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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 101
EM 16 E 17 DE JULHO DE 1925
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. - Abre a sessão com a presença de 53 Srs. Deputados.
É lida acta, que adiante se &prova com número regimental.
Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. - Continua a discussão do Aparecer n.° 905 - empréstimo para o edifício do Liceu de Alexandre Herculano, no Pôrto.
Usa da palavra o Sr. Carvalho da Silva, a quem responde o Sr. Ministro da Instrução (Santos Silva).
Ficou aprovado.
Entra em discussão o parecer n° 921 - condições de promoção de designados postos do exército.
É aprovada a generalidade sem discussão, bem como nos mesmos termos o artigo 1.°
Sôbre o artigo 2.º fala o Sr. Pires Monteiro, que apresenta duas propostas de aditamento, sôbre que se manifesta, em nome da comissão de guerra, o Sr. Estêvão Aguas.
Responde o Sr. Pires Monteiro, sendo admitidas as propostas.
Usa da palavra o Sr. Ministro da Guerra (António Mana da Silva), seguindo-se o Sr. Pereira Bastos.
Procede-se às votações que vão referidas no corpo da sessão.
Os artigos 3.º e 4.° são aprovados sem discussão.
Sôbre o artigo 5.° manifesta-se o Sr. Carvalho da Silva, ficando pendente o debate.
Ordem do dia.- O Sr. António Correia requere que na primeira parte continue a discussão do negócio urgente do Sr. Sampaio Melo, (ordem pública), manifestando-se contra o Sr. Almeida Ribeiro, insistindo o Sr. António Correia.
Seguem-se, sôbre o modo de votar, os Srs. Carvalho da Silva e Alfredo de Sousa. Em prova e contraprova, com contagem, é rejeitado o requerimento.
O Sr. Maldonado de Freitas interroga a Mesa, respondendo o Sr. Presidente.
Continua a discutir-se o orçamento do Ministério da Instrução.
O Sr. João Camoesas, que ficara com a palavra reservada, termina o seu discurso, findando a discussão do capitulo 4.°, que é aprovado com emendas.
Sôbre o capítulo 5.° usa da palavra o Sr. Cunha Leal, que apresenta propostas de emenda, que são admitidas.
Segue-se o Sr. Marques Loureiro, que fica com a palavra reservada.
O Sr Cunha Leal requere para, - em negócio urgente, tratar da anulação dos decretos n.ºs 10:734 e 10:761.
Aprovando a Câmara, o Sr. Cunha Leal realiza o seu negócio urgente, e apresenta um projecto de lei, para que requere urgência e dispensa do Regimento, que "ao aprovadas.
O Sr. António Correia requere a prorrogação da Sessão até se concluir o debate sôbre o negócio urgente do Sr. Sampaio Maia, pendente da sessão anterior.
Aprovado.
Usa da palavra o Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva).
O Sr. António Correia requere que se abra uma inscrição especial.
Aprovado.
O Sr. Pedro Pita apresenta e justifica uma moção de ordem, que é admitida.
Segue-se o Sr. Carvalho da Silva.
As 19 horas e 30 minutos o Sr. Presidente interrompe a sessão para continuar às 21 horas e meia.
Reabre a sessão às 22 horas e 18 minutos, sendo concedida a palavra ao Sr. Rodrigues Gaspar, seguindo-se os Srs. Joaquim Ribeiro, Manuel fragoso, Cunha Leal, Vasco Borges, Lino Neto, Jaime de Sousa e Pinto Barriga.
O Sr. Pedro Pita requere que a Câmara seja consumada sôbre se concorda com que a sessão continue, sem interrupção, até se liquidar o debate.
O Sr. Álvaro de Castro interroga a Mesa, respondendo o Sr. Presidente.
Sôbre o modo de votar falam os Srs. António
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Correia, João Camoesas e Pedro Pita, sendo o requerimento aprovado em prova e contraprova.
Usa da palavra o Sr. Pinto Barriga.
Seguem-se no uso da palavra os Srs. João Camoesas, Agatão Lança, Cunha Leal, Manuel Fragoso, Álvaro de Castro, João Camoesas (para explicações), Agatão Lança (para explicações), Presidente do Ministério, Pedro Pita, Carvalho da Silva, Fernando Freiria, Sá Cardoso (para explicações) e novamente o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr Joaquim Ribeiro requere que a moção do Sr. Pedro Pita seja dividida em três partes, requerendo o Sr. João Luís Ricardo ou sôbre êsse requerimento recaia votação nominal.
Aprovado êste requerimento, procedes-se à votação nominal.
Aprovaram 55 Srs. Deputados e rejeitaram 57.
É lida a moção do Sr. Pedro Pita, requerendo o Sr. António Correia, e sendo aprovado o seu requerimento, que haja votação nominal.
O Sr. Agatão Lança requere, e a Câmara receita, que a moção seja dividida as duas partes.
Procede-se à votação nominal, sendo a moção do Sr. Pedro Pita aprovada por 58 votos contra 49.
Considera-se prejudicada uma moção do Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Presidente do Ministério participa que vai comunicar ao Sr. Presidente da República o resultado da sessão.
Encerrasse a sessão às 15 horas e 46 minutos do dia 17, marcando-se a imediata para o dia 21.
Documentos mandados para a Mesa,, durante a sessão.- Ultima redacção de voto - Pareceres.
Abertura da sessão, às 16 horas e 22 minutos.
Presentes à chamada, 53 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 68 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Marques Mourão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Angusto lavares Ferreira.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur Rodrigues do Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio do Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
David Augusto Rodrigues.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Germano José de Amorim.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Baptista da Silva.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim José de Oliveira.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Valentim Guerra.
Viriato Gomes da Fonseca.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
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Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António de Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Correia.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur de Morais Carvalho.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Ernesto Carneiro Franco.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Aguas.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Tomás de Sousa Rosa.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Srs. Deputadas que não compareceram à sessão:
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Lelo Portela.
Alberto Xavier.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Sousa Mala.
António Vicente Ferreira.
Bartolomou dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vergílio da Conceição Costa.
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Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Às 15 horas e 10 minutos principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 53 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 22 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
Da Câmara Municipal de Silves, contra a lei n.° 1:717 e decreto n.° 10:665.
Para a Secretaria.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se a última redacção do orçamento do Ministério das Finanças.
O Sr. Nunes Loureiro (para um requerimento): - Requeiro a V. Exa. para que consulte a Câmara sôbre se dispensa a leitura.
Foi aprovado.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de "antes da ordem do dia".
Continua em discussão a proposta que autoriza o Govêrno a contrair um empréstimo, na quantia de 700.000$, para obras no Liceu de Alexandre Herculano, no Pôrto.
O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: o Sr. Ministro da Instrução, não sendo um velho parlamentar, adopta, no emtanto, um sistema de começar a sua apresentação, a esta Câmara por pedir urgências e dispensas de Regimento.
V. Exa. Sr. Presidente, deve, com certeza, em matéria de discussões parlamentares, ir bem mais longe do que os seus antecessores.
S. Exa. ao apresentar esta proposta da bem uma prova de quanto o interessam
os serviços de ensino no Pôrto, cidade onde S. Exa. é professor muito distinto.
Porém, se S. Exa. se interessasse igualmente pelos moamos serviços de todo o País, esta proposta não viria sozinha, dadas as reclamações há poucos dias apresentadas à Câmara e ao Govêrno pelo reitor da Universidade de Lisboa e por alguns professores.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Santos Silva) (interrompendo): - Reclamações que estou acarinhando.
O Orador: - Sr. Presidente: já ontem, os Srs. Cunha Leal e Brito Camacho falaram sôbre a necessidade de se atenderem essas reclamações quanto aos edifícios onde estão instaladas as Universidades de Lisboa, de Direito, Instituto Superior Técnico e Jardim Colonial.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Santos Silva) (interrompendo): - O ensino técnico, como V. Exa. sabe, não está afecto ao Ministério da Instrução Pública,, mas sim ao do Comércio. Não é essa a minha opinião, mas o facto dá-se.
O Orador: - Sr. Presidente: sinto muito que S. Exa. não tenha incluído nesta proposta as reclamações a que acabei de fazer referência, porque, embora S. Exa. não queira, parece haver nisto uma pontinha de política.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Santos Silva): - Sr. Presidente: ao apresentarmos, eu e o Sr. Ministro das Finanças, esta proposta, destinada a acudir a obras já efectuadas e sua conclusão no Liceu de Alexandre Herculano, do Pôrto, não supus que tivesse tam larga discussão, que resultou brilhante pelo brilho que lhe deram os Srs. Deputados que nela intervieram.
Houve duas espécies de argumentos sôbre esta proposta.
Os Srs. Cunha Leal e Carvalho da Silva entendem que nesta proposta deveria estar incluído tudo o que diz respeito às necessidades do ensino nos diferentes estabelecimentos do País.
Sr. Presidente: parece-me que êsse trabalho não podia ser feito em conjunto, porquanto esta proposta se destina a açu-
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dir à defesa de um edifício que ameaça desmoronar-se.
Sabem V. Exas. que as obras do Liceu Alexandre Herculano foram iniciadas em 1911, depois da aprovação de uma lei trazida às Constituintes pelo Sr. Dr. Angelo Vaz.
As obras começaram-se, e já podem ali funcionar as 5 classes do curso geral, tendo as do curso complementar de funcionar numa casa alugada, afastada 200 ou 300 metros do edifício, e onde se encontram as instalações laboratoriais.
Trata-se, pois, de um factor banal do administração pública, qual seja, repito, acudir a um edifício que ameaça desmoronar-se, e onde o Estado já gastou algumas centenas de contos de réis.
O Sr. Brito Camacho preguntou onde ia eu buscar a verba para êsse empréstimo.
Porque entendi serem as obras em questão do extraordinária urgência, procurei de entre as verbas do meu Ministério aquelas onde poderia ir buscar essa importância, e foi assim que encontrei as diferenças cambiais na verba de pensionistas no estrangeiro.
O Sr. Carvalho da Silva (em Àparte): - Vê-se assim como estão mal calculadas as verbas no Orçamento.
O Orador: - Mas agora a respectiva verba ficou bem calculada. Foi êste o acto que pratiquei.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
É aprovado na generalidade.
Em seguida é aprovado na especialidade.
Proposta de lei n.° 965
Artigo 1.° É autorizado o Govêrno a contrair com a Caixa Geral de Depósitos um empréstimo de 700.000$, a fim de ocorrer ao pagamento das despesas com a construção do edifício do Liceu Central de Alexandre Herculano, no Pôrto.
§ 1.° Êste empréstimo será amortizável no prazo máximo de vinte anos, a juro não excedente a 10 por cento.
§ 2.° Para ocorrer ao pagamento dos encargos dêste empréstimo, será descrita no Orçamento Geral do Estado a verba necessária, que será deduzida em concorrente quantia na cotação consignada no capítulo 8.°, artigo 75.°, do orçamento do Ministério da Instrução Pública para o ano económico de 1925-1926, e destinada ao pagamento de diferenças de câmbio.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, em 15 de Junho de 1925. - Eduardo Ferreira dos Santos Silva. - E. A. Lima Basto.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se para entrar em discussão.
Parecer n.° 921
Senhores Deputados. - A vossa comissão de guerra, estudando o assunto que originou a proposta de lei n.° 893-I, da autoria do Sr. Ministro da Guerra, é de parecer que. ela não remove os inconvenientes que a determinaram, porquanto, compensando - como é de inteira e inadiável justiça - uns oficiais prejudicados pela promulgação da lei n.° 1:313, de 15 de Agosto de 1922, mantém essa o outras disposições, que, por haverem sido apresentadas, discutidas e aprovadas em separado, sem o espírito do ligação e sequência que deve presidir à factura de leis e de decretos que colidem com a orgânica do exército, transtornam, por completo, a base fundamental da disciplina por contrariarem a justiça e a boa razão.
Eis porque esta comissão vos apresenta um contra-projecto que tende a regressar-se ao verdadeiro critério em matéria de promoção a alferes, não só dos alunos da Escola Militar, como também dos oriundos da classe de sargentos, e bem assim do seu acesso, por diuturnidade, ao pôsto de tenente, e ao tempo de permanência dos postos para acesso ao pôsto imediato, destruindo a legislação promulgada durante e após a guerra, da qual tem resultado, em alguns casos, confusão nas antiguidades e nas escalas.
A base fundamental da promoção a oficial e a tenente, por diuturnidade, está
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consignada na lei de 12 de Junho de 1901 - diploma por que ainda hoje nos regemos - e que foi mantida pelo decreto com fôrça de lei, de 25 de Maio de 1911, que organizou o exército.
Por esta legislação, os alunos da Escola, Militar que completassem os cursos de infantaria e cavalaria, e, mais tarde, os de artilharia de campanha e de administração militar, seriam promovidos a aspirantes a oficial - pôsto em que se conservariam durante um ano - no dia 1 de Novembro, sendo promovidos a alferes em 15 de Novembro, onde demorariam quatro anos, passando então a tenentes em 1 de Dezembro.
Os alunos de artilharia e engenharia, o, mais tarde, só os desta arma e os de artilharia a pé, seriam promovidos a alferes em 1 de Novembro, e a tenentes, passados dois anos, em 1 de Dezembro.
Os oriundos da classe de sargentos, das armas e serviços, teriam promoção a alferes, em 15 de Novembro; na proporção determinada por lei, e demorariam quatro anos nesse pôsto, até que tossem promovidos a tenentes, também na data de 1 de Dezembro.
Por esta forma havia a maior harmonia na promoção, e todos chegavam ao pôsto de tenente - que se obtém, como se disse, por diuturnidade - no mesmo dia, atendendo-se a que para as armas - chamadas especiais - artilharia a pó e engenharia, se levava em conta o tempo gasto a mais nos cursos preparatórios e da arma, a partir do terminus, do curso de liceu, em ordem a que os seus condiscípulos neste último curso e que só destinavam às armas gerais -infantaria, cavalaria, artilharia de campanha o administração militar - tivessem a promoção a tenente no mesmo dia e ano do que elês.
Veio a lei n.° 390, de 4 de Setembro de 1915, e determina que os alferes dos serviços de saúde, veterinário, secretariado militar, quadros auxiliares do exército e alferes chefes de música fossem promovidos a tenentes no dia imediato àquele em que completassem quatro anos de posto.
Como êstes serviços e quadros não estavam subordinados a proporção com alunos da Escola Militar por os seus quadros não os admitir, eram êles promovidos a alferes logo que se dêsse uma vaga, donde não estavam subordinados à data normal, fixada para os das armas, de 15 de Novembro. Mas como a lei determinava que toda a promoção a tenente só se fazia em 1 de Dezembro, resultava daqui que muitos dêstes militares só eram promovidos a tenentes com quatro anos e meses, podendo chegar quasi a cinco anos, deposto de alferes. Daí a lei n.º 390, citada, que, a nosso ver, não incomodava, nem alterava o principio fundamental.
Porém, em 10 de Maio de 1919 - e aqui começa a embaraçada situação, que se pretende remediar - foi publicado o decreto com fôrça de lei, n.º 5:787-4U, que, reorganizou a Escola Militar, que, sem atender ao princípio estabelecido e criando legislação nova sôbre a organização do exército, não se limitando à função primordial da soa existência, destruía e eliminou da escola hierárquica o pôsto de aspirante a oficial, prescrevendo no seu artigo 30.° que os alunos das armas de infantaria, cavalaria. e artilharia de campanha e os de administração militar, ao terminarem o curso, fossem promovidos a alferes, pôsto em que demorariam cinco anos, e que os de engenharia e do artilharia a pé fossem também promovidos a alferes, em que demorariam um ano.
Aos primeiros aumentava um ano no pôsto de alferes que era, certamente, aquele em que, anteriormente, se conservavam no pôsto de aspirante a oficial.
Mas desde logo se viu a desigualdade de uns e de outros em relação aos dos serviços e quadros auxiliarem do exército e chefes de música, que continuaram a ter, somente, quatro anos no pôsto de alferes. É uma das razões por que dizemos que e decreto n.º 5:787-4U, foi mais além do que devia, porque ingerindo-se no que, propriamente, não era da sua especial função, legislou em matéria de promoção aos bocados, não atendendo ao conjunto.
Mas o mal todo, o mal maior, àquele que baralhou o confundiu tudo, foi a doutrina da lei n.º 1:313 de 15 de Agosto de 1922, insuficientemente estudada e, portanto, erradamente aplicada.
Esta lei tornou extensivas aos alferes das diferentes armas os serviços as disposições da lei n.° 390, de 4 de Setembro de 1915, logo que êstes alferes tenham.
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completado ou venham a completar o tempo de permanência no pôsto de alferes, indicado no artigo n.° 432.° do decreto com fôrça de lei, de 25 de Maio de 1911.
Resultado: os alferes de infantaria, cavalaria, artilharia de campanha e administração militar que, pelo decreto n.° 5:787-4U, deviam estar cinco anos em alferes para compensar o ano no pôsto de aspirante a oficial que foi suprimido, passaram a estar quatro anos.
Aos alferes de artilharia a pé e de .engenharia que tinham um ano de permanência nesse pôsto, por virtude do aumento de um ano de preparatórios ou de curso, aumenta-se um ano, visto o artigo 432.° citado determinar, naquele tempo, (em 1901), que deviam estar dois anos.
Êstes ficam, portanto, prejudicados em relação aos seus colegas das armas gerais, saídos do liceu no mesmo ano, em dois anos para acesso ao pôsto de tenente, por diuturnidade.
É uma pavorosa iniquidade, já pelo prejuízo imediato no sentido material e no da disciplina, já pelo prejuízo futuro em face do que prescreve o artigo 463.° da organização do exército, de 25 de Maio de 1911.
E é curioso o que se verifica nas escalas de acesso, relativamente à aplicação da lei n.° 1:313 citada.
Constata-se que, sendo ela de Agosto de 1922, ainda em 1923 se não aplicou, por esquecimento ou inadvertência, aos alferes de engenharia e artilharia a pé que concluíram os seus cursos em 1922, tendo sofrido, porém, a sua má doutrina os do curso de 1923 que, devendo ser tenentes desde então, se atendessem ao acesso dos seus camaradas das armas gerais, ou desde 1924 se a isso não se atendessem, ainda hoje se encontram com o pôsto de alferes.
Exposto o assunto, acha a vossa comissão de guerra que muita diferença faz - não se obedecendo por vezes aos preceitos constitucionais - que os assuntos, que tratam da organização do exército ou que com ela mais ou menos intimamente se relacionam, tenham um ponto de partida diferente daquele que o código fundamental da Nação manda ter, ou que cheguem a ser promulgadas como lei nos termos do artigo 32.° do mesmo Código.
Há, portanto, Srs. Deputados, que voltar à pureza dos bons princípios e das boas normas estabelecidas nos diplomas fundamentais da organização do exército.
A organização da Escola Militar tem de ser alterada na sua determinação relativa ao pôsto com que os alunos devem sair da Escola, precisando-se também a categoria daqueles que a frequentam.
Da restante legislação, acima apontada, ficará subsistente parte dela, visto a comissão entender que, emquanto não fôr promulgada uma nova lei de promoções - o que se acha em estudo - deve ela continuar.
Antes de apresentar o contra-projecto e para elucidação de V. Exas., a comissão expõe o esquema da duração dos cursos e dos preparatórios para as diferentes armas e serviço de administração militar, conforme a legislação em vigor:
[Ver tabela na imagem]
Contra-projecto de lei
Artigo 1.° Os aspirantes a que se refere o artigo 28.° do decreto com fôrça de lei n.° 5:787-4U, de 10 de Maio de 1919, que reorganizou a Escola Militar, são considerados aspirantes-alunos.
Art. 2.° Os aspirantes-alunos da Escola Militar que concluírem os seus cursos serão promovidos:
a) Os das armas de infantaria, de cavalaria, de artilharia de campanha e os de serviço de administração militar, a aspirantes a oficial, com a antiguidade de 1 de Novembro;
b) Os das armas de artilharia a pé o de engenharia, a alferes, com a antiguidade de 1 de Novembro.
§ 1.° Os alunos a que se refere a ali-
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nea a) conservar-se hão no pôsto de aspirante a oficial durante um ano, pelo menos, findo o qual serão promovidos a alferes, com a antiguidade de 1 de Novembro.
§ 2.° Os alunos a que se refere a alínea b) conservar-se hão no pôsto de alferes durante um ano, pelo menos, findo o qual serão promovidos a tenentes, com a antiguidade de 1 de Dezembro.
Art. H.° A promoção a alferes dos sargentos ajudantes ou primeiros sargentos das armas de infantaria e do cavalaria e os dos quadros auxiliares dos serviços de artilharia e de engenharia, quer seja pelo têrço das vacaturas existentes, quer seja pelo mínimo estipulado nos artigos 10.° e 11.° da lei de 31 de Agosto de 1915, terá lugar no dia 15 de Novembro de cada ano, devendo considerar-se ano, para o caso do mínimo, o período decorrido desde 16 de Novembro de um ano até 15 de Novembro do ano seguinte.
Art. 4.° A promoção a alferes nos demais quadros far-se há à medida que se derem as vacaturas.
Art. 5.° A promoção a tenente, dos alferes de todas as armas, serviço de administração militar e quadros auxiliares dos serviçais de artilharia e de engenharia, que satisfaçam às condições exigidas por lei, far-se há, simultaneamente, em cada ano, referida ao dia 1 de Dezembro.
Art. 6.° Os actuais alferes das armas de artilharia a pó o de engenharia que se acham prejudicados, na sua. promoção no pôsto de tenente com a promulgação da lei n.° 1:313, de 15 de Agosto de 1922, são considerados promovidos a tenentes, para todos os efeitos, no dia l de Dezembro do ano imediato àquele em que concluíram o respectivo curso.
Art. 7.° Aos actuais alferes das armas de infantaria, de cavalaria, de artilharia de campanha e os do serviço de administração militar, promovidos a êste pôsto nos termos do artigo 30.°, alínea a), do decreto n.° 5:787-4 U, de 10 de Maio de 1919, será dada a promoção a tenente no dia 1 de Dezembro do ano em que completarem cinco anos de pôsto, se satisfizerem às demais condições de promoção exigidas por lei.
Art. 8.° Aos actuais alferes dos quadros auxiliares dos serviços de artilharia e de engenharia promovidos a esto pôsto nos termos do artigo 11.° da lei de 31 de Agosto de 1915, e a todos aqueles a que se refere o artigo 4.° da presente lei, aplicar-se há, para a sua promoção a tenente, a doutrina da lei n.° 390, do 4 de Setembro de 1915.
Art. 9.° O tempo mínimo de permanência nos diferentes postos que os oficiais devem ter, para poderem ascender ao pôsto imediato, será o estipulado nos artigos 432.° a 437.° do decreto com fôrça do lei de 20 de Maio de 1911, com a excepção indicada no § 2.° do artigo 2.° da presente lei.
Art. 10.° Fica revogada toda a legislação em contrário, nomeadamente as disposições contidas nas alíneas c) e b) do artigo 30.° do decreto n.° 5:787-4 U, o e no decreto n.° 5:787-4 T, ambos de 10 de Maio de 1919; na alínea a), § 1.° do artigo 432.°, do decreto de 25 do Maio de 1911; e na lei n.° 1:313, de 15 de Agosto de 1922.
Sala das sessões da comissão de guerra, em 2 de Junho de 1925.- João Pereira Bastos- Tomás de Sousa Rosa - João Pina de Morais - Lúcio Martins - David Rodrigues - Dinis de Carvalho - José Cortês dos Santos - Albino Pinto da Fonseca - João E. Aguas, relator.
Senhores Deputados. - A proposta de lei n.° 893-J, da autoria do Sr. Ministro da Guerra, foi presente à vossa comissão de finanças, acompanhada de um larguíssimo o vastíssimo parecer da vossa comissão de guerra, comissão técnica neste caso e era casos análogos.
Destina-se a proposta a regular a promoção ao pôsto do tenente dos alferes de todas as armas e serviços do exército, para evitar que se continuem a praticar injustiças de vária ordem, como as que até hoje se têm praticado.
Não tem a vossa comissão de finanças elementos para poder apreciar se a proposta consegue ou não aumento de despesa, nem possibilidade de os poder obter.
Nestes termos, à vossa comissão de finanças não é possível pronunciar-se.
Sala das sessões da comissão de finanças, Junho de 1925. - A. de Portugal Durão- Jaime de Sousa - Abranches Ferrão - Viriato da Fonseca - Amadeu de Vasconcelos - Pinto Barriga (com decla-
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rações) - Artur Carvalho da Silva (com declarações) - Lourenço Correia Gomes, relator.
Proposta de lei n.° 893-I
Senhores Deputados. - Considerando que pela aplicação da lei n.° 1:313 resulta para os alferes do engenharia o de artilharia a pé o prejuízo de um ano na promoção a tenente, em comparação dos alferes das outras armas e serviços;
Considerando que êste prejuízo é sobremaneira agravado para os efeitos do artigo 453.° da reorganização do exército, de 25 de Maio de 1911, em que a data da promoção a tenente lhes vem atrasada do dois anos em relação aos das outras armas e serviço de administração militar;
Considerando que é de justiça o urge evitar tal prejuízo e manifesta de igualdade em que aqueles oficiais ficaram colocados:
Tenho a honra de submeter à apreciação da Câmara a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° Os alferes de engenharia e de artilharia a pó são promovidos ao pôsto de tenente no dia 1 de Dezembro do ano em que concluírem os respectivos cursos.
§ único. Os alferes de engenharia o de artilharia a pé, prejudicados na promoção a tenente com a promulgação da lei n.° 1:313, de 15 de Agosto de 1922, que reduziu de um ano a permanência no pôsto de alferes dos oficiais do artilharia de campanha, cavalaria, infantaria e administração militar, são considerados promovidos ao pôsto de tenente, para todos os efeitos, no dia 1 de Dezembro do ano em' que concluíram o respectivo curso.
Art. 2.° A promoção ao pôsto de tenente dos alferes de todas as armas e serviços do exército, que satisfaçam a todas as condições de promoção, far-se há em cada ano referida ao dia 1 de Dezembro.
Art. 3.° Emquanto não fôr promulgada uma lei de promoções, os oficiais de que trata o artigo 1.° e seu § único desta lei deverão ser mandados apresentar na respectiva escola de aplicação, quando promovidos a alferes, onde permanecerão durante o seu primeiro ano de tenentes, não lhes aproveitando, para os efeitos da alínea b) do artigo 431.° do decreto de
25 de Maio de 1911, o serviço prestado durante êste ano.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das sessões da Câmara dos Deputados, 20 de Março do 1925. - O Ministro da Guerra, Ernesto Maria Vieira da Rocha.
É pôsto em discussão, na generalidade, sendo aprovado.
Entra em discussão, na especialidade, o artigo 1.°, sendo aprovado.
O Sr. Morais Carvalho: - Requeiro a contraprova.
Procede-se à contraprova, dando o mesmo resultado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 2.°
O Sr. Pires Monteiro: - Sr. Presidente: o parecer em discussão vai restabelecer uma disposição que já existiu o produziu uma gravíssima perturbação nos quadros dos generais das diferentes armas e serviços.
Neste lugar tenho exprimido por várias vezes a minha mágoa por verificar que a comissão de guerra tem submetido à apreciação da Câmara alguns projectos de lei que são absolutamente prejudiciais, segundo a minha modesta opinião, ao prestígio do exército.
Essa comissão não apresentou o problema militar como êle devia ser apresentado à Câmara depois da Grande Guerra.
Era de esperar que após uma sessão legislativa, a comissão do guerra já tivesse trazido a esta casa as modificações essenciais à reorganização do exército, rio que elo tanto necessita para se valorizar.
Aproveito a primeira ocasião em que falo acerca dum parecer que diz respeito ao exército, para pedir ao Sr. Ministro da Guerra, a quem dirijo as minhas situações, que procure das estações competentes aquelas informações que lhe devem ser prestadas, para que S. Exa. possa dotar a reorganização do exército com as modificações julgadas necessárias' por Aqueles que combateram em África e a Flandres.
É inadmissível que tendo acabado a guerra em 1918, o estando-se em 1925,
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ainda não tivessem sido trazidas quaisquer modificações tendentes a estabelecer bases novas para a reorganização do exército.
Eu, como relator do orçamento do Ministério da Guerra, já marquei modestamente o meu lugar, embora sem recursos para ir mais além.
Entendi que não devia passar por êste lugar sem dizer francamente ao País aquilo de que o exército necessita.
Necessitamos de um exército devidamente organizado, e um exército devidamente organizado é um exército miliciano.
A comissão da guerra, a quem foram confiadas propostas de lei referentes à reorganizarão do exército, ainda não trouxe a esta casa os seus pareceres.
Não temos material, nem a conveniente preparação dos quadros; e, se não temos isto, não é porque o País não gaste centenas de contos com as instituições militares: é porque não se tem querido fazer aquilo a que eu chamarei uma administração assente nos bons princípios da organização militar.
Á comissão de guerra tem-se preocupado mais com projectos do lei de interêsse particular do que se tem interessado pelos problemas que dizem respeito à colectividade.
O Sr. Pereira Bastos (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença, para não ter que pedir a palavra?
Não é exacto o que V. Exa. acaba de dizer.
A comissão de guerra tem relatado muitos projectos de lei, mas a comissão de guerra não sabe o motivo por que a maior parte dêsses projectos de lei não tem sido apresentados à discussão da Câmara.
É possível que alguns dêsses projectos de lei estejam presos noutras comissões.
Há mais de dois anos que alguns dêsses projectos de lei deviam, ter entrado em discussão, incluindo um que relatei e que tem por fim preparar a transição do que está para o que há-de vir.
Por outro lado, devo observar que, a respeito dos chamados ensinamentos da guerra, nem tudo aquilo que há dois anos se apresentava como bom está hoje no mesmo pé de consideração.
O Orador: - Ouviu a Câmara que o Sr. Pereira Bastos pôs à sua disposição trabalhos que distinguem S. Exa.
S. Exa. afirmou que há dois anos relatou um parecer a respeito da reorganização do exército e que êle ainda não foi apreciado.
Não se pode acusar o Parlamento de se não ter interessado pelas questões militares.
Os parlamentares que têm assento nesta casa, - honra lhes seja feita - têm-se interessado pelas questões militares, mas as questões que têm sido apresentadas são as questões que interessam a determinado grupo de indivíduos.
Quero afirmar a minha posição no debate.
O projecto de lei em discussão é um dos poucos que a comissão de guerra relatou, em que os seus pontos de doutrina são inconvenientes àquele prestígio de que deve ser rodeado o exército.
Muito respeito e considero o ilustre relator, Sr. Estêvão Águas, que soube fazer um projecto de lei para estabelecer os bons princípios.
Nestes termos, Sr. Presidente, o a propósito do artigo 2.°, artigo êste que interessa fundamentalmente aos quadros dos oficiais do exército, eu mando para a Mesa dois aditamentos que constituirão os §§ 3.° e 4.° do artigo 2.°
Neles eu quero marcar, por fôrça da própria lei, a instrução complementar a que os oficiais devem ser obrigados depois de terem terminado os seus cursos.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Pereira Bastos não fez a revisão do seu àparte.
Lidos na Mesa, foram admitidos os aditamentos propostos pelo Sr. Pires Monteiro.
São os seguintes:
Artigo 2.°:
§ 3.° Durante o ano, a que se referem os parágrafos anteriores, os alunos promovidos frequentarão os cursos de aperfeiçoamento estabelecidos pelo regulamento desta lei nas escolas de repetição.
§ 4.° O curso da Escola Militar com o
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coeficiente 2 e os cursos nas escolas de aplicação com o coeficiente 1 darão a classificação final e a colocação na escola do respectivo quadro, que será publicada na Ordem do Exército. - O Deputado, Pires Monteiro.
O Sr. Estêvão Águas: - Como relator do parecer em discussão, eu devo declarar, em nome da comissão de guerra, que aceito o primeiro aditamento proposto pelo Sr. Pires Monteiro, mas que não posso aceitar o segundo.
O primeiro trata de um caso com fôrça de lei, que determina que os alunos desenvolvam a sua instrução nas escolas práticas.
Quanto ao segundo, é uma cousa absolutamente impossível de aceitar-se.
Os alunos, terminados os seus cursos, saem já da escola com a sua classificação, e, assim, não faz sentido que fique dependente de um curso meramente de aplicação o obterem a classificação final.
É um absurdo, e não pode admitir-se semelhante critério.
As escolas de aplicação servem apenas para praticar, e para os alunos saírem de lá com a nota de aproveitamento ou sem.
O que o Sr. Pires Monteiro pretende é caricato e crítico, até mesmo para o pessoal docente da Escola Militar, ao qual S. Exa. pertence.
Portanto, repetindo, direi que a comissão de guerra aceita o primeiro aditamento, mas que não aceita o segundo. E, aproveito a ocasião para enviar para a Mesa uma proposta de emenda à alínea B do artigo 2.°, a fim de se mudar de 1 para 15 de Novembro a data mencionada me parecer.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Propostas de emenda
No § 1.° da alínea b) do artigo 2.°, mudar a data de l de Novembro para 15 de Novembro. - O Relator, João Aguas.
No § 3.° suprimir a parte final: "estes cursos terão a duração total de 10 meses, no mínimo". - O Relator, João Aguas.
O Sr. Pires Monteiro: - Eu agradeço ao Sr. Estêvão Aguas a maneira como recebeu os meus aditamentos.
O que eu propus não representa, por forma nenhuma uma subordinação.
Um oficial deve ter conhecimentos práticos da sua profissão, e não é lógico que seja colocado sem se atender às suas aptidões e à sua habilidade prática. É, evidentemente, para isso que servem as escolas de aplicação.
Eu estou inteiramente à vontade fazendo esta proposta, e talvez mais do que os outros ilustres oficiais que me estão ouvindo, porque, apesar de serem dos mais distintos militares do nosso exército, não têm aquele conhecimento que nós, os professores, travamos, dia a dia, com os alunos.
Creio que deve estar no espírito de todos que um oficial não deve ser um doutrinário, mas sim um homem prático, e foi êste o principal motivo por que mandei para a Mesa o 2.° aditamento.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Foi lida na Mesa e admitida a proposta de emenda do Sr. Estêvão Águas.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro da Guerra (António Maria da Silva):- Sr. Presidente: eu pedi a palavra para dizer que estou absolutamente de acôrdo com os aditamentos mandados para a Mesa pelo ilustre Deputado Sr. Pires Monteiro.
Evidentemente que eu, dizendo que os aceito, o faço em princípio, a Câmara dirá qual o tempo que se deverá fixar para o estágio nas escolas a que se referem os aditamentos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pereira Bastos: - Sr. Presidente: eu concordo com os desejos do Sr Pires Monteiro, quando êle quere que fique estabelecido como matéria de lei, e não simplesmente de regulamento, que os novos oficiais, ao saírem da Escola Militar, vão praticar nas escolas de aplicação. Porém no que discordo é que se fixe o número mde esses dessa permanência.
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Acho melhor que isso só deixe ficar ao arbítrio do cada uma das diferentes armas, porque as necessidades são diferentes.
Nós sabemos que isso tem também de depender das condições económicas do Tesouro.
Obrigar os oficiais a estarem dez meses B uma escola de aplicação, sem haver os recursos necessários, seria inconveniente, porque isso poderia impedir que houvesse um roulement.
S. Exa. propôs tal medida certamente impressionado pelas necessidades da arma de infantaria, visto que a ela pertence e muito bom a conhece.
A arma de artilharia devia ter um ensino durante todo o ano para aproveitar o maior número de oficiais.
Emfim, eu voto contra a última parte conforme a emenda apresentado pelo Sr. Estêvão Aguas.
O orador não reviu.
Foi aprovada a emenda.
Leu-se o artigo 3.° e foi aprovado, e uma emenda.
O Sr. Pires Monteiro: - Requeiro a contra aprova.
Feita o contraprova, confirmou a votação.
Foi aprovado o § 5.°
Foi rejeitado o § 4.°
O Sr. Carvalho da Silva: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.
Feita a contagem deu o seguinte resultado:
De pé 7 Srs. Deputados e sentados 57.
Foi aprovado.
Leu-se o artigo 5.°
O Sr. Carvalho da Silva: - Eu não conheço bem êste assunto, pois não sou militar, mas acho que é uma grande injustiça o que se quere fazer, pois vão passar à direita uns poucos de capitães.
O Sr. Estêvão Aguas: - Não passam tal à direita.
Eu depois explicarei a V. Exa.
O Orador: - Eu não sei como não passem à direita, pois os tenentes passam a capitães.
O Sr. Presidente: - Não são do mesmo quadro; são de quadros diversos.
O Orador: - V. Exa. foi um dos que mais calorosamente defenderam o projecto do Sr. Correia Gomes, sôbre sargentos.
O Sr. Tomás Rosa: - O assunto actual foi sujeito ao Conselho Superior de Promoções, e tem voto contrário.
O Orador: - Então o projecto dos sargentos não foi ao Conselho Superior de Promoções?
O Sr. Tomás Rosa: - Não foi, o se o fôsse, teria voto contrário.
Devo dizer a V. Exa. que em questões militares não faço política.
O Orador: - V. Exa. vem justificar a razão dos meus argumentos. O projecto não teria sido aprovado se fôsse ao Conselho Superior de Promoções.
Como acabam de confirmar - com, aquela autoridade que eu não tenho - os Srs. Pires Monteiro e Estêvão Águas, estabelece a Câmara para êste caso um critério diferente do que tem estabelecido para sargentos, etc. E isto que eu quero que a Câmara pondere, e se não mando eu para a Mesa qualquer proposta de emenda, é porque o facto de partir dêste lado da Câmara iria prejudicar pessoas que já estão bem prejudicadas.
Não será, todavia, sem que eu chame a atenção dos Srs. Deputados republicanos que isso só fará, porque liça assim, tranquila a minha consciência.
E ditas estas palavras, Sr. Presidente, a Câmara procederá como entender.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem os apartes tiveram a revisão dos seus autores,
O Sr. Presidente:-Fica interrompida a discussão do parecer n.°. 951, ficando com a palavra reservada os .Srs. Pires Monteiro e Estêvão Aguas, visto que é a hora de se passar à ordem dó dia.
O Sr. António Correia (para um requerimento): - Sr. Presidente: requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se ela permite que na primeira parte da ordem do dia entre em discussão o ne-
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gócio urgente do Sr. Sampaio e Maia sôbre ordem pública.
O Sr. Almeida Ribeiro (sêbre o modo de votar): - Sr. Presidente: sendo sem dúvida importante o assunto sôbre o qual o Sr. Sampaio e Maia deseja pronunciar-se um negócio urgente, parece-me, todavia - e falo em meu nome pessoal unicamente - que nós faríamos bem, bem serviríamos a República, se não prejudicássemos as duas horas destinadas na ordem do dia à discussão do Orçamento. A discussão do Orçamento é qualquer cousa muito acima das pequenas intrigas dos partidos entre si. É mais: é a própria moralidade da instituição parlamentar e do regime que importa afirmar e defender.
Estamos já dentro do ano económico. Há mais de um ano que estamos sem Orçamento. Agora, que se está esboçando uma tentativa de termos orçamentos, faríamos bem -julgo -, pelo menos nós, deputados republicanos, não prejudicando a parte da ordem do dia destinada à discussão do Orçamento.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: eu tenho a mais alta consideração pelas opiniões que são expostas nesta Câmara pelo Sr. Almeida Ribeiro. Entretanto, eu devo dizer que, neste momento, as apreciações de S. Exa. não têm razão de ser.
Não se pode, com efeito, atribuir à maioria ou às oposições o desejo de não se discutirem os orçamentos; e, tanto .assim é, que foi por proposta do Sr. Sá Cardoso que o grupo parlamentar, da Acção Republicana facilitou que êles se discutissem.
Em face desta proposta já se discutiu, como V. Exas. sabem, o orçamento do Ministério das Finanças, e está agora em discussão o do Ministério da Instrução. Além disso, Sr. Presidente, convém notar que, ontem mesmo, foi dêste lado da Câmara que partiu um requerimento para que a sessão fôsse prorrogada até se votar o debate político; e, como V. Exa. não ignora, êsse requerimento foi rejeitado. Deve-se atribuir êsse facto à maioria, que não consentiu que essa prorrogação se fizesse. O Sr. Pedro Pita, não obstante o barulho que se fez na sala e que não permitia que êle discursasse, mandou ainda para a Mesa um requerimento escrito, para que a Câmara xotasse uma sessão nocturna exclusivamente destinada a dirimir-se o debate político levantado em volta do pedido de negócio urgente do Sr. Sampaio e Maia.
Foi rejeitado também.
Da minha parte, pois, ao fazer êste requerimento não pode haver o propósito de contribuir para que os orçamentos sejam votados; há apenas o desejo de esclarecer imediatamente a situação política dum Ministério, que desde o primeiro dia é complicada e que ontem, com a celeuma levantada à volta do pedido de negócio urgente do Sr. Sampaio e Maia, complicadíssima se tornou.
Nestes termos, verificará o Sr. Almeida Ribeiro e a Câmara, que nós, bem longe de querermos prejudicar a discussão do Orçamento, desejamos apenas que a questão política se esclareça imediatamente, para podermos prosseguir nos nossos trabalhos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: as considerações do Sr. Almeida Ribeiro não têm, a meu ver, fundamento justo. Sabe S. Exa. que a Câmara está, não a discutir o Orçamento, mas, numa corrida de velocidade sôbre os orçamentos, a fingir que os discute.
Já há dias o Sr. Pedro Pita declarou nesta Câmara que o que era preciso era dar ao País a impressão de que se discutiam os orçamentos. Mas para quê? ... Para que estamos a gastar duas horas numa cousa que não vale nada? ... Além disso, tanto os orçamentos como qualquer outra cousa que dependa do trabalho do Parlamento são funções da situação do Govêrno em relação ao mesmo Parlamento.
De que serve, portanto, nós estarmos aqui a querer trabalhar com um Govêrno que não tem maioria parlamentar, com um Govêrno que ainda ontem viu empatada uma votação, tendo de votar com êle uma parte da oposição nacionalista o dois Ministros?
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Já V. Exa., Sr. Presidente, vê que esto GrovÔrno não pode acompanhar devidamente, o Orçamento ou qualquer outro assunto que dependa desta casa do Parlamento.
A primeira cousa, pois, que há a fazer é definir, a situação política dêste Govêrno.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Alfredo de Sousa (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: parece-me que o requerimento formulado pelo Sr. António Correia não devo ser admitido, porque representa uma alteração ao Regimento. Ora, Sr. Presidente, uma proposta de alteração ao Regimento só pode ser admitida mercante documento assinado por seis Deputados.
Apoiados e não apoiados.
Trocam-se àpartes.
O Orador: - Sr. Presidente: é do Regimento que as duas primeiras horas da ordem do dia sejam aplicadas à discussão do Orçamento. Êsse requerimento,, sendo aprovado, repito, envolve uma alteração ao Regimento. (Apoiados; não apoiados). Julgo, portanto, Sr. Presidente, que êsse requerimento não deve ser aceito, porque é anti-regimental, como disse.
Peço ao Sr. Presidente que considere bem estas palavras.
O orador não reviu.
Submetido à apreciação da Câmara o requerimento do Sr. António Correia, e rejeitado por 55 votos contra 60.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se a uma contraprova.
Os Srs. Deputados que rejeitam, queiram levantar-se estão de pé 55 Srs. Deputados e sentados 52.
Está rejeitada.
O Sr. Maldonado de Freitas: - V. Exa. pode-me dizer a que horas se encerra a sessão?
O Sr. Presidente: - Ás 19 horas e 30 minutos, sendo as duas primeiras horas destinadas à discussão. do Orçamento e o restante à discussão da segunda parte da ordem do dia.
Continua, pois, em discussão o orçamento do Ministério da Instrução, e continua no uso da palavra o Sr. João Camoesas.
O Sr. João Camoesas: - Sr. Presidente: como eu ia ontem dizendo, a civilização da sociedade nos últimos tempos do século passado, e uma grande parte dêste século, tornou inevitável a existência do sistema escolar, razão por que as escolas se tornaram inteiramente diferentes das anteriores.
Ora exactamente por que o sistema escolar teve de se organizar para preparar para a vida social as pessoas que por motivo da sua idade não têm ainda preparação bastante, êle teve de se adaptar às condições fisiológicas e morais da sociedade, segundo as necessidades do País.
Nesta ordem de ideas, eu posso afirmar que o ensino hoje é muito diferente do que era há vinte anos; melhorou consideràvelmente, tanto sob o ponto de vista de professorado e do material como de edifícios escolares. Mas está ainda muito longe de ser o que devia ser.
Tomos hoje cursos secundários com preparação para os cursos superiores, temos cursos técnicos, temos ensino primário, e infantil.
Disse e, muito bem o Sr. Ministro da Instrução que temos uma verdadeira elite no professorado.
Há muito tempo que: devíamos pensar a sério em resolver êste problema da instrução, que tam descurado tem sido, é preciso que o Estado exerça a maior actividade possível. É preciso que o Estado procuro por todas as formas aperfeiçoar o ensino.
Nesta ordem de ideas, procurou-se estabelecer, um sistema útil e adequado; o posso ter o prazer espirituaes de declarar que nessa obra não houve a preocupação de se copiar, qualquer nação das mais adiantadas sob o ponto de vista pedagógico.
Procura-se, sim, descobrir através das características particulares do meio as regras que, permanentemente, se nos deparam ao considerar o problema da instrução, seja qual fôr a psicologia social do povo.
Aqui tem, Sr. Presidente, a razão porque eu compreendo o pensamento do Sr.
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Ministro da Instrução, quando diz que o ensino secundário produz valores de actividade apontados como bons elementos de direcção, e, que, portanto, temos de os considerar sob o ponto de vista pedagógico como organismo que já deu provas de produzir valores. Não há pois que introduzir modificações na nossa legislação pedagógica, que alterem estruturalmente as bases dessa legislação; há apenas que atender, com medidas acertadas e úteis, ao desenvolvimento do meio.
É esta a posição em que se coloca o Sr. Ministro da Instrução, e concilia-se ela um pouco com a minha.
Mais do que em nenhum outro país, a construção do sistema escolar, que é o organismo adoptado à selecção dos valores, deve ser considerado, entrenós, com coragem, com urgência e com aquele espírito patriótico que é mester.
Infelizmente não tem sucedido assim em Portugal.
A experiência tem demonstrado que os homens que lá fora dirigem a nossa actividade financeira, se mostraram incapazes de se aperceber do fenómeno que vinha sendo detidamente estudado e lhe não acudiram com as medidas que a experiência já tinha aconselhado à própria actividade voluntária lá fofa, e, pelo contrário, foram os agentes causadores da excitação, em vez de terem sido os seus agentes limitadores, até ao ponto de fazermos uma moagem que mata a própria moagem, uma banca que mata a própria banca, uma metalurgia que mata a própria metalurgia, uma indústria seguradora que mata a própria indústria seguradora.
Mas, não é nessa orientação que quero falar; desejo falar simplesmente da actividade política.
Apesar do nosso ensino primário não se conjugar com os outros graus de ensino, tem-se feito reformas perfeitamente absurdas, que não podem ser consideradas reformas.
Sustento contra quem quiser que ainda não se fez até agora nenhuma autêntica reforma do ensino em Portugal. Fizeram-se tentativas de reforma de alguns graus de ensino em separado.
Um dos maiores males que sucedeu a Portugal durante o período mais agudo do ciclo económico que de 1919 a 1925 abateu sôbre o mundo inteiro, foi o não ter
dirigentes preparados, sobretudo dentro do ponto de vista financeiro.
Sr. Presidente: não quero de maneira nenhuma prender por mais tempo a atenção de V. Exa.; quero dizer apenas ao Sr. Ministro da Instrução, a propósito de uma declaração que aqui fez acerca do aumento de quadros, que, exactamente porque é um homem de acção, não deve reincidir no êrro do remendo, da reforma parcelar. Um dos homens que neste momento mais prendem, porventura, as atenções de quási todas as pessoas estudiosas dos países latinos é o engenheiro de minas Henry. Ao tratar de um trabalho especial dos serviços públicos em França, êsse notável engenheiro, que já hoje tem uma obra que imortaliza o seu nome, afirmou que não podia fazer-se obra capaz se não se fizesse uma obra conjunta.
Isto é assim para todos os serviços públicos de um país, e eu tive ocasião de defender esta doutrina numa reorganização de serviços públicos.
Se para a reforma de quaisquer serviços se torna indispensável um plano de conjunto, mais se faz sentir essa indispensabilidade no tocante aos serviços de instrução.
Reformaram-se os graus de ensino primário e superior.
Não reformámos o ensino secundário.
Assim o que sucede?
Sucede que ficámos com elementos que não correspondem, nem à exigência do ramo inferior nem às exigências do ramo superior.
Precisamos, pois, de corrigir êsse êrro. Já passou tempo suficiente para colhermos da experiência os devidos ensinamentos.
Sempre me insurgi contra as medidas parcelares, porque não fazem mais do que complicar o mal.
O que as necessidades aconselham é a transformação do conjunto.
Terminando as minhas considerações, torno a pedir ao Sr. Ministro da Instrução que resista a todas as sugestões que lhe sejam feitas para reformas parcelares do ensino, que apenas servem para a perturbação do mesmo ensino. Devemos antes levar a cabo uma obra completa de correcção no nosso sistema escolar, que não tem sido realizada pelas deficiências financeiras, pela incapacidade dos nossos
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dirigentes e pelas invalidados dos reformadores encartados, que estão sempre à espera de oportunidade, porque andam grávidos desde que nasceram.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Foram aprovadas, as emendas ao capitulo 4.° e o capitulo 4.°, salvas as emendas.
Entra em discussão o capitulo 3.°
O Sr. Ministro da Instrução (Santos Silva): - Sr. Presidente: mando para a Mesa uma proposta de emenda ao capítulo 5.°
Será publicada esta proposta quando sôbre ela xe tomar uma resolução.
O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: eu lamento que a palavra mo tenha vindo, para me ocupar dêste assunto, no momento em que a confusão dos espíritos e as paixões políticas sobrelevam o que vai discutir-se.
A propósito do capítulo 5.° do orçamento do Ministério da Instrução o sr. relator fez afirmações, exprimiu palavras que não servem para prestigiar o Parlamento.
Apoiados.
O Parlamento não é uma instituição de garotos, cuja função seja a de apedrejarem, aqueles que trabalham e que representam qualquer cousa de útil na sociedade portuguesa.
O Sr. Tavares Ferreira apedrejou os professores da Universidade de Coimbra, e quási fez levantar suspeitas, não sei a que propósito, sôbre o carácter e honestidade deles.
O Sr. Tavares Ferreira misturou uma irritante questão política com aquilo que deveria ser a serena discussão de um orçamenta.
Apoiados.
Mal vai para os países que assim procedem, mal vai para os países que onde vêem uma superioridade sentem logo a necessidade intuitiva de a apedrejarem; então, nós realizamos aquele critério democrático de ceifar as cabeças, demasiadamente altas para assim nivelarmos tudo o estabelecer a igualdade.
Dentro de uma democracia não é êsse o critério que se deve seguir, mas o contrário, e a República tem o dever de respeitar os professores que trabalham, do os acarinhar o de os animar, em logar de os desanimar por acusações e suspeitas.
Apoiados.
É preciso que o Sr. Tavares Ferreira, que mo dizem ser um excelente director de uma escola normal primária, saiba que há estabelecimentos de ensino superior que honram o País e que um deles é a Universidade de Coimbra.
Apoiados.
É preciso conhecer o que tem sido o silencioso esfôrço dos professores que querem nivelar o ensino dessa Universidade com o dos melhores institutos estrangeiros, para se lhes fazer a consagração que êles merecem.
Hoje o ensino lá não é o que era há dez anos; a República conseguiu fazer uma grande obra do reforma no ensino universitário, e não precisou para isso do gastar tanto dinheiro como com os pavilhões do Rio de Janeiro ou com os Bairros Sociais.
Apoiados.
Tem sido êste o trabalho obscuro das pessoas que não precisam para a sua celebridade de vir aqui ao Parlamento apedrejar aqueles que trabalham.
Mas vejamos como começa a análise do capítulo 5.° do orçamento.
Diz o parecer:
Leu.
Sôbre êste capítulo também alguma cousa há que corrigir.
E começa então o ataque formal à Universidade- de Coimbra, dizendo-se que ela se tem administrado mal, e até pretendendo-se lançar ridículas suspeitas sôbre a honorabilidade das pessoas que têm estado à frente daquele estabelecimento de ensino!
Fazem-se, assim, acusações, para concluir que as verbas - que não chegam para cousa alguma - ainda se podem reduzir, e diz-se que se a Universidade tem gasto mal o seu dinheiro é preciso reduzir-lho a dotação, porque, se se tivesse administrado bem, devia ficar com saldos.
Devo explicar que a Universidade de Coimbra foi vítima duma verdadeira ofensiva do Conselho Superior de Finanças. Quando foi decretada a autonomia daquele estabelecimento de ensino, deliberou-
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se que que as Universidades não tinham que prestar contas senão aos senados universitários.
Era êste mesmo o critério do grande e ilustre jurisconsulto Guilherme Moreira, ao tempo reitor da Universidade de Coimbra.
Mas, depois, entendeu-se que isso não devia ser assim, e obrigaram as Universidades a prestar contas ao Conselho Superior de Finanças.
É claro que nesta altura houve necessidade, e à pressa, de se reconstituírem alguns dossiers de harmonia com o critério do Conselho Superior de Finanças. Esta entidade encontroa deficiências neles, faltando a legalização de algumas verbas, o nem podia deixar de ser assim.
Ora são estas, aliás, pequenas faltas do que o Sr. Tavares Ferreira se serve para atacar a administração daquela Universidade.
Entretanto, hoje quási nenhumas verbas estão por legalizar.
E onde havia mais verbas nessas condições era na Faculdade de Letras, onde estava à frente o grande homem de bem que é o Sr. Vasconcelos. Porém, como S. Exa. tinha recibos duplos de tudo, fàcilmente legalizou ás despesas que não estavam legalizadas, como o Conselho Superior de Finanças queria.
Realmente, havia um certo critério de confiança nas reitorias para certas despesas, e assim algumas delas não careciam de legalização, mas o Conselho Superior de Finanças não entendeu assim. No emtanto, hoje, informa-me o Sr. Ministro da Instrução, faltam apenas 107$ para legalizar.
Mas o Conselho Superior de Finanças não tinha o direito de ter as exigências que tem tido para a Universidade de Coimbra.
Apoiados.
Pois até lhe exigiu recibo dos portes de correio, e recibo da mulher que esfrega as salas da mesma Universidade! Quere dizer, em vez de se pegar em certas verbas e confiá-las ao critério de pessoas honestas, sujeitam-se os reitores a esta cousa ignominiosa: um servente autenticar que, de facto, foram comprados 18$ de estampilhas.
Não têm havido, de resto, gastos extraordinários na Universidade de Coimbra; pelo contrário, tem havido uma severa economia.
Quem perceber um pouco de construções vá visitar a Faculdade de Letras, e se houver um engenheiro que afirme que as obras lá feitas em tantos anos têm custado tam pouco é porque não percebe nada daquilo.
Não; só uma severa economia tem conseguido fazer aquilo, e então os homens que assim procedem vexam-se com estas pequenas o ridículas cousas. À frente, por exemplo, do observatório de metereologia está um dos mais autênticos sábios do nosso País, o Sr. Guilherme Ferraz pois S. Exa. tem encontrado grandes embaraços.
Por falta do pessoal, foi preciso contratar uma pessoa para fazer cálculos, e a quem se dá a reduzida, soma de 100$ por mês.
Pois tem-se dito que esta despesa é mal feita!
Não há o direito de trazer a diatribe do Conselho Superior de Finanças para esto relatório.
Apoiados.
Êsse director, que é um dos homens mais honrados do nosso País, devido a não ter iluminação eléctrica no seu laboratório, emprega a luz de petróleo, e costuma comprá-lo a um homem da Vaccum que por lá passa, por assim sair mais barato.
Mas, como não é possível obter-se recibos de tais compras, mesmo porque seria ridículo pedi-los, vá de censurar êste procedimento!
Por isto vêem V. Exas. até onde se chegou para se dizer que há má administração na Universidade de Coimbra.
Mas ainda se fez mais, e eu vou ler a V. Exas. aquilo a que o Sr. Tavares Ferreira pôs o título de "cousas interessantes".
Leu a respectiva parte do relatório do parecem.
Pois então o que é que V. Exas. queriam que sucedesse senão isto?
Julgam, por acaso, que os reitores são suficientemente ricos para, quando o Chefe do Estado visitar as universidades, pagarem do seu bolso as despesas extraordinárias que por êsse motivo são obrigados a fazer?
Apoiados.
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E ou digo isto com tanta mais autoridade, quanto é certo ter ali recebido, quando fui reitor, várias pessoas sem qae o Estado tivesse gasto com isso 5 réis que fôsse.
Apoiados.
Continua, a ler:
Mas, então, o Sr. Tavares Ferreira ignora que ali se fazem as cartas criminológicas?
Certamente que não, mas o prazer de enxovalhar era tanto, que escreveu isto:
Leu,
Até aquilo que é absolutamente legal é preciso trazer para aqui, para atirar pedradas de garoto ao nosso primeiro estabelecimento de ensino, onde se trabalha honradamente.
Mas ainda na1 o pára aqui a intenção desprimorosa dêste apedrejamento de tudo e do todos.
É sabido que os reitores das universidades devem ter, além dos seus vencimentos, água, lenha, electricidade e transportes.
A frente da Universidade de Coimbra estava uma das individualidades da República, mais notáveis pela sua hombridade de carácter, o Sr. Dr. António Luís Gomes, republicano de velha data.
Apoiados.
Mas é preciso patentear bem êste escândalo de 27$. :
Apoiados.
É preciso demonstrar que é uma loucura ser honrado.
Apedrejar quem não recebeu cinco réis de vencimento, quem não gastou nada ao Estado e pelo contrário por meio de uma subscrição conseguiu 1.000$.
Seis sabonetes! Esponjas 48$!
Com isto é um homem apedrejado em Portugal.
Apoiados.
Mobília de luso: um conto e tanto.
O Sr. Tavares Ferreira precisa ir à Universidade do Coimbra aprender lições de boa administração e defesa dos interêsses do Estado.
Apoiados.
O Sr. Tavares Ferreira cortou os assistentes, cortou o porteiro.
O Sr. Tavares Ferreira quere que quando o reitor tiver que receber qualquer entidade do mundo scientífico, que ela seja anunciada por uma criada de avental branco.
Porquê? Visitou por acaso já o Sr. Tavares Ferreira a biblioteca da Faculdade de Letras ?
Saberá por acaso S. Exa. que é ela uma das mais ricas da Universidade, porque herdou a anterior biblioteca do Colégio de S. Pedro o que ela está instalada modelarmente devido aos trabalhos do seu conservador?
No emtanto S. Exa. permite-se cortar várias verbas.
S. Exa. vai a todas estas verbas e corta-as implacàvelmente.
E o que sabe S. Exa. sôbre as necessidades do ensino?
Porque cortou S. Exa., por exemplo, verbas para gratificações por acumulação de serviços, regência de aulas e exames?
Ignora S. Exa. que a Universidade de Coimbra, lutando com deficiência de pessoal, tem por vozes de acumular serviço aos seus elementos componentes?
Não sabe S. Exa. que esta verba ao fim de 2 ou 3 meses está esgotada?
E, se assim é, com que direito se pretende reduzi-la ainda mais?
Nas Faculdades, nos Institutos, revistas que vêm de 80, de 100 ou mais anos, não podem estar completas porque não ha verba para as comprar. E não se podem assim detalhar riquezas botânicas, zoológicas, etc.
Duplicar a verba para fazer face a êstes encargos não seria demais.
Mas então há um relator qualquer que para fingir que quero fazer economias vem propor ainda uma redução nessas verbas?
Mas suprimamos então a Universidade. Haver ensino superior e não lhe dar condições de vida para ser útil ao País, esquecer-se a gente que é de uma boa existência do ensino superior que pode derivar a existência de um bom ensino secundário e primário, é esquecer também que há economias que só prejudicam e que esta é uma delas.
Em vez de redução, eu entendo mesmo que é do meu absoluto dever propor aumento.
Sei que êsse aumento teria de ir muito longe, mas infelizmente não é possível fazê-lo nestas condições.
Consubstanciando, pois, os meus pontos de vista, vou mandar para a Mesa uma
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proposta que vai assinada por mais 5 Srs. Deputados.
Sr. Presidente: esta proposta não traz aumento de despesas, mas tem uma enorme vantagem.
V. Exa. sabe que as Universidades recebem as propinas; entregam-nas ao Estado, para êste, de novo, lhas devolver.
Vem a segunda, pede a sua parte, e quando chega a ocasião da terceira, menos apadrinhada, já a verba se encontra esgotada.
Isto, Sr. Presidente, não pode ser, razão por que eu proponho o aumento desta verba para 1:000 contos, pois entendo que é muito preferível ir além do quê ficarmos muito longe dela.
É esta a razão por que eu proponho sôbre o artigo 34.° a alteração desta verba de 800 contos para 1:000 contos, certo do que ela não traz aumento para o Estado, pois a verdade é que ela tem de sair da verba das propinas que lhe foram entregues e depositadas no Banco de Portugal.
A segunda alteração diz respeito ao artigo 35.°
Isto, a meu ver, tem ama grande vantagem, pois a verdade é que, quando cheguei à Universidade de Coimbra, encontrei em atraso não só muitos vencimentos como gratificações, situação esta que não se pode admitir, visto que quem quer ter bons professores tem que lhes pagar, pois não ee compreende que êles não recebam os seus vencimentos e que tenham de estar à espera de uma providência legislativa para os receberem.
Creio, portanto, que êstes 50 por cento, com as economias que poderão resultar de algumas vagas que existem, cheguem para isto.
Proponho mais, Sr. Presidente, que o artigo 38.° seja alterado.
Esta verba não é excessiva, pois a verdade é que a que se destina por exemplo à Universidade de Coimbra para material não chega, e tanto assim que aos livreiros se devem quantias importantes.
Não se compreende, pois, qual o critério do Sr. Tavares Ferreira reduzindo estas verbas.
Espero, pois, que o Sr. Ministro da Instrução não só não reduza estas verbas como aumente aquelas quê eu proponho.
Sr. Presiidente: vou terminar as minha considerações, mesmo porque, dado o barulho que vai na sala, difícil se torna a nós próprios de nos ouvirmos.
Vou, pois, mandar para a Mesa as minhas emendas, esperando que o Sr. Ministro da Instrução as aceite, aumentando-as se possível fôr.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente:-Vão ler-se as emendas enviadas para a Mesa pelo Sr. Cunha Leal.
Foram lidas, admitidas e postas em discussão, devendo ser publicadas quando sôbre elas se tomar uma resolução.
O Sr. Marques Loureiro:-Sr. Presidente: não desconhece certamente V. Exa. e a Câmara a frase de um escritor português: escreva o seu nome por baixo do que escreveu, que fico vingado.
Na verdade, Sr. Presidente, a Universidade de Coimbra, onde eu tive a honra de ser educado, está absolutamente vingada, tendo o Sr. Tavares Ferreira assinado o seu nome no parecer em discussão.
São manifestas as falsidades que se afirmam.
Não é assim que pode dignificar-se um regime e uma instituição.
Estamos a cavar a nossa própria ruína.
A Universidade é velha, é de respeito, pode ter já cabelos brancos, mas não precisa ir buscar disfarces porque na cabeça ainda tem miolos.
Sr. Presidente: se não fôsse êsse o início da minha revolta ao ler êste parecer e por êsse motivo ter pedido a V. Exa. para me inscrever quando a discussão do orçamento chegasse ao capítulo 5.°, não poderia agora deixar de o fazer depois da brilhantíssima oração do Sr. Cunha Leal.
Orgulho-me que seja eu, modesto filho da Universidade de Coimbra, que em toda a parte me orgulho de o confessar, quem tenha de agradecer a S. Exa. em nome dessa Universidade todo o esfôrço que por ela tem feito.
Não é o Sr. Cunha Leal filho da Universidade de Coimbra, mas a ela tem dado muito do seu esfôrço e da sua inteligência.
Até o Sr. António Luís Gomes passou
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a ser uma pessoa meãos honesta do que até aí!
Veja V. Exa. como estas cousas são em Portugal!
O Sr. Presidente: - Previno o Sr. Marques Loureiro do que pode apenas dispor do cinco minutos para terminar as suas considerações, a não ser que prefira ficar com a palavra reservada para a próxima sessão.
O Orador: - Nesse caso, peço a V. Exa. que me reserve a palavra. Por hoje, tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Está pendente o negócio urgente do Sr. Sampaio Maia.
Mas encontra-se sôbre a Mesa o pedido de um outro negócio urgente, do Sr. Cunha Leal, em que esto Sr. Deputado promete gastar apenas cinco minutos, para tratar da necessidade do se anularem os decretos n.ºs 10:734 e 10:761.
O Sr. António Correia (para interrogar a Mesa): - Desejo que V. Exa. me diga se o negócio urgente do Sr. Cunha Leal é ou são com preterição do da autoria do Sr. Sampaio Maia.
O Sr. Presidente: - O Sr. Cunha Leal disse que gastaria apenas cinco minutos na exposição do seu negócio urgente, e é nestas condições que eu apresento o pedido á Câmara.
Procedendo-se à votação foi aprovado.
O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: depois do movimento de 18 de Abril o Parlamento deu ao Govêrno que então estava no Poder várias autorizações, que por êle foram utilizadas durante o interregno parlamentar.
Entre outros decretos, publicou aqueles dois, cuja revogação eu peço.
Um estabelece retroactividade em matéria processual; o outro modifica o regulamento disciplinar do exército em relação a oficiais envolvidos em crimes políticos, permitindo que o Govêrno separe do serviço determinados oficiais, o que representa uma pena que é infamante no exército.
Todos sabem que a separação do serviço é só aplicada quando o oficial é uma criatura incapaz moralmente.
Entendo, pois, que êstes dois decretos a que me reporto são afrontosos para a nossa legislação e não devem permanecer nela, o portanto mando para a Mesa o seguinte
Projecto de lei
Artigo único. São declarados nulos os decretos n.ºs 10:734, de 2 de Maio de 1925, o 10:761, de 14 do mesmo mês, e anulados correspondentemente todos os actos praticados em execução das suas disposições.
Sala das sessões, 9 de Julho de 1925. - Cunha Leal.
Nós, os nacionalistas, não tomamos esta atitude para servir êste ou aquele, nem para qualquer especulação política.
Temos apenas em vista satisfazer a nossa consciência.
Para esto projecto peço a urgência o dispensa do Regimento, devendo, porém, a sua discussão fazer-se sem preterição do negócio urgente do Sr. Sampaio Maia.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se o requerimento do Sr. Cunha Leal.
O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar): - É simplesmente para declarar que em harmonia com a nossa atitude de sempre, o coerentes com os princípios que sempre aqui temos defendido, damos o nosso voto ao requerimento feito,
O orador não reviu.
Procede-se à votação.
Foi aprovado.
O Sr. António Correia: - Requeiro que a sessão seja prorrogada até se discutir o negócio urgente do Sr. Sampaio Maia.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro da Guerra (António Maria da Silva): - Sr. Presidente: em resposta ao ilustre parlamentar o Sr. Sampaio Maia, que ontem aqui tratou do seu negócio urgente - O Govêrno e a ordem publica - começo por agradecer as palavras de amizade que S. Exa. me dirigiu. Discordo
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da maneira como S. Exa. pôs a questão, não porque seja um crime o facto de qualquer Govêrno adoptar medidas preventivas, sempre que tenha informações de que se pretende dar a eclosão de qualquer movimento. Se não todos, pelo menos quasi todos os governos têm sentido a necessidade de tomar precauções no tocante a manutenção da ordem pública, e nunca vi que fossem interpelados por assim procederem. Todos sabem que foi sempre característica dos governos da minha presidência, em relação a assuntos da ordem pública, o sistema de antes prevenir do que remediar.
Na qualidade de Ministro da Guerra, e nessa matéria, não tenho que intervir, a não ser na prática daqueles actos que estão previstos nas leis, e até no Código de Justiça Militar. Incriminado um general, tinha que intervir um Ministro da Guerra, e só nesse caso é que intervim. Os reparos do ilustre parlamentar ainda não colhem, portanto. Não podia eu dar outra resposta, porque ela está conforme com o meu procedimento anterior, e o ilustre Deputado, se aqui estivesse, faria a mesma cousa. Disso S. Exa. que não quere que se faça justiça violenta ou apaixonada. Não somos nós quem administra a justiça, mas os tribunais. O contrário seria negar até a profissão que S. Exa. honra fora desta casa do Congresso. Não quere S. Exa. justiça violenta ou apaixonada, mas a punição de todos os criminosos. Isso, porém não depende da nossa vontade, mas das provas do processo e do que decorrer no seu julgamento, derivando, por último, do que os vogais do respectivo júri determinarem. Para tal há os processos indicados nas leis. Que temos nós que ver com isso? Estou respondendo ao ilustre Deputado com as suas próprias palavras,, porque delas se chegava a esta conclusão: não nos compete intervir na administração da justiça, e fazê-lo representaria a prática de uma inversão de poderes absolutamente condenável e absolutamente inaceitável num regime democrático.
Atribui-me ainda o ilustre Deputado a culpa da fuga dos presos. Num país em que os presos fogem de todas as cadeias, queria o ilustre Deputado que ou me pusesse de sentinela ao lado de cada preso? A doutrina é talvez peregrina, mas quási se pode dizer que o preso está no direito de fugir. Quem os guarda é que tem deveres a cumprir, devendo ser punido quando êsses deveres não cumpra. Ora, os presos tinham duas sentinelas, que deviam dar pela sua tentativa de fuga.
Houve conivência de alguém mais, além das sentinelas? Não o sei, mas do que tratei foi de fazer sentir a quem de direito que a explicação publicada nos jornais não colhia, e chegava mesmo a ser ridícula. Não precisava, no entanto, fazê-lo, porque se trata do um homem que, pela sua situação, pelas suas qualidades e pelo seu carácter, sabe bem que tem de ser rigorosamente punido quem não cumprir o seu dever.
Não sei se algum preso fugiu ao tempo em que o Sr. Sampaio Maia foi Ministro.
Mas, se. algum tivesse fugido, eu não atribuía a S. Exa. a responsabilidade de tal facto. Mas S. Exa., embora sendo pessoa minha amiga, deixou-se por tal forma dominar pela paixão política, que até me atribuiu prendas que não possue.
Quanto aos presos de 18 de Abril, eu ou outra cousa não podia fazer senão conservar presas essas pessoas, enviando-as seguidamente aos tribunais, que posteriormente se pronunciarão.
Disse-se também que eu estava feito com o Partido Nacionalista sôbre êsse ponto de vista.
Também não faço a injúria aos homens que dirigem êsse Partido, o segundo da República, de que tivessem tal devaneio, porque isso depunha contra êles e contra mim. Ninguém pensou em fazer conchavos, principalmente comigo, e as pessoas que estão à frente do Partido Nacionalista nunca tiveram semelhante intenção. Mais ainda, e esta é a última: que eu não me fui embora, porque me deram um voto de confiança. Naturalmente, se mo dessem um voto de desconfiança, ficava.
Sr. Presidente: eu tenho um grande respeito por todas essas pessoas, mas tenho ainda mais por aquelas que votaram comigo.
Aqui tem o ilustre Deputado o que entendo dever dizer em resposta as considerações formuladas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. António Correia (papa um requerimento): - Requeiro a V. Exa. se digne consultar a Câmara pobre se permite a abertura de uma inscrição especial.
Foi aprovado.
O Sr. Pedro Pita (sobre a ordem): - Sr. Presidente: de harmonia com os preceitos regimentais, mando para a Mesa a seguinte moção de ordem:
"A Câmara dos Deputados, reconhecendo que o Poder não pode constituir exclusivo de um Partido, e verificando que as sucessivas crises de governos formados pelo Partido Democrático, só ou com auxílio de outros agrupamentos políticos, aconselham como conveniente para a República a entrega do Poder ao Partido que àquele se segue em representação parlamentar, manifesta ao Govêrno a sua desconfiança e passa à ordem do dia.
Sala das Sessões, 16 de Julho de 1925. - Pedro Pita".
Sr. Presidente: quis o Sr. Presidente do Ministério divagar sôbre a questão apresentada. Procurou S. Exa. tirar das palavras proferidas pelo Sr. Deputado que apresentou o negocio urgente efeitos que de alguma maneira pudessem marcar atitude de outros parlamentares.
Sr. Presidente: porque estamos todos a falar dentro do uma assemblea composta do pessoas que se entendem e porque não vale a pena ocultar pensamentos, digamos claramente que a questão levantada teve por fim tirar uma prova.
O Sr. Presidente do Ministério, quando há dias lhe foi rejeitada por um voto de maioria uma moção de desconfiança apresentada nesta Câmara, apressou-se a agradecer êsse voto de confiança, como se a maioria tivesse sido de 100 votos, quando S. Exa. já de outra vez caiu com uma maioria mais importante.
Sucede que as declarações do voto enviadas para a Mesa reduzem essa votação a proporções mínimas, o ainda que, se outros Deputados estivessem presentes, dariam uma insofismável maioria a essa moção de desconfiança.
O Sr. Presidente do Ministério, porém, satisfeito com aquele voto de maioria, deixou-se ficar; sentiu-se bem.
É que, Sr. Presidente, eu não conheço na política portuguesa perturbador maior do que o Sr. Presidente do Ministério, e fiou-se em que, lançando a perturbação na política, conseguia aumentar a sua maioria ou deminuir o número daqueles que o combatiam.
No entretanto, é natural que o meu Partido, em nome do qual falo neste momento, procure definir, e claramente, a sua situação perante o Govêrno. Não é natural que nos mantivéssemos dentro desta Câmara na situação em que temos estado, tanto mais que o Govêrno, por intermédio dos seus órgãos de imprensa, quási nos aponta como indesejáveis para a República.
Sr. Presidente: se alguma vontade pudesse haver - e eu cão sei se houve - em deixar experimentar um Govêrno que se formara havia pouco,, francamente, não era o melhor incentivo êsse que apareceu em letras redondas na imprensa.
Sr. Presidentes não há dúvida nenhuma de que a moção que mando para a Mesa significa a situação do meu Partido perante o Govôrnó, e é por isso que começo pelo fim, por afirmar a desconfiança da Câmara a êsse Govêrno, embora isso não possa deixar de manifestar o nosso modo de ver.
Sr. Presidente: o Partido Nacionalista vem afirmando há muito tempo que está em condições do governar, que deseja governar, para bem servir a. República.
Sabe toda a gente que não, estão dentro do Partido Nacionalista pessoas que se sirvam do Poder para fazer perseguições seja a quem fôr ou, porventura, para retribuir agravos passados.
Há tempos a esta parte têm aparecido as crises ministeriais a curto prazo. Há uns tempos a esta parte os Governos apresentam-se ao Parlamento para caírem pouco tempo depois com mais ou menos balões de oxigénio.
O Partido Nacionalista tem tido uma função: é derrubar os Governos, como muita gente diz. É que os Governos se não tem constituído nos termos em que deveriam sê-lo, e não reconhecendo que para a boa marcha dos trabalhos parlamentares, para a boa marcha do regime, deviam ter tido uma outra constituição.
O meu Partido no momento de manifestar a sua desconfiança a mais um Govêrno,
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entende ser sua obrigação lembrar, como é lógico, que também tem a sua existência e que está preparado para bem servir a República, e assim manifesta claramente o propósito de a servir nos termos em que sempre se tem condicionado, nos termos de bem. a servir.
Não vale a pena estar a alargar-me em considerações.
O Govêrno tem votos que o apoiem? Fica; é natural.
O Govêrno não tem votos que o apoiem?
É natural que dê o seu lugar a quem o possa ir substituir.
Disse outro dia, e repito, porque disse alguma cousa, que se reconhecia que não pode um regime viver com um Partido apenas. Não pode um regime viver a cansar uma das fôrças em que se apoia, sem valorizar a outra, que a pode substituir.
Se a fórmula do Sr. Presidente do Ministério é aquela que já tenho visto apregoar, de fortalecer os Partidos da República, estou convencido de que o Sr. Presidente do Ministério ficará até com pena de também não poder votar a nossa moção, apesar de que não sou das pessoas que dão muita importância a êste desejo do Sr. Presidente do Ministério.
Calculo que para S. Exa. o fortalecimento das fôrças da República consiste porventura em consolidar-se bem dentro do seu Partido, atirando para fora dele com aqueles que porventura não o deixam consolidar-se melhor.
Eu disse há pouco que o Sr. Presidente do Ministério era o maior perturbador da política portuguesa. Para o demonstrar não tenho que limitar os exemplos que posso procurar àquilo que neste momento se passa. Lembro-me de que quando aqueles que depois formaram o Partido Reconstituinte saíram do Partido Democrático, para o facto de algum modo contribuiu o Sr. Presidente do Ministério; lembro-me de que quando algum tempo depois um outro partido sentiu efeitos de outra scisão, alguma cousa para isso contribuiu o actual Presidente do Ministério. Ora o fortalecimento das fôrças da República feito por êste processo pode ser realmente muito vantajoso para a República, mas essas vantagens são apenas vistas pelo Sr. Presidente do Ministério porque se demonstram perfeitamente ao contrário.
Sr. Presidente: não quero alongar um debate que já está de si esclarecido; pode dizer-se mesmo que êste é pouco mais do que a continuação daquele que ainda há poucos dias foi feito. De resto, o nosso modo de ver e de votar está firmado na moção que tive a honra de enviar para a Mesa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É admitida a moção.
O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: tendo ouvido com a maior atenção os Srs. Deputados que usaram da palavra neste debate, começo por dizer a V. Exa. e à Câmara que a moção que acaba de ser enviada para a Mesa pelo Sr. Pedro Pita não pode de nenhuma maneira e na sua totalidade merecer a nossa aprovação. Dir-se-ia que a moção fora redigida para que não a pudessem votar todas as oposições; pelo menos êste lado da Câmara não lhe dará o seu voto. Dir-se-ia, mas longe de mim levantar tal suspeição, que ela fora redigida pelo Sr. António Maria da Silva.
Risos.
Não concordamos com a moção, em primeiro lugar porque não nos metemos nas lutas partidárias do regime e só nos preocupam os interêsses nacionais ...
O Sr. Francisco Cruz (interrompendo): - Quanto pior, melhor; não é assim?
O Orador: - Eu direi a V. Exa.; é sempre pior com V. Exas.!
O Sr. Francisco Cruz: - Para V. Exas.
O Orador: - Não, para o País; e como V. Exas. vão ver, pela moção que vou ter a honra de enviar para a Mesa, não preocupa êste lado da Câmara qualquer questão de mesquinha política.
Só os interêsses da Nação nos preocupam.
Nós desejaríamos ver sentado naquelas cadeiras um Govêrno que fôsse uma garantia para todos nós.
Queríamos ver um Govêrno que fôsse capaz de presidir ao acto eleitoral com
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imparcialidade. Digo isto com tanta independência e serenidade, quanto é certo que eu sei que no actual regime é impossível haver um acto eleitoral que corresponda à vontade do País.
Apoiados do Sr. Cancela de Abreu.
O acto eleitoral não inspira ao País a mais pequena confiança. O Sr. António Maria da Silva é o especialista mais completo fazendo manobrar a sua legião, não sei do que cor; antigamente chamava-se formiga branca hoje não sei...
O Sr. Tavares de Carvalho: - Continua a ser a mesma.
O Orador: - V. Exa. o diz.
Não é possível neste regime parlamentar fazer outra cousa que não seja obrigar o contribuinte a pagar, o hoje se não houve isso é porque estão próximas as eleições.
O Sr. Presidente do Ministério ainda há bem pouco tempo chamava criminosos aos oficiais que entraram no movimento de 18 de Abril, o contudo S. Exa. sabe bem que entre êsses oficiais alguns há dos mais briosos e que mais têm honrado o exército português, sendo possuidores das condecorações mais elevadas que podem conferir-se a oficiais.
É que nesta casa do Parlamento considera-se um crime de alta traição tudo quanto possa representar tirar-se o Poder aos usurpadores que o tem ocupado. É que é considerado um crime de rebeldia as vítimas dos impostos verdadeiramente exaustivos virem reclamar, reunindo nas suas associações para protestarem.
Como se rebeldia não fôsse alguns dos que se intitulam representantes da Nação fazerem nenhum caso, não atenderem as reclamações que em movimentos verdadeiramente nacionais aqui são trazidas ao Parlamento!
Veja V. Exa., Sr. Presidente, como está claramente posta a questão neste País: dum lado, todos juntos, os Partidos republicanos, e, do outro, bem separada, a Nação.
O que aqui defendemos são os conservadores, aqueles que numa luta árdua, num trabalho de hora a hora, procuram a pouco o pouco porventura juntar o seu pé de meia.
Mas o que em nome dêsses enganam a opinião pública, conluiando-se com os políticos o prestando aos Governos serviços imorais e escandalosos, não podem merecer-nos a mínima consideração.
Sr. Presidente: queríamos ver ali um Govêrno sabendo respeitar as manifestações da opinião e que administrasse por forma a reduzir as despesas públicas, atendendo as reclamações nacionais e realizando um acto eleitoral em condições de seriedade, de modo a que do futuro Parlamento façam parte pessoas que aqui representem a vontade do País, e que, em lugar de virem dizer "pague, pague", reconheçam que há neste País uma população inteira a sofrer pelos crimes e desmandos que se tem cometido nesta República.
Queríamos ver ali um Govõrno que antes, e acima de tudo, não provocasse actos revolucionários e manifestações que não fossem ordeiras, e que melhorasse do facto as condições da vida pública.
É porque, Sr. Presidente, nos não interessam, repito, as lutas intestinas dos partidos, tenho a honra do enviar para a Mesa a minha moção, que poderá ser rejeitada por todos os lados da Câmara, mas que o País aprovará:
Moção
A Câmara, reconhecendo que só um Govêrno nacional, alheado do toda a política partidária, pode satisfazer as condições requeridas pela grave situação do país, e manifestando a sua desconfiança no actual Ministério, passa à ordem do dia.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 16 de Julho de 1925. - O Deputado, Artur Carvalho da Silva.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Lida na Mesa esta moção, foi admitida.
O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão até as 21 horas e meia.
Eram 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 22 horas e 8 minutos.
O Sr. Rodrigues Gaspar: - Sr. Presidente: confesso a V. Exa. que nunca
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assisti a uma confusão política tam completa como é esta que há dias se vem manifestando.
Sr. Presidente: temos todos grandes responsabilidades, e é preciso que com calme se analise bem o que se vai passando, de maneira a cada um de nós poder com consciência dizer se concorreu ou não para as graves consequências que pode ler a resolução que porventura se tomo, sem meditar bem nos resultados que dela podem derivar.
Sr. Presidente: eu compreendo que, em dado momento, se dê uma desarmonia entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo. E nestas condições, para se poder respeitar a Constituição Política da República, o Poder Executivo conhece o caminho que tem a seguir. Mas, em virtude das disposições fundamentais da nossa Constituição, a soberania exerce-se por via de três órgãos. Êsses órgãos tem a sua independência, devendo, porém, ser harmónicos entro si.
Essa independência existo ou devo existir, porque é êsse o espírito da Constituição, do modo que um Poder não possa invadir as atribuições do outro.
E assim não pode haver a supremacia dum sôbre qualquer dos outros.
Mas, Sr. Presidente, a que vamos nós assistindo há dias?...
Um Govêrno organizado, segundo as praxes constitucionais apresentou-se ao Parlamento com um programa mínimo de realizações. Apresentou-se êsse Govêrno com homens que, sem dúvida, são dos mais ilustres republicanos.
Apoiados.
Apresentou-se também êsse Govêrno constituído por forma a não poder levar ninguém ao convencimento de que essa constituição obedeceu ou obedece à idea de fazer guerra quer a partidos, a grupos ou, muito menos, a qualquer pessoa.
Apoiados. Não apoiados.
Logo no dia da apresentação dêsse Govêrno apresentou-se uma moção em que não se manifesta qualquer discordância entre um qualquer ponto de vista do Poder Executivo e outro do Poder Legislativo. Não!
Apareceu uma moção em que se diz apenas que a forma como o Govêrno está constituído não satisfaz aos interêsses do País.
Sr. Presidente: é êste um ponto para o qual chamo a atenção de todos.
Trata-se apenas de um pretexto para derrubar o Govêrno, sem nenhuma razão em que se fundamente, procurando-se fazer ver ao País que há, realmente, uma divergência entre o ponto de vista do Poder Legislativo e o do Poder Executivo.
Nada disto se deu, e o País assiste. porque é do conhecimento de todos, a. esta circunstância muito especial: a de estarmos aqui ocupando o nosso tempo não com o estudo dos assuntos de interesso nacional, que mais deviam prender a nossa atenção, mas em questões uns com outros, de modo a atirar abaixo o actual Govêrno para se lhe suceder outro.
O Sr. Cunha Leal: - Então se não há desarmonia, como sucede tudo isso? Parece-me harmonia de bombo...
O Orador: - A desarmonia tem de só manifestar pela divergência de pontos de vista, e não foi sôbre tal divergência que se baseou a moção de desconfiança enviada para a Mesa.
Sr. Presidente: o facto de na constituição do um Govêrno não entrarem elementos do qualquer grupo, nunca quis dizer que tal Govêrno seja do guerra a êsse grupo. Assim, nós temos visto como em alguns Governos têm entrado elementos dos chamados independentes e como, embora não fazendo parte do actual Ministério, êsses elementos o têm apoiado.
Não tenho facciosismo político, e entendo que os actos e as opiniões de cada um são sempre susceptíveis de discussão.
Ora, Sr. Presidente, desde que o Partido Republicano Português - toda a gente o sabe - não precisa de estar no Poder ou de dispor da pasta do Interior para possuir uma grande representação parlamentar, e a prová-lo ficaram as duas últimas eleições realizadas em momentos em que o meu partido não estava no Poder...
O Sr. Ribeiro de Carvalho (em àparte): - Era como se estivesse ...
O Orador: - Essa observação vem provar a razão que me assiste.
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Dêste modo, Sr. Presidente, demonstrado está que se trata de uma questão de facto.
Digo abertamente à Câmara o que penso, e assim devo dizer que me parece que a maior garantia que se pode dar para as eleições a realizar será exactamente estar no Poder um partido que não necessite dessa circunstância para garantir uma grande representação.
Eu creio que V. Exa. *8 não podem pôr em dúvida a sinceridade com que estou falando.
Assim, Sr. Presidente, eu devo dizer que acho, em minha consciência, que o partido que mais garantias oferece para ir para as eleições é o Partido Republicano Português, pois a verdade é que constituir-se um Govêrno onde entrem elementos estranhos a êsse Govêrno é pretender provocar complicações numa ocasião em que a República deve estar muito unida, para ir para o campo eleitoral.
Estou, Sr. Presidente, repito, a falar com toda a sinceridade, pois a verdade é que, quaisquer que fossem os elementos que entrassem nesse Govêrno, os outros diriam logo que o partido estava feito com êste ou aquele grupo para fazer eleições contrárias aos outros.
Êste é o meu modo de ver; talvez seja errado, mas confesso que é o meu modo de ver.
Á maior garantia, pois, para mim e para todos, está exactamente, repito, de que o Partido Republicano Português não necessita, para ir às eleições, dessa circunstância para garantir uma grande representação.
Sr. Presidente: - eu convenci-me de que esta Câmara, tendo declarado ao Govêrno anterior que não votava os duodécimos, por isso que desejava discutir os orçamentos, que queria na verdade dar essa prova, não deixando de cumprir êsse dever constitucional.
Vendo a atitude da Câmara, que tinha votado o orçamento do Ministério das Finanças, convenci-me de que, embora com um pouco de esfôrço, até 31 de Julho se podiam votar os outros orçamentos.
Mas houve uma proposta da oposição nacionalista para que se prorrogasse por mais quinze dias.
Não tive ocasião de dizer nesse momento que o Partido Nacionalista estava perfeitamente convencido de que temos de discutir os orçamentos.
Não quis opor dificuldades para dar mais algum tempo para que se discutisse mais amplamente.
Aqui está como a oposição me pode acusar da minha ingenuidade política, porque começo a ver que o que se pretendia não era mais tempo para discutir os grandes problemas nacionais.
O que se queria era mais tempo para se encontrar o meio de deitar abaixo o Govêrno com qualquer artifício, fôsse, como fôsse; sem razão, não importava.
O fim não era o da administração pública. O fim era o de derrubar o Govêrno.
O Sr. Cunha Leal: - Queríamos o Parlamento prorrogado até 15 de Agosto, para votarmos o Orçamento e ter mais tempo para derrubar o Ministério.
O Orador: - Estou a rir-me, porque não o tomo a sério.
O País está farto de assistir a essas scenas de os Governos não poderem governar.
Os Governos continuamente estão em, terra, e aqueles assuntos que mais deviam chamar a atenção dos legisladores, e que o País reclama há muito, são postos de lado, porque a única preocupação é tomar conta das cadeiras do Poder.
Interrupções.
Analisemos os factos que se vão passando.
Numa sessão prorrogada, quando os orçamentos ainda estão bem longe de ser aprovados, o Parlamento, desviando-se da missão principal que justifica o emprêgo do seu tempo, a mesma questão que prevalece sôbre todas as outras é a questão política.
Veja a Câmara o que foi a argumentação para êsse negócio urgente, e qual foi o seu fundamento.
Sr. Presidente: era a ordem pública, e, de tal modo foi fundamentada, que eu me convenci de que bem podia ter sido o pôr do sol, a falta de chuva, etc.
E até, Sr. Presidente, vi esta cousa extraordinária, a de se acusar o Govêrno da fuga de uns presos.
Quero dizer: um ilustre membro desta Câmara, que, ainda há dias, abandonara as cadeiras do Poder, parece ter desço-
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nhecido por completo que não é ao Poder Executivo que compete guardar os prisioneiros.
E, contudo, durante o Ministério de que fez parte o Deputado interpelante os presos saíam; declararam que tinham compromissos morais cá fora, tornaram a voltar, e nunca ninguém se lembrou de preguntar ao Govêrno se êle era o responsável das combinações entre carcereiros e presos.
O Sr. Moura Pinto (interrompendo): - É que isso não é fugir, é tomar ar.
O Orador: - O País assiste a estas sessões que aqui se estão passando, e reprova em absoluto a maneira como a Câmara está procedendo para com o Govêrno.
Eu não quero solidariedade alguma com êste modo de proceder, porque não se trata de um conflito de acção, mas simplesmente de derrubar um Govêrno que ainda não pôde praticar qualquer acto.
Mas, Sr. Presidente, dá-se ainda um facto mais curioso:
O Sr. Presidente do Ministério, dando o devido apreço à interpelação em si, respondeu da maneira mais amena, como que numa conversa entre dois amigos, a explicar ao Deputado interpelante a situação do Govêrno, que era claríssima perante aquele ponto.
E o Deputado interpelante desistiu até da palavra depois do Sr. Presidente do Ministério ter usado dela.
Apoiados.
Mas, Sr. Presidente, aproveitando-se a ocasião, porque o que se queria era arranjar uma questão política - e, não estou a inventar, porque isto tem vindo, dia a dia, nos jornais - mobilizaram-se todas as reservas para derrubar o Govêrno.
Que contraste com o que sucedeu o ano passado, quando era preciso votar medidas indispensáveis para a administração do Estado, em que muitos esfôrços se tinham de fazer para se poder conseguir que houvesse o quorum indispensável para as votações.
V. Exa. vê e o País está vendo também: nunca houve uma concorrência como agora.
E porque?
Porque se trata de uma questão política.
Todos querem derrubar o Govêrno.
O ideal é demolir e não construir, a nossa função é destruir, até um dia destruir a própria República.
Não apoiados.
Sr. Presidente: eu falo claro e digo que, com os nossos erros, podem outros aproveitar.
Mandaram uma moção para a Mesa que é muito engraçada.
Diz que o Poder não deve ser exclusivamente entregue só a um partido.
De acordo, quando não houvesse maioria.
O Sr. Cunha Leal: - Se faltassem os independentes, o que seria do Govêrno?
O Orador: - Se morrêssemos todos...
Se um partido numeroso e às vezes acompanhado tem tido crises, que garantia nos dá um partido menos numeroso ?
O que se quere dizer com isto?
O que se pretende é a dissolução parlamentar, visto que só nessas condições o Partido Nacionalista assumiria o Poder.
Votar, por consequência, a moção do Sr. Pedro Pita, o mesmo é que votar a dissolução parlamentar.
Sr. Presidente: termina a moção por um voto de desconfiança ao Govêrno, e veja V. Exa. como continuamos no mesmo êrro.
Ninguém fundamenta a razão porque o Poder Legislativo não pode trabalhar com o Executivo.
Não há nem ideas de administração, nem actos já praticados nessa administração que mereçam a reprovação do Poder Legislativo.
Isto é um absurdo.
Há apenas uma prepotência do Poder Legislativo, impondo ao Govêrno que saia, sem qualquer razão para tal impor.
Perante a Constituição, como perante a nossa consciência, todos temos de concordar em que êste facto é um absurdo.
O Sr. Moura Pinto (interrompendo): - Visto que há Poder que está exercendo tam grande prepotência, não será êste o momento de o dissolver?
O Orador:- Pode chegar o momento de dissolver as Câmaras, mas então dando a
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dissolução ao Govêrno que não doa motivos para assim ser tratado pelo Parlamento.
Tenho dito.
Apoiados.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os apartes não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Joaquim Ribeiro: - Sr. Presidente: é para lamentar que não se consinta nunca a estabilidade governamental, o que inibe o Poder Executivo de produzir uma obra eficaz a bem dos interêsses do país.
O actual Ministério, constituído após a última crise, é o único que, com uma possível maioria, poderia governar.
Acontece porém que êsse Govêrno é guerreado até por um grupo do próprio Partido Democrático, que não respeita as indicações do seu directório.
A atitude da Câmara perante êste Govêrno deveria ser a de espectativa.
Caído êste Govêrno, eu não vejo possibilidades do se formar um outro, a não ser que as opiniões mais contrárias e os pontos de vista mais opostos se unam para se formar outro Ministério.
E não é racional, Sr. Presidente, que aqueles que pensam de maneiras as mais contraditórias se possam unir para formar uma maioria que governo com êste Parlamento.
A opinião pública que existe, embora muita gente não tenha confiança nela, acha extraordinário o que se está passando.
Não há direito, em nome dos interêsses do País, de se fazer política como se tem feito!
Muitos apoiados.
Não apoiados.
Não, Sr. Presidente!
Acima dêsses interêsses nada há; e aqueles que obedecem a um programa adentro do um partido, têm de o acatar sempre, e, não o querendo acatar, tem de ser postos à margem.
Serem partidários, mas partidários indisciplinados, não e não!
Apoiados.
Os partidos só se poderio manter quando haja a disciplina devida.
Mas que caia esto Govêrno!
Pregunto aos que têm assesto nesta Câmara: que Govêrno é então possível?
Poderão por quase governar as oposições?
Não, porque as oposições não têm votos necessários para governar, a não ser que se aliassem...
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença?
Desde que uma votação da Câmara diga, por exemplo, que um determinado partido deve governar, as oposições têm maioria ...
O Orador: - E o b a bá da política! Diz o ilustre Deputado Sr. Cunha Leal que se o Parlamento votar uma moção que mande entregar a um Partido o Poder, êsse Partido tem maioria.
Vozes: - Em teoria é assim...
O Orador: - Há-de dissolver o Parlamento ou aliar se com um partido adverso para poder governar.
Apoiados.
E se me é permitido ter uma opinião, eu direi que uma moção dessas é inconstitucional, porque nós, parlamentares, não podemos votar moções que restrigem os poderes do Sr. Presidente da República.
Apoiados.
Podemos deitar abaixo qualquer Govêrno que S. Exa. tenha nomeado, mas, repito, não podemos votar moções que vão restringir os direitos de S. Exa. ...
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - Mas o Congresso do Partido Democrático é mais alguma cousa que o Congresso da República e seus partidos, para poder dar a indicação do Sr. Afonso Costa...
O Orador: - Perdão! Não foi o Congresso do Partido Democrático; foi o Directório. E êste creio que está no seu legítimo direito deve sim proceder. Indica-o e indicá-lo há quando necessário fôr!
Vi bem o ódio dessa União dos Interesses Económicos que, procurando transformar-se num partido político, dirigido por aventureiros, energicamente combati em nome dos princípios da República-
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Não se trata agora de fazer política conservadora ou radical, mas apenas de uma "questão de...
Um àparte do Sr. Amadeu de Vasconcelos.
O Orador: - Entendo. Sr. Presidente, que êste Govêrno satisfaz inteiramente aos interêsses da Nação, e que mio é possível a constituição de um outro formado por elementos com opiniões diversas. Termino, pois, as minhas considerações, convencido de que a Câmara lhe manifestará a sua confiança.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os apartes foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Manuel Fragoso: - Sr. Presidente: um dos maiores, um dos mais graves defeitos, se não o maior e mais grave de todos os defeitos dos homens públicos a quem está entregue a governação do meu País, é exactamente e de mão entrarem nunca com o País em linha de conta nas suas maquinações de ordem política. Para os políticos da nossa terra o País não existe, ou é como se não existisse. Tam cegos e tam surdos andam ao patriótico desejo de bem servir o País, que a todo o momento se esquecem da sua existência. Não o ouvem, não o vêem, porque o País só se faz ouvir algumas vezes apenas, através dos canos das espingardas quando os revolucionários vão até à Rotunda, e, se assim não fôsse, não teríamos nós assistido ainda ontem ao triste desenrolar da tristíssima comédia que nesta casa do Parlamento se representou.
Sr. Presidente: diz um provérbio latino, tantas e tantas vezes citado, que Júpiter enlouquece os homens a quem quere perder. Ah! Sr. Presidente! Há tanto tempo enlouqueceram certos mentores da política republicana em Portugal, que não sei como não estão já perdidos de todo! Se eu tivesse categoria política que me permitisse dar conselhos a êsses homens, dir-lhes-ia da minha cadeira de Deputado: recuem, que ainda é tempo. Moderem os seus ímpetos de sacrifício pela Pátria e salvem o regime republicano, salvando a Nação ao mesmo tempo.
Mas, ah! Sr. Presidente, as minhas palavras hão de cair no vácuo, hão-de perder-se no tumultuar das paixões pessoais em que vivemos. Nenhuma das facções quereria ouvir a razão, porque todos já apuraram os ouvidos para o u virem a falsidade das urnas, porque elas hão-de mentir forçosamente.
Sr. Presidente: como republicano, eu afirmo com tristeza que já no tempo da Monarquia as urnas não falavam a verdade, e hoje continuam na mesma, porque os votos não se conquistam com atitudes, com princípios afirmados, mas, simplesmente, por benesses.
Uma voz: - É por isso que o Partido Democrático tem vencido as eleições.
O Orador: - Sr. Presidente: o Sr. Sampaio Maia, ilustre e brilhante ornamento do grupo accionista, meu amigo pessoal e por quem tenho a maior consideração, pediu a palavra para tratar em negócio urgente de um caso de ordem pública, e da situação do Govêrno perante o Parlamento.
Sr. Presidente: a situação do actual Govêrno estava já esclarecida depois da rejeição da moção do Sr. Sá Cardoso.
Vejo. porém, que me enganei.
Vejamos agora o que vale o negócio urgente do Sr. Sampaio Maia.
Sr. Presidente: o discurso de S. Exa., sem qualquer desprimor, foi tam raquítico, tam enfezadinho e aleijado, que o negócio urgente vale o próprio discurso.
Falou-se no 18 de Abril.
Sr. Presidente: em minha opinião, e 18 de Abril foi um aviso que veio do céu ou do inferno - deixo isso à escolha das crenças ou do ateísmo década um - aviso tanto mais de salientar, quanto é certo que às portas da nossa fronteira, porventura, está infelizmente um exemplo fatal, da lealdade de um 18 de Abril que conseguiu vingar.
O Sr. Sampaio Maia, quási que não falou em ordem pública.
Mas, pregunta-se: o que fez o Govêrno?
Teve o cuidado de prevenir para não remediar, dando ordem de prevenção à guarnição de Lisboa, para evitar mais
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um movimento revolucionário, o, aqui dentro, há republicanos ou monárquicos, que possam arguir o Govêrno de ter querido impedir o eco de mais um movimento revolucionário?
Sr. Presidente: igualmente foi o Sr. Presidente do Ministério acusado de ter deixado fugir do S. Julião da Barra alguns presos políticos.
Isto mostra que não estamos em frente de um GovCrno de carcereiros, o que não acontece cora o Govêrno de que o Sr. Sampaio Maia Tez parto.
Interrupção do Sr. Cunha Leal que se não ouviu.
O Orador: - Eu digo ao Sr. Cunha Leal: se V. Exa. não quisesse ter saído da Torre do S. Julião da Barra do cabeça levantada, V. Exa. teria podido fugir como qualquer outro, porque quem quere sair dali sai quando quiser.
Ainda ontem recebi uma carta dum preso dizendo-mo que não tem fugido por não ter querido. Mas também no tempo dos outros governos fugiu gente...
O Sr. José Domingues dos Santos: - No tempo do meu Govêrno houve vários presos que adoeceram para baixarem ao hospital, de onde esperavam escapar-se, mas ou mandei cercar o hospital, mesmo contra a opinião do seu director, a fim de lhes frustrar o intento, e nunca fugiu ninguém.
O Orador: - Tenho a impressão de que houve fugas durante o governo de S. Exa. Hão me posso inteirar agora, mas amanhã já o poderei fazer pelos jornais da época.
O Sr. Sampaio Maia, porém, acusou também o Govêrno de pretender minorar a situação dos presos políticos. O que ou não compreendi ontem, a esto respeito, foi a atitude assumida pelo Partido Nacionalista, depois de se terem revelado os propósitos do Deputado referido.
É ou não verdade que o Partido Nacionalista tem defendido publicamente a doutrina de que abusivamente foram separados do serviço, por uma lei de efeitos retroactivos, alguns oficiais implicados nesse movimento de 18 de Abril?
Então pregunto: como é que pode aquele Partido fazer causa comum com aqueles que acusam o Sr. Presidente do Ministério única o simplesmente pela suspeita do que êle podia amanhã abraçar a mesma doutrina?
Não compreendo, e tanto mais quanto é certo que a meu ver e 18 de Abril foi, ainda uma consequência desastrosa da política de violências que tinha existida um pouco antes, e então o Pais, que existe, quer os políticos queiram, quer não, há-de ver com muita admiração aliarem-se no mesmo objectivo político aqueles que foram os autores dessa política e aqueles que foram os seus mais irredutíveis adversários; e há-de julgá-los a todos!
Apoiados.
A atitude do Partido Nacionalista hoje, a meu ver, é bem diversa.
Apresentou o Sr. Pedro Pita uma moção na qual só pretende indicar, inconstitucionalmente, como já aqui bem o fez sentir o Sr. Joaquim Ribeiro, ao Sr. Presidente da República, que está aquele Partido apto neste momento a governar. Eu não posso votar essa moção porque sou democrático, porque apoio o Govêrno e porque não compreendo, nem concebo, que qualquer outro partido possa servir melhor a República e o País que o meu próprio Partido. Mas, fazendo esta afirmação, tenho também a sinceridade de declarar que compreendo que os direitos dos nacionalistas a governar são exactamente iguais aos dos democráticos.
Apoiados.
A mim não me assusta que a República fique entregue nas suas mãos, porque os considero tam republicanos como eu e como os meus próprios correligionários.
Apoiados.
Não voto a moção porque não sou nacionalista, mas compreendo o achou bem diversa da atitude que aqui ontem tomaram, congregando os seus esfôrços com os duma outra facção para derrubar um Govêrno que ainda não praticou qualquer obra governativa.
Apoiados.
Sr. Presidente: vou terminar, mas não o quero fazer som dizer daqui ao País, se bom que êle o saiba tam bem como eu, que foi prorrogada a sessão legislativa, não com o fim principal de se discutirem e votar os orçamentos, mas única e
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simplesmente, como já o observou Q Sr. Rodrigues Gaspar, para agarrar pelos cabelos qualquer pretexto para derrubar o Govêrno que indiscutivelmente tem uma atmosfera de confiança no País.
Só por isto e para isto se prorrogou a sessão legislativa!
E nem sequer houve o pudor inteligente de deixar passar alguns dias para, com certa elegância até, levantar aqui uma questão política, pondo em risco a vida de Ministério.
Pode cair o Govêrno; mas oxalá não veja amanhã envolvidos em mais rija peleja aqueles que são ainda hoje irmãos de armas!
Pode cair o Govêrno. Mas é tam pobrezinho o scenário desta comédia e tam pouco gloriosa a vitória, que não sei se alguma cousa de útil se poderá construir sôbre êste campo de batalha.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os àpartes não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: o Sr. Manuel Fragoso há pouco disse uma cousa que talvez seja uma verdade. E que nós nos esquecemos muitas vezes de que o País existe.
(Apoiados).
É facto.
Quem assistir às nossas querelas nem sempre levantadas de intuitos, nem sempre prestigiadas pelas atitudes; quem assistir à evolução duma política complicada de chicanas e de mesquinhos interêsses pode por vezes suspeitar de que nos esquecemos do País.
Eu quero dar razão ao Sr. Manuel Fragoso.
O País existe. E qualquer cousa que se sente, que existe.
Trabalha através de todas as dificuldades que nós levamos ao seu trabalho. Trabalha sossegadamente. Abriu de há muito os olhos para verificar se aquelas pessoas que andam agitando-se no hemiciclo de S. Bento não são destituídas de razão, não são subvertidas pela loucura.
O País olha-nos de facto-porque não dizer a verdade - olha-nos com um bocadinho de espanto, em que também se mistura um bocadinho de horror.
Apoiados.
Como é possível, perante a realidade palpável que é um País, fazer vibrar nas nossas almas outro sentimento que não seja aquele que derive do nosso desejo de o servir a êle que nos paga, a êle que nos fez gente?
Mas, Sr. Presidente, se é verdade que tantas vezes nós nos esquecemos de que o País existe, se é verdade que por vezes a paixão nos pode ter levado, a nós próprios, a cometer erros, eu creio que é sempre nobre confessá-lo.
Não é nenhuma vergonha afirmar nesta hora de sacrifícios mútuos, em que arriscamos tudo, porque não confessá-lo, até a própria unidade do Partido os nacionalistas comprometem procurando ansiosamente a verdade.
Cada um com o seu pensamento próprio, pautando as suas atitudes por determinadas ideas, mas obedecendo todos ao vivo desejo de bem servir o País, diferindo na fórmula: ou deixar subsistir êste Govêrno até que êle demonstre claramente que dentro da sua estrutura nada de útil pode produzir para o País, ou, pelo contrário, se se deve derrubá-lo já, são modos de ver diferentes de encarar o assunto, mas qualquer deles tem única e simplesmente por mim bem servir o seu País.
Se não procedêssemos assim, ninguém nos acreditaria, seria um acto de loucura e não seriamos tomados a sério.
Não. Nenhum de nós pensou, nem sequer um momento, através das complicações da vida política portuguesa, nos seus interêsses pessoais ou nos interêsses do seu partido: pensamos todos, acima de tudo, nos interêsses superiores da República e, ainda mais, nos interêsses superiores do País.
Pregunto: é vergonha, porventura, para um partido, cansado de dar Governos, enfraquecido por lutas fratricidas que só derivam da continuação dêsse mesmo partido no Poder, tendo recorrido a todas as soluções próprias, tendo ensaiado todas as combinações políticas que podia ensaiar, será vergonha confessar-se esgotado até pelos sacrifícios que, por-
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ventura, alguns dos seus homens mais representativos estão fazendo inutilmente pela República?
Seria vergonha confessar que as crises sucessivas, renovando-se hora a hora, minuto a minuto, hão-de terminar por condenar Ossos princípios perante a própria Nação, perante os próprios partidários?
Não seria, porventura, um grande e nobre exemplo?
Pois nós podemos ignorar a realidade'?
Nao transcendo ela através das notas oficiosas dos directórios, através das informações dos jornais?
Pois o País não assiste, trémulo de medo, verificando que a República, ao fim de 14 anos, ainda Mo conseguiu criar fôrças políticas Capazes de a encaminharem para um melhor destino?
É mau, porventura, dizer, num dado momento, que é preciso deixar que os outros ensaiem as suas ideas, os seus princípios, até a vida dos sons homens para defesa da República e que chegou a hora de ir para a oposição, procurar aquela hegemonia que as lutas intestinas tem quebrado?
Não é isto o que nós pretendamos ao apresentar claramente nesta Câmara uma moção, em que se pede ao Partido Republicano Português que não resolva essas lutas intestinas estando no Govêrno?
Nestes termos., para não pôr em perigo a própria vida da República, o Partido Republicano Português abdica nos seus adversários de maior representação parlamentar, que não são adversários da República, indica ao Partido oposto ao Partido Republicano Português que assuma nesta hora as responsabilidades do Poder, porque o Partido Republicano Português quer levar e resolver as suas lutas para â oposição.
O que é que nós fizemos?
Um acto político para servir a República e nada mais.
Apoiados.
A República diz-nos: Pois bem; iniciem os senhores a sua capacidade nas cadeiras do Poder.
E nós estamos prontos a ocupá-las, sabendo os riscos que corremos, mas sabendo também que não pudemos negar a existência de uma outra fôrça organizada.
Porém, o Parlamento diz-nos que não que ainda não chegou a hora da abdicação, que não é imposta pela, fôrça das armas ou pelos canhões da Rotunda, mas que é simplesmente derivada pelo estabelecimento do lotas internas que é preciso liquidar.
Nós só temos que dizer ao Partido Republicano Português: nós não quero-mos que uma fôrça vença a outra nem pense que nós somos um instrumento para a vontade do momento. Nós não estamos aqui para resolver as lutas internas do Partido Republicano Português, estamos para mostrar o que valemos o se nos deixarem governar estimaremos porque somos uma grande maioria.
Apoiados.
Ora disse-se que afirmar estos princípios é afirmar um propósito inconstitucional. Mais: afirma-se que é restringir os direitos, a latitude do poderes do Sr. Presidente da República.
Pois que! Quem mais do que eu tem lutado nesta Câmara por que o Sr. Presidente da República exerça livremente a sua missão?!
Quem mais do que o meu Partido tem pôsto nitidamente o problema, não só para que se não exerçam coacções sôbre a vontade do Chefe do Estado, como até que as resoluções das crises governamentais se encaminhem de forma que não dêem a impressão que o Sr. Presidente da República é um delegado de qualquer directório.
Mas então nós, que temos pugnado por esta independência do Sr. Presidente da República, pedindo a S. Exa. que, mais do que as indicações do um partido, siga as indicações do País, nós é que queremos coagir o Sr. Presidente da República a não exercer a sua função como deve?!
Então é o Partido Republicano Português que, por meio dos seus directórios, por meio dos seus dirigentes, pratica erros e atitudes que o acusam, e é possível a nós aceitar a doutrina do que aquilo que é lícito ao Partido Republicano Português não é de forma nenhuma lícito ao Congresso da República?
A Câmara dos Deputados não pode dizer: "despeçam-se, deixem o Poder", e a função do Sr. Presidente da República n a o mais será coarctada?
Onde está aqui a inconstitucionalidade?
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Nem inconstitucionalidade, nem propósito de agressão; pelo contrário, e digam o que quiserem.
O que ninguém nos pode negar é esta independência de carácter, a de pôr claramente a nossa posição de Partido.
Onde está aqui a inconstitucionalidade?
Há qualquer coacção nisto?
Atitude mais clara não pode haver.
Para salvar a República, temos descido a ir às comissões com propostas financeiras, a fim de darmos a nossa cota parto de esfôrço na obra de colaboração com o país, não nos importando com o fado de estarmos na oposição para nos sujeitarmos a todos os sacrifícios.
Chegou porém a hora em que nós dizemos ao Congresso da República: homens para colaborar ora com uns, ora com outros, para colaborar numa espécie de barraca de feira, para servir a vaidade de uns ou de escudo a outros não.
Essas atitudes não as queremos mais.
Tomamos a atitude que é digna de nós, como partido, e que é digna de toda a Câmara.
Se a nossa colaboração é necessária à República, nós damo-la, mas o nosso servilismo é que não pode servir a ninguém.
Apoiados.
Eis, Sr. Presidente, explicada a nossa posição em face da crise que se desenha.
Não venham com habilidades, porque o País esta cansado delas.
Diz-se: ainda não vieram as obras do Govêrno.
Mas V. Exa., Sr. Presidente, sabe muito bem que os Governos não têm aqui sido derrubados pelo que fazem.
Não nos venham portanto, perante uma crise que é mais grave do que parece, atirar com palavras.
Desenha-se dentro da República um conflito iminente.
É que é que determina a instabilidade da vida do Govêrno?
É a confusão da Câmara.
Ora uma confusão nunca se pode tornar uma cousa clara emquanto se não ponha a mesma Câmara à prova do que ela quere.
Mas diz-se que isto vai dar à dissolução.
E as pessoas que querem impor à Câmara a hesitação que naturalmente tem qualquer indivíduo em pegar numa pistola para dar um tiro na cabeça acrescentam: mas porque não há-de ser dada a dissolução com a morte natural?
Esclarecida a nossa atitude - e talvez fôsse necessário fazê-lo - peço a V. Exa. as que examinem o problema em sua consciência e decidam segundo os altos interêsses do país.
Não enjeitamos as responsabilidades do Poder o mostramos que estamos à altura de o assumir.
Se entenderem que o problema deve ter outra solução, dormiremos com o mesmo socêgo e tranquilidade de espírito.
Pensarem que nós poderemos ser a pistola que descarrega à sua ordem, é que não.
Essa idea tem de morrer.
Meditem bem antes de darem os seus votos.
S. Exa. foi muito cumprimentado.
O Sr. Vasco Borges: - Vou ter a honra de responder às considerações feitas pelo meu ilustre colega nesta Câmara, Sr. Cunha Leal.
Se considero isso, de antemão, um facto honroso, é porque dele não resultará, estou certo, qualquer discordância que pessoalmente me incompatibilize com S. Exa.
Tenho a maior consideração pela personalidade do Sr. Cunha Leal, e se tenho de considerá-lo meu adversário político, tenho-o também na conta de um dos meus amigos, e persuadido estou de que jamais terei de considerá-lo como inimigo.
É minha norma prestar sempre inteira justiça ainda aos meus mais irredutíveis adversários políticos, e quando se trata de um adversário político com o Sr. Cunha Leal, sou obrigado a reconhecer os altíssimos serviços que tem prestado à República e ao País.
S. Exa. pertence a una partido com que a Pátria e a República podem contar, no que respeita a patriotismo, a pureza de intenções e a competência dos seus homens.
É certo que divirjo, não direi em princípios, uma vez que, sendo republicanos como somos, os nossos princípios têm de ser os mesmos, mas em detalhe das opiniões do Partido Nacionalista. Não posso estar de acordo nem com o Sr. Cunha
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Leal nem com o Partido Nacionalista, porque me encontro em frente de um processo diverso.
No incidente que nesta Câmara provocou a discussão em que nos ocupamos, eu não posso estar de acôrdo nem com o Sr. Cunha Leal nem com o Partido Nacionalista, porque me encontro em frente dum meio político com cujo uso eu não posso concordar.
Acaso, Sr. Presidente, alguém pensa que à questão que só debate nesta Câmara tivesse surgido pela ordem natural dos sucessos políticos? Não, Sr. Presidente, Está no espírito de todos, e7 o que é mais grave, está no espírito do País inteiro que se trata duma arma forjada ao acaso o para determinado efeito, e nada mais.
Sr. Presidente: nós estamos assistindo ao discutir de uma questão levantada em negócio urgente, através dum facto que não corresponde absolutamente ao que a Câmara autorizou.
A Câmara consentiu que o Sr. Sampaio Maia tratasse em negocio urgente da questão da ordem pública, mas não da situação política do Govêrno.
Mas, Sr. Presidente, eu já vi atacar o Govêrno, porque alguns presos de S. Julião da Barra tinham fugido. E surpreendente que o facto tam banal na vida dêste Puís, como é o fugirem presos políticos, muitos ou poucos - têm estado a fugir, todos os dias das prisões - se lhe de um tam grande volume, a ponto de o querer transformar numa acusação ao Govêrno!
Chega a parecer que aqueles que procuram transformar em casca de laranja êste facto tam comesinho tenham sido os que prepararam a fuga dos presos.
Sr. Presidente: o Sr. Pedro Pita, meu ilustre colega nesta Câmara e adversário que também muito respeito o considero, pôs a questão claramente, dizendo que coou efeito se trata de fazer repetir o debate político.
Estamos em face daquela rotina que se executa contra o Govêrno, no propósito de o fazer cair.
Mas pregunto eu: faze-lo cair porquê?
Acaso os homens que estão no Poder não são políticos, com as suas provas dadas, a maior parte dêles com competência reconhecida que o País respeita?!
Acaso não são êles de toda a confiança,, pela forma como sempre têm seguido os seus processos políticos, pela honestidade de toda a sua vida?
Por acaso não vemos nas cadeiras do Poder alguns dos homens a quem se deve o resurgimento financeiro?
Por acaso não foi o Sr. António Maria da Silva, através de todos os trabalhos, que conseguiu o resurgimento financeiro?
Há dois anos, não era o cavalo de batalha do Sr. António Maria da Silva o fazer aprovar os orçamentos como agora, pretende, o não foi a mais valiosa de todas aquelas medidas que êsse Govêrno conseguiu fazer votar nesta casa do Parlamento?
E não fazia parte do Govêrno o Sr. Portugal Durão, a quem a Pátria deve tantos serviços?
Sr. Presidente: isto não é o bastante para que o próprio Partido Nacionalista respeite Ossos homens, e consinta que êles produzam nova obra?
Pois não há o direito de deixar trabalhar estas figuras, que o País respeita, a quem a República deve tantos serviços, de os deixar trabalhar, repito, para bem de todos nós, em vez, do procurar derrubá-los com censura do País e repulsa que pode ser muito grave para os republicanos?
Sr. Presidente: disse o ilustre Deputado Sr. Cunha Leal que era necessário estabelecer-se o equilíbrio na sociedade portuguesa, que ora preciso que dentro da República os republicanos procedessem de outra maneira, juntando-se para salvação de nós todos.
Já que tenho ouvido falar em perturbadores da vida da Nação, pregunto se não são dos mais perigosos perturbadores aqueles que pertencem também a uma região que ainda não está classificada com uma bandeira, aqueles que aos correligionários apontam uma pistola dessa natureza.
Sr. Presidente: é o Sr. Sampaio Maia, que pertence ao grupo Acção Republicana, grupo por quem tenho consideração igual à que tenho pelo. Partido Nacionalista, porque também na Acção Republicana há homens a quem a República muito deve, há homens a quem se devem grandes serviços desde a implantação da República, e até mesmo antes. E, sendo-
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assim, estranho por isso que, havendo pessoas a quem se deve em parte o nosso rejuvenescimento financeiro, se fôsse escolher o Sr. Sampaio Maia para fazer o ataque ao Govêrno, porque dentro da Acção Republicana o Sr. Sampaio Maia era que tinha menos autoridade para fazer êsse ataque.
Não apoiados.
E por esta circunstância, Sr. Presidente, é que para se justificar êste ataque se invocou a obra da Acção Republicana, obra que o Sr. Sampaio Maia esfacelou, tornando a dar vida a essa cousa escandalosa, que é a verba com que se acudiu a chafarizes.
O Sr. Sampaio Maia (interrompendo): - Não foi o Sr. Sampaio Maia; foi o Parlamento, foi V. Exa. também, que votou essa verba.
O Sr. António Correia (interrompendo): - Fui chefe de Gabinete do Sr. Sampaio Maia, e posso afirmar a V. Exas. que a distribuição dessa verba não obedeceu a qualquer favoritismo.
O Orador: - Posso declarar a V. Exa. que não votei semelhante autorização.
Sussurro na sala.
Espero que a Câmara me dê um pouco de atenção para poder continuar no uso da palavra.
Nesta ordem de ideas, Sr. Presidente, comido quem quer que seja a provar que com o meu nome se fez algum pedido para participar do bodo que corresponde a uma tal imoralidade, tam grande que, tendo concorrido gravemente para o desprestígio da República, o Govêrno de 19 de Outubro acabou com ela. Peço apenas que se compare o procedimento dêsse Govêrno com o de quem restabeleceu a imoralidade.
Sr. Presidente: disse o Sr. Cunha Leal, e. disse bem, que o País está divorciado do Parlamento. Com efeito nós estamos ameaçadoramente isolados da opinião pública.
Não quero dizer com isto que a opinião pública esteja alheada daquilo que aqui se passa. Interessa-a, mas talvez como espectador que, mais hora, menos hora, deliberará intervir para acabar com o espectáculo, que não é dignificante.
Se as questões que nos invadem, se as questões que esgotam todo o tempo, fossem para interêsse da Nação, o Govêrno não se veria acusado nesta hora.
Nos tempos que correm é utopia querer-se que os Governos venham executar programas de partido. Isso é impossível, porque o não permite a complexidade das questões. E quando se apresenta um Govêrno propondo-se conseguir a aprovação de três ou quatro questões, êsse Govêrno tem possibilidade de realizar a sua obra, e, se a realiza, o País só tem de lhe agradecer. Todavia, o que se pretende é que o País não tenha de agradecer.
Se em vez de questões particulares, de questões de interêsse partidário privado, esta Câmara se ocupasse dos altos interêsses nacionais, o actual Govêrno teria de ser olhado com apreço, porque precisamente êle veio pedir ao Parlamento que aprovasse o Orçamento Geral do Estado e mais duas ou três propostas de lei.
Nestes termos, não há o direito do negar o apoio ao Govêrno, convencidos, como todos devem estar, de que a aprovação do Orçamento é essencial ao crédito do País.
E de quem assim não procede e falta às suas afirmações, eu permito-me pensar que se deixa mover por interêsses que não pode declarar.
O Sr. Sá Cardoso: - Repita V. Exa., faz favor.
O Orador: - Dizia eu que, tendo-se feito a afirmação de que a aprovação do Orçamento é essencial à marcha do País, não se compreende que se negue o apoio-a um Govêrno que tal pretende, a não ser por interêsses que se não podem declarar.
O Sr. Álvaro de Castro: - Há muita tempo que assim se pensa; só V. Exa. é que agora pensa dessa forma.
O Orador: - Mas dizia eu que quando se faz uma declaração dessas não se compreende que se negue o apoio ao Govêrno, a não ser que haja qualquer interêsse privado.
Creio que nisto não há nada desprimoroso nem para V. Exa. nem para qual-
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quer membro da Câmara, e, se o houver, eu não tenho dúvida em explicar.
Mas agora eu permito-me também preguntar ao Sr. Álvaro de Castro, porque é que as minhas palavras davam vontade de rir.
O Sr. Álvaro de Castro: - É porque V. Exa. disso; a não ser que haja algum interesso particular.
Ora evidentemente que o objectivo da oposição é derrubar o Govêrno, nem pode ser outro.
O Orador: - É o caso de se dizer como se diz em matéria do processo; aproveitam se as confissões úteis.
A Acção Republicana, pela voz do seu leader nesta Câmara, acaba de declarar que, com efeito, e, seu objectivo é derrubar o Govêrno, e não 6 outro.
Sem. censura para ninguém, ou o atendo que não é patriótico proceder-se assim nesta hora E para que sentimentos patrióticos pudessem ser legitimados, necessário se tornava que êste Govêrno já nesta hora tivesse praticado um acto administrativo, um acto concreto que, interessando à vida geral da Nação, por pernicioso ou inconveniente, justificasse uma oposição que ousasse à outrance derrubá-lo.
Mas como tal só não dá, eu estou convencido de que se trata apenas de um objectivo meramente político, que de modo nenhum é consentâneo com a gravidade do momento que passa.
O Sr. Álvaro de Castro (interrompendo): - O Govêrno é que neste momento não está de acordo com a gravidado da situação.
O Orador: - Era interessante saber, segundo os propósitos declarados pelo Sr. Álvaro de Castro, o que está em marcha; onde se pretende chegar?
Derrubar o Govêrno?
Pode estar bem.
Mas, Sr. Presidente, é preciso pensar num outro Govêrno viável que lhe suceda.
E qual é êsse Govêrno?
De acordo com as declarações do Sr. Cunha Leal, é um Govêrno nacionalista?
Mas, Sr. Presidente, nós devemos ver que êsse partido, para assumir as responsabilidades do Poder exige a dissolução.
E, então, Sr. Presidente, como é que êsse partido, que na hora imediata da sua ascensão ao Puder, pode a dissolução, vai governar som orçamentos, sem duodécimos, e qualquer cousa de normal para a vida da Nação?
E, pois uma ditadura que nós vamos em frente, ditadura para que êsse partido fatalmente será empurrado, pois, como toda a Câmara sabe, o Partido Nacionalista não tem maioria nesta casa do Parlamento.
Então, Sr. Presidente, é um bloco da Acção Republicana e do Partido Nacionalista que está em formação?
Seria muito interessante sabê-lo.
Sr. Presidente: pelo que respeita à moção do Sr. Pedro Pita, talvez, mercê dos meus fracos conhecimentos, eu ouso pensar que sob o ponto de vista constitucional é muito discutível.
O Sr. Cunha Leal alegou que também o Congresso do Partido Democrático fez uma indicação para o nome do Sr. Afonso Costa.
Mas é preciso notar que o Congresso do Partido Democrático não tem existência dentro da Constituição.
Essa indicação do Partido Democrático é, por assim dizer, para uso interno, ao passo que uma moção aprovada pela Câmara dos Deputados é um documento de natureza muito diversa, porque não é apenas uma indicação, mas possivelmente uma notificação.
O que ela possui é a falta de respeito pelos preceitos constitucionais.
Mas ainda a última parte desta moção, onde se aconselha como conveniente à República a entrega do Govêrno ao Partido que se segue em representação parlamentar ao Partido Democrático, é um modo de dizer que me leva a preguntar ao Partido Nacionalista o que é que êle pensa da sucessão dêste Govêrno. Se êle tivesse de cair, ^o que é que elo indicaria para sucessão do mesmo Govêrno?
Não tive a preocupação de pronunciar palavras que ferissem nem homens nem partidos.
Que haja adversários políticos dentro do regime é natural, lógico, necessário, mas, Sr. Presidente, o que não se com-
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preendo, nem estou disposto a aceitar, são sobreposições, quer sejam da natureza do período desta moção a que me referi, quer se trate do propósito manifestado pelo Partido Nacionalista de em tais condições ascender ao Poder.
Declara o Partido Nacionalista, e com êle estou de acordo, a necessidade da existência, pelo menos, dum outro forte partido dentro da República.
Mas não é só no Govêrno que um partido se pode e deve fortalecer, e eu pregunto se àquele partido se torna necessário escalar o Poder para afirmar a sua existência, e se essa é a forma mais legítima e mais conveniente para os interêsses da República.
Falam-me em perturbadores.
Eu permito-me estabelecer um paralelo, nesta altura tias minhas palavras, o paralelo do que sucederia a bordo dum grande transatlântico em que houvesse uma revolta de passageiros ou da tripulação. O navio continuaria a sua marcha, sem o menor balanço, nem se daria por tal.
Mas preguuto: se essa revolta tivesse lugar a bordo dum simples catraio ou outra qualquer pequena embarcação, restariam dúvidas sôbre qual o seu destino?
Fatalmente afundar-se-ia.
E, Sr. Presidente, as nossas desavenças, quando elas têm êstes propósitos particularistas, propósitos que não são de ordem nacional, põem a República nesse risco.
É tempo de que os ânimos serenem, de se ver claramente como está pôsto não só o problema nacional, como também o problema republicano e, sobretudo, é tempo de se defenderem os interêsses nacionais.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os apartes não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Lino Neto: - Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. Pedro Pita, quando apresentou a moção de desconfiança, afirmou que êste debate era a continuação do debate aqui travado num dêstes dias, pela qual foi votada uma moção de confiança ao actual Govêrno.
O Sr. Pedro Pita (interrompendo): - Já ouvi isso duas vezes, e não está certo.
O Orador: - Isso não quer dizer que o não possa ouvir mais uma vez.
O Sr. Pedro Pita: - O que eu disse foi que êste debate poderia ser uma prova a tirar de uma cousa que não tivesse ficado clara.
O Orador: - O que é certo é que aquelas declarações têm sido feitas pelos outros oradores, e é certo também que até hoje nenhum facto novo se deu que possa ter modificado a resolução primeiramente tomada.
Nestas condições, Sr. Presidente, a minoria católica, coerente com a sua orientação, não tem que modificar a atitude que já tomou quando aqui foi votada a primeira moção de confiança.
O assunto da ordem pública é na verdade para ponderar, porém êsse facto é devido à situação que o País atravessa.
Disse o ilustre Deputado Sr. Rodrigues Gaspar, e muito bem, que a responsabilidade dêsse facto é não do Govêrno que se encontra no Poder, que na verdade não tem ainda actos de relevo, mas sim de todos os partidos políticos, e eu acrescentarei mais: que êle se deve em grande parte também à forma como têm sido encarados os problemas sôbre a formação do carácter e sôbre a organização do trabalho neste País.
Assim eu devo dizer à Câmara que a minoria católica não tem de facto que modificar a sua atitude, muito principalmente sôbre a moção apresentada pelo ilustre Deputado Sr. Pedro Pita, na parte em que ela envolve assuntos políticos, rejeitando-a, portanto, nesta parte-
E dêste modo julgo ter cumprido o meu dever, servindo os interêsses do Pais. e servindo a Constituição.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa: - Por ocasião da apresentação do actual Govêrno a esta casa do Parlamento tive ensejo de tomar uma determinada posição.
Depois do alguns dias de vida do Govêrno, não tenho hoje que pronunciar uma
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única palavra para deslocar-me desta atitude; e se não tivesse ouvido hoje produzir afirmações que precisam de ser rectificadas e postas nos seus devidos termos, não teria necessidade de vir de novo acentuar o meu ponto de vista.
Tem-se afirmado que há umas perturbações de determinados elementos políticos desta casa em face do Govêrno que têm levado à preterição, porventura, de questões vitais para o País, designadamente na questão do Orçamento.
Uma dessas afirmações não foi rebatida e foi produzida por todos os lados da Câmara, sendo absolutamente indispensável que seja examinada, porque não corresponde à verdade.
Sabe-se que, sem que o actual Govêrno tivesse tido a menor ingerência nesse -assunto, foi aqui apresentada pelo Sr. Sá Cardoso uma proposta destinada a discutirem-se ràpidamente os orçamentos.
Essa proposta, que foi apresentada e votada sem que da parte do Govêrno tivesse havido a mais, pequena aclaração, tendo apenas sido discutida por parte da minoria monárquica, teve da parte da quàsi totalidade da Câmara uma aceitação com carácter inteiramente patriótico, por se reconhecer que era necessário em primeiro lugar estabelecer a normalidade financeira.
Não só compreende que quem assistiu a êsse debate, que foi longo, tenha feito afirmações que são inconvenientes, som se importar com responsabilidades que nunca devia esquecer, supondo que havia quem nesta hora quisesse perturbar a discussão do Orçamento. Não é assim. A proposta do Sr. Sá Cardoso foi redigida para que, na ordem do dia, duas horas fossem destinadas exclusivamente ao Orçamento o êsse preceito da proposta tem sido executado à risca pela Mesa, Apoiados.
Bem haja a Mesa, que assim tem procedido. Ainda ontem a Câmara num debate assentou que as duas horas de discussão para o Orçamento eram intangíveis. Apoiados.
Assim praticando, podemos conseguir a votação dos orçamentos. Repilo a insinuação de que temos a idea de protelar a discussão do Orçamento.
Diga-se bem alto, para que ouça quem
deve ouvir e tenha a publicidade necessária.
Outra afirmação se tem produzido, e é de que o Partido .Republicano Português não se encontra nesta hora em condições de poder governar, e que êste partido tem governado só, quando não é assim, pois nestes três anos tem governado por várias vezes de colaboração com outros partidos, forma que devia continuar a ser praticada. Dessa forma de bloco resultou que o Govêrno do. Sr. António Maria da Silva conseguisse estar dois anos seguidos no Poder, apenas com algumas recomposições.
Eu creio que com a reunião de várias fracções desta Câmara é que se devia constituir um Ministério, situação a mais viável e indispensável na haja grave que vamos atravessando.
Foi contra isso que desde a primeira hora me insurgi, e agora também me insurjo. E é por essa razão que eu continuo a considerar inviável a situação presente.
Considero que é de adoptar a parte final da moção mandada para a Mesa pelo Partido Nacionalista, porque não compreendo que um Govêrno, tirado de uma parte do bloco, consiga fazer aquilo que os outros Governos de todo o bloco não puderam realizar.
Ainda acrescentarei, pára aqueles que tenham modo, que a fórmula que tem sido até agora adoptada é viável, e, que, portanto, não há razão para sustos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pinto Barriga (para interrogar a Mesa): - Peço a V. Exa., Sr. Presidente, a fineza de me dizer a que horas tenciona interromper a sessão.
Estabelece-se sussurro.
Trocam-se àpartes.
O Sr. Presidente: - Não encontro no Regimento nenhuma disposição que permita a V. Exa. usar da palavra antes do Sr. Pedro Pita, que a pediu para um requerimento.
Apoiados.
O Sr. Pedro Pita (para um requerimento): - Sr. Presidente: Requeiro a V. Exa. se digne consultar a Câmara
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sôbre se concorda que a sessão continue sem interrupção, até final do debate.
O Sr. Álvaro de Castro (sobre o modo de votar): - Pedia a V. Exa., Sr. Presidente, que me informasse - porque naturalmente a minha memória já está debilitada - se alguma vez foi necessário fazer um requerimento idêntico ao que o Sr. Pedro Pita agora apresentou. O que se tem feito é exactamente o contrário, parecendo-me que é esta a prática que tem sido usada.
O Sr. Presidente:-Já tenho assistido a sessões prorogadas que têm sido interrompidas, para continuarem no dia seguinte.
Estão ainda cinco oradores inscritos, e tenho aqui recebido reclamações para que a sessão se interrompa, visto daqui a pouco não haver já meios de condução.
O Orador: - Naturalmente, às sessões a que V. Exa. se referiu, nunca eu tive ocasião de assistir, porque delas me não recordo.
Quando, porventura, isso tenha sucedido, certamente que todos os lados da Câmara estiveram de acordo.
O Sr. Agatão Lança (interrompendo): - Ainda na penúltima reunião do Congresso isso sucedeu.
O Orador: - Efectivamente não assisti a essa sessão.
Exposto o meu modo de ver, aguardarei o que a Câmara resolver.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente : é apenas para declarar que o Sr. Deputado que requereu a prorrogação da sessão até se liquidar o debate, o fez com a intenção de que a sessão continuasse sem interrupção, excepto aquela costumada interrupção para os Deputados irem jantar.
O orador não reviu.
O Sr. João Camoesas (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: entendo que, dadas as condições em que nos encontramos a trabalhar, é absolutamente excessivo exigir da Câmara, para um debate que não tem nenhum interêsse para o País, que ela funcione até de madrugada. Não me importava, e muitas vezes o fiz em sessões anteriores, estar aqui a trabalhar toda a noite em proveito para o País, ,mas, desde que se trata apenas duma série de obstáculos inventada para complicar a situação política actual, sem nenhuma espécie de utilidade, afigura-se-me demasiado exigir de pessoas que trabalham e que se levantam como eu às 6 e 7 horas da manhã, que estejam aqui para ver as habilidades de alguns Srs. Deputados.
Não me interessa esta questão, não tencionava entrar no debate; mas desde que êle tomou um aspecto de picuinha, eu entrarei nele para usar de violência para com aqueles que querem usar da violência para comigo.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: duas palavras apenas.
Parece-me que cometi um crime em fazer o meu requerimento. O que houve foi isto: do lado dos Deputados que apoiam o Govêrno quis-se inutilizar a prorrogação da sessão; pretendi inutilizar o golpe com outro golpe. Não foi, portanto, um capricho meu.
Assim é que está certo; fazer o mal e a caramunha é que não está certo.
O orador não reviu.
Posto à votação o requerimento, é aprovado.
O Sr. Manuel Fragoso: - Requeiro a contraprova, e invoco o § 2.° do artigo 116.°
O Sr. Luís de Amorim: - Requeiro votação nominal.
Vozes: - Não pode ser, é já tarde.
O Sr. Presidente: - O Sr. Luís de Amorim requereu votação nominal...
Levantam-se protestos da parte da Câmara.
O Sr. Presidente: - Efectivamente, não pode ser aceite o pedido de votação nominal. Vae proceder-se à contraprova.
Procede-se à contraprova.
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O Sr. Presidente: - Estão do pé 48 Srs. Deputados o sentados 61. Está aprovado.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: é em nome pessoal que falo, e para focar mais uma voz a situação que tenho mantido na Câmara.
Perante o Govêrno do Sr. Álvaro de Castro protestei contra todas as medidas inconstitucionais, e seguidamente em todos os outros Ministérios eu procedi sempre da mesma forma. Nestas condições, abstraio-me, por completo, do ponto do vista político neste momento.
Na moção do Sr. Pedro Pita consigna-se o seguinte princípio:
Leu.
O Partido Nacionalista é aquele que em número se segue ao Partido Democrático.
Eu considero absolutamente inconstitucional esta moção, porque a Constituição expressamente o determina.
Ante a moção do Sr. Pedro Pita o que verificamos?... Que o Poder Legislativo procura ter uma intervenção na vida do Poder Executivo. Eu compreendo, é claro, que por intermédio dos leaders se dê uma orientação determinada ao Sr. Presidente da República, e é essa uma praxe imprescindível. Mas colectivamente considerado, o Congresso da República não pode nem deve dar indicações ao Sr. Presidente da República, porque assim o vai colocar em foco. Coloca-o no dilema seguinte: ou obedece a esta indicação ou abre um conflito com o próprio Parlamento...
O Sr. Marques Loureiro (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença? V. Exa. que está a armar em paladino do constitucionalismo, poderia também dizer-nos alguma cousa sôbre a renúncia.
O Orador: - Eu tenho uma declaração de voto na Mesa e tenho toda a autoridade para falar.
O Sr. Francisco Cruz (em àparte): - Mas V. Exa. julga que nós somos parvos?...
O Orador: - V. Exa. não o é, e por isso permito-me dizer-lhe que V. Exa. ainda
não me ouviu, sequer, para pretender esboçar uma opinião. Interrompe despropositadamente.
Sr. Presidente; o que eu quero apenas é marcar o meu ponto de vista quanto à moção do Sr. Pedro Pita em face da Constituição.
Não se pode dar indicações ao Sr. Presidente da República.
Têm sido experimentadas todas as combinações políticas, e comtudo as crises têm sido sucessivas. Encontram nos em face dum Ministério que tem a maior representação do Partido a que pertence. Se fôr derrubado, u única solução que existe é a chamada ao Poder do Partido Nacionalista.
E esta, Sr. Presidente, a minha opinião pessoal.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem os "àpartes" foram remstoi pelos oradoras que os deram.
O Sr. João Gamoesas: - Sr. Presidente: a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Pedro Pita é, na realidade, um estranho o insólito documento, apesar da forma como têm decorrido ultimamente dentro da Repúblico os trabalhos desta casa do Congresso. É certo que o Sr. Pedro Pita tem uma excepcional qualidade paru. ter talhado uma cousa tam transcendente e tam original. S. Exa., que eu saiba, é dos poucos membros da Academia das Sciências que tem lugar nesta casa do Parlamento. Sem que eu tenha sôbre os imortais aquela opinião, expressaria elevada ironia de Anatole; som, que eu tenha por Cies aquele acre e violento deprêzo, o que é coito é que quando a imortalidade cêrca os mortais costuma inspirar-lhes documentos em que a própria língua pátria sofre tratos de arrepiar. Quando a imortalidade tomba sôbre a cabeça dos mortais, parece que o seu pêso enorme se exerce numa compressão que impede o regular funcionamento do sistema nervoso.
O funcionamento do centro nervoso é obra da transformação química feita pela circulação do sangue nesse sector do sistema nervoso,, obra que se traduz por uma intensidade maior do fluxo sanguíneo.
De maneira que quando uma compressão tam forte como a imortalidade abate
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sôbre a cabeça preciosa dessas extraordinárias pessoas, pode vencer a resistência das paredes ósseas da caixa craniana, comprimindo e impedindo, por consequência, o fluxo daquela quantidade de sangue normal dos centros nervosos.
Talvez por esta razão de carácter fisiológico - que não quero apontar como única - essas pessoas, quando se dignam falar para o público dos mortais como nós, que não temos a enfeitarem-nos a casaca as palmas académicas, produzem as cousas mais extraordinariamente interessantes, mais curiosamente divertidas que possam imaginar-se. Veja V. Exa. que a moção do Sr. Pedro Pita, ilustríssimo imortal, que por uma acumulação extraordinária de sciência, por méritos próprios, ascendeu à imortalidade em plena mortalidade, principia pela elegantíssima construção portuguesa que dela consta.
A imortalidade dá sempre disto, que é extraordinariamente divertido para nós outros, que somos suficientemente iconoclastas para não querermos ser imortais.
Sr. Presidente: fui sempre uma pessoa com o vezo de aplicar aos outros, por uma regra de justiça, aqueles sistemas, aqueles métodos, aqueles processos que êles costumam usar. Ora, o ilustre e imortal Sr. Pedro Pita, em circunstâncias análogas àquelas em que me encontro, embora não tendo sob os seus olhos êste interessante documento em que... o poder não pode, usou e abusou desta arma demoníaca de articular sons sem nexo, sem ligação, para impor um determinado critério, se critério se pode chamar às birras dum imortal. Porque onde elas se fazem é onde elas se pagam, e então chegou a hora de um imortal sofrer a aplicação do sistema, do processo, de que tanto usa e abusa.
Sr. Presidente: êste documento, pela sua singeleza, permite-nos analisar alguns aspectos importantes e curiosos da política portuguesa.
O primeiro período, em que se reconhece que "O Poder não pode ser", é um título para ir para a Academia, e teria certamente lá levado o nosso amigo Banana.
Sr. Presidente: na verdade, em parte alguma do mundo se reconhece que o Podei* é exclusiva pertença de um partido, especialmente no nosso, que é contrário
a monopólios. Não se tornava, portanto, necessário esta manifestação de coerência da actividade republicana do nosso país, porque, como já disse, em nenhuma parte do mundo essa teoria é adoptada. Mesmo na Bélgica, onde o Partido Católico esteve no Poder vinte a trinta anos, essa doutrina foi aceita.
Nas sociedades modernas, por muito cultas que elas sejam, o facto de um Govêrno só conservar largo tempo no Poder não representa isso um monopólio, mas traduz uma escala entre a maioria e a sociedade, pois que se encontra colaborando com toda a nação, e desde que a opinião pública é a expressão consciente dos desejos e das aspirações da maioria dos cidadãos de um País, essa conservação no Poder não representa um monopólio.
Nestas condições, a permanência constante e exclusiva do um partido no Poder não pode realizar-se, por mais que a imortalidade do Sr. Pedro Pita a tenha querido impor à nossa mortal inteligência.
Sr. Presidente: apesar de esta expressão ser uma das verdades axiomáticas que celebrizou para sempre Mr. de La Palisse, escrita pelo Sr. Pedro Pita, na sua moção, não corresponde à realidade dos factos em Portugal.
O Partido Republicano Português, que é aquele a quem se dirigem estas expressões, não tem exercido em Portugal o monopólio do Poder. Pelo contrário. E permita-me V. Exa., Sr. Presidente, que eu faça um pouco de reminiscência para ver a evolução que tem sofrido o Partido Republicano Português.
Até 1910 o Partido Republicano Português não exerceu o Poder. Gomo é sabido. o Partido Republicano Português surgiu no começo da segunda metade do século passado, pela actividade intelectual de um reduzido número de pessoas que não concordavam nem com os costumes políticos, nem com a morfologia e estado social do tempo em que viviam. Algumas dessas pessoas, apesar das suas extraordinárias mentalidades. não lograram a ventura que logrou, jóven ainda, o Sr. Pedro Pita, pondo nus abas da sua casaca as palmas douradas da imortalidade.
Essas pessoas fizeram a propaganda do ideal republicano nos jornais, sobretudo nos pequenos jornais, com uma enorme
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tenacidade, num grande esfôrço de abnegação, de sacrifício e de isenção, defendendo a pouco e pouco as suas doutrinas, disseminando as suas aspirações.
Desse pequeno grupo de homens, alguns deles representantes directos das camadas populares, lembro-me ao acaso, porque nasceu no distrito que eu tenho a honra do representar nesta casa do Parlamento, do livreiro Carrilho Videira, figura que é bem de recordar neste momento em que, para satisfação do certos rancores e desforra de pretendidos agravos, aparecem certos neos-republicanos, que nós só vimos na actividade depois de nascido o sol das compensações. Neste momento em que êsses assim aparecem e procedem de facto com uma hipocrisia assombrosa, porque as suas palavras não correspondem a uma actividade que possa presumir-se derivada da aspiração republicana, é bom recordar essa ligara humilde do livreiro, que sacrificou toda a sua vida à propaganda do ideal, que fez do balcão da sua loja uma tribuna para expansão da propaganda republicana em Portugal e que morreu quási na miséria.
Esquecem sempre as palmas académicas da imortalidade êsses homens que morrem quási na miséria, mas na pose de uma grandeza moral que é de invocar neste momento em que estamos assistindo nesta, casa ao desencadear das paixões, e numa época em que tudo é de acomodarão ao apetite e desenvolvimento do rancor.
Depois, com o poder de persuasão que têm as ideas que correspondem ao sentido da evolução social, foi crescendo o movimento republicano no País.
Ganhou em primeiro lugar um certo número de rapazes, que então se encontravam ainda nas escolas, entre os quais quero destacar a figura extraordinária de Teófilo Braga, que tam injustamente criticado foi neste País, e contra o qual desferiram as suas pedras os inúteis e os invejosos.
Teófilo Braga foi um homem que a certa altura da sua vida serviu de pretexto para todos os inúteis destacarem um pouco, indo à. lama dos regueiros buscar com que lhe atirar, mas que nos deixou um exemplo notável de amor pelo seu País e do uma grande coerência coro as suas ideas e opiniões.
Sejam quais forem os erros e defeitos que se possam apontar à sua obra, porventura,, de pretender enquadrar todo o desenvolvimento do seu estudo dentro da forma do positivismo clássico, a verdade é que êle foi o primeiro trabalhador intelectual português que se dedicou com um afinco extraordinário à obra da definição da nossa própria nacionalidade, e não houve material que não carreasse, não houve subsídio que não procurasse, nem houve investigação que não fizesse para, nas páginas vastíssimas da sua obra deixar, embora com alguns defeitos, traçada toda a acção, por vezes admirável, dêste povo.
Foi um dêsses homens que morreram dobrados os 80 anos, que sempre manteve a mesma coerência de princípios, num momento em que o mudar é moda, havendo até certas pessoas que mudam por vantagens momentâneas, que mudam pele satisfação dos seus desejos e ambições, e que tentam explicar sentimentalmente a sua mudança enquadrando-a numa aspiração alta e sonante, e dizendo, como o disse já um antropóide qualquer que anda com luvas brancas para mostrar que é gente, e que só os burros é que não mudam porque aos homens é próprio mudar.
Isto como só não conhecêssemos hoje o suficiente de psicologia para vermos que as actividades e aptidões imprimem uma fisionomia intelectual própria ao homem, e é isso que mais os individualiza, porque a fisionomia material, que em certas idades da vida tanto orgulha alguns, é transitória, contingente e passageira segundo essa sentença formidável que veio do pó e ao pó voltará, ao passo que essa fisionomia intelectual que se encarna em voos de pensamento não tem de maneira nenhuma o destino contingente o transitório da carne que reveste o nosso corpo e modela as nossas formas.
Desde que um filho do povo, Guttenberg, inventou a imprensa, dando asas o consolidação ao pensamento, a fisionomia moral e intelectual do homem sobrevive à sua adoração física e prolonga-se até aos confins da existência humana.
É certo que mesmo antes da invenção de Guttenberg o pensamento vivia e se demorava muito mais do que a forma
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transitória do invólucro físico do corpo, e assim nós vemos que séculos passados sôbre a civilização grega, ao passo que se varreram da memória os intelectuais do tempo e se varreram da memória dos povos todos os Pedros Pitas (risos), perduram ainda os homens que souberam vincar a sua fisionomia intelectual ou moral, e assim os homens que souberam vincar a sua fisionomia estética perduram ainda hoje de tal sorte, que não há manifestação do pensamento onde não sobreviva o pensamento do grego.
No emtanto, êste século de aplicações scientíficas, de actividades materiais que aumentam o poder do homem, emprestando-lhe máquinas de grandes rodas, deu a pessoas que têm de homens apenas a aparência a idea de que tudo havia de ser a vitória da matéria sôbre o espírito.
Imaginam certos homens que a mudança constante de opiniões, de ideas, é característica da natureza humana, e não sabem que o que diferença o homem dos outros animais é o poder de dominar os instintos, as situações, os apetites, de pôr o pensamento acima das necessidades.
É preciso, Sr. Presidente, para prosseguir no fim que tenho em vista, que é falar até começar a próxima sessão, referir-me ao sábio espanhol Ramon y Cajal, nome a que quero aqui prestar o testemunho da minha ardente admiração. Refiro-me a êle para repetir que o que distingue os homens dos outros animais não é a mudança, o transformar de aspirações, mas a necessidade de vencer o seu invólucro material.
Sr. Presidente: Teófilo Braga foi um homem integralmente homem, na acepção que acabo de referir. Passou muitos anos de vida na pequena e humilde casa onde, quási abandonado, foi encontrado morto. Êle teve sempre a mesma aspiração moral, a mesma aspiração intelectual, o mesmo desejo sentimental.
Procuram muitos hoje diminuí-lo, contando a seu respeito várias anedotas, mas o que é certo, Sr. Presidente, é que na própria obra de Teófilo Braga se verifica que não são justos os que o agridem.
Teófilo Braga foi todo o pensamento republicano português, o homem que definiu a maneira de ser republicano.
Viveu sempre do seu trabalho, viveu sempre dedicado afincadamente a uma obra.
Para resumir e não fatigar V. Exas., visto que muito tenho que dizer ainda, direi que Teófilo Braga viveu uma vida de abnegação pelo seu País, uma vida de sacrifício pela sua Pátria.
O movimento republicano, que começou por ideal e pensamento, influindo junto de todas as categorias, junto de todas as esferas sociais, tornou-se pouco a pouco em vontade e desejo, até que em 1910 nós pudemos assistir nesta cidade de Lisboa, no País inteiro, à proclamação da República.
Eram homens, mulheres e creanças inteiramente devotados à crença republicana, inteiramente convencidos de que a República não seria apenas uma transformação de rótulos no Terreiro do Paço, mas sim uma transformação das condições de vida da sociedade portuguesa.
Foi êste o movimento republicano até 1910. Foi êle acautelado duma acção intelectual perseverante, continuada.
Depois de implantada a República, quando em Alcântara, no mar e na Rotunda, quási sem comandantes, os homens do povo fizeram êste regime, batendo a Monarquia, que sossebrou no mar manso da dissolução moral e que se presumia representada pela gente superior dêste País, e por uma classe de elite que de longe traduzia a sua diferenciação e o seu aperfeiçoamento, o primeiro gesto do Partido Republicano Português, ao aproveitar a situação que tinha obtido, poderia ter sido excluir os que foram seus inimigos da véspera.
Sr. Presidente: o Partido Republicano Português, pelo contrário, teve o largo gesto fraternal de abrir os braços a todos os portugueses, de dizer a toda a gente que fizera um regime pelas convicções das nossas crenças: fizemo-lo através de sacrifícios que encontrámos no caminho; vencemos, e podíamo-nos impor em nome da victória a dar a lei do vencedor, mas não o fizemos porque esta República que se fez é uma República para todos os portugueses.
Sr. Presidente: na ocasião em que se implantou a República em Portugal, voluntariamente pela forma como se tinha realizado o movimento republicano, os
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funcionários civis e militares resolveram espontaneamente aderir à República, o foram em massa inscrever-se nos livros do Directório do Partido Republicano Português, que então era 110 Largo de S. Carlos, hoje chamado Largo do Directório. Aí só inscreveram voluntariamente numerosos oficiais do exército; e quere V. Exa. saber o que sucedeu?
Das pessoas que se inscreveram voluntária o espontaneamente, segundo informações que me deu o já falecido ê malogrado José Barbosa, mais do trinta estiveram nas incursões da Galiza; facto simples o singelo, que não precisa do comentários nem explicações.
Sr. Presidenta: fomos nós, ao implantar a República, duma generosidade tamanha e lealdade tam grande, que julgámos que entro portugueses não havia pessoa que não nos viesse abraçar, o no entanto aconteceu o que relatei a V. Exa.: é que de entro essa própria gente filiada na primeira hora, mais de tr~es dezenas foi acolher-se à bandeira azul o branca o foi armar-se na Galiza para invadir a sua própria Pátria, vindo do território donde tinham vindo todos os inimigos dêste País o que ali mesmo procedem de tal sorte que o monárquico Álvaro Pinheiro Chagas teve que exclamar, a certa altura, esta frase formidável que pesa sôbre êles como um pelourinho: "com isto pode fazer se a Monarquia, mas não se salva a Pátria".
Ora não é também em relação a êste período da vida do Partido Republicano Português, que pode considerar-se a política executiva pela acção do Govêrno Provisório da República, que se pode afirmar que o Partido Republicano Português o sercou o exclusivo do Poder em Portugal; porque se é facto que, pelas relações, êle exerceu todos os selos do Estado, é também certo que êle governou abrindo os braços a todos, mesmo até àqueles que haviam de ir armar-se contra o seu próprio País.
Depois, veio ã fase das Constituintes.
Durante a isso das Constituintes, o núcleo dos republicanos que ficara unido à volta da bandeira do velho partido republicano bateu-se aqui, quando nas cadeiras do Poder só sentavam precisamente as pessoas que figuram daquele lado da Câmara.
Sucedeu até que os melhores lugares da Republica não foram ocupados pelas pessoas que se encontravam dêste lado da Câmara.
Apoiados.
E ou, que na América do Norte tive ocasião de apreciar a sua vida política e social, sou do opinião de que todas as actividades administrativas devem ser capazmente remuneradas.
Vem isto a propósito da célebre campanha contra os tubarões que então só levantou.
Creio mesmo que um dos defeitos da República, um dos seus piores costumes,, é não remunerar convenientemente aqueles que exercem funções de direcção administrativa e política, colocando-os em situação de poderem fazer economias.
Não é assim que procedem as melhores democracias do mundo. Lá fora remuneram-se essas pessoas com o bastante para poderem adquirir os meios de conforto necessários à vida e para que possam resistir a todas as suas contingências.
Não fui, portanto, eu daqueles que aplaudiram a celebro campanha contra os tubarões, antes pelo contrário, insurgi-me contra os que, por motivos políticos, faziam disso pretexto de agressão contra êsses homens.
Mas agora não trato disso, trato apenas do reconhecimento do um facto que eu daqui atiro ao Sr. Cunha Leal, como uma desforra. E que a actividade gástrica dessa época náo era do Partido Republicano Português.
Apoiados.
Por consequência, até 1912 aquela parte do Partido Republicano Português, que assim se denomina ainda hoje, não exerceu Poder, e por isso não se pode afirmar que êle tivesse o exclusivo do Poder até essa época. Antes, com o sou apoio leal, governaram todos os vários partidos.
Depois, quando se constituiu o grupo parlamentar do Partido Republicano Português, que havia de ser a continuação do Partido Republicano Português, não exerceu esto partido o Poder por uma forma, independente e autónoma, pois que foi-o agrupamento político a que presidia o Sr. Brito Camacho que apoiou o Partido Republicano Português durante o primeiro Govêrno presidido pelo Sr. Afonso Costa, E quando o Govêrno do Sr. Afon-
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só Costa teve de abandonar as cadeiras do Poder, para mostrar quão menos verdadeira é a afirmação do Sr. Pedro Pita, deve dizer que aquele homem público oferecia ao Sr. Brito Camacho apoiar um Govêrno de sua presidência, com a mesma dedicação, com o mesmo interêsse, com a mesma tenacidade que S. Exa. e o grupo que o acompanhava tinham tido durante o tempo do seu Govêrno.
Foi o Sr. Brito Camacho que não quis aceitar êste oferecimento, por entender ^que não era então o momento oportuno de tomar assento nas cadeiras do Poder, desejando que outras fôrças políticas se formassem.
Mas, Sr. Presidente, não é ainda em relação a estas fôrças que pode dizer-se que o Partido Republicano Português teve o exclusivo do Poder.
Êsse Govêrno teve a duração de cêrca de treze meses, e exercer o Poder em pouco mais de um ano não é exercê-lo em termo de exclusivo.
Veio depois o Govêrno de 1913, ainda presidido pelo Sr. Afonso Costa.
E quando ocorrido o conflito de 1914- passo aqui sôbre a ditadura Pimenta de Castro, porque não me interesso agora por essa anomalia da vida da República - foi ainda do lado do Sr. Brito Camacho que surgiu a idea da União Sagrada.
E a União Sagrada, ou seja a idea do partilharem o Poder todos os partidos republicanos, foi posta em prática à custa de transigências do Partido Republicano Português.
Era grande aspiração republicana a de juntar todas as fôrças políticas num mesmo Govêrno.
Ora, Sr. Presidente, não foi isso possível por motivos que são do conhecimento de todos.
Apenas se pôde fazer acordo com o Partido Evolucionista.
Para êsse Govêrno se constituir teve de se negociar uma plataforma.
Recordo-me perfeitamente de que uma das condições que o Partido Evolucionista estabeleceu para a formação dêsse Govêrno consistia em o Partido Republicano Português adoptar a idea duma amnistia. E todos que se lembram da política dêsse tempo sabem perfeitamente...
Sussurro.
Estou habituado a toda a espécie de agressão. Sou homem que não falo só no Parlamento.
Portanto, aqueles que me querem agredir agridam-me em sítio onde me possa defender.
Como ia dizendo, uma das condições impostas pelo Partido Evolucionista para participar do Govêrno da União Sagrada era uma condição contra a qual, em votações sucessivas, o Partido Republicano Português se tinha manifestado.
Ora êste partido, tam acusado de querer o monopólio do Poder, de querer o exclusivo de só êle poder governar, transigiu nesse ponto de vista, transigiu nessa sua aspiração, traduzida em tantas votações consecutivas, com o fim único de se realizar uma honesta política, a que se realizou no Ministério da União Sagrada.
Caiu êste Govêrno, e foi continuado por um Govêrno saído do Pai tido Republicano Português, que também durou pouco mais de um ano, sendo interrompida a sua vida, vendo terminadas as suas possibilidades de governar por uma revolução chamada "dezembrista", a que também não posso deixar de me referir, a que é mester fazer referência para desenvolvimento do raciocínio que estou pretendendo expor a V. Exa. e à Câmara.
Durante êsse período, em que o Partido Republicano Português não governou, tiveram de se unificar os outros partidos que atacaram e agrediram o Partido Republicano Português, que na verdade representava uma atitude de defesa da República, e no decurso de 1918 juntaram-se ao Partido Republicano Português sucessivamente todos os seus antigos adversários, fizeram com êle uma falange que acabou por organizar, em colaboração com as classes operárias de Lisboa e do nome, a defesa da República e a derrota da tentativa restauracionista da monarquia no norte.
Esta junção ficou conhecida na história do movimento republicano como o estatuto da frente única. Nesse estatuto uma das cláusulas incluídas por parte do Partido Republicano Português era o compromisso de se introduzir o princípio da dissolução parlamentar na Constituição.
Ora sabem V. Exas., não ignora a Câmara e o País, que na defesa do princípio
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oposto se tinha colocado sempre o Partido Republicano Português. Era êste partido contra a dissolução, manifestou-se vivamente contra ela nos seus congressos e na propaganda, e, no emtanto, êste famigerado partido, tam intransigente, tam cioso do Poder, tam exclusivista, foi o único a transigir para essa plataforma, admitindo a imposição dos outros partidos, ou seja o compromisso de votar, como votou, a introdução do princípio da dissolução na Constituição da República.
De 1919 para ca os Governos têm-se sucedido.
V. Exa. sabem que durante 1919 governámos em Ministérios de conjunção, isto é, estiveram no Govêrno representantes das facções políticas do tempo.
Em 1920, 1921 e 1922 há Governos do Partido Republicano Português, mas Governos de pouca duração, o chegámos ao Govêrno presidido pelo Sr. António Maria da Silva, que foi aquele que durou mais.
Se a Câmara só der no trabalho do percorrer a duração de todos asses Governos, verifica que todo o tempo de Governo do Partido Republicano Português não dará seis anos, com intervalos o com interpolações. De outros partidos, e mesmo contando Governos do Partido Republicano Português em conjunção com outros agrupamentos políticos.
Na Bélgica, o partido católico tem sido durante uns poucos de anos o detentor do Poder.
Ali há pessoas que podem ter três, quatro o cinco votos, creio eu, porque votam conformo as actividades que tem.
Votam como chefes de família, como professores, etc. e pode dizer-se que a maioria do partido católico vivo á custa do artifício, eleitoral, de atribuir mais do um voto a cada eleitor.
Na Bélgica fez-se realmente o monopólio do Poder.
Deu-se de facto uma reacção, que foi uma greve geral, não- pelo facto de o partido católico estar há tanto tempo no Poder, nem pelo facto de se atribuir uma ditadura parlamentar, más sim pelo facto de estar em vigor um sistema eleitoral com o qual não concordavam os membros do Partido Socialista, que reúne uma grande quantidade da população da Bélgica.
Chego portanto, só tendo feito senão o esfôrço necessário para provar a minha teso, à demonstração da sem razão do primeiro considerando do Sr. Pedro Pita. Realmente é um reconhecimento que à Câmara não cumpro fazer, porque nunca em Portugal nenhum partido deteve o exclusão do Poder.
Exactamente um dos maiores defeitos da política portuguesa, quer da Monarquia, quer da República, tem sido a pouca durabilidade dos Governos, e a pouca demora que as pessoas encarregadas de dirigir os diferentes serviços do administração pública fora tido nas respectivas cadeiras.
Nós não temos rasão para atacar os Governos por excessivo tempo, mas sim pela pouca duração. E esta a razão por que muitos negócios públicos tem corrido pela forma que todos nós sabemos.
Ainda hoje tive ocasião de fazer a revisão hum trabalho sôbre sciência administram a de um engenheiro francês, o verifiquei que os defeitos as anomalias das sociedades que se reflectem, nos serviços públicos lá são apontadas e ali e serviços públicos não estão organizados como em Portugal.
O Ministro tem que resolver inúmeros problemas, tem que presidir a muitos serviços do Estado, e estando pouco tempo naquelas cadeiras não se pode especializar, pois assim o Govêrno, quási que não chega a governar: quem governa é a burocracia, governa-se por assim dizer por uma forma automática.
Nesta ordem de ideas, a moção do Sr. Pedro Pita não representa mais do que um requerimento para ir ao Poder, traduz a avidez do Poder.
Para a Câmara ver a imparcialidade com que estou falando, citar-lhes hei por- exemplo o que, só passou no tempo da Monarquia com o Sr. João Franco, o qual para alcançar a popularidade que obteve andou de terra em feira, percorrendo assim todo o País, expondo os seus pontos de vista, processos êstes bem diferentes daqueles que hoje são empregados por alguns homens públicos, e que na verdade bem condenáveis são, pois na verdade não se compreende que homens públicos de uma certa envergadura usem
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processos diferentes daqueles que acabo de expor à Câmara.
Por aqui a Câmara está vendo a imparcialidade com que eu estou falando.
Foi essa na verdade, Sr. Presidente, a última tentativa monárquica, porém, devo dizê-lo em abono da verdade, os processos então usados eram muito preferíveis àqueles que boje estão sendo seguidos por alguns homens da República.
Não estou de acordo com as pessoas que, dizendo-se republicanas radicais, se digladiam com as que não têm a sua opinião e usam para as combater dos processos mais grosseiros e desleais, incomodando as que têm a desgraça de não pensarem pela sua cabeça e terem opiniões diferentes, que defendem.
Depois de ter demonstrado, duma maneira clara, insofismável, perfeitamente incontestável, o que foi a vida do Partido Republicano Português, chego à conclusão de que de facto êste partido nunca esteve exclusivamente no Poder, que de facto êste partido, desde a implantação da República, no Govêrno Provisório, até às crises que a República sofreu depois, como foi a do período sidonista, em que se chegou a abrir os braços a todos, abdicando dos seus pontos de vista mais caros e preparando completamente a fórmula que se entendeu necessária para conciliar na mesma obra republicana todas as pessoas, embora não tendo a mesma maneira de pensar, o Partido Republicano Português nunca exerceu em Portugal o monopólio do Poder.
Efectivamente o grande mal da vida política portuguesa tem sido a instabilidade dos Ministérios.
Êstes são os factos, e não há ninguém que os possa negar, contestar, o que seria contestar a própria verdade ou negar a própria realidade.
Entretanto o Sr. Pedro Pita escreveu no primeiro período da sua moção de ordem as palavras que ali se lêem, manifestamente com o intuito de dizer que nós éramos monopolistas do Poder.
Mas não quero deixar o estudo e análise desta primeira parte da moção do Sr. Pedro Pita sem querer admitir a própria hipótese de que o Partido Republicano Português de facto exerceu o monopólio do Poder.
Admito pois que, ao contrário do que os factos mostram, o Partido Republicano Português exerceu o monopólio do Poder.
Àparte do Sr. Manuel Fragoso.
O Orador: - Tem V. Exa. razão.
Se tivesse tido a paciência de me escutar e ouvir o desenvolvimento do meu raciocínio, veria que os meus argumentos são apresentados nesse sentido.
Se o Partido Republicano Português tivesse exercido de facto o monopólio do Poder, evidentemente haviam de ter passado na sociedade portuguesa um certo número de factos, determinados por êsse fenómeno, que conduziria à presença exagerada, extraordinária, de um dado agrupamento, perfeitamente definido, no Poder.
Evidentemente, todas as pessoas que se sentissem magoadas com essa situação procurariam arranjar um aglomerado de pessoas, de maneira que a própria circunstância dêsse fenómeno conduziria à criação de um grande organismo partidário.
Vamos ver se êle se organizou em Portugal.
O partido maior, a seguir ao Partido Republicano Português, é o Nacionalista.
Assim êle mesmo se proclama; assim o diz na moção, escrevendo partido com o grande, o imortal Sr. Pedro Pita.
Mas é curioso analisar os fundamentos dêsse partido.
Inicialmente, êle resultou da fusão do Partido Unionista e duma parte do Partido Evolucionista, visto que outra parte acompanhou o Dr. Júlio Martins, dessidente, e formou o Grupo Popular.
O Chefe do Partido Evolucionista era o Sr. Dr. António José de Almeida - e referindo aqui o nome de S. Exa., não quero deixar de lhe prestar homenagem.
Na forma como ainda hoje vive e luta com a doença mostra bem ser um republicano do tipo moral dos da propaganda (Apoiados), e emquanto outro dia uma pessoa nova, cheia de vida, se mostrava ávide ter mais um lugar, S. Exa. deu o extraordinário exemplo de não querer aceitar uma situação pessoal, aliás merecida pela sua cultura e pelos serviços que a República lhe deve.
Apoiados.
O chefe do Partido Unionista era o Sr. Brito Camacho, que temos o prazer de
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contar entre nós e que é uma figura moral de grande relevo político.
Apoiados.
Êsses partidos, formados sob a égide suprema de pessoas como os Srs. Brito Camacho e António José do Almeida, davam a segurança de uma dedicação absoluta pela República e pelo bem do País.
E é por isso que ou, com toda a sinceridade, digo à Câmara que lamento que êsses dois partidos, cada um de per si, não pudessem ter feito o que almejavam.
Mas, realmente, nem o Partido Evolucionista, nem o Partido Unionista eram grandes partidos, e a prova é que reconheceram que tinham de só fundir para formar uma fôrça maior.
Cada uma dessas modalidades políticas, do per si, não logrou a expansão necessária para serem os grandes partidos que desejavam ser.
Da fusão dêsses partidos pasceu o Partido Liberal, o qual, em vista de ser o resultado da soma de dois agrupamentos da República, se julgava com
condições para ser Govêrno.
Êste Partido não foz também, como seu objectivo máximo, uma propaganda e actividade grandes, indo junto do povo, de terra em terra, como nós fomos, e vamos constantemente.
É raro o mês, ainda hoje, que eu não tenho de ir falar a qualquer parte, a convite de gente do povo, que imagina que eu lhe posso ser útil.
É assim que os partidos devem fazer, para medrar, luctando e defendendo, procurando adeptos, mostrando que os não devora a anciedade de mandar, mas sim o desejo de convencer todos de que os seus processos são aqueles que devem ser adoptados.
Não fez isto o Partido Liberal.
Adoptou uma solução mais cómoda: desalojar o Partido Republicano Português.
E dão mostras de ter os mesmos defeitos que nos censuram. A vida prática tem demonstrado, em todas as demonstrações de actividades dessas pessoas, que em geral tem mais possibilidades de devorar do que aqueles a quem chamam devoristas.
O Sr. Manuel Fragoso (interrompendo). - E são os que mais tem devorado que precisamente acusam o Partido Democrático das "prendas" que possui, E alguns, tendo já "comido" adentro do Partido Democrático, procuram agora "comer" lá fora ... Risos.
O Orador: - Continuam a "mastigar" em seco, e julgam que os outros querem mastigar" também. Mas deixemos esta parte pitoresca - digamos - e vamos analisar os factos.
Fez o Partido Liberal esta campanha, e em certo momento fizeram-se movimentos, anunciaram-se revoluções, etc., porque tem sido, Sr. Presidente, um grande mal dêste País o haver panidos que não tendo condições para governar, isto é, não podendo governar em condições normais, procuram governar por meios anormais. E o Partido Republicano Português que, como dizem, tanto anseia o famigerado Poder, teve um gesto nobre, coerente com o seu passado do transigência. Fez a amnistia dos combatentes monárquicos para se poder fazer a união sagrada com o Partido Evolucionista. O Partido Republicano Português entregou o Poder ao Partido Liberal e com a dissolução parlamentar. Vieram os nossos representantes ao Conselho Parlamentar para fazer aquilo que o Sr. Cunha Leal há pouco ainda nos incitava a fazer. E eu direi daqui a pouco a S. Exa. as razões que, como português, como patriota e como republicano me obrigam a não reincidir nesse êrro, que ficou marcado na vida da República tragicamente, com os cadáveres das mais nobres figuras da República.
Fizeram-se umas eleições, presidida, pelo Partido Liberal, que deu logo ao País êste triste espectáculo: uma vez ao Poder reincidiu o intensificou as situações
anteriores. Os evolucionistas procuravam arrebanhar o maior número de adeptos, de Deputados para virem ao Parlamento. Os unionístas procediam de igual forma. E êles próprios agrediram-se todos mutuamente com mais violência do que nós, os seus adversários, o poderíamos ter feito.
O Govêrno do Sr. Barros Queiroz viveu nesta casa do Parlamento com o apoio do Partido Republicano Português, e com a guerra surda daqueles que do outro lado- da Câmara diziam ser os seus
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companheiros políticos e seus irmãos de armas.
Creio que estos exemplos são sugestivos para provar a V. Exas. que a permanência do Partido Republicano Português no Poder não tem sido resultado duma doentia ou excessiva ambição dêste partido.
Mas vamos agora analisar êsse lindíssimo avental de tricana que é o Partido Nacionalista, constituído por antigos evolucionistas, por antigos unionistas, por antigos sidonistas, por antigos centristas, ou seja, a parte republicana que se juntou, à volta do professor Egas Moniz.
Alguém me disse que o Partido Nacionalista era um saco de gatos, e de facto, infelizmente para a República, ainda há pouco o Sr. Cunha Leal acentuou, para vincar a atitude do seu partido, que êle estava arriscando-se a sacrificar a sua unidade partidária.
Emfim, nós vivemos num pequeno país em que nos conhecemos todos uns aos outros, o é tal o vício intriguista que, se uma senhora qualquer trair o marido em Vila Real de Santo António, nessa mesma tarde se sabe logo em Vila Real de Trás-os-Montes.
Todos nós conhecemos o que se passa no Partido Nacionalista.
Ora se o Partido Nacionalista é realmente êsse conjunto de divergências, é honesto imaginar que a entrega do Poder a êsse partido reproduz, intensificado, o fenómeno que sucedeu com o Partido Liberal.
Vemos, portanto, que a entrega do Poder ao Partido Nacionalista, em vez de o engrandecer, seria a causa da sua maior desagregação. E como nós somos mais nacionalistas do que todo o nacionalismo, e como queremos que a República tenha um grande partido daquele lado, pois não podemos viver apenas com uma fôrça política, é por êsse motivo que entendemos não dever dar o Poder ao Partido Nacionalista E preciso que êle se cimente melhor e que, quando fôr ao Poder, seja uma unidade orgânica.
Aqui está a resposta à acusação infundamentada do Sr. Pedro Pita, e creio responder simultaneamente ao Sr. Cunha Leal.
Cheguei ao termo da primeira parte do meu discurso, o qual se resumiu a provar, como provei, dentro do ponto de vista de acção, que o Partido Republicano Português nunca deteve por tanto tempo o Poder que se possa dizer, com verdade, que em qualquer altura exerceu o seu monopólio em Portugal.
Por outro lado quis demonstrar que, só admitíssemos a hipótese de êsse monopólio ter sido exercido, se verificava que não tinham surgido na vida social as reacções que êsse facto normalmente determina em toda a parte do mundo. Provei ainda, por uma outra ordem de ideas, que o Partido Republicano Português tinha feito nos seus pontos do vista mais definidos todas as concessões para permitir a união dos outros republicanos para uma acção republicana e para o próprio Partido Liberal ocupar o Poder e nôle fazer a experiência do que não basta dispor do Ministério do Interior para possuir uma maioria no Parlamento.
Por tudo isto se verifica, de uma maneira clara, som nenhuma espécie de efeito de retórica, sem nenhuma espécie de vício do lógica, com a clareza da verdade, que o imortal Sr. Pedro Pita, que redigiu êste período da sua moção, para não desmerecer das palmas académicas que ornam a sua casaca verde-garrafa, como a de Garrett, se pretendeu dizer que o Partido Republicano Português tinha procurado exercer o monopólio do Poder, iludiu a realidade.
Ultimada esta primeira série de considerações do meu discurso, e prosseguindo na análise da moção apresentada pelo leader do Partido Nacionalista, quero entrar agora na apreciação da segunda parte dessa moção.
Entro agora no aspecto mais actual da vida política portuguesa, no aspecto mais próximo dos tristíssimos acontecimentos que têm vindo a desenrolar-se sob os nossos olhos.
Porque não sou homem para faltar à verdade ou para iludir o meu pensamento, devo confessar que, efectivamente, nos últimos tempos, que há um ano a esta parte, não o Partido Republicano, mas a sua representação parlamentar na Câmara dos Deputados, porque já assim não sucede no Senado, tem assumido uma feição que se presta às críticas dos seus adversários republicanos e dos adversários das instituições.
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Eu sou daqueles que acreditam que um partido político, porque é constituído por homens, não pode ter a homogeneidade da rocha mais homogénea que possa imaginar-se; isto é, não pode ser constituído por certo número do pessoas completamente com as mesmas ideas, com as mesmas sensações, com as mesmas vontades.
Evidentemente, esta homogeneidade perfeita, êste acordo completo das vontades, dos esfôrços e das acções dos indivíduos, não é próprio da natureza humana. Não é possível obter que determinado partido político, mesmo nas ruças mais adiantadas e mais cultas, seja constituído por pessoas tam iguais, de espirito tam idêntico, que não tenham nenhuma espécie de agitação entre si.
Mesmo nos lares, pai e mãe, unidos pelos laços sociais, os mais fortes, os filhos sustentados pelo pai e pela mãe, dedicados até o sacrifício de sentimentalismo saudável, há desencontro de opiniões.
Sr. Presidente: escolhi exactamente êste grupo, por ser o mais simples, por ser aquele em que o amor social torna mais coesa essa expressão.
Nesta hora de ódios, sou daqueles que supõem, que um partido não é realmente a soma das gotas de água que dão a expressão morta de um lago morto, mas uma agremiação constituída por pessoas que, possuindo a décima milionésima parte do elementar sentimento, se juntaram para dar o sentimento todo do organismo.
Assim eu devo dizer, Sr. Presidente, que na verdade, e disso estou convencido, um partido é apenas um acordo do vontades.
Eu assim o entendo, pois a verdade é que o contrário disto não faz sentido nem mesmo, a meu ver, se podem chamar partidos, mas sim ùnicamente um agregado de homens sem aspirações nem vontades.
Esta é, Sr. Presidente, a minha maneira de ver sôbre o assunto, e creio estar doutra da lógica e da razão; não se compreende o contrário disto.
Torna-se absolutamente necessário que os partidos sejam assim constituídos, do forma a que se possam fazer leis úteis que aproveitem a todos, lutando todos pelo bom comum, e não digladiando-se uns contra os outros, o que na verdade não faz sentido.
E que nós encontramos em cada uma das fôrças do nosso organismo uma maneira tam perfeita e completa, que no momento em que eu estou falando trago vitalizado o meu coração e todos os músculos do meu corpo. E, de facto, na minha voz não é apenas a minha voz que existe; é toda a minha vida.
Dizia eu a V. Exa., Sr. Presidente, e não o digo à Câmara, porque desatenta está e porque, aliás, na sua grande maioria me não interessa, que realmente um partido político não pode ser um agregado de todas as pessoas pensando da mesma forma e pelo mesmo feitio. Portanto, é próprio de um organismo político a existência de modalidades no seu funcionamento, e por consequência não é pelo facto de se ter produzido um certo número de nuances dentro do Partido Republicano Português que a mim mo choca ou revolta.
O que de facto torna a expressão dessas correntes prejudiciais, não já para á vida do meu partido, mas para a República e não já para a vida da República, mas para a vida de Portugal, é que essas ideas são apenas a manifestação de rancores pessoais.
Isso é que é mau nesse partido social? isso é que é mau num país.
Aprendi na velha escola que as represálias são uma prática que nivela os que ás praticam com os que as sofrem.
Infelizmente esta modalidade doentia da vida política republicana não é só dos portugueses.
Não somos só nós que não sabemos combater-nos e discutir-nos, sem nos malquerermos.
De casa para casa de organismo para organismo, os homens em geral não sabem neste País ajudar-se, respeitando-se, o quando não concordam uns com os outros só sabem manifestar as suas discordância odiando-se como feras. E aqueles que nos dizem que nós estamos tendo um comportamento que não nos autoriza têm realmente razão.
Sr. Presidente: ou reconheço que o vício de funcionamento do Partido Republicano Português nesta hora é a reflexão de um vício geral de toda a sociedade portuguesa, que nós encontramos até mesmo nos nossos mais simpáticos adversários, que à última hora deram em agu-
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çar toda a sua retórica para armarem em conselheiros paternais e virem dar-nos umas pequenas bofetadinhas nas laces, dizendo-nos:
"Vocês não são maus se nos deixarem ir onde queremos".
Êles que têm convertido as questões mais simples em verdadeiras tempestades de ordem pessoal!
Até mesmo neles não há autoridade para nos virem censurar êsse defeito.
Mas não queiramos ouvir dizer que, homens conscientes que constituímos um partido, reconhecendo que essa explosão de malquerença é prejudicial ao regime que defendemos e ao País que servimos, temos obrigação de nos saber dominar e reduzir em nós essa parte interior que pretende dominar-nos.
Nessa ordem de ideas, sem de forma nenhuma querer aparecer aos meus correligionários como uma espécie do padre-mestre, que pretenda ensinar-lhes o caminho directo por onde devam seguir, eu no emtanto quero aproveitar o ensejo para fazer uma exposição sôbre a minha vida de republicano.
Fiz-me republicano voluntária e espontaneamente no tempo da Monarquia, com sacrifício de todas as minhas comodidades, arriscando tudo quanto podia arriscar, o meu destino, a minha vida, a minha saúde, tudo com fundamento republicano, espontânea e voluntariamente, por princípios de carácter doutrinário, porque à minha consciência e inteligência repugnava, como repugna ainda hoje, a hereditariedade do governo dos povos.
Porque à minha inteligência e consciência repugnavam e ainda hoje repugnam todas as maneiras de dirigir os povos que se baseiem na imposição duma classe ou homem a todas as pessoas que constituem um país.
Mas além dessas razões de carácter doutrinário, que me fizeram, por desenvolvimento intelectual e moral, ser espontânea e voluntariamente republicano, outras razões doutrinárias também determinaram a repugnância da minha sensibilidade, e entre outras a decomposição em corrilhos a que tinha chegado a política no tempo da Monarquia.
Não havia de facto partidos em Portugal, até que no século XVII um escritor estrangeiro que visitara o nosso Pais tivera ocasião de verificar que a vida política se decompunha uma série de facções, que se digladiavam numa série de lutas, sem nenhuma ordem de escrúpulos.
Deu-se a certa altura uma floração de cheios e partidos, que tinham como dirigentes políticos quási todos os regedores ou cheios do caciques dêste País. E então, como português que era, entendendo que essa forma dos partidos, se assim se lhes pode chamar, era prejudicial à vida do meu País, ao desenvolvimento das qualidades do povo português, eu fui também republicano contra os monárquicos por essa razão.
Por consequência, Sr. Presidente, quando eu verifico que a 15 anos da Êepública os hábitos monárquicos estão tam vivos que adentro do meu própiio partido se reproduzem os corrilhos pessoais, eu não posso deixar de estar contra todos êles. Não mo importa saber se êles são da direita ou da esquerdci; não me importa saber se aqueles que os compõem estão praticando aqueles métodos que ou defendi numa vida já longa de propaganda doutrinária.
Pouco me importa que uma velha camaradagem, que vem desde o tempo da Monarquia, me deva prender por um laço de solidariedade.
Não me importa nenhuma dessas ordens de razões.
Canhotos e bonzos, bonzos e canhotos são igualmente motivo de crítica e censura se existem agrupados.
Sacrificando o conjunto para satisfação de ressentimentos, praticam um atentado contra a República, são portanto contra a Nação.
E eu, que não posso louvar dentro da República uma cousa que condenei dentro da Monarquia, não posso deixar de ser contra essas duas espécies de falsificações do meu partido, que andam a realizar perturbações inqualificáveis.
Expresso, assim, uma maneira de ver clara e firme, sem ter o intuito de dar conselhos a ninguém.
Soldado dum partido, e que o não quer ver convertido numa federação dê corrilhos, que detesta, dum partido que tem
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um passado de sacrifícios, principalmente no tempo da Monarquia, eu nêle me quero conservar.
Qual era a interpretação do partido?
Eu porventura, a de que todos tivéssemos a mesma crença religiosa, que todos tivéssemos a mesma interpretação económica?
Todos os que fomos do Partido Republicano Português aos lembramos que tivemos ao nosso lado livres passadores como Heliodoro Salgado, católicos como Pais Pinto, republicanos quási da extrema direita como Jacinto Nunes, redutos quási a deixarem seduzir-se pelas razões de humanitarismo internacional, como António José de Almeida, e no emtanto homens de variadas crenças políticas, todos unidos à, sombra da mesma bandeira, sob uma mesma aspiração, que atinai se realizou por cansa disso mesmo.
Porque não há-de ser possível dentro da República verificar, ao fim do 15 anos, que nós não soubemos criar as fortes unidades que era mester ter criado. Regressemos a essa tradição e juntemos na mesma unidade, não as pessoas que têm um determinado número do apetites a satisfazer, um determinado número de rancores a exprimir, mas todos aqueles que, embora divergindo de processos, estão conformes em fazer desta República, não uma mascarada, mas aquilo que ela devia ser na realidade.
Pois não é esta aspiração de realizar a República, que se foz pelo esfôrço de tantos que divergem entre si neste momento, tam digna de ser efectivada como a aspiração de implantar a República?
E qual é a forma, a maneira de se realizar essa nobre aspiração de realizar a República?
A minha inteligência não açodo de maneira nenhuma a reminiscência que contraprove e demonstre a dificuldade de assim fazer.
Pelo contrário, tudo me diz, tudo me prova, tudo me demonstra que é inteiramente possível realizado.
Todavia demonstro que é inteiramente razoável e que é até necessário efectuar essa concentração, porque a República se encontra nesta hora numa das mais difíceis passagens, num dos mais difíceis transes e mais grave período.
Sr. Presidente: vou dizer a V. Exa. as razões, os factos e fenómenos em que baseio a afirmativa de que a República se encontra num dos seus mais graves períodos, difícil tivesse algumas dificuldades.
E agora o momento da estudar as duas crises da República, é o momento de me reunir à primeira dessas crises, ou seja a ditadura Pimenta de Castro, que se deu entre Janeiro e Maio de 1915.
Se V. Exas. se recordarem dos factos que se passaram nos últimos meses do ano de 1914, verificarão o seguinte:
Não tinha aumentado o número de monárquicos em Portugal, e lei era pelo menos o mesmo senão menor do que em 5 de Outubro de 1910.
Não se tinham verificado em Portugal acontecimentos que inutilizassem ou desprestigiassem os republicanos.
O Govêrno de 1913 acabava de cumprir umas das mais profundas e agitadas reivindicações republicanas do tempo da Monarquia: fizera o equilíbrio das contas públicas.
Emfim, cada vez mais se acentuava o republicanismo, mas o que tínhamos era os republicanos divididos em Jutas intestinas, exercendo represálias uns sôbre os outros, difamando-se; e então, quando os homens que tinham feito a República e a defendiam se enfraqueceram como colectividade para defender a República, a ditadura Pimenta de Castro fez-se com a maior simplicidade.
O enfraquecimento do sistema republicano em Portugal fez juntar as pessoas que andavam desavindas, e então a mesma razão que havia feito a República, ou seja a concentração dos esfôrços na realização do ideal, criou a mesma causa e fez-se com uma facilidade assombrosa, em que muitos arriscaram e perderam a vida, essa prova de que o espírito republicano não desaparecera em Portugal.
De 1916 a 1917 encontrámo-nos também numa posição idêntica, a de não aumentar, antes pelo contrário, o número de monárquicos.
Produziu-se, é certo, um facto que foi a preparação de Portugal para a Grande Guerra, e com isso se deu uma grande dispersão nas fôrças republicanas.
Mas nesta Câmara estão muitas testemunhas que se hão-de lembrar de que o
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ano de 1917 foi um bárbaro ano de ódios nos republicanos.
E então o mesmo fenómeno do dispersão das fôrças republicanas produziu exactamente a mesma cousa; a instalação de uma ditadura, a qual, pelos actos que praticou e perante a iminência do desaparecimento da República com a tentativa restauracionista da monarquia no norte, fez acordar, porque existia, latente, o velho espírito republicano de Portugal e tornar intangível a mesma República.
Pessoas que viveram a madrugada de Lisboa, em que o povo acordou vendo ondular junto de uma das antenas do forte de Monsanto a bandeira azul e branca, sentiram que alguma cousa de estranho se passava.
Ainda há dias um velho companheiro de lutas, um dos propagandistas mais distintos do ideal militarista, me dizia que Portugal inteiro sentira que alguma cousa de emoção, profunda, afectiva e viva se passava em toda a cidade de Lisboa e sentira que deviam ter sido assim aquelas horas de 1790, em que a palavra de Desmoulins foi por tal forma persuasiva e tamanha que pôde fazer marchar uma grande multidão, que marcou para sempre uma vida nova na sociedade francesa e em todas as sociedades da Europa.
Vivendo essas horas abençoadas, pudemos verificar que alguma cousa havia escapado aos dirigentes, que êstes não haviam compreendido nem sentido sequer, porque, se o tivessem compreendido, haviam de ter prestado a sua homenagem a essa magnífica fôrça viva que o risco iminente do desaparecimento da República pôs em vivos traços diante de todos nós os que assistimos ao desfile de 2:000 civis de todas as categorias sociais, pelas ruas de Lisboa, realizando assim aquela bela obra da carbonária portuguesa.
Os que assistiram comovidos e emocionados a êsse desfile de patriotas não poderão esquecer o que isso representou de idealismo, de energia e de emoção, que todos êsses fantásticos talentos que para aí andam a correr o País não souberam sentir.
Os homens que entraram lá em cima em Monsanto respeitaram tudo quanto ali encontraram.
Os homens que entraram nas prisões de Monsanto, onde se encontravam algumas criaturas conservando ainda frescas as vergastadas de cavalo marinho com que os polícias e a guarda republicana de Sidónio Pais torturavam os republicanos, não levantaram um dedo sequer sôbre os vencidos da causa oposta.
Na hora da vitoriei o povo republicano soube dar aos dirigentes a lição que já dera em 5 de Outubro.
A tradição do povo não é odienta; é de respeito pelos vencidos.
Tive ocasião de ver, Sr. Presidente, que o povo, após Monsanto, dava aos dirigentes da República a mesma lição que deu no dia glorioso do 5 do Outubro, quando descalço e faminto, de espingarda ao ombro, guardava os Bancos, que mais tardo haviam de servir para o explorar.
Sr. Presidente: a análise a que acabo do proceder mostra que o fenómeno que sempre deu origem às crises da República foi a dispersão dos republicanos. Nunca nem em 1914 o 1917, essa dispersão foi tam grande como agora.
E estou, portanto, dentro da boa lógica e dos bons processos de raciocinar afirmando que, se existe o mesmo fenómeno, nós vamos ter uma terceira crise bom mais grave do que as anteriores.
E, se assim é, qual é o dever de todos os republicanos?
Os republicanos que o são, e não aqueles que imaginam sê-lo, pois ser republicano não é quem quere, devem nesta hora parar nas contendas que os trazem divididos, pondo a República acima das suas míseras tempestades de alma.
Ainda no outro dia, Sr. Presidente, quando da última revolução, ali para os lados de Campolide, fizeram-se buscas em casas de pessoas populares do nosso partido, que não tinham para essa gente outro delito senão o de pertencerem ao nosso partido.
Quere dizer: ainda a revolução estava destinada a um fracasso e já os sicários começavam a saciar os seus ódios, procurando arrastar-nos para um período tam grave como os anteriores.
Repito, se efectivamente, como eu demonstrei, há indícios de que se vai dar uma terceira crise da República, mais grave do que as anteriores, o dever dos republicanos é porem a República acima
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de todas as suas dissidências e organizarem-se para impedirem que a crise se agrave.
O remédio para os casos anteriores, sabem-no todos, foi a concentração dos republicanos numa única unidade de acção.
Assim, sucedeu em Monsanto, na traulitânia e no 19 de Outubro.
Não tenho o hábito nem das divagações inúteis, nem das afirmações dogmáticas, e por isso, e porque sou um republicano, julgo-me na obrigação, do mesmo as minhas ideas mais ciaras e as minhas opiniões mais simples as explicar a toda a gente, para que todos possam apreciar e sabor as razoes que me determinam e os actos que me impelem.
Disse eu há pouco que era lógico ver num partido um grupo, mas que era muito mau levar essa diferenciação até ao ódio, e aconselhava os meus correligionários que de tacto só encontram nessa actividade a cessarem-na.
Fi-lo, não para assumir os ares do conselheiro, mas para poder demonstrar que os republicanos, perante essa terceira crise da República, mais grave do que as anteriores, não tem outra maneira de proceder senão reunirem-se. É essa a forma do salvar a República de mais um transe. Não me importa, por consequência, essas pitorescas variações sôbre bonzos e canhotos.
Os homens valem tam pouco, é tam transitória a nossa passagem na vida, que não vale a pena gastar umas horas sequer da nossa existência: com pessoalismos.
Homens que têm uma consciência, homens que têm uma fé, não se podem subjugar a essa afirmação do envolucro transitório que é o corpo, porque olham para aquilo que é permanente, aquilo que representa uma aspiração, aquilo que e o sentimento de bem servir a humanidade o de bem servir a Pátria.
Por consequência, quando eu falava como faiei, colocava-me num terreno perfeitamente claro e definido que correspondia à doutrina que eu apregoo e defendo.
Verifica V. Exa., Sr. Presidente, que se o Sr. Pedro Pita foi infeliz na forma oratória e na redacção da primeira parte da sua moção, não foi também mais feliz
na redacção da segunda parte da mesma moção.
Mas eu disse, no início das minhas considerações, que nas tradições do Parlamento Português êste documento não tinha paralelo mesmo com os documentos de mais encarnecida combatividade.
Uma das características da actividade parlamentar é exactamente á elegância da da forma parlamentar, de maneira que quando alguns membros do Parlamento têm do combater outros, todos se devem respeitar e não só enxovalhar nas suas crenças e nas suas- convicções.
Ora, se realmente a expressão social do Parlamento deve ser correcta, talentosa, respeitando-se todos uns aos outros, a moção do Sr. Pedro Pita, que contém a expressão de que um partido, e ainda outros, são incapazes de governar, é feita com uma tal crueza, com uma tal falta de respeito mútuo que a torna um dos mais lastimáveis documentos que têm vindo à apreciação parlamentar.
Dir-se-ía que essa moção não era um documento dum partido para definir as suas crenças; dir-se-ia que ela era uma arma de arremesso inventada por um espírito complicado para pôr à prova da sua incapacidade do sentir a irresponsabilidade dos outros.
E neste aspecto ocorre-me um certo número de considerações, que são muito oportunas o de ponderar, o que dizem respeito à maneira como se tem vindo dia a dia acentuando o abastardamento dos estados parlamentares, a transformação dos hábitos velhos de respeito mútuo nos costumes presentes de agressão e violência.
Sr. Presidente: é de facto um fenómeno geral, não nos iludamos. Quasi todas as pessoas que têm escrito acêrca da actividade parlamentar no mundo inteiro e sobretudo as pessoas que defenderam a idea de liberalismo o que assistiram directa ou indirectamente a um período daquela Actividade, cuja época mais brilhante se localiza aí por meados do século passado, quási todas essas pessoas lamentam e observam que se deturparam, que só inferiorizaram os hábitos parlamentares por toda a parte.
Efectivamente, como já há pouco tive ocasião de dizer quando me referi ao orçamento do Ministério da Instrução, on-
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contramo-nos em toda a parte perante a seguinte situação: um estado social democrático de facto e um estado direcção, que por ter sido formado num período de não vigência ainda da democracia, se não adaptou ao estado actual da sociedade. Duma maneira simples podemos dizer que existem dirigentes para um estado social que já não existe e então sucede que neste período de transição emquanto se não transformam os novos instrumentos de selecção social nós de facto encontramo-nos dentro duma crise, porque como V. Exa. sabe muito bem que a crise é exactamente entre dois factores anteriormente conjugados. Assim sociedades onde não existe acordo entre o corpo social e a direcção, acordo entre a acção dirigente e o meio social ambiente, são sociedades em crise.
Como êste fenómeno é geral, temos de concordar que a característica do nosso período é uma crise social que não é monopólio de Portugal, mas que existe em toda o mundo.
Traduz-se êle por uma agitação tremenda, de tal sorte que o estado dentro do ponto de vista ordem é um estado de guerra efectivo.
Ora, Sr. Presidente, se assim é, se de facto neste momento de transição, durante esta crise, nós nos não encontramos com os dirigentes, sucede que faltam valores para um certo número de funções para que não estão convenientemente preparados.
Assim acontece com o Parlamento em quási todas as partes do mundo, dando-se como fenómeno geral uma inferiorização de hábitos parlamentares.
No emtanto, como em nenhuma parte do mundo, a não ser nos países muito atrasados, os homens se deixam ser a presa inconsciente dos fenómenos e antes, pelo contrário, utilizam a sua inteligência para os dominarem; como o que caracteriza o homem é adaptar o meio, aproveitando as suas faculdades para melhorar as condições ambientes, não podemos deixar de contrariar nos seus eleitos êste fenómeno.
E, sobretudo, Sr. Presidente, há uma espécie de parlamentares que o não devem deixar de fazer.
São aqueles que ocupam o lugar de direcção suprema; são aqueles que são os
dirigentes dos partidos representados nesta Câmara.
Mas, Sr. Presidente, isso não se pode admitir a um Deputado, leader dum partido, e que de mais a mais é comendador de quási todas as ordens.
Quando êsses são os próprios a delinquir, então, Sr. Presidente, aqueles que são realmente parlamentares, devem protestar de todos os modos e evitar por todas as formas que a vida parlamentar seja um tecido de maus costumes, seja uma série de ataques injustos e de emboscados.
Por acaso quis o destino que o Partido Republicano Português tivesse constituído um Govêrno em que predominam os velhos republicanos, os que no tempo da Monarquia se sacrificaram pela República, por todas as formas e que em todas as crises da República têm dado o corpo ao sofrimento.
E como foi que os republicanos de todos os lados da Câmara receberam os seus antigos companheiros de armas? Receberam-nos, como se fossem ao Poder apostados em fazer o mal do País e comprometer os destinos da República! E eu que não tenho com os homens que ali se sentam nenhuma espécie de solidariedade, senão aquela que deriva do Govêrno sair das fileiras do meu partido, porque entendo que, tendo vindo voluntariamente para um partido, tenho obrigação de votar a favor dêste Govêrno, me sinto magoado.
Se não pudesse dar o meu voto a um Govêrno saído do meu partido, sairia do partido.
Já votei com um Govêrno, apesar de ter dele ressentimentos legítimos, dada a maneira como fui tratado pelos meus próprios correligionários, que me apresentam ao País como homem que tem sido diferente do que é na situação especial em que me encontro.
Nunca solicitei nenhum lugar e, contudo, os meus camaradas têm-me procurado apresentar ao País numa atitude moral diversa daquela que tenho praticado durante toda a minha vida.
No dia em que foi posta a questão de confiança, homens houve que cometeram a traição de não aprovar êsse voto de confiança a um Govêrno do sou partido.
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Entretanto, desde que vim para um partido em que mo sinto honrado, a minha obrigação ora votar a questão do confiança.
E assim que devera proceder os republicanos que são do facto republicanos. E assim que devem proceder os parlamentares que são de facto parlamentares.
Ver um homem tam carregado do distinções, tam altamente colocado, a desempenhar papéis desta natureza, que deprimem, ofendem, vexam e magoam quási todos os seus camaradas desta Câmara e atingem também os Parlamentares independentes, o Grupo da Acção Republicana; ver um homem que tem responsabilidades de orientação parlamentar, colaborar assim neste abastardamento de costumes e direitos parlamentares, rebaixa a sensibilidade e é alguma cousa que, mesmo nesta hora da madrugada, depois de uma noite de vigília, eu não posso referir sem me indignar profundamente e revoltar todas as minhas fibras.
Sr. Presidente: a análise demorada que tenho sido obrigado a fazer leva-mo nesta altura a uma ordem de considerações sôbre êste documento, que é um descrédito para o partido que o enviou.
Sr. Presidente: dizia eu há pouco, ao referir-me à terceira crise da República, que julgo prestes, que julgo esta hora mais grave e a crise mais funda do que nenhuma outra, e poderá ser uma crise desastrosa para a República.
Ela poderá até atingir Portugal e, a propósito disto, julgo-me na obrigação de tomar mais umas largas horas a Câmara.
Todas as pessoas que conhecem as consequências do Tratado de Versailles sabem como temos vivido de conferência em conferência, e apenas com algum bem devido à Sociedade da Liga das Nações, que foi instituída pela primeira vez em Portugal no tempo de D. João VI, que então se encontrava no Brasil.
Todos sabem, dizia eu, encerrando êste parêntesis de reivindicações portuguesas, que, depois da constituição da Liga das Nações, depois das sucessivas e constantes conferências internacionais acêrca do problema da paz, o que pode dizer-se, sem excesso nem audácia, é que elas não têm sido senão sucessivamente adiadas.
Um dos aspectos mais interessantes para Portugal do problema da paz veia a ser o de que a Alemanha, que foi um país colonial, e que por motivo do tratado a que já me referi foi privada de todas as suas colónias, não desistiu, não desiste, pode dizer-se, não desistirá do voltar a ser um grande país colonial.
Logo em 1918, fresca ainda a guerra, um dos mais formidáveis colossos da vida económica alemã, o Sr. Hugo Simões, fundava, era Hamburgo a Liga Pró-Colónias.
A obra do Hugo Stinnes ora secundada na política por um Partido Nacionalista, que tem tamanha fôrça na Alemanha que acaba de vencer, numa das mais vivas e renhidas eleições, a eleição para a Presidência da República.
Registemos, portanto, na nossa memória êste facto: a Alemanha precisa do ter colónias.
Acontece que, no mesmo tempo que êste desejo da Alemanha se afirma, em várias imprensas do vários países começa a desenvolver-se uma emenda campanha contra o domínio colonial português, ou melhor, contra a posso do Portugal do seu vasto domínio ultramarino.
Reeditara-se, a propósito, na imprensa internacional, principalmente na imprensa italiana, os velhos argumentos que contestara a Portugal o direito de continuar do posse do sou domínio colonial.
Diz-se que Portugal é um País pequeno, o que, não tendo população bastante densa para o seu território metropolitano, como há-de ele povoar os terrenos extensos dos seus domínios africanos?
Diz-se que Portugal é uma Nação inorgânica, agitada e incapaz, de organizar as suas actividades.
A mim, que conheço um pouco da história dos agentes perturbadores, e que sei como êles funcionaram e funcionam hoje por toda a parte, não repugna acreditar que agentes ocultos haja em Portugal.
Sr. Presidente: além dêstes dois argumentos, o da nossa incapacidade social e o da nossa incapacidade nacional, há o de que as necessidades da humanidade se acentuam em todos os pontos do mundo, e que, portanto, não há razão, nem direito, do ninguém se manter fora da situação da actividade económica mundial.
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E que, por consequência, em nome dos próprios interêsses da humanidade prejudicada, Portugal devia ser desapossado.
E êste tema tem se desenvolvido e cresce.
Sentimo-lo, aqueles que são verdadeiramente portugueses, o que vemos na atenta observação dos fenómenos que interessara o povo da nossa terra, que há uma atmosfera de ódio e hostilidade que nos envolve por todos os lados.
Temos, é certo, leais e velhos aliados, mas a guerra trouxe à publicidade as memórias de um antigo embaixador em Inglaterra, onde eram descritas minuciosamente as negociações de um tratado secreto.
Êsse embaixador havia presidido a um acordo que tinha por base, de facto, a partilha do território português.
Ai dos países que não aproveitem as suas energias e as suas qualidades, e que se não importem com o dia de amanhã, imaginando que, na hora própria, um amigo velho e carinhoso há-de fazer por êles os sacrifícios que êles, por si próprios, não souberam realizar!
Eu continuo a dizer, Sr. Presidente, que o maior inimigo dêste País tem sido o inimigo interno, os falsos dirigentes, todos êsses que dizem bater-se por princípios, e que afinal são os inconscientes e mais valiosos colaboradores da obra de perseguição a Portugal, que se faz agora, a bem dizer, em toda a parte do mundo.
Êste aspecto da crise externa portuguesa coincide com sintomas objectivos que há pouco descrevi, quando analisei a terceira crise da República.
Lembrei-me no decurso das minhas considerações do vaticínio que fiz numa conferência que realizei em Outubro de 1910, poucos dias depois de implantada a República, ao povo da minha terra. Desejo bem que êsse vaticínio se não cumpra. Disse eu: o franquismo foi a última tentativa monárquica. Oxalá que a República não seja a última tentativa patriótica.
E então perante êstes riscos externos que citei, que não são uma invenção minha, mas uma realidade verificável, então que esta cobiça em volta das nossas possessões não é uma laboração da minha fantasia excitada, porque testemunhos concretos existem do que afirmo, então nós, republicanos, os monárquicos ou quaisquer indivíduos doutra crença, mas que portugueses sejam, consomem-se apenas a agitar rancores e a semear ódios?! Não sabem, ante a iminência dêsse perigo, dominar os seus próprios ressentimentos, vencer os impulsos da parte mais inferior da sua organização?
Não voem que se estão tornando colaboradores dos inimigos da nossa terra? Tenho o direito de preguntar que portugueses são êsses, que espécie de hipnose maligna cega essa gente, que, sendo portuguesa, não sabe discernir para além dos seus apetites imediatos, antevendo o cataclismo que eu há pouco, com tanta simplicidade, expus à Câmara, e que só não vê em Portugal quem não queira?!
Sr. Presidente: normalizar, estabilizar, terminar com a agitação, eis os artigos em que pode resumir-se o problema da actividade, que quer conservar-se fiel às tradições da sua Pátria.
Sr. Presidente: para nós, a necessidade instante da transformação da política nacional parte não do abatimento de crenças, mas do apaziguamanto das paixões, procurando resolver as questões pela agitação e pela violência.
Mas, esta política, necessária, não já para segurança do regime, mas para segurança do património nacional, ao que corresponde nesta terra?
Corresponde ao intensificar de rancores, a um subir de malquerenças, a um crescer cada vez mais forte da agitação. E posso eu, como português e como republicano, assistir a esta comédia em que uns, proferindo grandes frases de patriotismo e republicanismo, actuam, no emtanto, como se não fossem portugueses? Sr. Presidente: não estou disposto a isso, e sem ter quaisquer ligações com o Govêrno, eu quero desfazer a emboscada. É possível que não o consiga, mas, no emtanto, hei-de conseguir marcar uma posição na minha terra, para marcar bem a minha discordância com semelhantes processos.
Sr. Presidente: está vendo V. Exa. e está vendo a Câmara como a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Pedro Pita teve o condão de excitar a minha susceptibilidade do homem, que, na verdade, vive quási isolado da política, no final do seu mandato parlamentar.
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Não é. Sr. Presidente, essa a melhor maneira de servir a República; não é essa a melhor ma mura do servir o País, antes pelo contrário.
Não se pode admitir que homens de uma certa envergadura adoptem semelhantes processos, que são na verdade absolutamente condenáveis a meu ver, muito principalmente na situação em que nos encontramos, que é na verdade bastante melindrosa.
Tem-se falado muito no Partido Republicano Português, isto é, de que êle tem exercido o monopólio do Poder.
Já tive ocasião de dizer, ainda não há muito, alguma cousa a êste respeito.
Mas o assunto é tam interessante, fornece neste momento ensinamentos tam completos, propriamente da psicologia política; é, sobretudo, tam rico de ensinamentos fiara todos os portugueses, que entendo do meu dever dizer a V, Exa. e à Câmara um pouco mais desenvolvidamento o que das minhas observações resultou.
Quem segue a vida da América do Norte o estuda bem a sua política, em que se coutam valiosos parlamentares, e observe profundamente os meios parlamentares e a própria vida dessa Nação, pode adquirir o conhecimento necessário para uma comparação com as tristes condições de actividade política em que nos encontramos.
Quando foi do Tratado de Paz, o malogrado Presidente Wilson, cujas generosas e ardentes ideas parecem infelizmente destinadas a ter o mesmo modesto eu entro que êle teve, usou das suas atribuições de Presidente da República,
Nos Estados Unidos da América do Norte o sou Presidente possui a faculdade de orientar a política do seu país.
O Presidente Wilson, tendo uma Europa do Norte para pacificar na Conferência da Paz criou um organismo o uma instituição destinada a assegurar para todo o sempre a pacificação da Europa e a pacificação das nações.
Depois de ter concitado a admiração de todo o mundo pelo seu talento de homem público, chegou a bater o recorri do número de fotografias tiradas nesse dia para o efeito de publicidade, fixando sôbre si as atenções do mundo inteiro, pela admirável tenacidade de pretender meter o mundo político da Europa nos limites da paz definitiva.
Grangeando as simpatias públicas fora do sou País, aquele homem não era já apenas o dominador de uma nação, mas era de lacto o árbitro dos destinos do mundo inteiro. Regressado à sua terra, pôsto em face da soberania pública, representada pelo Senado da sua terra, encontrou pela mente a vulgaridade tenacíssima de um Senador, seu companheiro, que interpretava o sentir e a aspiração da grande maioria dos cidadãos da progressiva América e que, apesar do saberem que a política internacional era a realizada pelo Presidente Wilson, não quiseram saber mesmo dos compromissos que havia assumido, porque entenderam que a Liga das Nações era uma ameaça para a soberania americana.
Recordo-me de ter falado em New-York com Mr. Glose, pessoa extraordinariamente culta, tam culta que basta dizer a V. Exas. que presidia ao departamento social dessa entidade única, que possui o maior trust dos Estados Unidos da América do Norte, tendo um movimento, na sua especialidade superior ao do Portugal inteiro, a United States Corporation. Recordo-me dêsse homem extraordinàriamente patriota, com o verdadeiro orgulho da sua terra natal. Lembra-mo que, falando comigo, um estrangeiro que visitava o seu gabinete pela primeira vez me preguntou com verdadeira afabilidade porque tinha eu ido à América. Ao responder-lhe que tinha ido à sua pátria como membro da delegação do Govêrno português à primeira Conferência Internacional do Trabalho. Mr. Glose esboçou um sorriso entre irónico e convulso. Falámos depois das eleições, dos trucs político do Wilson, do soa idealismo, das nações concorrentes da América que, aproveitando êsse idealismo pretendiam comprometer o futuro da América. E, tendo êle insistido no incómodo que lhe causava a presença do Wilson nas funções do Presidente da República, e quando eu lhe disse: "mas a América não tem dificuldades em substituir Wilson, porque tem um grande número de homens de saber e de acção adentro de grandes partidos, e, mesmo fora desces, encontra individualidades eminentes, cuja cultura e energia os tornam capazes de desempenhar essa alta
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magistratura"; falando eu desta forma, Mr. Glose, com o ar sacudido de todos os americanos, disse prontamente:
"E verdade! Não temos dúvidas já em relação à substituição e o Homem já está escolhido. Mas Wilson durante 6 ou 8 meses ainda é demais para a América!..."
Digo isto, Sr. Presidente, não para pôr em relevo as minhas relações com Mr. Glose, que aliás muito me honram, não para esmaltar um pormenor da minha ida à América, porque toda a gente se recorda que por ali passei, mas para que se veja o estado de apaixonamente em que estava a população americana por ocasião das eleições.
Era um problema tam apaixonante que assim fazia agitar todas as camadas da sociedade norte-americana.
Tive a felicidade de assistir à sessão do Senado, na qual se foz a primeira apreciação sôbre o Tratado da Paz e se defendeu a não participação dos Estados Unidos da America do Norte na Liga das Nações.
Foi numa sala muito mais modesta do que esta, e ali ou falar o homem que lá representava o mesmo papel que aqui é desempenhado pelo Sr. Ginestal Machado.
Ouvi também falar os amigos do Presidente Wilson, os homens que haviam feito toda a sua carreira política pelo auxílio e socorro daquele ilustre estadista.
E, Sr. Presidente, surpreendeu-me a cortesia mútua com que todos se tratavam naquele país do gente sacudida e brusca.
Nossa nação com 120 milhões de almas, cujo Parlamento poderia parecer, à primeira observação, mais agressivo o mais agitado do que o nosso, eu vi, e com isso fiquei perfeitamente surpreendido, que sucedia exactamente o contrário.
Apesar de se tratar de um problema que tanto apaixonava os americanos, como se pode ter depreendido da anedota que há pouco contei; apesar de tudo isso, as relações entre as pessoas que intervieram no debate foram absolutamente corteses.
O que se passa nosso Parlamento?
Dia a dia, nesta inferior actividade parlamentar em que se tem destacado o Sr. Pedro Pita, temos arcado om uma série de lances mais ou menos vergonhosos, em que a astúcia substitui a inteligência em tortuosas avançadas para desígnios ocultos!
Dia a dia essa série de emboscadas e de armadilhas converte a vida parlamentar, não em um debate levantado de doutrinas que se contradizem, não em uma oposição nobre e correcta de sentimentos, do vontades tendentes a procurar um caminho de aplicações úteis para a Pátria e para a República, mas num campo completamente antagónico à democracia, procurando-se fazer o golpe do preto, como já aqui foi dito.
Sr. Presidente: onde se manifestam com assombrosa nitidez êstes desígnios turtuosos é precisamente nesta aspiração de ocupar o Poder em vésperas de eleições.
Entendo que os Governos só podem governar eficazmente com autoridade e prestígio mudando-se o processo político.
Suponho que possa acontecer, como tantas vezes sucedo no mundo civilizado, que um partido da oposição ganhe as maiorias não estando no Poder. Assim sucede realmente nos países cultos.
Partidos estando na oposição ganham as eleições. Assim tem sucedido, por exemplo, na Inglaterra, mãe do parlamentarismo.
Parece que é próprio da época que um partido que ganha essa maioria, a ganha em condições de não poder supor-se de que ela não é realmente uma fôrça que opera por estratagema que é preciso para aumentar o seu prestígio.
Pois, Sr. Presidente, connosco parece que se dá exactamente o contrário.
Sr. presidente: depois de quinze anos de implantação da República, confesso com mágoa que me encontro vencido por todos os conceitos, hábitos o mais processos que se estão seguindo, e que eu tanto combati quando ainda não existia a República.
O Ministério do Interior não é o exercício do uma função respeitadora da liberdade de todos: é, pelo contrário, uma máquina misteriosa que dá a soberania a quem tiver um aparelho de falsificação.
Sr. Presidente: como isto é realmente uma cousa triste e de magoar
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Mas não mo desalenta! Não, porque eu não posso descrer da eficácia de um princípio que ainda não foi completamente apreciado.
Para nós, os que reconhecemos o alto papel que ainda nos pertence no mundo inteiro, para nós, os que estamos convencidos da que toda a história do Portugal se encontra vizinha dos nossos tempos, para nós os que vemos palpitar as energias lusíadas dêste País. aqui e em toda a parte do mundo, para nós que temos alem disso a nossa passagem pelo mundo, para nós que fomos um País que em não soube seguir na vanguarda de todos os povos do mundo, para nós é muito triste que, pela incapacidade dos homens o pela ferocidade dos homens, se não possa fazer aquilo que podia e devia fazer-se em Portugal,
Não dou novidade nenhuma afirmando que a renovação é um fenómeno característico de toda a matéria viva e representa-se pelas novas gerações que a cada momento são chamadas à actividade dos povos.
A renovação é por consequência um fenómeno no do mundo vivo.
Falar, portanto, neste aspecto da renovação portuguesa podia parecer que era falar duma banalidade, que ora talar dum fenómeno corrente sem importância.
Dentro do ponto de vista social, esta palavra renovação tem um significado que justifica plenamente o que ou voa dizer, sem falar do um fenómeno corrente e frequente, a dele a que há pouco me referi, e que pode ter também, com verdade, uma característica no mundo vivo.
Certas sociedades - o é o caso da sociedade portuguesa - a certa altura da sua evolução cansam, ou porque tenham realizado um esfôrço excessivo que haja criado um estado de fadiga, que está averiguado pode assumir um caracter colectivo, ou por uma inesperada, brusca e violenta sangria de eliminação dos elementos de selecção superiores, ou ainda pela adopção de um método pedagógico contrário - e também êsse facto se deu em Portugal, pois que durante três séculos fomos educados por um jesuíta espanhol.
E, nesta ordem de ideias, vou-me referir ao último século da vida portuguesa, pois, para o estudo que venho fazendo, não preciso de me socorrer agora duma
pequena análise das nossas lutas políticas no século passado, aliás muito interessantes e muito elucidativas, pois mentiam, que estamos quási no mesmo estado do que nessa época.
Descanso V. Exa. e a Câmara, que não preciso por emquanto de recorrer à análise dêsse período.
Mas duma maneira geral, numa espécie de relancear de olhos sôbre o último século da vida portuguesa, nós podemos notar como fenómeno geral que tivemos as iniciativas a tempo, mas a mesma geração ou as outras não as souberam continuar.
É um caso elucidativo o da indústria, metalúrgica no tempo do Marquês de Pombal.
Foi exactamente no final do século XVIII que só iniciou em toda a parte a metalurgia moderna.
Pois o Marquês de Pombal viu perfeitamente que esta indústria ia ser a base de todo o progresso económico dos povos.
E então, sendo Portugal numa parte do seu território riquíssimo em minério de ferro, o Marquês de Pombal mandou instalar altos fornos para a sua transformação e preparação.
Ainda não tinha iniciado Bismark uma mesma política na Alemanha.
O Marquês de Pombal, fez esta instalação em Angola, o que havia de ser um dos triunfos da sua política.
B se vier até à vista dos altos fornos existentes na povoação que em homenagem ao Marquês de Pombal se chama Oeiras, verifica-se que se fez aí a extracção do minério do ferro o a sua exportação para Portugal, bem como dos seus derivados ali obtidos.
Isto tudo foi realizado durante o Govêrno do em dos mais notáveis governadores do Angola: Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho.
Em países menos favorecidos pela natureza, tam vasta é a possibilidade da instalação desta indústria, a extraordinária influência que ela havia de ter no desenvolvimento económico dos povos, esta indústria tomava um desenvolvimento colossal nesses países, emquanto em Portugal, merco da incapacidade dos dirigentes que se seguiram ao Marquês de Pombal, essa indústria, tam necessária à vida dos-
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povos, em vez de progredir e desenvolver-se, desaparecia por completo.
Sr. Presidente: isto prova simplesmente e por consequência que se pode dar uma como que cristalização da actividade social nos mesmos moldes a que eu chamo tecnicamente o conformismo, de tal sorte que uma mesma sociedade se vai de geração para geração reproduzindo com os mesmos hábitos, atitudes, qualidades e defeitos.
A três séculos depois de havermos efectuado o formidável esfôrço das descobertas, aqui na Metrópole nós encontramo-nos perante essa espécie de cristalização social, variando um pouco, com o mesmo vício da tradição, o mesmo espírito de maldição, na mesma esterilidade doutros tempos.
Podemos considerá-lo, portanto, como um método de formação moral.
E do tal sorte, que os primeiros cristãos consideravam a maneira de trabalhar uma maneira do adorar as suas divindades.
De lustro para lustro, Portugal, apesar de ser senhor de vastos domínios e de poderosas riquezas, continua a vegetar e não tirar da sua energia viva e das suas magnificas riquezas naturais aquele desenvolvimento e aquele progresso que podia e devia tirar, de maneira que pode definir-se a sua existência num estado de conformismo, tam teimoso, tam persistente, que fez com que a sociedade portuguesa permanecesse na mesma fisionomia geral durante séculos e séculos, iludindo a lei fundamental das sociedades humanas, ou seja a lei da transformação incessante.
Foi assim que chegámos à época actual, foi assim que chegámos a êste estado de estagnação a que me referi.
Existe no emtanto a possibilidade de uma renovação. Basta surgir uma hora de vitalidade e um conjunto de altos dirigentes susceptíveis de revelar o valor que já está criado, e que não se tem tornado realidade devido à hipnose que tem atacado os homens, não os deixando ver as realidades.
Sabem V. Exas. que existe à entrada da China uma pequena feitoria portuguesa, que tem mais de 400 anos e que destruída uma vez, destruída segunda vez e que reproduzindo-se pela terceira no ponto em que se encontra, Macau dura há todos êstes séculos.
Portugueses, com as qualidades e defeitos dos portugueses, êles se têm conservado, não porque nós tenhamos uma poderosa marinha de guerra com que possamos constantemente zelar, acautelar e defender a continuidade lusíada dessa longínqua parcela de Portugal, que portuguesa se tem mantido, suas não pela fôrça.
De maneira que, estando de facto essa colónia muito afastada, ela ainda se encontra portuguesa porque a afinidade lusíada que os primeiros colonizadores ali depositaram é tam poderosa que tem resistido a todas as agressões.
Sabe V. Exa., Sr. Presidente, que existe egualmente na Ásia um cantinho da índia, chamada a índia Portuguesa, onde por egual um conjunto de indivíduos se conserva português, sem que para isso Portugal possa dispor de um grande exército de terra ou de uma grande armada, que não tem. É que também aí medra e se desenvolve uma actividade lusíada.
E êste caso é interessante porque, possuindo a Inglaterra um forte exército e uma poderosíssima armada e ocupando ela a maior extensão da índia, a Inglaterra não consegue no emtanto inglezar a índia.
Neste paralelo está bem patente essa fôrça indomável a que eu chamo a actividade lusíada, que, mesmo a despeito de todos os defeitos, fortifica e se desenvolve.
Assim sucede no outro lado do Atlântico. Existe no outro lado do Atlântico uma grande e extraordinária Nação: quero referir-me aos Estados Unidos da América do Sul.
Na evolução da colonização do continente americano, aquela parte que coube a Portugal apresenta-se com características singulares. Todo o território dos Estados Unidos da América do Norte não chega a ter a extensão que é ocupada pelos Estados Unidos do Brasil.
Sr. Presidente: sabe V. Exa. e sabe a Câmara que os Estados Unidos da América foram colonizados no norte da Nova Inglaterra pelos ingleses. Foi essa extraordinária colonização dos puritanos, que estabelecendo-se no estado de Massa-chusetts, deram origem a êsses núcleos
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de colonização inglesa da América do Norte.
New-York, essa extraordinária cidade do que tanto se orgulha a Norte América, foi fundada pelos holandeses; na sua parte mais antiga ainda hoje existe um arco, onde está indicado a denominação que antigamente possuía, que era não New--York, mas New-Amsterdam.
Talvez seja interessante a esta hora da manhã o conhecimento duma anedota, a propósito de Portugal. Existe em New-York uma sinagoga judaica, onde a língua usada nos ritos religiosos é o português do século XVIII.
Tinha sido transmitido êsse costume de geração a geração até à altura em que eu estive em New-York há pouco mais de cinco anos.
O pastor da sinagoga tem um apelido português; chamava-se Da época em que eu lá estive o reverendo Mendes Pereira, nome dos mis portugueses que se pode imaginar.
É um fenómeno, é um acontecimento que, parecendo à primeira vista anedótico e deslocado, confirma o que eu digo sôbre a persistência o a vitalidade da acção portuguesa.
Para citarmos todos os povos que contribuíram para a civilização do continente Norte Americano, temos de falar nos franceses, que se estabeleceram na Luissiânia.
Vemos que a nação Norte Americana, cuja superfície, deduzido o território de Alaske, que é pràticamente inabitável, é mais pequena que a do Brasil, é resultado da acção conjugada de ingleses, franceses, holandeses e espanhóis, de tal modo que ainda hoje, nos Estados do Sul só fala espanhol. Permanecem assim como línguas regionais os idiomas dos povos que essencialmente colaboraram na civilização daqueles territórios.
Relativamente aos Estados Unidos do Brasil, pareço-me interessante lembrar o tratado do Tordesilhas, que, como V. Exa. sabe, é o tratado pelo qual o Papa mandou traçar uma linha dividindo o mundo em duas partes, uma destinada à actividade portuguesa e a outra destinada à actividade espanhola. Dele falou na sua obra monumental o Sr. Carlos Malheiro Dias, a quem aqui quero prestar homenagem da minha grande admiração.
O Marquês de Pombal, com a sua alta previsão, teve a noção de que o continente americano era o que se devia desenvolver mais ràpidamente, como efectivamente sucedeu.
Concentrou êle para o Brasil toda a emigração portuguesa, que então se dispersava quàsi exclusivamente na nossa África, e fê-lo de tal modo que ainda hoje vão para o Brasil compatriotas nossos aos milhares.
Como corria nesse tempo a fama de várias minas do prata na África, no território do Lombige, para elas se fazia uma grande drenagem do braços.
O Marquês de Pombal para o evitar chegou a publicar um decreto determinando o esquecimento completo das minas do Lombige.
Sr. Presidente; o Brasil é outra gerando afinidade lusíada, cada vez mais viva, cada vez mais forte, cada vez mais valiosa.
Houve até, por felicidade, no nosso tempo; uma experiência que pode chamar se experiência da renovação portuguesa. Quero referir-me à viagem aérea transatlântica de Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
Efectuou-se essa viagem, fez se em condições perfeita mento demonstrativas de que, se existir em Portugal uma política conveniente, realmente o Brasil pode vir a ter uma ligação muito mais íntima em Portugal do que podem imaginar muitas pessoas.
Sabe V. Exa. que, na altura em que Gago Coutinho e Sacadura Cabral ultimavam os seus preparativos para a viagem Lisboa Rio de Janeiro, se levantou por intrigas das mesmas potências que nos disputam o nosso domínio colonial, e que são uma séria ameaça para a nossa soberania no Brasil, uma tempestade nacionalista contra Portugal.
Tudo parecia indicar que nosso momento o Brasil se agitava Duma actividade do repulsa de portuguesismo, numa actividade do condenação dos portugueses.
Fez-se a travessia do Atlântico, fez-se com êxito êbbe cometimento que recorda os tempos da epopeia portuguesa.
Fez-se assim o raid ao Rio de Janeiro por Sacadura Cabral, a cuja memória não posso deixar de prestar a minha home-
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nagem, e almirante Gago Coutinho; foi de facto um acontecimento tam grande que todo o mundo ficou assombrado, porque cumpriram o regulamento que tinham marcado.
Sr. Presidente: o Brasil a seguir a êsse glorioso acontecimento mostrou um espectáculo verdadeiramente curioso para com os portugueses.
No dia seguinte à chegada deles ao Brasil tinha desaparecido por completo a campanha nativista que se estava fazendo naquela Pátria, que desde tam cedo nós ensinámos a ser um país autónomo.
Igualmente no interior de África, em Angula e Moçambique os portugueses apesar de tudo realizaram, uma obra que não tem de maneira nenhuma comparação com a de outros povos.
Recordo-me de ter sido criada uma máxima da língua inglesa da actividade africana por Mr. Johnston, que era coronel, em Tete, em que se verifica que êle entendia que se devia aos portugueses a introdução no continente africano dum certo números de plantas alimentares em virtude das quais deixou de haver as fomes periódicas.
E então recordo-me de seu escrito de um autor inglês, quando a Inglaterra se levantava em celebrações por aquele grande explorador que foi Levingstone.
Por todas as partes do mundo onde os portugueses têm passado, por todas elas se encontram vivas e susceptíveis de actualização e desenvolvimento algumas actividades.
O que é ã actividade colonizadora de angola, país enormíssimo que Portugal, sem grande exército e som uma grande marinha, domina ainda, di-lo o indígena que, ao falar-se do branco, logo elo julga que se fala dos portugueses, ao passo que, falando-se de outros povos, lhe dá o nome do seu país.
Não quero prender-me sob ôste aspecto da questão, a ver o que tem sido a actividade das nossas colónias e a maneira como têm procedido aqui os Deputados pelas colónias.
E esta, porventura, uma das questões mais interessantes e que, se um dia me dispuser a isso, eu tratarei nesta Câmara.
Por agora estou na fase da minha demonstração de que existe o fenómeno renovação em relação à vida social, e que êle é autêntico em relação a Portugal.
Provei já que na América, na Ásia, na Oceânia, há afinidades portuguesas que se desenvolvem, sem dependência de uma forte armada, que não temos, nem de um grande exército que não possuímos e que existem essas afinidades lusíadas.
Que falta então para delas fazer uma grande, uma enormíssima unidade social, que fôsse a única unidade do mundo, em termos de justiça social, que não por imposição da fôrça, quer económica, quer guerreira?
O que falta, se tudo existe? Faltam os dirigentes (Apoiados), e, uma vez achada a fórmula política, então nesse dia estava tudo resolvido e far-se-iam conferências respeitantes a todas as actividades.
Sr. Presidente: tenho provado que é possível fazer-se a remodelação social que os russos pensaram fazer, mas que não conseguiram por o quererem fazer à fôrça, quando isso só se consegue pela evolução.
Não é indiferente, é mesmo muito natural que a verdadeira organização reside na cultura do povo.
No dia em que encararmos êsse problema como deve ser, e adaptarmos o nosso sistema escolar ao desenvolvimento das nossas qualidades próprias e à transformação das nossas tendências naturais, nessa dia, ter-se há iniciado a instrução efectiva da unidade social.
Trocam-se apartes entre o orador e vários Srs. Deputados.
O Orador: - Sr. Presidente: não ignora V. Exa. nem a Câmara quanto os Lusíadas, essa maravilhosa obra de Camões, contribuiu para o nosso desenvolvimento, há quatro séculos. Também V. Exas. não desconhecem essa obra extraordinária da colonização do Brasil, obra que, apesar de todas as contingências, ainda hoje continua a ser a mais extraordinária semelhança dos Lusíadas.
Mas essa geração que nós aguardamos como poderá surgir?
Se V. Exa. se recordar do que a tal respeito dizem as nossas crónicas, verificará que no período de agitação da regência do infante D. Pedro todas as lutas se passaram à volta da rivalidade entre o infante, que correra as sete partidas, e a rainha viúva de D. Duarte, que pretendia
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exercer a regência, como rainha, durante a menoridade de seu filho. Se V. Exa. se lembrar dessa série de episódios políticos que vieram a ter o seu epílogo trágico no célebre encontro de Alfarrobeira, se V. Exa. se lembrar do período de perturbação que correspondeu à regência durante a menoridade de D. Afonso V, verificará que êsse período tem todas as características de um período de dissolução social.
Por outro lado, eu tomo como período de desenvolvimento social aquele em que se formaram as chamadas magistraturas populares, surgindo a Casa dos 24 e desenvolvendo-se bastante as actividades municipais.
Ora acontece que é precisamente no reinado de D, Afonso V que começa a decadência das magistraturas populares portuguesas. Para mim êsse facto, a que D. João II, que bem merece o cognome de Príncipe Perfeito e que eu considero, apesar de todas as opiniões em contrário, o melhor Rói de Portugal, pôs um entravo, com o seu prodigioso talento, realizando a concentração do poder real, substituindo a magistratura popular, que falhava, pelo magistratura central,
O Poder centralizado, não sendo de acordo com a mentalidade portuguesa, não sendo de acordo com a psicologia portuguesa, apenas desaparecido o formidável talento de D. João II, deixa de ter eficácia precisamente no reinado de D. Manuel, O Venturoso, porque só ao destino e não às qualidades, nem ao próprio nascimento, deve o lugar que ocupou, embora D. Manuel continue a desenvolver o esfôrço admirável dos portugueses que desde tempos recuados se vinha desenvolvendo num plano perfeitamente definido, a ponto que encontramos desde Afonso IV a reivindicação de certo número de cousas portuguesas fora de Portugal, como seja a reivindicação das Canárias.
Mas, como ia dizendo, a observação que me podiam fazer é que é opinião corrente que a decadência portuguesa começou em D. Afonso V.
Desde Afonso V até hoje mais essa decadência se acentuou dentro dos pontos de vista intelectual, moral, scientífico e religioso, emfim, dentro de todas as manifestações de actividade.
As manifestações de actividade, tam repetidas e conservadas através de tam extenso período de tempo, as manifestações de renovação portuguesa, são perfeitamente uma utopia que não tem valor scientifico.
Esta observação, que a mim próprio formulo ao meditar neste problema, não tem valor nenhum, como demonstrarei.
Em todas as gerações portuguesas, desde a chamada era de decadência até hoje, houve um núcleo de povo tam poderoso que afirmou a sua vitalidade pela extensão no mundo.
Se V. Exa. e a Câmara se quiserem dar ao incómodo de estudar o assunto, verão o que se tem passado nos diversos países a que acabo de me referir,
Se V. Exas. se quiserem dar ao incómodo, repito, de estudar o assunto, terão ocasião de verificar que os povos dêstes países, muito principalmente o inglês, o alemão e o francês, estão muito mais adestrados e preparados, muitos mais aptos, debaixo de todos os pontos de vista, do que os outros dos vários países do mundo.
Esta é que é uma verdade, o assim ou devo dizer que Portugal tem do encarar o assunto também debaixo dêsse ponto de vista.
Procedendo assim, isso será, a meu ver, de uma grande conveniência para o desenvolvimento não se da nossa indústria, como dó nosso comércio.
A vitalidade dêste povo está bem atestada, a nossa raça não esmorece; lá falei na palavra raça que não gosto de empregar. Somos um povo que se tem sujeitado a provas duríssimas e bem se verifica isso na nova Inglaterra, onde os nossos pescadores levantaram habitações e tiraram o máximo proveito da terra, mostrando que com energia e perseverança se pode fazer uma cultura de terra safara.
Os portugueses acostumaram-se ao trabalho e com tal afinco ô acerto fizeram a cultura da terra, que até então nada produzia e com tanta intensidade que lá chegavam a dizer, numa simples sementeira de batata, que para as batatas crescerem era preciso falar lhes português.
Esta anedota define tudo.
Precisamente nesse momento a raça realizava o facto mais formidável da sua expansão; o povo efectuava o acto mais
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forte que podia testemunhar esta riqueza de exuberância a que mo venho referindo. E era precisamente durante o período em que era estabelecido o período dos países moribundos, em que nos metiam e aos turcos na mesma sentença que havia de nos condenar! Pois, exactamente, nessa ocasião realizávamos além Atlântico a nossa ressurreição.
Se mais exemplos precisasse da extraordinária riqueza de vitalidade que o povo de Portugal tem afirmado em cada geração, não me faltariam, nem me faltarão, porque é riquíssimo o manancial de que dispõem todos aqueles que são portugueses por alma e coração e não pelo simples facto de terem nascido em Portugal.
A esta obra de vitalidade já o Dr. Lacerda se referia no seu livro sôbre a viagem da costa à contra-costa africana.
S. Exa. quando fez o seu relatório para convencer a minha de que essa viagem era necessária para os interêsses portugueses, invocava como argumento o simples facto de que, havendo-se estabelecido recentemente uma feitoria inglesa no Cabo, dadas as condições de assimilação e desenvolvimento dessa raça, era de tomar a sua acção para o efeito colonizador da nossa raça. Infelizmente a previsão do Dr. Lacerda realizou-se e os nossos dirigentes não souberam evitar a tempo as suas consequências.
Essa viagem do Dr. Lacerda através do continente nego, além desta particularidade política de ter produzido um acto de previsão que, se tivesse sido aproveitado, teria poupado muitos prejuízos a Portugal, teve ainda a vantagem de deixar semeado em Áírica um certo número de benefícios da actividades portuguesas. A propósito do poder de afeiçoação da raça quero referir um episódio interessantíssimo que no decurso de uma das minhas viagens em Angola me contou António de Almeida, que foi governador de Machico.
A certa altura do nosso território, no alto Zambeze, tinha residência um régulo poderosíssimo cujos domínios se estendiam para além da fronteira portuguesa, na zona já ocupada pelos ingleses.
Os ingleses, como V. Exa. sabe, não deixam de ser ingleses em nenhuma parte do mundo - e lá está a aventura da África do Sul a mostrá-lo como nenhuma outra. Um facto que comigo se deu por ocasião de um aniversário do 5 de Outubro em pleno oceano. Ao jantar na sala de primeira classe em que viajava, mandei servir champanhe a todos os que à mesa se encontravam, para lhes dizer que, sendo o dia da festa, de Portugal, me sentiria pouco à vontade se não tivesse contentes a meu lado todos os companheiros que naquele momento eram meus irmãos. O navio era alemão, o estávamos apenas a um ano do termo da guerra; no entanto a gentileza serviu e ainda nessa noite os nossos companheiros de viagem nos ofereceram uma festa que ficou gravada no nosso coração. Nós temos o mau sestro de não actuarmos em ordem ao que poilemos e de constantemente nos esquecermos das altas responsabilidades que temos em toda a parte do mundo, porque onde está um português está um passado já glorioso e um futuro mais glorioso ainda. Mas, Sr. Presidente, voltemos ao episódio do Alto Zambeze, que é perfeitamente característico do poder do afeiçoação dos portugueses.
Fazia parte dela um preto que foi ordenança dum oficial português. O seu contacto com o oficial criara-lhe tamanha afeição por Portugal que, como se fora o melhor dos portugueses, hora a hora vigiava pela integridade da soberania portuguesa em África.
Um belo dia...
Interrupções.
O Orador: - Isto não vai a matar.
Ainda tenho de falar mais sete horas.
Portugal tem na África, na América, e até na Ásia uma reprodução autenticamente viva da sua expansão através do mundo.
A teoria da renovação portuguesa é uma teoria-scientífica, perfeitamente integrada na vida social e popular, que ela explica e interpreta, e tem ainda esta enorme função pedagógica: é que no dizem que fôr assimilada por toda a gente, após ter sido divulgada por todo o País, esta teoria será, em vez de nibilista, como por exemplo a da revolução social, uma transformação de outro carácter.
Esta teoria exige apenas que cada português resolva dentro de si mesmo o problema do seu aperfeiçoamento moral, fi-
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sico e intelectual, e êsse aperfeiçoamento é o resultante do sistema escolar, no sentido do aproveitamento das tendências dos vários indivíduos.
E por consequência, uma teoria a que posso dar o nome de tonificadora, e que poderá do momento a momento, de hora a hora, ir contribuir pura a solução do aspecto de maior de fícieticia que a sociedade portuguesa apresenta.
Sr. Presidente: o que encontro nesta moção do Sr. Pedro Pita?
Encontro na primeira parto uma incorrecção gramatical e uma afirmação inexacta.
Encontro na segunda parte três afirmações vexatórias, deprimentes e insultuosas para a Câmara em geral e para cada um dos seus agrupados em especial, com a agravar-se de serem vagas, habilidosas e duma complexidade oriental que chega a espantar que fossem produzidas em pleno Parlamento Portagens.
Sr. Presidente: efectivamente eu tenho verificado na minha larga propaganda pro cultura neste país que a cousa que mais assusta quási todos os candidatos à salvarão nacional é o problema educativo. E dando-me a pensar no assunto, eu cheguei, de mim para mim, a uma conclusa o que agora torno pública, sem, no entanto, ao fazê-la, pretender ser desprimoroso para nenhum dos mona colegas desta casa do Parlamento.
Dizem que o diabo foge da cruz. Dizem que n sombra é exactamente o contrário da luz, e, emfim se eu quisesse alongar-me, poderia citar a V. Exa. uma série infindável de cousas opostas que em toda a parte de findo físico, do mundo animai, vegetal e social existem.
Eu compreendo que a maior parte dos nossos dirigentes receie que se resolva o problema da educação, porque, como eu já disse, na sua maioria são muito dirigentes. Essas pessoas sentem, por instinto, que se instinto em Portugal o sistema escolar conveniente nem os parentes nem os amigos poderão continuar a gozar dos benefícios, e por isso, por instinto, fogem da educação como o diabo da cruz.
Garanto a V. Exa. a Sr. Presidente, que esta interpretação que acabo de relatar à Câmara corresponde a uma convicção minha, porquanto se os dirigentes portuguesas fossem realmente autênticos valores superiores o que êles sejam imediatamente é que todo o problema português é um problema de preparação.
No momento presente Portugal encontra-se com uma crise enorme na industria que resulta de arcaicos processos de trabalho. Daí provém uma deminuição na circulação das mercadorias portuguesas para o estrangeiro, chagando até a repercutir-se lá tora. Haja em vista o negócio das praias portuguesas, onde êste ano se verifica uma verdadeira fuga dos seus habituais frequentadores estrangeiros.
Por esta minha exposição a Câmara verá que a moção do Sr. Pedro Pita é uma afirmação concreta da incapacidade de direcção do partido que pretende governar o País.
O preço da vida está de tal forma em Portugal que as pessoas que, em vez do se dirigirem para o nosso País, forma por exemplo, para França, conseguem fazer uma vida mais barata.
Se uma pessoa que costuma ir para Vidago fôr para França, faz economias que lhe permitem pagar a viagem. Vejam, pois, V. Exas. onde nos leva êste fenómeno da incapacidade da nossa produção.
A que devemos êste fenómeno? Existe hoje em economia política uma doutrina chamada dos ciclos económicos, que afirma que a actividade económica dum país se desenvolvo segando uma sério de períodos alternantes. Chama-se ciclo económico ao conjunto de fenómenos que abarcam o ramo ascendente da cura, ou seja a florescência, e o ramo descendente, ou seja a depressão.
As investigações e a história mostram que é característica da actividade económica a periodicidade classes ciclos. Países há, dos mais novos e progressivos, que tiveram durante o século actual nada menos do catorze ciclos, quero dizer, quatro períodos de excitação e quatro do depressão.
O estado aturado dêste fenómeno mostra, como já disse a V. Exas., que êle é periódico, e revela mais uma certa lei no seu desenvolvimento.
Verifica-se, por exemplo, que o êxito duma determinada actividade provocava a concorrência duma maneira tal, que uma
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fábrica que criara recursos económicos fàcilmente realizáveis momentaneamente, encontrava pessoas dispostas a manter outras fábricas do mesmo género numa proporção tamanha que a própria indústria do banco criou a sua própria ruína. E um pouco o que está sucedendo em Portugal.
Dada esta forma de desenvolvimento económico, que os americanos pràticamente cognominavam de florescência económica, êste período de florescência podia ser diagnosticado já depois de se ter produzido, mas muito antes de atingir o seu máximo desenvolvimento.
Verificava-se por um certo número de elementos de informação que a florescência dum ciclo económico produzira a deflação dos meios concretos, aumentara e multiplicara o período de actividade.
Assim se fez a compilação dum certo número de instrumentos, que a Conferência Internacional de Estudos Económicos realizada em Berne designou por "barómetros económicos".
Ora esta divagação não é uma mera divagação. Esta doutrina está dentro da tese que sustento, e, mais ano menos ano, localiza-se em toda a parte do mundo e entre nós principalmente em 1918-1919 e 1925.
Tomemos para exemplo a indústria bancária. Que fizeram os nossos financeiros? Multiplicaram a indústria bancária e precisamente no ano em que só definia nítida e claramente a florescência do ciclo económico, criaram o inflamente do crédito, e por si próprios, por ignorância, originaram um desenvolvimento exagerado dessa indústria, criando-lhe uma situação que a havia de prejudicar.
Por outro lado, estamos nesta altura no período em que começa a sentir-se, não é fantasia minha, uma cota de desemprego que se manifesta sobretudo não só nas indústrias de construção e conservas, por exemplo, mas que já se vai estendendo a outras indústrias, e já vamos ver a razão porquê.
Nesta altura em que a repressão se devia sentir, em que as facilidades nos meios de crédito deveriam ser diminuídas, os nossos dirigentes financeiros mostraram-se incapazes durante êsse período e igualmente se estão a manifestar incapazes no actual momento.
Outra indústria, a metalúrgica, em Portugal, desenvolveu-se durante a guerra e ainda em 1918-1919.
Essa indústria continuava a ser sustentada por financeiros.
V. Exa. a lembram se dum certo número do estabelecimentos metalúrgicos, como por exemplo a Empresa Industriai Portuguesa em Santo Amaro, que, sendo um meio do especulação financeira, tudo isso foi feito pela alta finança, e a finança se fôsse convenientemente dirigida teria restringido o desenvolvimento da indústria metalúrgica em Portugal. Mas, em vez de fazerem isso, fizeram o contrario, e aumentaram o mal.
Vejam V. Exas. as indústrias das conservas, cerâmica, moagem, serração de madeiras e muitas outras, a incapacidade da direcção financeira mostrou-se da mesma forma e tornou impossível a marcha do desenvolvimento nessas indústrias.
Todas estas razões me levam a afirmar que, de facto, a única crise que existe em Portugal, o único problema que temos a resolver instante, úrgico, necessàriamente é o problema da educação, ou seja o da criação dum certo número de meios scientíficos adaptados à cultura, ao desenvolvimento e ao aperfeiçoamento das tendências, e das qualidades do povo português.
Esta tristíssima crise em que nos debatemos, que é manifesta, completa e perfeita, êste mísero documento que tem vindo a ser a causa desta minha longa análise durante o debate que tem havido dentro desta casa do Parlamento, esta incomodíssima crise de direcção é que precisa ser instante e úrgicamente resolvida, sob pena de a vida de Portugal, não diga já a vida da República, como sucedeu no passado, começar a ser esta sucessão de actos revoltantes que fazem descrer em todas as razões de existência política e orgânica do País.
Bem contra minha vontade tenho estado a falar durante tanto tempo, com risco da minha saúde e com risco da minha própria vida, mas tenho o feito porque julgo ser isso a imposição de um dever, pois não podia ser testemunha passiva e silenciosa do um processo parlamentar que no fundo é desleal e revoltante.
Não tenho estado aqui a fazer obstrucionismo, e, se os Srs. taquígrafos fizerem a colecção dos meus pontos de vista.
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se verificará que não tenho dito palavras que fossem imiteis ao meu País.
Digo-o será fui sã, modéstia, mas sem vaidade.
Nesta altura da sessão, em que os raios do sol criador o indiferente a todas as nossas pequenas desavenças rompem no horizonte a sua sintonia de cor, muitos dos meus colegas, entre surpresos o aborrecidos, estarão talvez imaginando que eu tenho estado aqui a realizar a tarefa inglória de querer salvar um Govêrno moribundo.
Nilo, pouco mo importa o destino imediato do Govêrno. Importa-me, sim, a inferioridade, porque a todos nós nos rebaixa os expedientes de que nos temos socoí rido nesta noite.
Falo com e tem dolorido e magoado do português que sente o esquecimento a que se está votando aquilo que é vital para os interêsses do País, aquilo que é essencialíssimo para os interêsses da Nação.
Falo revoltado o comovido, por ver que num momento em que o inimigo externo mais uma vez traina contra nós as suas periódicas .arremetidas, e í az da nossa agitação um argumento, nós outros, na nossa cegueira o na nossa inconsciência estejamos ainda a fomentar maior agitação cá dentro.
Falo magoado e comovido, porque neste momento, em que o nosso povo não pode obter outra espécie de educação senão aquela que lhe deram, nós estamos mostrando-lhe que o êxito o motivo suficiente para justificar todos os processos, mostrando-lhe que a emboscada é legítima, mostrando-lhe que a citada é um processo de utilizar quando desejamos servir-nos dela para satisfação da nossa vaidade.
Magoa-me e comove-me sobretudo verificar que esto País, que possui todas as condições para ser um grande povo, pela riqueza do seu solo, pela fertilidade dos seus campos e riqueza de energias, que tem até um grande número do pontos de apoio directivos, unicamente pela cegueira dos seus homens não consegue realizar essa obra criadora, como era mester.
E agora, nesta altura, eu tenho de focar um outro fenómeno de carácter social, que justifica esta incapacidade dos dirigentes, e que começou a manifestar-se no nosso País há perto de três séculos.
Seguindo o velho provérbio de que um bom livro é um bom amigo, eu reli ainda não há muito tempo um livro, onde se diz que um dos maiores defeitos dos povos orientar, uma das suas qualidades que mais inutiliza êsses povos e que mais dificulta o seu progresso, é a inveja.
Infelizmente para nós, Portugal tem uma larga ascendência oriental.
Poderia fazer sôbre êste assunto uma larga digressão etnológica.
O Dr. Teófilo Braga e toda essa ascendência que V. Exa., conhecendo-a melhor do que eu porque é mais culto o mais instruído, sabe para quantas horas me daria matéria para o meu discurso.
Mas eu não estou a fazer obstrucionismo.
Ao contrário do que todos supõem, eu estou a expor certos princípios o a impedir certas táticas.
Faz justamente neste momento 2 horas que estou acordado e continuamente a trabalhar, mas apesar de fatigado por esta extraordinária vigília e pelo esfôrço que durante ela tenho desenvolvido, e embora contra os meus hábitos, continuarei esta conversa até as 2 horas da tarde.
Sr. Presidente: falemos da afirmação acerca do grande mal que existe nas sociedades orientais, e que vem a ser o da inveja, que atinge uma extensão tamanha que é uma instituição social.
Há o velho provérbio português que diz que se a inveja fôsse tinha, moita gente era tinhosa.
Eu devo dizer que em matéria de inveja fiz uma auto-educação, que foi muito valiosa, muito proveitosa.
Sou realmente uma pessoa que não inveja ninguém; não me aborreço por ver que outras pessoas têm o que ou não tenho porque me habituei a considerar como um dos fundamentos da felicidade o contentarmo-nos com o que temos.
Assim vivo satisfeito dentro das condições de vida de que disponho, enchendo de alegria, com a minha mulher o os meus três filhos, as três pequeninas casas em que vivemos, apesar de correr que habito um luxuoso palácio.
Habituei-me de moço a promover em mim o desenvolvimento de certas aptidões e a combater aqueles sentimentos que eu entendo que não eram de cultivar.
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Sou por consequência uma pessoa em condições de bem observar o aparecimento dêsses sentimentos, da sua percussão e a sua acção, sentimentos que eu comecei por observar, que estudei para os combater e que acabei por eliminar de mim.
Sr. Presidente: neste momento o sentimento mais comum em Portugal, infelizmente mais usado, o sentimento mais pró forma aparecendo em toda a parte sob os aspectos mais variados, o sentimento dominante na vida portuguesa, é realmente o da inveja, e, porque a inveja se torna um acto social e uma regra de conduta, sucede que, quando alguém possa ter qualidades físicas e intelectuais um pouco mais valiosas do que qualquer outro, vem a inveja, resultando disso uma cousa que se chama intriga, maledicência e malquerença, e portanto o invejoso não pode ver ninguém mover-se diante de si.
Sr. Presidente: se V. Exa. quiser acompanhar na altura em que me encontro no meu raciocínio, verificará com a máxima facilidade e máximo rigor lógico que efectivamente o que predomina entre nós é a inveja.
Realmente as pessoas aptas e capazes, quando se vêem envolvidas nestas intrigas, quando assistem ao que só está vendo, à actividade política transformada numa fermentação de defeitos dos mais repugnantes, realmente os homens válidos que assim se vêem envolvidos numa atmosfera desta ordem, só têm um caminho a seguir: o de emigrar, para se ver, como eu vi, vários operários, quási descalços, orgulharem-se de ter no sou país pessoas tam ricas como Rockefeller.
Por aqui se explica a razão por que a raça definha. E porque em cada emigração emigra a parte útil. E por aqui verifica, V. Exa., Sr. Presidente, que apesar de eu me encontrar ainda longe do termo das minhas considerações, eu não tenho produzido uma obra inútil para o País, porque tenho estado a constatar um certo número de sintomas, por um processo que não é meu, e que me vieram à imaginação por estarem ligados na minha preparação anterior, ao encarar o tristíssimo espectáculo mental que me dá êste papel.
Esta pequenina digressão mostra bem que um exame atento da sociedade portuguesa nos permite, com facilidade, chegar ao sentimento principal que num diagnóstico bem deduzido pode ser apreciada como a causa digressiva.
Mas se realmente eu estive aqui a desenvolver uma série de raciocínios, se realmente eu posso ter por válida a conclusão a que cheguei, vamos a ver como ela nos pode servir para procurar o caminho da cura, para encontrar o remédio, para verificar se, dentro de Portugal, com a gente portuguesa, dentro de um círculo vicioso que consiste em não se educarem os portugueses, é possível operar uma reacção salvadora e achar as soluções adequadas às energias do povo português.
O próprio raciocínio que eu há pouco fiz, para demonstrar a existência, em cada geração de Portugal, desde os últimos três séculos, do magníficas qualidade para o desenvolvimento progressivo e eficaz do nosso povo, vai também agora servir-me para dizer que na verdade é possível romper o círculo vicioso a que me referi e fazer uma obra de transformação da sociedade portuguesa, uma obra susceptível de nos levar à realização daquele futuro que há pouco pretendi mais ou menos definir, quando expus a teoria da renovação portuguesa.
E se existe uma minoria criadora e activa, eu posso contar com ela para a instalação em Portugal de um certo número de meios transformadores.
Quais são êsses meios transformadores?
Só se pode romper o círculo vicioso transformando o nosso sistema escolar.
Efectivamente a educação do nosso tempo, e mesmo a instrução nos usos e intuitos, é muito diferente daquela que se está dando em Portugal nos nossos dias.
Educar é preparar o indivíduo para o desenvolvimento completo das suas faculdades físicas, intelectuais, morais e sociais, e sobretudo para continuar a educar-se depois da idade escolar.
A essência da educação é a energia viva, procurando oportunidade para o exercício.
Por consequência, a educação é alguma cousa de muito diferente do que se imagina ainda hoje na nossa torra, e principalmente do que se imaginava há 10, 15 ou 20 anos.
Nessa data imaginava-se que instruir
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era transmitir um certo número do conhecimentos, educar era trenar as pessoas num certo número de práticas, em geral aquelas ora uso outro os adultos.
Deva-se preferência aos internos. Eram êles que absorviam quási toda a actividade escolar o dava-se um pequeno desenvolvimento aos primeiros, reservando-o especialmente para o convívio familiar.
O ensino teve nesse momento um carácter imediato e estruturalmente utilitário.
Ia-se à escola para aprender a ler, escrever e contar, e o que só tinha em vista era, motor, o mais ràpidamente possível, na cabeça dos alunos os símbolos numéricos, linguisticos o verbais.
Mus pouco a pouco a vida transformou-se o a actividade social complicou-se de tal forma que a educação já se não podia fazer por meio do convívio directo entre o culto e o não culto.
Então houve mester transformar a escola num meio artificial que realizasse as seguintes condições: ser simples, mas duma simplicidade adequada à actividade do aluno, evitando-lhe os conflitos de estímulos para que êle não estivesse devidamente desenvolvido, e ao mesmo tempo ser publicada, isto é, liberta dum certo número de influências que na actividade escolar prejudicam o desenvolvimento moral e físico dos alunos.
Quero dizer, o professor assim deixa de ser um transmissor de vários conhecimentos para se tornar um suscitador do actividades.
Actividade sustentada consciente e scientificamente do forma a aproveitar o seu desenvolvimento no ponto em que ficou provado, qual era o grau melhor para o aluno,
Assim o sistema escolar deve actuar em diferentes meios, de modo que seja influenciado o aluno no seu desenvolvimento físico e intelectual.
Hoje a escola não pode limitar-se como noutro tempo a um campo, uma casa, uma secretária e um homem a dizer cousas para transmitir aos alunos.
Agora é preciso um meio social e um vasto campo do habilitação. Veja V. Exa. que profunda transformação se operou na escola; mas ainda não é nada para o que é preciso.
Em Lisboa, na própria capital do distrito onde forem centenas do edifícios escolares, um por um, só encontrei dois bons e um em razoáveis condições; o resto são instalações feitas em casas de habitação, sem a cabagem precisa.
Nós não ternos cidadãos com a precisa educação devido à deficiência de escolas.
Suponhamos que temos gente capaz, ruas não temos instalações, mas não temos edifícios e locais próprios.
Continuamos com a velha escola, onde um professor fala, som nenhum dos outros instrumentos essenciais a uma verdadeira instrução o educação, tanto mais que o desenvolvimento da psicologia scientífica nos demonstra que um certo número do actividades profissionais tem simultaneamente um carácter educativo, dentro do ponto de vista físico, e um carácter intelectual.
Daí vem a afirmação de alguns pedagogos modernos, que nos dizem que "antigamente se aprendia para fazer e hoje se faz para aprender". Se assim é, se esta denciência enorme existe, se está lançada a uma penúria cada voz mais acentuada das finanças nacionais - como se salva a dificuldade? como se transforma o nosso meio escolar no sentido de o adoptar às necessidades da população escolar portuguesa ?
A interrogação vai crescendo de embaraço à medida que vamos enumerando as deficiências em que reparamos. Eu tive ensejo de nesta casa do Parlamento apresentar uma sólida e suponho que razoável solução do problema, trazendo-a aqui com a formação jurídica adequada. Evidentemente que não me passou pela idea que, com a simples publicação de uma lei ou de um decreto, só poderia não só transformar a mentalidade o métodos de ensino do professorado, como fornecer-lhe todos os meios de acção educativa de que actualmente carece.
Precisam os primeiros de uma preparação complementar adequada; exigem os segundos um certo número de despesas essenciais na aquisição do material na construção de edifícios e obtenção de locais. Como consegui-lo então; de uma maneira lenta, gradual e experimental?
O País instalaria no primeiro ano apenas uma escola, mas a que instalasse seria com todas as condições de material e num local perfeitamente adequado às
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necessidades dos alunos, dentro das regras scientíficas nitidamente determinadas para o efeito, aqui como em toda a parto do mundo. Seleccionaria o pessoal destinado a essa primeira escola modelo e, se ela no decurso da selecção mostrasse não ter a preparação conveniente e adequada, ministrar-lhe se a preparação complementar necessária, fornecendo-lhe os conhecimentos precisos para o professor se tornar, realmente, o profissional da nova modalidade do ensino e educação que se tenha em vista. Instalada essa primeira escola nas condições que acabo de referir e, para o caso do ensino primário, nunca deveria ser, sob o ponto de vista do população, uma unidade inferior a 300 alunos, exactamente para dar lugar às diversas modalidades de actividades sociais, que são factor da própria população escolar e que não podem suprir-se sem a sua existência numa certa proporção; instalada essa primeira escola, a que eu chamaria escola modelo, seleccionaria um certo número de professores, do forma a poder duplicar o quadro dessa escola; forneceria, ao próprio exercício da escola modelo assim criada, a preparação complementar indispensável e adequada, e, no entretanto, construiria noutro local, aconselhado pelas condições de recenseamento escolar, outra escola modelo com todas as necessárias condições, preparando também no entretanto o respectivo pessoal. No ano seguinte fazia a mesma operação para as duas primeiras escolas, reproduzindo-as assim por quatro ao segundo ano.
Calculo que assim, num período de 10 anos, poderíamos transformar totalmente o grau de ensino onde as dificuldades são maiores, ou seja o grau primário, porque é onde encontramos maiores deficiências de material, de locais e até de pessoal, ao qual falta a preparação scientífica necessária para realizar a educação e o ensino nas condições em que hoje têm de ser realizados.
A exposição que acabo de fazer em relação à transformação gradual, lenta e experimental do ensino primário geral aplicar-se-ia a qualquer outro grau de ensino, como sejam o ensino infantil, o curso geral dos liceus ou o ensino geral técnico.
Nesta ordem de ideas, verifica V. Exa.,
Sr. Presidente, como verifica toda a Câmara, que é relativamente fácil, prática e simples a solução da grande dificuldade que se me deparava.
Sr. Presidente: reatemos nesta altura, porque é o momento adequado, o aspecto que há pouco foquei acerca da inveja. Realmente, se, como tive ocasião de largamente demonstrar, a escola passar a ser um meio social simples, purificado e seleccionado, eu subtraio todas as influências que desenvolvem e que alimentam a florescência da inveja, e, pelo contrário, coloco em substituição um certo número de actividades que desenvolvem a solidariedade, o auxílio matuo, etc.
A escola primária porém, teria de ser organizada em termos de semi-internato obrigatório.
Desta forma eu creio que será do todo o ponto fácil a criação dessas escolas modelos, tanto mais quanto é certo, repito, que possuímos não só os professores necessários para isso, como também todos os elementos que são precisos.
Ora se assim se pode fazer, se na verdade possuímos todos êsses elementos, não sei na verdade porque se não hão-de criar essas escolas modelos entre nós, que, na verdade, tam necessárias se tornam.
Isto é tanto mais verdade, quanto é cerco que uma grande parte dos pais mandam os seus filhos para as escolas, para se verem livre deles durante o dia.
A criação, repito, dessas escolas modelos entre nós é de uma grande vantagem e de uma reconhecida necessidade, não vendo eu razão para que a sua criação se ao faça, tanto mais quanto é certo que possuímos, como já disse à Câmara, todos os elementos necessários para o fazer, tais como professores, escolas, etc.
Não se tem feito porque êste Parlamento não tem querido. Todos os lados da Câmara tem gasto a quási totalidade dos largos três anos que tem durado esta sessão legislativa nisto que se está passando nesta noite: da habilidade, no golpe, na chicana, dando o Parlamento, que é constituído, infelizmente só por definição, pelas pessoas mais categorizadas do País, êste triste espectáculo de dissolvência de costumes e , de hábitos que está dando nesta noite, em que muito à pressa se foram dispondo as cousas para aproveitar a
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circunstância de não estar presente A ou B, a fim de se conseguir uma votação que satisfizesse os interêsses é os apetites de um grupo de Deputados e não a expressão real da Câmara!
Eu, que sou um homem que me prezo de ser republicano, há muito tempo que ando nesta casa do Parlamento numa atitude desalentada; há muito tempo que muitos correligionários meus logram exercer a sua actividade por termos que me desgostam, não como homem, nem como político, mas como português. Efectivamente, esta assemblea, que devia ser, como disso há poucos um instrumento de pacificação, torna-se por vezes tam contraditória com a sua própria essência, que estas carteiras chegam a transformar-se em tribunas de agitação revolucionária.
E veja V. Exa. como é que eu me encontro aqui no Parlamento: na situação em que se encontram os pobres homens que passam a vida nos teatros, mas nos bastidores, conhecendo, por isso, todos os mecanismos e todos os cordelinhos!
Como é que ou posso iludir me e acreditar na capacidade criadora dêstes homens para fazerem urna obra de transformação da vida portuguesa?
Não; não posso de maneira nenhuma acreditar nestas armas de retórica, nas largas gesticulações; não posso acreditar que essa moção do Sr. Pedro Pita tivesse o intuito de bem servir a República, não posso acreditar pelas várias razões que tive ocasião de expor ao longo de tam longas horas.
Não temos nós, que queremos continuar a ser republicanos, na verdade, de impedir que prossiga esta bambochata?
É preciso arriscar a vida ou a saúde?
Arrisca-se, porque queremos exprimir o "querer viver" num país que há largos séculos tem mostrado querer fazê-lo, só não o realizando por falta de dirigentes que reconheçam as suas tendências ou capacidades.
Os que tiveram a bondade de mo escutar verificaram decerto que não tenho nenhum propósito pessoal imediato, nem sequer o de fornecer ao Govêrno meios devida, que eu sei não poderem ser fornecidos pelo processo que estou empregando.
Não sou nenhuma pessoa extraordinariamente inteligente, mas tenho, pelo menos, o bom senso necessário para verificar que, se o Govêrno para viver necessitasse do esfôrço extraordinário que tenho vindo a realizar, era um Govêrno virtualmente morto, porque detrás do recurso que ou havia usado todo o País verificava a sua deficiência parlamentar.
O bom senso aconselhava-nos, portanto, a não usar êste estratagema, ùnicamente para permitir ao Govêrno uma mais eficaz mobilização dos seus adeptos.
Não, Sr. Presidente, fi-lo, estou a fazê-lo e tenciono continuá-lo, até à hora que a mim próprio impus, porque entendo que é a forma mais republicana de cumprir o meu dever, e uma maneira de romper o sequestro que certa imprensa estabeleceu a esta Câmara. Amanhã, os jornais, quer queiram quer não, hão-de dizer que falei tantas horas, até de madrugada, procurando, porventura, indispor-me com o País.
Porém, Sr. Presidente, ou que me habituei a estar em contacto com o País, êle que conhece os meus hábitos e a minha lealdade, há-de, certamente, dizer que se fiz semelhante esfôrço foi porque o Parlamento pretendeu realizar alguma cousa que revolta a minha consciência de indefectível republicano, o meu coração de português.
Verificam, portanto, V. Exa., Sr. Presidente, e o Puís que da minha parte não há qualquer interêsse mesquinho ao assumir esta atitude.
Vim, moço ainda, para a actividade parlamentar, sem que o tivesse solicitado, só aceitando êste lugar depois de muito instado.
Eu, que vim, por consequência, cheio de boa fé e do esperança, para esta actividade, não sou um scéptico, e continuo a ter a combatividade de que V. Exas. tiveram hoje prova.
No emtanto, não tenho nenhuma confiança, não nas instituições, mas sim na gente que aqui continuará a vir, porque, das Constituintes para cá, os Parlamentos têm sido cada vez piores.
Sou insuspeito porque não fui parlamentar nas Constituintes, e tenho-o sido nos outros Parlamentos seguintes.
Entrei na actividade política, não para conquistar situações que não desejo, ou para satisfação de quaisquer interêsses pessoais, mas porque estava convencido
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de que, boa ou má, a minha palavra e a minha inteligência, aliadas às das outras pessoas, bem intencionadas como eu, podiam produzir alguma cousa de útil para o País e para o regime que defendo.
Fazendo, porém, o balanço dos meus dez anos de actividade parlamentar, noto que nem sequer fiz uma cousa de que todos me acusam: não redigi a minha teso de curso; ao passo que, no período anterior a êstes dez anos, fiz a minha carreira, sem auxílio de ninguém.
Há pessoas que não conseguiram concluir um curso de escola elementar, o que mo criticam asperamente por eu ainda não ter feito a minha tese do curso de medicina, como se ela valesse o largo trabalho de cinco anos.
E, no emtanto, é das cousas que mais me têm divertido neste País, observar a indignação de várias pessoas, por verem que foi Ministro da República um homem que, apesar de ter um curso superior completo, ainda não defendeu tese.
Há também uma outra cousa que me faz reconhecer que êstes dez anos de actividade política foram de pura perda para mim, e não produziram resultado apreciável, nem para o País, nem para a República, e, por isso, o meu dever é não voltar mais ao Parlamento.
Não, Sr. Presidente!
Ficamos assim entendidos.
Há Deputados que o deixam de ser por inadaptação moral ou jntelectual, mas há muitos, aos cardumes, que querem ser Deputados para fazer aquilo que eu nunca fiz: transformar o campo da actividade parlamentar num degrau para treparem e obterem apenas a satisfação das suas comodidades pessoais.
Eu saio, Sr. Presidente, da actividade parlamentar sem nenhum desejo de cá voltar; mas o destino dispôs as cousas de maneira que eu saio em termos tais que, directamente, êste exercício, a que tenho consagrado a maior parte da minha vida, não mo serviu de utilidade directa, não me levou a procurar a satisfação de quaisquer interêsses inconfessáveis.
Sou um homem de trabalho, e espero, por isso, que, dentro de poucos meses, de alguns anos talvez aqueles que mais me invejam as situações, que me multiplicam os cargos e rendimentos, tenham ocasião de ver bem que o homem que desde há muito trabalha sem desfalecer, o homem que fala neste instante a V. Exas., sempre contou só comsigo, e que pode, adentro de Portugal ou fora dele/ mostrar que é capaz de por si só se bastar e aos seus.
Que os meus são ainda, felizmente, pequeninos e, emquanto não forem pervertidos pela corrupção do meio em que vivemos, constituem uma pequena sociedade, que me tonifica nas horas em que me assaltam os desalentos que daqui levo.
O contacto no meu lar com os meus filhos e minha mulher faz-me com efeito esquecer admiravelmente tudo o que se passa fora da minha casa.
E amanheço quási tam alegre como o sol, contente e feliz e disposto novamente a trabalhar.
Tenho a impressão que, adentro da minha pequena e modesta casa, toda pintadinha e alegre, que a inveja de alguns diz ser um palacete, vivo mais feliz que todos êsses homens que tanto se digladiam, que mutuamente se devoram, invejando situações uns aos outros e pretendendo aniquilar-se constantemente.
Sr. Presidente: não queria, pela muita consideração que tenho por V. Exa., ser o causador do incómodo que V. Exa. tem estado a sentir, bem como todos aqueles que por dever de profissão aqui estão, os Srs. jornalistas, não faço excepção a nenhum, apesar de alguns deles, por várias vezes, terem sido injustos para mim.
Dirá V. Exa., dirá a Câmara, dirão todos os espectadores desta scena que sou obrigado a representar: e o que terá aquele homem que dizer, passadas tantas horas depois do início da sua exposição?
Preguntarão:
Porventura a sua voz estará já rouca?
Porventura o seu raciocínio sairá já perturbado e incompleto?
Porventura a própria amnésia, derivada da fadiga, trocará os termos da frase, tornando inacessível toda a propriedade de expressão e fazendo do seu discurso um tecido de incoerência, uma manta de retalhos, de frases sem nexo, mais ou menos cheias de sons, sonoras, mas sem corresponder a um pensamento, a uma aspiração, a um desejo ou a uma vontade?
Tive necessidade de enumerar os di-
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versos elementos psicológicos, para tornar mais expressiva a exposição que tenho de fazer.
O que é certo é que, apesar dêste largo período, em que tenho sido forçado a usar da palavra, à toda de 8 horas, ainda tenho - mau grado meu - de prender por 5 horas a atenção do V. Exa., da Câmara o das pessoas que por dever profissional tem de assistir a esta sessão.
Que lhos sirva de lenitivo ao seu sacrifício a idea de que não voltarão a ouvir-me muitas vezes, pelo menos nesta tribuna.
Tam depressa não voltarei a incomodar ninguém nesta casa do Parlamento.
É o lenitivo que ofereço, de maneira a traduzir a minha mágoa, por me ver coagido a incomodar tanta gente, o que é contra os meus hábitos.
Para responder a essas preguntas que eu próprio formulei, direi a V. Exa. s: sim, senhor, ainda tenho que dizer.
Desejaria que no termo da minha carreira parlamentais, a minha palavra sincera e correcta pudesse convencer todos os meus colegas que me escutaram, de que pouco fica da nossa actividade e que não devem continuar no uso dos processos até aqui empregados.
Na verdade, além das funções políticas, também desempenham uma acção educativa, que é essencial não esquecer.
O Parlamento num para desempenha igualmente uma função educativa.
A maneira como se comportam os parlamentares nas relações entre si, os percussos de trabalho que adoptam, os ensinamentos de que se mostram partidários, a cultura que manifestam, todos estas qualidades são apreciadas por um grande número de pessoas doutro de um pais, e é susceptível, por consequência, de transformar-se num formidável e prodigioso centro de imitação.
Se essa actividade foi exercida com isenção e competência, o povo, todos os elementos da sociedade não poderão deixar de a confrontar, de a elogiar, como a que deve ser realizada por um espírito forte no Parlamento do seu País. Mas, se ao contrário a actividade parlamentar fôr exercida, procurando-se o êxito pelo êxito, sem escrupulizar na escolha dos processos, usando da deslealdade, usando da cilada; se os homens se não tratarem uns aos outros com o respeito mútuo que é mester, com a consideração recíproca necessária, imediatamente, porque a imprensa, tem um desenvolvimento de atenção e uma, curiosidade doentia, como de resto a sociedade, que só a leva a registar e transmitir precisamente as anomalias, precisamente o que aqui se passa de desequilíbrio, precisamente o que aqui se passa de anormalidade patológica, a gente que aqui está directamente, agente que aqui não está por intermédio dos jornais assiste ao espectáculo de se tratarem uns aos outros em termos de enxovalho, não se respeitando, não se considerando, e, por consequência, a actividade parlamentar neste aspecto, tem uma influência destrutiva.
É pior, do que a pior de todas as agitações contra o regime e contra o País, que todas, as campanhas de descrédito. É na verdade um centro de multiplicação permanente, incessante, dos defeitos, das incapacidades, dos vícios.
Creio que consegui demonstrar a veracidade das afirmações que fiz.
E as pessoas que me escutam dirão nesta altura: "terras para dizer isto, que é afinal quási, duma intuição simplicíssima, para que estará aquele homem a esforçar-se a esta hora da manhã?
Nós já sabemos que se o Parlamento funcionar normalmente, pelos processos que devem ser praticados pelas pessoas que aqui tem assento, se elas têm plena convicção das suas responsabilidades, isso é normal, natural, inevitável.
É certo, mas as minhas palavras tornaram-se necessárias porque, infelizmente para a Câmara e para o País, os factos demonstram que um grande número dos membros desta casa do Parlamento, tendo esta noção simples, não a praticam e esquecem-se constantemente dela.
E é mau, muito mau para o regime e para, o País que uma instituição como a parlamentar, que é dentro da República democrática a instituição fundamental e basilar, seja constituída por pessoas que se esquecem de que dentro duma democracia a responsabilidade cresce na razão directa, das funções que se exercem, que ás funções parlamentares são as basilares duma democracia e as de mais alta responsabilidade em relação a todas as outras.
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É mesmo por essa prática que se faz demonstração diária da não compreensão e do não cumprimento das responsabilidades daqueles que a si próprios se propõem como dirigentes ou salvadores duma pátria; essa incompreensão das responsabilidades é uma prova diária da incapacidade que a si mesmo passam.
Quer queiram, quer não, os que estão lá fora, e verificam o que aqui se passa, só podem usar para estas pessoas duas espécies de processos que não enriquecem organismos de acção: a conduta para mais fàcilmente conseguirem o lugar querido do seu coração que lhes abra caminho à satisfação de certos e ignorados fins particulares que se vêm a descobrir fàcilmente, ou então a deformação, o próprio exagero, o descrédito, o próprio exagero do vício praticado, que aparece na boca dos adversários por maneira a que uma grande parte deles não pode ter nos homens que se preparam para o dirigir a confiança que é mester.
Estas palavras, claras, simples e creio que bem lúcidas, traduzem um breviário de comportamento que eu não quero impor a quem quer que seja.
Cada um tem uma cabeça para pensar, coração para sentir e músculos para agir.
Cada um é uma autonomia viva. autónoma, conduzindo-se por onde quere e como quere.
Eu sei que no livro sagrado da religião que desde tempos imemoriais foi aquele porque batalharam todos os portugueses em todos os quadrantes, eu sei que no famigerado Alcorão há um preceito que, sendo exagerado, no emtanto corresponde à realidade dos factos e traduz a verdade de muitas situações humanas.
Diz-se num versículo dêsse livro, que motivou sorrisos a pessoas que o não conhecem, o seguinte:
"É mais fácil uma montanha mudar de sítio, do que um homem de disposição".
Essa passagem já aqui a citei uma vez quando ainda era vivo o malogrado António Granjo. Encontravamos-nos numa situação política semelhante, creio que era um Govêrno da presidência do Sr. António Maria da Silva.
Êsse Govêrno apresentava-se ao Parlamento com uma escassa maioria parlamentar.
Se não me trai a memória, era precisamente uma situação análoga àquela em que hoje nos encontramos, e eu recordo-me de ter então citado aquele versículo a que há pouco me referi: "É mais fácil uma montanha mudar de sítio do que um homem de disposição".
Do facto, quando um homem se dispõe decididamente a praticar um acto, mesmo que seja destrutivo e prejudicial, uma como que auto-hipnose ou cegueira impedem-no de avaliar as consequências que podem resultar dêsse acto, do modo que êle caminha não como um homem, mas como uma fôrça cega e inflexível.
Êste estado de obcecação, êste estado de deminuição de consciência, êste estado de impulso cego e indominável, é mais frequente nas sociedades de deminuta cultura média.
Na frase feliz de um escritor, a cultora é o poder correctivo de todos os homens públicos, o que se pode traduzir por a frase "a ignorância é muito atrevida".
Por isso, num país de reduzida cultora média como o nosso, são mais frequentes êsses estados de inconsciência ou de impulso cego a que há pouco me referi, tanto nos indivíduos como nos grupos, e é fácil por isso encontrarmo-nos dia à dia no Parlamento perante a repetição de tais fenómenos.
Por mais que os homens que tam tomado parte neles se tenham apercebido, em rápidos momentos de reflexão, dos prejuízos que pudesse acarretar o seu procedimento, êsses fenómenos continuam e são uma realidade com que eu tenho deparado muitas vozes, não só aqui mas também com frequência por aí fora, em todas as espécies de actividade.
Infelizmente a depressão ou inferioridade da influência do meio traduz-se também por uma outra atitude psicológica, que é por igual prejudicial para o bom funcionamento do uma sociedade. Quero referir-me à crendice, a facilidade com que num meio assim constituído se acreditam as mais inverosímeis fantasias.
Obcecação eis a característica de um meio como o nosso, onde, por consequência, maior responsabilidade têm os parlamentares, pois sabendo-se num país onde a obcecação é frequente, onde o estado de crendice é elevado, tinham obrigação de aperceber-se disso mais fàcilmente do que em qualquer outra parte.
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O estado de crendice média faz com que as superstições primem sôbre as opiniões, e em vez de termos uma sociedade culta que elabore uma opinião constante sôbre os acontecimentos e que procure determiná-los numa certa orientação, como do via ser dentro de uma democracia, temos grupos obcecados, preparados para acreditarem todas as infâmias, todas as fantasias maldosas.
O Parlamento tornou-se responsável pela criação dêsse estado patológico dentro da vida da sociedade,
Sr. Presidentes êste aspecto das considerações que tenho de fazer aqui hoje, a propósito da moção mandada para a Mesa pelo Sr. Pedro Pita, é porventura dos mais interessantes, embora seja exactamente o que menos interêsse provocará nas pessoas que me ouvem. Menos susceptível é, portanto, de ser assimilado de maneira a converter-se naquele número regras de conduta que para bem de Portugal era necessário introduzir na actividade parlamentar.
Mas o homem do crenças e de ideas não deve procurar a utilidade imediata das regras de conduta que defende e preconiza. Tia num dos mais notáveis pensadores franceses, porventura dos do mais variada cultura e dos de maior elegância intelectual, morto há pouco tempo, Alfredo Foullet, uma passagem acerca das marchas das sugestões na vida social.
Diz êsse brilhantíssimo literato o filósofo que nas sociedades nada se perde; tudo se transforma.
Efectivamente estalei, que parece uma assimilação da lei de Lavoisier, é realmente verdadeira.
É certo que se propagam numa sociedade como a nossa com a maior facilidade os estados doentios, mas o que é certo também é, que nem por isso deixam de se propagar os outros, e nem por isso também êles deixam de ficar consignados nas notas esquecidas dos arquivos a afirmar uma atitude.
E quando essas palavras são ditas com a liberdade de consciência e audácia de crítica e com a compreensão das vantagens imediatas, essas palavras, como as que tenho proferido no decurso desta longa suposição, nunca morrem.
Um dia surgirá nesta terra um homem que estude êste momento político que, mais sereno, poderá verificar que tenho razão neste lance.
Sendo assim, como estou certo do que será, não são perdidas nem para o País nem para a República estas minhas palavras.
E, Sr. Presidente, que esta noite de incómodo para muitos fica na recordação de todos a lembrar-lhes que êste homem que vai desaparecer desta actividade na fôrça da vida, êste homem que falava com tamanha liberdade e isenção, foi um homem que aqui disse, numa larga exposição, as palavras previdentes e necessárias, que os portugueses deviam unir-se uns aos outros numa hora grave, fazendo um estímulo o eliminação de tantos vícios e prejuízos como aqueles que dificultam e embaraçam o progresso da sociedade portuguesa.
Sr. Presidente: quero repetir, mesmo correndo o risco de enfastiar V. Exa. e a Câmara, que a minha atitude durante êste largo debate que tive de aqui sustentar é única e simplesmente pela convicção em que estou de que é assim que me devo impor, fazendo isto como um dever republicano.
Daqui a pouco V. Exas. vão proceder como procederiam se a minha intervenção não tivesse lugar. Conto com isso, esperando que assim seja. Conheço-o muito bem, o bastante para não ter sequer um rápido segundo de ilusão de que viva de alguma cousa a actividade republicana e patriótica que aqui tenho estado a desenvolver, cumprindo a minha obrigação de parlamentar.
Mas, repito, a frase que há pouco proferi do brilhantíssimo pensador que foi Alfredo Foullet, em que dizia que nas sociedades nada se perde, antes pelo contrário, tudo se propaga. E, portanto, assim o que aqui tenho estado a fazer, e representando, como represento, uma atitude moral, ela representa também um protesto indignado contra aquele estratagema que se pretende pôr em prática e que não é de maneira nenhuma como uma cousa que desapareça amanhã, daqui a um? mês ou daqui a anos: é uma cousa que mais tarde há-de levar muita gente a reflectir.
Sr. Presidente: acontece com as sociedades o mesmo que acontece com os indivíduos.
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E embora haja um certo número de pessoas a quem aparentemente parece não impressionar as questões que sugerem, o que é certo é que elas não deixam -de sentir os efeitos dessas mesmas sugestões.
Assim, estas palavras que estou proferindo, e que tantos ouvem com um mal afivelado e contrafeito sorriso, e que ainda tantos outros procuram teimosamente não ouvir, hão-de forçosamente calar no ânimo de todos e fazer essa obra lenta de amadurecimento.
Pausa.
Sr. Presidente: como ia dizendo, estou convencido de que adentro da consciência de alguns se hão-de fixar, pelo menos, algumas das afirmações morais que aqui formulei sem dependência de nenhuma espécie de interêsse imediato ou satisfações próximas, estando certo o seguro de que na sua consciência há, a surgir como num relâmpago, a convicção de que tenho razão quando afirmo de que acima "das nossas paixões estão os supremos interêsses da nossa Pátria.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Agatão Lança: - Sr. Presidente; quando na parte da sessão que há longas horas vem arrastando-se nesta Câmara fazia uso da palavra o meu amigo e ilustre Deputado Sr. Vasco Borges, aludiu, e muito bem, S. Exa. à circunstância de ser o Sr. Sampaio Maia aquela pessoa que neste momento, depois de ter feito parte do Govêrno do Sr. Vitorino Guimarães, menos autoridade tinha para apresentar nesta Câmara o negócio urgente sôbre a ordem pública.
Efectivamente, Sr. Presidente, não houve nenhuma alteração de ordem pública na cidade de Lisboa, nem consta que em nenhuma parte da continente da República de seus domínios ultramarinos qualquer espécie de alteração de ordem pública se tivesse produzido. Apenas há dois ou três dias houve uma dessas vulgares prevenções da fôrça armada, facto êste a que nós todos já nos vimos habituando.
O ilustre Deputado Sr. Sampaio Maia fez parte de um Govêrno que se assustou com o facto simples e já conhecido do desarmamento de uma companhia da guarda fiscal que havia sido ordenado superiormente; fez parte do mesmo Govêrno em que se deu um assalto ao Quartel General e em que meia dúzia de oficiais ou de indivíduos vestidos com uniformes de oficial pretenderam, de facto, alterar a ordem pública. Mais tarde pertencendo ao mesmo Govêrno, num momento mais grave, esteve em face de um movimento em que um núcleo de fôrças mais importante se apossara de pontos estratégicos da cidade, procurando alterar a ordem pública.
Nestes termos, o Sr. Sampaio Maia devia ter uma noção mais clara e precisa do que seja uma alteração de ordem pública.
Nenhuma dessas cousas que se deram no seu Govêrno tiveram qualquer similar com os acontecimentos que se deram desde que naquelas cadeiras se encontram os homens de prestígio que actualmente lá estão.
S. Exa. apenas teve o intuito de, com um negócio urgente, q"e nada justifica, fazer sair do Poder o actual Govêrno.
E então, Sr. Presidente, todos nós admiramos a pressa com que S. Exa. queria ver realizado o seu negócio urgente.
Era tal a sua ansiedade que se poderia supor que S. Exa. desejava ascender outra vez ao Poder.
E nisto, Sr. Presidente, não vai a menor sombra de ofensa para S. Exa., porque sou o primeiro a prestar a minha homenagem às intenções patrióticas do Sr. Sampaio Maia, à sua inteligência, ao seu muito saber e à dedicação com que S. Exa. costuma servir a República e o País em todos os lugares de destaque a que as suas qualidades lhe dão direito.
Mas, Sr. Presidente, o Sr. Sampaio Maia, na sua exagerada pressa, motivada, apenas, repito, pela sofreguidão que S. Exa. tem pelo Poder, ou pelo desejo de ver realizado qualquer pacto, se é que o tem, com os seus correligionários, nem sequer quis esperar pela vinda do Sr. Presidente do Ministério.
Sim, S. Exa. não esperou a vinda do Sr. Presidente do Ministério para apresentar o sen negócio urgente, e alguns minutos depois de o ter apresentado
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S. Exa. levantava-se para dizer que, se o Sr. Presidente do Ministério não viesse à Câmara até determinada hora, trataria perante a Câmara do assunto que desejava versar.
Foi mais longe ainda o ilustre Deputado na pressa de ver reunida em volta do seu negócio urgente toda a oposição.
S. Exa., que costuma ser uma pessoa correctíssima, chegou a dizer que o Sr. Presidente do Ministério, avisado de que era reclamada a sua presença, se, não tinha vindo era porque procurava fugir ao seu dever.
Queria dizer o Sr. Sampaio Maio. que o Sr. Presidente do Ministério ia cometer para com a Câmara aquela mesma falta de consideração que êle próprio, ilustre Deputado, tinha cometido para com o Sr. Presidente do Ministério.
Não, Sr. Sampaio Maia : V. Exa. para fazer vingar o seu negócio urgente, para vir reunir em volta do mesmo todas as oposições que há longos dias se vinham formando para derrubar êste Govêrno, à tort et à travers, talvez porque é o Govêrno que tem junior número de republicanos históricos, republicanos que já o eram antes de 5 de Outubro do 1910, depois dos Governos de 1912 a 191$ para cá.
Talvez seja essa a razão por que tam apressadas andaram pessoas que a esta Câmara não vêm há longos mese!
Talvez seja essa a razão da dedicação é constância a esta Câmara de Deputados da extrema esquerda à extrema direita, que têm vindo diariamente, que têm acompanhado hora a hora, minuto a minuto, os trabalhos parlamentares; com uma assiduidade que muito seria para louvar se S. Exa. a assim tivessem sempre praticado e procedido, da mesma maneira tivessem, dado a mesma assistência aos trabalhos desta Câmara, através dos longos meses em que ela vem funcionando.
Mas não, Só agora, que um Govêrno é constituído de republicanos ilustres, do homens honrados e dignos, republicanos da Velha guarda, é que se verifica a presença dos elementos mais heterogéneos sob o ponto de vista político, adentro, e fora da República, para conseguirem derrubar êsse Govêrno o mais ràpidamente. que lhos seja possível.
Mas para isso não precisava o Sr. Sampaio Maia de ter cometido a injustiça de acusar indefidamente e torcendo aquela verdade, pois eu suponho que S. Exa., apenas por um exagerado faceio s is mo político, pôs de parte momentaneamente as provas que poderia apresentar; não precisava S. Exa. de usar êsses meios e muito menos ainda precisava S. Exa. de ameaçar, com o aplauso dos seus amigos e aliados, do vir realizar um negócio urgente, a urna determinada hora, mesmo que não estivesse presente o Sr. Presidente do Ministério, o que é contra as praxes regulamentares, o que, Sr. Presidente, nunca se tem feito nesta Câmara.
Tenho eu uma autoridade especial para condenar a atitude daquele ilustre Deputado, porque mais de uma vez nesta Câmara eu tive a honra de usar da palavra em defesa da velha praxe parlamentar de não se discutirem negócios urgentes sôbre a ordem pública sem estarem presentes os Srs. Presidente do Ministério e o Ministro do Interior.
Há ainda alguns meses, estando no Poder um Govêrno de que de certa altura em diante discordei aberta e profundamente, Govêrno que entendi não podia continuar à frente dos negócios do Estado, sem então haver uma séria e gravo ameaça da ordem pública, foi pôsto o negócio urgente nesta Câmara, e eu, que discordava do Govêrno, ou, que entendia que efectivamente nessa altura em que alguns factos graves se tinham darto nas ruas de Lisboa, nessa altura em que entendi eu e a Câmara que era necessário pedir explicações ao chefo do Govêrno, no em tanto, defendi o princípio de que não se podiam apresentar negócios urgentes sem que o Sr. Presidente do Ministério estivesse na Câmara.
A nada, porém, o ilustre Deputada quis atender.
S. Exa. tinha receio de que o dia de hoje passasse, tinha receio certamente de que não, só pudessem manter por mais tempo aquela aliança evidente, aqueles entendimentos bem claros que, ressaltando aos olhos de todos, têm sido feitos entre as variadas oposições ao Govêrno, para concentrarem nesta Câmara todas as suas forças para que no momento oportuno -, e este é sempre tardo - fosse votada uma moção de desconfiança.
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Mas, Sr. Presidente, esta pressa do Sr. Sampaio Maia leva-me a mim próprio a duvidar da sinceridade com que ataca e pretende derrubar êste Govêrno. Porque, se efectivamente o Govêrno é nefasto aos interêsses do País, um Govêrno em cujas mãos os destinos da República não estão seguros, então em muito pouca couta tem o ilustre Deputado os sentimentos republicanos dos seus aliados que o são, dos sentimentos patrióticos daqueles que, embora não sejam republicanos, se têm mantido dentro desta Câmara com uma persistência nunca vista para derrubar êsse Govêrno.
Afigura-se-me que se o Govêrno é tam mau como o Sr. Sampaio Maia nos quis fazer ver e acreditar, todos aqueles que são patriotas, que põem acima de tudo os superiores interêsses da Nação, e não digo os superiores interêsses da República, visto que nem todos êles no campo republicano militam, não duvidariam ter mais duas horas de sacrifício.
Não deviam recear perder um ou dois dias na capital, ficando aqui a cumprir o seu dever de servir a Nação; não o compreendeu assim o Sr. Sampaio Maia.
Seja como fôr, a consideração que o ilustre Deputado tem nas pessoas que querem derrubar o Govêrno, os seus aliados que lhe agradeçam.
O Sr. Sampaio Maia e o Sr. Pedro Pita ficam com o direito de julgar os seus adversários como entenderem.
Eu julguei que os Srs. Deputados punham de parte os seus negócios particulares para virem aqui durante alguns dias tratar dos negócios da Nação.
Sr. Presidente: eu não compreendo certas atitudes, e, de mais a mais, quando têm a apoiá-las certas individualidades que têm um passado glorioso de serviços prestados à Nação e à República.
É, pois, lamentável que o ódio político, a ambição ou facciosismo façam com que se tomem atitudes que podem ter as mais graves consequências para a vida da República e para os interêsses do País.
Sr. Presidente: V. Exa. sabe, e o País não ignora, que a República, desde o Monsanto, esteve sem orçamentos aprovados. Foi o Sr. António Maria da Silva quem num dos últimos anos conseguiu que essa discussão se fizesse.
Foi o seu Govêrno o único que conseguiu fazer votar os orçamentos. Lembro a V. Exa. e à Câmara a persistência e acção enérgica dêsse ilustre Presidente do Ministério para, através de consecutivas sessões diurnas e de longas sessões nocturnas, que terminavam às 7 e 8 horas da manhã, conseguir que fossem votadas e discutidas as contas do Estado. Depois da queda dêsse Govêrno nenhum outro ainda, salvo êrro, conseguiu tal. Devo dizer bem alto - e oxalá que a minha voz pudesse entrar naqueles ouvidos que têm estado tapados, quando se trata dos altos interêsses nacionais, que será mais um crime que êste Parlamento terá sôbre si, se se encerrar sem que seja discutido e votado o Orçamento Geral do Estado. Quero chamar a atenção de V. Exa., Sr. Presidente, e dos meus ilustres colegas adentro desta casa do Parlamento, para o facto de haver tanto interêsse em derrubar um Govêrno que ainda não deu provas, e que não tem, portanto, de que o acusem.
Talvez que alguns Deputados que nunca frequentam esta casa do Parlamento, mas que estão aqui há dezenas de horas isso façam pelo prazer doentio de derrubar um Govêrno de bons, sinceros e competentes republicanos, porque talvez S. Exas. não queiram que a República se prestigie e o Parlamento se glorifique. Pareço efectivamente - com mágoa o constato - que há receio da parte das oposições parlamentares que da acção pertinaz dos homens que actualmente se encontram nas bancadas do Govêrno, e sobretudo daquela conhecida persistência do seu chefe, resulte uma obra profícua para o País, e que venham a votar-se os orçamentos.
O Sr. António Dias: - É essa uma das bases do nosso crédito.
O Orador: - Diz V. Exa. muito bem. Todos nós sabemos como é importante para o nosso prestígio financeiro, não só interno como internacional, a votação ou não votação das contas do Estado. Pois, apesar disso; viemos transviados alguns dos velhos republicanos
Vemos desviados do caminho que lícito era esperar que trilhassem homens que têm prestado relevantes serviços ao sou pais. E, triste é dizê-lo, á tudo fecham
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os olhos, tudo parecem olvidar, desde os seus deveres para com aqueles que os elegeram até aos deveres para consigo próprios, em faço dos altos interêsses nacionais.
Porém, seja como fôr, o País irá notando a maneira como se procura derrubar êste Govêrno e saberá fazer justiça a todos.
Todos sabem que êste Govêrno se encontra no Poder por a Câmara dos Deputados ter negado o seu voto de aprovação a uma proposta de 6 duodécimos que o Sr. Vitorino Guimarães apresentara; assim, a Câmara, negando-lhe a aprovação dessa proposta e concedendo apenas um duodécimo, contraiu o dever d6 não encerrar os seus trabalhos sem ter analisado devidamente as contas do Estado. Vimos, todavia, surgir o Govêrno do Sr. António Maria da Silva a fazer a declaração peremptória ao Parlamento de que desejava a discussão e aprovação do Orçamento Geral do Estado. E agora que as oposições não conseguiram, depois de todos os esfôrços, derrubar o Govêrno no próprio dia da sua apresentação, apesar de parlamentares das mais heterogéneas correntes políticas se terem retinido para o derrubar nesse dia, facto êste que julgo, nada poder justificar, pretendem derribá-lo por outra forma.
Alguma autoridade tenho para censurar os que assim procedem, porque eu nunca votei moções de desconfiança a qualquer Govêrno, de cara a cara como se costuma dizer.
Nem como independente nem como filiado no Partido Republicano Português, jamais dei o meu voto a uma moção de desconfiança no próprio dia em que um Govêrno se apresenta à Câmara. Espero sempre os seus actos para nortear o meu procedimento.
Faltava à verdade - e o ser leal e desassombrado é talvez o único título do meu orgulho - se não dissesse que se têm sentado por vezes naquelas cadeiras homens que, pelo seu passado, me levaram à convicção de que nada de útil poderiam trazer à Pátria e à República. Mas eu, por princípio, espero sempre os seus actos.
A mesma atitude de sempre a mim próprio impus no dia da apresentação dêste Govêrno à Câmara. Infelizmente muitos parlamentares não quiseram segui-la, e não quiseram, uns porque os move a idea de que, caído êste Govêrno, algumas probabilidades têm de ser Ministros; outros pela saudade que têm de voltar àquelas cadeiras que julgam pessimamente ocupadas sempre que S. Exa. lis se não encontrem lá; outros ainda porque seguem a teoria do "quanto pior melhor", não tendo interêsse algum em que a República se nobilite bem servindo o País. Êstes últimos desejariam até ver os Governos, se possível fôsse, substituírem-se naquelas cadeiras dia a dia, hora a hora, minuto a minuto. Refiro-me, Sr. Presidente, aos Srs. Deputados monárquicos.
Êles muito pouco de útil têm realizado dentro desta Câmara, muito pouco tem. servido o País, mas agora mostram a maior persistência, a maior tenacidade, esquecendo os seus interêsses particulares para virem derribar mais um Govêrno da República, acto êste que vem a ser mais uma facada no prestígio da República e do próprio Parlamento, pois que; se encararmos êste caso a sério, veremos que nem, sequer, um pretexto hábil se soube invocar por parte dos homens que se aliaram para derribar o Govêrno.
Lá fora os homens que trabalham para dignificar a Nação devem olhar para a atitude dêstes parlamentares com um grande ar de desdém. A sua ambição, a sua sofreguidão de mando, obceca-lhes inteiramente as inteligências, para sem motivo, repito, derrubarem a actual situação política.
Sendo assim, não tenho dúvida em afirmar que êsses Deputados me obrigam a dizer que não acredito na sinceridade das suas atitudes, como não acredito que os tivesse movido um interêsse de ordem nacional, tanto mais que muitos deles não querem saber dos interêsses nacionais emquanto o País fôr governado pela República.
É conhecida, efectivamente, a velha fórmula de "quanto pior, melhor", mas o que é lamentável, o que arrepia a minha sinceridade de republicano, e republicano que não anda aqui para receber benesses do Estado, é que vejamos acorrentadas a essa fórmula pessoas que, por militarem em ,partidos da República, tinham obrigação de se conduzirem de outra maneira.
Eu sinto que estão todos muito fatiga-
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dos, e que os meus ilustres colegas que passaram, como eu, uma noite sem dormir, nem sequer querem dar atenção às verdades que eu estou dizendo.
Porém, eu poderia passar duas noites sem dormir, que me sentiria ainda com fôrça e energia suficientes para vir proclamar à Câmara estas verdades, considerando que prestava assim um bom serviço à República.
Está, todavia, embotada a sinceridade de alguns que me ouvem, porque aliás, naturalmente, se o desejassem, exerceriam uma acção sôbre as suas próprias pessoas, e conseguiriam assim ouvir o que eu tenho dito.
Um dia virá, não longe, que nós havemos de constatar, infelizmente para a República, quão acertadas têm sido as minhas considerações, condenando aqueles que pretendem derribar o Govêrno.
E, mais tarde, também, o País, que deseja que nos consagremos a um trabalho útil e que cumpramos os deveres para que nos elegeram os nossos eleitores - os humildes filhos do povo, que aqui nos puseram para bem servirmos a República - há-de verificar a razão que eu tinha de afirmar que é um crime provocar mais uma crise política, precisamente quando êsse Govêrno, em oito dias apenas, conseguiu fazer mais do que todos os Governos que ali se sentaram de Janeiro para cá.
Em oito dias se aprovaram já dois orçamentos, e os outros Governos, que tem feito a nossa felicidade e a do povo, em perto de oito meses nem sequer conseguiram iniciar a sua discussão.
E esta a razão, Sr. Presidente, por que eu insisto no meu ponto de vista, de que a atitude que levou as oposições a não quererem a manutenção do actual Govêrno nas cadeiras do Poder é uma prova, não só da sua ambição de mando, mas também da sofreguidão do Poder, pelo receio que têm de que, não estando lá os seus amigos, as suas candidaturas possam sofrer nas próximas eleições.
Mas, Sr. Presidente, todos os interêsses do País se esquecem. Êste Govêrno tem no seu seio alguns dos homens que mais contribuíram para que a República fôsse um facto.
Se o regime não tem feito aquilo que poderia fazer, a culpa é daqueles que têm tomado atitudes idênticas à da que as oposições parlamentares neste momento estão assumindo.
Quem nos últimos dias se tiver dado ao trabalho de ler alguns jornais, terá visto que o que lá se encontra escrito não corresponde à verdade dos factos.
Estão errados os números dos votantes e aparecem a votar pessoas que se encontram no estrangeiro. Chega-se ao ponto de pôr ao lado do Govêrno indivíduos que estão contra o Govêrno. Até registam votos de Ministros do actual Govêrno que ainda não vieram a esta casa do Parlamento.
Encontramos emfim, através das crónicas parlamentares do alguns jornais, uma longa série de inexactidões, de deturpações de factos, que êles referem, não inconscientemente, mas no intuito de desnortear, de iludir, a opinião pública.
Dizia um grande escritor francês que quanto mais certas pessoas procuram encobrir a verdade, mais a descobrem.
Através da nossa vida política há de suceder exactamente a mesma cousa.
Os processos honestos, os processos dos competentes, hão de infalivelmente acabar por triunfar.
Elias Garcia, êsse grande democrata, êsse grande apóstolo da República, quando dava as suas lições, quando fazia propaganda, quando fazia as suas conferências, em que seguia sempre um caminho honesto, e era abordado por certos elementos que lhe aconselhavam o riso de processos mais rápidos, mais eficazes, como o suborno do exército e da armada - processos que ultimamente tanto se têm pôsto em prática - negava-se a seguir êsses processos e continuava a trilhar honestamente o caminho que mais se harmonizava com o seu carácter.
Não tenho dúvida em declarar que sinto entre mim e alguns republicanos um profundo abismo que não vejo maneira de transpor, a não ser numa hora de perigo para a República.
Mas nós vamos mal por êste caminho de derrubar Governos! Em 15 anos de República, salvo êrro, é êste o 42.° Govêrno que se deita abaixo; e - cousa curiosa! - os Governos que têm vivido menos tempo são os que no seu seio albergam maior número de republicanos. Estive esta manhã fazendo um pequena
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esfôrço de memória, a lembrar-mo de outras atitudes que têm sido tornadas nesta Câmara em casos idênticos a êste: êsses Governos eram rialmente daqueles em que a percentagem republicana era grande. É claro, que me refiro aos republicanos históricos, àqueles que me ensinaram a amar a República e que levaram a sua acção de propaganda a todos os recantos do País, para conseguirem esta cousa admirável que é a República, que, aliás, só tem o povo a defendê-la, porque, se nós formos analisar bem as circunstâncias, veremos que não têni sido as elites que têm mantido a República em Portugal, mas o povo que a tem mantido através de todos os perigos e atitudes que os seus Governos o parlamentares têm assumido.
Não sucede tal com êste Govêrno, porque êle saiu do maior partido da República.
Àparte do 81, Ribeiro de Carvalho.
O Orador: - Por muito dividido que esteja, é sempre maior do que o de S. Exa.
Um modo do prender a atenção da Câmara é falar na distribuição feita pelo Sr. Sampaio Maia.
Mas eu não falo sem provas.
O Sr. Sampaio Maia (àparte). - Eu tinha mostrado desejos de falar em negócio urgente, porque eu queria sabor a razão por que o Sr. Presidente do Ministério não tinha mandado proceder à captura dos presos fugidos. Eu queria preguntar se o Sr. Presidente do Ministério considerava como de confiança essa moção que era de desconfiança e que tinha sido rejeitada apenas por um veto
O Orador: - Considera o Sr. Sampaio Maia que o Sr. Presidente do Ministério não tinha respondido a cousa nenhuma.
Não é esta a minha opinião.
O que naturalmente aconteceu foi o Sr. Sampaio Maia num sempre só ter apercebido da resposta do Sr. Presidente do Ministério..
Mas a S. Exa. digo que a fuga de vários presos não constitui sempre um prenúncio de alteração de ordem pública.
Compreender-se-ia tal se fossem militares que, fugindo, fossem ter às suas unidades.
Disso o ilustre Deputado Sr. Sampaio Maia que fez preguntas concretas relativamente à fuga dos presos implicados no 18 de Abril o que não obtivera resposta.
S, Exa. é político, parlamentar o antigo Ministro, não deixando por isso de acompanhar o noticiário dos jornais.
Sendo assim, há de forçosamente saber que providencias haviam sido tomadas.
Eu sei, Sr. Presidente, que os meus ilustres colegas estão com pressa em se ir embora para descansar e tomar as suas refeições. Eu também não dormif não almocei nem me barbeei, e hei-de estar aqui a cumprir o meu dever de republicano em quanto tiver fôrças para o fazer.
Mal de nós se abandonássemos com tanta facilidade o campo da luta onde as nossas convicções republicanas nos lançam, pouca e imerecida seria a confiança que o povo republicano teria em nós.
Não abandonámos nem abandonaremos o homem que, republicano como nós, estamos convencidos do que melhor do que qualquer outro tem condições de inteligência, saber, ponderação e conhecimento dos negócios públicos para bem administrar o trazer para a minha Pátria, sob o regime republicano, horas e dias de maior felicidade, do alegria, de paz o de amor entre todos os republicanos portugueses.
Como se sabe, eu represento nesta casa uma região muito importante.
Pois é uma região assas esquecida dos Poderes Públicos, sem uma estrada capaz que a atravesse, sem outras que liguem os seus concelhos, com unias d em conclusão, com outras a principiar.
Mas a idea de S. Exa. ao levantar a questão urgente foi o seu receio da manhã de 18 de Abril.
Foi o Govêrno de então, pouco hábil, porque não evitou a revolução, quando sabia que ia rebentar.
O Sr. Amaral Reis, presente, e um dos Ministros de então, concordará comigo.
Àparte do Sr. Amaral Reis.
O Orador: - S. Exa. não ouviu bem o que eu disse.
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Mas, nessa manhã de 18 de Abril, fui-me oferecer para ir combater os revoltosos.
Pois houve um homem, que não sabe a quanto obriga os galões, que foi afirmar que eu não tinha ido ao quartel para me oferecer contra os revoltosos, mas para visitar o Sr. Cunha Leal.
Sabe o Sr. Amadeu do Vasconcelos que foi S. Exa. quem me disso à porta do Carmo que o Sr. Cunha Leal tinha passado acompanhado por um tenente e tinha entrado no quartel.
Depois de saber que êle lá estava, pedi autorização para lhe falar, e foi com mágoa minha que me foi negada licença.
O Sr. Ministro do Interior não devia ter assim procedido. S. Exa. não tinha o direito de supor que da minha visita resultasse qualquer inconveniente.
Não sou pessoa que me impressione com popularidades; sou apenas uma pessoa que tem apenas em vista o cumprimento do seu dever, que gosta que todos conheçam a sua atitude clara e franca.
Não gosto, portanto, que me atribuam atitudes que eu não assumo. E assim é que vem neste momento a propósito desmentir o que em certo papel foi escrito a êste respeito, de que eu teria defendido conspiradores, como, por exemplo, o Sr. Filomeno da Câmara.
E uma torpe mentira de quem propalou êsse boato.
O que eu disse aqui, desta mesma tribuna e na mesma voz alta com que estou falando, foi o seguinte:
Davam me como metido nessa conspiração - eu que nunca conspirei contra nenhuma situação constitucional- contra um Govêrno legal e constitucionalmente organizado, ao lado de pessoas que nem conheço, e então eu disse nesta Câmara que, se o Govêrno tinha transferido o Sr. Filomeno da Câmara para o Algarve por estar metido neste movimento, mas se acaso tinha o mesmo fundamento que a mim se dirigia, desde já declarava que considerava essa transferência uma arbitrariedade e aproveitava o ensejo para prestar homenagem às qualidades de oficial do Sr. Filomeno da Câmara.
Foi isto que disse e não o que me foi atribuído.
Não disso que não conspirava, nem o podia dizer, porque não sei o que cada
um faz ou pensa fazer. Só sei que não conspirei.
Aqui tem o ilustre Deputado intorpelante, a traços largos, algumas considerações que me era dado fazer sôbre êsse episódio revolucionário.
Mas, Sr. Presidente, outros pontos nós temos obrigação de, tocar, e assim é que não podemos esquecer que, tendo sido prorrogada a sessão parlamentar para tratar especialmente da discussão e aprovação dos orçamentos, nós verificamos que dois dias depois se põe êsse assunto importante para segundo plano.
O Sr. Manuel Fragoso (com licença do orador): - V. Exa. dá-me licença que formule um requerimento à Mesa continuando, após a votarão dêsse requerimento, no uso da palavra?
O Orador: - Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. Manuel Fragoso faz-me saber que deseja fazer um requerimento a V. Exa.
Já nesta Câmara tem sucedido um Deputado interromper as suas considerações para outro formular um requerimento 6, porque assim se tem feito, digo a V. Exa. que estou disposto a autorizar que êste Sr. Deputado faça êsse requerimento, interrompendo as minhas considerações, se V. Exa. depois me der a palavra.
O Sr. Presidente: - Não pode ser, é contra o Regimento.
O Orador: - Mas já não é a primeira vez que isso se faz.
O Sr. Cunha Leal: - Tem se feito, mas é com o consentimento geral.
Teríamos muito prazer em ser amáveis para um nosso ilustre colega.
Mas nós, que temos tido a paciência evangélica de assistir durante longas horas ao arrastar desta sessão, não podo-mos com o nosso consentimento permitir que se alongue ainda mais.
E inútil, portanto, V. Exa. apelar para a Presidência, porque S. Exa. não tem modo efectivo de 'satisfazer o pedido de V. Exa.
O Orador:-Entendo também que o ilustre Deputado tem razão.
Ouvi com a maior atenção as conside-
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rações produzidas pelo Sr. Cunha Leal, mas devo dizer que S. Exa. não devo estranhar que eu me sirva dos meios que o Regimento me confere,
Interrupção do Sr. Cunha Leal que se não ouviu.
O Orador: - Eu pus a questão perante a Câmara.
Eu sinto que tenha de tomar esta atitude, mas ela é a única que eu posso adoptar, do harmonia com a minha consciência.
Eu reputo êste Govêrno o único capaz de prestar altos serviços à Pátria o à República, e até mesmo ao meu partido.
Assim, nós temos de analisar o passo que a Câmara vai dar, a situação que êle criará e as graves consequências que acarretará.
Não há dúvida, Sr. Presidente - mais uma vez o acentuo - que um dos maiores inconvenientes que pode haver em derrubar êste Govêrno é o do, caído êle, outro qualquer que lhe suceda não nos dará a mesma garantia de que os orçamentos do Estado sejam devidamente discutidos e aprovados.
Sr. Presidente: êste Govêrno conseguiu já em oito dias a discussão integral do orçamento do Ministério das Finanças, Assim, caminhando, a 15 de Agosto teríamos, sem dúvida, os orçamentos todos nas condições precisas.
Sr. Presidente: algumas pessoas que lá se julgam com o Poder na mão, se a êle não forem chamadas hão-de encontrar só daqui a algum tempo na mesma posição que hoje têm.
O Sr. Sampaio Maia já prometeu derrubar o próximo Govêrno se êle não fôr da sua cor política. E assim S. Exa. tratará doutros "negócios urgentes" para que tenham o mesmo epílogo que S. Exa. agora deseja.
Sr. Presidente: o Sr. Sampaio Maia que, justo é dizê-lo, é uma pessoa sensata e hábil mesmo, sob o ponto do vista político, sabe perfeitamente que se o Partido Republicano Português quiser governar tem elementos mais que suficientes para isso.
Vozes das direitas: - V. Exas. estão a dizê-lo desde ontem à noite...
Risos.
O Sr. Maldonado de Freitas (em àparte): - Isto é que tem sido um manancial de eloquência!...
O Orador: - Não tenha V. Exa. inveja!
Eu também tenho tido ocasião de apreciar V. Exa. pelos seus discursos inteligentes e cheios do elevação. Eu bem sei que as palavras que S. Exa. há pouco me endereçou representam apenas uma gentileza da sua parte... O que V. Exa. e ninguém me poderá negar é a grande sinceridade o espirito patriótico com que falo nesta hora.
Apoiados.
Estou absoluta e sinceramente convencido de que esto Govêrno é útil ao País e à República, aos quais pode prestar grandes serviços.
Eu, que até por uma questão de generosidade, estou sempre disposto a acreditar nas boas conversões, nego o direito de serem verdadeiramente republicanos àqueles que pela República nunca se sacrificaram,
E preciso organizar o Ministério dos Negócios Estrangeiros no sentido de promover a nossa expansão económica, como sucedo noutros países.
As pessoas que levantaram uma questão politica, a propósito da ordem pública, hão-de vir a arrepender-se do mal produzido,
Nem todas as águas lustrais serão capazes de os lavar. Um dia conhecerão o êrro do seu procedimento.
Sr. Presidente: eu vejo que muitos Srs. Deputados já estão cansados, mas eu também estou cansado e se houvesse mais silêncio, ou se estivessem mais próximos certamente me ouviriam.
A moção do Sr. Pedro Pita, tanto numa parte como na outra, não é de aceitar, nem mesmo S. Exa. devia mandar para a Mesa semelhante moção, que como já alguns Srs. oradores demonstraram é anti-constitucional.
Diversos àpartes.
O Orador: - Vejam V. Exa. a a situação em que colocam o Chefe do Estado.
Trava-se diálogo entre o Sr. Vasco Borges e o orador.
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O Orador: - A Câmara vai praticar um acto que pode ter graves consequências de ordem política.
Interrupção do Sr. Manuel Fragoso que se não ouviu.
O Orador: - De resto, V. Exas. sabem que esta Câmara não tem o direito de alterar a Constituição. A Câmara que vier é que o pode fazer.
Àparte do Sr. Vasco Borges.
O Orador: - É exactamente contra essa parte que a Câmara vai proceder votando a moção do Sr. Pedro Pita. Vai estabelecer um conflito entre a Câmara dos Deputados e o Chefe do Estado. É esta situação que se está criando. Ora é preciso que nós acima das vontades que alguns tenham das cadeiras do Poder, ponhamos os interêsses da República, meditando assim no passo que vamos dar.
A crise que se abrirá vai com certeza arrastar-se durante algum tempo na sua solução; depois virá o inevitável debate político, que demora sempre muito tempo, e isso tudo irá impedir, certamente, que votemos os orçamentos e outras medidas de utilidade para o País até ao fim da prorrogação dos trabalhos parlamentares.
Então, pregunto à consciência dos Deputados que tam persistentemente se juntaram para derrubar o Govêrno se êles estão sinceramente de acordo em que o Poder Executivo não pode continuar a ser exercido pelo Partido Republicano . Português e tem de ir para o Partido Nacionalista; pregunto se todos os Deputados estão amanhã dispostos a ir a Belém confirmar o voto que querem dar à moção do Sr. Pedro Pita. Por mim, receio - e o Partido Nacionalista também deve recear-da sinceridade com que êsses homens procedem; estou convencido de que muitos que dão o voto à moção amanha não apoiarão um Govêrno nacionalista.
Sr. Presidente: para mim, pessoalmente, é me indiferente que se sente naquelas cadeiras êste ou qualquer outro Govêrno, comquanto que êste seja composto de homens honestos e que tenham perfeito conhecimento dos negócios do Estado para governar o País de maneira a dignificar a República.
Mas entendo, porém, que se a Câmara aprovar a moção Pedro Pita, comete um êrro político, e convencido estou tam que êsses mesmos Deputados que foram dizer que o Partido Republicano Português - a maior fôrça política da República - não pode governar, não irão dar o seu voto para que governo o Partido Nacionalista.
A que vem, pois, semelhante atitude?
Ah, Sr. Presidente! Há homens que só vêem o interêsse político da ocasião, desejando que se sento nas cadeiras do Poder quem melhor possa distribuir contos do réis para fontes, cemitérios, escolas e outras obras de interêsse local, para assim melhor garantir as eleições.
Se não estivéssemos na fim de uma legislatura, muitas pessoas não tomariam a atitude que agora tomaram. Sentem indecisa a sua situação política, sentem fugir a cadeira do Deputado e então arranjam toda a ordem de complicações políticas para, na confusão que se estabelece derrubar o Govêrno, para pôr outro em que tenham mais assegurados os seus interêsses.
Mas, Sr. Presidente, se assim pensam alguns, não pensarão todos. Há aqui quem nada tenha que o prenda, nem que dele terá proveito algum. Ha Deputados a quem é absolutamente indiferente voltar ou não a S. Bento, embora lhes não seja indiferente requisitar para si o lugar de maior perigo para a defesa da República.
Êsses, Sr. Presidente, são os que estão a apoiar o Govêrno.
Sr. Presidente: mau caminho é aquele que as oposições estão a seguir, e não será sem o meu mais veemente protesto que conseguirão o seu objectivo.
É doloroso o que se está vendo: esta crise permanente na vida da Nação. Mas creio que estão outros Srs. Deputados inscritos e eu não quero cansar por mais tempo a atenção da Câmara.
Termino, pois, declarando que o meu único objectivo era ver a República prestigiada.
O orador não reviu, nem os apartes foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Cunha Leal: - Não tenho a mais pequena animosidade pessoal contra os
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membros dêste Govêrno, aos quais tantas vezes manifestei a minha consideração.
Mas o que se passa desde ontem à noite, é inadmissível.
Apoiados.
Ficaria de mal com a minha consciência se não lavrasse o meu protesto e só não dissesse aos Srs. Deputados que apoiam o Govêrno que não queiram provocar simultaneamente duas crises, a do Govêrno e a do Parlamento, pelo sou absolutismo.
Desde as 22 horas horas de ontem até à l hora e meia de hoje, falaram poucos Deputados. De oposição nem sequer uma hora gastaram.
O Govêrno há 14 horas que vem moendo a paciência do Parlamento no almofariz; da eloquência dos seus Deputados.
Isto torna mais visível o descrédito do Parlamento.
Que finalidade tem isto?
Apensa o Govêrno, consumindo a nossa paciência, que pode alterar o numero de votos da oposição?
Diga ao menos o Govêrno que espera pelo comboio das 14 horas e nós esperáramos mais algum tempo.
Mas estamos convencidos de que o Govêrno, sem, conseguir uma vitória, vai simplesmente provocar o descrédito do Parlamento.
E neste momento, em que não fui até esta hora adversário intransigente do Govêrno, entendo que num dado momento, em nome do meu Partido, devo tomar aquela posição que êste julga que deve tomar.
Imponha aos seus amigos silêncio. É seu dever.
Apoiados.
Nós não queremos ser mais moídos.
Temos assistido a êste espectáculo sem protestos nem irritações, mas queremos ver até onde chega isto, até que horas e Govêrno, e seus amigos se decidem a contar os votos, e saber com quem se conta.
Não importa que seja vencedor ou não o Govêrno, mas importa que acabe está s cena.
Sei que no Regimento existe o direito de os Srs. Deputados fazerem o que fizeram, mas não se pratica um acto dêstes sem finalidade prática,
Faz, porventura, esta demora chover Deputados do céu?
Que objectivo se pretende atingir?
Reparem os amigos de Govêrno que, nesta hora, o Parlamento se não encontra mais prestigído de que o estava ontem.
Não há o direito de persistir neste espectáculo.
Poderíamos usar do direito que temos, de nos termos do Regimento acabar com isto, mas cometeríamos a violência política de coartar o direito de os Srs. Deputados usarem da palavra como e durante o tempo que (intenderem, mas pedimos à consciência de todos que simplifiquem o problema.
Querem, porventura, aguardar a chegada do comboio das 2,40?
Digam-no claramente, que. nós esporaremos.
Quem diz isto não quere prejudicar o Govêrno, Mas o que nós não podemos é estar indefinidamente à espera que os votos positivos se transformem em votos negativos.
Não desejo melindrar ninguém, mas confesso que não fiquei satisfeito por ver o ilustre Deputado o meu amigo Sr. A gatão Lança praticar um acto político que está inferior aos seus méritos pessoais, virtudes do republicano e até ás suas virtudes de amigo do Govêrno, que lealmente, se conserva a seu lado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Manuel Fragoso: - Sr. Presidente: vou empregar nas explicações que quero dar ao ilustre leader do Partido Nacionalista, Sr. Cunha Leal, muito menos palavras da que S. Exa. empregou nas suas explicações também.
O que se tem passado é, principalmente uma consequência da intransigência das oposições, que ontem à noite não quiseram acordar connosco no sentido de se interromper a sessão à uma hora da madrugada, transferindo para hoje a resolução difinitiva do debate político que tam torto nasceu e que não será possível tornar completamente direito.
Referiu-se o Sr. Cunha Leal ao descrédito do Parlamento:
Ora eu quero observaria S. Exa. que êsse descrédito pode, necessàriamente, nascer duma; sessão arrastada como tem sido a que se iniciou ontem, derivado da ânsia contínua que existe em derrubar
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Governos sôbre Governos, e essa responsabilidade pertence, principalmente, ao Partido Nacionalista, em que S. Exa. milita, que se tem aliado a todos os lados da Câmara para derrubar não sei já quantos Governos.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - O Partido Nacionalista tem pôsto sempre um ponto de vista, sem preguntar se outros grupos o acompanham ou não. Não fizemos nenhuma aliança.
O Orador: - É possível que me não tenha feito compreender muito bem.
Eu não falei em alianças nem em conúbios. O que disse é que S. Exa. se tem juntado com vários grupos da oposição no mesmo objectivo político de derrubar êsses Governos, e então eu pregunto se o descrédito que provém para o Parlamento dêsse facto não é da responsabilidade do Partido Nacionalista.
O Sr. Cunha Leal (com licença do orador): - O Partido Nacionalista chega a esta isenção:
Apresenta-se um Govêrno da presidência do Sr. António Maria da Silva, e não lhe apresento nenhuma moção de desconfiança; mas, quando surge uma moção de desconfiança de qualquer outro Partido, compreende V. Exa. que não podíamos deixar de a votar, pois de contrário a nossa dignidade seria tam baixa, que nem se salvaria a nossa dignidade pessoal.
O Orador: - Não estou a censurar a atitude do Partido Nacionalista; estou simplesmente a afirmar que se descrédito algum tem advindo para o Parlamento deriva isso principalmente do facto de êste ter derrubado não sei já quantos Governos; e então, constatado êste facto, lembro que as responsabilidades, que nós todos temos, são também do Partido Nacionalista, do que V. Exa. é leader.
E tanto V. Exas. reconheceram que só não deviam. prestar àqueles actos a que V. Exa. ainda agora chamou jôgo de pim-pam-pum, que quando o Ministério da presidência do Sr. Vitorino Guimarães se apresentou aqui, depois de um discurso proferido por V, Exa. o Partido Nacionalista abandonou a Câmara dos Deputados.
Portanto, se V. Exa.. censurou o que se tem passado, em seu nome pessoal, bem está; mas, se censurou como leader do Partido Nacionalista, já não posso estar de acordo com V. Exa., porque foi de dentro do Partido Nacionalista que apareceram os primeiros mestres em matéria de obstrucionismo.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem o Sr. Cunha Leal reviu os seus àpartes.
O Sr. Álvaro de Castro: - Sr. Presidente: já tencionava pedir a palavra para lavrar o meu protesto contra a maneira por que têm corrido os trabalhos parlamentares da sessão desde ontem. Sinto-me amesquinhado, e, pior ainda, sinto a República escarnecida por todos. Há o direito de praticar tais actos? A responsabilidade fica às pessoas que os praticam, mas não há o direito do praticar actos que atingem outros que têm obrigação de aqui estar.
Apoiados do centro.
É certo que as oposições quando têm fundamentos para isso combatem os Governos com os meios que têm, mas é preciso dizer que as oposições, nesta hora, ou qualquer dos grupos, têm sofrido caladas, com o coração a sangrar, tudo quanto se tem feito, e que têm sido verdadeiras frechadas no coração da República, e tais actos ou não são de republicanos ou isto não é República.
Eu me explico. Há o direito, porventura, de nos obrigar a assistir a discursos de nove horas e trazendo todas as matérias para o debate? Há o direito de um Deputado pedir a palavra para falar até à hora do jantar? Estamos aqui para fazer corridas de velocidade e de resistência nos discursos, ou para produzir fundamentos e razões pelos quais convençamos os homens que estão aqui? Não. Tenho o direito de dizer como, na Convenção Francesa, Eobospierre: Je vous, ropelle à la fondeur.
Não posso deixar de lavrar o meu veemente protesto contra tudo quanto tem havido no Parlamento, e fora dele. É mais que edificante o que se tem passado. A razão do oposição está precisamente na forma como os Governos procedem. A
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corrupção alarga. O Parlamento não é uma praça de compra e de venda de consciências. Não pode ser nem será. A sessão tem-se alargado demasiado. Estou convencido que nenhum dos homens que têm assento no Parlamento, na oposição, deixará do se manifestar pela sua energia e vontade quando o Govêrno se puser fora da lei. Perante tal, nós temos o direito do nos rebelar, porque então somos nós o poder legal.
Porque se tem demorado a sessão? Dizem: porque se esperam vários comboios rápidos.
Depois surgem outras ideas, como a do que se pretende rasgar uma página da Constituição, fazendo do Senado, para isso, o instrumento. Assim, pretende-se demorar esta sessão até a abertura do Senado o levá-lo a votar uma moção de confiança ao Govêrno, e pôr o Sr. Presidente da República em face de votações diferentes das duas Câmaras. Depois, então, diz-se esta cousa singela, e já inventada o praticada pelo próprio Sr. António Maria da Silva - é o conflito, e como é o conflito, êle tem do resolver-se. Ora nós recordamo-nos da nossa história parlamentar, e um facto sucedeu aqui, e era uma interpretação constitucional que se pretendia dar ao Congresso da República dando-lhe funções políticas equivalentes à Câmara dos Deputados.
Lembro me da agitação manifestada, e não posso esquecer que foi o meu antigo correligionário Sr. Eduardo de Almeida quem, com a sua palavra conciliadora, fez com que não fôsse por diante essa interpretação. Mas não deixou de ter consequências graves. Pimenta do Castro não foi senão o resultado dessa idea. Mais tarde o Sr. António Maria da Silva reproduziu o incidente.
Não deu resultado, e, se porventura alguém de imaginação doente imaginasse que era possível realizar um acto dêsses, estou convencido de que há republicanos em Portugal para defender a pureza da Constituição, já tam equívoca a situação criada nesta hora, que já começam a fervilhar boatos. Se é necessário prolongar os trabalhos parlamentares até à noite é porque se vai produzir um grande facto - um facto grave - que imporá definitivamente para sempre êste Ministério da presidência do Sr. António Maria da Silva ao respeito de todos os homens da República. Felizmente, Sr. Presidente, o exército português não está ao serviço de ninguém.
Apoiados.
Não está ao serviço do nenhum político nem de nenhum Govêrno para realizar actos que são reprováveis só em pensá-los, quanto mais torná-los possíveis.
Mas o que demonstra, Sr. Presidente, o debato que nós temos ouvido, as declarações que se têm produzido, senão que êste Govêrno veio estabelecer adentro da vida republicana a maior confusão, encaminhando-nos para uma situação equivalente àquela que nós já tivemos de sofrer e que o nosso espírito certamente não evoca senão com mágoa! Não, Sr. Presidente, o que haveria a fazer era uma obra de concórdia, de esfôrços conjugados entre republicanos para levantar a fé no povo, que não acompanha o Govêrno, e auscultar a consciência da Nação para estabelecer o equilíbrio político.
Há fórmulas possíveis.
O Grupo do Acção Republicana está em oposição ao Govêrno, que lhe não merece confiança, e não lha merece por virtude de actos praticados o por palavras produzidas. Falou-se aqui em desprestígio do Parlamento. O Parlamento não se desprestigia com o facto do derrubar Governos. O desprestígio do Parlamento não se produz com discussões que o público compreende o sente que são necessárias para que os problemas se esclareçam. Mas não é estabelecendo o record de tempo no uso da palavra, por um ou mais Deputados, que o Parlamento se prestigia.
Uma voz: - Não é um caso novo.
O Orador: - Não sei se é novo, se é velho.
Pessoalmente, exprimi já ao ilustre Deputado Sr. João Camoesas a minha opinião claramente. Tenho por êle muita consideração, reconheço-lhe talento e dignidade, mas sou obrigado a dizer-lhe sinceramente que o papel que S. Exa. desempenhou não está à altura do seu talento e da sua dignidade.
Apoiados.
Torno impossível a minha estada dentro do Parlamento, porque me sinto, do facto, enxovalhado e vexado por me obri-
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garém a estar aqui sentado a ouvir cousas que não tora nada com o que se trata.
Sr. Presidente: devo dizer que não tencionava pedir a palavra neste debate, apesar de ter ouvido referências ao meu nome e ao grupo a que pertenço. Tinha formulado no meu espírito a idea de não pedir a palavra, porque não queria perturbar o andamento da sessão. Fui forçado a usar da palavra para desagravar não os outros, mas a mim mesmo, o meu grupo e a minha consciência republicana. E eu apelo para todos os republicanos para que olhem para dentro de si, que olhem para a República e votem segundo as suas consciências. Não me acusa a consciência de até hoje ter praticado qualquer acto que diminua o Parlamento; mas, se o praticar, os meus colegas que me censurem, que eu emendar-me hei, visto que o meu intuito é elevar tam alto quanto possível o Parlamento do meu País.
O discurso será publicado na integra revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. João Camoesas: - Sr. Presidente: respeito a opinião do Sr. Álvaro de Castro, porque estou habituado a respeitar a minha própria opinião, mas em 10 anos de vida parlamentar tenho visto e analisado muita cousa, e V. Exa., Sr. Presidente? é testemunha de que nunca houve da minha parte o menor desrespeito pelo Parlamento; não houve agora nas minhas palavras desprimor, e na minha consciência não me pesa ter magoado qualquer pessoa.
Pode ser que alguém, quando Presidente do Ministério, fôsse incomparavelmente mais desprimoroso para com o Parlamento.
Eu apenas respondi à violência com violência, e quanto à responsabilidade dêsse acto ou posso bem com ela.
As palavras do Sr. Álvaro de Castro não foram justas, tanto mais que em todo o meu longo discurso tudo quanto disse se relacionou com o assunto em discussão, o que provarei quando o publicar.
O Sr. Hermano de Medeiros: - Eu dou de conselho a V. Exa. que é melhor não o publicar.
Risos.
O Orador: - Eu não preciso de conselhos; regulo-me sempre pela minha cabeça,
Apoiados.
Vários àpartes.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Agatão Lança: - Peço aos Srs. Cunha Leal e Álvaro de Castro o favor de me darem liberdade de falar o tempo que eu quiser; parece que eu nunca importunei S. Exas. quanto ao tempo dos seus discursos, e quando falei não me arredei do assunto nem o Sr. Álvaro de Castro me chamou à ordem.
O Sr. Álvaro de Castro: - Nem o chamarei. Não é a mim que compete fazê-lo.
O Orador: - Eu falei dentro da ordem, mas o Sr. Álvaro de Castro o que saiu fora do Regimento, pois falou vinte e sete minutos.
Sr. Presidente: eu quero a lei para todos. O Sr. Pedro Pita quis causar-nos: nós procurámos causar o Sr. Pedro Pita.
Ao Sr. Álvaro de Castro, dada a minha consideração pessoal, peço-lhe me diga se proferiu a seguinte frase: "Se os Deputados que apoiam o Govêrno o fazem por interêsses inconfessáveis".
O Sr. Álvaro de Castro (interrompendo). - Não disse qualquer dessas palavras.
Nunca liguei a atitude dos Deputados a cousa nenhuma. De facto falei em interêsses inconfessáveis, dizendo que aqui não era um banco de interêsses inconfessáveis.
O Orador: - Agradeço as explicações de V. Exa. devendo acrescentar que quis mostrar à Câmara que falei dentro da lei e dentro de um direito.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem o Sr. Álvaro de Castro fez revisão das suas explicações.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro da Guerra (António Maria da Silva):- Sr. Presidente: eu apresentei-me a esta
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Câmara já há dias como chefe do Govêrno.
Para quem de direito, tive a incumbência do formar Govêrno o fi-lo nos termos em que o podia, formar, por indicações formais do meu partido.
Desde então para cá, não pode êste Govêrno praticar aqueles actos para que realmente, chamou pessoas para estas cadeiras, porque a todos os instantes se pretende, por processos que o País conhece, empecer a sua acção. E porquê?
Porque alguém tivesse, em virtude de indicações constitucionais, mais direito a estar aqui? Não.
Sr. Presidente: nada tenho com o chamado obstrucionismo do Sr. João Camoesas. E uma pessoa por quem tenho muito respeito e consideração, meu amigo pessoal e político.
Se alguma cousa eu fiz junto de S. Exa. foi solicitar-lhe que abreviasse o seu discurso.
O Sr. João Camoesas (em aparte): - Apoiado.
O Orador: - Sr. Presidente: não tenho demonstrado uma capacidade de ódios, o nem toda a gente pode levantar a cabeça, neste capítulo, como ou,
Não é a primeira vez que alguém se levanta nesta casa do Congresso, em termos encarreiros, impróprios desta Câmara o da categoria do Sr. Álvaro de Castro, para referir a Governos da minha presidência ou a mim actos que nunca pratiquei.
Tenho sempre o sestro de querer ser credor.
Nunca pratiquei um acto ou proferi uma palavra que pudesse deminuir S. Exa. Mas não são as suas diatribes chocarreiras, impróprias da sua inteligência, educação e categoria, que me deminuem os incomodam.
Pelo respeito que tenho pelo Sr. Álvaro de Castro, entendo que S Exa., pela sua categoria moral e mental, devia proceder de outra maneira.
Nunca me dirigi a um Parlamento, que tenho obrigação de respeitar, pelo facto de ter votado uma moção de desconfiança, em termos insultuosos para os seus membros.
Apoiados.
E notem V. Exas. que, quando d Sr. Álvaro de Castro aqui veio, sabendo perfeitamente que estava em minoria, não representando um partido, mas um agrupamento, nunca da minha boca saiu qualquer palavra que pudesse ser considerada deminutiva do seu prestigio.
Eu vejo para aqui porque o Sr. Presidente da República me incumbiu de formar Govêrno. Vim para aqui com um, Govêrno representante de um Partido, e não para degladiar com outras pessoas.
Na apresentação dêste Govêrno ou tive o cuidado do medir as frases que proferi.
Evidentemente que o meu Partido tem os seus organismos próprios, que dão as suas indicações, e, como correligionário obediente, ou obedeci-lhos.
O País terá de reconhecer que as pessoas que aqui se sentam nestas cadeira" têm prestado bons serviços à República, e que continuarão agora a bem servida,
Para que se fez então esto espectáculo triste o desabonador do Parlamento de estar à espreita de ver se entrava mais um ou menos um dos seus membros, para ver se conseguia derrubar o Govêrno?
Encontro-me nesta hora respondendo aos oradores que me procederam, verdadeiramente extenuado, mas, em todo o caso, não deixarei de frisar algumas das frades mais importantes que aqui ouvi proferir.
O meu Partido é o maior agrupamento da Câmara, e, então, numa moção diz-se que o Poder pertence ao segando Partido com maior representação parlamentar?
Que lógica há nisso?
Que processos são êsses?
Diz-se; o Poder há-da ser para nós, porque o queremos.
E isto apesar de não terem condições para isso!
Disse o Sr. Álvaro de Castro que o exército não servia para se meter na política.
Porventura eu já disse o contrário?
Apoiados.
Porventura, em diversas circunstâncias especiais da minha vida, não tenho sempre evitado que se tenham praticado actos tendentes a intrometer o exército em lutas políticas?
Fui já alguma vez acusado de que queria o exército para me elevar?
Tenho tido sempre, Sr. Presidente, a
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consideração, manifestada publicamente, pelo exército português, porque tendo sido Ministro interino da Guerra, nenhum oficial mo pode acusar de ter praticado qualquer acto de política mesquinha.
Eu nunca me importei com a política de oficiais, e hoje, que me encontro na pasta da Guerra, estou convencido que os oficiais me prestam justiça.
Os meus desejos são sempre para o bem dele, que eu considero como o principal instrumento da República.
Êste assunto é deveras melindroso, e já são duas vezes que S. Exa. me ameaça copa revoluções.
Sr. Presidente: quem tem a responsabilidade política do Sr. Álvaro de Castro não faz afirmações dessas!
Já uma vez também por poucos votos de maioria se reuniu o Congresso, e aí verificou-se que eu tinha maioria no Parlamento.
Uma pessoa de grande prestígio republicano, o Sr. Brito Camacho, disse-me que eu devia dar provas ao Senado em face da situação criada.
Eu disse ao Sr. Presidente da República que não lhe solicitava a dissolução, e se lha solicitasse - toda a gente sabe o respeito que eu devo a essa grande individualidade da República - e se S. Exa. não ma negasse, poderiam acusá-lo de mostrar-me parcialidade.
Mas porque fui durante muito tempo contra o direito de dissolução, e porque não queria que depois - pareço já quási estar assente essa doutrina- se dissesse que o meu Partido, que tanto tinha combatido o direito de dissolução, o queria para si, e que já o achava absolutamente aceitável, não fiz isso.
Mas vim a conseguir, mercê da minha insistência, da minha tenacidade, da minha hierarquia mesmo, adentro do meu Partido e até da minha acção no conselho parlamentar, em que esteve o ilustre parlamentar Sr. Álvaro de Castro e uma alta figura da política portuguesa, o malogrado Júlio Martins, que se não dêsse a dissolução ao Partido Nacionalista.
Não foi, portanto, para o meu Partido, e assim respondo ao Sr. Pedro Pita e às considerações do meu querido amigo Sr. Cunha Leal.
Se o Partido Nacionalista não usou dos meios legítimos para ter na Câmara uma
representação que o apoiasse devidamente, a culpa não foi minha nem dos meus correligionários.
Mais tarde, como toda a gente o sabe, com risco da minha própria vida, acompanhei, sofrendo mesmo grandes dissabores adentro do meu Partido, o Govêrno do Sr. António Granjo.
Depois, quando veio a esta casa do Parlamento o Sr. Ginestal Machado em minoria - note o Partido Nacionalista: "em minoria" - acompanhei-o no seu Govêrno, e culpa não tenho, culpa não teve o meu Partido que êsse Govêrno praticasse actos que desagradaram ao Parlamento e que levaram à queda do Gabinete.
Mas ainda nessa ocasião eu ofereci ao Sr. Ginestal Machado lealmente a recomposição, dizendo-lhe:
Continue!
Então um Partido que sofre êstes "agravos" tem o direito de clamar agora, esquecendo-se de actos que praticou e não de actos nossos?
Costuma dizer o povo que às vezes "se faz o mal e a caramunha", e infelizmente estou habituado a ver assim suceder quando os outros se referem ao meu Partido.
Apoiados.
Dizia há pouco o Sr. Pedro Pita: Parece que nós somos indesejáveis para o Partido Republicano Português.
Mas o congresso do meu Partido, e com calor, endereçou os seus cumprimentos ao Partido Nacionalista!
O Partido Nacionalista recebeu as homenagens do meu Partido.
Mas, Sr. Presidente, é manifesto que os meus correligionários não têm a paciência evangélica de oferecer a outra face, depois de receber uma bofetada na primeira.
Não podem agradecer a S. Exas. o fenomenal carinho com que o Partido Nacionalista costuma tratá-los.
Mas vim eu aqui com o propósito de guerrear alguém?
Não!
E assim como S. Exas. querem governar, também eu tenho o direito do dizer "quero", e tenho o direito da prioridade e do volume pelo menos.
Vejam V. Exas. que não é a qualidade de ter barba ou bigode que dá a elevação e inteligência ao Sr. Álvaro de Castro...
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E veja V, Exa.: quero-se que o Partido Republicano Português não tenha o monopólio do Poder, quere-se a arrumação das fôrças políticas, não se querem grupos e grupelhos, mas o Partido Nacionalista, para assaltar o Poder, serve-se de tudo e de todos. E, então, do conúbio nasce o que se está vendo, até de cooperação com pessoas que se dizem ainda meus correligionários! É fantástica a compreensão de muita gente, que só por megalomania pratica actos ilógicos e impróprios para um partido que lhes deu alento, devendo até muitos deles favores inestimáveis a pessoas que nele só encontram. Mas tudo lhes serve perante o acto eleitoral! O pudor político lá vai por ares e ventos!
Apoiados.
É a isto que se chegou na República! Que só importa essa gente com a administração pública?
Mas vamos apreciar a sua situação, como, de resto, foi apreciada a minha. ^Vai ser chamado pelo Chefe do Estado ao Poder o Partido Nacionalista? Do que meios parlamentares dispõe Cie? Vai o conúbio? Não; porque o Partido Nacionalista quero ir só ao Poder, só o só, critério que parece que alguém do meu partido copiou, porque também queria ir só e só, e cá estamos sós... Porém, eu vim para aqui por indicação do Directório do meu Partido, de quem, aliás, tenho tido sempre a colaboração.
Apoiados.
Sr. Presidente: acusou-me o Sr. Sá Cardoso de ser descortês. Já lhe respondi, não querendo ir muito longe, embora no Senado fôsse mais além. Afinal, se alguém foi descortês não fui eu. Fiz tudo para fazer chegar aos ouvidos de S. Exa. o meu desejo de conversar com êle, e não fui atendido. Para me dar Ministros? Não, evidentemente; de contrário o Chefe de Estado e o Directório dir-me-iam: então V. Exa. disso que formava o Govêrno duma maneira, e depois, para apanhar votos, foi formá-lo doutra!? Mas, apesar de formar um gabinete partidário, não dei eu provas da minha isenção política, trazendo o Dr. Germano Martins para a pasta do Interior?
Apoiados.
Não, Sr. Presidente! A política alguma vez há-de ser clara. Ou se arruma ou não, mas? Sr. Presidente, eu tenho mais vontade de ser arrumado do que prestar-me a arrumações com outras pessoas.
Vê V. Exa., Sr. Presidente, em que fica o Partido Nacionalista. Vem, aqui ao Parlamento. Sujeita se a qualquer cousa que lhe não pode ser agradável. Pede a dissolução?... Com que direito? Já uma vez a teve o não soube usar dela. (Muitos apoiados). Êle é o segundo partido desta Câmara. E então êle é que tem êsse direito e nós não, que somos o primeiro? Porventura o Partido Nacionalista ter* homens mais patriotas, mais dignos que nós?... Mas como o Poder lhe podia fugir das mãos, apresenta uma moção. E esta moção é a glória principal de toda a minha vida política! Eu não sou de ódios. Não sou, nunca fui, nem serei. Mas se eu sentisse, ao ler essa moção, um gozo íntimo e se dela não pudesse resultar grande mal para a República, eu estava compensado de tudo quanto me fizeram algumas pessoas. Com efeito, obrigar "certas pessoas" que se dizem democráticos a votar a moção do Sr. Pedro Pita, não podia ter maior satisfação de espírito, nem maior glória na minha carreira política! ...
Apoiados.
A Nação entende-nos a todos (Apoiados), e se nós tivéssemos máscara ela bem saberá no-la tirar!
Muitos apoiados.
E porque assim é, Sr. Presidente, ela sabe bem quem tem razão e quem a não tem.
Mas voltemos à "arrumação" de que eu falava há pouco. V. Exa. Sr. Presidente, está vendo a esplêndida arrumação que vai ser feita. O meu partido não se importa de ser oposição, mas não dá a ninguém o direito de o deslocar do lugar que lhe pertence. E mesmo como oposição talvez déssemos alguns desgostos, quando os outros julguem que nos puseram o pó no cachaço, como diz o vulgo, com conúbios e conchavos pouco legítimos.
E se fizerem tiros contra nós, saberemos responder da mesma forma, como já o provámos com o nosso passado, através da história da política portuguesa!
Muitos apoiados.
Não nos assustam! Oxalá, porém, Sr.
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Presidente, que os outros procedam convenientemente, para que nós possamos ser sempre correctos. Oxalá que dêsses conúbios alguma cousa de útil resulte para o País. Nesta hora singular da vida política portuguesa, veremos quem tem razão.
Devo dizer a V. Exa., Sr. Presidente, em nome do Govêrno, que considero a moção do Sr. Pedro Pita dividida em três partes, dando aplausos à primeira.
A esta, o Govêrno lhe dá o seu aplauso. Sempre dissemos o mesmo e, de resto, eu tenho-o provado exuberantemente pelos factos que ainda há pouco relatei.
A segunda parte, não a posso votar, o mesmo acontecendo com a terceira e última.
Nós, Sr. Presidente, somos bons só quando fazemos tudo quanto os outros querem.
Está ainda na memória de todos a luta das "pastas". E o meu partido era quási sempre "comido", como diz o povo, porque as pastas eram para os outros. Muita gente beneficiou à nossa sombra: muita gente não teria a representação que hoje tem no Parlamento se não fôssemos nós (Apoiados) que alienámos lugares que, de direito, nos pertenciam.
E, porque assim é, isto fica-nos de ensinamento, porquanto todos se comprazem agora em maltratar-nos.
Eu tenho dito em todos os congressos do meu partido, que os homens públicos não se podem tratar como feras. Porém, não se tem querido proceder assim, o que deveras lamento.
Tencionava, neste debate, fazer apenas um reduzido número do considerações, mas fui forçado a alongar-me mais do que queria.
O que lá fora se não pode dizer é que eu perdi a sensibilidade. Não a perdi, não a perco, nem a perderei em qualquer campo.
Apoiados.
Tenho dito.
O discurso será publicado tia integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Pedro Pita (para explicações): - Sr. Presidente: meia dúzia de palavras apenas.
O Sr. Presidente do Ministério quis tirar efeitos da palavra conúbio, sem querer atender nem às afirmações por mim feitas, nem às do Sr. Cunha Leal.
Como todos ouviram umas e outras, eu dispenso-me de as repetir aqui, afirmando simplesmente isto: não há de facto, entre o meu partido e os outros grupos parlamentares, qualquer conúbio.
O Sr. Presidente do Ministério quis ainda salientar, entre os muitos favores que tem prestado ao Partido Nacionalista, o de ter dado o seu apoio ao Govêrno Ginestal Machado.
Está na memória de todos, o que então se passou.
Êsse Govêrno veio apresentar-se às Câmaras, mas, poucos dias depois, foi derrubado, não porque se lhe imputassem responsabilidades por actos que lhe fossem atribuídos ou por palavras que tivesse proferido, mas porque não disse tudo quanto queriam que êle dissesse.
Foi essa a generosidade do apoio.
Assim, foi maior o gozo ao retirarem-lho.
Foi, Sr. Presidente, o prazer de poderem dizer que se tinha trazido aqui êsse Govêrno, com o apoio generosamente concedido, para o guilhotinarem na altura que quisessem.
Todo aquele favor se resumiu nisto.
O Sr. Presidente do Ministério afirmou também que, se alguém pretendesse fazer eleições a tiro, o partido a que S. Exa. pertence saberia responder também a tiro.
O bom julgador por si julga.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro da Guerra (António Maria da Silva) (interrompendo): - Não há dúvida.
O Orador: - E não tem, de facto, S. Exa. razão para atribuir ao Partido Nacionalista, que nunca fez eleições, quaisquer processos que, aliás com justiça, a Governos presididos por S. Exa. já têm sido atribuídos.
E passou S. Exa. com um ar tam irritado, tam diverso daquele com que S. Exa. se apresentou aqui no primeiro dia!
O Partido Democrático não estará ainda farto de permanentemente nos ter governado, desde que a República é República?
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Sr. Presidente: não é crime nenhum da parte de qualquer partido o querer governar, porque foi para governarem o para porem em prática os seus planos que os partidos se constituíram.
A aspiração do qualquer partido querer governar é, portanto, absolutamente legítima.
Sr. Presidente: respondendo à afirmação do S. Exa., relativamente às ambições políticas que eu porventura possa ter, ou direi que não vira a esta Câmara pelo favor do Partido Democrático,
E só da primeira vez que aqui vim foi como Deputado democrático, a verdade é que, quando saí do partido, todos os que pertenciam ao círculo que me elegeu saíram também.
Se todos aqueles que têm sido eleitos, estão nas mesmas condições em que eu me encontro, não tem de agradecer nenhum favor ao Sr. Presidente do Ministério.
Disse aluda S. Exa. que na moção que tive a honra de enviar para a Mesa só encontra, consignado um princípio inteiramente de aceitar, qual é o de que o Govêrno não pode ser exclusivo de um partido.
Sr. Presidente: simplesmente o que se tem dado no País, desde pouco, tempo depois da implantação da República, é e quási que exclusivo do Poder no Partido Democrático.
Apoiados.
Não apoiados.
E se para quem tanta liberdade de voto anuncia é fácil conciliar êsse propósito com o da "arrumação", a que o Sr. Presidente do Ministério fez referencia, eu, Sr. Presidente, já não entendo nada.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem o Sr. Presidente do Ministério fez a revisão do seu
O Sr. Carvalho da Silvas - Muito poucas palavras, Sr. Presidente, eu vou proferir.
Apenas as precisas para justificar a maneira por que êste lado da Câmara votará nas moções que V. Exa. vai submeter à apreciação da Câmara.
Somos, Sr. Presidente, inteiramente alheios a todas as lutas de partidos ou de pessoas, lutas que nesta Câmara tara largamente se tem patenteado.
Não nos preocupam em nada absolutamente em nada, as discussões com êsse carácter; o que desejamos, olhando exclusivamente aos interêsses nacionais, está expresso na moção que enviamos para a Mesa.
Entendemos que só um Govêrno nacional, alheio a toda a política partidária, pode convir às necessidades da Nação.
A moção enviada para a Mesa pelo Sr. Pedro Pita não podemos votá-la tal como está.
Votamos a desconfiança ao Govêrno, mas não podemos votar à parte que só refere à confiança ao Partido Nacionalista, porque não temos confiança neste partido como de resto em nenhum outro da República.
Lamentamos a maneira como foi redigida esta moção; se fôr assim apresentada, abstém o nos do entrar na votação, declarando, no em tanto, que votamos a desconfiança ao Governo, negando do mesmo modo a confiança no Partido Nacionalista.
E, para terminar, desejando frisar novamente que somos inteiramente alheios a todas e quaisquer lutas políticas que aqui se têm desenrolado, direi que a nossa atitude é clara.
Não temos nem queremos entendimentos de nenhuma espécie.
A nossa atitude é franca, repito, e desassombrada para que o País inteiro nos possa apreciar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Fernando Freira: - Sr. Presidente: pedi a palavra, não para produzir, um longo discurso, mas apenas para deixar consignada uma opinião e para marcar, responsabilidades que me pertencem, e que não enjeito nossa hora, como de resto as nunca enjeitei através da minha carreira política na República.
Sr. Presidente: afastado dos trabalhos parlamentares, já há bastantes meses, afastamento que justifico por não concordar com a compatibilidade de funções militares e parlamentares, tenho neste momento de justificar e definir a minha opinião em relação à minha, presença nesta casa e à forma como encaro é momento presente e de que considero o Govêrno:
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actual como uma garantia para a República. Por isso aqui estou dando-lhe o meu voto.
Apoiados.
E esta a minha declaração, e fazendo-a saúde V. Exa., Sr. Presidente, e o Parlamento.
O orador não reviu.
O Sr. Sá Cardoso: - Duas palavras apenas. Ás 11 horas e meia de sexta-feira telefonaram-me da parte do Sr. Presidente do Ministério, preguntando se mo poderia falar.
Quem recebeu o recado foi meu filho. Eu estava no Teatro do S. Luís; quando voltei e me transmitiram o recado faltavam 10 minutos para a 1 hora.
Aguardei qualquer outra comunicação, mas não tornei a ser procurado.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro da Guerra (António Maria da Silva): - O Sr. Sá Cardoso não tem o direito de duvidar da minha amizade.
O Orador: - E eu honro-me muito com a amizade de V. Exa.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro da Guerra (António Mana da Silva): - Não invertamos as posições; nada tem a amizade pessoal com a política.
Apoiados.
Nem isto mesmo interessa para a questão.
Mas tenho a opinião de que a moção é inconstitucional; não se compreende que o Parlamento force o Chefe do Estado a chamar ao Poder determinado partido.
O Partido Nacionalista não faz mais do que tem feito em outras ocasiões da! vida política.
O orador não reviu.
O Sr. Joaquim Ribeiro: - Requeiro que a moção do Sr. Pedro Pita Seja dividida em três partes, de seguinte forma:
1.ª A Câmara dos Deputados, reconhecendo que o Poder não pode constituir exclusivo dum partido;
2.ª É verificando que as sucessivas crises de Governos formados pelo Partido Democrático, só ou com o auxílio doutros agrupamentos políticos, aconselham como conveniente para a República a entrega do Poder ao partido que àquele se segue em representação parlamentar;
3.ª Manifesta ao Govêrno a sua desconfiança.
O Sr. João Luís Ricardo: - Sôbre êsse requerimento requeiro votação nominal.
E aprovado é requerimento do Sr. João Luís Ricardo.
Procedeu-se à cotação nominal do requerimento do Sr. Joaquim Ribeiro.
Disseram "aprovo" os Srs.:
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira dê Castro Agatão Lança.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira..
Custódio Martins de Paiva.
Ernesto Carneiro Franco.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Aguas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Dinís da Fonseca.
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96 Diário da Câmara dos Deputados
José Joaquim Gomes do Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Lourenço Correia Gomes.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo Limpo de Lacerda.
Sebastião Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Disseram "rejeito" os Srs.:
Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto do Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso do Melo Pinto Veloso.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Xavier do Castro.
Amadeu Leite do Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Correia.
António Ginestel Machado.
António Resende.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Pereira Nobre.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Francisco Cruz.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Jaime João de Sousa.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Barros Capinha.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Alegre.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Matias Boleto Ferreira do Mira.
Pedro Augusto Pereira do Castro.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Disseram "rejeito" 57 Srs. Deputados e "aprovo" 55.
Está rejeitado.
É lida a moção do Sr. Pedro Pita.
Moção de ordem
A Câmara dos Deputados, reconhecendo que o Poder não pode constituir exclusivo dum partido, e verificando que as sucessivas crises de Governos formados pelo Partido Democrático, só ou com auxílio doutros agrupamentos políticos, aconselham como conveniente para a República a entrega do Poder ao partido que àquele se segue em representação parlamentar, manifesta ao Govêrno a sua discordância, o passa à ordem do dia.
Sala das Sessões, 16 de Julho de 1925. - O Deputado, Pedro Pita.
O Sr. António Correia (para um requerimento): - Sr. Presidente: para essa moção requeiro a votação nominal.
É aprovado o requerimento.
O Sr. Agatão Lança (para um requerimento): - Sr. Presidente: requeiro a V.
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Exa. a divisão dessa moção em duas partes: até à palavra "parlamentar" e "a desconfiança ao Governo".
Vozes: - Não pode ser! Já não vai a tempo.
O Orador: - Sr. Presidente: salvo o devido respeito que por V. Exa. tenho, ouso lembrar-lhe que estou no meu pleno direito de formular êste requerimento, e que o faço na altura própria. Êste meu requerimento, que incide sôbre o modo de votar, não implica em nada com aquele sôbre o qual a Câmara acaba de pronunciar-se.
Sendo assim, requeiro a V. Exa., no meu legítimo direito de Deputado, que a moção do Sr. Pedro Pita seja dividida em duas partes: a primeira contendo os considerandos, a segunda a conclusão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara. O requerimento do Sr. Agatão Lança pode ainda ser aceite na Mesa.
Apoiados.
De resto, será a melhor maneira de bem se averiguar da vontade da Câmara neste debate. Evitam-se assim discussões que só servem para prejudicar o bom andamento dos trabalhos.
S. Exa. não reviu.
Submetido à apreciação da Câmara o requerimento do Sr. Agatão Lança, é rejeitado por 59 Srs. Deputados contra 56.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação nominal da moção do Sr. Pedro Pita.
Procede-se à chamada.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Disseram "aprovo" 58 Srs. Deputados e "rejeito" 49.
Está aprovada.
Disseram "aprovo" os Srs.:
Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Resende.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Pereira Nobre.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Francisco Cruz.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sousa.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Alegre.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
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Disseram "rejeito" os Srs.:
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto de da Fonseca.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Lino Neto.
António Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Custódio Martins de Paiva.
Ernesto Carneiro Franco.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Dinis do Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Salema.
João Teixeira do Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro. Joaquim Dinis da Fonseca.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Lourenço.
Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Lourenço Correia Gomes.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Eduardo da Costa fragoso.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
O Sr. Presidente: - Moção do Sr. Carvalho da Silva está prejudicada.
É seguinte:
Moção
A Câmara, reconhecendo que só um Govêrno nacional, alheado do toda a política partidária, pode satisfazer as condições requeridas pela grave situação do País e, manifestando á sua desconfiança no actual Ministério, passa à ordem do dia.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 16 de Julho de 1925. - Artur Carvalho da Silva.
O Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva): - Sr. Presidente, pedi a palavra para informar a Câmara de que vou inteirar o Sr. Presidente da República do que se passou nesta sessão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão será na terça-feira, 21 do corrente, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia (com prejuízo dos oradores que se inscreveram):
A de hoje, menos a proposta de lei n.° 965.
(Sem prejuízo dos oradores que se inscrevam):
A do hoje.
Ordem do dia - Primeira parte:
A de hoje, passando para segundo lugar o parecer n.º 865 (e) é para terceiro lugar o parecer n.° 865 (d).
Segunda parte:
Negócio urgente do Sr. Cunha Leal sôbre a necessidade do serem anulados os decretos n.ºs 10:734 e 10:761, de Maio último.
Projecto de lei que declara nulos os decretos n.ºs 10:734 e 10:7.61, de 2 e 14 de Maio último e a de hoje, menos o negócio urgente do Sr. Sampaio Maia.
Está encerrada a sessão.
Eram 15 horas e 45 minutos do dia 17.
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Sessão de 16 e 17 de Julho de 1925 99
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Última redacção
Projecto de lei n.° 865 (a).- Orçamento das despesas do Ministério das Finanças no ano de 1920-1926.
Aprovado.
Remeta-se ao Senado
Declarações de voto
Os Deputados abaixo assinados declaram ter aprovado a moção do Sr. Pedro Pita, apenas na parte que diz - manifesta a sua desconfiança ao Governo -, não perfilhando qualquer dos outros considerandos dessa moção. - José Domingues dos Santos - António Resende - Jaime de Sousa - Vergilio Saque - Pina de Morais - Sá Pereira - Amadeu de Vasconcelos - Pedro de Castro - Augusto Nobre - Crispiniano da Fonseca - Américo da Silva Castro - Manuel de Sousa Dias Júnior - Alberto Cruz - Adolfo Coutinho - José Cortês dos Santos- Carlos de Vasconcelos - Jorge Barros Capinha - Luís Tardares de Carvalho - Germano de Amorim - José de Oliveira Salvador.
Declaramos que o Grupo da Acção Republicana votou a moção do Sr. Pedro Pita única e simplesmente por ela exprimir a desconfiança ao Govêrno, não perfilhando qualquer dos considerandos ou indicações que ela contém. - Álvaro de Castro - Sá Cardoso - Viriato da Fonseca - João Pereira Bastos - Joaquim José de Oliveira -Manuel Alegre - José Pedro Ferreira - António Correia - Angelo de Sampaio e Maia - Ribeiro de Carvalho.
Rejeitamos a moção de desconfiança, mas sem qualquer intuito de nos pronunciarmos acerca das questões que envolvem os considerandos, por afirmarem primasias entre os diversos partidos a que somos estranhos por princípios. - Lino Neto - Joaquim Dinis da Fonseca.
Pareceres
N.° 865-H. - Da comissão do Orçamento, fixando as despesas do Ministério do Interior para 1925-1926.
Imprima-se com a máxima urgência.
N.° 865-G. - Da mesma, fixando as despesas do Ministério da Agricultur? para 1925-1926.
Imprima-se com a máxima urgência.
Da comissão de administração pública, sob o n.° 949-B que cria selos especiais para a correspondência expedida pelas estações do correio do arquipélago da Madeira nos dias 1 de Janeiro, 3 de Maio, 5 de Junho, 1 de Julho e 1 e 25 de Dezembro de cada ano.
Para a comissão de finanças.
Da mesma, sob o n.° 953-E que mantém aos funcionários dos quadros técnicos do Ministério da Agricultura a equiparação de vencimentos estabelecida no decreto n.° 7:163, de 1 de Janeiro de 1923.
Para a comissão de finanças.
O REDACTOR - Sérgio de Castro.