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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.° 110

EM 12 DE AGOSTO DE 1925

Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva

Sumário. - Abertura da sessão. Leitura da acta. Correspondência.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Tôrres Garcia. Ministro das Finanças, requere a imediata discussão da proposta de lei relativa a um empréstimo para as Universidades.

Usa da palavra, sôbre o modo de votar, o Sr. Paiva Gomes, tendo aprovado em seguida o requerimento do Sr. Ministro dos Finanças.

Feita a contraprova, requerida pelo Sr. Paiva Gomes, confirma-se a aprovação.

Entrando em discussão a referida proposta, usa da palavra o Sr. Patuá Gomes, ficando com a palavra reservada.

O Sr Rocha Saraiva requere a continuação da discussão da proposta de lei em debate, com prejuízo da 1.ª parte da ordem do dia.

É aprovada.

Feita a contraprova, a requerimento do Sr. Paiva Gomes, que invoca o § 2.° do artigo 116.º do Regimento, verifica-se ter sido aprovado por 34 votos contra 31.

São aprovadas as actas.

É concedida uma licença.

O Sr. Presidente declara que vai consultar a Câmara sôbre a concessão da palavra ao Sr. Carvalho da Silva, que deseja tratar em negócio urgente da forma como está sendo aplicada a taxi dos impostos.

Usa da palavra, sôbre o modo de votar, o Sr. Carvalho da Silva, sendo lhe em seguida negada a autorização para tratar do seu negócio urgente.

Feita a contraprova, requerida pelo Sr Carvalho da Silva com a invocação do § 2.° do artigo 116.º do Regimento, confirma-se a votação anterior por 46 votos contra 17.

Continuando a discussão da proposta de lei do Sr. Ministro das Finanças, o Sr. Paiva Gomes conclui o seu discurso, respondendo-lhe o Sr. João Camoesas (Ministro da Instrução).

Segue-se no uso da palavra o Sr. Velhinho Correia, ficando com a palavra reservada para a próxima sessão.

O Sr. Ministro das Finanças envia fava a Mesa uma proposta de duodécimos, para a qual pede a urgência e a dispensa do Regimento, a fim de ser discutida na próxima sessão.

Usa da palavra, sôbre o modo de voto, o Sr. Carvalho da Silva.

É aprovado o requerimento do Sr. Ministro das Finanças.

Feita a contraprova, requerida pelo Sr. Carvalho da Silva com invocação do § 2." do artigo 111.º do Regimento, verifica-se terem aprovado 66 Srs. Deputados e rejeitado 14.

O Sr. Sousa Rosa requere a discussão imediata do parecer n.° 967.

É rejeitado.

Procedendo-se à contraprova, a requerimento do Sr. Cunha Leal, que invoca o § 2.º do artigo 116.º do Regimento, verifica-se a aprovação do requerimento do Sr. Sousa Rosa por 45 votos contra 27.

Entrando em discussão o parecer n.° 967, usa da palavra o Sr. Sá Pereira, ficando com a palavra reservada para a sessão seguinte.

Antes de se encerrar a sessão. - O Sr. Carvalho da Silva chama a atenção do Sr. Presidente do Ministério para determinados actos abusivos das autoridades de Alenquer em matéria de recenseamento eleitoral.

Responde-lhe o Sr. Domingos Pereira (Presidente do Ministério).

O Sr. Carvalho da Silva volta a usar da palavra pura explicações.

O Sr. Cunha Leal chama a atenção do Sr. Ministro da Guerra para a ilegalidade do decreto que separou do exercido alguns oficiais implicados no movimento de 18 de Abril.

Responde-lhe o Sr. Vieira da Rocha (ministro da Guerra)

O Sr. Cunha Leal agradece a resposta do Sr. Ministro, e em seguida o Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. - Alterações em comissões parlamentares - Proposta sôbre a sindicância dos Bairros Sociais - Negócio urgente - Projecto de lei - Um parecer - Requerimentos.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Abertura da sessão às 15 horas e 25 minutos.

Presentes à chamada, 53 Srs. Deputados.

Entraram, durante a sessão 37 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto da Rocha Saraiva.
António Abranches Ferrão.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Paia da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Ernesto Carneiro Franco.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Germano José de Amorim.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João José Luís Damas.
João de Sousa Uva.
José António do Magalhães.
João Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marquês Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
José de Vasconcelos de Sousa é Nápoles.
Júlio Gonçalves.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Viriato Gomes da Fonseca.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto de Moura Pinto.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Lino Neto.
António de Mendonça.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Martins de Paiva.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Aguas.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Barros Capinha.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Pedro Góis Pita.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

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Sessão da 12 de Agosto de 1925 3

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Adriano António Crispiniano da1 Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Lelo Portela.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António Resende.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Brandão.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Vitorino Henriques Godinho.

Às 15 horas e 10 minutos, principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 53 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Leu-se a acta e deu-se conta do seguinte

Expediente

Pedido de licença

Do Sr. Pinto Barriga, 10 dias.

Concedido.

Comunique-se.

Para a comissão de infracções e faltas.

Representação

De 389 foreiros residentes em Portimão, pedindo a revogação do § único do artigo 4.° da lei n.° 1:645, de 4 de Agosto do 1924.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Ofícios

Do Senado, comunicando ter rejeitado a proposta de lei n.° 900, que adicionava um parágrafo ao artigo 10.° da lei n.° 1:662, de 2 de Setembro de 1924.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

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4 Diário da Câmara dos Deputados

Do Senado, enviando as seguintes propostas de lei:

Determinando a forma do só fazerem as queimas do matos no distrito do Faro.

Para a comissão de agricultura.

Determinando que as permutas autorizadas pela lei n.° 1:494, do 14 de Novembro do 1923,-só possam ser feitas entre oficiais do justiça efectivos.

Para a comissão de legislação civil e comercial e legislação criminal, conjuntamente.

Passando a assomblea eleitoral de Vilar Maior para a freguesia de Cerdeira, concelho de Sabugal.

Para a comissão de administração pública.

Determinando que a povoação chamada Vale do Ladrões, do concelho de Moda, passe a denominar-se Vale da Eira.

Para a comissão de administração pública.

Do Ministério da Guerra, satisfazendo ao requerido pelo Sr. Deputado Pires Monteiro, comunicado no ofício n.° 278.

Para a Secretaria.

De D. Sabina Gonçalves Rodrigues, agradecendo o voto do sentimento desta Câmara pela morte de seu. marido o actor José Ricardo.

Para a Secretaria.

Do Senado, para que seja incluído na proposta de lei enviada a esta Câmara relativa à pensão à viúva e filhos do cidadão António França Borges o nome de António França Borges, filho do dito falecido cidadão.

Para a comissão de finanças.

Telegramas

Do Sr. Deputado António da Fonseca, agradecendo o voto de sentimento pela morto de seu pai.

Para a Secretaria.

Da Associação Comercial e Industrial de Esposende, protestando contra o agravamento das contribuições e pedindo a revogação do artigo 11.° do decreto n.° 1:608.

Para a Secretaria.

Antes da ordem do dia

O Sr. Ministro das Finanças (Tôrres Garcia): - Sr. Presidente: requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se ela consente que entre imediatamente em discussão com urgência e dispensa do Regimento a proposta de lei que autoriza o Govêrno a contrair um empréstimo de 30:000.000$ para despesas no ensino universitário o primário.

Tenho dito.

O Sr. Paiva Gomes (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: quási no termo da sessão legislativa actual, confesso que é com muito desgosto que vejo surgirem sôbre a Mesa propostas dêste quilate e de tal magnitude, propostas que com certeza, trazem um grande aumento de despesa que V. Exa., Sr. Presidente, nem sequer se dignou ainda dizer à Câmara a quanto monta nem onde só irão buscar os recursos para lho fazer face.

Não me parece, pois, que seja de considerar uma proposta apresentada em tais condições, tanto mais que, havendo nesta Câmara, ao que suponho, comissões técnicas, é evidente e elementar que elas sejam primeiro ouvidas sôbre o assunto.

Tratar-se-há, porventura, do alguma proposta insignificante, destas que podemos fàcilmente apreender, no prazo de minutos?

Será certo que a desposa que ela acarreta é relativamente pequena, e que não virá afastar-nos do equilíbrio orçamental?

Acabam de obsequiosamente me entregar uma cópia desta proposta, mas confesso que não é neste momento, à pressa, que eu poderei formar juízo sôbre ela.

No caso de a Câmara aprovar a sua imediata discussão, eu aguardarei que só entre em debate na especialidade e apreciarei então com cuidado analisando esta proposta detidamente, olhando à situação económico-financeira do País, à situação tributária, que é delicada ...

O Sr. Nunes Loureiro (em àparte)... é bastante complicada.

O Orador: - ... o bastante complicada, como muito bem diz um ilustre Deputado.

Sr. Presidente: nada lucraremos insis-

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tindo em que se discuta uma proposta destas.

O montante parece-me que ascende a 30:000.000$. Ora serão 30$ só?

A moeda, felizmente para nós, ainda não está tam desvalorizada como o marco, e portanto (contra o que eu supunha) o que nesta proposta se pede não é nenhuma bagatela: são 30:000.000$ que o Estado lhe possui; são 30:000.000$ que amanhã, talvez pelo processo do garrote, nos irão obrigar a votar, lançando-nos em novos aumentos de circulação fiduciária, para os quais caminhamos a passos certos e seguros.

Onde se irá buscar esta verba?

Ao imposto, que, segundo é uso agora dizer-se, não traz novos agravamentos?

Nós que ainda não fizemos o esfôrço máximo de conseguir o equilíbrio orçamental, precisamos de respeitar a já pequena capacidade que o contribuinte ainda tem, sem o que nós amanhã teremos dias amargos, e virão junto de nós três e quatro vezes dizer que é forçoso elevar a verba a quantia não inferior a 50:000.000$.

Parece-me, pois, de muito bom senso, de muito bom critério e de muito boa prudência que a proposta apresentada seja enviada às comissões.

Não me parece de considerar o pedido feito pelo Sr. Ministro das Finanças, aliás na melhor das intenções.

S. Exa. que tem ilustração e inteligência, deve ver a questão de conjunto, de alto, e não apenas através do prisma estreito de um determinado ramo de serviço, embora muito respeitável.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o requerimento do Sr. Ministro das Finanças. É aprovado o requerimento do Sr. Ministro Finanças.

O Sr. Paiva Gomes: - Peço a contraprova.

Procede-se à contraprova.

O Sr. Presidente: - Aprovaram 47 Srs. Deputados e rejeitaram 14.

Foi Lida a seguinte

Proposta de lei

Artigo 1.° É o Govêrno autorizado a contrair no ano económico de 1925-1926,
com qualquer instituição de crédito, um empréstimo do 30:000.000$ para despesas de instalação do ensino universitário e primário.

§ 1.° Esto empréstimo será amortizado no prazo máximo de trinta anos e a taxa anual de juro não será superior a 10 por cento.

§ 2.° No Orçamento Geral do Estado será inscrita a verba necessária para ocorrer ao pagamento dos encargos de juro e amortização dêste empréstimo.

Art. 2.° Para fazer face aos encargos contraídos pelo Estado em virtude do artigo anterior será cobrada em todas as alfândegas do continente e ilhas adjacentes uma sobretaxa de 3 por cento ad valorem sôbre os automóveis de turismo, jóias, sedas, veludos de seda, peles de abafo e plumas importadas do estrangeiro.

Art. 3.° A distribuição do empréstimo autorizado por esta lei será a seguinte:

[Ver tabela na imagem]

Art. 4.° A aplicação das participações no empréstimo consignadas no artigo anterior será feita sob proposta dos conselhos escolares das Universidades e escolas, da direcção do Instituto Superior de Higiene e Direcção Geral do Ensino Primário, tendo em consideração o seguinte:

a) A verba destinada à Universidade de Lisboa dirige-se à construção dos edi-

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fícios para sedo da Universidade, Faculdade de Letras e Faculdade do Direito e conclusão do da Faculdade de Farmácia;

b) A verba destinada à Universidade do Pôrto dirige-se à construção ou aquisição de edifícios para as Faculdades de Letras, de Medicina e Técnica, conclusão do edifício da Faculdade de Farmácia, instalação do Jardim Botânico, do Instituto de Zoologia, Observatório Astronómico, Museu de Arqueologia Histórica e melhoramento dos serviços da Faculdade de Siências;

c) A verba destinada à Universidade do Coimbra dirige-se à conclusão dos edifícios da Faculdade de Letras, à instalação do Instituto Botânico Dr. Júlio Henriques e construção de pavilhões anexos à clínica do Dr. Daniel de Matos para instalação da Maternidade o Hospício.

Art. 5.° O Govêrno expedirá todas as instruções e regulamentos necessários para a boa execução desta lei.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 10 de Agosto de 1925. - António Alberto Tôrres Garcia - João José da Conceição Camoesas.

O Sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.

O Sr. Paiva Gomes: - Vamos discutir, a proposta apresentada em termos tam singulares pelo ilustre Ministro das Finanças.

Com esta proposta fecharíamos com chave de ouro o Parlamento.

Não há dúvida! Depois de tanto esfôrço e tanto trabalho produtivo, como aquilo que a Câmara desenvolveu, realmente seria para registar e seríamos coerentes, se votássemos esta proposta de lei!

Que importam estos 30:000 contos que importam estos milhares de contos, se temos o Orçamento desequilibrado?!

Não é um paradoxo esta frase do Sr. Ministro da Instrução Pública!

Se temos um Orçamento desequilibrado, que importam os 30:000 contos para equilibrar o Orçamento?

É cavar para abrir a cova, o abismo; e salve-se quem puder.

Os mais audazes, os mais atilados, os que primeiro chegam, é que enchem; e depois das contas dar-se hão, porque o País é que há-de pagar fatalmente.

Simplesmente o esfôrço a desenvolver será amanhã muito maior, e o País pedirá contas. É certo que não há responsabilidade pelos nossos actos, e a responsabilidade ministerial é só no papel, por nosso mui.

Não é meu propósito procurar ver a questão apenas por uma das facetas, por uma maneira unilateral, apenas do harmonia com os interêsses morais de uma classe, mas integrando-mo nos interêsses gorais do País.

Quando amanha êsse alguém chegar, precisamos estar devidamente preparados para facilitar a obra que tem de fazer-se, que há-de dar-se.

Sei que nos vêm dizer que se não agrava a situação do Tesouro, Que não á o Estado, que é a Caixa Geral de Depósitos. O efeito financeiro é o mesmo. Não imporia que seja por conta gôtas, ou à medida que os recursos do Tesouro o permitam,

Temos de ir buscar o dinheiro por uma forma, directa ao contribuinte, ou por lei especial, procurando estabelecer um tributo adstrito a determinada obra,

Confesso que as leis tributárias representam um caos de tal maneira, que hoje já não se sabe por quantas rubricas se devem satisfazer os impostos. O contribuinte, ou tem do pagar, sem previamente verificar aquilo que a Fazenda lhe pede, ou se quiser dar-se ao luxo, à honestidade mental de procurar saber quanto paga e por que verbas paga o quando devo pagar, tem de procurar um indivíduo com o curso superior do comércio, para lho dizer. Só assim por meio do um consultor jurídico, é que poderá defender os seus direitos. E note-se que o caso não se passa só nas secretarias de finanças de 3.ª ordem.

Passa-se mesmo em Lisboa. Ainda não há muitos dias que um tesourei: o de finanças do continente me dizia que a contribuição predial tinha sido lançada indevidamente, o êle próprio era o primeiro a pedir ao contribuinte que não pagasse senão o primeiro semestre, dizendo-lhe que apresentasse a sua reclamação, facilitando, êle próprio a minuta para essa reclamação.

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Efectivamente não só ás contribuições são agravadas, mas ainda são aumentadas por êrro de ofício e não por má fé; por um êrro derivado da dificuldade enorme que tem hoje o pessoal da tesouraria para interpretar as leis.

Isto, Sr. Presidente, dá-se em Lisboa, dando se com muita mais razão nas secretarias de finanças provinciais, onde há uma grande falta de pessoal, e onde os serviços triplicaram.

Eu sei directamente que o chefe da Secretaria de finanças se vê obrigado a fazer serões, estando o pessoal na verdade mal pago, miseravelmente pago, não ganhando uma parte dele, mais do que 800$ mensais.

Há na verdade uma grande dificuldade em liquidar as contribuições; no emtanto, ainda se pensa nesta altura em lançar mais impostos para um fim especial.

Não posso deixar de lembrar à Câmara o que ainda não há muito aqui se passou numa sessão em que um Deputado, fazendo um esfôrço máximo, batendo o record, conseguiu falar durante nove a dez horas.

Oxalá, Sr. Presidente, que essa coragem, essas faculdades de inteligência não faltem, pois é assim que eu compreendo, e que é necessário que se faça obstrucionismo, tanto mais tratando-se de um assunto como êste de que se trata.

Fica assim, portanto, Sr. Presidente, a Câmara já prevenida, de que a proposta de lei apresentada não passará em julgado, pelo menos sem o meu mais veemente protesto.

Entendo, pois, que é justamente para êstes casos que é necessário todo o nosso esfôrço, toda a nossa boa vontade, e seja qual fôr a nossa inteligência, tanto mais quanto é certo que temos a certeza de que estamos a trabalhar para o bem comum, pois a verdade é que 30:000 contos não são 30 centavos.

São 30 milhões de escudos!

Será certo que temos disponibilidades para êste fim, que derivem directamente da situação financeira do Tesouro ou da capacidade tributária do País?

Não!

Analisemos a primeira destas hipóteses: a de que houvesse, com efeito, disponibilidades no Tesouro Público.

Eu, há tempos, tive ocasião, a propósito da proposta de lei relativa ao financiamento de Angola, de expor à Câmara a situação do Tesouro.

Essa situação continua a ser - V. Exas. não se admirarão que eu o diga- melindrosa, porque estamos cada vez mais afastados (esta é que é a verdade incontestável) do equilíbrio orçamental.

Mas preguntarão V. Exa.: sendo assim, como conseguimos viver?

Eu diria (se fôsse necessário) a forma como se vive.

Por agora bastar-me há dizer a, V. Exa., Sr. Presidente, e à Câmara que os recursos de que o Estado se serve paxá fazer face às suas despesas normais não derivam de nenhuma receita própria.

Veja o Sr. Ministro das Finanças qual a evolução dos bilhetes de Tesouro e procure S. Exa. saber qual a evolução tios depósitos da Caixa.

Digo isto só.

E S. Exa. verá depois do onde vêm os recursos. Milagres não se fazem.

Sabemos que o contribuinte - todos o verificaram já - está a pagar com dificuldades grandes, o que é elementar, desde que verificamos que o curso da produção foi, segundo o coeficiente 160 a libra, ao passo que a receita proveniente dela se obtém de harmonia com o coeficiente 100 a libra.

E, porque a libra baixou de 160 para 100, é elementar também verificarmos esta espécie de prémio de produção que indirectamente era dada aos exportadores, deixou de existir ou, pelo menos, foi grandemente cerceada.

Daí derivou a crise grave, gravíssima, que está atravessando a indústria.

E é neste momento que se procura agravar mais o contribuinte.

Não, Sr. Presidente, não pode ser, e é contra isso que eu protesto, muito principalmente na situação em que o contribuinte se encontra em face dos impostos já lançados.

É o que se dá exactamente com a lavoura, é o que se dá com a indústria agrícola, a verdadeira indústria; é o que se dá com a pecuária; é o que se dá com a indústria das conservas e é o mesmo que se dá com a indústria da lã.

Pois é justamente neste momento que se vem pedir ao contribuinte um novo esfôrço!

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Não, Sr. Presidente, não tem que se pedir, nem. tem que se exigir, pois, na verdade eu só compreendo que se poça, o que se exija ao contribuinte um esfôrço, quando na verdade haja a certeza da sua boa aplicação.

Não sendo assim, não se compreende que se venha pedir mais êste esfôrço, se bem que eu saiba, conformo já tive ocasião de dizer à Câmara, que há muitas verbas inscritas no Orçamento que estão muito longe de ser atingidas.

Haja em vista o que tem acontecido com o imposto do transacções, que foi calculado em 110:000 contos, e que não têm rendido mais do 60,000 contos, o mesmo se dando com a contribuição de registo, mas muito principalmente com o imposto do transacções,

Êsse imposto está longe de render a verba prevista, porque há uma grande falta de pessoal das repartições respectivas, o que fax com que na maioria dos concelhos a cobrança esteja atrasada em, pelo Amenos, cinco anos,

É assim que nós queremos preparar uma melhoria financeira, para a estabilidade cambial?

Como andamos a brincar com tudo isto!

Estabilidade cambial!

O público português, e toda a gente, está a embalar-se demasiadamente na estabilidade cambial.

Oxalá não venha a desilusão amanhã! Que amarga ela será!

Aproveitou-se, acaso, a oportunidade para se equilibrar o Orçamento?

Não!

Que grande crime praticámos!

O que dirá o Sr. Ministro das Finanças sôbre êste assunto?

Que responsabilidade não teremos nós todos só amanha a roda desandar e não fôr possível travá-la!

Todos nas mãos apertarão a cabeça.

Não digo que vão para o fundo como os macacos, porque a verdade é que os macacos nadam.

Nessa altura os espertos nadarão. Os simples é que se afundarão.

Dia a dia deminui a possibilidade de se aproveitar a oportunidade que temos deixado perder, visto que o contribuinte cada vez vai sentindo mais a dificuldade de pagar as contribuições.

Reconheço, é certo, a necessidade de instalações higiénicas o condignas; mas o que se passa nos outros ramos do serviço?

Conhecem V. Exas. o hospital do S. José e todos os outros estabelecimentos hospitalares?

Não há ninguém que possa dizer-me que êsses estabelecimentos são condignos da Europa.

Interrupção do Sr. Almeida Ribeiro, quê não se ouviu.

O Orador: - Feitas as contas, verificamos que 22:000 contos são para Lisboa, 5:000 contos para o Pôrto e 3:000 contos para Coimbra.

O nosso mal deriva de termos uma cabeça enorme em relação a um corpo tara pequeno, e é naturalmente por isso que andamos às vezes a bater com a cabeça pelas paredes.

Está tudo efectivamente concentrado em Lisboa.

Quando se trata dos interêsses dos concelhos o das aldeias dizem-nos logo que é política de campanário e de regedoria, sem só lembrarem de que o que alimenta as capitais é a província.

Seria interessante que cada uai de nós procurasse amanha, com a moral da torra do arcebispo, formular um projecto para que dêstes 30:000 contos se tirassem 15:000, a fim de serem distribuídos pelas escolas primárias da província.

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se passar à ordem do dia.

Só V. Exa. quiser, poderá ficar com a palavra reservada.

O Orador: - Sim, senhor.

Fico então com a palavra reservada.

Tenho dito por agora.

O orador não reviu.

O Sr. Rocha Saraiva (para um requerimento):- Sr. Presidente: peço a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que continue a discussão desta proposta, com prejuízo da primeira parte da ordem do dia.

Foi aprovado, em prova e contraprova, requerida pelo Sr. Paiva Gomes, por 34 votos contra 31, o requerimento do Sr. Rocha Saraiva.

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Foram aprovadas as actas das duas últimas sessões.

O Sr. Presidente: - O Sr. Carvalho da Silva pediu a palavra para, em negócio urgente, tratar da interpretação das leis tributárias.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: devo esclarecer a Câmara que os casos que se têm dado relativamente à má interpretação das leis tributárias são duma extrema violência, por que não só a Direcção Geral dos Impostos, mas vários Ministros, se têm permitido legislar por circulares agravando extraordinariamente os impostos.

De toda a parte do país, efectivamente, num movimento unânime, há protestos contra a maneira como está procedendo contra o contribuinte, e o Parlamento se quere de alguma forma mostrar que sabe honrar êsses protestos não pode alhear-se de assunto de tal importância.

Em tais condições, peço à Câmara para ponderar na gravidade dêste assunto que urge resolver, pondo-se cobro a todos os abusos que se estão a praticar.

Tenho dito.

O orador não reviu.

É negada autorização ao Sr. Carvalho da Silva para tratar do seu negócio urgente.

O Sr. Carvalho da Silva: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

Procede-se à contraprova.

O Sr. Presidente: - Estão de pé 46 Srs. Deputados e sentados 17.

Está rejeitado.

O Sr. Cunha Leal, por parte do Partido Nacionalista, comunica o nome do Sr. Lúcio Martins para substituir na comissão do guerra o Sr. Lelo Portela.

Continua em discussão a proposta de lei sôbre um empréstimo às Universidades.

Continua no uso da palavra o Sr. Paiva Gomes.

O Sr. Paiva Gomes: - Sr. Presidente: referi eu ha pouco a situação em que nos encontramos relativamente ao Tesouro Público.

Há verbas, disse eu, de previsão de receitas que não foram atingidas, que não serão atingidas ou, pelo menos, que estão muito longo de ser atingidas; e há verbas ainda das quais se não cobrou $01.

Basta referir-me à verba consignada como receita resultante da amoedação.

Recordam-se V. Exas. - e também hora triste foi essa! - de como um assunto dessa natureza nos trouxe graves semsaborias.

Saímos daqui, nessa altura, com a consciência perturbada, por que à roda das rodelas, à roda dos discos, à roda da amoedação se bordaram considerações de tal natureza, se fizeram insinuações de tal ordem, que nós perturbados, alarmados, fomos levados a praticar um acto violento, um acto injusto, um acto impróprio, um acto só justificado pela cobardia.

Má hora foi essa, mas nessa altura afirmou-se que a amoedação se faria num prazo curto, menos de doze meses, e que podíamos contar com a receita líquida resultante da amoedação para êsse orçamento e para o imediato.

Assim é que se inscreveu no Orçamento de 1923-1924 a verba de 60:000 contos, resultante da rubrica da amoedação, e na previsão orçamental imediata, 1924-1925, 50:000 contos.

110:000 contos, produto líquido da amoedação, produto líquido da fabricação das moedas de 10, 5, 2 tostões e de 1 e meio tostão!

Mais: o ilustre director da Fazenda Pública, e nosso prezado colega nesta Câmara, não duvidou de vir à imprensa numa entrevista - e note V. Exa. que êle ao tempo era também director da Casa da Moeda, e portanto com dupla autoridade para afirmar o que afirmou! - dizer que num prazo curto, no próximo mês de Julho, isto é, há um ano e meses, começariam a circular no país aquelas moedas.

Pois são passados catorze meses, e ainda nenhum de V. Exas. com certeza viu uma moeda dessa natureza, não viu, nem verá, fabricada pela casa respectiva na quantidade computada.

E porquê?

Porque em contrário da afirmação do ilustre director da Fazenda Pública, a Casa da Moeda não estava preparada, nem está, para amoedar uma tam grande quan-

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tidade de discos, no prazo referido de um ano.

Dizem-me mesmo - o suponho que não estou longo da verdade! - que nem em dez anos a Casa da Moeda fabricará as moedas referidas.

E vejam V. Exas. como o que se tem passado, nos autoriza a tal afirmar!

Mas há mais, Sr. Presidente; o refugo da moeda é em tam grande quantidade que não exagero dizendo que do trabalho normal e do trabalho anormal, feito em serões, resulta uma depreciação do 30 por cento.

Êsses serões são pagos a dobrar, e então veja a Câmara por quanto fica o refugo da moeda!

Se isto assim continuar, se o Sr. Ministro das Finanças não lançar um olhar a esta situação, eu sei que se daqui a algum tempo nós fizermos um balanço ao "devei- o "haver", encontraremos na coluna do "deve" uma cifra maior do que no "haver".

Em resumo: essa verba, hoje computada em 10.000 contos, tende a aumentar, e ainda não se realizou um centavo a favor do Tesouro Público.

Se V. Exa. adicionar a esta verba a outra verba, que resulta da diferença cambial, veja a quanto monta!

Da diferença da situação cambial não há só vantagem para o Estado, há também por contrapartida uma desvantagem, que é o aumento da receita-ouro do Estado, que no ano passado produziu menos escudos 40 por conto.

Sendo isto assim, porque estamos a fazer desposas a mais, despesas embora do certo modo aconselháveis, mas adiáveis?

Há certos espíritos que, estão muito altos, e não vêem estas cousas, que parecem comezinhas, modestas o simples.

Pausa.

O Orador: - Sr. Presidente: é certo que estou disposto a falar, mas, se há na sala quem, não esteja disposto a ouvir-me, é melhor que se retire para os corredores e não perturbe o meu raciocínio.

O Sr. Presidente: - Chamo a atenção da Câmara e peço aos Srs. Deputados que não conversem alto na sala.

O Orador: - Temos de olhar também para a enorme riqueza formada pelas estradas carreteiras, onde, estão enterrados milhões de contos de réis.

As verbas inscritas todos os anos são consumidas pelo pessoal assalariado o permanente, e pouco só gasta com pessoal contratado.

Sôbre esto assunto há uma medida acertada do Sr. António Maria da Silva, que estabeleceu a importância de 5 contos fortes por ano para dotação das estradas, e, estando uma voz dotada uma estrada, no ano seguinte era autenticamente dotada.

Assim, sem se sentir, nós íamos progredindo; mas, hoje, êsses 5 contos não chegam para 100 ou 200 metros de estrada.

Sr. Presidente: sou tam fácil de contentar que já mo dava por satisfeito se visse um Govêrno encarar de frente êste problema.

E, Sr. Presidente, rio-me de amargura quando vejo planos pomposos de fomento, quando vejo directrizes fantásticas de fomento, quando vejo orientações transcendentes de fomento, porque êsses ilustres estadistas não se lembram que o A B C das cousas não está feito.

Então S. Exas. pensam, porventura, em alargar a nossa rede ferroviária, sem terem, estradas carreteiras que sirvam essas linhas?

Utopia no caso, Sr. Presidente.

S. Exas. não sabem que estamos muito mal preparados para a exploração ferroviária normal, porque nos falta material circulante?

Eu sei, Sr. Presidente, que por conta daquele malfado crédito do 3.500:000 libras foi requisitado algum material ferroviário, mas êsse material é ainda muito deficiente, porque durante muitos anos êle, não foi renovado ou adquirido qualquer outro em estado de novo.

Foi esta a razão principal por que as linhas ferroviárias acusaram um déficit avultado, e se se actual momento êsse serviço autónomo está em vésperas do ter o seu orçamento equilibrado, é isso derivado dos enormes encargos que ainda hoje pesam sôbre o contribuinte, por virtude das tarifas elevadas.

Veja V. Exa., Sr. Presidente, que paradoxal procedimento êste.

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Ao mesmo tempo que se procura elevar a contribuição, de harmonia com o coeficiente de desvalorização da moeda, não só adopta idêntico critério no que respeita às receitas próprias do Estado.

Sr. Presidente: então no momento em que o preço do carvão baixou de cêrca de 50 por cento e que a melhoria cambial é de 40 por conto, aproximadamente, as tarifas mantêm-se no mesmo pé em que estavam?

Então essas tarifas não deviam oscilar na mesma proporção? Sr. Presidente: isto representa um grande êrro e uma manifesta incoerência, por parte do Estado.

Mas os monopolistas do fomento do País dizem que temos cá grandes caudais de água, que se deviam aproveitar, evitando-se assim que saísse para fora do Pais grande quantidade de ouro.

Ora o Estado, neste capítulo, não deve fazer mais do que facilitar o aproveitamento dessas cousas, mas o que é verdade é que é preciso muito dinheiro e nós não estamos preparados para isso.

Há muito a fazer, é certo, mas há muito a fazer com bom senso e critério, porque o gastar improdutivamente corresponde ao mesmo do que delapidar os cofres do Estado.

A êste respeito é mais prejudicial ao Estado o estadista que comete o êrro de gastar improdutivamente, do que o gatuno que roubou uma carteira.

Sr. Presidente: se eu quisesse não sair do ramo da instrução, muitas considerações teria a fazer.

Temos por êsse País fora algumas centenas de escolas primárias.

Pois bem, Sr. Presidente, a maior parte dêsses edifícios estão em ruína; é necessário acudir-lhes quanto antes, porque, se assim se não fizer, essa riqueza perde-se.

E o que vemos nós, Sr. Presidente?

Com muita dificuldade, com muito custo, devido às solicitações de todos nós pelo Ministério da Instrução lá se consegue de quando em quando contrair um magro empréstimo de algumas centenas de contos para reparação de edifícios escolares, e tanto isto é assim, tanta consciência têm os Srs. Ministros de que isto é assim, de que essas verbas destinadas a reparações não chegam, de que estão muito longe de chegarem para as necessidades, que, por via de regra, essa distribuição se faz em segredo.

Felizes daqueles que se encontram perto do cofre das graças; dizes daqueles a quem foi confidenciado que o Ministro da Instrução dispunha de uma centena de contos para essas reparações.

Ainda recentemente o Sr. Ministro da Instrução do último Govêrno distribuiu uma verba de duzentos e tal contos para acabamentos e reparações.

Que miséria, Sr.. Presidente, para aquilo que há a fazer!

E como em segredo se fez êsse trabalho, aproveitando somente a meia dúzia de concelhos.

Duzentos e tal contos para êsse serviço e quantas escolas estão a funcionar em casas impróprias! Quantas, Sr. Presidente!

Milhares e milhares, se bem que a êste respeito eu tenha uma opinião muito própria; e eu digo a V. Exa. qual é, é que as casas de escola de província, embora às vezes instaladas em casas com pouca higiene, são melhores que muitas escolas da cidade, porque são ventiladas, respira-se nelas, o ar é menos confinado, menos viciado.

Sendo assim, como é, procurar-se há por esta proposta acudir a uma tal situação?

Não, Sr. Presidente.

Procura-se atender ao ensino superior de uma forma que para os nossos recursos é, porventura, excessiva, e não só excessiva, é pouco oportuna.

Quere fazer-se um edifício para instalação da Universidade de Lisboa.

Acho bem, em princípio, não seja eu quem discorde e não sou, mas o que pretendo, Sr. Presidente, é que. tal como faz qualquer particular, procuremos receita para essas obras, coloquemos o Estado em situação de poder fazer essas obras, e não é isso o que eu vejo.

Eu bem sei que a capital é digna dêstes melhoramentos; eu bem sei que o exige até um pouco o decoro de nós todos, é certo, mas V. Exas. com que é que contam?

Onde vão realizar o dinheiro?

Vão procurar uma receita especial arrancada ao luxo.

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Mas podem V. Exas. explicar-me o que é "luxo"?

Eu digo a V. Exas. que talvez não haja nada mais difícil do explicar.

Porventura, no estado actual, não digo da nossa civilização mas dos nossos hábitos, o uso da gravata é "luxo"?

O uso do colarinho é "luxo"?

O uso do lenço de assoar é "luxo"?

E porque não serão as botas também "luxo"?

Não pregam os naturistas andar descalço?

Será um pouco incómodo, um pouco anti-estético, mas não será higiénico o até aconselhável?

Definir o luso? Que dificuldade.

Pretende-se tributar os automóveis de turismo.

O que serão automóveis de turismo, agora que em Portugal quási toda a gente faz sport?

Até aqui na Câmara se faz sport!

O Sr. Velhinho Correia: - Tributar os automóveis de turismo é uma maneira de êsse imposto não incidir sôbre nenhum automóvel.

O Orador: - Pretendc-se tributar as sodas, os veludos; pretende-se tributar ainda os abafos e peles; mas, diga-me V. Exa., Sr. Presidente, porventura o Sr. Ministro das Finanças estará habilitado a dizer à Câmara quanto espera obter desta receita?

Não creio, Sr. Presidente.

Estas cousas correm com tanta precipitação, com tanta leveza, que isso é uma cousa de pouca monta, é uma bagatela, não há que dar contas dela às Câmaras.

Era natural, Sr. Presidente, que conhecêssemos o relatório; mas existirá relatório?

Eu vou saber isso.

Talvez do relatório constem alguns elementos que me habilitem a julgar da economia desta proposta. Talvez.

Sr. Presidente: V. Exa. pode dizer-me se esta proposta vem precedida de relatório, como se impõe, é, se vem precedida de relatório, pode V. Exa. obsequiar me facilitando-me?

O Sr. Presidente: - Devo informar V. Exa. que esta proposta não tem relatório.

O Sr. Ministro da Instrução (João Camoesas): - A questão é bem simples; dar ou não dar.

O Orador: - Diz o Sr. Ministro da Instrução que a questão é simples: é dar ou não dar, isto é, pretende-se arrancar à Câmara, digamos mesmo, com muito pouca consciência da parto dela, esta verba de 30:000 contos.

O Sr. Ministro da Instrução (João Camoesas): - Não apoiado.

O Orador: - Nem sequer os Srs. Ministros se consideram na obrigação de fazer preceder esta proposta dum simples relatório! Pois era bem fácil.

Do regulamento de funcionários públicos consta a obrigatoriedade que cabe aos directores gerais de elaborarem propostas de lei e fundamentá-las; aos Srs. Ministros cabe orientar os assuntos das soas pastas.

Se os Ministros tivessem um vislumbro de atenção para com o País, teriam ordenado aos directores gorais que elaborassem um relatório para que a Câmara se pronunciasse com verdadeiro conhecimento de causa.

É costume queixarem-se de que as Câmaras legislam muito e mal; mas não há ainda muito tempo, o Sr. Almeida Ribeiro informou-mo que as leis estão no número dois mil e tal, e os decretos com fôrça do lei já vão em onze mil e tantos.

Isto é a invasão dos Poderes:

As leis saídas do Parlamento, boas ou más, tem aqui uma discussão à luz do dia, sujeitas àquela pressão moral da fiscalização de todo o País, ao passo que os decretos fazem-se nos segredos dos gabinetes, sem que ninguém saiba. Quando muito, duas entidades intervêm neles: o chefe do gabinete e o Ministro, e às vezes nem êste último.

Ainda há pouco o conselho de finanças negou o visto a um diploma de melhoria de situação que não está fundamentado nas leis, e sabem V. Exas. o que sucedeu?

O Executivo no uso de um direito manteve êsse diploma e o conselho de Ministros assinou um decreto mantendo o despacho, dispensando a lei em que se devia basear o primeiro decreto.

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Ora, veja, a Câmara o que é esta inversão de direitos e atribuições!

Isto é um caso vulgar; muitos outros eu desejava relatar à Câmara, mas eu vou dar por findas as minhas considerações.

V. Exa., Sr. Presidente, pode-me informar se o requerimento do Sr. Deputado Rocha Saraiva abrange apenas a primeira parte da ordem do dia ou a segunda?

O Sr. Presidente: - Apenas se refere à primeira parte.

O Orador: - Muito obrigado a V. Exa.

Tenho dito.

O orador não reviu, nem os "àpartes" tiveram a revisão dos oradores que os produziram.

O Sr. Ministro da Instrução (João Camoesas): - Sr. Presidente: não posso concordar nem com a atitude nem com as considerações feitas pelo Sr. Paiva Gomes, porque a proposta que se discute visa a satisfazer necessidades das mais instantes, e não apenas ao interêsse de uma classe ou à predilecção de qualquer pessoa.

Efectivamente, os estabelecimentos de ensino, a que diz respeito esta proposta, encontram-se instalados em condições tam deficientes, que uma grande parte dos defeitos do funcionamento do ensino superior deriva exactamente destas deficiências de instalação. De certo que se não pode tirar das verbas consignadas a êste ensino o rendimento que era necessário tirar.

O Sr. Paiva Gomes entende que a aprovação desta proposta prejudica o esfôrço a realizar no sentido de obter-se o equilíbrio orçamental. Sr. Presidente: Afigura se me que assim não é. Para fundamentar, para compensar a despesa que se cria, propõe-se a criação duma receita que pelo Ministério das Finanças foi calculada como bastante para satisfazer aos encargos originados por esta proposta, receita que se vai buscar, não ao agravamento de impostos, o que prejudica a riqueza nacional e sobrecarrega o contribuinte em geral, mas sim a uma tributação especial, expressa por uma taxa aduaneira na importação de certos artigos e objectos, também aqui especificados, artigos e objectos que são manifestamente de luxo, quais sejam automóveis de turismo, sedas, peles, abafos etc. ...

O Sr. Paiva Gomes (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença? ... E essa receita está garantida?

O Orador: - A receita está calculada em virtude do rendimento das verbas respectivas às alfândegas do País nos anos anteriores, com a margem necessária para contar com o decrescimento destas verbas.

O Sr. Paiva Gomes: - E V. Exa. pode informar-me a que importância ascende o produto dessa tributação?

O Orador: - O Sr. Ministro das Finanças, que, foi quem mais detalhadamente estudou a questão nesse aspecto, declarou-me que estava convencido de que, em virtude das verbas dos anos anteriores, o produto assim obtido bastava, contando até com o decrescimento das importações respectivas aos artigos e objectos mencionados.

O Sr. Paiva Gomes (em àparte): - Mas V. Exa. parece que não teve a curiosidade de saber ao certo que importância era essa!

O Orador: - Assim V. Exa. vê, que vamos buscar a verba, para fazer face aos encargos que desta proposta advêm, a receitas ordinárias, que não têm nenhum carácter de vexame, nem nenhum aspecto odioso. Evidentemente, as pessoas que se dispõem a comprar um automóvel de turismo por 50 contos, não o deixarão de o comprar custando mais uns dois contos, que seria, nesta hipótese, emquanto viria a importar a mais esta taxa: Gastando 50, gastarão 52, que não ficarão, por isso, em piores condições de fortuna. Êsses dois contos, por outro lado, virão contribuir para se obviar a deficiências do ensino que são bem visíveis.

O Sr. Paiva Gomes disse a certa altura das suas considerações, que tínhamos de olhar a que, por virtude da melhoria

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cambial e do agravamento dos impostos, os produtores portugueses se encontravam numa má situação económica, produzindo mais caro, e em condições de carestia tal, que o preço do custo era superior ao preço de venda.

O Sr. Paiva Gomes (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença?... Eu não disse que o preço do custo era superior ao da venda ...

O Orador: - V. Exa. disso que ao lançar o imposto era necessário atender à crise da indústria e que ...

O Sr. Paiva Gomes: - Eu o que disse foi o seguinte: que devíamos acautelar a capacidade tributária do contribuinte, porque no momento em que pretendemos realizar o esfôrço máximo da equilíbrio orçamental necessitamos de respeitar aquilo que o contribuinte não nos possa dar.

O Orador: - Ouvi essa parte das considerações de V. Exa., e ainda aquela em que V. Exa. se referiu à crise da indústria, da qual V. Exa., tirava um argumento contra a proposta em debate.

O Sr. Paiva Gomes: - É preciso obtermos o equilíbrio orçamental!

O Orador: - Mas esta sobretaxa não impede que esse equilíbrio se obtenha.

Não é segrêdo para V. Exa. nem para ninguém, que nos encontramos a braços com a crise intensissima da construção civil, e a abertura de créditos desta natureza terá a vantagem de evitar um chômage que está a angustiar uma grande parte da população tributária do País. Esta proposta dava-nos uma maneira elegante de podermos intervir na eliminação duma crise de trabalho que importa debelar. Não ignoram o Sr. Paiva Gomes o a Câmara que o Estado tem obrigação de intervir quando uma crise destas se agrava, países havendo em que essa intervenção se faz de forma directa, subsidiando o Estado os indivíduos.

O Sr. Paiva Gomes (interrompendo): - V. Exa. vê a questão por um lado apenas.

O Orador: - V. Exa. perdoará que a. minha inteligência só a veja por um dos lados.

O Sr. Paiva Gomes: - Eu fiz esta afirmação a V. Exa. É justamente porque toda a Câmara faz justiça à sua inteligência. Por isso sou um pouco mais audacioso.

O Orador: - Eu estava precisamente demonstrando que, além do aspecto directo da questão, eu considerava também o da crise de trabalho que diz respeito à construção civil. Já são, portanto, dois os aspectos que eu considero.

Mas, além dêstes, eu olho também a questão sob o ponto de vista do equilíbrio orçamental. Esta proposta não o dificulta.

E agora, mais directamente, eu vou fazer as considerações que tenho de produzir.

Já disse que íamos buscar receitas novas.

Sr. Presidente: eu tenho dito várias vezes nesta casa do Parlamento, e não faço, dêste lugar, senão repetir o que já tenho dito: todos os esfôrços que tenham, de efectuar-se, tendentes a obter o equilíbrio orçamental, não devem de maneira nenhuma prejudicar o desenvolvimento do País, principalmente no aspecto educativo, porque nos arriscamos a empobrecer cada vez mais o trabalho máximo, e a tornar cada vez menos valiosa a riqueza do país, e, por consequência, a não podermos contar com o desenvolvimento da capacidade tributária, tam necessária para o equilíbrio orçamental.

Sr. Presidente: mesmo nos países onde a situação financeira chegou aos últimos extremos, muito pior do que a nossa, como por exemplo a Áustria, não deixaram nunca do, paralelamente, fazer um grande esfôrço para aumentar a cultura popular e a intensificação do adestramento da população.

Creio que o exemplo que apresentei da Áustria é bem frisante, visto que, para se obter o equilíbrio orçamental, não se pode fazer uma política de coacção ao desenvolvimento dos estabelecimentos educativos.

Sr. Presidente: não é segredo para ninguém que a Faculdade de Direito, cuja frequência é de algumas centenas de-

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alunos, só encontra instalada numa casa que só destinava a habitação, e que a Faculdade de Letras não tem aulas com a capacidade bastante para ministrar o ensino à sua população escolar. O que digo, com referência a êstes dois estabelecimentos do ensino, pode generalizar-se a todos os alunos a que a proposta respeita.

Sr. Presidente: disso o Sr. Paiva Gomes que esta despesa podia ser adiada por mais de três ou quatro anos, e que a nossa situação não é de molde a fazerem-se construções apalaçadas.

Ora, não se trata de construções luxuosas, mas de construções inteiramente indispensáveis para que o ensino possa ter a necessária eficácia e aquele rendimento que é lícito esperar.

Se a despesa que se vai fazer é uma despesa inútil, então mais valerá, para se deter o equilíbrio orçamental tam desejado, acabar-se de vez com o funcionamento dessas universidades, porque vale mais ter êsses estabelecimentos encerrados do que tê-los abertos sem se lhe dar os meios para poderem agir convenientemente.

Apoiados.

Creio, Sr. Presidente, ter encarado a questão, na sua relação com o equilíbrio orçamental, pelos vários aspectos que ela comporta, e ter assim demonstrado ao Sr. Paiva Gomes que não estou obsecado pela vaidade, que, porventura, se possa de mim ter apoderado, pelo facto de ter realizado uma obra de utilidade social, a que deixei vinculado o meu nome. A minha intenção é servir bem, única e exclusivamente, o país e a República.

Mas há um aspecto que não posso deixar de considerar, porque tem um fundo sentimental.

Diz-se que a proposta nas suas verbas se destina a favorecer, na sua maior parte, as cidades principais do País, desatendendo os interêsses da grande massa da população portuguesa.

Mas, Sr. Presidente! Quem ignora que a população universitária é constituída por pessoas que vêm de todos os pontos do Puís, desde as mais recônditas aldeias aos centros de maior importância?

Interrupção do Sr. Paiva Gomes que não se ouviu.

O Orador: - Disse o Sr. Paiva Gomes, pouco mais ou menos, que os mestres, como os regedores, acham tudo bem, desde que seja para a sua aldeia.

São quási palavras textuais de S. Exa. Outras observações que em conversas ouvi a vários Srs. Deputados levaram-me à convicção de que no espírito de uma parte da Câmara existe o preconceito de não ver com bons olhos esta proposta, por ela se destinar ao ensino superior, e, considerando-a assim apenas de mero interêsse para algumas cidades do País e não para o País inteiro.

E eu desejo demonstrar, sem elementos doutrinários nem transcendentes, que, de facto, as instalações universitárias do País, embora interessem, pela localização, às cidades onde elas existem, interessam também a todos os pontos da Nação.

Mas, há ainda, nesta mesma ordem de ideas, uma observação a fazer.

Diz-se: estamos num País onde o ensino popular se encontra em péssimas condições; por toda a parte, onde as há, grande número de escolas caem ou estão em ruína, e, por isso, ainda se compreenderia um esfôrço em benefício da instrução popular.

Eu poderia a ter-me às considerações feitas aqui, ainda há poucos dias, pelo ilustre Deputado Sr. José de Magalhães, Disse S. Exa. que a reforma do ensino se deveria começar de cima para baixo, e que, instalando convenientemente o ensino superior, paralelamente, deveríamos também ajustar os outros elementos do sistema escolar.

Em matéria de ensino eu entendo que não podemos ater-nos a um aspecto apenas.

Temos que encarar simultaneamente os vários aspectos interdependentes da questão.

Não sou daqueles que são partidários de que a reforma comece por cima ou por baixo; defendi sempre o ajustamento de todos os elementos do ensino escolar, mas admito para esta discussão o ponto de vista do Sr. José do Magalhães, que aliás é defendido em Portugal por muito boa gente.

E neste caso o esfôrço que se pratica será o início da reforma.

Mas, Sr. Presidente, há um aspecto da questão que, por ser de carácter sentimental, não pode deixar de ser invocado.

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Depois da guerra intensificaram-se as relações intelectuais do país para país; um certo número de visitas por professores estrangeiros estão sempre a ser feitas às nossas universidades, e está aprazada para Lisboa, dentro do pouco tempo, a realizarão de um congresso internacional. O que é facto, porém, é que a capital da República se encontrará na tristíssima situação de não ter local onde possa fazer funcionar convenientemente êsse congresso.

Recordo-me que numa emergência semelhante a Noruega resolveu de forma diferente.

Tratando-se do Congresso de Medicina, foi o saudoso professor Miguel Bombarda encarregado da sua organização.

Do que foi êsse congresso basta recordar que as personalidades estrangeiras que nêle tomaram parto disseram que elo só tinha destacado de todos os outros congressos internacionais.

O Dr. Miguel Bombarda pôs ao Govêrno esta condição: se não lhe dessem a verba necessária para ultimar o edifício da Escola Médica, não tomaria conta da direcção do congresso.

Pois a monarquia fez o sacrifício de dar A dotação para se concluir o edifício onde pudesse funcionar o congresso.

Porque não havemos nós de fazer a mesma cousa, preparando-nos para daqui a dois anos receber os nossos visitantes e evitar que vejam essas instalações, que são a nossa vergonha!

Um outro ponto da proposta feriu a sensibilidade de alguns Srs. Deputados, que é da verba para as instalações escolares se restringir à cidade de Lisboa.

Devo dizer que o fiz propositadamente, porque os empréstimos que se têm feito não chegam para uma reparação ou conclusão eficaz das escolas do País.

Essas dotações pulverizam-se, e o resultado é que nada se encontra feito.

Assim, concentrando num ponto essa verba, alguma cousa se fará.

Sr. Presidente: a inscrição desta verba não visa senão a fornecer os meios necessários para a boa eficácia do ensino, e a proporcionar à população escolar de Lisboa os devidos estabelecimentos de ensino, a fim de ser aumentada a sua capacidade.

Defendo nestes termos e com particular interêsse a proposta que está sujeita ao exame da Câmara dos Deputados.

Suponho que aqueles que são contrários à sua aprovação prestam um péssimo serviço ao País, péssimo serviço que resulta de não se aproveitar imediatamente essa verba para o equilíbrio orçamental, não deixando ao mesmo tempo triunfar um pensamento, uma aspiração que se traduz em atender as necessidades do nosso ensino, evitando que nos envergonhemos amanhã perante o mundo inteiro, quando visitados pelos homens de sciência estrangeiros, que verificarão a forma deficiente como entre nós o ensino é ministrado, por virtude da falta de instalações apropriadas.

Repito: procedo assim sem nenhuma espécie de preocupação particular, sem procurar impor o meu ponto de vista, a minha opinião, sem do maneira alguma me encontrar desvairado pois ansiedade de deixar vinculada a minha passagem pela pasta da Instrução Pública, sem mo sentir ligado a particularismos pessoais.

Estou absolutamente convencido de que o Sr. Paiva Gomes e quantos apoiam o seu ponto de vista prestam um mau serviço ao País e à República opondo-se à aprovação desta proposta.

O orador não reviu, nem o Sr. Paiva Gomes fez a revisão dos seus àpartes.

O Sr. Velhinho Correia: - Está em discussão na generalidade uma proposta de lei, mandada para a Mesa pelos Srs. Ministros de Instrução e das Finanças, autorizando o Govêrno a contrair no ano económico de 1925-1926 um empréstimo de 30:000 contos para despesas do instalação do ensino universitário e primário.

Não vou fazer oposição a essa proposta de lei, mas vou dizer franca, clara e realmente o que se me afigura, e as razões por que entendo dever substituí-la por outra que voa ler e terei a honra do mandar para a Mesa, a qual julgo menos prejudicial aos interêsses públicos do que a proposta que está em discussão.

A proposta que mando para a Mesa visa a autorizar o Govêrno a remodelar os serviços de instrução pública, realizando todas as economias que forem possíveis, sem prejuízo do regular funcionamento dêsse serviço público.

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O Govêrno com as economias que efectivamente realizar e, ouvido o Conselho Superior de Finanças, contrairá um empréstimo até à quantia de 30:000 contos para despesas de instalação do ensino, digo "do ensino", não digo despesas do ensino universitário e primário, porque entendo que houve uma lacuna, uma falta grande naquela proposta, respeitando só às Universidades de Lisboa, Pôrto e Coimbra e às escolas de ensino primário. Lembro-me, por exemplo - e chamo para isso a atenção do ilustre Ministro de Instrução - do Instituto Superior Técnico, uma das escolas mais importantes do País, cuja importância não é inferior às universidades, e que está instalada num verdadeiro pardieiro, imundo, indigno, impróprio do carácter dessa escola e da capital. Pois vejo que êsse estabelecimento foi esquecido nesta proposta de lei! V. Exa. sabe que no Instituto Superior Técnico, no Instituto Superior de Comércio e nas escolas industriais formam-se aqueles indivíduos que na vida prática têm uma intervenção absolutamente capital na economia do País, no seu progresso e desenvolvimento.

Sr. Presidente: no projecto que vou mandar para a Mesa o empréstimo será amortizável no prazo de 30 anos, à taxa de 10 por cento.

A diferença que há portanto entre a minha proposta e aquela que se discute está no seguinte: que eu entendo que de facto há uma necessidade absoluta de se fazer uma revisão de todos os serviços de instrução, pela que é possível fazer-se uma grande economia, não só reduzindo os quadros dos funcionários como muitas das verbas que são desnecessárias.

Desde que isso se faça, reorganizando os serviços de instrução em Portugal, nós poderemos fazer uma economia superior a 1:000 contos.

Eu estou absolutamente convencido, repito, de que podemos fazer uma grande economia se adoptarmos o critério que acabo de exporá Câmara, isto é, reorganizando por completo os serviços.

Agora, Sr. Presidente, vir nesta altura da nossa vida pública, vir neste momento com uma nova proposta de aumento de despesas, é o que se não compreende.

Repito: vir nesta ocasião, em que se não fez ainda essa obra tam necessária de redução de despesas, reduzindo os quadros, numa situação gravíssima como aquela em que nos encontramos, é que só não compreende a proposta ministerial.

Eu, que na verdade tenho defendido aqui nesta Câmara a necessidade absoluta que há de se fazer uma redução de despesas, e que vejo a impossibilidade que há agora de se lançarem mais impostos para aumentar as receitas, acho que o processo que se pretende adaptar não é sério, tanto mais que estamos no final da sessão, pois na verdade entendo que o contribuinte não pode pagar mais do que se lhe exige.

Nestas condições...

O Sr. Baptista da Silva (interrompendo):- É pena que só agora V. Exa. tenha visto isso.

O Orador: - Eu devo dizer que vi isso a tempo e horas.

Houve uma situação crítica, que foi aquela em que nos encontrámos em fins de 1923, princípios de 1924. A solução dessa crise não podia ser obtida com panaceias, com medidas brandas, mas, pelo contrário, com medidas enérgicas, relativamente a aumentos de contribuições.

Essa atitude foi tomada, e a essa política deve seguir-se outra de compressão de despesas, fazendo-se como que a barragem dos gastos públicos, para evitar que êles aumentem, como está acontecendo, tanto mais que a capacidade tributária do contribuinte, se não está esgotada, está pelo menos quási esgotada.

De facto, Sr. Presidente, há uma grande necessidade de dotar a capital com os estabelecimentos que sejam próprios do nível de ensino. Não quero já referir-me só às três Faculdades, mas lembro que o Instituto Superior Técnico se encontra instalado num velho armazém de bacalhau.

Sr. Presidente: não se trata, portanto, de uma questão que possa ser encarada sob um ponto de vista particular, mas trata-se de um problema que tem de ser visto dentro das possibilidades do Tesouro e do contribuinte.

A proposta, salvo o devido respeito, é tecnicamente defeituosa, devendo por isso

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ter ido à respectiva comissão, a fim de ser melhorada. Na proposta diz-se o seguinte:

Leu.

Ora, Sr. Presidente, os automóveis estão classificados nas pautas conforme o seu poso, e isto porque se verificou na prática que o automóvel é tanto mais caro quando mais pesado fôr.

Devo ter-se em atenção que o excesso de imposto sôbre artigos de luxo provoca a sua fuga ao imposto.

A maioria dêstes artigos já está sobrecarregada com o máximo de impostos.

No que respeita a sedas e veludos parece-me também que a classificação não é feliz.

O Sr. Presidente: - É a hora de se passar à segunda parte da ordem do dia.

O Orador: - Peço a V. Exa. 3 que me reserve a palavra para a sessão seguinte.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Fica V. Exa. com a palavra reservada.

O Sr. Ministro das Finanças (Tôrres Garcia): - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças (Tôrres Garcia): - Sr; Presidente: tenho a honra do enviar para a Mesa a proposta de duodécimos, a fim de que o Govêrno fique habilitado constitucionalmente a fazer as despesas e a recolher as receitas.

Peço para essa proposta a urgência e dispensa do Regimento, para que possa entrar amanha em discussão.

Proposta de lei

Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados. - Tendo sido votados dois duodécimos da proposta orçamental para o ano económico de 1925-1926, e não se tendo ainda ultimado a discussão e votação da referida proposta orçamental que foi, no prazo fixado pela Constituição Política da República Portuguesa, apresentada ao Parlamento;

Considerando que o Govêrno carece, a partir de 1 do próximo mês de Setembro, das autorizados necessárias para efectuar o pagamento das despesas dos serviços públicos relativos ao referido ano de 1925-1926, e regularizar certas situações embaraçosas para a administração pública: tenho a honra de submeter à apreciação desta Câmara a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É o Govêrno autorizado a executar durante os meses do Setembro a Dezembro do 1925, de conformidade com os preceitos legais vigentes, a proposta orçamental das desposas dos diversos Ministérios para o ano económico de 1925-1926 com as alterações que nela devem ser introduzidas em harmonia com as leis e decretos publicados posteriormente k sua apresentação ao Congresso da República.

§ único. Além das alterações acima referidas, o Govêrno poderá introduzir na proposta orçamental para o ano económico do 1925-1926 aquelas que forem impostas pelas necessidades do serviço e para efeitos de compressão de despesas, não podendo, em caso algum, as alterações introduzidas pelo Govêrno representar aumento de despesa.

Art. 2.° Os serviços autónomos constantes do mapa anexo à lei n.° 1:794, de 30 de Junho de 1920, com as rectificações constantes dos §§ 1.° e 2.° dêste artigo, aplicarão, em conformidade com os preceitos legais vigentes e durante o período fixado no artigo anterior, as suas receitas próprias ao pagamento das respectivas despesas.

§ 1.° As receitas dos correios o telégrafos são avaliadas no ano económico do 1925-1926 em 92:860.0006, sendo 92:160,000$ do produto das receitas de exploração eléctrica e posta] e 700.000$ da receita do fundo de reserva. As despesas do mesmo serviço previstas para o citado período somam a referida importância de 92:860.000$, sendo 92:100.000$ do despesa de exploração dos correios, telégrafos, telefones e fiscalização das indústrias eléctricas e 700:000$ de encargos a custear pelo fundo de reserva.

§ 2.° Fica autorizado o Govêrno a incluir no mapa anexo à lei n:° 1:794, de 30 do Junho do corrente ano, o serviço autónomo da Caixa Geral do Crédito Agrícola, criado pelo decreto n.° 10:592, de

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22 do referido mês de Junho, cuja receita total é avaliada em 540.000$, juros provenientes das operações de crédito agrícola, que será aplicada, em conformidade com. os preceitos legais vigentes e durante o período fixado no artigo 1.°, ao pagamento das respectivas despesas na soma de 475.105$, sendo o saldo de 64.890$ para capitalizar.

Art. 3.° O orçamento do serviço autónomo do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral relativo ao ano económico de 1923-1924 será rectificado adicionando-se ao capítulo 1.°, artigo 1.°, das receitas do mesmo orçamento a importância de 702.635$38, como receitas compensadoras e privativas do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios de Previdência Geral, e ao capítulo 4.°, artigo 23.°, do orçamento da despesa a mesma importância para fundo de capitalização correspondente à diferença entre as receitas compensadoras para os serviços próprios do Instituto e os encargos ordinários e extraordinários do mesmo, cuja importância se destina ao desenvolvimento e remodelação dos organismos da assistência e previdência dependentes do Instituto e ainda para auxílio aos institutos de assistência e corporações administrativas.

Art. 4.° É autorizado o Govêrno a inscrever na proposta orçamental do Ministério do Comércio e Comunicações para o ano económico de 1925-1926 o saldo que ficou por satisfazer em 30 de Junho de 1925 das verbas inscritas no orçamento daquele Ministério para 1922-1923, respeitantes a despesas com á construção de novas linhas dos Caminhos de Ferro do Estado a que se refere a lei n.° 1:327, de 25 de Agosto de 1922, e às relativas a liquidação de despesas da Exposição do Rio de Janeiro, nos termos da lei n.° 1:398, de 7 de Fevereiro de 1923, e decreto n.° 8:676, de 28 do mesmo mês.

Art. 5.° É autorizado o Govêrno a inscrever na proposta orçamental do Ministério do Trabalho para 1925-1926, no capítulo 18.°, artigo 37.°, "Despesas de anos económicos findos", a importância de 68.177$41 para pagamento de diferenças de melhorias ao pessoal dos Hospitais da Universidade de Coimbra.

Art. 6.° O Govêrno, de acordo com o Banco de Portugal, transferirá da conta sob a rubrica "Suprimentos ao Govêrno (Convenção de 29 de Dezembro de 1922)" para a conta sob a rubrica "Empréstimos ao Govêrno (Contrato de 29 de Abril de 1918)" a importância necessária para a valorização, ao câmbio do dia da entrada em vigor desta lei, não só do saldo das cambiais adquiridas pelo Tesouro no regime da referida Convenção, mas também daquelas a adquirir a câmbios anteriormente fixados, observando os seguintes preceitos:

1.° O fundo ouro representado pelas cambiais creditadas ao Govêrno, nos termos da Convenção de 29 de Dezembro de 1922, continuará a constituir depósito do Estado no Banco de Portugal com aplicação à circulação representativa da soma global dos aludidos suprimentos;

2.° Se por efeito da liquidação realizada nos termos dêste artigo se verificar que o valor ouro convertido ao câmbio do dia da referida liquidação perfaz quantia inferior à soma dos suprimentos facultados em representação das mesmas cambiais, o Estado depositará no Banco de Portugal, como caução, títulos da dívida fundada interna de 3 por cento que à cotação do dia forem necessários para garantia da importância da diferença resultante dessa liquidação. Os títulos da dívida pública necessários à constituição da caução serão criados e emitidos pela Junta do Crédito Público, depois de cumpridas as formalidades constantes do n.° 6.° do artigo 9 ° do regulamento de 8 de Outubro de 1900, e do artigo 23.° do decreto de 14 de Agosto de 1893;

3.° O Estado pagará ao Banco o custo das notas que forem emitidas para constituição dos suprimentos de que trata êste artigo, levando em conta as importâncias que já tenham sido abonadas pelo pagamento de juro de 3/2 por cento a que se refere a Convenção de 29 de Dezembro de 1922;

4.° Durante o primeiro trimestre de cada ano, e referido a 31 de Dezembro do ano anterior, o Govêrno apresentará ao Parlamento o extracto das contas ouro e escudos relativos ao maneio do fundo constituído pelo Estado no Banco de Portugal nos termos da Convenção de 29 de Dezembro de 1922 e da presente lei, designando claramente as diferenças de câmbios apuradas a favor ou contra nas operações realizadas. A importância total

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das diferenças de câmbios apuradas, a favor ou contra Estudo, por afeito das liquidações anuais, será creditada ou debitada na conta do Tesouro no Banco de Portugal.

Art. 7.º O Govêrno introduzirá, por acordo com o Banco de Portugal, nos contratos em vigor entre o Estado e o mesmo Banco, e no regime da circulação fiduciária, as alterações conducentes:

a) A execução do disposto no decreto com fôrça de lei n.° 10:634, de 20 de Março de 1925, na parte aplicável ao referido Banco;

b) A definir os direitos que à Fazenda Nacional devem competir como possuidora do acções do Banco de Portugal e a regular o exercício dos mesmos direitos;

c) A garantir o saneamento da situação económica e financeira do país em ordem a assegurar a estabilização do valor da moeda nacional e a sua consequente convertibilidade a esterlino;

d) A promover a amortização parcial e progressiva da dívida do Estado ao banco emissor da metrópole, contraída nos termos dos contratos de 29 de Abril de 1918, lei n.° 1:074, de 27 do Novembro de 1920, contratos de 21 de Abril de 1922 e 7 de Junho e 22 de Dezembro do 1923, 24 de Março de 1924 e da Convenção de 29 do Dezembro de 1922.

§ único. O Parlamento deverá pronunciar-se sôbre as alterações a que se refere êste artigo até o dia 31 do Dezembro de 1925.

Art. 8.° Fica o Govêrno autorizado a abrir no ano económico de 1925-1926 os créditos especiais necessários para execução da lei do financiamento de Angola.

Sala das Sessões da. Câmara dos Deputados, 12 de Agosto de 1925. - O Ministro das Finanças, António Alberto Tôrres Garcia.

O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar):-Sr. Presidente: eu sei que o requerimento do Sr. Ministro alas Finanças vai ser rejeitado, e sei também que um requerimento idêntico permitiu ao Sr. Vitorino Guimarães ir tomar águas para Vidago, porque as declarações do Sr. António Maria Silva, em nome da maioria desta casa do Parlamento, sem dúvida farão com que essa mesma maioria rejeite o referido requerimento e mesmo a proposta do Sr. Ministro cias Finanças. Mas eu quero mais uma vez protestar contra a forma de se apresentarem propostas desta natureza sem dar tempo aos Deputados para as estudarem, demais a mais quando, ao que me consta, a do que se trata contém várias autorizações que devem ser separadas inteiramente da questão dos duodécimos.

O orador não reviu.

Posto à votação o requerimento, é aprovada.

O Sr. Carvalho da Silva: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

Procede-se à contraprova.

O Sr. Presidente: - Estão de pé 14 Srs. Deputados e sentados 56.

Está aprovado.

O Sr. Sousa Rosa (para um requerimento): - Sr. Presidente: requeiro que V. Exa. consulto a Câmara sôbre se permito que entre imediatamente em discussão o parecer n.° 967 relativo à separação dos oficiais.

Devo esclarecer que estou autorizado pelos Srs. Ministro das Colónias e Brito Camacho a declarar que S. Exas. prescindem do seu direito de realizar já a interpelação que estava marcada para segunda parte da ordem do dia a fim de se discutir êste parecer.

O orador não reviu.

Posto à votação o requerimento, é rejeitado.

O Sr. Cunha Leal: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° Procede-se à contraprova.

O Sr. Presidente: - Estão de pé 27 Srs. Deputados o sentados 45.

Está aprovado.

Entra em discussão.

O Sn Sá Pereira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar a V. Exa. e à Câmara que em condição nenhuma posso dar o meu voto no sentido de o parecer em discussão ser aprovado. Os acontecimentos são relativamente recentes para que os possamos esquecer. Todas nós os conhecemos, e é por isso que eu pedi à

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palavra no propósito não só de emitir a minha opinião mas, mais do que isso, lavrar o meu mais fcfrmal protesto contra aquilo que se pretende fazer e que é ofensivo do espírito republicano do País inteiro.

Sr. Presidente: nesta pobre e desgraçada nacionalidade têm de acabar as revoluções, têm de acabar os movimentos revolucionários, e aqueles que porventura os façam terão de prestar estritas contas à justiça, que tem obrigação moral de os punir inexoravelmente. Sou contra todos os movimentos revolucionários, sejam êles feitos por quem fôr, mas especialmente sou contrário àqueles que são realizados pelas entidades que mais do que ninguém têm â obrigação de garantir a ordem.

Mas o que vejo eu?

Vejo do norte ao sul do País criarem-se conspirações de carácter permanente, e para restabelecer uma cousa que o País baniu e não quere ver reimplantada em Portugal: o regime monárquico.

São os militares, que deviam estar na caserna para defender o Govêrno, a lei e a Constituição, que constantemente se revolucionam para formarem Govêrno!

Estou cansado de ouvir dizer que hoje sai uma revolução de carácter radical; amanhã outra conservadora, e outra militar com o fim de fazer uma ditadura, e ainda outra monárquica, etc.

Sem querer saber da política dos homens que estão no Poder, ainda há pouco tempo eu fui avisar o Govêrno de que se preparava uma revolução de carácter militar, que tinha à sua frente o general Sinel de Cordes e o tenente-coronel Raúl Esteves; e sabem V. Exas. o que me responderam: que o Sr. Raúl Esteves era o homem mais amigo da ordem que podia haver e que tinha dado a sua palavra de que defenderia a Constituição.

V. Exas. bem sabem o que sucedeu: êsse homem que era incapaz de atacar a República, êsse homem que era apenas militar, tentou sair para a rua com as suas tropas, e se não o conseguiu foi porque uns civis, prevenidos, evitaram que elas saíssem dos quartéis.

É o movimento não saiu.

Mas um dia há um pequeno descuido, são desconhecidas as horas e os manejos, e o movimento da madrugada de 18 de Abril surpreende a cidade de Lisboa.

E êsse homem, que dizia que era incapaz de desobedecer, e que tanta vez dera a sua palavra de honra de que era incapaz de se revoltar, apareceu no Parque Eduardo VII, ao lado do Sr. Filomeno da Câmara.

Mas o que é isto? preguntava a cidade alarmada ao soarem os primeiros tiros; e, por mais que se preguntasse, ninguém sabia responder.

Fui então ao Carmo saber o que se passava, inquirir dos perigos que corria a República, que o povo havia fundado com o seu sangue generoso, e disseram- me:

"Está revoltado o Sr. Raúl Esteves e preso o Sr. Sinel de Cordes".

Preguntei: Todos o ignoravam que carácter tem êste movimento?"

As horas iam-se passando e a angústia era cada vez maior.

E às 4 horas da tarde, sem comiseração por uma cidade com 800:000 habitantes, sem respeitar aquilo que nós temos de mais sagrado, que é a honra, êsses homens anunciaram à cidade de Lisboa que estavam em revolta.

Então é próprio de homens que envergam uma farda, e que são portugueses, sujeitar durante 20 horas consecutivas uma cidade a um intenso bombardeamento, como se vivêssemos em plena guerra?

Ao mesmo tempo que se atirava para a cidade, a torto e a direito, enorme soma de granadas, não sabendo a população se em suas próprias casas estaria garantida contra o perigo, o Govêrno, que havia sido surpreendido pelos acontecimentos, não sabia como agir, porque tudo era uma interrogação.

Ignoravam-se as unidades que estavam na disposição de acompanhar os revoltosos e as que estavam fiéis à República.

Aquilo que os revolucionários estavam fazendo era a prática de um crime.

Apoiados.

Pretendia-se implantar uma ditadura militar, e o País não quere ditaduras militares nem civis.

Apoiados.

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Foi pena que o Govêrno de então não tivesse fornecido as indispensáveis armas aos civis, para êles poderem dizer ao Sr. Raul Esteves o amor que tem às ditaduras.

Apoiados.

É depois de um ataque contra a República, porque, digam o que disserem, foi contra a República que êle se dirigiu; é depois de um movimento que teve por tini rasgar a Constituição, que se apresenta um projecto desta natureza, como que a dizer que se praticou uma ignomínia ao declarar-se a êsses homens que não mais poderiam usar as suas condecorações, nem vestir a sua farda!

Quem teve a culpa disso?

Foi o Govêrno que promulgou a lei, ou foram os indivíduos que o forçaram à prática dêsse acto?

Mas, Sr. Presidente, isto não vai com a facilidade com que julgam muitos daqueles que tomaram a iniciativa dêste projecto de lei, e pelos quais inútil é dizer-se que tenho a maior consideração pessoal, embora estejam em conflito político comigo neste momento, como sempre.

Como homem que tem opiniões e que, através de tudo, as mantém inalteràvelmente com a mesma coerência, com a mesma firmeza, sempre na disposição de fazer os mesmos sacrifícios pela República, hei-de levar a minha palavra, embora pobre e modesta, aonde seja preciso que ela chegue.

E, porque é rigorosamente assim, aqui estou, no cumprimento do meu dever, para declarar a V. Exa. que não posso dar o meu voto em sentido afirmativo ao projecto de lei que se encontra sôbre a minha bancada, porque, para o fazer, seria preciso que há muito tivesse esquecido aqueles compromissos por mim tomados para com a Nação ao iniciar a minha vida pública; e Sr. Presidente, ou não sou daqueles homens que, tendo tomado algum dia um compromisso, alguma vez a êle venham a faltar.

Não tenho a honra de ser oficial do exército, mas, se uma farda eu envergasse, faria como militar o mesmo que faço como civil.

Nunca fugiria ao cumprimento do meu dever ou daquilo a que me tivesse comprometido.

Bem sei que se costuma argumentar que a palavra de honra no campo político não valo o mesmo que no campo das nossas relações pessoais; todavia, eu não tenho essa opinião.

Entendo que um homem só é honrado quando em todas as condições da sua vida cumpre sempre os seus compromissos.

E, Sr. Presidente, ao contrário do que muitos julgam e afirmam, eu tenho a opinião de que, se há cousa do respeitar, se-há cousa a que nós tenhamos que consagrar todo o nosso amor, toda a nossa dedicação, o desvelo da nossa inteligência e da nossa consciência, ela é a política, que tam mal interpretada está sendo pela maior parte das pessoas.

O País inteiro, o País que pensa, que estuda, que sento, há-de reconhecer que os homens mais dignos do admiração e de respeito são os políticos, quando os políticos são honestos, porque a política exige do nós sacrifícios de que ninguém nos recompensa.

Há homens que passam uma vida inteira consagrando-se completamente à Pátria.

Há homens para quem, ainda nos bancos da escola, toda a sua preocupação é o seu País, é a terra em que nasceram, não procurando medrar à sua sombra, mas sim fazer por ela todos os sacrifícios.

E, Sr. Presidente, aqueles que na madrugada de 18 de Abril empunharam uma espingarda ou desembainharam a sua espada tudo isso esqueceram, apodando os políticos de Portugal, sem excepção, de homens perigosos e de pouco menos que criminosos autênticos.

No emtanto, são os políticos que perdem o seu tempo, a sua saúdo, esgotam a sua vida a cuidar da torra que lhos foi berço.

Porque esta é a expressão rigorosa da verdade: eu estou aqui no cumprimento do meu dever de cidadão para dizer a V. Exa. que não posso concordar com êste projecto.

E que se eu neste momento, com sacrifício da minha saúde abalada, não combatesse êste projecto, não ficaria bem com a minha consciência, quando atravessasse amanhã o meu País, os meus concidadãos poderiam dizer-me: - "ali vai um que não soube cumprir a sua obrigação".

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Entregue a esta missão altíssima que a, mim próprio impus de só à Pátria me consagrar, eu continuarei a servir o meu País e a ser um soldado fiel defendendo a República, sem um momento esquecer que cumpro o meu dever.

Ora se um pobre filho do povo como eu, inspirado nas medidas mais avançadas, tem êste ponto de vista, como se compreende que homens de inteligência muito maior do que a minha e de instrução mais vasta, homens que tomaram compromissos que eu não tomei, podem discordar da minha forma de apreciar o assunto!

Sr. Presidente : muitas vezes ouvi dizer que o Sr. General Sinel de Cordes tinha feito o seu juramento de fidelidade ás instituições republicanas.

Sr. Presidente: como é triste, como é desgraçado, tudo quanto se passa neste País!

Ah! Sr. Presidente! Como vão longe os dias grandiosos, cheios de fé, os dias de História, em que propagandeámos a República, como a única maneira do salvar a nacionalidade, que a Monarquia havia abatido e colocado às portas do cataclismo!

Sr. Presidente: pertenço ao número dos homens que nunca deram por mal empregado o seu esfôrço em defesa das instituições republicanas. Isto para a minha honra é alguma cousa mais do que um bocado do gesso!

Eu sei, infelizmente, que há muita gente para quem a República é ainda uma palavra vã, e muita gente também para quem a República não passa de ser um nada. Mas êsses pouco ou nada me importam. Os únicos em que penso, aqueles para quem vai todo o meu afecto, aqueles para quem vai sempre o meu amor e a minha mais alta consideração, são os do povo, é o povo que fez a República, é o povo que através de tudo mantém a República.

Sr. Presidente: quando em 19 de Janeiro eu assisti à escalada de Monsanto, verifiquei que nas primeiras horas de combate o número de oficiais, de sargentos e de soldados que pela República se batiam era reduzido. Lá estavam, porém, os heróis dos marinheiros, homens que nunca faltam na hora própria ao cumprimente sagrado do seu dever.

Ah! Sr. Presidente! Como me dói o coração, como se me confrange a alma ao lembrar-me que êsses homens andaram, contra sua vontade, meia dúzia de dias arrastados por uma revolução que êles não podem perfilhar (Apoiados) revolução que vem a ter a sua continuação - embora alguns digam que não- nessa negregada jornada que foi o 18 de Abril!

Eu vi, nessa ocasião, da escalada de Monsanto, bater-se, ao lado dos heróicos marinheiros, essa brava guarda nacional republicana, que agora, nas horas trágicas e negras do 18 de Abril, foi quem mais valeu e lutou pela salvação da democracia.

Apoiados.

Como faz bem ao meu coração, à minha alma, eu ter de fazer aqui, nesta hora, justiça a todos êsses que cumpriram honradamente o seu dever, embora tenha de condenar os que faltaram ao cumprimento da sua palavra.

Os últimos não são demais para êles todas as palavras de reprovação e de protesto. Numa hora, não direi de loucura, mas de crime, arrastaram-se até ao Parque; mas, Sr. Presidente, não se lembraram dos heróicos marinheiros, da guarda, dos seus bravos comandantes, das baterias de artilharia n.° 3, de todas as sentinelas, emfim, que estão sempre vigilantes o prontas a pugnar pelo triunfo da democracia!

Apoiados.

Não posso deixar de registar o esfôrço heróico da guarda republicana, o esfôrço heróico das baterias de artilharia n.° 3 e das outras fôrças do exército.

Apoiados.

A todos presto a minha homenagem, rendo o meu agradecimento, sentindo que as minhas pobres palavras não tenham aquele entono que deviam ter para exaltar o bom serviço que a esta pobre Pátria prestaram êsses honrados soldados da República. Êsses heróicos soldados bem sabem que são a única garantia da Pátria e da República, tam mal servida por alguns homens. Êles bem compreendem que, só esta República desaparecesse, Portugal não teria mais dias de existência.

Apoiados.

Não posso esquecer o exército, que se bateu pela República, pela vigésima ou trigésima vez.

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Quando a República se proclamou, os monárquicos diziam que a proclamação da República fora uma obra do acaso, que a República não estava no sentimento do povo português, que ela não se poderia manter, que o País não a queria, E tam convencidos estava os monárquicos de que a República não correspondia às aspirações do País, que em Outubro de 1911 apareciam no norte meia dúzia de civis empunhando armas, acompanhados por alguns soldados que os monárquicos haviam conseguido enganar para derrubar a República. Mas aos primeiros tiros do exército e do povo republicano os monárquicos fugiram. A intentona do 1911 não conseguiu triunfar, portanto.

Mas os monárquicos continuaram convencidos de que o País é profundamente monárquico. Por isso, tendo-se armado em território estrangeiro, fizeram a invasão de Chaves, não duvidando vir assassinar os acua irmãos do Portugal.

Mas. Sr. Presidente, a que assistimos nós?

Assistimos a êste caso verdadeiramente épico, em que um tenente à frente de trinta praças de infantaria, quando interrogado a quando das incursões, se se rendia, respondeu: diga a Paiva Couceiro que não me rendo.

Os meus homens têm muita honra em serem varados pelos inimigos da República e da Pátria.

Sr. Presidente: nunca para derrubar a monarquia em Portugal fomos buscar elementos ao estrangeiro.

E, quantas ofertas de dinheiro se fizeram aos vários directórios do Partido Republicano Português!

Sr. Presidente: os republicanos, sempre honestos e patriotas, na sua propaganda apenas mostravam ao povo a conveniência que havia em se substituir o regime.

Nessa obra admirável, eu lembro-me de lentes da Universidade, como José Falcão, de homens eminentes como Rodrigo de Freitas, Sousa Brandão e Elias Garcia.

Êste, na sua passagem pela Câmara Municipal de Lisboa, deixou uma obra que jamais se apagará da nossa memória.

Nunca êsses homens eminentes foram além fronteiras buscar elementos para a sua propaganda, não devendo esquecer

dois grandes vultos, como Afonso Costa e António José de Almeida.

Sr. Presidente: eu não posso ficar toda a vida a enumerar os nomes de todos os homens que neste país trabalharam pela República.

Todavia, não quero ainda esquecer os nomes do Oliveira Martins e Leão de Oliveira, o último dos quais não só deu o seu máximo esfôrço, como deu grande parte da sua fortuna para o serviço de uma causa que era a salvação da Pátria Portuguesa.

O que eu lamento verdadeiramente, Sr. Presidente, é que não haja o respeito devido por êsses homens que tanto se sacrificaram pela República, ao ponto do deixarem a família sem pão.

Isto é o que eu não compreendo, nem posso compreender de maneira nenhuma. Não, Sr. Presidente, eu não compreendo que êsses homens que fizeram e 18 de Abril, oficiais do exército que tem a obrigação restrita de manter a ordem, assim pretendessem assassinar a República, pois na verdade outros intuitos não tinham, a meu ver, se bem que me possam dizer o contrário.

Não, eu não posso do maneira nenhuma dar o meu voto a semelhante proposta, vendo-me na obrigação até de a combater, e combatê-la hei em quanto tiver fôrça, para ficar bem com a minha consciência, visto que não concordo, nem posso concordar de maneira nenhuma, com o que se pretendo.

Eu devo dizer em abono da verdade, que mais digno considero Paiva Couceiro, pois na verdade êsse despiu, a sua farda para depois ir conspirar contra a República, o que só não dá com o Sr. Raul Esteve?, que se bom que tivesse declarado por diversas vezes que nunca entraria em movimentos revolucionários contra a República, foi para o movimento do 18 de Abril levando consigo grande número de soldados.

Não, não pode ser, pois felizmente no país ainda há gente com vergonha.

Não, Sr. Presidente, eu não posso de maneira nenhuma dar o meu voto a semelhante projecto, muito principalmente tratando-se de homens, como já disse, que só tinham em vista assassinar a República, tanto mais quanto é certo que esta República que nos serve tem a sua Consti-

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tuição, tem o seu Parlamento, tem o seu Poder Executivo.

Então é aceitável que haja benevolências para aqueles que querem estrangular o regime com as próprias espingardas e espadas que o regime deixou em suas mãos, e que pela fôrça pretendem tirar-nos as liberdades que temos conseguido à custa de muitos sacrifícios?

Não!

Não pode ser!

Que pena tenho de que o Sr. Raul Esteves não conheça o sentimento republicano do país inteiro!

É maior do que S. Exa. pode julgar.

Para os revoltosos de 18 de Abril e 19 de Julho só há que pedir justiça.

Mas justiça na verdadeira significação da palavra.

Justiça recta e implacável.

Devemos lembrar-nos de que se os factos que se deram entre nós, houvessem sido praticados em França ou em Espanha, já a estas horas tinham sido fuzilados os responsáveis deles.

Em Portugal é o que se vê.

São presos, e nem sempre o são; quando lhes parece saem da prisão para fazer outra revolução, e depois voltam para a prisão.

Vão para o tribunal. Já tenho assistido, com o mais profundo desgosto, ao triste espectáculo de os ver elogiados no tribunal.

Quando são condenados, vem logo à Câmara um Deputado de alma generosa apresentar qualquer projecto de amnistia.

Foi assim que em 1921 aqui foi discutido um projecto do amnistia para libertar os monárquicos que então estavam presos. Combati Csse projecto, e parece-me que tive o prazer de encontrar a meu lado o Sr. Cunha Leal ...

O Sr. Cunha Leal: - Tenho sido sempre contrário a todas as amnistias, e como sou coerente, nunca voto nenhuma.

O Orador: - Sou profundamente extremista, mas sou sempre o homem que não quere a desordem, porque ela não serve aos meus ideais.

As grandes revoluções, e o Sr. Cunha Leal sabe-o tam bem como eu, fazem-se mais pelo pensamento do que com as armas na mão.

Quando em Outubro de 1910 S. Exa. galhardamente, saía da Escola de Guerra para ir para a Rotunda, tenho a certeza que era o pensamento da vitória dos seus ideais que mais o animava.

Eu, Sr. Presidente, vi esta cousa verdadeiramente estonteante, de que nunca me esquecerei através a minha vida: em 4 de Outubro, eram talvez 2 horas da tarde, estando eu nas ruas da Baixa a ver as etapas por que a revolução ia passando, vi um capitão da guarda municipal à frente de um esquadrio de cavalaria querer acutilar o povo, que por toda a parte gritava: Viva a República! Êsses homens ameaçados de serem acutilados fugiam para as portas das escadas, mas, mal a guarda se afastava, voltavam a gritar: Viva a República! Êsses homens eram mais heróicos que os que estavam na Rotunda, porque os que ali se encontravam tinham com que se defender, vê passo que êles estavam completamente desarmados.

Quando nós vemos cousas grandiosas como essa e vemos misérias como foi a movimento de 18 de Abril, a nossa alma, sempre pronta a lutar, retempera-se cada vez mais para a luta, sente-se cada vez mais forte, mesmo quando a doença nos está a minar o organismo. É porque na nossa própria existência há alguma cousa que nos diz: se não lutas, morres.

E por isso talvez que eu através de tudo, apesar de tudo, apesar de todos os sacrifícios, que não chegam a ser sacrifícios, estou sempre no meu lugar, sempre no meu pôsto, embora isso por vezes me cause as maiores amarguras.

Quantos desgostos tenho eu tido com amigos meus, amigos dedicados, a cuja amizade retribuo com a minha; quantas questões tenho tido através da minha vida, e, todavia, eu continuo a ficar sempre forte para manter os meus princípios e para defender a obra que tenho ajudado a fazer.

É que muitas vezes o que me anima não é a minha fôrça, não é o meu valimento, é a razão que me assiste; é que, Sr. Presidente, quando vejo alguém que quere conspurcar a República, tenho a impressão de que sou um homem diferente.

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São assim todos os homens que uma vez entrando na senda do dever nunca mais dela se desligaram, consagrando-lhe sempre as mesmas horas de amor, o mesmo infinito entusiasmo, a mesma dedicação, a mesma grandeza de alma.

Sr. Presidente: quando há pouco, nesta casa do Parlamento, eu estava convencido do que ia continuar a discussão da proposta orçamental ...

O Sr. Presidente: - Previno V. Exa. de que deu a hora de se passar ao período de antes de se encerrar a sessão.

O Orador: - Nesse caso peço a V. Exa. o favor do me reservar a palavra para a sessão seguinte.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Fica V. Exa. com a palavra reservada.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: uso da palavra nesta altura da sessão para chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério para o que de revoltante se está passando no concelho de Alenquer. S. Exa., que tem declarado que está no Govêrno para fazer respeitar o direito do todos o para ser fiel cumpridor da lei, irá ter ensejo agora de mostrar se são politicamente sinceras as suas afirmações.

Há cêrca do três meses que o delegado do Govêrno, no concelho de Alenquer, vem exercendo violências sôbre pessoas da maior respeitabilidade e do mais acentuado prestígio no citado concelho.

É o caso de aquele delegado do Govêrno conservar sob prisão essas pessoas, vítimas da acção perseguidora que sôbre elas está exercendo aquela autoridade administrativa.

Muito embora o Sr. Presidente do Ministério me dê a impressão de que não manterá para com os monárquicos aquela imparcialidade que apregoa, nem procurará conciliar a família portuguesa, pois ainda ontem no Senado aproveitou um pequeno ensejo para dividir os católicos, ainda quero esperar que S. Exa. vá providenciar sôbre o caso a que me refiro, o que reconhecerá que aquela autoridade não poderá continuar à frente do concelho que está dirigindo.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Domingos Pereira): - Em resposta às considerações do Sr. Carvalho da Silva, tenho a declarar que vou saber do que se passa para depois providenciar convenientemente. Se houver alguma pessoa prosa ilegalmente, não terei dúvida em ordenar a sua libertação.

Se porventura a autoridade administrativa tiver procedido arbitrariamente, não deixarei do exonerá-la.

Não sei do quem se trata.

Estou falando assim a S. Exa. sôbre lima autoridade sem saber do quem se trata.

Pode ser e mais valioso dos meus correligionários, mas isso não obsta, porque acima do tudo está o respeito à lei, e eu declaro a S. Exa. que os excessos que apontou vão ser considerados pelo Ministro do Interior.

Apoiados.

E, já agora, quero tocar noutro ponto,

Quis S. Exa. fazer um pouco do graça sôbre as minhas declarações do Senado relativamente à atitude tomada pelo Sr. Tomás do Vilhena a respeito daquilo que êle considerava as reivindicações da igreja católica em Portugal.

S. Exa. tomou a minha resposta como uma manifestação, não do conciliar, mas de impedir até a conciliação entre pessoas que tantas afinidades têm, porque o Sr. Tomás de Vilhena é um grande católico e o Sr. cónego Andrade também o é. Eu. considero muito o Sr. Tomás de Vilhena, porque já o conheço de há muito, desde os tempos em que êle era governador do Coimbra o eu um simples estudante da necessidade, tendo-me S. Exa. mandado prender por um excesso infantil do meu republicanismo.

Mas eu não digo bem: o Sr. Tomás do Vilhena talvez não me tivesse mandado prender, dada a maneira generosa como procedeu comigo, porque fui apresentado a S. Exa. e S. Exa., com o seu ar mais paternal e protector, deu-me conselhos, que eu não tenho desaproveitado para

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norma de conduta da minha vida, mandando-me depois em paz após ter passado ligeiramente pelos calabouços daquela cidade.

De forma que o meu respeito por S. Exa. já vem de longe, e não me deixava colocar mal S. Exa. para as ideas de conciliação com o Sr. cónego Andrade.

Eu quis apenas pôr as cousas nos seus devidos lugares!

Se bem que fôsse lógico que o Sr. Tomás de Vilhena, católico fervoroso, cuidasse dos interêsses da igreja, entretanto pareceu-me que, havendo um representante da igreja católica no Parlamento, no propósito da minha conciliação, era indispensável, embora de uma maneira respeitosa, dizer a S. Exa. que o seu papel não podia ir até o ponto de ferir os direitos do ilustre Senador católico, que aliás também estava inscrito para usar da palavra.

Por consequência, não queira o Sr. Carvalho da Silva levar as minhas palavras à conta do propósito de não querer conciliar os católicos com a minoria monárquica.

Disse apenas que o Sr. cónego Andrade lá estava para defender os interêsses da igreja, como defendeu.

S. Exa. é tam cioso na defesa das ideas monárquicas como eu sou das ideas republicanas; mas o que eu peço a S. Exa. é que não leve o seu fervor monárquico a tal excesso que impulsione S. Exa. a ter uma opinião antecipada quanto à minha sinceridade.

Não se deixe S. Exa. influenciar pelo que dizem os jornais monárquicos nos ataques que fazem aos homens públicos do regime; procure antes ajuizar pelos actos praticados, e aqueles que eu tenho praticado ainda não desmentiram a sinceridade das minhas palavras.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: - Com respeito ao caso de Alenquer, espero as providências do Govêrno.

Quere V. Exa., Sr. Presidente do Ministério, uma prova do que eu sou muito menos apaixonado do que V. Exa.? Estive preso e incomunicável, à ordem de V. Exa., quarenta e três dias, e até hoje êsse facto não deminuíu aquela sincera simpatia pessoal que tenho por V. Exa. Êsse caso esqueci-o por completo.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal: - Está-se discutindo um projecto em que não se trata duma amnistia a determinados oficiais do exército, mas sim do reparar uma injustiça grave, mas vejo que se esboça um obstrucionismo para o não deixar aprovar.

Êsse projecto visa a duas cousas: a revogar o decreto n.° 10:734, que estabelece princípios meramente disciplinados, e visa ainda a destruir os efeitos derivados dêsse decreto, por motivo da legislação anterior, para o efeito de separar os quadros do exército, conforme foi publicado no Diário do Govêrno, 2.ª série, de 7 de Maio do corrente ano.

Como não podemos, destruir a lei, reparemos as injustiças praticadas à sombra da legislação em vigor do decreto referido.

Êste decreto foi aquele que justificou a separação dos oficiais?

Ouvimos aqui garantir ao Sr. Almeida Ribeiro que não foi em virtude do decreto n.° 1:734 que êsses oficiais tinham sido separados.

Portanto, ou foi em virtude dêsse decreto ou foi em virtude da legislação anterior.

Se foi em virtude do decreto n.° 10:734, devia-se ter cumprido todas as proserções, e, assim, devia haver queixa do comandante da divisão, e acêrca dos oficiais e sôbre essa queixa incidir o julgamento do Sr. Ministro da Guerra, com apelação para o Conselho de Ministros.

Não se procedeu, porém, assim, segundo o decreto n.° 10:734, e, portanto, temos de concluir que a separação não foi feita segundo êsse decreto.

Se o foi em virtude da legislação anterior, então era preciso ouvir um Conselho Superior do Exército, que não foi ouvido.

Nestas condições, verifica-se que a separação publicada no Diário do Govêrno de 7 de Maio, 2.ª sério, é um autêntico abuso do Poder.

O Sr. Sá Pereira o outros Srs. Deputados querem essa monstruosidade na le-

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gislação portuguesa; mas eu apelo para o militar ilustre, como os mais ilustres, para o homem de bem que é o Sr. Ministro da, Guerra, a fim de S. Exa. verificar com cuidado se são ou não verdadeiras as minhas afirmações.

Peço ao Sr. Ministro da Guerra que estude êste assunto e que verifique só foi em virtude do decreto n.° 10:734 que êsses oficiais foram separados ou se foi em virtude da legislação anterior, que manda ouvir o Conselho Superior de Disciplina.

O Sr. Ministro da Guerra terá ao menos a glória e o prazer sagrado de tirar das mãos- dos pequeninos tiranetes, que querem aqui no Parlamento exercer a função odienta de condenarem contra a lei, as vítimas sacrificadas a uma posição especial, restituindo-as à situação de presumidos delinquentes, que os tribunais condenarão ou não segundo entenderem necessário para bem da disciplina e da ordem dêste pais.

A bom da disciplina e da ordem, que não podem ser uma letra morta neste país, apelo, portanto, para o Sr. Ministro da Guerra, para que estude a questão, e creia me não será dos actos menos corajosos, nem menos justos aquele que S. Exa. cometerá, pondo o seu nome debaixo dum decreto que anule os efeitos dêste outro, que é odioso, repelente e sobretudo ilegal.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Guerra (Vieira da Rocha): - Sr. Presidente: ouvi com toda a atenção as considerações do ilustre parlamentar Sr. Cunha Leal sôbre o decreto ou disposição que determina a separação dos oficiais implicados no movimento de 18 de Abril último.

Essa determinação - sabe S. Exa. - está firmada por todo o Conselho de Ministros, e, portanto, encontrando-se ela assinada por todo o Ministério, não é só a mim que compete promover a anulação dêsse diploma.

Mas desejando atender, como é justo, aos desejos do Sr. Cunha Leal, posso garantir-lhe que o mais breve possível apresentarem a questão em Conselho de

Ministros, para decidir o que há a fazer sôbre o assunto.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: pede a palavra apenas pára agradecer ao Sr. Ministro da Guerra o favor das suas considerações.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, 13, à hora regimental, com o seguinte ordem de trabalhos:

Antes da ordem do dia (com prejuízo dos oradores que se inscrevam):

Proposta do lei n.° 973, que autoriza o Govêrno a contrair um empréstimo do 30,000$ para despesas de instalação do ensino universitário primário. E a que estava marcada.

(Sem prejuízo dos oradores que se inscrevam):

A que estava marcada.

Ordem do dia:

Proposta de lei n.° 974, que autoriza o Govêrno a executar durante os meses do Setembro a Dezembro de 1925 a proposta orçamental para 1925-1926;

Parecer n.° 967, que declara nulos os decretos n.ºs 10:734 e 10:761, de 2 de Março último. E a que estava marcada.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 55 minutos.

Documentos enviados para durante a sessão

Substituições

Substituir na comissão de inquérito ao Ministério da Guerra o Sr. Alberto Lelo Portela pelo Sr. Lúcio de Campos Martins.

Para a Secretaria.

Substituir na comissão parlamentar de inquérito ao Ministério das Colónias o Sr. António de Sousa Maia pelo Sr. Delfim Costa.

Para a Secretaria.

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Proposta

Propomos que sejam dados por findos os trabalhos da comissão parlamentar de sindicância à administração dos Bairros Sociais;

Seja dissolvida a mesma comissão, prestando-se aos seus membros a homenagem devida aos seus bons serviços, e seja ordenada a remessa de todos os processos e documentos em poder dessa comissão, por efeito de tal inquérito, ao juízo competente de investigação criminal para instaurar-se e seguir o procedimento que no caso couber.- Sá Cardoso - A. Almeida Ribeiro.

Admitida.

Para a comissão de legislação criminal.

Negocio urgente

Desejo, em negócio urgente, ocupar-me da maneira por que estão sendo interpretadas as leis tributárias, cobrando-se ao contribuinte impostos ilegais, estabelecidos até por simples circulares da Direcção Geral dos Impostos.

Sala das Sessões, 12 de Agosto de 192o.- Artur Carvalho da Silva.

Rejeitado.

Projectos de lei

Do Sr. José Pedro Ferreira, tornando extensivo aos sargentos músicos, mestres de clarins e corneteiros o disposto na lei n.° 1:811, excepto na parte a que se refere o § 3.° da mesma lei.

Para o "Diário do Govêrno".

Do Sr. Ribeiro de Carvalho, concedendo à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Marinha t Grande a verba de 60.000$ para a compra de material para extinção de incêndios.

Para o "Diário do Govêrno".

Parecer

Da comissão de marinha, sôbre o n.° 259-B, que concede a pensão anual de 486 ao segundo sargento reformado da armada, José Maria Vivo.

Para a comissão de finanças.

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministério das Colónias, me seja permitido consultar o processo referente ás recentes propostas de fomento, feitas pelo governador da província de Cabo Verde, nomeadamente as que se referem ao porto grande da Ilha de S. Vicente. - Viriato da Fonseca.

Expeça-se.

Requeiro, pelo Ministério da Justiça e dos Cultos, autorização para examinar o processo que motivou o despacho de 8 do corrente mês, publicado no Diário do Govêrno, 2.ª série, do dia 11, em que é afastado temporariamente do exercício das suas funções o delegado do Procurador da República na 5.a vara cível e 2.° distrito criminal da comarca de Lisboa, bacharel Silvério Máximo de Figueiredo Lobo e Silva.

Em 12 de Agosto de 1925. - Adolfo Coutinho.

Expeça-se.

Requeiro que me seja fornecido com toda a urgência o seguinte:

Pelo Ministério da Guerra - Nota indicando datas, nomes dos vapores e quantidades de trigo, e quaisquer outros cereais que a Manutenção Militar recebeu durante os anos de 1924 e 1925.

Pelo Ministério da Marinha - Nota indicando datas, nomes dos vapores e quantidades de carvão de pedra que os depósitos de marinha receberam durante os anos de 1924 e 1925.

Pelo Ministério do Comércio - Nota indicando datas, nomes dos vapores e quantidades de carvão de pedra que os Caminhos de Ferro do Estado, Sul e Sueste e Minho e Douro, receberam durante os anos de 1924 e 1925.

Sala das Sessões, 11 de Agosto de 1925. - Jaime de Sousa.

Expeça-se.

Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me seja concedida autorização para examinar a correspondência trocada entre o mesmo Ministério e a 4.ª divisão militar (Évora) a propósito da recusa de embarque de determinadas fôrças que o comando da divisão mandava seguir, para efeitos de exercício, a Vendas Novas.

12 de Agosto de 1925. - Alberto Jordão.

Expeça-se.

O REDACTOR - João Saraiva.

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