ao Congresso de Educação Física.

O Sr. Tavares de Carvalho requere que entre em discussão o parecer n.º 852.

É aprovado.

Entra em discussão o projecto do Sr. Pinto Barrica sôbre a carteira de jornalistas, extinguindo-a, sendo anulado o respectivo decreto.

É aprovado, tendo usado da palavra o Sr. Cancela de Abreu.

O Sr. Carvalho da Silva interroga a Mesa sôbre o desrespeito pelo preceito constitucional referente às nomeações de parlamentares para funcionários públicos.

Entra em discussão o parecer n.º 859 - pensões.

É aprovado, dispensada a última redacção, tendo usado da palavra o Sr. Cancela de Abreu.

Ordem do dia. - Entra na sala o Ministério da Presidência do Sr. António Maria da Silva, que faz a leitura da declaração ministerial.

Usam da palavra os Srs. Alfredo Gaspar e Cunha Leal.

O Sr. Tavares de Carvalho requere, e é aprovado, que se prorrogue a sessão até findar o de-

Seguem-se os Srs. Sá Cardoso, que apresenta uma moção de desconfiança, que è admitida, Carvalho da Silva e Abranches Ferrão.

É interrompida a sessão às 19 horas e meia.

Reaberta a sessão às 22 horas e 5 minutos, usam da palavra os Srs. Sá Pereira, Jaime de Sousa, Nuno Simões, Sá Pereira (para explicações), Lino Neto, José Domingues dos Santos, Alfredo Gaspar (para explicações), Vitorino Guimarães (para explicações), Sá Cardoso (para explicações) e Presidente do Ministério (António Maria da Silva).

O Sr. Sá Pereira requere, e é aprovado, que haja votação nominal para a moção do Sr. Sá Cardoso.

Procedendo-se à chamada, rejeitaram 52 Srs. Deputados e aprovaram 51.

O Sr. Presidente do Ministério agradece a votação da Câmara.

Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte,

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. - Declarações de voto.

Ultimas redacções.

Projecto de lei.

Requerimento.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Abertura da sessão às 15 horas e 35 minutos.

Presentes à chamada 61 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 57 Srs. Deputados.

Srs. Deputados que responderam à chamada:

Abílio Marques Mourão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Pais da Silva Marques.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Resende.
Artur Brandão.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado Freitas.
Delfim Costa.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Madeiros.
José de Vasconcelos de Sousa Nápoles.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano da Rocha Felgueiras.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António de Paiva Gomes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.

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Sessão de 6 de Julho de 1925 3

Ernesto Carneiro Franco.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
João Baptista da Silva.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Jorge Barros Capinha.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Alegre.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nuno Simões.
Pedro Augusto Ferreira de Castro.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Darão.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva Castro.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Jaime Duarte Silva.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José António de Magalhães.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vergílio da Conceição Costa.
Vitorino Henriques Godinho.

Às 15 horas e 22 minutos principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 61 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofícios

Do Senado, enviando uma proposta de lei que cria duas assembleas eleitorais no concelho de Seia.

Para a comissão de administração pública.

Do Senado, enviando as seguintes propostas de lei:

Permitindo às jornaleiras das escolas industriais o acesso a mestras das mesmas escolas.

Para a comissão de instrução especial.

Criando uma assemblea eleitoral em Sangalhos, concelho de Anadia.

Para a comissão de administração pública.

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4 Diário da Câmara dos Deputados

Permitindo à Misericórdia de Arraiolos a venda do um terreno.

Para a comissão de administração pública.

Do Senado, devolvendo com alterações a proposta de lei n,° 917, que concede uma pensão à viúva do João Chagas o outra à mãe de João Fiel Stockler.

Para a comissão de finanças.

Do Ministério das Finanças, satisfazendo ao requerido pelo Sr. Viriato da Fonseca, transmitido no ofício n.° 330.

Para a comissão do Orçamento.

Do vice-presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Boticas, pedindo a revogação ou modificação do decreto n.° 10:776.

Para a comissão de instrução primária.

Do presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Sintra, pedindo a revogação do decreto n.° 10:776.

Para a Secretaria.

Do presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Góis, protestando contra o decreto n.° 10:776.

Para4a comissão de administração pública.

Do presidente1 da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Miranda do Corvo, pedindo o restabelecimento, para as câmaras municipais, da faculdade de arbitrarem melhoria do vencimentos aos seus tesoureiros.

Para a comissão de administração pública.

De um vogal da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Aljustrel, protestando contra a lei n.° 1:7Í7 e decreto n.° 10:665.

Para a Secretaria.

Do presidente da Câmara Municipal da Lousa, contra a lei n.° 1:717 e decreto n.° 10:665.

Para a Secretaria.

Do presidente da Sociedade do Geografia, convidando os membros desta Câmara a assistir às conferências que ali só realizam nos dias 6, 8, 10, 11 e 13, pelas 21 horas e meia. Para a Secretaria.

Do D. Adelina L. Nogueira Pinto Domingues o Oliveira, agradecendo o voto do pesar desta Câmara pelo falecimento de sou marido, Dr. José Domingues de Oliveira.

Para a Secretaria.

Requerimento

De Alfredo Gonçalves Bibas, do Porto, reclamando contra a sua preterição de aspirante de finanças.

Para a comissão de finanças.

Telegramas

Da Associação dos Proprietários e Agricultores do Norte do Portugal, pedindo para ser anulado o último decreto sobre inquilinato.

Para a Secretaria.

Do professorado primário de Viana do Castello e Beja, agradecendo a revogação do decreto n.º 10:776.

Para a Secretaria.

Da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, protestando contra o decreto n.° 10:665.

Para a Secretaria.

Da Câmara Municipal da Chamusca, protestando contra o decreto n.° 10:536. Para a Secretaria.

Do Regionalista e Eco do Barreiro, pedindo a manutenção do decreto concedendo regalias pequena imprensa.

Para a Secretaria.

Do contador Roque Florindo, de Sinfães, pedindo a discussão do projecto sôbre contadores judiciais,

Para a Secretaria.

Das Câmaras Municipais do Cartaxo e Coruche, protestando contra a lei n.° 1:717.

Para a Secretaria.

Do Alberto Castelo Branco, de Arouca, aguardando a anulação do despacho relativo ao aspirante de finanças, Ferreira, Júnior.

Para a Secretaria.

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Sessão de 6 de Julho de 1925 5

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de "antes da ordem do dia".

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai entrarem discussão o projecto de lei n.° 904.

Foi aprovado na generalidade e especialidade sem discussão a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É autorizado o Govêrno a comprar ou expropriar, até a importância de 15.000$ (ouro), duas propriedades destinadas ao estabelecimento do dois postos agrários na província do Algarve, sendo um em sotavento e outro em barlavento.

Art. 2.° A quantia mencionada no artigo anterior sairá da verba consignada no orçamento do Ministério da Agricultura, sob a rubrica "Fundo do Fomento Agrícola".

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.

Palácio do Congresso da República, 27 de Março de 1925. - António Xavier Correia Barreto - Lias Inocência Ramos Pereira- João Manuel Pessanha Voz das Neves.

O Sr. Presidente: - Vai entrar em discussão o projecto de lei n.° 911-E, que cria as freguesias de Faiães e Vidago, elevando esta à categoria de vila.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Peço a palavra para interrogar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Paulo Cancela de Abreu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. TPresidente: para evitar que eu esteja a falar durante uma hora sôbre êsse assunto, pregunto a V. Exa. se já foi aprovado O negócio urgente apresentado pelo Sr. Pinto Barriga, relativamente à carteira dos jornalistas.

De contrário, estarei a falar uma hora sôbre o projecto.

O Sr. Presidente:-Não está na ordem do dia.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Então requeiro que êsse negócio urgente seja discutido imediatamente.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.

Ficou pendente da votação o requerimento do Sr. Viriato da Fonseca, para serem discutidos antes da ordem do dia, com prejuízo dos oradores, os pareceres n.ºs 801 e 871: o primeiro dispensando do pagamento da taxa militar os indivíduos com mais do um ano de serviço em campanha em França e África e incapazes de serviço, e o segundo concedendo um subsídio mensal às viúvas divorciadas ou separadas judicialmente com direito a alimentos, e aos órfãos dos oficiais do exército e da armada.

Vai votar-se.

O Sr. Tavares de Carvalho (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: na última sessão eu apresentei um requerimento para que fôsse discutido o parecer que cria as seis comarcas do País.

O Sr. Presidente: - Êsse requerimento está pendente da votação.

Foi aprovado o requerimento do Sr. Viriato da Fonseca.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Peço a contraprova

Procede se à contraprova, tendo sido aprovado o requerimento do Sr. Viriato da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se para entrar em discussão o projecto de lei n.° 871.

É o seguinte:

Parecer n.° 871

Senhores Deputados.-A vossa comissão de guerra foi presente a proposta de lei de autoria do Sr. Ministro da Guerra, tendente a melhorar a situação das viúvas e órfãos dos oficiais do exército que estejam ou venham a estar nas condições dos n.ºs 1.°, 2.° e 3.° do artigo 1.° da carta de lei de 28 de Junho de 1880.

A vossa comissão de guerra concorda plenamente com a proposta referida e entende que ela merece a vossa aprovação.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 6 de Março de 1925. - João Pereira Bastos - João E. Aguas - F. Dinis de Carvalho - José Cortês dos Santos - Tomás de Sousa Rosa, relator.

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6 Diário da Câmara dos Deputados

Senhores Deputados. - A vossa comissão de marinha, tendo examinado a proposta de lei n.° 840-B, da iniciativa do Ministro da Guerra, julga que ela tem por fim a prática de uma medida que é da mais elementar justiça e equidade, e dá-lhe a sua aprovação.

Sala das Sessões, 13 de Março de 1925. - Carlos Pereira Armando Pereira de Castro Agatão Lança - Américo Olavo - F. Dinis de Carvalho - Jaime de Sousa, relator.

Senhores Deputados. - A proposta de lei n.° 840-B, apresentada pelo Sr. Ministro da Guerra, pretende esclarecer a doutrina do artigo 270.° da lei n.° 1:668, de 9 de Setembro de 1926, e tornando-a extensiva às viúvas e órfãos dos oficiais dos quadros coloniais.

A vossa comissão de colónias acha de toda a justiça que as regalias daquela lei sejam extensivas a essas viúvas e órfãos, porquanto estilo na mesma situação que os dos oficiais do exército metropolitano, a que aquela lei simplesmente se refere.

Verifica porém a comissão de colónias que uma doutrina nova se estabeleço na proposta de lei a favor dos divorciados e separados judicialmente com direito a alimentes, assunto que, por trazer aumento de despesa e não estar suficientemente esclarecido no relatório, certamente será ponderado convenientemente pela comissão de finanças.

Sala das sessões da comissão de colónias, 24 de Março de 1924.- Viriato da Fonseca - E. Carneiro Franco - Delfim Costa - Pinto Barriga - A. Paiva Gomes- Jaime de Sousa - Mariano Martins.

Senhores Deputados. - A vossa comissão de legislação civil e comercial nada tem a opor à proposta n.° 840-B, da autoria do ex-Ministro da Guerra Sr. Helder Ribeiro.

Pretende-se por êle um fim humanitário e altruísta, em favor de viúvas, divorciadas ou separadas judicialmente, com direito a alimentos, e aos órfãos de oficiais do exército.

Nos seus intuitos é de apreciar a proposta.

Porém o § único do artigo 3.° desvia-se dêsse intuito, desde que não prevê a hipótese do serem mínimos os rendimentos ou pensões próprios; e, assim, pode suceder que o quantitativo do subsídio e melhoria conferidos pela proposta, desde que deles se abatam as pensões e rendimentos próprios, fiquem reduzidos a importância menor do que aquela que auferem os serpentes de qualquer Ministério.

Há portanto conveniência em que a êsse § único se dê a seguinte redacção:

Ao quantitativo de subsídios e respectiva melhoria será abatida a importância de qualquer pensão ou subsídio próprios que as viúvas ou órfãos aufiram, desde que a soma do subsídio e melhoria concedida por esta lei, com a soma dos rendimentos ou pensões próprias, não exceda a importância total de 411$60 mensais.

E esta a redacção que a comissão propõe, porque não seria justo nem razoável que, para manter o decoro dessas pensionistas e poder conseguir-se dar-lhe meios, de vida, se lhes dêsse menos do que recebem os serventes do Ministério da Instrução Pública.

Com esta modificação apenas, não tem esta comissão dúvida em dar parecer favorável à proposta, entendendo que ela merece também a vossa aprovação.

Lisboa e sala das sessões da comissão de legislação civil e comercial, 2 de Abril de 1925. - Alfredo de Sousa - Amadeu de Vasconcelos - António Dias - A. Crispiniano da Fonseca - Vergílio Saque.

Senhores Deputados. - A proposta de lei n.° 740-B, da autoria do ex-Ministro da Guerra Exmo. Sr. Helder Ribeiro, destinada a reparar o esclarecer o artigo 27.° da lei n.º 1:668, do 9 do Setembro próximo passado, foi presente à vossa comissão de finanças, acompanhada dos pareceres das vossas comissões de legislação civil e comercial, guerra, marinha e colónias.

A vossa comissão de finanças, concordando com a proposta, dá-lhe o seu parecer favorável.

Sala das sessões da comissão de finanças, 12 de Abril de 1925.- A. de Portugal Durão - Jaime de Sousa - Amadeu de Vasconcelos - Artur Carvalho da Silva (com declarações) - Pinto Barriga - Viriato da Fonseca - António de Abranches Ferrão - Lourenço Correia Gomes, relator - M. Ferreira de Mira - Carlos Pereira.

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Sessão de 6 de Julho de 1925 7

Proposta de lei n.° 840-B

Senhores Deputados.- Considerando que o artigo 27.° da lei n.° 1:668, de 9 de Setembro último, veio alterar as disposições da carta de lei de 28 de Junho ide 1880, que concedia o subsídio mensal de 3$, alterado para 6$ pela lei n.° 880, 16 de Setembro de 1919, às viúvas e órfãos dos oficiais do exército e da armada, concedendo igual pensão aos órfão" sem estabelecer as condições a exigir aos mesmos para a concessão do subsídio, o que se torna necessário fazer;

Considerando que no referido artigo 27.° e seu § único se não faz menção da restrição do § único do artigo 1.° da carta de lei de 1880, parecendo por isso ter sido revogado na parte restritiva, o que decerto não seria o espírito do legislador, atendendo a que não é lícita a concessão do subsídio a quem não careça dele;

Considerando que é de toda a justiça concederem-se também iguais vantagens às viúvas e órfãs dos oficiais dos quadros coloniais, privativo e especial da guarda fiscal, bem como às viúvas divorciadas ou separadas judicialmente com direito a alimentos, quando qualquer destas careça dos suficientes meios de subsistência;

Considerando que da interpretação do mencionado artigo 27.° à face da letra resultaria um avultado aumento de despesa:

Tenho a honra de apresentar a V. Exas. em substituição do artigo 27.° da lei n.° 1:668, de 9 de Setembro de 1924, a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É concedido às viúvas, divorciadas ou separadas judicialmente, com direito a alimentos, e aos órfãos dos oficiais do exército e da armada, dos quadros coloniais, privativo e especial da guarda fiscal, que estejam ou venham a estar nas condições dos n.° 1.°, 2.° e 3.° do artigo 1.° da Carta de lei de 28 de Junho de 1880, o subsídio mensal de 6$, estabelecido nesta lei e no artigo 5.°, da lei n.° 880, de 16 de Setembro de 1919, assim como os benefícios estabelecidos provisória ou definitivamente na lei m01:311, de 14 de Agosto de 1922.

Art. 2.° São abrangidas nas disposições do artigo anterior, as viúvas, divorciadas ou separadas judicialmente com direito a alimentos e os órfãos dos oficiais

que actualmente não tenham pensão do Montepio Oficial, seja qual fôr a sua causa.

Art. 3.c Os subsídios de que trata o artigo 1.° só poderão ser concedidos às viúvas, divorciadas ou separadas judicialmente com direito a alimentos e às filhas solteiras, em quanto umas e outras se conservarem neste estado; aos filhos menores até aos dezoito anos ou até aos vinte quando frequentem com aproveitamento qualquer curso de aprendizagem e bem assim aos que, tendo ultrapassado esta última idade, sejam física ou mentalmente incapazes de angariar os meios de subsistência e deles careçam.

§ único. Ao quantitativo do subsídio e respectiva melhoria será sempre abatida a importância de quaisquer pensões ou rendimento próprio que as viúvas ou órfãos aufiram.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 16 de Dezembro de 1924. - Helder Ribeiro.

O Sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.

O Sr. Paulo Canceia de Abreu: - Não me julgo habilitado com os elementos precisos, para apreciar êste projecto de lei. Tenho a impressão de que em parte as suas disposições são justas. Entendo que se deve estabelecer a restrição relativamente às divorciadas.

É preciso não igualar situações que são inteiramente desiguais.

Embora as divorciadas tenham direito a alimentos, parece-me que a concessão dos alimentos deve ser só em vida dos maridos, e que essa prerrogativa deve deixar de existir depois da sua morte. Mas exactamente porque me não julgo habilitado com os elementos precisos para apreciar o projecto de lei, não lhe dou o meu voto.

O orador não reviu.

Foi aprovado na generalidade.

Em seguida entrou em discussão na especialidade o artigo 1.° sendo aprovado, bem como o artigo 2.°

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 3.°

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8 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Cortês dos Santos: - Mando para a Mesa a seguinte proposta:

Suprimir a palavra "não" do § único do artigo 3.°

6 de Junho de 1925. - José Cortês dos Santos.

Foi lida e admitida a proposta do Sr. Cortês dos Santos.

aprovados os artigos 3.° e 4.º

O Sr. Cortês dos Santos: - Requeiro que seja dispensada a leitura da última redacção.

Foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se, para entrar em discussão na generalidade, o parecer n.º 861.

É o seguinte:

Parecer n.° 861

Senhores Deputados. - A vossa comissão de guerra, a quem foi presente a proposta de lei n,° 845-B da iniciativa do Sr. Ministro da Guerra, acha inteiramente justo que, os militares que prestaram serviço de campanha em França ou em África por mais de um ano e que posteriormente tenham sido julgados incapazes do serviço activo, não sejam compelidos ao pagamento do taxa militar.

Nestes termos a vossa comissão de guerra é de parecer que deveis dar a vossa aprovação à referida proposta, com a seguinte modificação do artigo 1.°:

Artigo 1.° São dispensados do pagamento da taxa militar os indivíduos que, tendo prestado por mais de um ano, serviço de campanha em França ou em África, foram posteriormente julgados incapazes do serviço militar.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 5 de Fevereiro de 1925. - João Pereira Bastos - Tomás de Sousa Rosa - João Estêvão Águas - F. Dinis de Carvalho - Albino Pinto da Fonseca, relator.

Aprovado.

Projecto de lei n.° 845 -B

Senhores Deputados. - Considerando que têm sido sujeitos ao pagamento da taxa militar, indivíduos que, por efeito do serviço de campanha em França ou África, foram julgados incapazes do serviço militar;

Considerando que tal facto representa uma grave injustiça para quem em defesa da Pátria se inutilizou em serviço;

Considerando que a taxa militar tem por fim fazer contribuir para o Estado aqueles cujo estado físico os isentou de lhe poderem prestar serviço pessoal e não aqueles que por efeito dêsse serviço se incapacitaram:

Tenho a honra de submeter à vossa apreciação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° São dispensados do pagamento da taxa militar os indivíduos que, tendo prestado por mais de um ano serviço de campanha em França ou ora África, foram, por motivo do mesmo, julgados incapazes do serviço militar.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados. - Helder Ribeiro.

Foi aprovado na generalidade.

Foi pôsto em discussão na especialidade o artigo 1.°

O Sr. Hermano de Medeiros: - Dou o meu voto ao artigo 1.°

Lembrarei a V. Exa. a conveniência de ser votada uma saudação ao Congresso de Educação Física.

O Senado já votou essa saudação, e por isso é de justiça que a Câmara dos Deputados vote igualmente uma saudação. - O orador não reviu.

São aprovados os artigos 1.° e 2.°

O Sr. Pires Monteiro: - Peço que seja consultada a Câmara, sôbre se dispensa a leitura da última redacção.

Foi aprovado.

O Sr. Presidente: - O Sr. Hermano de Medeiros propôs um voto de saudação ao Congresso de Educação, que se tem realizado nesta cidade.

Consulto a Câmara, sôbre a proposta do Sr. Hermano de Medeiros.

Foi aprovada a saudação ao Congresso de Educação Física.

O Sr. Presidente: - Consulto a Câmara sôbre o requerimento do Sr. Tavares

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Sessão de 6 de Julho de 1925 9

de Carvalho, para ser incluído na tabela antes da ordem do dia o parecer n.° 852.

Foi aprovado o requerimento do Sr. Tavares de Carvalho.

O Sr. Cancela de Abreu requere a contraprova, que confirmou a aprovação.

Entrou em discussão o projecto do Sr. Pinto Barriga, sôbre a carteira do jornalista, negando sancção ao decreto n.° 10:882.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: damos o voto a êste projecto, pois assim se acabará com mais uma das atrabiliárias medidas do Sr. Ministro do Interior, Vitorino Godinho, que deixou de ser Ministro com agrado de todo o País. Votamos o projecto do Sr. Pinto Barriga pois acabar com uma disposição que leria uma classe no seu prestígio.

O projecto de lei foi aprovado.

Leu-se e foi aprovado.

O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: eu pregunto a V. Exa. com que direito um Deputado aceita um lugar remunerado, não se cumprindo os artigos 20.° e 21.° da Constituição, principio da mais alta moral (Apoiados) indispensável à independência do Poder Legislativo.

Não tratarei hoje detalhadamente dêste assunto, pois há o debate político e eu não quero fatigar a Câmara, mas chamo a atenção de V. Exa. para esta disposição da nossa Constituição, que, pelo que vejo nos jornais, continua a ser desrespeitada, visto vários Srs. Deputados irem ser nomeados para lugares remunerados.

Leu se o parecer n.° 859, pensões às viúvas do general Tamagnini de Abreu e do coronel Rodolfo Malheiro.

0 Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: parece que foi há muito tempo que os Deputados republicanos afirmavam nesta Câmara, no tempo da propaganda, que pensões às viúvas era um escândalo do regime monárquico.

Agora já não é escândalo as variadas e repetidas pensões que a República distribui!

Sr. Presidente: nós entendemos que os serviços prestados pelo general Tamagnini do Abreu não devem ser esquecidos pelo País, mas daí até ao ponto de votarmos uma pensão para a sua viúva, sem sabermos as circunstâncias em que ela se encontra, vai uma grande distância.

Desde que não temos ao nosso alcance os elementos necessários para sabermos se ela carece ou não dessa pensão, nós não podemos dar o nosso voto ao projecto.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Seguidamente foi o projecto aprovado na generalidade, tendo sido também aprovado na especialidade, sem discussão.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na ordem do dia.

Está em discussão a acta.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como ninguém pede a palavra, considero-a aprovada.

Entra na sala o novo Ministério da Presidência do Sr. António Maria da Silva.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro da Guerra (António Maria da Silva):- Sr. Presidente: presto a V. Exa. as homenagens do Govêrno, visto que V. Exa. é o representante desta ilustre Câmara. E agora, passo a ler a declaração ministerial.

Sr. Presidente: tendo o Govêrno da Presidência do Sr. Vitorino Guimarães, por divergências de critério com a Câmara dos Deputados, apresentado a sua demissão, o Sr. Presidente da República deu-me a honra de me confiar a constituição do actual Ministério.

Saídos do Partido Republicano Português, irmanados, pois, no mesmo pensamento, os homens que compõem êste Govêrno, embora subordinando a sua acção do programa e orientação partidários, desejam lazer uma política verdadeiramente nacional e têm como objectivo supremo os altos interêsses do país e o prestígio do regime.

Chamado ao Poder no final duma sessão legislativa, já prorrogada, pareceria pretencioso que êste Govêrno vos apre-

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sentasse um largo programa de realizações, que, dependendo em grande parte da. discussão parlamentar, não poderia já ser apreciado pelo Congresso, por maior que fôsse o seu desejo.

Seguirá o actual Ministério resolutamente pelo caminho da defesa dos princípios da humanidade e da civilização, respeitando e mantendo a ordem social e não permitindo que se confundam as ideas políticas com os crimes comuns.

Do patriotismo do Parlamento, de que já sobejas provas têm sido dadas, espera o Govêrno que ràpidamente se discuta e aprove o orçamento para 1925-1926, para se reentrar na normalidade da vida financeira do país.

Procurará o Govêrno, por adequadas medidas, firmar a confiança na melhoria do valor do escudo, para que essa melhoria definitivamente se reflita na economia nacional, e empenha-se em regularizar as relações entre o Estado e o Banco Emissor, para o que perfilhará as propostas da vossa discussão pendentes, apresentando-vos oportunamente quaisquer alterações que julgar necessárias.

Esforçar-se há por obter o equilíbrio da conta das desposas e receitas orçamentais, pela justa compressão das primeiras e pela efectiva cobrança dos impostos criados, procurando ainda, com o auxílio do Parlamento, simplificar o processo de cobrança de modo a facilitar o pagamento ao contribuinte.

Á fim de garantir eficiência moral o material às instituições militares, cujo alto e indiscutível prestígio convém assegurar para dignidade da Pátria, o Govêrno, de acordo com as instâncias técnicas e aproveitando, sem preocupações de partidarismo, todas as competências reveladas no nobre mas duro cumprimento do dever militar, procurará levar a, efeito a organização do Conselho Superior de Defesa Nacional, como órgão orientador da política militar da República, cujo plano de execução caberá aos organismos técnicos do exército; diligenciará criar um fundo especial para instrução e aquisição de material; inventariará todo o material de guerra pertencente aos Ministérios da Guerra e da Marinha; e extinguira todos os elementos orgânicos sem função, revertendo as suas dotações em favor dos úteis e necessários.

O Govêrno segue com toda a atenção os acontecimentos do Extremo Oriente, fazendo votos por que ràpidamente se restabeleçam a paz e tranquilidade entre a China e as outras nações.

Pondo em destaque os pontos a que acabo de me referir, não posso deixar de acrescentar que merecerão cuidada atenção do Govêrno:

O melhoramento dos serviços policiais e de emigração; o aperfeiçoamento das instituições judiciárias e a codificação ou compilação das leis civis e de processo; a reorganização do exército de modo a actualizar a sua base orgânica e armamento no sentido de unificação das fôrças metropolitanas e coloniais e promovendo uma eficaz selecção no recrutamento para o oficialato, de modo a garantir o prestígio dos quadros; o aprontamento de todas as fôrças navais de superfície, aóvéas e submarinas para intensificar a instrução; o desenvolvimento da exportação portuguesa; a elaboração de um plano de aproveitamento das anuidades que a Portugal pertencem pela execução do plano Dawes, de modo que as mercadorias a adquirir ou trabalhos a realizar sejam os que mais convenham à economia nacional; a solução do problema das estradas ordinárias e o melhoramento dos portos; o regime bancário do ultramar, que é urgente remodelar; o estudo das modificações necessárias às cartas orgânicas das colónias, sem prejuízo da autonomia administrativa; a obtenção, dentro dos recursos financeiros do momento, de uma maior eficiência dos organismos escolares existentes; o desenvolvimento da educação popular corri a coadjuvação dos municípios, das juntas gerais e das de freguesia, embora todos os ramos de ensino sejam objecto dos seus cuidados; o prosseguimento da acção executiva de toda a legislação social, para a mais eficaz defesa dos que exercem a sua actividade, num espírito de aliança entre o capital e o trabalho; o conhecimento da verdadeira situação da indústria nacional; o incitamento ao melhor aproveitamento das riquezas do subsolo; e ainda a remodelação dos serviços sanitários e hospitalares.

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Reconhecendo o Govêrno quanto lhe cumpre fazer pela valorização e mobilização das riquezas da terra, promoverá a mais completa liberdade no exercício das actividades económicas relacionadas com a agricultura, dando-lhe, ao mesmo tempo, de uma maneira iniludível, uma cooperação e uma assistência francas, leais e patrióticas. Intensificará o estudo de todos os problemas preliminares e subsidiários, e continuará o aperfeiçoamento dos processos de investigação e experimentação scientíficas.

Termino assegurando à Câmara que este Govêrno quere realizar uma obra republicana no sentido progressivo, social e político, apoiado na lei, na ordem dos espíritos e no sentimento das oportunidades o respeitando todas as crenças e opiniões.

O Sr. Rodrigues Gaspar: - Sr. Presidente: começarei por dirigir os cumprimentos ao Govêrno que acaba de se apresentar.

Vejo nesse Govêrno homens dos mais dedicados à causa republicana, homens que se têm esforçado, em diversas circunstâncias, por bem servir o ideal republicano que professam.

Na pasta da Agricultura vejo o Sr. Tôrres Garcia, elemento de primeira ordem, que o País já conhece pela dedicação com que geriu aquela mesma pasta no Govêrno da minha presidência.

A Câmara sabe muito bem qual a inteligência e qual o modo extraordinariamente prático que S. Exa. emprega para resolver os assuntos de que é encarregado.

Ha, pois, uma esperança, devendo nós confiar na sua acção numa pasta de tam grande importância, como é a da Agricultura.

Está na pasta do Trabalho o Sr. Lago Cerqueira.

Ocupa pela primeira vez as cadeiras do Poder, mas é um velho republicano que tem empregado toda, a sua acção em desenvolver o seu ideal, e que está sempre pronto a sacrificar-se pelo Partido a que se honra de pertencer.

Não é S. Exa. um novo que, por consequência, pudesse dar a impressão de que andava a agatanhar o Poder para vir ocupar um lugar de destaque.

Na pasta da Instrução está também um ilustre republicano que a cidade do Pôrto conhece bem pela dedicação com que tem servido os diversos cargos que lhe têm. sido confiados.

É um velho republicano que, várias vezes instado para vir ocupar as cadeiras do Poder, se tem modestamente recusado, mas que nunca deixa de estar ao nosso lado nas ocasiões difíceis.

Temos na das Colónias o Sr. Filemon de Almeida.

E S. Exa. à também um republicano bem conhecido, colega nas Constituintes.

Todos tivemos já o ensejo de conhecer qual a sua dedicação, bom senso e devoção pela causa republicana.

Está ocupando uma pasta que, neste momento, exige realmente muita ponderação, muitos conhecimentos e muita inteligência.

Estou abertamente convencido que S. Exa. está muito bem na pasta que lhe destinaram, e que nos garantirá que de facto pelo seu Ministério se fará aquela obra altamente nacional que há a fazer, atendendo às diversas circunstâncias difíceis em que se encontram algumas das colónias portuguesas.

Na pasta do Comércio está o Sr. Gaspar de Lemos.

Todos têm por S. Exa. aquela consideração e respeito que se deve aos homens que de longa data se vêm esforçando pelo triunfo do ideal republicano, sem que nunca dessa luta tenha pretendido qualquer cousa que seja em seu benefício.

E um Senador muito ilustre, ocupando na outra Câmara um lugar distinto.

S. Exa. terá por certo, ocasião de mostrar a sua muita dedicação, bom senso o inteligência, qualidades que hão-de servir para naquela pasta arrumar muita cousa que desarranjada está, e para procurar resolver assuntos da mais alta importância para a economia do País.

No Ministério dos Estrangeiros temos o Sr. Portugal Durão, figura que todos conhecemos por ter já dado, quando por várias vezes tem ocupado as cadeiras do Govêrno, as mais sobejas provas do seu senso prático.

Infelizmente S. Exa., neste momento, acha se doente, mas faço votos ardentes para que em breve venha ocupar o seu lugar para o desempenhar com aquela

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elevação com que tem sabido honrar os anteriores lugares que tem ocupado.

Na pasta da Marinha está o Sr. Pereira da Silva.

Não é preciso, nesta Câmara, fazer o elogio dêsse distinto oficial, que através de vários Ministérios tem provado bom qual é o seu estudo e dedicação pela arma de que honrosamente faz parte.

Todos sabem como S. Exa. tem procurado estabelecer e aperfeiçoar a instrução e fazer com que os poucos barcos de que dispomos possam dar o devido tirocínio no mar aos oficiais e marinheiros.

E ainda há pouco a Câmara teve ocasião de lho manifestar toda a sua admiração pelo estudo, persistência e forma brilhante como S. Exa. trabalha.

Infelizmente, Sr. Presidente, circunstâncias familiares o impedem de estar aqui presente nesta apresentação.

A pasta das Finanças está entregue a um velho republicano, o Sr. Lima Basto, que a Câmara toda conhece, por já ter passado por aquelas cadeiras e por já ter dado muitas provas da sua inteligência o da maneira como estuda os assuntos e os problemas que lhe são confiados, sendo, portanto, uma garantia de que os assuntos referentes àquela pasta hão-de ser tratados com muito boa vontade e inteligência.

Na da Justiça encontra-se um homem que ô extraordinariamente modesto, mas que o Congresso lhe vota a maior consideração e respeito, o Sr. Augusto Monteiro, havendo, portanto, muito a esperar da sua inteligência e vastos conhecimentos que tem do assunto.

Na pasta do Interior encontra-se o Sr. Germano Martins, que pela primeira vez, vem ocupar as cadeiras do Poder.

É um velho republicano, havendo muito a esperar da sua inteligência e boa vontade.

Estou absolutamente convencido, Sr. Presidente, que a entrada do Sr. Germano Martins para a pasta do Interior é uma prova manifesta da boa organização dêste Ministério, não tendo havido complicações, pois estou certo de que S. Exa.a na gerência da sua pasta, há-de procurar, como sempre o tem feito, servir o melhor possível a República sem estabelecer discórdias.

Como Presidente do Govêrno e gerindo a pasta da Guerra está o ilustre homem público Sr. António Maria da Silva.

Desculpe-me V. Exa. que eu tenha fugido talvez às praxes seguidas, não começando por me referir ao Chefe do Govêrno.

O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - Os últimos serão os primeiros, Sr. Rodrigues Gaspar.

O Orador: - V. Exa., como engenheiro que é, não se deve admirar que eu tenha deixado para o fim as referências que tenho a fazer ao Sr. Presidente do Ministério, pois a verdade é que a maior estabilidade é da base para o vértice e não do vértice para a base.

Como eu ia dizendo: à testa do Govêrno encontro um homem público sobejamente conhecido e que tem desempenhado aquele alto lugar por diversas vezes, mostrando a sua alta competência e o seu valor de homem do Estado.

O Sr. António Maria da Silva tem procurado em todas as emergências bem servir a Pátiia o a República ainda mesmo* com o risco da própria vida, para levantar bem alto o regime republicano.

Devemos prestar-lhe esta justiça; o homem que foi encarregado do formar Ministério é um homem a quem o País deve relevantes serviços.

Eu tive ocasião de acompanhar S, Exa. no seu último Ministério, e sei bem como deu as suas melhores provas não só da sua muita inteligência, bom senso e dedicação, pois do tal forma se desempenhou do seu cargo que a República viu que tinha na sua frente um homem do estado.

Várias vezes tem sido acusado, mas o que é necessário é prestar justiça a um homem que se propõe a bem servir o País e a República.

Como é da praxe, apresentou o Govêrno a sua declaração ministerial; e não era de esperar que trouxesse longos programas visto que estamos em vésperas de se1 encerrar o Parlamento e outros assuntos mais importantes devem preocupar a vida parlamentar.

Refiro-me, Sr. Presidente, à discussão e aprovação dos orçamentos.

Com muito prazer ouvi que a maioria nacionalista desejava discutir êsse diploma, pois a maioria democrática não pode

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deixar de corresponder a essa atitude, dando completo apoio a êsse ponto de vis-1a, pois não podemos continuar a viver em regime de duodécimos, prestando-se a que por diversas pastas não se tenha feito uma administração rigorosamente republicana, porque há um ponto em que eu discordo pela palavra que tem sido empregada.

Diz-se a cada passo: é preciso comprimir as despesas.

Ora se as despesas são massa do pagamentos, a compressão da massa nunca representa o desaparecimento da massa.

Continua a mesma massa, mais comprimida é certo, mas as despesas mantêm-se.

O que é preciso 6 entrarmos no caminho da redução das despesas, sem prejuízo dos principais serviços, pois seria um grave êrro inutilizá-los.

É também necessário tratar do uma melhor arrecadação das receitas autorizadas por lei.

Felizmente o Govêrno pela sua declaração mostra bem as suas intenções quanto a êste ponto, e por isso desnecessário se torna chamar para elo a sua atenção.

Olhando os homens que compõem o actual Govêrno, todos êles velhos republicanos que para o Poder foram animados da melhor vontade de bem servirem o País, eu fico na convicção absoluta do que a acção dêste Ministério há-de ser proveitosa para a República, cumprindo ao Parlamento discutir os orçamentos, a fim de que ao encerrar-se deixe inequivocas provas de que não antepôs à boa administração republicana quaisquer questões de pouca valia política.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: cumprindo uma velha praxe parlamentar, em nome do meu partido eu apresento ao Sr. Presidente do Ministério e a todos os Srs. Ministros, os nossos cumprimentos; e, sem ser para cumprir qualquer espécie de praxe, em meu nome pessoal, eu quero também apresentar os meus cumprimentos a todo o Ministério e em especial aos Srs. Ministros de quem sou amigo, permitindo-me especializar entre êles, o Sr. Presidente do Ministério, o Sr. Lago Cerqueira, o Sr. Filomeno de Almeida e o Sr. Augusto Monteiro.

Há uma virtude ou um defeito que eu tenho ser grato.

Já alguém disse que a gratidão é a virtude dos cães.

Não sei se é, nem se não é.

Quero dizer à Câmara que ainda não há muito tempo fui vítima de uma violência.

Por conveniências politicas, prenderam-me.

Toado eu tido um único lugar, remunerado, da República, e tendo-me demitido dele, um dia a República confiou-me um lugar não remunerado, o do reitor da Universidade de Coimbra, e, aproveitando o pretexto de qualquer revolução, certos homens do Govêrno transacto entenderam que a melhor cousa a fazer era prender o adversário político e demiti-lo do único lugar, que representava, de facto, da República uma honraria que êle não solicitara o que levara até muito tempo para aceitá-la; entenderam que a única remuneração que deviam dar a êsse homem pelos serviços que êle quisera prestar à República, e que, infelizmente, nem sempre se traduziram em utilidade, era prende-lo e demiti-lo.

Êsse homem afirmou, sob sua honra, que não estava comprometido no movimento revolucionário que se dava. Deputados, como, por exemplo, o Sr. Rocha Saraiva, a quem apresento os meus agradecimentos, vieram afirmar que não acreditavam que êsse homem tivesse responsabilidade no movimento. Contudo, prenderam-no, e alguns homens do Partido Democrático entenderam que o melhor serviço que poderiam prestar à República era vexá-lo, mantendo-o preso para que os seus ódios se pudessem cevar sôbre o corpo do inimigo vencido.

Nessa altura eu encontrei, para não citar outros, nos Srs. Lago Cerqueira, Domingos Pereira e António Maria da Silva, a quem, evidentemente, eu não pedia comiseração, a disposição de me prestarem, pessoalmente, as suas homenagens, reconhecendo-me um adversário político incapaz de enjeitar quaisquer responsabilidades quando de facto as tenha.

Apoiados.

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Também não posso deixar de dizer que do lado outros republicanos que têm praça assente do Partido Democrático, e com os quais eu, porventura dentro de poucas horas, vou votar para derrubar o Govêrno, existia o propósito firme da vingança política contra o adversário leal que nunca andou pelas alfurjas a pedir a morte de quem quer que fôsse.

Apoiados.

Infelizmente as circunstâncias políticas podem forçar-me, e forçam-me, a estar nesta hora ao lado de uns contra outros; mas um dever de lealdade se impõe à minha consciência : é afirmar a minha consideração por aqueles que acreditaram na minha palavra de honra, e a minha irredutibilidade política com aqueles que vou acompanhar na votação contra o Govêrno.

Homem de honra, entendo que aqueles que em certa altura zelam pela minha honra merecem, embora meus adversários, levados cada um por um sentimento político diverso, mas adversários que eu considero e respeito, a minha considera cão pessoal, a minha gratidão pessoal gratidão dum homem que em circunstância nenhuma da vida pode deixar de aprestar.

Não posso esquecer os benefícios que me fazem, nem os ultrajes que me impõem.

Apoiados.

Mas os nossos sentimentos, pessoalmente, nada têm com as condições de vida política.

Ainda não tive ocasião de encontrar os interêsses do partido em colisão com os interêsses da República. Por isso sirvo a República acima do nosso sentimento pessoal, acima dos nossos sentimentos mais íntimos, para cumprir o nosso dever.

Então os adversários políticos, em vez do terem razão para continuar lá fora uma vida de lata, em que o ódio aponte às multidões o nome do inimigo, têm apenas de fazer respeitar-nos, mesmo quando não destruam o seu ódio.

Para nós marcarmos a nossa posição política neste momento é preciso fazer um bocadinho de história, e é preciso saber como se gerou a crise política do Govêrno Vitorino Guimarães.

O Sr. Vitorino Guimarães, com uma enorme arrogância e com uma intransigência extraordinária, pôs nitidamente à Câmara êste problema: ou a Câmara, desmentindo-se a si própria, votava seis duodécimos, e elo poderia depois livremente fechar a Câmara e fazer o que muito bem entendesse, ou então sairia,

O problema político, pôsto com esta rigidez e intransigência, exige da parte de quem o pôs um pensamento definido.

O político é um ser essencialmente maleável.

Torna-se intransigente quando não tem ideas políticas ou quando quere praticar qualquer acto propositado.

Qual foi o pensamento do Sr. Vitorino Guimarães ao pôr por uma forma tam inflexível, iam pouco maleável, o problema político?

Porque é que o Sr. Vitorino Guimarães quis enxertar uma questão de confiança na proposta dos duodécimos?

Eu não vejo senão duas hipóteses possíveis para explicar uma tam estranha intransigência.

O Sr. Vitorino Guimarães sabia que no dia 29 do mós passado o seu feliz ex-Ministro do Interior havia de ser, por vontade do Go\0rno, principal accionista da Companhia Portuguesa dos Caminhos de Ferro, nomeado administrador da referida Companhia, exemplo único na nossa vida política, (Apoiados) porque nunca foi possível conceber até hoje que um Ministro pudesse usar da sua influência do membro do Poder Executivo para a pôr ao serviço das suas conveniências particulares.

Apoiados.

Já quem pertencia a maioria de votos? Ao Govêrno, ao Govêrno que impôs que ela se empregasse em favor de um dos seus membros. Exemplo máximo de dissolução moral que nunca se viu, nem na República, nem na Monarquia.

Apoiados.

A própria Constituição, que parece não existir já, não esquece as cautelas suficientes para impedir semelhantes factos. Um Deputado não pode ser eleito para membro dum conselho de administração que tenha interêsses ligados ao Estado.

Isto diz a Constituição, mas, mesmo que o não dissesse, o facto seria tam monstruoso que ninguém que tivesse um são conceito da moralidade o cometeria.

Apoiados.

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No dia 29 era, porém, eleito membro do Conselho de Administração da Companhia Portuguesa dos Caminhos de Ferro o Sr. Vitorino Godinho.

Como pensar que um tal Ministério pudesse subsistir?

O Sr. Vitorino Guimarães caiu, pois, vítima da ânsia insofrida do Sr. Vitorino Godinho.

E então antes de se produzir o facto que poria a moralidade republicana em cheque, o Govêrno preferiu cair.

Mas se não foi assim - e esta teria sido a primeira hipótese - qual a segunda hipótese?

O Sr. Vitorino Godinho continuar a ser Ministro?

Não, porque nem Deputado pode ser.

Uma recomposição ministerial?

Também não porque faltava ao Sr. Vitorino Guimarães prestigio para tanto. S. Exa. era, evidentemente, um homem morto.

Havia, no emtanto, uma forma de S. Exa. poder viver: pondo-se em condições de poder dispensar o Parlamento. E, naturalmente, passou pelo cérebro de S. Exa. o seguinte dilema: ou os meus correligionários, apesar das minhas instâncias, me mantêm no Poder, ou, no caso contrário, fecho o Parlamento e fecho os ouvidos para não ouvir nada, para não saber de nada.

O Parlamento, porém, deitou o Govêrno a terra e não contente em lhe ter rejeitado a proposta dos duodécimos, obrigando-o a cair, mostrou depois não ficar indiferente a certos actos lesivos dos bons princípios e da Constituição, votando-lhe uma nova moção de desconfiança, para acabar de o estrangular; e uma sessão houve em que parecia haver, o propósito de todos, porque de todas as bancadas saíam propostas nesse sentido, de estrangular decretos ditatoriais dêste Govêrno. Depois de morto tivemos ainda de estrangulá-lo.

O Govêrno não morreu, dissemos nós, quando votámos a segunda moção de confiança; êsse Govêrno morreu estrangulado pela Nação, e nós, que tantas vezes nos esquecemos doa seus ditames, que tantas vezes nos esquecemos do que ela nos ordena, quisemos uma vez ser livres e manifestar à, Nação que tínhamos o desejo íntimo de estrangular o Govêrno, votando-lhe ainda depois de morto uma segunda moção de desconfiança.

Quais foram as condições parlamentares em que caiu o Govêrno do Sr. Vitorino Guimarães?

Quem foi que o deitou a terra?

Meio Partido Democrático - e eu, não querendo interferir na guerra do alecrim com a mangerona, não querendo apreciar se os bonzos que têm os braços livres para ameaçar e matar os canhotos valem mais que os canhotos que apenas podem apoiar os seus braços no braço direito dos bonzos, não querendo ver quem tem maioria, divido o Partido ao meio, faço êsse serviço, porventura aos canhotos e digo meio Partido Democrático, Êle concorreu para a morte do Ministério Vitorino Guimarães, e quem mais?

O Partido Accionista declarou pela voz do Sr. Sá Cardoso, por quem todos temos uma alta consideração, que, embora concordasse com a moção do Sr. António Maria da Silva, o que era certo era que, por virtude de afirmações feitas anteriormente, votaria com o Govêrno, mas, à última hora, e sempre previdente, porque em política é sempre preciso ser-se previdente, destacaram-se alguns accionistas para ajudar a deitar abaixo o Ministério, e então pondo números ao acaso destacarei um têrço do Grupo Accionista como colaborando na morte do Governo.. Além de alguns independentes colaborou inteiramente na morte do Ministério Vitorino Guimarães-que morreria às mãos do Sr. Vitorino Godinho - colaborou inteiramente o Partido Nacionalista. Êste foi o xadrez político que, sem conchavos anteriores ou posteriores, derrubou o Govêrno Vitorino Guimarães.

Vem a propósito dizer que um certo órgão do Partido Republicano Português, constantemente enjeita o nosso apoio e repele as nossas alianças. Neste momento eu quero afirmar que êsses senhores repelem e enjeitam aquilo que nunca lhes foi. oferecido. Nunca oferecemos apoio, nunca propusemos alianças. Se porventura, alguém as desejou, eu não sei; podemos afirmar que nós não as propusemos e que intransigentemente nos temos mantidos no único ponto, que a nossa pouca visão política nos indica, que é de querermos ir ao Poder sozinhos e governarmos sozinhos.

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Mas, pôsto o problema pela forma por que foi pôsto, qual devia ter sido a solução dêste problema?

V. Exas. hão-de perdoar que eu os canse com. esta longa enumeração de factos, mas ela é necessária para se compreender a nossa atitude e para explicar como é que nós, tendo amigos no Govêrno, vamos votar contra êles.

Pregunto eu: era possível recorrer de novo ao bloco?

Mas então êsse bloco, que já tinha devorado quatro Ministérios, tal como Saturno que devorava os filhos, merecia a consideração de ser olhado como cousa diferente duma ficção política?

Então o Presidente da República pode ser estranho a êste espectáculo de se derrubarem Ministérios de dois em dois meses, de três em três meses, afirmando-se sempre a continuação dum bloco que é maioria para constituir Governos e não é maioria para os sustentar no Poder?

Era evidentemente um absurdo, da parte do Sr. Presidente da República, admitir a continuação do bloco.

Mas era ao Partido Democrático que se deveria entregar o Poder?

Havia alguma indicação de que o Partido Democrático constituísse sob o ponto do vista parlamentar um bloco unido e sólido, à custa do qual os Governos se aguentassem naquelas cadeiras?

Recordemos um pouco. Um dia o ilustre Chefe do Poder Moderador apresentou a sua renúncia ao Congresso da República. O acto era irremissível.

Uma vez apresentada e tornada pública a renúncia, evidentemente, dizem todos os tratadistas de direito constitucional, o acto não tinha remissão de culpa.

Mas, em suma, passemos por cima disto, porque não merece a pena importunar a vida da República com debates desta natureza, e assentemos que está legitimamente ocupando aquele logar quem lá se encontra.

Mas houve um facto que levou o Sr. Presidente da República a retirar o pedido de renúncia, o qual foi comentado em letra redonda; foi um apêrto de mão entre o chefe dos canhotos e os bonzos em Belém.

O Sr. Presidente da República declarara que, se essa reconciliação se não dêsse, não continuaria Presidente da República, porque está farto do assistir ao espectáculo de um Parlamento que se digladia e de uma Nação que não sabe o que quere.

Declarada de facto a harmonia na espinha dorsal da República o encaixadas as vértebras, o Sr. Presidente da República entendeu que a República podia continuar a subsistir.

Mas pregunto eu: está o Partido Democrático nessas condições?

O que fez neste acto político o Presidente da República?

Em vez de chamar um partido, chamou uma facção dêsse partido contra a outra, e, esquecendo-se do que afirmara, desistiu da renúncia!

Porque é que o Poder Moderador procedeu assim desta maneira?

Vejamos o que dizem os seus eternos defensores.

O Presidente da República não queria usar do direito consignado na Constituição de dissolver o Parlamento.

Creio que êsse direito é um princípio que deve ser usado para destruir um gâchis político, que possa dar-se na vida da República.

Se isso representa um favor, todos nós sabemos a quem êle aproveita, e a quem neste momento menos deseja a dissolução.

Estamos em vésperas de eleições: no Senado, a maioria é democrática; a maioria na Câmara dos Deputados é democrática; e então eu pregunto o que se quere fazer. É continuarmos por mais um período de quatro anos a viver debaixo do Partido Democrático, o que é empurrar o País para uma violência?

Resolvido o Poder Moderador a chamar ao Poder o Partido Democrático, houve o necessário intervalo cómico, com aquela exibição da scena do D. Tancredo nas corridas da província.

Foi a inevitável chamada do Sr. Afonso Costa. Portugal não é um País independente, sustento-o aqui. Portugal estabeleceu para com nm homem, domiciliado em Paris, um direito de vassalagem, uma espécie de pagamento feudal Portugal não exerce nunca o direito de escolher Ministérios sem pagar o direito ignominioso de vassalagem.

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Eu não sei o que a sorte reserva a êste Ministério, mas se ainda houver lógica em Portugal, e êle, portanto, cair, se novamente surgir o pensamento de fazer depender a formação do futuro Govêrno da ignominiosa resposta ao ignominioso telegrama para Paris, decididamente, homens livres de Portugal, isso é demais e justifica todas as revoltas!

Apoiados.

Esboçado o interregno de D. Tancredo, foi pedido um nome ao Directório do Partido Republicano Português, único que conta na vida política. Êsse Directo rio indicou o nome do Sr. António Maria da Silva, que constituiu o Ministério que lhe foi possível dentro, naturalmente, daquela facção do Partido Democrático de que S. Exa. é, sem melindro para ninguém, a figura mais representativa.

Mas S. Exa. cometeu dois erros no critério a que se subordinou. O primeiro foi demorar muito tempo a formação do Govêrno. Quem se mete em cavalarias desta natureza não deve dar tempo ao adversário para respirar; deve i á trazer o Ministério na algibeira de forma a formá-lo em 24 horas o máximo.

O segundo êrro foi o seguinte: possivelmente na constituição do Govêrno S. Exa. podia ter-se dispensado de chamar certos nomes, honrosos sob o ponto de vista pessoal, mas que se prestam a fáceis ataques dos seus adversários. Contudo, S. Exa. é que é o responsável pelas suas atitudes; S. Exa., por isso, se justiçará como quiser, na certeza de que, sendo todos honrados sob o ponto de vista pessoal, dois ou três nomes podiam dispensar-se de fazer parte do Ministério.

Logo do início da vida do actual Govêrno surgiu um problema político importantíssimo. Começaram, dizem-me, até a fazer-se apostas sôbre a sua possível existência.

Qual vai ser a sorte do intemerato lutador António Maria da Silva ? - pregunta-se de todos os lados.

Conseguirá êle - permitam-me V. Exas. que empregue uma linguagem taurina - rabejar o adversário canhoto?

Risos.

Conseguirá amortecer a fúria leonina dos oposicionistas?

Conseguirá sugar a actividade dos accionistas, aspirando-os para o seio do Partido Democrático?

E, cousa curiosa, fazendo parte do Partido Nacionalista e tendo a honra de pertencer ao seu corpo directivo, nunca vi que as suas atitudes fossem tam discutidas como nessa hora. Um jornal, que estimo e leio sempre com muito agrado, dizia mesmo: "então, pois quê, êsses pobres ingénuos dos nacionalistas, a bondade paternal do Sr. Ginestal Machado, a fúria, roas no fundo bom rapaz, do Sr. Cunha Leal, tudo isso comido pela habilidade do Sr. António Maria da Silva"? - e vinamas homílias ... Nós lemos isto o dissemos: "credo, pois nós não havemos do demonstrar ao Diário da Tarde que não somos assim rapazes para ser comidos?"

Risos.

E naturalmente ou disse ao Sr. Ginestal Machado: bem, vamos lá para a luta, e compreendem V. Exas. que nós somos tam infelizes e que não temos a bondade de Poder Moderador que está sempre sôbre a cabeça dos democráticos, havíamos de nos querer mostrar galhardos, avançando para o Sr. António Maria da Silva com a ousadia dos bons combatentes!

Já V. Exas. vêem que o que nos decidiu foram as objurgatórias do Diário da Tarde.

Risos.

Outros preguntavam: "Então êstes nacionalistas não vêem o prejuízo que causam ao seu partido pondo-se sempre na oposição"?

jNunca vi tanta gente preocupada com a atitude do meu partido!

Os monárquicos chamaram-nos aero-nacionalistas; outros diziam: " Então não vêem que o Poder vos está a cair nas mãos"? (o pior é Belém ...)

E claro que quem dizia isto eram os canhotos e os accionistas, que, aliás, têm estado sempre contra nós.

Mas é que nós não olhamos para os nossos interêsses, mas para os da República!

Muitos apoiados da direita.

E assim, se o nosso sacrifício fôr considerado necessário para a felicidade do País, nós fazemo-lo até com, prejuízo da nossa virilidade partidária.

Apoiados.

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Vamos, Sr. Presidente, rejeitar todas as moções de confiança, mas nesta atitude não outra senão o nosso raciocínio.

Comidos ou cão, enxotados de Belém como cousa inútil, nós só nos determinamos pela nossa consciência.

Apoiados.

Não tivemos ontem alianças para derrubar o Ministério do Sr. Vitorino Guimarães; não teremos também nenhuma espécie de ligação com os homens com quem porventura vamos ficar associados pau derrubar êste Govêrno - associação que resulta do facto de se encontrarem muitas pessoas no mesmo caminho- porque o nosso trilho é só orientado pela bandeira do nosso partido.

Apoiados.

Mas porque são possíveis estas cousas em Portugal?

Mas porque é que somos forçados a dizer todos os dias a mesma cousa, numa cegarrega que até a nós próprios causa?

Ainda há poucos dias um dos mais espirituosos caricaturistas da nossa, terra me representava, vestido de bailarina, cujos bailados eram já sobejamente conhecidos do País.

E quem provoca a repetição das mesmas afirmações da nossa parte?

As nossas repetições são o fruto da repetição de scenas provocadas por V. Exas.

E porque é isto possível?

Em primeiro lugar porque não há Poder Moderador.

O Poder Moderador tem funções dentro da Constituição.

Não são inúteis essas funções e o Presidente da República tem de exercê-las, não podendo ser um simples autómato.

O Poder Moderador abdicou as suas funções no Directório do Partido Democrático.

Quem ordenou ao chefe do Poder Moderador a obrigação do cometer êsse velame de convidar, para uma recusa certa, mais uma vez o Sr. Afonso Costa?

Foi, evidentemente, a resolução tomada pelo congresso do Partido Democrático.

Mas então essa espécie de direito consuctudinário a que chamamos indicações parlamentares é inútil.

O Poder Moderador é uma delegação do Directório dá Travessa da Agua de Flor.

Um partido absorveu êsse Poder que não tem a independência que ao princípio pensávamos existir, que não tem aquela vontade indomável para se impor com uma certa galhardia àquilo que não representa o prestígio das suas funções.

O Poder Moderador não é nada disto, é qualquer cousa de que o Directório do Partido Democrático usa à sua vontade delegação anódina que não tem autonomia própria, delegação sem poderes que está ali para receber como um fonógrafo as determinações do Partido Democrático, transmitindo as, como um fonógrafo, ao respeitável público.

O Partido Democrático concentrou também as funções do Executivo.

Uma das funções do Poder Executivo é a de nomear ou demitir as autoridades ou os funcionários de determinados cargos públicos, ao abrigo das leis.

Exerce o Poder Executivo autonomamente essa função que lho é conferida pela Constituição?

Não exerce. Até as simples nomeações precisam da chancela do Directório da Travessa da Água de Flor.

Recordam-se V. Exas. de que o Poder Executivo foi ao Congresso do Partido Democrático perguntar-lhe se podia ou não demitir o Sr. Rodrigo Rodrigues, só podia ou não tratar essa questão no Parlamento, e viu-se que o Congresso Democrático delegou no Parlamento a resolução do caso. Isto é o extremo das ignomínias.

Nós não legislamos, procedemos por autorizações dadas ao Poder Executivo, e o Poder Executivo usa as de acordo com a Travessa da Agua de Flor.

E então o que é que isto tudo significa?

Uma concentração de todos os poderes num partido: Poder Executivo, Poder Legislativo, Poder Moderador e, Poder Judicial.

E a tirania dum partido dentro da Nação, e quando a fôrça das cousas estabeleceu a tirania dum partido dentro da Nação, e quando a tirania dum partido se exerce por esta forma, V. Exas. compreendem perfeitamente que êsse partido está apto para o aparecimento dum tirano.

O que tem faltado ao Partido Democrático é um tirano.

Querem-no por fôrça, querem-no no

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Sr. Afonso Costa. Simplesmente o Sr. Afonso Costa tem medo de ser tirano, e o Partido Democrático, o partido da Igualdade e da Fraternidade, continua a andar à procura dum tirano para exercer a sua vontade duma forma inflexível sôbre a vontade dos cidadãos portugueses.

Era assim que procedia a sociedade jacobina em França, a quando da Revolução.

Infelizmente para o Partido Democrático, felizmente para nós, quando um tirano surge, quando um tirano aparece, é tam baixo como era o Sr. Pestana Júnior, ou faltam-lhe as asas, como faltavam ao Sr. José Domingues dos Santos.

Se tivéssemos Poder Moderador a sua função seria muito diversa e êle apreciaria como devia a actividade política.

Se o Sr. António Maria da Silva cair, só há um caminho: chamar o Partido Nacionalista.

Nós acreditamos piamente na boa vontade do Sr. António Maria da Silva em acabar com a truculência exagerada e com a inteligência do Sr. José Domingues dos Santos.

O Sr. António Maria da Silva apresenta-se como conservador nos processos, mas radical nas ideas; S. Exa. representa um papel de usurpador dos nossos direitos.

Apoiados.

O seu programa é um conjunto de afirmações que ofendem a consciência nacional.

O Sr. António Maria da Silva não tem o direito de usurpar os nossos direitos.

Sr. Presidente: vou terminar, mas antes direi que o Sr. Presidente da República não pode reconhecer como boa política, se o Sr. António Maria da Silva cair, o chamamento ao Poder do Partido Democrático, c"m qualquer agrupamento que vive à custa das dissensões dos partidos.

Chegou a hora de o Par tido Nacionalista ser chamado ao Poder; o contrário seria um opróbrio, uma ofensa aos legítimos interêsses da ordem.

Tenho dito, Sr. Presidente.

O orador não reviu.

O Sr. Tavares de Carvalho (para um requerimento): - Sr. Presidente: requeiro a V. Exa. se digne consultar a Câmara sôbre se permite que a sessão seja prorrogada até à terminação do debate político, com a interrupção que S. Exa. entender.

Foi aprovado.

O Sr. Sá Cardoso: - Sr. Presidente: não podem as minhas palavras, as primeiras a pronunciar, deixar de ser de saudação para o Ministério que está presente, onde conto com a amizade de muitos dos seus membros, e dalguns até com uma amizade muito íntima, sentindo, Sr. Presidente, que não estejam presentes dois dos membros dêsse Govêrno, o Sr. Portugal Durão e o Sr. Pereira da Silva, um por estar doente, outro porque um infausto acontecimento acaba de lhe criar uma grande dor.

Sr. Presidente: apresentadas a S. Exa. todas, sem excepção, as minhas saudações, não quero também deixar de cumprimentar os membros do Govêrno transacto, e como está presente nesta sala o Sr. Vitorino Guimarães, que era o Presidente do então, a S. Exa. endereço daqui os meus cumprimentos.

As segundas palavras são palavras de saudade, proferidas por quem durante ano e meio caminhou o acompanhou democráticos e independentes, formando uma fôrça parlamentar, que permitiu a formação de vários Governos, todos êles debaixo da mesma orientação.

Sr. Presidente: porque muito se tem dito, e nem sempre com verdade, acerca da situação da Acção Republicana, eu tenho de pedir à Câmara que me releve o tomar-lhe algum tempo com um pouco de história, para que todos, e principalmente a Acção Republicana, firmem a sua situação.

Sr. Presidente: quando os homens que fazem parte do Grupo da Acção Republicana se afastaram do Partido Nacionalista, houve necessidade de constituir um Govêrno, o que não era possível ao Partido Republicano Português. E vai então, Sr. Presidente, de lançar mão da formação de uma força nova, a do bloco parlamentar, para que êle servisse, como que de muleta, ao Partido Republicano Português, e lhe permitisse governar, pelo menos em companhia da Acção Republicana e do Grupo dos Independentes. E foi assim que o Grupo da Acção Republicana aceitou Sucessivamente as in-

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dicações do Partido Democrático, para a presidência dos Governos que se formaram, debaixo do programa que a Acção Republicana preconizava, para bom firmar que nada tinha com as Jutas intestinas do Partido Democrático.

Sr. Presidente: derrubado o Ministério Álvaro do Castro, a que tive a honra do pertencer, e derrubado sob a impressão de um discurso do ilustre Deputado e meu amigo Sr. Rodrigues Gaspar - e, cousa curiosa, foi, justamente, S. Exa. quem foi encarregado do organizar novo Governo- não me consta que da parte da Acção Republicana se tivesse levantado o menor entrave à acção de S. Exa. Constituiu S. Exa. o Govêrno, que se propunha seguir a política do Govêrno anterior, o vai logo de começar a substituição imediata de todas as autoridades administrativas r que eram da nomeação do Govêrno Álvaro de Castro, com excepção do duas.

Não mo consta também, apesar do desgosto que êsse facto nos causou, que tivessem sido levantadas quaisquer dificuldades. O Sr. Rodrigues Gaspar, se não estou em êrro, representava adentro da política do Partido Republicano Português a facção moderada, a direita do Partido.

A seguir é derrubado o Govêrno Rodrigues Gaspar, e o Partido Republicano Português indicou para o substituir o Sr. José Domingues dos Santos, e desta vez, que eu saiba, a Acção Republicana não levantou também o menor entrave, e com elo colaborou no Govêrno. Se não estou em êrro, o Sr. José Domingues dos Santos representava adentro do Partido Republicano Português a esquerda dêsse Partido.

Caiu o Govêrno de S. Exa., e é indicado para a presidência do Govêrno seguinte o Sr. Vitorino Guimarães, que é tido, suponho eu, adentro do Partido, como ortodoxo, isto é, daquelas pessoas que não se inclinam nem para a esquerda nem para a direita, e apenas querem defender os princípios do Partido Democrático.

Assim, Sr. Presidente, dá-se esta cousa curiosa: é que a Acção Republicana aceitou três correntes do Partido Democrático, sem opor nenhuma dificuldade à formação dêsses Ministérios. Porquê?

Porque nós não queríamos imiscuir-nos nas discussões adentro do Partido Democrático.

Aceitámos todas essas correntes e acompanhámo-las até que um dia caiu o Ministério Vitorino Guimarães. Porquê?

Não sei, confesso-o a V. Exas., a razão por que isso aconteceu.

Apoiados.

Saiu por vontade própria?

Saiu derrubado, sem que elo o suspeitasse, pela proposta do Sr. António Maria da Silva, hoje ilustre Presidente do Ministério?

Saiu porque houve adentro do próprio Ministério discussões entro os seus membros, que não permitiram ao Sr. Vitorino Guimarães, continuar na governança do Estado? Não sei. Mas, certamente, o Sr. Vitorino Guimarães, que assiste a esta sessão, e que já foi mais ou menos increpado pelo ilustre leader do Partido Nacionalista, não se poupará a dar explicações à Câmara.

Mas o que é certo é que, derrubado o Ministério do Sr. Vitorino Guimarães, foi indicado para o substituir o Sr. António Maria da Silva.

Supunha a Acção Republicana que, tendo existido um bloco, com fôrça palpável, que tinha uma orientação definida, um bloco que tinha dado as suas provas e que pôde, embora com intermitências, organizar ministérios durante ano e moio, que o Sr. António Maria da Silva, enveredasse pelo caminho da organização do Ministério adentro do bloco.

Fomos, porém, surpreendidos com o facto de se ter dado por terminado o bloco, e, apesar de nós fazermos parte dele, não tivemos a mínima comunicação oficial de que êsse bloco se tinha rompido e desfeito.

E entretanto, anunciava-se que se ia constituir um Ministério retintamente democrático, sem nós termos sido ouvidos.

O Sr. António Maria da Silva tem fama de ter habilidade e tato político, e todos nós não podemos deixar de lhe reconhecer, além destas qualidades, uma outra, o talento político, de que já tem dado também bastantes provas.

Mas S. Exa. falhou desta vez, porque conduziu as suas negociações por tal forma que nos melindrou a nós, Acção Republicana, e nos colocou na situação de pessoas que, tendo sido aliados na véspe-

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rã, nem sequer mereceram que lhes fôsse dado aquele cordial aperto de mão da despedida.

Apoiados.

Sentimo-nos melindrados com esta forma de proceder, é certo, mas seria, por acaso, êste ressentimento motivo suficiente para levar a Acção Republicana a não dar o seu apoio ao Govêrno que se acaba de organizar?

Não, Sr. Presidente. O nosso despeito e o nosso ressentimento, aliás perfeitamente justificados e justificáveis, não eram de molde a colocar os nossos interêsses individuais e partidários e os nossos melindres em oposição com aquilo que nós reputamos o bem da Nação.

Não, Sr. Presidente. É que a constituição do actual Govêrno justifica o nosso receio na futura administração do Estado.

O Sr. Rodrigues Gaspar, leader do Partido Democrático, creio eu, produziu aqui, há pouco, uma afirmação que me encheu do júbilo, a de que não tinha havido qualquer combinação, por parte do seu Partido, fôsse contra quem fôsse.

Mais tarde o Sr. Cunha Leal afirmou que não tinha havido aliança, e, foi bom que tal afirmação se fizesse para se destruir a atoarda, de que já se fizeram eco os jornais, de que o Ministério se havia formado simplesmente para fazer o desaparecimento da Acção Republicana.

A História repete-se, e tempos virão em que há-de ser preciso novamente uma muleta.

Mas, então, a lição de hoje terá aproveitado, é, à semelhança do que disse há pouco o Sr. Cunha Leal, nós não seremos também comidos.

Sr. Presidente: a Acção Republicana pode fazer aqui declarações absolutamente iguais às que fez o Sr. Cunha Leal, isto é, que, apesar de pequenos o em reduzido número, havemos de marcar a nossa posição, absolutamente sós.

Não temos ligação alguma com o Partido Nacionalista. Não as temos hoje com o Partido Democrático, que nos repudiou; não as temos com qualquer das duas ou três correntes ou facções em que se encontra dividido êsse Partido da República. Queremos afirmar ao País que, se não fomos nós quem rompeu o chamado bloco, não temos também qualquer afinidade com qualquer lado da Câmara. Queremos marcar bem a nossa posição, sabendo perfeitamente para onde vamos.

A Acção Republicana deseja firmar bom êstes pontos:

1.° A Acção Republicana sempre lealmente ajudou a formar quatro Governos do bloco, aceitando as diferentes indicações do Partido Republicano Português para as presidências dêsses Governos.

2.° Não foi a Acção Republicana quem rompeu o bloco.

3.° A Acção Republicana não teve conhecimento prévio da queda do Govêrno Vitorino Guimarães.

4.° Não houve connosco, por parte do quem resolveu romper o bloco, e decidiu a organização do actual Ministério, a menor atenção.

E não houve, Sr. Presidente - e esta é a parto mais dolorosa da questão - a menor atenção política para com o grupo que aqui tenho a honra de representar.

Será agora, antes do passar a outras considerações, ocasião propícia para explicar ao Sr. Cunha Leal, ao Partido Nacionalista e à Câmara a razão por que a Acção Republicana se dividiu, a quando da votação dos duodécimos. Já disse que fomos surpreendidos pela proposta do Sr. António Maria da Silva, que surgiu depois de eu, como leader da Acção Republicana, ter apresentado uma proposta de emenda ao Regimento, para se efectuar a discussão dos orçamentos e de ter feito a declaração do que votaria os seis duodécimos pedidos pelo Govêrno Vitorino Guimarães. Toda a gente conclui naturalmente desta declaração que estávamos dispostos a apoiar o Govêrno Vitorino Guimarães. (Apoiados). Mas tendo o Sr. António Maria da Silva apresentado aqui uma proposta para que fôsse votado um só duodécimo, a Acção Republicana, ignorando por completo que seria posta de parte, julgando necessária a conservação do bloco, teve do arrepiar caminho, para conservar essa mesma fôrça.

E então as pessoas que só achavam comprometidas na declaração do que aprovariam os seis duodécimos viam-se naturalmente forçadas a votá-los. Era uma questão do coerência. Mas outros, com o desejo de que a fôrça do bloco se conservasse, tiveram de enveredar pelo caminho inverso. Creio que ficará assim explicada a razão da nossa atitude.

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Sr. Presidente: eu disso há pouco que não seria bastante o mau tratamento que sofremos do ilustre Presidente do Ministério, Sr. António Maria da Silva, para que nos afastássemos, se julgássemos que êste Govêrno podia contribuir de qualquer forma para a felicidade da Nação. Mas, Sr. Presidente, penso que a orientação do actual Ministério está em absoluta oposição com aqueles princípios que foram defendidos no Ministério Álvaro de Castro e que orientaram sempre, mais ou menos, a política do bloco, política de economia, de redução nas despesas públicas, uma política de fazer parar imediatamente - e quero crer que para sempre - o alargamento da circulação fiduciária, uma política, emfim, que se traduziu em actos de moralidade. Depois do Govêrno do Sr. Álvaro de Castro, todos os outros que sucederam mais ou menos se nortearam por estos princípios que estavam estabelecidos.

É certo, Sr. Presidente, que nem sempre se seguiu essa política e que vários cortes ela levou. Não há dúvida que algumas das medidas que representavam economia foram revogadas Não há dúvida de que foi o Ministério do Sr. José Domingues dos Santos que deu a primeira machadada nelas, começando a nomear funcionários públicos que nem sequer eram funcionários do Estado.

Não há dúvida de que o Ministério do Sr. Vitorino Guimarães seguiu largamente êsse caminho, mas não há dúvida, também, do que, aparto êstes senões, tal política se conservava e, mercê de um esfôrço do Sr. Daniel Rodrigues, a que eu preito a minha homenagem, pôde até realizar a estabilização do escudo, fim a que exactamente visavam as medidas do Ministério Álvaro de Castro, por se supor, e com razão, que, desde que o escudo se estabilizasse, possível seria aos Governos que ali se sentassem ter uma base segura para a elaboração dos seus orçamentos,

E, Sr. Presidente, se nós encararmos a organização do actual Ministério, somos forçados a concluir que êle se afasta absolutamente dêstes princípios.

E muito ingrato para mim ter de entrar no campo em que o vou fazer. Ao iniciar as minhas considerações, tive ocasião de saudar os Ministros que fazem parte dêste Govêrno o tenho agora de me referir, em especial, a um com quem

mantenho as melhores relações de amizade. Conheço-o há muitos anos, tendo sido meu companheiro nos tempos da propaganda nos tempos em que ser republicano e preparar o advento da República tinha qualquer cousa de arriscado.

Encontrei-o sempre a meu lado e tenho por êle uma estima e uma consideração que só se tem por homens que sabemos serem honestos e coerentes. Refiro-me ao Sr. Portugal Durão.

S. Exa. é uma figura altamente categorizada da República, teco. sido Ministro mais de uma vez e reúne todas as qualidades que há pouco enunciei.

Mas, Sr. Presidente, ninguém ignora que o Sr. Portugal Durão é um inimigo declarado ,dos princípios defendidos pelo Govêrno Álvaro de Castro.

O Sr. Portugal Durão preconizou aqui o alargamento da circulação fiduciária; combateu aqui, falando mais de uma vez e votando contra, o contrato da prata; combateu aqui, tendo contra ela feito uma guerra extraordinária, a proposta da redução dos juros da dívida pública.

O Sr. Manuel Fragoso (em àparte): - Mas o Sr. Portugal Durão mio é o Ministro das Finanças.

O Orador: - Diz o Sr. Manuel Fragoso que o Sr. Portugal Durão não é o Ministro das Finanças. Eu sei, e por isso é que empreguei há pouco a palavra coerente; no emtanto, medidas desta natureza são da responsabilidade de todo o Ministério, porque marcam a sua orientação.

Isto, portanto, é suficiente para que o Govêrno não mo mereça confiança sob o ponto do vista do seguimento daquela política que reputo necessária para a boa governação do País.

É certo que o Ministro das Finanças não é o Sr. Portugal Durão, mas é o Sr. Lima Basto pessoa a quem, decerto, me ligam por igual relações do amizade, embora não com tanta intimidade, pessoa a quem por igual presto a homenagem da minha consideração, rendendo preito às suas qualidades e virtudes.

O Sr. Lima Basto, porém, quando se publicou o decreto sôbre a dívida externa, combateu-a à outrance.

Isto foi lido e sabido, chegando a haver quem supusesse que a campanha que

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estava fazendo quási podia redundar em descrédito para o País.

Depois, S. Exa. tem muita fôrça em si próprio, é capaz de dominar o seu espírito, do traçar um plano e o seguir até final contra o interêsse de todos, apenas pensando no bem da Nação.

Mas, S. Exa. pelas suas libações, não devia ocupar a pasta das Finanças no momento em que há que resolver determinados assuntos da maior importância, que, embora os resolva com o melhor da sua inteligência e do seu patriotismo, poderão dar ensejo a quaisquer insinuações, especialmente nos tempos que vão cor rendo, em que todos nós, sem excepção, somos abocanhados. Não me arreceio do facto em si - desde já o declaro - mas das consequências que dele podem advir.

Isto, Sr. Presidente, pelo que se refere à pasta das Finanças, mas não é só de finanças que se trata.

O Ministério Álvaro de Castro produziu economias reais pela supressão de muitos lugares e pela supressão de vários serviços.

"E quem foi que o Sr. Presidente do Ministério foi buscar para Ministro da Justiça? O meu ilustre amigo, Sr. Augusto Monteiro, sobre quem me dispenso de repetir as palavras de homenagem que disse a propósito dos Srs. Portugal Durão e Lima Basto, visto que não tenho que fazer excepção alguma a respeito do carácter de S. Exa., mas que, tendo sido vogal do Supremo Tribunal Administrativo, que o Ministério Álvaro do Castro suprimiu, foi quem no Senado mais se revoltou contra esta supressão.

O Sr. Vasco Borges: - O Supremo Tribunal Administrativo não tinha nada com o Ministério da Justiça, visto que pertencia ao Ministério do Interior.

O Orador: - Não tenho de dizer a V. Exa. senão o que disse há pouco a respeito do Sr. Portugal Durão.

Trata-se de um dêstes actos que envolvem a opinião de todo o Ministério.

O Sr. Vasco Borges: - Então foi um acto de que V. Exa. lavrou acta.

O Orador: - Isso deve ser um dito de espírito, mas, francamente, não percebo.

Foi público e notório que o Sr. Augusto Monteiro falou no Senado contra a supressão do Supremo Tribunal Administrativo.

O Sr. Vasco Borges: - Essa ligação que V. Exa. faz é que eu não percebo.

O Orador: - O Sr. Augusto Monteiro tem. a sua opinião presa a um facto a que ligo importância.

Sr. Presidente: já tive ocasião de me referir a três Ministros, faltando-me apenas referir ao Sr. Presidente do Ministério, o Sr. António Maria da Silva, aquele que encarna a política do Ministério.

Eu pregunto, Sr. Presidente, se o Sr. António Maria da Silva, que é o principal responsável pela grande circulação fiduciária feita neste país, pode merecer confiança ao País.

S. Exa. a êsse respeito lançou mão de portarias espaçada, surdas, excedendo as autorizações para elevar a circulação fiduciária.

S. Exa. tem uma grande facilidade, honra lhe seja feita, em resolver assuntos, deixando para os outros as responsabilidades do liquidar os encargos que criou.

Sr. Presidente: lembro-me que a primeira dificuldade, com que lutou o Ministério Álvaro de Castro foi o pagamento de 100:000 libras por conta de 200:000 autorizadas por S. Exa. para a compra de material de aviação por conta do credito de 3.000:000 de libras, que nada tinha com isto, compra feita contra o parecer do estado maior do exército.

Muito haveria ainda para dizer; porém, não desejo alongar-me em muitas considerações estranhando apenas o facto de S. Exa. se ter resolvido a sobraçar a pasta da Guerra.

Sr. Presidente: ou não sou contrário à entrada de civis no Ministério da Guerra, julgo até justificável êsse facto, pois a verdade é que êles, por vezes, melhor podem resolver quaisquer divergências que se encontrem dentro do Ministério da Guerra; porém, o que estranho é que S. Exa. não tivesse logo de princípio reservado para si essa pasta, em lugar de andar a fazer convites e a receber recusas de ilustres oficiais do exército o que já deu lugar aos comentários que se fizeram sôbre o assunto, pois certamente S. Exa.

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Mo ignora a entrevista publicada num dos nossos jornais da manhã.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro da Guerra (António Maria da Silva): - V. Exa. tem a certeza do que houve êsses convites?

O Orador:-Não, senhor, falo pelo que leio mas folgo muito com a declaração de que não houve ninguém convidado para Ministro da Guerra; porém não posso deixar de estranhar que é o primeiro Ministério que aqui se apresenta em que não vejo um único oficial do exército. V. Exa. bateu esto record.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro da Guerra (António Maria da Silva): - Tenho batido muito record.

O Orador: - Mas nenhum como o do alargamento da circulação fiduciária.

Sr. Presidente: creio ter justificado as razões que nos levam a não ter confiança no actual Govêrno, considerando-o prejudicial aos interêsses da Nação e assim termino mandando para a Mesa a seguinte moção que passo a ler:

"A Câmara dos Deputados, reconhecendo que o actual Govêrno não corresponde aos interêsses do País, passa à ordem do dia". - Sá Cardoso.

Tenho dito.

Os apartes não tiveram a revisão dos seus autores.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: apresentando-se hoje à Câmara mais um novo Govêrno, eu, apesar de sou adversário intransigente, apresento, cumprindo uma velha praxe parlamentar, os meus cumprimentos a cada um dos Srs. Ministros, sentindo que motivo de doença impeça o Sr. Portugal Durão de comparecer, e sentindo o imenso desgosto que no seu coração de pai acaba de sofrer o Sr. Ministro da Marinha.

Sr. Presidente: apresentando-se o Govêrno, apresenta-se também uma declaração ministerial, e apresentando-se um Govêrno António Maria da Silva, tinha de apresentar-se esta declaração ministerial, porque, de facto, o programa do Govêrno é o que se expressa nestas linhas que são a síntese dum discurso signé António Maria da Silva.

Leu.

Aqui está o programa do Govêrno: o Govêrno vai defender "os princípios da humanidade e da civilização".

Não pode haver declaração ministerial mais António Maria da Silva.

Tenho ouvido com a maior atenção os discursos dos ilustres representantes dos diversos lados da Câmara o as minhas considerações não serão longas.

Em nome dêste lado da Câmara, afastar-mo hei por completo da orientação seguida pelos ilustres Deputados que mo antecederam no uso da palavra.

Entendo eu e êste lado da Câmara que o Sr. Presidente da República podia certamente atender às repetidas indicações da opinião pública, que exige um Govêrno verdadeiramente nacional, um Govêrno que modifique por completo a obra dos diversos partidos da República, obra condenada pela Nação inteira.

Apoiados.

Não apoiados.

Pode concluir-se das palavras dos ilustres Deputados nacionalistas e dos ilustres Deputados do Grupo de Acção Republicana, que todos êles falaram da união dos republicanos e de defesa da República, que êles são, politicamente, interessados na continuação do caminho em que se tem vivido e que constitui uma obra verdadeiramente anti-nacional.

Apoiados.

Não importa seja o Sr. António Maricá da Silva ou o Sr. José Domingues dos Santos ou mesmo seja o Partido Nacionalista ou a Acção Republicana, desdobrada ou não desdobrada, que ocupe as cadeiras do Poder.

O País já sabe que, qualquer dêsses grupos que ocupo aquelas cadeiras, irá continuar no caminho que até aqui têm trilhado: impedir a Nação de manifestar a sua vontade, quer na maneira, como são feitos os recenseamentos, quer na forma de se fazer aquilo a que chamam eleições na República, que são apenas uma burla.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Não se esqueça de preguntar ao Sr. António Maria da Silva o que diz das eleições das juntas.

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O Orador: - Há o maior deprêzo pela vontade do país, impedindo que cada qual laça ouvir a sua opinião no voto, impedindo assim a devida representação parlamentar.

Começou o Sr. Rodrigues Gaspar, por falar em nome da maioria, logo veremos qual é a maioria.

O Sr. Rodrigues Gaspar, na maneira porque se referiu ao Govêrno, não seguiu as praxes usuais, pois não principiou de lá para cá, mas sim de cá para lá; S. Exa. começou por se referir ao Sr. Ministro da Agricultura, aquele que trata dos assuntos da terra, para onde dentro em pouco vão deitá-lo, mas não contente com isto ocupou-se do lago, e lançou-se imediatamente ao lago, onde o Govêrno há-de morrer afogado.

Êste lago não é de água, mas sim de vinho verde de Amarante, marca "Lago Cerqueira".

Sr. Presidente: referiu-se o Sr. Cunha Leal aos processos conservadores do Sr. António Maria da Silva e às suas ideas radicais.

Para nós tam conservadores são uns como outros.

Conservam-se a si próprios.

O Sr. Francisco Cruz: - É o que sucede com V. Exas., tratam de si.

O Orador: - Eu referi-me apenas à vida política.

De resto está sobejamente demonstrado quanto os Governos são conservadores; basta lembrar os trinta diplomas de 10 de Maio.

O Sr. António Maria da Silva diz que vem presidir a um Govêrno novo, mas há um ano estava S. Exa. no Poder e entre outras medidas tomou o empréstimo rácico, que nada deu para o Tesouro.

Temos ainda o decreto dos três milhões de libras, operação que nesta casa do Parlamento, e das próprias bancadas republicanas, íoi considerado como sendo uma das mais ruinosas o deu lugar aos esbanjamentos.

Foi o Govêrno do Sr. António Maria da Silva, que pela voz do Sr. Rodrigues Gaspar aqui levantou a questão de Angola, cuja situação é bem conhecida de todo o Pais, pela nefasta administração do Sr. Norton de Matos.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu (em àparte):- Para o compensar, é nosso embaixador em Londres!

O Orador: - Êste é que é o novo Governo?!

Ainda estou a ver o Sr. António Maria da Silva naquelas mesmas bancadas do Poder a defender a obra do Sr. Velhinho Correia, que ainda há pouco foi citado no Congresso Democrático como um dos seus melhores colaboradores.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu (em àparte): - Por isso foi para o Banco de Portugal!

O Orador: - Êste é o tal novo Govêrno?

Ainda me lembro que foi no Govêrno do Sr. António Maria da Silva que a circulação fiduciária subiu a dezenas de milhares de contos, talvez mais de 400:000 contos.

É êste Govêrno novo que vem falar em redução de despesas!

Então não foi êste mesmo político quem consentiu o escândalo da exposição do Rio de Janeiro?

Isto é um Govêrno novinho em folha!

Em qualquer outro país certamente que não era o Sr. António Maria da Silva o homem público indicado para tomar conta da nau Estado precisamente no momento em que se vai realizar o acto eleitoral, que é necessário que decorra com legalidade e liberdade.

E êste Govêrno o Govêrno conservador?

Então não foi êste mesmo homem público, com os seus conservadores, que impediu no acto eleitoral dos corpos administrativos que os eleitores votassem?

Conservadora a acção do Sr. António Maria da Silva! Aquela mesma acção que ainda há pouco, a propósito da lei da selagem, permitia, se não incitava, aos comícios contra os verdadeiros conservadores, e até a um assalto à Associação Comercial de Lisboa! Conservador o Sr. António Maria da Silva!

Mas o que nos vem agora dizer o Sr. António Maria da Silva na sua declaração? Vem dizer-nos que está disposto a trabalhar em benefício da humanidade e da civilização!

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No emtanto, e pela primeira vez nestes últimos anos, não se fala em aumento do impostos. Dalguma cousa havia de servir a proximidade do acto eleitoral. Mas se não se fala em aumento de impostos, em que se fala então? Fala-se na redução das despesas públicas. Pouco falta para novamente ouvirmos apregoar o bacalhau a pataco.

Sr. Presidente: para nós e para o País continua no poder o mesmo Govêrno, o Govêrno que ali está há quinze anos. Nós não nos metemos nas bulhas que dividem o Sr. António Maria da Silva do Sr. José Domingues dos Santos, ou o Partido Democrático do Partido Nacionalista; não falamos em autoridades administrativas, como o Sr. Sá Cardoso, simplesmente entendemos que o nosso dever é defender os interêsses nacionais, e é por isso que nós vemos, com pesar, surgir mais um Govêrno que dêles se ocupa pela forma que ressalta da leitura da declaração há pouco lida, e que, no fundo, nada, absolutamente nada, diz.

Não sei, repito, a sorte que aguarda o actual Ministério. Em todo o caso chamo a atenção do Sr. Ministro das Finanças para as palavras que vou proferir.

Sabe S. Exa. que no dia 30 de Abril do próximo ano finda o contrato dos tabacos, foi indispensável que o Sr. Ministro das Finanças encare o problema a tempo de êle poder ser resolvido como convém aos interêsses do País e de maneira a evitar que o seu sucessor herde, em relação aos tabacos, uma situação semelhante à que S. Exa. herdou relativamente aos fósforos.

O novo Parlamento só abre em 2 de Dezembro; a constituição da Câmara leva algum tempo a fazer-se, de forma que só lá para o Natal ela poderá ocupar-se do assunto, que terá depois do ser apreciado pelo Senado.

Tudo isto leva muito tempo, e eu pregunto se teremos então oportunidade para elaborarmos com critério, ponderação e estudo as bases do novo regime dos tabacos.

Tratando-se duma questão de tal magnitude, atrás da qual está uma das mais importantes receitas do Estado, eu pregunto: e, que pensa o Govêrno a tal respeito. ,JÉ pela concessão do exclusivo, é pela liberdade do comércio, ou é pela régie! Certamente o Govêrno tem pontos de vista concretos sôbre o assunto; pois é necessário que os exponha.

Desejo saber o que pensa o Govêrno acerca do actual regime tributário.

Com relação à taxa da contribuição industrial, têm sido apresentadas muitas reclamações, havendo sôbre o assunto vários projectos pendentes da nossa resolução.

Precisamos, pois, saber quais são as opiniões do Sr. Presidente do Ministério o do Sr. Ministro das Finanças acerca de tais reclamações.

Sr. Presidente: a minoria monárquica aprova todas as moções de desconfiança que sejam apresentadas ao actual Govêrno.

Quero ainda preguntar ao Govêrno que solução vai dar ao problema das estradas.

Tomou conta da pasta da Guerra o Sr. António Maria da Silva. Não vejo que S. Exa., mestre em revoluções, seja a pessoa mais indicada para a gerência dessa pasta.

Não haveria, porventura, nenhum oficial com o devido prestígio para assumir o lugar de chefe do exército?

Não está bem a pasta da Guerra nas mãos dum representante de associações secretas.

O que pensa fazer o Sr. António Maria da Silva acerca dêsses desgraçados civis que se encontram presos há quási três meses, pelo facto de inimigos os terem indicado como revolucionários da Rotunda no movimento de 18 do Abril último?

Aguardo uma resposta concreta da parto do Sr. Presidente do Ministério a esta minha pregunta.

É preciso que o Govêrno mande pôr em liberdade êsses homens, que são vítimas de vinganças pessoais.

O que pensa também o Govêrno relativamente ao andamento dos processos instaurados aos oficiais que tomaram parte nesse mesmo movimento?

Vai mandar, como se impõe, que os julgamentos se façam ràpidamente?

Vai revogar ou não o decreto que separa dos serviços do exército e da armada oficiais dos mais distintos, antes de feitos os respectivos julgamentos?

Essa revogação impõe-se, pois que tal

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decreto é absolutamente inconstitucional.

Segundo a Constituição, ninguém pode ser castigado senão por lei em vigor à data em que o delito seja cometido e pela autoridade competente.

Mantém o Govêrno o decreto inconstitucionalíssimo, que se refere aos julgamentos dos implicados no movimento de 18 de Abril último?

A todas estas preguntas deverá responder-me o Sr. Presidente do Ministério, pois nós necessitamos saber quais são as intenções do Govêrno.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Abranches Ferrão: - Sr. Presidente: em meu nome pessoal e no de alguns Srs. Deputados independentes; apresento cumprimentos ao Sr. Presidente do Ministério e a todos os restantes membros do Govêrno.

Marcando a nossa posição perante o Govêrno, direi que, não tendo nós, aqui, representação de qualquer corrente da opinião pública, apenas nos guiamos pelo que entenderão? ser o interêsse nacional.

Colocados perante estas circunstâncias, nós entendemos que, desde o momento em que o Govêrno foi constituído - o quero crer que bem formado à face da Constituição, isto é, nos termos por ela expressamente marcados - nós não podemos deixar do dar o nosso apoio a êsse Govêrno nesta hora que passa, porquanto se neste instante êsse Govêrno conseguir salvar-se da situação em que se encontra nesta Câmara, a nossa atitude futura dependerá dos actos que forem praticados por êle, os quais apreciaremos com inteira liberdade e imparcialidade, votando duma maneira ou de outra conforme julgarmos mais útil para os altos interêsses nacionais. Não temos que preocupar-nos com a forma como a crise foi resolvida. Suponho - e não posso supor outra cousa - que terá sido resolvida, na verdade, de forma a poder o Govêrno contas com uma maioria parlamentar e até, talvez, com a unanimidade de votos do seu Partido. Se assim não fôr, lamentável é que tenhamos de registar uma divisão na votação. Mas nada temos que ver com isso. E, no cumprimento do que julgamos ser o nosso dever, apoiaremos o actual Govêrno, pelo menos, na altura em que se encontra o debate político.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão para recomeçar às 21 horas e meia.

Eram 10 horas e 20 minutos.

Sendo 22 horas e 5 minutos, o Sr. Presidente ocupa o seu lugar

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

O Sr. Sá Pereira: - Sr. Presidente: gostosamente cumpro a velha praxe de enviar àqueles homens que constituem o Govêrno, que hoje se apresenta a esta casa do Parlamento, os meus mais afectuosos cumprimentos, fazendo votos para que, por uma larga carreira, consigam prestar algum serviço ao País.

Começo por cumprimentar afectuosamente os membros do Gabinete, porque quási todos êles são meus amigos pessoais.

O Sr. Presidente do Ministério é um velho amigo meu e um velho companheiro. Andamos é facto desavindos há um tempo a esta parte, porque S. Exa. se esqueceu dos bons princípios è eu mantenho-me fiel àquilo que sempre foram as nossas tradições.

O Sr. Ministro do Interior, pessoa também muito querida do meu coração, amigo velho, companheiro, o uma das pessoas mais íntimas do maior estadista dêste País, que com tanta dedicação e há longos anos defende as nossas ideas, e que com infinita mágoa há mais de meia dúzia de anos eu vejo afastado dos negócios públicos.

O Sr. Ministro da Justiça, Dr. Augusto Monteiro, é também um amigo querido, que eu muito considero, estimo e respeito.

O Sr. Lima Basto, ilustre Ministro das Finanças, embora não haja entre nós relações do maior intimidade, é também uma pessoa que eu me habituei a considerar há muito tempo.

Entre os Ministros que agora se apresentam a esta casa do Parlamento, há um que tem transitado de Govêrno para Govêrno, sobraçando sempre a pasta da Marinha. Sinto duplamente não ver

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S. Exa. presente. Não só tenho com S. Exa. as melhores relações de amizade, ainda que não seja meu correligionário, como sinto S. Exa. não estar aqui porque acaba de ser ferido no seu coração amantíssimo de pai.

Na pasta dos negócios estrangeiros está o Sr. Portugal Durão, que é também, além de meu correligionário, pessoa que eu conto no número dos meus amigos pessoais.

O Sr. Gaspar de Lemos, a quem também apresento os meus cumprimentos, é um amigo do sempre, não só meu como do Partido Democrático, quer nas horas amargas, quer nas horas doces do Poder.

O Sr. Ministro das Colónias, Sr. Presidente, que eu também não vejo agora presente, mas que já esteve aqui esta tarde, pertence ao número dos meus amigos íntimos. Foi meu companheiro na Assemblea Nacional Constituinte, e entro nós estabeleceu-se uma camaradagem que deu como resultado eu ter por S. Exa. um verdadeiro culto.

Oficial de marinha distinto, é considerado por todos aqueles que têm a ventura do o conhecer, uma pessoa dotada de bom coração.

Ao Sr. Ministro da Instrução, com o qual quási que não tenho relações, também saúdo neste momento solene, em que S. Exa. pela primeira vez sobe até às cadeiras do Poder.

Ao Sr. Lago Cerqueira, Ministro do Trabalho, e ao Sr. Tôrres Garcia, Ministro da Agricultura, a ambos envio os meus cumprimentos, afirmando-lhes os propósitos da minha amizade pessoal, que não se pode desvanecer por maiores que sejam as pugnas políticas.

Cumprido esto dever, devo começar por dizer a V. Exa. que sou de franca e aberta oposição ao Govêrno. Mais de que isso: recebo-o com a maior das hostilidades.

O Govêrno, tal como foi constituído, não só não satisfaz às exigências legítimas do meu Partido, mas até não satisfaz às exigências do povo republicano do País inteiro.

Não é porque o Ministério não seja composto de verdadeiros e cotados republicanos; é porque o Ministério manifestamente se constituiu para hostilizar a grande maioria dos elementos do Partida Republicano Português.

O Ministério constituiu-se sem qualquer espécie de consideração por aqueles que há muito tempo vêm reclamando que o Partido regresse àquelas normas de intransigência que foram sempre o seu lema.

O Sr. António Maria da Silva mais uma vez se apresenta a esta casa do Parlamento como Presidente do Ministério, pela quarta ou quinta vez, e, sem querer remontar muito atraz, basta-me relembrar, Sr. Presidente, quanto S. Exa. foi infeliz da última vez que constituiu aquele Ministério que foi mais tarde substituído pelo Ministério do Sr. Álvaro de Castro.

Lembra-me, Sr. Presidente, que êsse Govêrno não fez absolutamente nada em benefício da Nação; lembro-me, que por falta de medidas de carácter financeiro, Cie deixou que a libra se elevasse até a cifra fabulosa de 157$.

Lembro-me, Sr. Presidente, como forma grandes as pugnas políticas entre nós democráticos para que se cuidasse a valer da situação financeira do País, não a deixando ir de descalabro em descalabro, o lembro-me que às instâncias feitas por nós todos, o Govêrno respondeu com a sua inércia, emitindo papel sôbre papel; de uma maneira tam fabulosa que, se me não engano, atingiu um aumento de 400:000 contos, cifra verdadeiramente espantosa para um País tam pequeno e de tam poucos recursos como o nosso.

E lembro-me também, Sr. Presidente, que as dificuldades foram tam graves nessa época que o Sr. António Maria da. Silva, para acudir à situação e não sossobrar nos escolhos, mandou duas vezes, por portarias surdas, aumentar a circulação fiduciária, situação essa que tivemos de regular depois nesta casa do Parlamento.

Só mais tarde se discutiram nesta casa do Parlamento as propostas de finanças da iniciativa do então Ministro, Sr. Portugal Durão.

Lembro-me que de tal maneira elas estavam feitas, que era tal a confiança que as propostas inspiravam ao próprio Sr. Portugal Durão, que S. Exa. abandonou a pasta a meio da discussão, sendo substituído pelo Sr. Lima Basto, actual

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Ministro das Finanças; e sei também que depois de um trabalho extraordinário, que esta casa do Parlamento teve em aperfeiçoar essas propostas, nós conseguimos legislar de tal forma e tam desastradamente, que ainda hoje temos de registar que o contribuinte para pagar as suas contribuições tem de ir seis e sete vezes à repartição de finanças, e muitas vezes sofre o desgosto de as suas contribuições serem submetidas ao relaxe.

O Sr. Cunha Leal: - Como nós tínhamos então razão de atacar o Govêrno que V. Exa. defendia!

O Orador: - V. Exa. sabe perfeitamente que eu não morria de amores por êsse Govêrno.

V. Exa., que acompanhou os trabalhos parlamentares, sabe que o Sr. António Maria da Silva já não inspirava confiança alguma, e tanto assim que algumas vozes, embora com pezar, pedi a palavra para mostrar ao Govêrno de então o meu desagrado.

Mas se eu tenho razão para manifestar a minha não confiança no Govêrno, em consequência do que se fez no passado sob a responsabilidade do Sr. António Maria da Silva, não tenho menos razão para politicamente dizer que continuo a manifestar o meu desgosto e desconfiança.

Eu ainda não me esqueci daquele momento em que S. Exa. veio a esta casa do Parlamento fazer também uma declaração ministerial, em que se permitia o restabelecimento das religiosas nas escolas primárias, chegando a parecer impossível que um homem da envergadura de S. Exa., conhecendo as tradições do meu Partido, sabendo que é contrário a tudo que seja matéria religiosa, tal documento tivesse trazido a esta casa do Parlamento, e que por mim foi repelido com a maior de todas as energias.

Ainda em matéria religiosa tive ocasião de aqui dizer no debate político que Portugal estava cheio de congregações religiosas, o que era contra a letra expressa da Constituição.

Pedi providências ao Sr. António Maria da Silva, chamei a sua atenção para um relatório que nessa ocasião tinha sido apresentado pelo professor Sr. Manuel Borges Grainha, e S. Exa., que se conservou alguns meses no Ministério, não tomou uma única providência.

Mas há mais: sendo das tradições do Partido Democrático combater o jôgo de azar, eu tive nesta casa do Parlamento, pela boca de um Deputado monárquico, o Sr. Cancela de Abreu, a notícia de que o Sr. Presidente do Ministério de então e o mesmo de hoje, à sombra de uma autorização parlamentar, tinha publicado uma portaria, substituindo a pena de prisão pela pena de multa, aos indivíduos que praticassem o crime de jôgo de azar.

Seria impossível que tal se fizesse, mas fez-se!

Mas, Sr. Presidente, tam amargurada foi a vida dêsse Ministério, que êle devia reconhecer que a sua missão estava terminada.

Era então Ministro das Finanças o Sr. Velhinho Correia, que havia apresentado à Câmara dos Deputados duas propostas, pedindo S. Exa. somente que a Câmara votasse essas propostas, em que êle punha todas as esperanças.

Todavia, o descrédito do Sr. António Maria da Silva como estadista era tal que, vindo a esta casa do Parlamento, se viu abandonado pela maioria democrática.

Ora depois de tudo isto, o directório do meu partido entendeu que mais uma vez devia indicar o Sr. António Maria da Silva para Presidente do Ministério.

Acho que seria, para nós outros, muito doloroso, termos de nos submeter a essas condições, de nos submeter a um Ministério que está constituído em condições de não poder bem servir a Nação.

A seguir ao gabinete da Presidência do Sr. António Maria da Silva, vem o gabinete da Presidência do Sr. Álvaro de Castro.

Não é ocasião oportuna de apreciar os actos dêsse Ministério, mas quero simplesmente dizer 1jue a situação era de tal maneira angustiosa, que foi preciso sair para fora do Partido Democrático para se organizar um Ministério.

Hoje apresenta-se nesta casa do Parlamento o Sr. António Maria da Silva à frente de um novo Ministério, e traz os uma declaração ministerial inferior a todas as outras que aqui têm sido apresentadas, com o pretexto de que, estando as Câmaras Legislativas prestes a encerrar os seus trabalhos, não vale a pena que

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da parte do Poder Executivo haja largas promessas.

Devo dizer a S. Exa. que mesmo estas pequenas cousas, do que reza a declaração ministerial, só não poderão satisfazer e cumprir.

S. Exa. bem sabe, todos têm conhecimentos que não é possível nesta casa do Parlamento votar o Orçamento em quinze dias ou mesmo três semanas.

O Orçamento não tem possibilidade de ser discutido e votado a tempo emquanto não fôr aprovada uma proposta apresentada há tempo pelo ar, José Domingues dos Santos, em que tinha por fim reduzir a discussão do Orçamento a variadas verbas.

Não é crível, repito, que nesta Câmara se possa discutir e aprovar o Orçamento, que se compõe do cêrca de vinte volumes, em tam pouco espaço de tempo.-

Não disse o Sr. Presidente do Ministério, talvez por habilidade, nem uma palavra a respeito de um assunto da mais alta importância, de que o Govêrno não pode de forma alguma descurar.

Êsse assunto é, nada mais nada menos, do que o que diz respeito ao aumento de vencimentos aos oficiais, sargentos e funcionários civis.

O funcionalismo não pode continuar, seja êle militar ou civil, a viver nas tristes e precárias condições em que está vivendo.

O Sr. José Domingues dos Santos também já nesta casa do Parlamento disse as condições em que se podem melhorar êsses vencimentos, que é dando lhes aquilo que legitimamente se deve dar, ao mesmo tempo que é preciso sobrecarregar aqueles que, tendo grandes fortunas, têm obrigação de concorrer para a satisfação dos novos encargos.

Espero que o Sr. António Maria da Silva, se ficar ocupando as cadeiras do Poder, quando der a honra de responder a esta casa do Parlamento, diga o que pensa a respeito de tam momentoso assunto.

S. Exa. conhece as tristes condições em que vive todo o nosso funcionalismo, e tam de perto as conheço, que não tove dúvida nenhuma em aumentar os vencimentos à corporação de que êle e chefe supremo, porque S. Exa. reconheceu que os seus servidores, na verdade, não podiam viver com os vencimentos que o Estado lhes dava.

Nestas condições, tem fatalmente de reconhecer que todo o restante funcionalismo tem o mesmo direito e consequentemente as mesmas exigências.

Apoiados.

Sr. Presidente: fala a declaração ministerial, embora muito vagamente, em questões de carácter social. É uma prolonga que volta e meia aparece nas declarações ministeriais dos vários Governos, mas há uma cousa sintomática: nenhum disse, até hoje, concretamente, aquilo que pensa fazer em benefício das classes trabalhadores - daqueles que até hoje têm sido neste País unicamente explorados.

Emprega na declaração palavras bombásticas a respeito das classes proletárias, mas não diz se está resolvido a encarar a questão de frente, nem em que condições.

Julgo não ser muito verboso dizendo ao chefe do Govêrno quais as regalias a que se tem de dar imediata satisfação, que é começando por decretar o salário mínimo, obrigando assim os exploradores a terem mais contemplação pelos seus eternos explorados, o só com uma lei nesse sentido, uma lei que não tenha alçapões é que pode convencer-nos de que as declarações ministeriais são mais alguma cousa do que simples palavras.

Precisamos, Sr. Presidente do Ministério, de ter em conta que hoje, como no tempo da Monarquia, ainda se não respeitaram as liberdades de reunião, porquanto ainda recentemente uma associação operária, reunida no seu legítimo direito e ao abrigo de estatutos aprovados pelo Govêrno da República, foi invadida pela polícia, sendo presas as pessoas que lá se encontravam, e que, 48 horas depois, foram restituídas à liberdade, não constando que os agentes da. autoridade que promoveram esta arbitrariedade fossem por êsse facto castigados.

O Sr. Manuel Fragoso (em aparte): - Isso é com o Sr. Vitorino Guimarães, que V. Exa. apoiou sempre?

O Orador: - Não mo estou referindo a pessoas, mas somente a factos.

E agora, já que me estou referindo a

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factos desta ordem, quero dizer ao chefe do Govêrno que por dignidade própria e da República temos de acabar com êste sistema da polícia invadir as assembleas populares.

Contra êste abuso protesto, como igualmente protesto contra os assaltos feitos pela mesma polícia às casas dos cidadãos.

Isto, Sr. Presidente, vem simplesmente para dizer que não basta pôr nas declarações ministeriais promessas vagas, e que é preciso tomar-se na consideração devida as aspirações justas da classe trabalhadora.

O outro assunto respeitante às classes trabalhadoras, e para que eu quero chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério, é o que se refere à intervenção do Govêrno em conflitos entro o trabalho e o capital, noutro sentido que não seja o de simples medianeiro.

Segundo as nossas promessas feitas na propaganda, nós não temos absolutamente nada com êsses conflitos entre o trabalho e o capital, que devem ser resolvidos, apenas, pelos interessados, devendo os Governos intervir só quando haja alteração da ordem pública ou para servir de medianeiro.

Sr. Presidente: creio também que não deixaria de ser airoso inserir numa declaração ministerial o compromisso formal de decretar o estabelecimento de lucros entre o capital e o trabalho em bases absolutamente sólidas e sérias, como consta dum projecto de lei que há muito tive a honra de apresentar ao Parlamento, e que à Câmara, até hoje, não mereceu o seu estudo, pelo menos que eu saiba.

É também urgente a promulgação duma lei para ocorrer à situação dos operários quando impossibilitados de trabalhar; to-dâvia êste caso concreto igualmente o não vejo referido na declaração ministerial.

Em matéria de reinvindicações operárias, estou convencido de que tanto valem os republicanos conservadores do País como valem os partidos avançados que, no fundo, são tam conservadores como aqueles que êles dizem guerrear.

Chegamos a um ponto excepcionalmente grave, para o qual eu peço especial atenção do Sr. Presidente do Ministério.

Tive ocasião de dizer que prestava as minhas homenagens a todos os homens que se encontram neste momento sentados nas cadeiras do Poder, mas não basta que eu tenha em todos êsses homens a maior confiança, sabendo de antemão que êles são incapazes de cometer algum acto menos lícito, de que êles são incapazes de cometer algum acto que os possa macular. Não.

Sei que todos êsses homens são honrados cidadãos; mas não basta.

A opinião pública encontra-se alarmada, Sr. Presidente do Ministério, porque de café em café, de tabacaria em tabacaria, de praça pública em praça pública, afirma-se que o Sr. Ministro das Finanças é empregado da casa Burnay na secção de pecuária.

Se o Sr. Ministro das Finanças é empregado da casa Burnay, não pode estar de guarda aos cofres do Estado.

Por maior que seja a honorabilidade do Sr. Lima Basto, S. Exa. anão pode estar na pasta das Finanças no momento em que nós mais uma vez, e num prazo muito breve, vamos tratar da questão dos tabacos, que se liga com a casa Burnay.

O Sr. Ministro das Finanças (Lima Basto): - V. Exa. dá-me licença? Isso é mentira.

O Orador: - Se é mentira, registo a declaração de V. Exa. A imprensa fará favor de mencionar a sua declaração, e fica o assunto liquidado com S. Exa. por esta parte.

Passaremos por consequência a outro ponto, que diz mais ou menos respeito a um caso idêntico.

Sabe o Sr. António Maria da Silva, e êsse caso já hoje aqui foi marcado pelo Sr. Sá Cardoso, o que o Sr. Portugal Durão em duas sessões diferentes afirmou com respeito ao valor do esculo.

O Govêrno não pode seguir outro caminho senão o da valorização do escudo, e creio que não se pode harmonizar assim a opinião do Sr. Portugal Durão com a dos restantes componentes do Ministério.

Desmentiu em termos terminantes e categóricos o Sr. Lima Basto qualquer espécie de relações com a casa Burnay; declarou que não é seu empregado, que não é seu sócio, que não é seu agente.

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Outro homem que faz parte dêste Govêrno, e que também precisa fazer a mesma terminante declaração que acaba de ser feita pelo Sr. Lima Basto, é o actual titular da pasta do Trabalho, o Sr. Lago Cerqueira, que dizem lá fora ser o presidente do Conselho de Administração da Moagem, dizendo outros que é o presidente da Assemblea Geral da Moagem.

O Sr. Ministro do Trabalho (Lago Cerqueira): - É falso.

O Orador: - Registo também a declaração e a imprensa se fará eco dessa declaração.

Mesmo porque se o fôsse, também não podia ser Ministro da República.

Se o facto fôsse verdadeiro, não podia continuar a estar sentado naquelas cadeiras, porque os Governos da República não querem ter contactos com a Moagem nem com as casas bancárias; recusamos toda a solidariedade com êsses miseráveis, que têm sugado o sangue do pobre, que têm explorado até à última gota os que trabalham.

O Sr. Manuel Fragoso: - V. Exa. considera da mesma maneira todos os que pertencem à moagem o às finanças?

O Orador: - Todos os homens que compram o vendem são-me suspeitos, e a todos aqueles que seguem a política dos explorados contra os exploradores que levantam essa bandeira dentro desta casa do Parlamento e que jamais a deixarão de empunhar.

Quando eu souber que há um homem do meu partido que pertence à moagem ou às casas bancárias, eu direi que êsse senhor é suspeito. Dentro desta casa do Parlamento só podem estar aqueles que não têm contacto com os inimigos do povo, aqueles que são inimigos dós que têm enriquecido à custa do seu suor.

A nossa luta é uma luta de princípios, e quando todos os meus correligionários defenderem os princípios que defendo, estaremos todos entendidos.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

Os apartes não foram revistos pelos oradores que os fizeram.

O Sr. Jaime de Sousa: - Sr. Presidente: permita V. Exa. e a Câmara que, não só em obediência à praxe, mas por um dever de cortesia que me é imposto pelas relações de velha amizade e de consideração que me ligam aos membros do Govêrno, eu lhe enderece neste momento os meus cumprimentos e o preito da minha homenagem.

Sr. Presidente: fazem parte do Govêrno três ilustres oficiais da armada, meus camaradas, velhos amigos, que eu muito considero.

Sr. Presidente: são três oficiais de marinha dos mais ilustres e distintos da corporação, com largos serviços prestados à Pátria o à República.

JE se nesta hora eu tivesse de distinguir de entre êles algum, ver-me-ia em sérios embaraços.

Sr. Presidente: os outros membros do Govêrno não são militares, e até a própria pasta da Guerra é ocupada e muito brilhantemente por um civil.

Sr. Presidente: cumpro-me fazer excepção para um antigo combatente da Grande Guerra, que foi dos mais distintos, o Sr. Ministro da Agricultura, meu prezado amigo Sr. Tôrres Garcia.

Seria presunção da minha parte fazer individualmente o elogio de cada um dos ilustres Ministros para chegar à conclusão de que realmente o Govêrno na sua composição é um agregado de competências de velhos republicanos e homens de valor. A presidir a êsse Govêrno está um homem que o País conhece bem como velho republicano, lutador e hábil, talento parlamentar de primeira ordem, que em mais de uma emergência para a República e para o País tem demonstrado até que ponto pode ir o seu sacrifício e boa vontade.

Posto isto, eu fico à vontade para dizer a V. Exa. e à Câmara que no seu conjunto eu discordo inteiramente da solução política após a queda do Govêrno Vitorino Guimarães.

Sr. Presidente: quando caiu o Ministério Vitorino Guimarães, o País esperava e esperavam todos dentro desta casa do Parlamento que se firmava uma solução de harmonia, um conjunto político que dêsse acalmação e forma viável dentro da República e dentro dêste Congresso, que permitisse uma vida de trabalho útil e profícuo.

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Nunca esperávamos um Ministério puramente de facção.

As indicações no sentido de só constituir um Govêrno que permitisse essa união eram muitas; no próprio Congresso do meu partido resoluções se tomaram e homens foram indicados, e por acaso outros contra-indicados, mas indicadas foram algumas individualidades políticas que davam garantida a queda do Govêrno, e vários ilustres Parlamentares, consultados pelos órgãos de grande publicidade, até indicavam um nome que, pelas suas condições, dentro e fora desta casa do Parlamento, oferecia suficiente garantia ao País de que se formaria um Govêrno de composição para acalmar e trabalhar.

Êsse nome andava na boca de todos, vendo-se com surpresa que mio se pensou em tal; e então veio a ser criada esta situação política de confusão, em que não só sabe qual a maneira como se há-de sair dela, em que porventura o País e a sua administração continuam mais uma vez em panne.

O Sr. Cunha Leal (àparte). - Q Sr. Presidente da República abdicou da escolha do Presidente do Ministério no Directório do partido de V. Exa. O Directório escolheu quem quis. V. Exa. veio trazer para aqui uma querela do Partido Democrático.

Pois V. Exa. não podia solucionar êsse caso no Congresso do seu partido?

O Orador: - Eu não quero insistir, e assim respondo a V. Exa. que a discussão e exame das causas é que determinaram a situação política de confusão em que nos encontramos.

Eu não estou a discutir o que se passou no meu partido nem no seu Directório; estou apenas examinando a situação, e isso no pleno uso de um direito, de quem ocupa esta tribuna, de examinar a situação daqueles que se sentam nas cadeiras ministeriais.

V. Exa. não tem razão quando disse que eu trouxe para aqui uma questão partidária.

Eu apenas trouxe o exemplo em face da situação dêste Congresso; e senão vejamos: o ponto principal que o Govêrno apresentou na sua declaração ministerial, que tem pretensão a ser curta mas é extensíssima, é a votação do Orçamento Geral do Estado.

Sabe V. Exa., como a parte da opinião pública que lê os jornais, que costumam com verdade informá-la, que há duas causas de não terem sido votados os orçamentos nos últimos anos.

As causas são: em primeiro lugar a insuficiência regimental, que permito aos oradores que usam da palavra o fazer uma espécie do obstrucionismo, e ainda a falta de coesão das maiorias, que nos tem levado à situação critica de não se poder exercer aquela direcção 4o comando que em todos os Parlamentos do mundo é exercida pela maioria.

O Sr. Cunha Leal (àparte): - Eu pregunto a V. Exa. porque não se começou ainda a fazer a discussão dos orçamentos.

O Orador: - Começou-se a discutir o orçamento do Ministério da Instrução, mas foi tal a oposição feita nesta casa que não foi possível discutir.

O Sr. Cunha Leal: - Isso foi na nossa ausência.

O Orador: - Foi de facto na ausência do Partido Nacionalista, ausência que durou dois meses nesta Câmara, mas não é essa a causa do uso e abuso daqueles que dentro do Parlamento pretendem criar dificuldades aos governos; o caso é outro: é a falta de coesão das maiorias que acompanham os governos, de forma de em qualquer assemblea imporem aquela directiva e aquele comando que leva a um resultado profícuo, conduzindo as questões a ser principiadas e ultimadas em tempo oportuno.

Ora, com os discursos que a Câmara tem estado a ouvir nesta casa do Parlamento, conclui-se que a constituição do Govêrno, tal como foi encarada, em vez de solucionar a questão, veio, pelo contrário, complicá-la.

Então pregunto: que vantagem houve em criar uma tal situação política que, em vez de a facilitar, vai, pelo contrário, agravá-la mais?

Ao ouvir ler a declaração ministerial, na altura em que se refere aos desejos do Govêrno de votar com urgência o Or-

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çamento Geral do Estado, fiquei admirado.

Pregunto eu: traz o Govêrno algum elixir, com o que possa impedir o obstrucionismo, ou traz alguma forma de unir as minorias ?

Mas, sem nenhuma espécie do acrimónia, porque não tenho empenho algum em estar a ajudar ainda mais a colocar em má situação um Govêrno composto de homens que eu muito prezo, entendo que no programa ministerial há esquecimentos imperdoáveis e afirmações que mostram o desconhecimento das questões.

Ha afirmações que encobrem o conhecimento completo das questões e há problemas que deviam ser encarados, porque a oportunidade impõe o seu exame e que nem sequer foram tocados.

Br. Presidente: sabe V. Exa. e a Câmara que uma valorização vagarosa, mas oportuna, se tem vindo fazendo do escudo, e sabe também à custa de que sacrifícios, porventura, terá sido obtida essa valorização.

Há uma proposta de lei que está no Parlamento, e já foi iniciado o seu debate, pela discussão da qual o ilustre Presidente do Ministério insistiu por várias vezes.

Dessa proposta depende o poder fazer-se uma operação financeira conducente à estabilização e valorização da nossa moeda.

Refiro me à proposta do fundo de maneio.

É absolutamente urgente que essa proposta seja votada, e, no emtanto, não há na declaração ministerial nenhuma referência a essa proposta, parecendo que não se ligou a semelhante facto a importância que êle tem.

Por outro lado, já aqui foi dito que havia dentro do Govêrno partidários da escola inflacionista.

Possivelmente os haverá, mas entendo que nesta casa, quando forem declaradas essas ideas e princípios do maquinismo, temos o direito de os combater até ao último esfôrço, porque são, evidentemente, contra os factos e contra as condições económicas que o País está demonstrando possuir, e são ainda contrarias à forma como êsse assunto tem sido encarado em todos os demais países.

Sr. Presidente: hoje, o mínimo que se pode pedir em matéria financeira ao País, é a sua estabilização monetária.

Em Portugal, a estabilização já foi adquirida, e não o foi com dificuldade, porque se está acentuando dia a dia uma modalidade de equilíbrio que é visível pela marcha que está seguindo a divisa cambial, relativamente ao escudo.

Nestes termos, Sr. Presidente, julgo que a teoria da valorização do escudo deve ser seguida e, para que essa valorização se faça, é indispensável votar essa proposta de lei.

Nada diz o Govêrno, repito, sôbre essa proposta; não sei mesmo se ignora que ela está já meio discutida.

Sr. Presidente: há pouco foi aqui dito que o Govêrno não traz na sua declaração ministerial uma única referência à questão dos tabacos e, Sr. Presidente, é estranho que, sendo essa questão das mais importantes, se não queira tomar sôbre ela disposições a tempo, para que não venha a suceder o mesmo que se deu com a questão dos fósforos, em que, atabalhoadamente, se foi votar uma fórmula que não é aplicável na prática.

Parece-me, Sr. Presidente, que de facto o Govêrno não julga poder estar muito tempo nas cadeiras do Poder.

Eu não quero fatigar muito a atenção da Câmara, desejando apenas definir uma posição que entendo dever tomar e consequentemente, referir-me hei apenas a mais dois pontos, que entendo serem da máxima importância, e sôbre os quais a declaração ministerial nada diz, estando assim nós nas condições de não sabermos o que á que se pretende fazer.

Refiro-me, em primeiro lugar, à nossa situação na China, em que a declaração ministerial apenas diz que o Govêrno pretende seguir com atenção o que se passa no Extremo-Oriente, quando nós já sabemos o que se está passando, isto é, casos muito graves, conforme eu já tive ocasião de dizer à Câmara numa das sessões passadas.

A nossa situação na China não está bastante esclarecida, não tendo nós actualmente representante diplomático em Pequim, o qual se encontra em Londres, o que não faz sentido, dados os acontecimentos grandíssimos que se estão dando.

Eu já tive ocasião de chamar aqui a atenção do Sr. Ministro dos Negócios

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Estrangeiros do Ministério transacto; porém, S. Exa. nunca se preocupou muito com assunto.

Sr. Presidente: desde os primeiros meses dêste ano que funciona em Pequim uma comissão, que é a comissão de reorganizações, de que fazem parte todos os Ministros estrangeiros; porém, o nosso representante em Pequim brilha pela sua ausência, o que tem feito com que até aqui não tenhamos tido voz nessa comissão.

E esta, como a Câmara vê, a nossa situação na China.

Não basta dizer-se que temos de seguir a questão com atenção; temos que agir com urgência.

Também a declaração ministerial não faz referência alguma relativamente à nossa dívida de guerra, isto é, as dividas que os aliados têm com a Inglaterra, o que na verdade é para admirar, atenta a circular que a todos foi dirigida, pedindo para que seja resolvido o pagamento dessa dívida.

Sr. Presidente: Portugal deve a Inglaterra uma quantia de 22 milhões e meia de libras, quantia esta que é necessário pagar.

Não é isto uma especulação cambial, pois felizmente a forma do pagamento já está resolvida o Portugal pode pagar essa dívida.

A anuidade, segundo cálculos elementares, exigida pela Inglaterra, anda por uma cousa parecida com 160:000 libras para Portugal, o que está perfeitamente dentro das nossas possibilidades.

No emtanto, é um problema a encarar de frente e no emtanto não se lhe faz a mínima referência na declaração ministerial.

Em compensação, fala-se no plano Dawes e num plano de aplicação das importâncias a receber da Alemanha.

A primeira cousa a fazer seria saber qual é o uso que se fez dos fornecimentos anteriores, porque acusações graves se têm feito para aí a êsse respeito, dizendo-se que se excederam os preços em 15 por cento sôbre o valor corrente dos mercados mundiais, nos fornecimentos feitos a Portugal.

Sr. Presidente: êste caso é gravíssimo, e antes que qualquer plano seja estabelecido para se efectuarem pagamentos, é necessário ver o que é que fez anteriormente.

Como não tenho nenhuns desejos de alongar as minhas considerações, devo dizer que a declaração ministerial, nos termos em que vem redigida e com as faltas que eu apontei, mostra que o Govêrno a elaborou por forma a serem esquecidos alguns problemas que necessitavam de ser examinados.

Nestes termos e para tomar uma posição em face da actual situação política, direi que ela me não satisfaz, porque entendo que não satisfaz as necessidades do País neste momento e porque a situação preconizada era a do acalmação, servindo todas as fôrças da República parabém da mesma República e em caso nenhum, a constituição dum Govêrno de facções que viesse dividir ainda mais os grupos duma forma cada vez mais grave.

Creio assim, Sr. Presidente, ter demonstrado suficientemente a posição que tomei neste debate político.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráfícas que lhe foram enviadas.

O Sr. Nuno Simões: - Sr. Presidente: não era minha intenção intervir neste debate.

Quando há pouco o Sr. Cunha Leal se defendia das arguições que lhe faziam, tive ocasião de declarar que a êsse respeito me não podia, arguir, e acusei as pessoas que usavam do Poder quási sempre nos mesmos termos.

Por isso mesmo não quero mais uma vez trazer para um debate político a política mesquinha, em que apenas o Poder surge como única ambição directa dos partidos. Só quero trazer para êste debate as afirmações e os reparos de quem apenas se interessa permanentemente pelos problemas nacionais o não quero saber de outros, nem deseja saber dos problemas mesquinhos da política partidária, nem quere gastar o sou tempo com ossos mesquinhos problemas.

Mas o Sr. Sá Pereira fez afirmações de política económica e financeira que não podem passar sem reparos, sob pena de lá fora se julgar que esta Câmara entende que os homens do Govêrno devem

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adoptar a respeito dos problemas económicos e financeiros o critério simplista do ilustre Deputado.

O Sr. Sá Pereira é das pessoas que mais considero e respeito pela sinceridade das suas opiniões e pelo desassombro dos pontos do vista que preconiza o defende; mas o Sr. Sá Pereira, familiarizado com os problemas sociais, limitando, porventura, a sua boa vontade e melhores intenções a êsses assentos, não está familiarizado com os problemas que gastam o absorvem o País, e daí a razão das afirmações graves que produziu e do que disso a respeito do Sr. Portugal Durão.

Não me cabo a mim defender as personalidades democráticas agravadas, e que foram das mais distintas, nas palavras pronunciadas pelo Sr. Sá Pereira.

Essa defesa cabo ao Sr. Presidente do Ministério, como chefe do primeiro partido o da mais forte organização política com que a República pode contar, e que não deve estar à mercê de acusações que se não fundamentam o que o Sr. Sá Pereira foi o primeiro a repudiar, quando ouvia afirmar que essas arguições eram falsas e injustas.

O Sr. Sá Pereira fez uma generalização que nada absolutamente o autoriza a fazer em relação às pessoas que do algum modo intervêm na economia pública, e que se dedicam com as suas aptidões e faculdades de trabalho a outras ocupações que não sejam as burocráticas, onde, infelizmente para o País, se recrutam quási sempre os homens que têm de governar.

Apoiados.

Eu falo com absoluto desassombro, com a franqueza que me caracteriza e sem recear, porque nunca receei, as arremetidas - o não é ao Sr. Sá Pereira que eu me refiro neste momento - que lá fora se produzem, porque entendem que os políticos devem ser, acima de tudo, uns miseráveis e pessoas que não trabalham, nem manifestam quaisquer aptidões para benefício do País.

Prezo-me de ser das pessoas que distinguem conscientemente os interêsses do Estado dos interêsses particulares.

Sei muito bem onde começam uns e acabam os outros.

Já duas vezes ocupei, por desgraça do país, certamente (Não apoiados), a pasta do Comércio, e se alguma cousa me tem preocupado e interessado, tem sido justamente o desejo apenas de promover a riqueza do País.

Como quero o Sr. Sá Pereira que o seu ponto de vista de pagar bem aos operários seja uma realidade,- se S. Exa. sabe que as indústrias vivem uma vida miserável, mercê dos ódios que só desencadearam sôbre elas e da falta do competência, da inconsciência mesmo com que têm sido encarados os problemas que a cias interessam!

O Sr. Sá Pereira aludiu às opiniões do Sr. Portugal Durão.

Tenho com o Sr. Portugal Durão relações cerimoniosas, que vêm do tempo em que tive a honra de pertencer ao Partido Republicano Português, há alguns anos, quando S. Exa. não tinha a posição de destaque que mais tarde veio a desfrutar.

Raras vezes tenho trocado com S. Exa. impressões que não sejam relativamente aos assuntos que se debatem nesta Câmara.

Mas sejamos justos.

O Sr. Portugal Durão é alguém na sua terra e é uma pessoa que todos poderão atacar, menos os que defendem os interêsses do Estado.

Foi S. Exa. quem dirigiu os negócios dos Transportes Marítimos, com uma proficiência tal que, logo que deixou de os gerir, êles foram o caos que todos conheceram.

As pessoas que defendem a todo o transe a industrialização dos serviços do Estado não têm o direito de atacar o Sr. Portugal Durão.

S. Exa. foi a individualidade que no seu partido não teve uma hesitação ao defender a política da estabilização do escudo.

Pregunto ao Sr. Sá Pereira: quais os argumentos em contrário?

Em França, Caillaux, que é alguém, não defende outra política senão a da estabilização, que é defendida em todos os países por todos os Governos.

Tive ocasião de defender a política de estabilização do escudo.

Temos obrigação do fazer mais alguma cousa que não seja a política de corrilhos.

Emquanto se fizer a política da mentira, temos de confessar, como o Sr. Ve-

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linho Correia confessou, que as contribuições rendem pouco.

Defendeu S. Exa. a estabilização do escudo ...

Àparte do Sr. Velhinho Correia.

O Orador: - Eu não fiz confusão alguma.

V. Exa. trouxe ao debate a opinião que lhe dava o conhecimento dos factos.

Da análise dos factos tem S. Exa. a inferir que a arrecadação das receitas não correspondia nada às aspirações...

O Sr. Velhinho Correia: - Com certa surpresa minha, vi nesta Câmara pensar-se ainda numa valorização.

O Orador: - É certo que em determinado momento o Sr. Velhinho Correia representou um esfôrço no saneamento da política financeira do País.

O depoimento de S. Exa., trazido aqui, é a informação de um homem que batalhou denodadamente pela estabilização do escudo.

O Govêrno do Sr. .António Maria da Silva não tinha o direito de empregar estas palavras:

Leu.

É qualquer cousa de transitória a afirmação ministerial.

Não tenho de fazer a defesa do Sr. António Maria da Silva.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro da Guerra (António Maria da Silva): - Creio que está de acordo absolutamente com a doutrina que V. Exa. acaba de defender.

O Orador: - As palavras, então, atraiçoaram-no.

Afirmo que é preciso melhorar o escudo, promovendo que os factores económicos e financeiros se liguem. E V. Exa. compreende que é necessário isso para a estabilização.

Diz V. Exa. muito bem, mas o que não há dúvida nenhuma é que o Sr. Sá Pereira, se quisesse atacar o Govêrno, não precisava sair da declaração ministerial; tinha nela elementos, sobretudo no aspecto financeiro, para o atacar largamente, porque isto não se compreende

por mais explicações que o Sr. António Maria da Silva nos dê.

Feitas estas rápidas considerações, que era minha obrigação fazer, em relação a êste aspecto do discurso do Sr. !Sá Pereira, desejo insistir em algumas considerações que nem por velhas o revelhas, no aspecto de eu tratar delas muitas vezes, e no aspecto do desinteresse a que o Terreiro do Paço as tem votado, apesar das reclamações do País, não deixam de ser oportunas.

O Sr. Presidente do Ministério quis fazer, e fez, uma declaração ministerial rápida, curta, incisiva mesmo. Procurou focar dos assuntos da administração pública aqueles que se lhe afiguravam ser mais prementes, aqueles que exigiam que o Govêrno os olhasse com atenção e sem demora. Mas como o Sr. António Maria da Silva não tem sempre, ou não quere ter, a noção exacta dos assuntos que versa, ràpidamente se esquece dos assuntos culminantes, e então vá de fazer aquela enumeração de problemas e questões que nós já sabemos que mesmo que o Govêrno dure muito tempo - e S. Exa. sabe que não durará muito, apesar de eu não lhe negar o voto, digo-o já para sossegar S. Exa. - não se realizarão por muitos anos ainda.

Surge logo do entrada uma questão importantíssima, uma questão que numa democracia devia ter sido fundamental para todos os Governos: a questão da emigração. Há quantos anos estou eu lendo nas declarações ministeriais que os Governos vão cuidar dos nossos repatriados! Há quantos anos ouço as mais bem intencionadas palavras da parte dos Governos, a respeito da vida dos emigrantes lá fora, e a respeito ao que é necessário fazer em relação à assistência, protecção e cultura dos portugueses que vão aplicar a sua actividade no estrangeiro! Pois mais uma vez vem falar-se nisso, e nestas palavras simples: o melhoramento dos serviços de emigração.

Lastimo que o Sr. Presidente do Ministério se refira ao assunto nestas palavras; melhor seria que não se tivesse referido a êle.

Apoiados.

S. Exa. deve ser o primeiro a reconhecer que, se o Parlamento lhe der con-

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fiança, não é nada dizer-se ao País que se vão melhorar os serviços de emigração.

Quere S. Exa., na verdade, referir-se ao facto do que se deve tornar mais eficaz, mais eficiente, o serviço de repressão da emigração clandestina? É a polícia de emigração que S. Exa. quere tornar mais eficaz ? Mas isto é tão pouco! Pois neste momento dá-se esta cousa estupenda; são deportados pelo Govêrno Brasileiro dezenas de portugueses, e ainda hoje não se sabe em que condições isso se fez. Podem, portanto, os serviços de emigração restringir-se ao melhoramento da polícia de repressão?

É muito pouco, e sinceramente lastimo que nesta declaração ministerial, que poderia ter terminado na primeira parte, o Sr. Presidente do Ministério tivesse incluído êste assunto da emigração.

Na declaração ministerial fala-se também no desenvolvimento da exportação portuguesa. É admirável! Eu tenho, a mi pressão de que por aí fora essa gente que não consegue exportar e que olha para as estatísticas, para as pobres estatísticas que temos, quando isto ler, ficará, rã verdade, enternecida. Vai cuidar-se do desenvolvimento da exportação portuguesa!

Mas isto, Sr. Presidente, é uma afirmativa que não está à altura dum Govêrno, dos homens que ali se sentam, do momento que vivemos e das próprias necessidades dos exportadores portugueses.

V. Exa. não ignora que, embora os números do 1924 em relação a vinhos tivessem subido um pouco, comparando-os com os de 1923, mantendo-se estável a exportação das cortiças em 1923-24, e tendo melhorado um pouco, levíssima mente, a das conservas, S. Exa. não ignora, repito, o que se está passando em Inglaterra em relação aos vinhos portugueses, traduzindo-se isso em qualquer cousa desvanecedoramente decrescente para os altos interêsses da nossa economia.

Ou se diz, pois, claramente o que se pode fazer, adentro das capacidades do Poder Executivo ou não se diz nada, porque isso será mais digno dos homens

que agora ali se sentam e que não estarão decerto dispostos a colaborar em ficellets ou em qualquer cousa que vibe a iludir o vulgo.

Sr. Presidente : Eu folguei muito com a ida do Sr. Portugal Durão para o Ministério dos Estrangeiros o folguei, porque, não obstante todo o meu esfôrço, não consegui o que desejava do Sr. Ministro dos Estrangeiros do Ministério Vitorino Guimarães, pessoa que é aliás estimabilíssima, com uma oratória um pouco ... arcaica talvez, mas em tudo o caso composta e estudada, com algumas verdades que na sua boca conseguem um ar catedrático o esmagador. E assim nós nos tornávamos os seus discípulos e S. Exa. era o mestre.

Mas S. Exa., apesar, de todas as reclamações da imprensa e dos protestos aqui dentro, nem uma palavra concreta disse ao País sôbre o problema das reparações. Disso apenas que houve abusos, erros, crimes, dentro dêste problema, e nem uma palavra mais se julgou necessário e oportuno dizer ao País sôbre êle. E, entretanto, confessava-se oficialmente que muitos dos contratos das reparações tinham sido levados a efeito com desvantagem e ruína para o Tesouro. Folguei, por isso, que tivesse ido para a passa dos Estrangeiros o Sr. Portugal Durão, porque S. Exa. 8 com certeza, a demorar-se nas cadeiras do Poder, vai dar ao País explicações concretas e dizer-lhe tudo quanto êle tem direito a saber. Só há dinheiros com que se tivesse de exigir todo o cuidado, é o dinheiro das reparações um deles, pelas possibilidades que delas iriam. Exigiam, pois, um cuidado verdadeiramente excepcional, embora todo o dinheiro público o mereça na administração do Estado.

Já se fez aqui, Sr. Presidente, uma confissão que é a confirmação das palavras atribuídas ao anterior Ministro dos Estrangeiros, de que é preciso realizar contratos vantajosos para a economia nacional.

E, aqui e lá fora já se fez eco de que se tinham pago por muito mais do que o seu valor os materiais que vieram por conta das reparações.

Permito-me lembrar à Câmara as declarações que, sôbre o assunto, aqui fiz em 1923, declarações essas que não pró-

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vocaram da parte dos Governos que têm passado por aquelas cadeiras a cautela que era necessário que houvesse para evitar novos desastres.

Chega a parecer incrível, Sr. Presidente, que uma pessoa como o Sr. António Maria da Silva, com o seu nome ligado a uma séria política de estradas - porque o tem à política de estradas mais útil que se tem feito no regime - venha dizer ao País que o Govêrno vai resolver o problema das estradas ordinárias.

Ordinaríssimas, ordinaríssimas é que elas são!

Terei, Sr. Presidente, um grande prazer, e S. Exa. sabe-o muito bem, em auxiliá-lo em tudo que possa, aqui e lá fora, para que se efectue a reparação das estradas do País, a fim de se poder andar nelas.

Fala-se também aqui no melhoramento dos portos.

Isto não pode deixar de ser apoiado por todos aqueles que sinceramente desejam que tal se faça.

Quando aqui na Câmara se ergue qualquer voz para tratar dêste assunto, não lhe faltam apoiados.

Mas. no fim de contas, o estado das estradas é cada vez pior, e, a respeito de portos, também nada se tem feito.

Quando eu passei pelo Ministério do Comércio propus me lazer estudar êsse problema, e nomeei uma comissão para elaborar o estatuto geral de portos.

Dessa comissão faziam parte pessoas competentes, mas, até agora, nada sei acerca dos seus trabalhos, nem vi que o assunto prendesse a atenção dos meus ilustres sucessores.

Chamo a atenção do Sr. António Maria da Silva para êstes problemas, porque S. Exa., que é um engenheiro distinto, e que tem dedicado tanta atenção aos problemas de fomento nacional, poderá, se quiser, resolvê-los, com as suas altas faculdades de inteligência, que até os seus mais irredutíveis adversários lhe reconhecem.

E então eu peco ao Sr. António Maria da Silva que, se lhe fôr possível, acabe com essa política dispersiva que estão fazendo as juntas autónomas, que não servem do nada para o País, apenas levantando constantes conflitos com os organismos locais.

Fala-se aqui - e eu, não tendo relações pessoais com o Sr. Ministro das Colónias, sei perfeitamente que S. Exa. está desejoso de acertar e de fazer obra útil - no regime bancário do Ultramar.

É êste um problema que daria para longos estudos e considerações.

Estão Já fora para serem estudadas por uma comissão várias propostas que nunca mais chegam a resolver o assunto, porque nós, efectivamente, temos a opinião de que as colónias hão de viver para tirarmos lucros delas. Permito-me pedir ao Sr. Ministro deis Colónias, se S. Exa. se demorar na sua pasta - o que não creio que suceda - que olhe a sério para êste problema, fazendo com que a comissão do regime bancário dê ao Govêrno os elementos necessários para resolver o assunto.

O Sr. Ministro das Colónias (Filemon de Almeida): - É justamente essa a minha intenção, porque considero o problema bancário das colónias como um dos mais importantes.

O Orador:-Folgo com as declarações do Sr. Ministro das Colónias, que confirmam o que se diz na declaração ministerial.

Estimarei muito que S. Exa. tenha ensejo de ocupar-se dêste assunto.

Sr. Presidente: há aqui duas afirmações que demandam uns leves reparos da minha parte.

Uma delas é a que se refere ao conhecimento da situação da indústria nacional. Nesta Câmara, várias vezes, nos temos ocupado da situação das indústrias do País.

Foi, segundo creio, o Sr. João de Deus Ramos, quando Ministro do Trabalho, quem procurou, por uma medida, embora parcelar e muito reduzida, resolver esta questão.

Mas ocupou-se apenas da crise da construção civil e mais nada.

E então sucedeu que, tendo-se perdido os esfôrços do Ministro do Comércio, Sr. Júlio Martins, relativamente a um inquérito industrial...

O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): - Em 1917 fez se um inquérito às

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nossas indústrias, inquérito que ficou concluído em 1918.

Foi para a Imprensa Nacional o ainda até hoje não saiu de lá.

O Orador: - Eu já tenho declarado aqui por mais de uma vez que necessário é que os Governos não continuem com a política em que têm andado até hoje, pois se assim continuarem mal vai para todos nós.

Folgo, Sr. Presidente, poder fazer mais uma vez esta afirmação, que estou absolutamente convencido que se não pode pôr em dúvida.

Não era meu intuito falar neste debate, se a isso não fôsse levado pelas afirmações aqui feitas pelo Sr. Sá Pereira, relativamente ao Sr. Portugal Durão.

Não quero fatigar mais a atenção da Câmara, porém não desejo terminar sem mais uma vez chamar a atenção do Govêrno para a situação gravíssima em que nos encontramos, pois a verdade é que se não mudarmos de rumo mal vai para todos nós, visto que as contas as teremos de prestar na hora própria.

Tenho dito.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

Os apartes não foram revistos pelos oradores que os fizeram.

O Sr. Sá Pereira: - Sr. Presidente: disse o ilustre Deputado o Sr. Nuno limões que eu, falando do Sr. Portugal Durão, por quem tenho na verdade a maior consideração, tinha sido de uma grande injustiça, quando assim não é, pois a verdade é que injusto e muito injusto foi o ilustre Deputado o Sr. Nuno Simões para com a minha pessoa. A verdade é que ou apenas mo referi a umas declarações aqui feitas em tempos pelo Sr. Portugal Durão relativamente à valorização do escudo.

Nas minhas palavras não houve acusação alguma contra o Sr- Portugal Durão, pois apenas me limitei a citar um facto e nada mais.

É perfeitamente verdade, mas S. Exa. sabe que eu não fiz eco dela. Eu pus unicamente em relêvo a atitude de S. Exa. numa sessão desta casa do Parlamento,

em que me disseram que fez a apologia da desvalorização do escudo, o preguntei como é que o Govêrno podia conciliar essa opinião de S. Exa. com a sua pretensão da valorização do escudo.

Ouvi depois o Sr. Portugal Durão negar que tivesse feito as afirmações que lhe imputaram, o eu não tive dúvida em o acreditar, porque não me custa a acreditar que um republicano só queira a valorização do escudo.

Disso eu também que queria o pagamento dos salários em ouro, referindo-me aos operários, e que não via nada a êsse respeito na declaração ministerial. E claro que o Sr. Nuno Simões não concorda comigo neste ponto.

O Sr. Nuno Simões: - Não divergimos nada; o que sustento é que V. Exa. não pode obter isso em separado para os operários. Não se pode resolver o assunto, sem resolver a questão da moeda em Portugal.

O Orador: - Mas eu desejo que se estudo desde já o problema, porque nós temos mais alguma cousa que fazer do que andarmos aqui à descompostura uns aos outros.

Apoiados.

Disse eu mais que o Govêrno também se não referia na sua declaração a um problema vital, que é o da reparação das estradas (Apoiados), e que era necessário que alguma cousa dissesse.

Não estou aqui para agredir ginguem, mas para fazer justiça a todos o defender os meus pontos de vista.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taguigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Nuno Simões não fez a revisão dos seus "àpartes".

O Sr. Lino Neto: - Sr. Presidente: a minoria católica, em meu nome, apresenta ao Govêrno os seus cumprimentos, destacando aqueles Ministros com quem mantém relações de estima, e fazendo votos para que sejam felizes e bem desempenhem os seus cargos.

Definida agora a atitude da minoria católica diante do novo Govêrno, devo dis-

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tinguir dois aspectos: um quanto à procedência da política dos homens que o constituem; o outro quanto à declaração lida há pouco pelo Sr. Presidente do Ministério. Quanto ao primeiro, devo dizer que o Ministério não nos inspira confiança, nem nos provoca desconfiança; nenhum dos seus membros saiu da nova organização política, e se nunca fomos aliados com os adversários do Govêrno, também nunca fizemos parte de blocos para governar. Não fazemos isto por tática, mas- por princípios estabelecidos. Não somos propriamente um partido político; não queremos, portanto, pertencer a nenhum campo político. Por consequência, perante qualquer Govêrno, aguardamos sempre os factos para nos pronunciarmos.

Mas já nos encontrámos diante da declaração ministerial, que é o segundo aspecto a que me referi. Quanto a ela devo dizer que não choca, nem implica, com a orientação dêste lado. Diz o Govêrno que fará uma política nacional; é essa que nós queremos ver feita, remodelando-se os serviços consoante as necessidades públicas.

Nós ficamos aguardando os actos do Govêrno, e, se os factos corresponderem a esta declaração, o Govêrno terá o nosso apoio, mas, se fôr ao contrário, nós faremos oposição terminante ao Govêrno. Eu sei que algumas pessoas têm dificuldade em compreender a lógica desta atitude; mas nós estaremos sempre ao lado dos princípios verdadeiramente patrióticos, verdadeiramente nacionais, pondo de lado as paixões políticas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. José Domingues dos Santos: - Sr. Presidente: dêste lado da Câmara já falou o Sr. Rodrigues Gaspar, mas não o fez em nome do Partido Republicano Português, pois o. Grupo não reuniu nem antes nem depois da formação do actual Govêrno e assim falou por si. Não concordo com a opinião do Sr. Rodrigues Gaspar o por isso entendi que devia usar da palavra.

Sr. Presidente: já vão longos meses depois que eu estive à frente de um Govêrno que foi duramente combatido, sendo visada a minha pessoa muito especialmente.

Não quero seguir êsse caminho, porque entendo que as questões pessoais se resolvem lá fora e não aqui, pois o País que faz o sacrifício de nos pagar não é para isso, e por isso não respondo.

Lá vai uma citação:

Não há nada mais perigoso do que atirar uma pedra contra um homem silencioso. É como atirar uma pedra ao fundo de um poço. Atirar é fácil, retirá-la é que é difícil.

Atirar uma injúria é fácil; retirá-la é muito difícil.

Sr. Presidente: não venho trazer à discussão nenhuma questão de ordem pessoal. Não as tenho em política com ninguém.

Não as tenho, não as quero, nem as aceito.

Tenho, sim, questões de ordem política, e essas quero eu pô-las com toda a clareza e com toda a lealdade, aceitando consequentemente todas as responsabilidades que daí podem advir.

Os homens que não andam na política para ganhar, nem têm outros intuitos que não seja o servir a sua paixão pessoal, podem ser arrebatados por vezes violentamente, mas são sempre claros, andam à luz do sol, e querem que todos os portugueses os ouçam e os entendam.

Por vezes, em face de qualquer afirmação mais importante, de todos os lados, os mais contraditórios, surgem, as imprecações.

Ouço-as, deixo-as passar; é a caravana que passa. E cousa curiosa! Tempos volvidos, eu vejo que em volta dessas afirmações estão quási todos a rodar.

Vejam V. Exas.: durante o tempo em que eu fui Presidente do Ministério, o meu Govêrno teve a honra de trazer aqui várias questões.

Pusemo-las com desassombro e com lealdade à discussão da Câmara, à discussão do País, e nunca apelámos para nenhuma espécie de bas fond nem para a intervenção que não fôsse a própria Câmara.

Em volta de algumas dessas medidas levantaram-se protestos, surgiram reclamações; era preciso matar o bolchevismo.

E cabe agora recordar um facto episódico mas que tem a sua moralidade.

Fizemos publicar no Diário do Govêrno um decreto sôbre a reforma bancária.

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Levantaram-se protestos e reclamações, surgindo de todos os lados da Câmara, até mesmo daquele de onde nós tínhamos saído.

O decreto, dizia-se, era inconstitucional, teria gravemente as prerrogativas constitucionais, e o Govêrno tinha abusado das autorizações, visto que já tinha legislado sôbre o mesmo assunto.

Mas, passadas umas semanas, nesta mesma Câmara, pessoas que haviam declarado inconstitucional o meu decreto de reforma bancária, porque êle havia sido publicado ao abrigo de uma autorização já esgotada, vi-as eu com surpresa aprovarem um outro decreto sôbre reforma bancária, feito então, não pelo meu Govêrno, mas pelo Govêrno do Sr. Vitorino Guimarães.

Se era possível discutir a inconstitucionalidade do decreto que o meu Govêrno havia publicado, muito mais era possível a discussão em volta do decreto promulgado pelo Sr. Vitorino Guimarães, porque êsse é que havia legislado duas vezes sôbre o mesmo assunto. E, contudo, vi com surpresa que pessoas que haviam votado contra o meu Govêrno, aqui, nesta mesma Câmara, votavam depois o contrário.

Não comento; cito o facto. Isso, que sucedeu aqui, deu-se também lá fora.

As disposições dessa reforma bancária publicada pelo meu Govêrno determinavam que nenhum banco se poderia constituir com menos de 500 contos ouro.

Acorreram imediatamente em grita às instituições bancárias dizendo que isso era esmagar a pequena banca, que não mais se podia formar nenhum banco e, o que era pior, que a conferência de Bruxelas, à qual nós aderimos, deliberara o contrário.

Pois passam-se uns meses, constítui-se o Conselho Bancário com representantes dos vários bancos e é apresentada à sanção dêsse conselho uma proposta para a constituição de um banco, o qual alarmava depositar os 500 contos ouro.

Pois êsse Conselho Bancário, constituído pelos representantes dos bancos que tinham vindo até ao Parlamento declarar que as disposições do meu decreto esmagariam a indústria bancária, declara no seu parecer que 000 contos ouro era
muito pouco, e portanto, dobra-se a parada ...

Risos.

Não comento, cito factos para se avaliar as boas intenções de certos protestantes e da razão do certos reclamantes, e... passo adiante.

Ao ler a declaração ministerial eu tive uma outra surpresa. É que o actual Presidente do Ministério, que se distinguiu no ataque permanente ao Govêrno a que eu presidi, vem dizer que perfilha propostas que eu aqui trouxe!...

Isto excede um pouco a minha espectativa.

FJ necessário que todos nós, que nos conhecemos e que estamos constantemente aqui a ouvir-nos, tenhamos o pudor das nossas afirmações.

Por mim declaro que dou licença que me atirem com todas as pedras que tenham na algibeira se me ouvirem no Poder afirmar o contrário de que digo na minha cadeira de Deputado.

Eu não tenho a veia política. Sou uma pessoa rígida, hirta demais para o nosso tempo, mas quero viver assim em contacto íntimo com a minha consciência, som pretender cuidar das apreciações que momentaneamente formem a meu respeito. Acaba de se formar um Govêrno partidário, Govêrno saído das indicações do congresso do Liceu de Camões.

Já há pouco ouvi dizer aqui, o com razão, que questões de partido é entre nós que se deve discutir, e o Parlamento nada tem com isso.

Inteiramente de acordo. Piá porém um facto com que todos têm? os que estão aqui e os que estão lá fora: é o que diz respeito aos respectivos programas partidários.

Evidentemente que os Deputados que se sentam nas bancadas nacionalistas não estão acolá por incompatibilidade pessoal com os homens que aqui se encontram. Estão lá à sombra de uma bandeira, à sombra de um princípio, de um programa. Os homens que se sentam no centro da Câmara, e que constituem a Acção Republicana, estão nas mesmas condições, tem determinados processos, princípios e programas, assim como nós que nos encontramos na esquerda.

Todos têm portanto o direito de esperar que quando sobe um Govêrno de

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qualquer partido êle apresente um programa em harmonia com o programa partidário. Outra cousa não faz sentido.

Sair um Govêrno da maioria democrática e apresentar um programa da minoria nacionalista equivale a inibir os nacionalistas quando forem Govêrno de apresentar um programa, a não ser que queiram apresentar um programa do Partido Democrático.

É desta confusão de programas, de princípios, processos e atitudes que tem derivado toda a embrulhada da nossa política.

E só disso que me queixo. Eu queria que os homens que saem daqui tivessem um programa em harmonia com os princípios que professam, iam para as cadeiras do Poder, governavam sé podiam e não governavam se não podiam.

Da mesma forma quando sair um Govêrno das bancadas nacionalistas eu terei o direito de esperar que apresente um programa em harmonia com os seus princípios, e não venha apresentar um programa contrário.

Para isso nós estamos todos a mentir à Nação.

Eu pregunto a V. Exa. e à Câmara se êste programa aqui apresentado é a sequência natural das resoluções tomadas no nosso congresso partidário?

Incontestavelmente não é, e dair a minha divergência.

Eu sei que é necessário haver disciplina, ter uma disciplina favorável, sempre que serve os nossos intuitos e deixa de a ter quando os não serve.

Para mim entendo que serve sempre; entendo que disciplina partidária significa o acordo de todas as vontades que se encontram no mesmo partido para realizar o mesmo programa.

Não o faço, quem está fora da disciplina são aqueles que saem fora do programa partidário.

Assim é que eu entendo a disciplina. Nos quartéis entendo que o soldado não discute: o chefe manda, o general manda e o soldado obedece. Mas isso é nos quartéis, aqui não.

Os partidos políticos formam-se com homens conscientes, que têm vontade e inteligência, e hoje o servo desapareceu para aparecer em substituição aquele que nós chamamos o cidadão.

Ora o cidadão quere compreender e discutir antes de se submeter, o contrário é uma efensa ia inteligência e todos nós homens de inteligência queremos, antes de nos submeter, discutir, e discutir não é dizer que queremos abdicar da nossa inteligência para nos submeter ao arbítrio, e o arbítrio "ó sempre detestável, é a arma dos ditadores, quer seja um homem ou Govêrno; o arbítrio não o aceitamos, não o aceito eu.

Sr. Presidente: há um mal na nossa sociedade, mal que eu vejo repetido há longos meses e que vejo a tendência em se reproduzir.

Aqui fala-se em autoridades que hão-de punir os criminosos, mas fala-se muito pouco em organizar e educar.

Hoje, na sociedade moderna, punir é uma função secundária; organizar é tudo. Alguém procura organizar em Portugal, procura por acaso o actual Govêrno organizar alguma cousa?

Eu quero por êstes princípios, porventura demasiadamente idealistas para o tempo materialista que passa, porás cousas o seu devido lugar.

É possível que esteja em êrro, mas quero viver assim amarrado à bandeira que me cobre e que cobre todos aqueles que quiseram proclamar a República organizada em moldes democráticos.

Vejo ainda tam longe o tempo em que a sociedade portuguesa poderá ser organizada em moldes democráticos, vejo-o tam longe ainda, e noto que em volta das palavras mais simples se procura fazer a deturpação mais odiosa.

Falei aqui há tempos, disse o que pensava a propósito da organização militar, e logo um jornal desta terra, grande informador, dirigido por um homem que para se fazer valer invoca sempre o nome de seu pai, logo êsse jornal em letras gordas dizia:

"O Sr. José Domingues dos Santos profere um discurso atacando o exército, preconiza a deportação de. todos os militares que estiveram na Rotunda".

Vendo-se afinal os relatos constava-se que eu não ofendi o exército.

Eu sou político, conheço as necessidades políticas dêste momento e sei bem que não é possível prescindir do exército

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Disse-o aqui com clareza.

Disse mais:

"Mas o exército para existir tem de existir dentro daquelas possibilidades que lhe dêem a faculdade de realizar a sua acção".

E eu preguntei:

"O nosso exército está organizado por forma a realizar a sua missão?

Temos porventura infantaria bem municiada e apetrechada?

Temos cavalaria bem municiada e apetrechada?

Temos artilharia em condições de bem desempenhar a sua missão?"

Não, não temos nada disso.

Vai-se a um dêsses regimentos da província e encontramos regimentos onde só há oficiais; soldados, nenhum.

Isto representa uma verdade.

E ofensivo do exército?

Já eu disse mais:

"Quem quiser ter servidores, se querem que os sirvam bem paguem-lhes bem, servidores militares ou servidores civis".

Estão bem pagos os nossos oficiais do exército, os nossos funcionários civis?

Não, não há ninguém que diga sim.

Dizem todos: mas não há dinheiro!

Certo.

Mas eu pregunto, não há dinheiro porquê?

Porque sempre que aqui se apresenta uma proposta de lei a reclamar aumentos de vencimentos, logo as fôrças vivas se levantam, a gritar, a protestar que já pagam demais, que não é possível pagar mais.

E eu pregunto: porventura queremos ter exército 6 oficiais?

Pague-se-lhes.

Quem deve pagar?

Quem tem dinheiro; os ricos, porque a êsses sobretudo interessa a defesa da propriedade.

O exército serve para defender a Nação.

Sim. Mas no tempo de paz vai-se chamar também o exército para defender a propriedade.

Quem deve pagar? Quem tem dinheiro. E isso ofender o exército? Disse que o exército não serve para andar metido em conjuras permanentes, o exército, segundo a letra expressa da Constituição, servo para obedecer às ordens legítimas da autoridade.

Isto é ofensivo para aqueles que andam permanentemente na alteração dos descontentes para produzir alterações da ordem pública, perturbando assim a organização do exército.

Quem defende a honra do exército?

Sou eu que digo que êle não pode nem deve servir para fazer revoluções, ou são aqueles que andam a fazer aliciamentos?

Muitos apoiados.

Não ofendi o exército; eu, antes pelo contrário, quis pôr claramente um problema que tem de ser resolvido mais dia menos dia, se quisermos ter paz em Portugal.

Sr. Presidente: foi um devaneio simples, mas é para mostrar que por vezes as nossas palavras, por mais simples, por mais claras que sejam, são deturpadas.

Sr. Presidente: certamente, a propósito destas considerações simples também que eu estou fazendo, só vai desenvolver outra voz a intriga.

Eu sempre que falo. há um arraial no nosso País a meu respeito, por toda a parte se diz: "Mata, mata que é danado!"

Mas eu sinto que me estão elevando a uma categoria que eu não mereço, pois que todos os homens eminentes dos outros Partidos se ocupam da minha pessoa, quando eu não mo demoro nem um minuto a discutir as pessoas dêles, o que me leva a supor quási que tenho um valor que nem mesmo suspeito.

Há tempos fui à minha terra e conversei com um daqueles homens, simples pescador, que têm sempre uma imagem para exprimir os seus pensamentos - os nossos homens da beira-mar têm sempre os olhos iluminados pela luz do mar, sentem a audácia de querer dominar aquele enigma, que é o mar, que se estende ante os seus olhos -; e êsse, que me conhece desde pequenino, disse-me:

"Sr. Dr., atiram-lhe tanta pedrada, fazem-lhe tanta guerra! Não estranhe,

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esteja contente! Olhe que eu, quando era pequeno, nunca atirava pedras a uma árvore que não tivesse fruto".

Eu concordo que a observação é bem feita.

Sr. Presidente: não quero deixar de dizer ao Govêrno que hoje ocupa as cadeiras do Poder, e muito especialmente ao seu Presidente, que quer no acto da posse quer na sua declaração ministerial, de uma forma vaga, nebulosa, como são quási sempre os discursos do Sr. Presidente do Ministério, fez alusão a uma campanha que anda por aí à roda, à qual eu já não quero responder porque já não me preocupa: é a campanha a respeito das minhas ligações com a Legião Vermelha.

Guindaram à categoria de homem político o Sr. Bela Khun.

Guindaram à categoria de criminoso político o Sr. Avante.

Não o conheço, nunca o vi. Sei apenas que êsse Avante foi polícia da segurança do Estado quando eu não era Presidente do Ministério, e vi nas gazetas que êle tinha sido vítima de um atentado ali para o Cais do Sodré, por dar informações acerca da Legião a essa polícia.

Sr. Presidente : quero repetir mais uma vez a afirmação de que não conheço ninguém da Legião Vermelha, nem sei quem êles são. De resto isso é fácil, sabendo que em Lisboa conheço pouca gente.

Se alguém os conhece, se alguém lhes deu categoria de criminosos políticos, não fui eu. Pelo contrário, fui daqueles que disseram aqui que os homens da Legião Vermelha não são criminosos políticos, mas criminosos comuns.

Sr. Presidente: isto dito assim, com esta simplicidade, parece-me que devia excluir quaisquer insinuações, sobretudo da parte de pessoas que ocupam posições que não permitem insinuações desta ordem, pois parece-me que o Sr. Presidente do Ministério, segundo relato que vi nos jornais, quis dar a entender que não queria permitir que continuasse a política de transigência com os criminosos, não permitindo êle que se confundam as ideas políticas com os crimes comuns.

Quero preguntar ao Sr. Presidente do Ministério se isto se entende comigo, se S. Exa. quere reeditar mais uma vez a afirmação falsa de que tive qualquer espécie de relações com êsses homens.

Sr. Presidente: dizia alguém que o homem se conhece pelo seu estilo: estão escrito ou falado. Assim, as pessoas que têm vontade e intenções definidas, falam sempre claro; as que têm na cabeça ideas confusas, intenções confusas e vontade e atitudes também confusas, falam sempre confuso.

Eu, Sr. Presidente, sempre falei claro, não gosto dos homens que falam confusamente; gosto que digam tal e qual aquilo que pensam e querem.

O Sr. Presidente do Ministério nesta afirmação pretende reeditar essa afirmação? É uma pregunta tam clara que me parece dever merecer uma resposta igualmente clara.

Sr. Presidente: £ porque é que não posso dar apoio a êste Govêrno?

O Sr. Presidente do Ministério, quando se apresentou nesta Câmara, teve uma frase mais ou menos parecida com esta: "Quem com ferros mata, com ferros morre".

Podia agora responder a S. Exa. que "onde elas se fazem aí se pagam", mas não o digo porque seria dar um aspecto pessoal à questão que eu não quero dar.

A razão porque não posso apoiar êste Govêrno é simplesmente esta: porque êle não traz na soa bagagem nada do programa partidário.

Apoiados.

O Partido Republicano Português tem um critério assente em matéria religiosa.

O que pensa o Govêrno sôbre êste assunto? Nem uma palavra diz na sua declaração.

Sôbre o problema agrário também o Partido Republicano Português tem uma atitude definida.

O Govêrno nada diz sôbre êste assunto.

O que pensa o Govêrno em matéria social?

Entende que devem continuar nesta situação de abandono em que se encontram as classes operárias, trabalhando toda a vida e chegando ao estado de invalidez sem terem onde se acoitem nem o necessário para o seu sustento?

Em matéria de educação isto continua assim?

Há tempos, no Congresso do Partido Republicano Português pus claramente o

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problema: escola geral para todos os portugueses.

O que pensa o Govêrno sôbre êste assunto? Nada diz.

Há uma, questão que tem seriamente preocupado os homens da República como em tempos preocupou os da Monarquia, e sôbre a qual todos nós nos temos de pronunciar com clareza. Refiro-me à questão dos tabacos.

O que pensa o Govêrno sôbre êsse assunto?

Estamos a poucos meses do termo do monopólio e, no emtanto, o Govêrno nada diz do que tenciona fazer. Êsse problema é vital. É preciso que o diga com clareza.

Mas, Sr. Presidente, prometo também êste Govêrno fazer as eleições.

Pois vamos para as eleições, e o País dirá se devemos continuar com o monopólio dos tabacos entregue à Casa Burnay ou se vamos para a régie ou para a liberdade do fabrico. Antes, porém, do ir para eleições, cada partido tem de dizer e pôr com clareza a sua posição sôbre o problema.

Sr. Presidente: já disse aqui, e quero repetir, que não quero voltar ao Poder tam cedo. Não tenho nenhuma ânsia do voltar às cadeiras do Poder. Se tivesse, di-lo-ia com clareza, como o disso quando ali estive e queria ali estar porque tinha problemas que queria resolver. Neste momento, quero dizê-lo, sinto que com a atmosfera que se criou à minha volta não podia dar um passo nas cadeiras do Poder- e eu não as quero ocupar por favor de ninguém.

Sr. Presidente: não quero voltar às cadeiras do Poder tam cedo, repito, não me interessam demasiadamente as eleições e importa-me pouco quem as faz.

Se afirmo esta posição é porque entendo que é absolutamente necessário arrumar as fôrças políticas sem hesitações nem rodeios; já é tempo de o País saber quem são os republicanos que estão na direita, no centro ou na esquerda.

Por mim tenho igual consideração por todos.

Há apenas uma cousa que quero dizer: é a de que é absolutamente indispensável que cada um tome a posição que entesas. - è luz do sol.

Sei bem que me era fácil viver dentro da política, acomodando-me, chamando a mim êste e aquele, pedindo o conselho de todos antes de apresentar qualquer proposta.

E assim viveria bem considerado e seria um "bom rapaz".

Mas nunca fiz nem quero fazer concurso para "bom rapaz", antes com toda a franqueza o tenho dito sempre que não tendo paixão contra ninguém, quero continuar a viver defendendo o meu ideal dentro do meu orgulho, que ninguém excede, porque muitos daqueles que pensam ter orgulho tem apenas a vaidade.

Orgulho só tem um homem que, muitas vezes ferido no que tem de mais caro, sabe calar a sua dor e sorrir; orgulho tem-no os homens que, vendo-se atacados como cães danados, passam indiferentes; orgulho só têm os homens que vivem acima das pequenas questiúnculas e das pequenas intrigas, e que apesar de tudo e contra tudo querem fazer a afirmação dos seus princípios, das suas ideas, sem procurar saber se elas agradam ou desagradam.

E quantas vezes nós para aqueles que considerávamos nossos amigos e que nos traem quando menos o esperávamos, sabemos ter o sorriso da indiferença.

Há tam pouca gente que sabe ter êste orgulho formidável e que faz calar a sua dor para só mostrar nos lábios o sorriso do homem que anda iluminado pela sua idea!

Assim tenho vivido, assim quero continuar a viver, e um dia há-de vir em que as ideas que eu ando espalhando, e que são o terror de tanta gente, hão-de por todos ser perfilhadas e aprovadas.

Temos um vulcão a rugir-nos debaixo dos pés, e não queremos ouvi-lo; mas um dia, sem que ninguém o espere, êsse vulcão brota e produz a revolução de 1789.

Outro dia, apesar de todas as deportações o de todos êsses martírios, êsse vulcão brota e produz a revolução da Rússia. E uma cousa que eu queria evitar é que houvesse sangue em Portugal.

Tenho dado provas do quanto me horroriza o sangue.

Recordo que, não há muitos anos, a quando de 19 de Outubro, eu não tinha grandes relações pessoais com o falecido António Granjo.

Quantas vezes aqui nos batemos!

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Pois a maior comoção da minha vida, aquela que me fez revoltar a ponto de tomar atitudes que me iam custando a cabeça, sofria-a eu quando vi nessa noite trágica o corpo esfacelado de António Granjo.

Eu não quero a política do ódio, mas a política do amor; mas firmemos essa política pelo amor dos princípios, pois o amor dos homens pouco importa.

Não tenho nenhuma má vontade contra os homens que se sentam nas cadeiras do Poder; com alguns deles tenho vagas relações e com outros tenho relações pessoais.

Não vim aqui para fazer cumprimentos e, por isso, francamente djgo que os homens com quem tenho relações pessoais podem continuar a mante-las querendo, não obstante pertencerem a um Govêrno que se diz que foi constituído para me esmagar.

Nem por isso, porém, deixo de ter por êles a mesma consideração pessoal.

Os outros, aqueles com quem tenho vagas relações, continuarei a mante-las, na certeza de que não darei um passo para êles, à espera quereles dêem o passo para mim.

Sou assim orgulhoso.
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Aqueles que vieram do nada, como eu, são assim firmes no seu orgulho.

Há uma cousa que a ninguém consinto: é esmagarem-me pelo achincalhamento.

Atarem-me uma corda ao pescoço e dizerem-me: "está aí quieto, até te matarmos", isso, não.

Através da minha vida, quer política, quer particular, há uma cousa que sempre tenho manifestado: carácter.

Não tenho a humildade dos antigos gladiadores romanos, que exclamavam no circo de Roma:

"Ave César, morituri te salutant".

Continuo a dizer que a solução política não é esta, como também não é a que preconiza o Sr. Cunha Leal.

A solução, neste momento, está mais alta.

Se é pelas eleições que havemos de saber o que o País de nós pensa, porque é que não havemos de estabelecer à luz do sol esta plataforma: quem tem votos é que deve governar?

Querem saber quem tem mais votos?

Presida às eleições quem está acima das nossas paixões, e veremos se o País está com o Partido Democrático, se está com o Nacionalista, se está com a Acção Republicana; veremos se o País está com o passado, o presente, ou o futuro, e se é pelo retrocesso, ou pelo progresso e pela democracia.

Isso é que é honesto numa democracia, e aí lanço o desafio.

Não tenho a ambição do poder; tenho, sim, a ambição de continuar dentro do meu partido a bater-me pelo programa partidário.

Ameaças, não as aceito.

Se me põem a ameaça de que tenho de obedecer ou morrer, eu direi: não obedeço, correrei talvez; um homem como eu morre no seu pôsto, mas não abdica, não transige, nem obedece.

Apoiados.

O orador foi muito cumprimentado por Sr s. Deputados da extrema esquerda da Câmara.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe forem enviadas.

O Sr. Rodrigues Gaspar (para explicações): - Sr. Presidente: poucas palavras terei que pronunciar ainda sôbre êste debate.

É simplesmente para esclarecer um ponto que aqui foi versado:

Ouvi dizer que o Sr. Presidente da República tinha entregado o Poder a uma facção do Partido Republicano Português.

Sabem todos que o Sr. Presidente da República toma as suas resoluções após as comunicações que lhe são feitas pelas entidades competentes de cada partido, e eu cometeria uma falta se, realmente, me conservasse em silêncio perante a afirmação de que o Govêrno foi entregue a uma facção de partido.

Entendo que as questões partidárias não devem ser aqui tratadas; não é para isso que aqui estamos, e, por mais disfarces e subterfúgios de que se sirvam, na verdade, o que mais aqui se tem tratado são questões que pertencem à vida interna dos partidos.

Ao Sr. Presidente da República ouvi a

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sua opinião sôbre êste assunto, e S. Exa. tem manifestado sempre que o que pretende, sobretudo, é que haja conciliação entro os republicanos e, por consequência, S. Exa. seria incapaz do entregar o Govêrno a uma facção.

Esta é a declaração que tenho a fazer, pelo conhecimento que tenho êste assunto, de modo que ou não vinha apresentar uma cousa que não correspondesse à verdade.

Mas quero agora tratar do uma questão que mo diz respeito, pela qual sempre tenho pugnado, pela união dos republicanos, embora cada um dentro do seu partido.

Eu sou incapaz de estar ao lado de qualquer cousa que se possa denominar uma facção do partido republicano, assim não consinto nem consentirei que qualquer criatura mal informada ou mal intencionada me coloque aqui ou alem. Eu é que sei onde estou colocado e por consequência não posso admitir que alguém me possa supor ao lado duma facção.

Sou contrário a facções, e por ser contrário a facções, é que mo revolto contra esta política que se tem estado a fazer, em que se tem desprestigiado o Parlamento, em que não temos visto senão questões pessoais, mas que na essência a massa republicana não compreende que estejamos aqui a combater-nos continuamente, e não vemos outra cousa que não seja o derrubar Governos e arranjar Governos.

Ora porque eu fui sempre um revoltado contra as facções, é que, por obediência ao meu partido, tive de constituir um Govêrno.

Não quero agora levantar questões; é melhor que elas me esqueçam, e não quero lembrar a forma como se tramou, desde a primeira hora, contra o Govêrno da minha presidência, sem que aqui se tivesse demonstrado quais os motivos porque êsse Govêrno devia cair.

Sr. Presidente: não quero referir-me mais a êste assunto, e apenas direi que êste mal-estar em que estamos vivendo deriva de facto desde a queda dêsse Ministério e sobretudo pela forma como êle caiu.

Sr. Presidente: há um ponto que também desejo esclarecer.

JDJ uma passagem do discurso do ilustre Deputado Sr. Sá Cardoso. Sabe S. Exa. o

grande respeito e a muita consideração que tenho por si.

S. Exa. disse que se tinha acabado com o bloco, porque se tinha constituído um Govêrno sem representação da Acção Republicana.

Sr. Presidente: não fui eu que constitui o Govêrno e por consequência eu vou dizer à Câmara o que entendo sôbre o assunto.

Eu por minha parte devo dizer que de tudo quanto conheço dentro do partido nunca houve idea de ferir de qualquer modo a Acção Republicana, que durante bastante tempo foi dando apoio aos Governos que se foram sucedendo, de maneira a poder realizar-se essa obra financeira que tínhamos em vista.

Mas a verdade é que a Acção Republicana quando só afastou do Partido Nacionalista disse que não constituía um partido, e quando eu formei Govêrno ouvi a declaração do seu ilustre leader de que davam o seu apoio sem pretenderem pastas, de modo que o facto de não entrar no Govêrno qualquer elemento da Acção Republicana de modo algum se pode interpretar como sendo uma declaração de guerra à Acção Republicana.

Não é isso, e permita-me S. Exa. que lhe diga que não me parece que com a moção enviada para a, Mesa S. Exa. tivesse prestado um grande serviço à Acção Republicana a que pertence, nem tam pouco um serviço ao País e à República.

Nenhum argumento foi apresentado por S. Exa. contra a constituição do Govêrno, nenhum argumento foi apresentado de maneira que se pudesse concluir que aquele Govêrno não satisfaria às condições do momento.

O único argumento que nós vimos é que o Govêrno não presta porque não está representada no Govêrno a Acção Republicana.

Sr. Presidente: nesta hora eu quero dizer o que penso embora sintetizando.

Eu creio que a forma como temos procedido várias vezes neste Parlamento, relativamente a Governos, pode-nos levar a uma situação muito crítica, a uma situação muito séria, e eu não quero de forma alguma ter a consciência de ter concorrido para êsse estado de cousas.

A oposição não é de guerra, a oposição é para pensarmos.

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Nós todos republicanos deviamo-nos tinir de forma a termos uma administração séria e republicana, o estamos a enveredar por um caminho que nos pode conduzir a uma situação porventura bem gravo.

Não quero entrar em mais detalhes, e os que me escutam que pensem bem na hora presente o nas circunstâncias em que estamos a viver.

O Sr. Ribeiro de Carvalho: - V. Exa. devia ter dito isso quando deitaram abaixo o Govêrno do Sr. Álvaro de Castro.

O Orador: - Eu estive durante muito tempo no directório com o Sr. Álvaro de Castro a pedir-lho para que êle renovasse o SPAI Ministério.

Àparte que não se percebe.

O Orador: - Sr. Presidente: não é assim que se discute.

O Sr. Sá Cardoso, disse há pouco que o Ministério do Sr. Álvaro de Castro tinha caído em virtude dum discurso meu.

Não é precisamente assim.

O facto de eu ter discursado num dado momento, expondo as minhas opiniões livremente, não foi por isso que caiu o Ministério Álvaro de Castro; foi em virtude duma moção aprovada por êste lado da Câmara.

E sôbre essa, moção nem eu falei. E quando o Sr. Álvaro de Castro foi chamado ao directório do partido, eu pedi-lhe para que êle constituísse novo Ministério ...

Uma voz: - Em circunstâncias que S. Exa. não podia aceitar.

O Orador: - Os que sabem bem como as cousas se passaram, não falarão assim.

Se estivesse cá o Sr. Álvaro do Castro, S. Exa. diria quem tem razão, mas está aqui o Sr. Vitorino Guimarães que pertencia ao directório e que viu bem como as cousas se passaram.

Não basta dizer que se pensa fazer isto ou aquilo; o que é indispensável é que os homens do Govêrno cometam actos que justifiquem as suas ideas. O País está farto de ouvir muitas teorias sôbre a justiça social, e o que é certo é que estamos ainda muito longe de ver realizadas essas ideas.

Sr. Presidente: não bastam teorias vagas...

O Sr. José Domingues dos Santos (interrompendo): - E quando as querem realizar, V. Exa. não deixa.

O Orador: - É verdade que V. Exa. tem razão, mas é pondo a questão em si.

O Sr. José Domingues dos Santos (interrompendo). - E pondo a questão em V. Exa.

O Orador: - Eu naqueles lugares, nunca autorizei os padeiros a roubarem no peso.

O Sr. José Domingues dos Santos (interrompendo): - Nem eu.

Se V. Exa. só quero referir a mim, digo-lho que mente. Trate com respeito se quero ser respeitado.

O Orador: - Foi o Sr. Ministro da Agricultura.

Quando os homens, dizia eu, Sr. Presidente, estão a querer realizar uma obra, deitam-se abaixo.

O Sr. José Domingues dos Santos (interrompendo): - Foi por isso que V. Exa. tratou aqui de uma forma agreste o Sr. Domingos Pereira.

O Orador: - Essa tem graça!...

O Sr. José Domingues dos Santos (interrompendo): - Tem muita graça, tem.

O Orador: - Sr. Presidente: esta forma de discutir é muito triste.

O Sr. José Domingues dos Santos (interrompendo): - Não foi assim que eu discuti. Ponha a questão com elevação, porque V. Exa. tem obrigação disso, tanto mais que já foi Presidente do Ministério.

O Orador: - O que é preciso é que ponhamos de parte paixões, e que não estejamos continuamente com a mania de estar a deitar abaixo Ministérios.

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O Sr. José Domingues dos Santos (interrompendo): - V. Exa. devia ter pensado assim quando lá estiveram os Srs. Vitorino Guimarães, Álvaro de Castro o eu.

O Orador: - Sr. Presidente: eu quis, apenas, esclarecer um ponto que entendi do meu dever esclarecer, e concluo dizendo mais uma vez que a hora que passa merece bem que cada um de nós tome em muita atenção os actos que pratica. para que depois tome a responsabilidade

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. José Domingues dos Santos não fez a revisão dos seus "àpartes".

O Sr. Vitorino Guimarães: - Sr. Presidente: era quási desnecessário falar, mas como o ilustre Deputado Sr. Sá Cardoso achou que eu não podia deixar do dizer qualquer cousa sôbre a solução da crise, como não quero de nenhuma maneira que S. Exa. tome como desprimoroso o meu silêncio, foi pôsto o motivo porque pedi a palavra para explicações.

Sr. Presidente: quero afirmar que as questões internas dos partidos são dirimidas nos seus directórios, nos seus centros, nos seus grupos parlamentares, e nunca no Parlamento.

Ao Congresso, temos, apenas, de trazer questões que interessem ao País, e eu trouxe aqui uma proposta para seis duodécimos, sôbre a qual pus a questão política, que o Parlamento rejeitou. Nada mais tinha a fazer do que abandonar as cadeiras do Poder.

Tenho a declarar que não fiquei de modo algum magoado com as decisões do Parlamento.

Houve na verdade uma divergência profunda entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo, porque nessa ocasião pensava como ainda hoje penso : que o Parlamento não votará o Orçamento.

Apoiados.

É esta posição que, como Deputado, tomo: o Parlamento cumprirá um compromisso do honra (Apoiados), porque o garantiram perante o País.

Fizeram cair um Govêrno que estava realizando uma obra, porque êsse Govêrno queria, efectivamente, aprovar um Orçamento.

A Câmara dos Deputados procedeu bem na defesa das suas prerrogativas, e digo mesmo do seu prestígio,.

A única aspiração que posso ter é a do prestígio do Parlamento.

Que o Parlamento tome o compromisso que tomou perante o País; é por isso que, também, o Govêrno do Sr,. António Maria da Silva espera.

Votarei qualquer moção de confiança ao Govêrno, e rejeitarei qualquer moção do desconfiança.

Espero bem que se envidarão todos os esfôrços para que o compromisso tomado seja cumprido.

Se não o fôr, S. Exa. saberá também o caminho a seguir.

Seria o desprestígio completo do Parlamento encerrar-se sem se ter votado o Orçamento.

Apoiados.

Vozes: - Muito bem. O orador não reviu.

O Sr. Sá Cardoso: - Ouvi as explicações do Sr. Vitorino Guimarães; fiquei agora sabendo que S. Exa. tinha caído por ter estado em desacordo com o Parlamento.

Mas todos já o sabíamos afiliai.

Apoiados.

O desacordo proveio do Sr. António Maria da Silva pretender a votação dum só duodécimo e o Sr. Vitorino Guimarães pretender que lhe votassem seis duodécimos.

Vota, disse S. Exa. todas as moções de confiança e rejeita as de desconfiança.

Isto é bastante.

Mas pedi a palavra para explicações a propósito de algumas considerações produzidas pelo Sr. Rodrigues Gaspar, com as quais não me posso conformar.

Isto de política não se faz de um salto; leva longo tempo a preparar o há sempre surprêsas que o espírito mais previdente e o político mais experimentado não podem antever.

Vamos a um pouco de história dos factos.

O Sr. Álvaro de Castro foi encarregado de organizar Ministério, e formulou

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uma série de preguntas para saber se o Partido Democrático sim ou não se comprometia a votar as propostas que êle apresentava, e a resposta foi de que não tomava semelhante compromisso.

Em face dessa resposta, declinou o convite.

O Sr. Rodrigues Gaspar (interrompendo): - S. Exa. marcou um prazo para serem votados os orçamentos, e a isso é que o Partido Democrático não se podia comprometer.

O Orador: - Não confunda V. Exa. as questões; o Partido Democrático negou o seu concurso e o seu apoio.

O único ponto em que estou de acordo com o Govêrno é quando êle diz que a aprovação dos orçamentos depende apenas do Parlamento.

De facto assim é, e eu poderia citar o exemplo da Roménia em que o Parlamento depois de ter produzido uma grande obra, antes de encerrar as suas sessões, para a poder terminar esteve nos últimos tempos a trabalhar à razão de três sessões por dia. Eu pedi menos, Sr. Presidente: queria apenas duas horas de ordem do dia para os orçamentos e duas para se tratar de outros assuntos.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro da Guerra (António Maria da Silva): - Começo por agradecer aos ilustres oradores que mo antecederam as penhorantes expressões que me dirigiram e aos meus ilustres colaboradores.

Não faço o seu elogio porque é absolutamente desnecessário. Simplesmente lamento que dois dos meus ilustres colegas aqui se não encontrem, em por doença, outro por ter sofrido um rude golpe. E é para lamentar que um deles fôsse trazido para a discussão.

Encontro-me aqui porque fui investido por quem de direito, em virtude de informações que lhe chegaram, após a audição das entidades que são os indicadores constitucionais, e por ter o meu partido incumbido de formar um determinado Govêrno.

A constituição dêsse Govêrno por forma alguma pode ser interpretada nesta casa do Congresso como declaração de guerra a quem quer que seja, meu correligionário ou qualquer outro agrupamento.

Lamento que o Sr. Sá Cardoso, que foi descobrir as muletas do Partido Republicano Português, não tivesse oferecido as devidas compensações.

Não me acusa a consciência de ter faltado a êsses deveres de cortesia. Não me acusa a consciência de ter praticado qualquer acto que possa desmerecer da consideração dos ilustres elementos que fazem parte da Acção Republicana.

O facto de ter constituído Govêrno com inteira liberdade de acção, como tem sido dada a outros homens do meu partido que constituíram governos, não pode nunca ser interpretado como um instrumento de agressão, quer para elementos do meu partido, quer para outros parlamentares que fazem parte de outros agrupamentos.

O eminente cidadão que exerce a mais alta magistratura do País não pode ser nunca considerado como uma pessoa que está tiranizada por qualquer partido, ou qualquer facção.

Não é homem que se preste pela sua comprovada elevação moral o intelectual a semelhante papel.

Apoiados.

O meu partido, a grande massa republicana entendia que o Govêrno devia ter determinada contextura e ser presidido por um homem público que a todos nós deve merecer respeito e consideração.

Acusou-se o Sr. Presidente da República de ter convidado êsse homem para formar Govêrno. Afirmo peremptoriamente, sem receio de ser desmentido, que o ilustre Presidente da República não fez tal convite.

De resto seria desnecessário.

Afirmo isso, porque a quem competia isso, desde que no Congresso do meu partido foi lembrado envidar todos os esfôrços para que êsse homem regressasse à actividade política, era necessàriamente o partido e não qualquer outra pessoa.

Não, Sr. Cunha Leal.

V. Exa. conhece-me suficientemente para que não imagine que no meu espírito eu pudesse albergar essa idea.

Nós estávamos no nosso direito de preconizar uma determinada solução política, de julgar melhor uma pessoa do que qualquer outra, e isso não era depreciativo para ninguém.

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O Congresso do meu partido preconizou um Govêrno do meu partido, e êsse somente obrigava os correligionários do Partido Republicano Português a apoiá-lo, e não os outros políticos.

Os homens do meu partido não podiam obrigar os dos outros partidos u pensarem pela sua cabeça.

A manifestação do um desejo não é uma obrigação.

De resto, em mais de uma emergência, eu tenho sido partidário de ligações com outros partidos políticos, e até com o Partido Nacionalista, o que me valeu alguns desgostos.

Fui eu que facilitei, num determinado momento, o esclarecimento de uma situação política, que era tam embrulhada como a de agora.

E entendo que cumpri o meu dever, permitindo ao Partido Liberal que prestasse as suas provas, porque não tinha razão nenhuma para tratar mal os meus inimigos políticos.

Pouco me importo com o que se diga do mim.

Claramente eu afirmo que entendo que é indispensável - e nisto estou absolutamente de acordo com o meu ilustre correligionário, Sr. José Domingues dos Santos - que é necessário arrumar as fôrças políticas.

Êste Govêrno, constituído como está, se merecer o apoio do Parlamento, julga fácil fazer isso, com vantagem e prestígio para a Nação.

Dos homens da Acção Republicana, parte deles saíram do meu partido, e não me acusa a consciência de ter proferido quaisquer palavras contra êles, depois de ter entrado nesta directoria do meu partido.

Não estamos aqui para prestar serviços uns aos outros, mas sim à Nação, como é nosso dever.

Evidentemente que se formam, não só em Portugal, mas em todos os países parlamentaristas, determinados blocos e ligações.

Isso não são conchavos, nem são conluios, são factos visíveis a toda a gente.

E que me importa que lhes chamem conluios ou conchavos, quando se retinem numa maioria diversos partidos políticos para se votarem os orçamentos, etc.?

E respondo assim ao Sr. José Domingues dos Santos: onde está na declaração ministerial qualquer palavra de que se depreenda que se afirma que S. Exa. é cúmplice ou não da Legião Vermelha?

Já é ver demais!

Parece, Sr. Presidente, que há gente que não entende aquilo que eu digo.

Talvez que ou não possa ofuscar a luz das pessoas que pensam melhor do que eu, luas eu contento-me com o meu modo de pensar e do ser, e tenho a certeza de que Cie, por vezes, tem sido proveitoso para a Pátria o para a República, com a ajuda é certo de elementos, não da Acção Republicana, mas do Partido Liberal.

O homem das "forças vivas" - o Sr. Lima Basto - prestou relevantes serviços ao País, e noto V. Exa., Sr. Presidente, - e isto é o maior elogio que lhe posso dirigir - estudou o relatório da proposta, em que modificou o sistema tributário, em poucas horas apenas, defendendo-a depois com brilho.

E um homem assalariado, agente ou sócio, como dizem, será porventura o mesmo que defendeu princípios basilares absolutamente radicais, o tal radicalismo que toda a gente apregoa em matéria de finanças e que eu tenho o orgulho de dizer que foi implantado em Portugal ao tempo em que eu era Ministro.

Afirmou o Sr. Sá Cardoso que na última parto do meu Govêrno não só tinha produzido nada.

Acusou-me também S. Exa. do ter contribuído para o aumento da circulação fiduciária, o tal record que eu bati.

Pois num dado momento - com o chefe do Estado doente, o Sr. António José de Almeida - eu vi-me na impossibilidade de abrir uma crise.

Todos sabem que em Conselho de Ministros eu a quis pôr, e diversas foram as pessoas, até de fora do meu Partido, que me pediram para ficar.

Eu não quero, Sr. Presidente, enredar--me no torvelinho das paixões, mas devo dizer que o Sr. Sá Cardoso mo acusou de um acto que êle próprio praticou no seu Govêrno.

Fazer o mal e a caramunha!...

Emfim, adiante!...

Eu nestas cadeiras não quero aproximar-me sequer da combatividade que tenho daquelas; do resto, essa combatividade não me tem deslustrado, nem a mi-

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nhã consciência me acusa do actos criminosos ou desprestigiastes para a República.

Sr. Presidente: fui eu que apresentei uma proposta de emenda, que provocou a queda do Sr. Vitorino Guimarães e S. Exa., que é um homem de bem e de consciência elevada, sabe bem os esfôrços que eu envidei para que o seu Govêrno não caísse.

A Câmara conhece até uma plataforma que eu lhe dei para S. Exa. poder prosseguir no seu Govêrno.

Afirmei-lhe mais: que, se não podia continuar como estava constituido, se modificasse.

Eu não tinha trazido nunca para a discussão parlamentar ou jornais cousa alguma que pudesse vislumbrar, sequer, a idea de uma crise.

Nunca ninguém mo ouviu dizer que havia grupos dentro do meu partido.

É fácil trazer pura a discussão parlamentar afirmações que se produzem, e que se diz representarem o modo do ver da opinião pública, como se esta fôsse qualquer cousa que pudesse trazer-se dentro do bolso.

Acusam-me de não trazer um largo programa ministerial; se o tivesse trazido, era acusado da mesma maneira.

Lembro-me, a propósito, da fábula do velho, do rapaz e do burro, e, como não quero ser nenhum dos personagens dessa fábula, contínuo a trilhar aquele caminho que me parece o melhor, sujeitando-me embora à discussão dos parlamentares que discordem da minha maneira de ver.

A apresentação do uma declaração ministerial representa quási que uma tradição apenas.

A falta dela poderia ser julgada como um desrespeito ao Congresso da República.

Mas toda a gente vê que a primeira parte dessa declaração inclui as questões momentosas, aquelas que realmente podem pedir-se a uma Câmara- já prorrogada por duas vezes e que naturalmente não tenciona prorrogar-se até à consumação dos séculos.

Pregunta-se-me porque é que eu não falo na questão agrária.

Parece-me que talvez seja necessário buscar a candeia de Diógenes, para descobrir aquilo que na declaração ministerial se não contém.

O nosso processo não pode nunca ser o de mistificar a opinião simplista do povo português.

Em resposta às considerações aqui feitas pelo Sr. Nuno Simões, relativamente à estabilização, eu vou ler à Câmara um documento que aqui tenho.

Eu pregunto, em face do que acabo de ler à Câmara, se não tenho razão no que digo relativamente à melhoria do escudo.

Também se falou muito aqui na reforma agrária; porém, a pessoa que se encontra à frente da respectiva pasta, o Sr. Tôrres Garcia, dá-nos a todos nós a esperança e a certeza de que alguma cousa se há-de fazer sôbre o assunto; porém, o problema agrário, como a Câmara toda sabe, não é uma cousa que se possa fazer ou resolver de um momento para o outro.

O que diz, Sr. Presidente, a declaração ministerial sôbre o assunto?

Diz o bastante para se ver que o Govêrno está nas disposições de o resolver.

O que eu não compreendo, Sr. Presidente, é que venha declarar-se desde já uma guerra aberta ao Govêrno pelo facto de elo apresentar à Câmara um programa pequeno, pois a verdade é que, se êsse programa fôsse mais extenso, a mesma guerra lhe seria feita, conforme já tive ocasião de dizer à Câmara.

Não só compreende, Sr. Presidente, repito, que se faça desde já essa guerra aã Govêrno, quando é facto que êle não declarou guerra a ninguém.

Usou-se até esta frase:

"Eu não sou comido".

Êste Govêrno não adopta tais processos, não quere o mal de ninguém, não quere escravizar quem quer que seja.

Sr. Presidente: o Govêrno apenas quere governar, se o Parlamento lhe der o seu voto; quere apenas governar com utilidade e até com o reconhecimento de que, uma vez arrumadas as fôrças políticas da República, melhores dias virão para o País, visto que já então será possível a solução de problemas que a actual desagregação não tem permitido resolver.

Repelindo inteiramente o apodo do facção ou de Ministério de facção que se me dirigiu, tendo tanto respeito por mim que, fatalmente, o havia de ter para com to-

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dos, não tendo jamais na minha vida defendido grupelhos dentro do meu partido, tendo sempre observado quanto são nefastos êstes processos, tenho a franqueza de o dizer, seja qual fôr o tratamento que o Parlamento entenda dever dar a êste Govêrno.

Não trarei aqui, jamais, assuntos que só devam ser tratados nos organismos próprios do meu partido, para só me recordar de que o dever de todos é definir a sua posição nesta hora especial da política portuguesa, determinando-se pelo que mais convenha ao bem da Nação.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Não há mais nenhum Sr. Deputado inscrito.

Vai votar-se a moção do Sr. Sá Cardoso.

O Sr. Sá Pereira (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: requeiro a votação nominal para a moção do Sr. Sá Cardoso.

É aprovado.

Procede-se à chamada.

O Sr. Presidente: - Disseram "aprovo" 51 Srs. Deputados e disseram "rejeito" 52 Srs. Deputados.

Está rejeitada.

Disseram "aprovo" os Srs.:

Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto do Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Resende.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pereira Nobre.
Bernardo Ferreira do Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Francisco Cruz.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
Lúcio do Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Alegre.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Viriato Gomes da Fonseca.

Disseram "rejeito" os Srs.:

Alberto Ferreira Vidal.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Aníbal Lúcio do Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Lino Neto.
António Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.

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Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Ernesto Carneiro Franco.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Baptista da Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José António de Magalhães.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Mariano Lopes Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Sebastião Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro da Guerra (António Maria da Silva): - Sr. Presidente: informado do resultado da votação cumpre-me agradecer à Câmara a confiança que deposita no Govêrno, que espera pelos seus actos republicanos e patrióticos continuar a merecer essa confiança.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é às 14 horas de hoje, com a seguinte ordem de trabalhos:

Antes da ordem do dia (com prejuízo

dos oradores que "e inscrevam":

A de hoje, menos o projecto n.° 904-J e o parecer n.° 859.

(Sem prejuízo dos oradores que se inscrevam):

A de hoje, menos os pareceres n.ºs 871 e 861 e mais o parecer n.° 352, que cria a comarca do Cadaval.

Ordem do dia:

A de hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 2 horas e 12 minutos.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Declarações de voto

Declaro que rejeitei a moção de desconfiança por coerência e porque reprovo as moções de desconfiança a Governos de correligionários, sobretudo antes de êles terem dado quaisquer provas.

7 de Julho de 1925. - João Salema.

Para a acta.

Declaro que rejeitei a moção do Sr. Sá Cardoso apenas por recear que da sua aprovação resultasse mais uma situação grave e delicada para a República. - Lúcio de Azevedo.

Para a acta.

Projectos de lei

Dos Srs. Lúcio de Azevedo, Cortês dos Santos e Constâncio de Oliveira, criando uma assemblea eleitoral em Queluz.

Para o "Diário do Govêrno".

Do Sr. Pinto Barriga, mantendo aos funcionários dos quadros técnicos do Ministério da Agricultura a equiparação de vencimentos estabelecida no decreto n.° 7:163, desde l de Janeiro de 1923 inclusive.

Para o "Diário do Govêrno".

Projectos de lei

Dos Srs. João Camoesas, Pina de Morais, Ribeiro de Carvalho, Rocha Saraiva

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e Hermano do Medeiros, isentando de adicionais sôbre as contribuições do Estado a indústria e comércio de livros de autores portugueses.

Para a comissão de instrução especial e técnica,

Do Sr. Carlos Pereira, acrescentando uma alínea ao n.° 1.° do artigo 29.° da tabela de emolumentos judiciais*

Para as comissões de legislação civil e comercial e legislação criminal, conjuntamente.

Do Sr. Custódio de Paiva, substituindo designados números a alíneas do artigo 29,° da tabela de emolumentos judiciais.

Para as comissões de legislação civil e comercial e legislação criminal, conjuntamente.

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministério da Justiça, me seja fornecida cópia do relatório acórdão proferido no processo de inquérito instaurado pelo Conselho Superior Judiciário contra o juiz de direito bacharel José Pinheiro Mourisca Júnior. Não
requeri nem pedi cópia do processo, o qual me dizem ter 275 folhas, mas tam somente cópia do relatório e acórdão do Conselho, aliás cópias já fornecidas a um outro Sr. Deputado. - Angelo Sampaio Maia.

Expeça-se.

Últimas redacções

Do projecto do lei n.° 861, que dispensa do pagamento da taxa militar os indivíduos que, tendo prestado, por mais do um ano, serviço do campanha em França ou em África, tenham sido julgados incapazes do serviço militar.

Dispensada a leitura da última redacção.

Remeta-se ao Senado.

Do projecto de lei n.° 871, que concede um subsídio mensal às viúvas, divorciadas ou separadas judicialmente, e aos órfãos dos oficiais do exército e da armada, dos quadros coloniais e guarda fiscal, nas condições da lei de 28 do Junho do 1880.

Dispensada a leitura da última redacção.

Remeta-se ao Senado.

O REDACTOR - Sérgio de Castro.

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